o ponto e a linha na espacialidade lúdica: uma proposta no

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Cláudia Souza de Holleben Esta proposta visa defender a importância da ludicidade na educação, principalmente nas séries iniciais, pois acredita-se que o conhecimento possa ser absorvido naturalmente no prazer do lúdico, tornando a aprendizagem significativa por estar vinculada à realidade cognitiva e sensorial da criança. A escola municipal onde se deu esta experiência é um espaço pequeno e tranqüilo e não conta com professores de Arte na 1ª série do ensino fundamental, o que se revelou um dado positivo, justamente pela demonstração de interesse pela troca de experiências. Através de propostas iniciadas a partir de histórias infantis ou encaminhadas pela exploração sensorial e lúdica, ocorreu o direcionamento no processo de educação estético e artístico, trilhando o caminho que a oferece de proposta triangular 2 trânsito livre entre , e contextualização produção 125 O ponto e a linha na espacialidade lúdica: uma proposta no ensino fundamental O ponto e a linha na espacialidade lúdica: uma proposta no ensino fundamental Este relato visa contribuir para o processo de pesquisa na área de aprendizagem de Arte, na medida em que se desenvolveu através de um projeto baseado em experiências lúdicas que enfocaram a eo , linha ponto como elementos da linguagem visual contextualizados na vida das crianças da Escola Desdobrada Retiro da Lagoa , 1 em Florianópolis SC. O trabalho buscou um olhar mais atento às imagens do cotidiano, perpassando a história da arte ao procurar referências na produção de alguns artistas plásticos e sempre propondo práticas que reiterassem este saber. 1 Localizada à rua Prefeito Acácio G. São Thiago, 201 no bairro Lagoa da Conceição. 2 Encaminhamento pedagógico formulado pela professora Ana Mae Barbosa USP.

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Cláudia Souza de Holleben

Esta proposta visa defender a importância daludicidade na educação, principalmente nas sériesiniciais, pois acredita-se que o conhecimento possaser absorvido naturalmente no prazer do lúdico,tornando a aprendizagem significativa por estarvinculada à realidade cognitiva e sensorial dacriança.

A escola municipal onde se deu estaexperiência é um espaço pequeno e tranqüilo e nãoconta com professores de Arte na 1ª série do ensinofundamental, o que se revelou um dado positivo,justamente pela demonstração de interesse pelatroca de experiências.

Através de propostas iniciadas a partir dehistórias infantis ou encaminhadas pela exploraçãosensorial e lúdica, ocorreu o direcionamento noprocesso de educação estético e artístico, trilhandoo caminho que a oferece deproposta triangular

2

trânsito livre entre , econtextualização produção

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O ponto e a linha naespacialidade lúdica:

uma proposta no ensino fundamental

O ponto e a linha na espacialidade lúdica:uma proposta no ensino fundamental

Este relato visa contribuir para o processo de pesquisa naárea de aprendizagem de Arte, na medida em que sedesenvolveu através de um projeto baseado emexperiências lúdicas que enfocaram a e o ,linha pontocomo elementos da linguagem visual contextualizados navida das crianças da Escola Desdobrada Retiro da Lagoa ,1

em Florianópolis SC. O trabalho buscou um olhar maisatento às imagens do cotidiano, perpassando a história daarte ao procurar referências na produção de algunsartistas plásticos e sempre propondo práticas quereiterassem este saber.

1 Localizada à rua Prefeito Acácio G. São Thiago, 201 no bairro Lagoa daConceição.2 Encaminhamento pedagógico formulado pela professora Ana MaeBarbosa USP.

leitura de imagens.

Este direcionamento fez a relação entre alinguagem semi-simbólica (artes plásticas) com alinguagem simbólica (alfabetização), visto que ascrianças estavam no início do processo deletramento .3

A turma demonstrou alegria e curiosidade aosaber que teriam uma experiência com artesplásticas. Durante a leitura do livro “O menino queaprendeu a ver” as crianças permaneceramatentas, parecendo estar se identificando com a“busca” do menino Joãozinho (personagemprincipal da história) em decodificar o mundoatravés dos símbolos gráficos encontrados nostrajetos urbanos. Num segundo momento, a turmarecebeu como desafio a proposta de descobrir naletra de “ ” (música de Vinícius de Moraes),A casapalavras já conhecidas. Para enfatizar o conceito dearte como foram estabelecidas algumaslinguagem,relações entre os e os .signos verbais não verbais

Chegamos à conclusão de que, na linguagemescrita, qualquer mudança de posição ou alteraçãode letra comprometeria o significado da palavracasa linguagem plástica, casa, enquanto que, na apode ser representada de muitas maneiras. Isto sedeu pelo acesso a várias reproduções de casasinseridas na história da arte (utilizando trabalhosde Meyer Filho, Martinho de Haro, Volpi, RenéMagritte e Paul Klee) e também a imagensfotográficas observadas em livros e revistas. Abriu-se o leque de possibilidades no momento daprodução, que se deu a partir da proposta de dobraro papel no meio para, na primeira metade,

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3 Identifica o indivíduo que, ao se alfabetizar adquire o estado ou acondição de quem se apropria da leitura e da escrita, incorporando aspráticas sociais que as demandam.

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desenhar a sua casa e na outra metade, sobre omesmo tema, fazer um outro desenho, porémprocurando uma forma divers i f icada derepresentar. Houve muito empenho na criação das“casas malucas”, “casas de pedra”, “casas deárvore”, “a casa onde moro”, “casa bicho”, “casacarro”,... Conforme iam finalizando, as crianças seuniam em pequenos grupos para novas apreciaçõese pesquisas em torno das publicações oferecidas.

No segundo encontro, havia chovido pelamanhã e o pátio estava muito molhado. A aula (cujoobjetivo era reconhecer a linha como elemento dalinguagem visual) foi então adaptada para dentrodo espaço da sala. Na primeira proposta cadacriança ganhou um pedaço de barbante e apóscontar para a turma como era seu trajeto de casaaté a escola (curto, longo, contendo retas ou muitascurvas), deveria posicionar seu segmento de linhanos corredores entre as mesas da sala.

Quando unidos uns aos outros, estessegmentos formaram um grande trajeto. Depois,em pequenos grupos, as crianças tiveram aoportunidade de percorrer todo o trajetoconstruído por eles. Num segundo momento ascrianças reconheceram o elemento emlinhareproduções de obras de artistas como Steinberg,Tarcísio Sapienza, Picasso, Pollock e Paul Klee.

N a

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Jogo de memória

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proposta seguinte, cada criança recebeu um cartãoconfeccionado com cordão colado em um suporterepresentando um tipo de linha (abertas, fechadas,curvas, retas, etc.). Este cartão deveria ficar ocultodo restante da turma até que algum colegasolicitado viesse a descrever as característicasidênticas que definisse a linha fixada ali. Como numjogo de memória, a dupla contendo os cartõesiguais ia até o centro da sala e unia seus cartõesenquanto a turma aplaudia a conquista. Com aajuda do grande grupo, esta mesma dupla decrianças localizava, nas ilustrações fixadas nomural, artistas que se utilizaram daqueledeterminado tipo de linha nas suas produções.

Cada cr iança recebeu um portfól ioconfeccionado em papel craft no formato deenvelope para que suas produções e curiosidadespesquisadas durante o projeto pudessem serarquivadas. Então, com o mesmo cordão utilizadopara o trajeto, todos puderam 'desenhar' a partir deuma colagem realizada nos portfólios.

Em nosso terceiro encontro, com o objetivode descobrir a linha no meio ambiente, foi utilizadacomo recurso a história “O passeio da linha” , as4

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Desenho de Jorge, 7 anos (“Casa Sol”)

4 Livro-linha de autoria da professora Cláudia Souza de Holleben,confeccionado artesanalmente a partir de uma seqüência fotográficarealizada no trajeto urbano e fixada num rolo de papel.

crianças demonstraram grande interesse emparticipar 'desenrolando' a história.

Após, a linha “descolou-se” do papeltornando-se um personagem confeccionado empano com enchimento de fibra sintética e arame,que foi apresentado às crianças e logo batizado como nome de “Linha Exibida”. Isto se deve ao fato deque ao observar fotografias da cidade deFlorianópolis reconheceram múltiplas linhas emsuas formas. Esta constatação se estendeu para oambiente da sala de aula onde a Linha Exibidapasseou por muitas ' amigas' enquanto algunslinhasexpressavam: - “A Linha Exibida está em todaparte!”

Rolinhos de papel higiênico foram encaradoscomo máquinas fotográficas, e o passeio pela escolafoi recheado de descobertas. Muitas linhas foramreg is t radas naquele olhar que se abr iaprazerosamente para observar o mundo. Isto serefletiu na produção plástica pela naturalidade comque as 'fotos se revelaram' nos desenhos de lápis decor sobre papel. Num momento posterior, o grupoteve acesso a reproduções fotográficas queregistravam trabalhos de Richard Long e outrosartistas da LandArt .5

Com o objetivo de reconhecer a linha como oponto em movimento, as crianças, no quartoencontro, ouviram uma história ilustrada em muralcom desenhos criados simultaneamente ao relatooral. A história “O nascimento da linha” não possui6

um texto fixo e foi contada mais ou menos assim:

“- Vamos fazer de conta que o engordoupontoe virou esta bolinha de gude... O menino jogou o

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5 Produções artísticas desenvolvidas a partir da paisagem e seus recursosnaturais.6 Autoria da Profª Cláudia Souza de Holleben.

ponto, que caiu no mar pegando uma carona com asondas que subiam e desciam. Até que num impulso,pegou um pé de vento que o fez voar até o sol. Comoestava com muito calor, o se jogou lá de cimapontoe caiu numa cidade cheia de prédios muito altos. Oponto então, caminhou por cima deles até queencontrou um coelho gigante e azul que o ensinou apular. Ele pulou, pulou, foi e voltou pulando. Pulouaté cansar. Aí se enrolou e rolou até o ponto final.Dormiu, e ponto”.

A proposta seguinte foi o Jogo da Bolinha deGude , onde cada criança deveria empurrar uma7

bolinha sobre um papel A4 utilizando, comoinstrumento, canetas hidrográficas ou giz de cera.Acor deveria ser modificada quando a bolinha saíssedo limite do papel ou caísse no chão.

Ahistória “O nascimento da linha” e o Jogo daBolinha de Gude serviram como precursores daconversa sobre o pontilhismo de Seurat. A proposta8

plástica foi festejada por todos, pois gostam muitodo trabalho com tinta guache.Algumas crianças nãoconseguiram 'segurar a mão' para criar somenteatravés de pontinhos.

Às vezes, as hastes flexíveis, utilizadas comopincel, 'escorregavam um pouquinho' formandopinceladas lineares sobre o papel.

Logo em seguida, ao observar nos cartazes decinema e em revistas, os que formam cores epontostexturas, as crianças puderam fazer relações com opontilhismo e com reproduções de obras da OpArt .9

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7 Este jogo foi criado pelo prof.º Rosivaldo Flausino.8 Tecnicamente no pontilhismo, ao invés de misturar os pigmentos paraaplicá-los na tela, o pintor (no caso desta pesquisa, Seurat) subdivide ascores em seus componentes, de modo que elas se misturam no olho doobservador, quando vistas à distância.9 Arte abstrata caracterizada pelo preenchimento do plano através delinhas contínuas ou formas geométricas provocando uma ilusão ópticade movimento.

Cada criança desenhou a silhueta de sua mãoe preencheu todo o plano usando, somente, linhascontínuas de várias cores, sempre repetindo odesenho da silhueta. Para isto utilizaram pincelchato e tinta guache.

Num outro momento, as crianças foramconvidadas a participar do Jogo dos ElementosVisuais. Cada participante recebeu numa folha odesenho pontilhado de um cubo aberto. A propostaera ligar os pontos utilizando-se de linhashorizontais e verticais. Mas, isto só poderiaacontecer se o participante soubesse responder àsperguntas ou corresponder a alguns requisitosestipulados pelo grupo.

Após finalizar toda a figura, as criançasconheceram algumas reproduções de Mondrianobservando toda a estruturação do plano que utilizalinhas retas horizontais e verticais e coresprimárias, além do branco e do preto. A propostaentão foi colorir os quadradinhos (o )planoformados pela união das linhas no Jogo dosElementos Visuais.

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Guilherme, 7 anos

Só então conheceram o trabalho de HélioOiticica e seus 'Relevos Espaciais', descobriram omomento em que o plano saiu do bidimensional echegou no tridimensional, na arte brasileira.

A maneira proposta para que a figura fosseretirada do plano bidimensional foi recortando-a dopapel, e, passando-a para o plano tridimensional aoser dobrada e colada surgindo um sólido geométrico(o cubo), exercício que pontuou o elemento volumena linguagem visual.

Para finalizar a experiência relatada foiconfeccionado um bolo em fôrma retangular cujacobertura de marshmallow foi inserida comsaquinho de 'bico de confeiteiro'. A proposta foi umdesenho coletivo partindo de um ponto no centro dobolo onde cada criança desenhou o seu segmento delinha em marshmallow até compor um desenho quelogo tomou todo o do bolo para após serplanodegustado ( ).volume

E como diz Roland Barthes: “Sapientia: nenhumpoder, um pouco de saber, o máximo de sabor...”(BARTHES apudALVES, 1995 p.105).

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Jogo dos elmentos visais

Referências Bibliográficas

ALVES, Rubem Azevedo. Conversas com quem gostade ensinar. São Paulo:Ars Poética,1995 p.105.

Barbosa, Ana Mãe. . BeloTópicos utópicosHorizonte: Ed. C/arte, 1998.

ROCHA, Ruth. 2ª ed.,O menino que aprendeu a ver.São Paulo: Quinteto Editorial, 1998 (Coleção Horados Sonhos).

SOARES, Magda. Letramento:um tema para trêsgêneros. Belo Horizonte,Autêntica, 1998.

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