o controle de constitucionalidade por via...

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O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA INCIDENTAL E O RECURSO EXTRAORDINÁRIO Negrita Maria Santos Sampaio Rocha 1 Rafael dos Santos Paim Mendes 2 RESUMO Este trabalho trata das garantias jurisdicionais de controle de constitucionalidade previstas na CF, que constituem elementos do sistema de medidas técnicas cujo objetivo é assegurar o exercício regular das funções estatais em conformidade e estrita observância à Lei Maior, as quais possuem caráter jurídico inerente: a análise dos atos jurídicos estatais e sua exclusão do ordenamento jurídico quando incompatíveis com o texto constitucional. São eles atos de criação de normas jurídicas ou atos de execução de Direito já criado, ou seja, de normas jurídicas já estatuídas 3 . Foi somente após a Constituição de 1946 e a Emenda Constitucional n. 16/65 que o Brasil passou a contar com dois tipos de garantias jurisdicionais de controle de constitucionalidade, o difuso e o abstrato. Esse sistema de controle de constitucionalidade foi ampliado significativamente com a CF de 1988. O controle pode ser realizado por todo e qualquer órgão do Poder Judiciário, desde que respeitados os limites estabelecidos em lei, mas o principal órgão no Brasil, cuja função precípua é a guarda da CF e seus preceitos, é o STF, seja através das ações específicas de garantia jurisdicional (controle abstrato de constitucionalidade), seja através do Recurso Extraordinário (controle difuso de constitucionalidade). Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. Controle de Constitucionalidade pela Via Difusa ou Incidental. 1 Advogada formada pela Universidade Católica Dom Bosco e Administradora formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Pós-graduanda em Direito do Estado pela UCDB. 2 Advogado formado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Pós-graduando em Direito do Estado pela UCDB. Professor Substituto de Redação e Linguagem Forense da UCDB. 3 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1222.

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O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA INCIDENTAL E O

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Negrita Maria Santos Sampaio Rocha1

Rafael dos Santos Paim Mendes2

RESUMO

Este trabalho trata das garantias jurisdicionais de controle de constitucionalidade previstas na

CF, que constituem elementos do sistema de medidas técnicas cujo objetivo é assegurar o

exercício regular das funções estatais em conformidade e estrita observância à Lei Maior, as

quais possuem caráter jurídico inerente: a análise dos atos jurídicos estatais e sua exclusão do

ordenamento jurídico quando incompatíveis com o texto constitucional. São eles atos de

criação de normas jurídicas ou atos de execução de Direito já criado, ou seja, de normas

jurídicas já estatuídas3. Foi somente após a Constituição de 1946 e a Emenda Constitucional n.

16/65 que o Brasil passou a contar com dois tipos de garantias jurisdicionais de controle de

constitucionalidade, o difuso e o abstrato. Esse sistema de controle de constitucionalidade foi

ampliado significativamente com a CF de 1988. O controle pode ser realizado por todo e

qualquer órgão do Poder Judiciário, desde que respeitados os limites estabelecidos em lei, mas

o principal órgão no Brasil, cuja função precípua é a guarda da CF e seus preceitos, é o STF,

seja através das ações específicas de garantia jurisdicional (controle abstrato de

constitucionalidade), seja através do Recurso Extraordinário (controle difuso de

constitucionalidade).

Palavras-chave: Controle de Constitucionalidade. Supremo Tribunal Federal. Recurso

Extraordinário. Controle de Constitucionalidade pela Via Difusa ou Incidental.

1 Advogada formada pela Universidade Católica Dom Bosco e Administradora formada pela Universidade

Federal de Mato Grosso do Sul. Pós-graduanda em Direito do Estado pela UCDB. 2 Advogado formado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Pós-graduando em Direito do Estado

pela UCDB. Professor Substituto de Redação e Linguagem Forense da UCDB. 3 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1222.

2

ABSTRACT

This work deals with the jurisdictional guarantee of the CF that is part of the system of

technical measures aimed at ensuring regular exercise of state functions, which have a

inherent legal character: it consists of legal acts. They are legal rules creation acts or law

enforcement acts already created, meaning legal rules already laid. It was only after the 1946

Constitution and the Constitutional Amendment number 16/65 that Brazil had two types of

judicial safeguards, the diffuse and abstract. This system of judicial control was expanded

significantly with the CF of 1988. The control can be performed by each and any body of the

judiciary, provided that the limits established by law are respected, but in Brazil the main

body responsible for the custody of the CF and their precepts is the STF, be it through the

actions of specific jurisdictional guarantee (abstract judicial control), be it through the

Extraordinary Appeal (diffuse constitutionality control).

Keywords: Judicial Review. Supreme Court. Extraordinary Appeal. Judicial Review Diffuse

or Incidental.

1. INTRODUÇÃO

A ideia de controle de constitucionalidade advém do fato de a Constituição

apresentar-se como a base indispensável das demais normas jurídicas, que, na lição de Kelsen,

“regem a conduta recíproca dos membros da coletividade estatal, assim como das que

determinam os órgãos necessários para aplicá-las e impô-las, e a maneira como devem

proceder, isto é, em suma, o fundamento da ordem estatal”4.

As formas e procedimentos de controle de constitucionalidade variam de acordo

com os modelos e sistemas constitucionais ao redor do mundo, todavia seus objetivos são os

mesmos: expurgar do ordenamento jurídico as normas que são incompatíveis com a

respectiva Constituição.

Em nosso país, o sistema de controle de constitucionalidade, bem como os

instrumentos processuais postos à disposição para esse efetivo controle, tem sido ampliados

4 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1222.

3

significativamente. A Constituição Imperial, por exemplo, adotava o controle político. Com a

primeira Constituição Republicana, adotamos o controle jurisdicional, segundo o padrão

norte-americano, ou seja, por controle difuso5.

A Constituição de 1934 “introduz a ‘ação direta interventiva’, modalidade de

controle de constitucionalidade que se aproxima do modelo concentrado, vez que o único foro

competente para julgá-la era o Supremo Tribunal Federal”, cuja decisão representava um

prius para a intervenção federal no Estado-membro6. E foi também neste texto constitucional

que se estabeleceu a competência do Senado Federal para suspender a execução da lei ou ato

normativo declarado inconstitucional pelo STF.

O retrocesso que ocorreu na Carta de 1937, foi solucionado na Constituição de

1946, restaurando-se o controle de constitucionalidade. A Emenda Constitucional 16, de 1965,

criou a ação direta genérica, ao instituir a representação de inconstitucionalidade da

competência do Supremo Tribunal Federal, que seria proposta pelo Procurador-Geral da

República. E prescreveu, ainda, que a lei poderia estabelecer processo de competência

originária dos Tribunais de Justiça para declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato

municipal em face da Constituição do Estado7.

E foi a partir desse ponto que o ordenamento jurídico brasileiro passou a ter

disponível os dois tipos de controle, o difuso e o concentrado, em abstrato, de lei ou ato

normativo em face da Constituição Federal, da competência exclusiva do Supremo Tribunal

Federal.

E esse sistema foi mantido pelo texto da Constituição de 1967, inclusive ampliado

pela Constituição de 1988, ao criar a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, ao

alargar a legitimação ativa para a ação direta de inconstitucionalidade e ao instituir a arguição

de descumprimento de preceito constitucional fundamental. A Emenda Constitucional n. 3, de

1993, criou a ação declaratória de constitucionalidade, ampliando e fortalecendo o controle

concentrado8.

5 Artigo Científico: VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Da Jurisdição Constitucional ou do Controle de

Constitucionalidade. 6 Artigo Científico: VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Da Jurisdição Constitucional ou do Controle de

Constitucionalidade. 7 Artigo Científico: VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Da Jurisdição Constitucional ou do Controle de

Constitucionalidade. 8 Artigo Científico: VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Da Jurisdição Constitucional ou do Controle de

Constitucionalidade.

4

Inegável o peso político e grande significado jurídico dado ao Supremo Tribunal,

ao lhe competir processar e julgar as ações diretas do controle concentrado, bem como o

mandado de injunção e a ADPF9. Tais ações, ao lado do recurso extraordinário, formam hoje

o instrumentário posto a disposição do sistema de controle de constitucionalidade para

garantir a legitimidade e conformação de leis ou atos normativos em relação à CF, bem como

na supressão das omissões inconstitucionais pelo legislador ordinário.

Além do mais, com a EC 45/2004, ocorreu um alargamento do parâmetro do

controle de constitucionalidade. De fato, essa emenda passou a dispor que “os tratados e

convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,

serão equivalentes às emendas constitucionais” (art. 5º, § 3º, CF10

). Desse modo, se aprovados

mediante esse processo especial, tais tratados e convenções internacionais também serão

parâmetro de controle de constitucionalidade, com força de emenda constitucional11

.

E para atuar no âmbito dessa competência, qual seja, o controle de

constitucionalidade, o STF vale-se não apenas do controle concentrado, como também na

revisão das decisões incidentais em casos concretos, emanadas dos juízes e tribunais

ordinários integrantes do Poder Judiciário. Tais controvérsias chegam ao conhecimento do

Supremo Tribunal por intermédio dos recursos ordinário (art. 102, II, CF) ou extraordinário

(art. 102, III, CF).

Em vista do todo o exposto, e dada a relevância da matéria na atualidade, o

presente trabalho tem por escopo tratar do controle de constitucionalidade por via incidental

ou difusa, precipuamente aquele realizado pelo STF através do Recurso Extraordinário.

2. DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

9 Artigo Científico: MENDES, Gilmar Ferreira. O Sistema Brasileiro de Controle de Constitucionalidade.

10 § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às

emendas constitucionais. 11

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 802.

5

O princípio da supremacia formal da Constituição ensina que toda lei ou ato

normativo encontra seu fundamento de validade na CF e exige, portanto, que todas as normas

que compõem o ordenamento jurídico estejam de acordo com o texto constitucional; aquelas

que estiverem de desacordo com a Constituição serão consideradas inválidas,

inconstitucionais e deverão, por isso, ser expurgadas do ordenamento jurídico.

O reconhecimento da supremacia da Constituição, consequentemente de sua força

vinculante em relação aos Poderes Públicos, torna inevitável a discussão sobre a necessidade

de defesa da Constituição, bem como sobre as formas de controle de constitucionalidade dos

atos do Poder Público, especialmente das leis e atos normativos12

.

Se do afazer legislativo resulta uma norma contrária ou incompatível com o texto

constitucional, seja no plano da regularidade do processo legislativo, seja no plano do direito

material que esta aborda, o ordenamento jurídico oferece instrumentos de proteção à

regularidade e supremacia da Constituição13

.

O controle de constitucionalidade tem por objeto a garantia da supremacia de uma

CF e a defesa de suas normas constitucionais (explícitas ou implícitas) frente a possíveis

contrariedades ao seu texto; deve ser entendido, portanto, como a verificação de

compatibilidade (ou adequação) de leis ou atos normativos em relação a uma Constituição, no

que concerne a adequação aos requisitos formais e materiais que as leis ou atos normativos

devem necessariamente observar14

.

Portanto, à luz da doutrina, podemos estabelecer como pressupostos do controle

de constitucionalidade: (i) existência de uma Constituição formal e rígida; (ii) o entendimento

da Constituição como uma norma jurídica fundamental (que confere fundamento de validade

para o restante do ordenamento); (iii) a existência de, pelo menos, um órgão dotado de

competência para a realização da atividade de controle; (iv) uma sanção para a conduta

(positiva ou negativa) realizada contra (em desconformidade) a Constituição 15

.

12

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1203. 13

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1224. 14

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 643. 15

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 643.

6

Dessa forma, para que uma norma tenha validade jurídica dentro de sistemas

normativos fundamentados em um texto constitucional, há de existir concordância e

compatibilidade vertical daquela norma com as regras e princípios dispostos na Constituição

regente, posto que representa seu fundamento de validade.

Segundo o sistema “kelseniano”, a Constituição encontra-se no cume da pirâmide

jurídica do Estado, de modo que as normas inferiores somente terão validade quando

compatíveis com o texto constitucional.

Nessa senda, extrai-se que o controle de constitucionalidade realiza-se na medida

em que haja a compatibilização vertical das normas, ou seja, a compatibilização das normas

infraconstitucionais com a Constituição16

.

Nesse estudo vale destacar que, em atenção do primado da segurança jurídica,

tem-se que as leis e os atos normativos editados pelo Estado recebem o manto do princípio da

presunção da constitucionalidade das leis (ou presunção de legitimidade das leis). Se do

contrário fosse, cada norma legal estatuída pelo Poder Público deveria passar,

obrigatoriamente, pelo exame da constitucionalidade, o que tornaria o trabalho legislativo e

judicial infindável.

Decorre desse princípio a regra de que as leis e os atos normativos estatais

deverão ser considerados constitucionais, válidos, legítimos até que venham a ser

formalmente declarados inconstitucionais por um órgão competente para desempenhar esse

mister. Enquanto não se aperfeiçoa o reconhecimento formal da inconstitucionalidade, tais

normas deverão ser respeitadas e cumpridas, presumindo-se que o legislador agiu em plena

sintonia com a Constituição 17

.

Dessarte, os conceitos de constitucionalidade e inconstitucionalidade não

traduzem, tão somente, a ideia de conformidade ou inconformidade com a Constituição.

Assim, tomando de empréstimo a expressão de Bittar, dir-se-á que constitucional será o ato

que não incorrer em sanção, por ter sido criado por autoridade constitucionalmente

competente e sob a forma que a Constituição prescreve para a sua perfeita integração;

16

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 757. 17

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 759.

7

inconstitucional será o ato que incorrer em sanção — de nulidade ou de anulabilidade — por

desconformidade com o ordenamento constitucional18

.

Inconstitucional é, pois, o ato jurídico comissivo ou omissivo que ofende, no todo

ou em parte, a Constituição. Se a lei ordinária, a lei complementar, o estatuto privado, o

contrato, o ato administrativo etc. não se adequarem à Constituição, não devem produzir

efeitos. Ao contrário, devem ser fulminados, expurgados, por inconstitucionais, com base no

princípio da supremacia constitucional19

.

A contrariedade de uma norma frente ao texto constitucional pode ser verificada

com base em diversos critérios ou elementos que, dentre outros, vão desde o momento e a

forma em que esta norma se verifica, o tipo de conduta estatal que ocasionou a

incompatibilidade, o processo de elaboração e a matéria regulada pela norma.

Assim é que a doutrina constitucional esforça-se por estabelecer uma adequada

classificação dos diferentes tipos ou manifestações de inconstitucionalidade. E a dogmática

tradicional se enriquece, a cada dia, com novas distinções, elaboradas pelos doutrinadores, ou

identificadas na cotidiana atividade dos tribunais20

, das quais se destaca no presente estudo as

principais.

Cogita-se, igualmente, da chamada inconstitucionalidade por ação e da

inconstitucionalidade por omissão.

A inconstitucionalidade por ação diz respeito a uma conduta ativa ou positiva do

Poder Público, que contraria normas previstas na Constituição. Ou seja, o Poder Público

produz atos normativos em desacordo com as regras e preceitos insculpidos na CF21

.

Os múltiplos modelos de controle de constitucionalidade — americano, austríaco,

francês —, bem como as variadas modalidades de controle — político ou judicial, prévio ou

repressivo, difuso ou concentrado, principal ou incidental —, foram concebidos para lidar

com o fenômeno dos atos normativos que ingressam no mundo jurídico com um vício de

validade. Todos esses mecanismos se destinam, em ultima ratio, a paralisar a eficácia ou a

18

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1203. 19

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 759. 20

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1212. 21

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 643.

8

retirar do ordenamento um ato que foi praticado, que existe no mundo jurídico, a exemplo da

promulgação de uma lei inconstitucional22

.

Já o reconhecimento de inconstitucionalidade por omissão é fenômeno

relativamente recente, fruto das modernas e contemporâneas constituições. O instrumental

desenvolvido para o combate às leis inconstitucionais, como dito anteriormente a atos

comissivos praticados em desacordo com a Constituição, não tem sido suficiente nem

adequado para enfrentar a inconstitucionalidade que se manifesta através de um non facere23

.

A omissão legislativa inconstitucional pressupõe a inobservância de um dever

constitucional de legislar, que resulta tanto de comandos explícitos da Lei Magna como de

preceitos e ordens fundamentais da Constituição identificadas no processo de interpretação24

.

Ou seja, o Poder Público não atua, permanece em inércia e com isso não viabilizam os

direitos constitucionais previstos25

.

A atual Constituição concebeu dois instrumentos jurídicos distintos para enfrentar

o problema. São eles (i) o mandado de injunção (previsto no art. 5º, LXXI26

), viável na forma

incidental, no caso concreto, para a tutela de direitos subjetivos constitucionais violados

devido à ausência de norma que os regule ou empreste efecácia; e (ii) a ação de

inconstitucionalidade por omissão (previsto no art. 103, § 2º27

), para o chamado controle

concentrado e abstrato da omissão do Poder Público, que tanto pode ser legislativa como

também administrativa.

Procede-se, de igual forma, à distinção do confronto entre norma ordinária e texto

constitucional, tanto do ponto de vista formal (nomodinâmica ou ainda orgânica) quando um

ato legislativo tenha sido produzido em desconformidade com as normas de competência ou

com o procedimento estabelecido para seu ingresso no mundo jurídico; quanto material

22

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 39. 23

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 41. 24

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1224. 25

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 643. 26

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o

exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à

cidadania; 27

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será

dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão

administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

9

(nomoestática) considerando a incompatibilidade do ato infraconstitucional que estiver em

contrariedade com alguma norma substantiva prevista na Constituição, seja uma regra ou um

princípio, em tais situações, portanto, deverá ser declarada a nulidade da norma inferior2829

.

Se, por exemplo, a Assembleia Legislativa de um Estado da Federação editar uma

lei em matéria penal ou em matéria de direito civil, incorrerá em inconstitucionalidade formal

ou de forma, por violação da competência da União Federal quanto a tais matérias.

De outro norte, ocorrerá inconstitucionalidade material propriamente dita no

confronto com uma regra constitucional, por exemplo, quando da fixação da remuneração de

uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI, CF30

), ou

com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a

participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º, caput31

,

e 3º, IV32

, ambos da CF), em desarmonia com o mandamento da isonomia3334

.

A inconstitucionalidade material envolve, porém, não só o contraste direto do ato

legislativo com o parâmetro constitucional, mas também a aferição do desvio de poder ou do

excesso de poder legislativo35

.

28

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 37. 29

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 756. 30

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração

direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos,

pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou

de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo

Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito

Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e

Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a

noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo

Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos

Procuradores e aos Defensores Públicos; 31

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes: 32

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos,

sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 33

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 37. 34

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 37. 35

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1212.

10

3. DAS MODALIDADES DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Diante de um ato ou norma incompatível com a CF, necessário se mostra o

emprego de métodos para fulminar referida ato do ordenamento jurídico. Para tanto, doutrina

e jurisprudência consagraram as chamadas modalidades de controle de constitucionalidade, as

quais serão apresentadas a seguir.

No tocante ao órgão de controle constitucional, pode-se destacar o controle

eminentemente político e o controle jurisdicional.

No ordenamento jurídico brasileiro, a ênfase é dada ao controle de

constitucionalidade de cunho judicial, qual seja, a palavra final acerca da

inconstitucionalidade ou não de uma norma cabe eminentemente ao Poder Judiciário e seus

órgãos, todavia esse desiderato também pode ser realizado pelo Poder Executivo, cujo

exemplo típico é o veto de uma lei por considerada incompatível com o Texto Maior, ou ainda,

pelo Poder Legislativo, quando da rejeição de um projeto de lei tido por inconstitucional pela

casa legislativa em que tramita. A essa modalidade dá-se o nome de controle político de

constitucionalidade.

Por sua vez, o já citado controle de natureza judicial é aquele realizado por órgão

do Poder Judiciário (ou de estrutura jurisdicional), por intermédio de todos os órgãos

integrantes deste Poder ou por meio de um Tribunal ou Corte Constitucional36

.

A lógica do judicial review, conquanto engenhosa em sua concepção, é de

enunciação singela: se a Constituição é a lei suprema, qualquer lei com ela incompatível é

nula. Juízes e tribunais, portanto, diante da situação de aplicar a Constituição ou uma lei com

ela conflitante, deverão optar pela primeira37

e declarar a inconstitucionalidade da segunda,

para aquele caso concreto.

O controle preventivo efetiva-se antes do aperfeiçoamento do ato normativo, ou

seja, antes mesmo que o ato seja inserido no ordenamento jurídico verifica-se sua

36

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 650. 37

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 46.

11

incompatibilidade com o texto constitucional, decotando-se na origem aquilo que se entende

por inconstitucional.

Os órgãos de controle, nesses casos, não declaram a nulidade das medidas

apreciadas, mas propõem a eliminação de eventuais inconstitucionalidades38

.

Exemplos de controle preventivo de constitucionalidade, no nosso sistema

constitucional, são as atividades de controle dos projetos e proposições exercidas pelas

Comissões de Constituição e Justiça das Casas do Congresso e o veto pelo Presidente da

República com fundamento na inconstitucionalidade do projeto (art. 66, § 1º, CF39

)40

.

Cabe também ao Poder Judiciário, por meio do controle realizado in concreto no

julgamento de mandado de segurança impetrado por parlamentar, quando se invoca o direito

líquido e certo de observância ao devido processo legislativo41

.

Em regra, porém, o modelo judicial é de feição repressiva, ou seja, quando o ato

normativo impugnado já está em vigor no ordenamento e destina-se a paralisar-lhe a eficácia.

Esse controle é desempenhado pelo Poder Judiciário, por todos os seus órgãos, através de

procedimentos variados42

.

O controle de constitucionalidade no Brasil, no que tange ao órgão que o exerce,

qual seja, o Poder Judiciário, poderá ser classificado como controle difuso ou controle

concentrado e, no tocante ao modo como suscitada a questão constitucional, poderá dar-se

pela via incidental ou pela via principal, como a seguir exposto.

Consagrou-se com o advento da República o modelo difuso do controle de

constitucionalidade43

e, ao final dos anos oitenta, conviviam no sistema de controle de

38

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 46. 39

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República,

que, aquiescendo, o sancionará. § 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte,

inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis,

contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado

Federal os motivos do veto. 40

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1203. 41

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 650/651. 42

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 46. 43

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1279.

12

constitucionalidade elementos do sistema difuso e do sistema concentrado de

constitucionalidade, ensejando-se modelo híbrido ou misto de controle44

.

Todavia, a Constituição de 1988 conferiu ênfase não mais ao sistema difuso ou

incidental, mas ao modelo concentrado, uma vez que, praticamente, todas as controvérsias

constitucionais relevantes e de repercussão social passaram a ser submetidas ao STF mediante

processo de controle abstrato de normas45

.

Cumpre destacar que a diferenciação entre controle concreto e abstrato assenta-se,

basicamente, nos pressupostos de admissibilidade. O controle concreto de normas tem origem

em uma relação processual concreta, constituindo a relevância da decisão pressuposto de

admissibilidade. O chamado controle abstrato, por seu turno, não está vinculado a uma

situação subjetiva ou a qualquer outro evento do cotidiano46

.

O controle concentrado de constitucionalidade atribui a competência para o

julgamento das questões constitucionais a um órgão jurisdicional superior ou a uma Corte

Constitucional, a exemplo do Supremo Tribunal Federal, no Brasil. Na visão de Kelsen, a

função precípua do controle concentrado não seria a solução dos casos concretos, mas sim a

anulação genérica da lei incompatível com as normas constitucionais47

.

O controle abstrato de normas permite que a questão constitucional seja suscitada

autonomamente em um processo ou ação principal, cujo exclusivo objeto é a discussão sobre

a inconstitucionalidade da lei. Em geral, admite-se a utilização de ações diretas de

inconstitucionalidade ou mecanismos de impugnação in abstracto da lei ou ato normativo48

.

Daí falar-se em via principal ou via de ação, pois haverá ações específicas (Ação

Direta de Inconstitucionalidade ou Ação Declaratória de Constitucionalidade, por exemplo) só

para discutir a constitucionalidade de leis49

.

44

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1279. 45

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1279. 46

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1280. 47

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 774. 48

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1203. 49

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 650/651.

13

Em suma, trata-se de controle exercido fora de um caso concreto, independente de

um litígio envolvendo partes e uma relação jurídica, tendo por objeto a discussão acerca da

validade da lei em abstrato. Não se cuida de mecanismo de tutela de direitos subjetivos, mas

de preservação da harmonia do sistema jurídico, do qual deverá ser eliminada qualquer norma

incompatível com a Constituição50

.

Por seu turno, o controle de constitucionalidade por via difusa ou incidental

permite a qualquer órgão pertencente a estrutura do Poder Judiciário, e incumbido de aplicar a

lei ao caso concreto, o poder-dever jurisdicional de afastar a aplicação de determinada lei ou

ato normativo se o considerar incongruente com as regras e princípios constitucionais.

Esse modelo de controle de constitucionalidade desenvolve-se a partir da

discussão encetada na Suprema Corte americana, especialmente no caso Marbury vs. Madison,

de 1803. Caracteriza-se, fundamentalmente, no Direito brasileiro, pela verificação de uma

questão concreta de inconstitucionalidade, ou seja, de dúvida quanto à constitucionalidade de

ato normativo a ser aplicado num caso submetido à apreciação do Poder Judiciário. “É mister

— diz Lúcio Bittencourt — que se trate de uma controvérsia real, decorrente de uma situação

jurídica objetiva”51

.

O juiz decidirá sobre a constitucionalidade ou não da norma enfrentando-a como

uma questão incidental (tipicamente prejudicial), para só então decidir sobre a questão

principal do caso (seja ela penal, civil, empresarial, tributária, trabalhista, ambiental, etc.)52

.

É fácil notar, pois, que no controle difuso, quando o autor da ação procura a tutela

do Poder Judiciário, sua preocupação inicial não é a inconstitucionalidade da lei em si. Seu

objetivo é a tutela de um determinado direito concreto, que esteja sofrendo lesão ou ameaça

de lesão por alguém (a outra parte da ação)53

.

No tocante a competência para apreciar e julgar a inconstitucionalidade suscitada

de uma norma, tem-se que no controle difuso qualquer órgão que pertença a estrutura do

Poder Judiciário, juiz ou tribunal, poderá declarar a inconstitucionalidade, com o objetivo de

50

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 51. 51

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1280. 52

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 657. 53

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 795.

14

afastar sua aplicação ao caso concreto. Portanto, qualquer juiz ou tribunal tem o poder-dever

de, no conflito entre norma infraconstitucional e norma constitucional, dar aplicação a esta em

detrimento daquela54

.

Por oportuno, registre-se que a alegação das partes no tocante a

inconstitucionalidade de uma norma não se mostra imprescindível, uma vez que pode o juiz

ou tribunal, verificando a incompatibilidade constitucional, afastar sua aplicação no caso

concreto, a despeito do silencio das partes.

Assim, são vantagens do sistema difuso de controle: a eficácia e rapidez da

decisão no caso concreto; a possibilidade de o lesado por ato inconstitucional defender-se

direta e imediatamente; a natureza “jurídica” e não “política” da questão constitucional; a

contraponto, são desvantagens: a desarmonia dos julgados, com a desvalorização das decisões

de declaração de inconstitucionalidade; a diluição do poder de controle pelas centenas de

juízos e tribunais; o descrédito diante de decisões díspares55

.

A aplicabilidade do sistema difuso de controle no Brasil, conforme visto, se dá

pela via processual incidental, no ínterim de um caso concreto apresentado ao Judiciário. O

controle incidental ainda é a única via acessível ao cidadão comum para a tutela de seus

direitos subjetivos constitucionais56

.

Neste controle, a inconstitucionalidade é arguida no contexto de um processo ou

ação judicial, em que a questão da inconstitucionalidade configura um incidente, uma questão

prejudicial, servindo tão somente como fundamento da decisão que julgará o pedido principal

do autor57

.

O que se exige, portanto, é que haja um conflito de interesses, uma pretensão

resistida, um ato concreto de autoridade ou a ameaça de que venha a ser praticado. O controle

incidental de constitucionalidade somente pode se dar na tutela de uma pretensão subjetiva58

.

54

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 806. 55

Artigo Científico: VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Da Jurisdição Constitucional ou do Controle de

Constitucionalidade. 56

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 119. 57

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 650/651. 58

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 119.

15

Não se confundem, conceitualmente, o controle por via incidental — realizado na

apreciação de um caso concreto — e o controle difuso — desempenhado por qualquer juiz ou

tribunal no exercício regular da jurisdição. No Brasil, no entanto, como regra, eles se

superpõem, sendo que desde o início da República o controle incidental é exercido de modo

difuso59

.

4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE POR VIA INCIDENTAL E O

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

O Supremo Tribunal Federal, a exemplo de todos os demais órgãos judiciais,

também realiza o controle incidental e difuso de constitucionalidade. Poderá fazê-lo em

processos de sua competência originária (art. 102, I, CF60

) ou no julgamento de recursos

ordinários (art. 102, II, CF61

).

No entanto, é em sede de recurso extraordinário que a Corte Suprema desempenha,

normalmente e em grande volume, a fiscalização de constitucionalidade de leis e atos

normativos nos milhares de casos concretos que chegam ao seu conhecimento62

.

O citado recurso extraordinário consiste no aparato processual-constitucional

destinado a assegurar a verificação de eventual afronta à Constituição em decorrência de

decisão judicial proferida em última ou única instância, das quais não caiba mais nenhum

recurso ordinário.

Conforme estabelece o art. 102, III, CF, compete ao Supremo Tribunal Federal

julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância,

quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a

inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local

59

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 50. 60

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I -

processar e julgar, originariamente: alíneas a até r. 61

II - julgar, em recurso ordinário: a) o "habeas-corpus", o mandado de segurança, o "habeas-data" e o mandado

de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão; b) o crime

político; 62

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 125.

16

contestado em face desta Constituição; e d) julgar válida lei local contestada em face de lei

federal.

Este recurso é um instrumento de singular importância no âmbito da jurisdição

constitucional brasileira e tem como finalidade assegurar: a inteireza positiva; a validade; a

autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição63

.

E para que o referido instrumento processual seja recebido e conhecido pelo STF,

em sua inteireza, deve atender a requisitos especiais exigidos pelo próprio texto constitucional,

tais como o prequestionamento da matéria constitucional, a ofensa frontal à CF e a

repercussão geral da questão constitucional, além da chamada reserva de plenário.

O Recurso Extraordinário não tem por objeto permitir ou possibilitar um “terceiro

grau” de jurisdição, no qual possa haver rediscussão dos fatos e reexame da prova. Cuida-se,

tão somente, da reapreciação de questões de direito — em princípio, apenas de direito

constitucional — que hajam sido discutidas e apreciadas na instância de origem, vale dizer,

que tenham sido objeto de prequestionamento64

.

O STF entendeu necessário diferenciar juízo de admissibilidade do recurso

extraordinário de juízo de mérito, a fim de adequar essa orientação à sua jurisprudência sobre

prequestionamento. Assim, o Tribunal afirmou que o juízo positivo de admissibilidade requer

que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos

da Constituição nele prequestionados, ao passo que o mérito envolve a verificação da

compatibilidade entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso

daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário65

.

Isso significa que a questão constitucional deverá figurar na decisão recorrida,

ainda que não tenha ocorrido menção expressa aos dispositivos constitucionais pertinentes. A

ofensa à Constituição, como regra, deverá ter sido direta e frontal, e não indireta ou reflexa,

63

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1292. 64

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 127. 65

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1300.

17

como sucede nos casos em que um determinado ato normativo viole antes a lei66

, sob pena de

negativa de seguimento ou não conhecimento do apelo extraordinário.

O Recorrente deve preencher ainda, em preliminar das razões recursais, o

requisito exigido pelo §3º, do art. 102, CF, segundo o qual no recurso extraordinário o

recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no

caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente

podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.

Registre-se que o acúmulo de processos na Corte Suprema a obrigou a adotar uma

série de posicionamentos formalistas, definidos como “jurisprudência defensiva”, com o

intuito de barrar o processamento dos recursos extraordinários e agravos de instrumento.

Nesse sentido, podem-se citar as Súmulas 280, 281, 282, 283, 284, 288, 291 e 400, entre

outras67

.

Nesse contexto, a Emenda Constitucional n. 45/04 instituiu também a repercussão

geral como forma de resgate da feição do recurso extraordinário como elemento de

uniformização, buscando, com isso, contornar o problema da crise numérica68

.

E sua disciplina legislativa ocorreu com a promulgação da Lei n. 11.418/06, que

dispõe que o Supremo Tribunal Federal só conhecerá o recurso extraordinário quando a

questão constitucional oferecer repercussão geral, ou seja, quando discutir questões relevantes

do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, ultrapassando, assim, os interesses

subjetivos da causa. Vale registrar que, segundo a Lei n. 11.418/06, há repercussão geral

presumida quando a decisão recorrida for contrária à súmula ou jurisprudência dominante do

STF69

.

66

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 127. 67

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1294. 68

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1294. 69

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. - 4. ed. rev. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1294.

18

Conclui-se que o objetivo de tal exigência formal é a produção de julgamentos

mais elaborados e dotados de maior visibilidade, fomentando o debate democrático em torno

das decisões e do próprio papel desempenhado pela Corte70

.

No que tange ao procedimento de análise da repercussão geral, caberá à Turma

decidir pela existência, no caso, da repercussão, bastando o voto de quatro ministros para que

se conclua o juízo positivo de admissibilidade. Nesse caso, não se remeterá a questão ao

Plenário. Se o conhecimento do recurso não obtiver tal adesão nesse primeiro juízo, a questão

deverá ser remetida ao Plenário, que poderá, por deliberação de oito ministros, pronunciar

juízo negativo de admissibilidade por ausência de repercussão geral. Se negada a existência

da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos que versem sobre matéria

idêntica71

.

Esse expediente – possibilidade de recusa do recurso extraordinário pelo STF em

razão da ausência de Repercussão Geral das questões discutidas no caso – foi o meio

encontrado pelo legislador constituinte derivado para evitar que controvérsias concretas

insignificantes, de absoluta irrelevância jurídica, sejam submetidas à apreciação do STF. O

principal objetivo é a redução do número de processos na corte, possibilitando que seus

membros destinem mais tempo à apreciação de causas que realmente são de fundamental

importância para garantir os direitos constitucionais dos cidadãos72

.

Nota-se que no controle incidental realizado perante tribunal, opera-se a cisão

funcional da competência, pela qual o pleno (ou o órgão especial) decide a questão

constitucional e o órgão fracionário julga o caso concreto, fundado na premissa estabelecida

no julgamento da questão prejudicial. Da decisão do pleno ou do órgão especial não caberá

recurso73

.

Assim, no que tange ao julgamento do recurso, e propriamente a análise e decisão

sobre a inconstitucionalidade suscitada, o procedimento a ser observado pelos tribunais

pátrios, inclusive os tribunais superiores, é aquele descrito no art. 97, CF, segundo o qual

somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão

70

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 128. 71

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 131. 72

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 804. 73

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 124.

19

especial74

poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do

Poder Público.

Trata-se da chamada Reserva de Plenário.

Por força da reserva do plenário, prestigia-se o princípio da presunção de

constitucionalidade das leis, que para ser infirmado exige um quorum qualificado do

tribunal75

.

A regra da reserva de plenário aplica-se também ao Supremo Tribunal Federal,

seja em controle principal ou incidental. O incidente de constitucionalidade perante a Corte,

no entanto, não segue o procedimento do CPC, mas sim o do Regimento Interno do STF nos

artigos 176 a 178.

No tocante aos efeitos da decisão no controle difuso no Brasil, independentemente

de qual tenha sido o órgão prolator, seus efeitos serão inter partes (só alcança as partes do

processo) e ex tunc (retroage à data do ato ou relação jurídica do objeto), pois o que se julga é

um caso concreto, então será necessário que se produza efeitos retroativos e somente entre as

partes envolvidas. Esta é a regra76

. Excepcionalmente, poderá o STF, por dois terços de seus

membros, tendo em vista razões de segurança jurídica ou relevante interesse social, outorgar

efeitos meramente prospectivos (ex nunc) à sua decisão, ou mesmo fixar um outro momento

para o início da eficácia de sua decisão77

.

Cumpre destacar ainda, que a decisão no controle concreto, ao contrário do

controle abstrato, não dispõe de força vinculante em relação aos demais órgãos do Poder

Judiciário e à Administração Pública, ainda quando proferida pelo STF78

. Todas as pessoas

74

A previsão constitucional de instituições, pelos tribunais, de órgão especial encontra-se no art. 93, inciso XI,

nos seguintes termos: “nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído

órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições

administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por

antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;”. 75

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: exposição sistemática

da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 122. 76

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 660. 77

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 806 e 807. 78

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 807.

20

que desejarem ver a si estendidos os efeitos da inconstitucionalidade já declarada em caso

idêntico deverão postular sua pretensão perante os órgãos judiciais, em ações distintas79

.

Conclui-se, portanto, que a pronúncia de inconstitucionalidade no sistema de

controle difuso não retira a lei do ordenamento jurídico, apenas cessa seus efeitos ou sua

vigência para as partes envolvidas na relação jurídica.

Porém, aqui surge um complicador. Supondo que a decisão seja do STF, em

última instância, via Recurso Extraordinário, e, com isso, o Pretório Excelso declare a

inconstitucionalidade de uma norma jurídica do nosso ordenamento. Contudo, a declaração só

vale para as partes envolvidas no litígio. Com isso, pode haver a situação da população

continuar cumprindo uma norma que o STF já declarou inconstitucional (porém, só valeu para

o caso concreto)80

.

E a forma definida pelo constituinte para permitir a eficácia erga omnes às

decisões definitivas do STF, em matéria de inconstitucionalidade pelo sistema difuso de

controle, foi a suspensão da execução pelo Senado Federal do ato declarado inconstitucional

pela Excelsa Corte (art. 52, X, CF81

), no âmbito dos recursos extraordinários. Com a

suspensão da execução do ato, por via oblíqua, o efeito da decisão atinge a todos os cidadãos,

e não só aos que participaram daquele processo decidido pelo STF.

Outro instrumento posto a emprestar eficácia erga omnes às decisões do Supremo,

veio com a EC n. 45/04 que incluiu o art. 103-A82

na CF e criou a intitulada Súmula

Vinculante que tem como objeto a eficácia, validade ou a interpretação de normas do

ordenamento. E exige como requisitos de admissibilidade a necessidade de 8 ministros;

reiteradas decisões sobre a matéria objeto da súmula; e controvérsia judicial ou entre o Poder

Judiciário e o Poder Executivo que esteja causando grave insegurança ou incerteza jurídica83

.

79

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8. ed. – Rio de

Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012, p. 807. 80

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 660. 81

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei

declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal; 82

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços

dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua

publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua

revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. 83

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp. atual. – Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 661.

21

5. CONCLUSÃO

Das considerações acima apostas conclui-se que, diante do poder de supremacia

inerente aos textos constitucionais, necessários se mostram instrumentos processuais que

visam garantir a compatibilidade vertical entre as normas infralegais e a Constituição de um

Estado, uma vez que a Lei Maior é o fundamento de validade de leis e atos normativos

inferiores.

Assim foi que, no decorrer da história do Direito Constitucional, surgiram

inúmeras formas e instrumentos para garantir o controle e a supremacia das constituições, das

quais o Brasil optou, quando do advento da CF/88, pela forma híbrida de controle de

constitucionalidade, caracterizado pelo sistema de controle concentrado ou da lei em abstrato

e também pelo sistema de controle difuso ou da lei no caso concreto, instituindo tal

competência ao Supremo Tribunal Federal, como órgão de cúpula e última instância para as

questões constitucionais.

Independentemente do tipo de inconstitucionalidade verificada - se por ação ou

por omissão, se formal ou material - o ordenamento jurídico vigente disponibiliza medidas

para expurgar aquelas normas ou atos que contrariem à Constituição, dos quais se destaca o

controle difuso, também chamado de incidental, que representa hoje a única via de acesso, a

permitir ao cidadão comum, a tutela de seus direitos subjetivos constitucionais e que encontra

seu ápice no Recurso Extraordinário dirigido ao STF.

É no âmbito do Recurso Extraordinário que, diante de um caso concreto e em

decorrência de decisão judicial proferida em última ou única instância, o STF promove a

apreciação das inconstitucionalidades suscitadas pelas partes, desempenhando importante

papel no controle difuso de constitucionalidade.

Nota-se que o papel deste recurso não é permitir a reanálise do conjunto fático ou

probatório do processo. Ele possui objeto e requisitos específicos que garantem que apenas

questões de direito - em especial as questões constitucionais - sejam apreciadas pela Corte,

conforme exigência do art. 102, III e §3º, da CF.

E por se tratar de controle de constitucionalidade no caso concreto, a decisão

proferida pelo STF, em primeiro momento, tem seus efeitos apenas para as partes constantes

22

da relação jurídico-processual. Se se considerar a existência de relevante interesse social ou

por razões de segurança jurídica será permitido ao Senado Federal suspender a execução do

ato declarado inconstitucional pelo STF, na análise do caso concreto, emprestando assim

eficácia erga omnes à decisão da Suprema Corte.

6. REFERÊNCIAS

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro:

exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. – 6. ed. rev. e atual. –

São Paulo: Saraiva, 2012.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. – 3. ed. rev. amp.

atual. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Curso de Direito Constitucional. - 4. ed. ver. atual. – São Paulo: Saraiva, 2009.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. – 8.

ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: METODO, 2012

Artigo Científico: MENDES, Gilmar Ferreira. O Sistema Brasileiro de Controle de

Constitucionalidade.

Artigo Científico: VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Da Jurisdição Constitucional ou do

Controle de Constitucionalidade.