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O continente africano, “pulmão” espiritual da humanidade A segunda visita pastoral de Bento XVI à África Reflexões do cardeal Robert Sarah ANO XXIX - N.10 - 2011 R$ 15,00 - 5 In caso di mancato recapito rinviare a Uff. Poste Roma Romanina per la restituzione al mittente previo addebito. If undelivered please return to sender, postage prepaid, via Romanina post office, Roma, Italy. En cas de non distribution, renvoyer pour restitution à lʼexpéditeur, en port dû, à: Ufficio Poste Roma Romanina, Italie www.30giorni.it MENSILE SPED. IN ABB. POST. Tar. Economy Taxe Percue Tassa Riscossa Roma. ED. TRENTA GIORNI SOC. COOP. A R. L. ISSN 1827-627X Diretor: Giulio Andreotti na Igreja e no mundo Diretor: Giulio Andreotti na Igreja e no mundo Suplemento: uma meditação sobre o Natal nella Chiesa e nel mondo nella Chiesa e nel mondo

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O continente africano,“pulmão” espiritual da humanidade

A segunda visita pastoral de Bento XVI à África

Reflexões do cardeal Robert Sarah

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Diretor: Giulio Andreottina Igreja e no mundo Diretor: Giulio Andreottina Igreja e no mundo

Suplemento: uma meditação sobre o Natal

nella Chiesa e nel mondo nella Chiesa e nel mondo

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Na capa: uma jovem africana em oração

EDITORIAL

Dom Giussani e a presença do laicado na Igreja — por Giulio Andreotti 4

CAPA

A SEGUNDA VISITA PASTORAL

DE BENTO XVI À ÁFRICA

O continente africano “pulmão” espiritual da humanidade — pelo cardeal Robert Sarah 22

NESTE NÚMERO

ANO DA FÉ 2012-2013

Um dom, não uma posse Entrevista com o cardeal Walter Kasper

— por G. Valente 30

IGREJAS ORIENTAIS

“Nossa fé é a dos apóstolos, transmitida por São Tomé” Entrevista com George Alencherry,

arcebispo-mor da Igreja siro-malabar

— por R. Rotondo e G. Valente 42

COLÉGIOS ECLESIÁSTICOS DE ROMA

A Índia que fica no coração de Roma — por P. Baglioni 48

REFLEXÕES DE UM POLÍTICO ALEMÃO

O Papa continua fiel a si mesmo: deem seu testemunho de fé — por Hans-Gert Pöttering 54

RELATOS DAS MISSÕES

Da Valtellina aos Andes — por G. Ricciardi 58

LIVROS

Lealdade dos cristãos e tolerância de Roma — por L. Bianchi 65

SEÇÕES

CARTAS DO MUNDO TODO 10

LEITURA ESPIRITUAL 14

30DIAS NA IGREJA E NO MUNDO 36

330DIAS Nº 10 - 2011

EditorialGiulio Andreotti recorda Dom Luigi Giussani

REDAÇÃO

Via Vincenzo Manzini, 45 00173 Roma Tel.+39 06 72.64.041 Fax +39 06 72.63.33.95Internet: www.30giorni.it E- mail: [email protected]

Vice-Diretores

Roberto Rotondo - [email protected] Cubeddu - [email protected]

Redação

Alessandra Francioni - [email protected] Malacaria - [email protected] Mattei - [email protected] Quattrucci [email protected] Valente - [email protected]

Gráfica

Marco Pigliapoco - [email protected] Scicolone - [email protected] Viola - [email protected]

Imagens

Paolo Galosi - [email protected]

Colaboradores

Pierluca Azzaro, Françoise-Marie Babinet,Marie-Ange Beaugrand, Maurizio Benzi, Lorenzo Bianchi, Massimo Borghesi, Lucio Brunelli, Rodolfo Caporale,Pina Baglioni, Lorenzo Cappelletti, Gianni Cardinale, Stefania Falasca, Giuseppe Frangi, Silvia Kritzenberger, Walter Montini, Jane Nogara, Stefano M. Paci, Felix Palacios, Tommaso Ricci, Giovanni Ricciardi

Colaboraram neste número

Hans-Gert PötteringCardeal Robert Sarah

Escritório Legal

Davide Ramazzotti - [email protected]

Secretaria de redação

[email protected]

3OGIORNI nella Chiesa e nel mondoé uma publicação mensal registrada junto ao Tribunal de Roma na data 11/11/1993n. 501. A publicação beneficia-se de subsídios públicos diretos de acordo com a lei de 7 de agosto de 1990, n. 250

SOCIEDADE EDITORA

Trenta Giorni soc. coop. a r. l. Sede legale: Via Vincenzo Manzini, 45 00173 Roma

Conselho de Administração

Giampaolo Frezza (presidente),Massimo Quattrucci (vice-presidente), Giovanni Cubeddu, Paolo Mattei,Roberto Rotondo, Michele Sancioni, Gianni Valente

Diretor responsável

Roberto Rotondo

Tipografia

Arti Grafiche La ModernaVia di Tor Cervara, 171 - Roma

ESCRITÓRIO PARA ASSINATURA E DIFUSÃO

Via Vincenzo Manzini, 45 - 00173 RomaTel. +39 06 72.64.041 Fax +39 06 72.63.33.95E-mail: [email protected] segunda a sexta-feira das 9h às 18he-mail: [email protected]

Este número foi concluído na redação

dia 7 de novembro de 2011

Impressão concluída no mês de novembrode 2011

3OGIORNInella Chiesa e nel mondo

Diretor Giulio Andreotti

CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS: Godong/Corbis: Capa; Per gentil concessão de padre Marko Ivan Rupnik:p.7; Fototeca Messaggero di SantʼAntonio: p.15; Foto Scala, Firenze: p.17; Osservatore Romano: pp.22,30,33,36,42,54-55,56; M.Merletto/Nigrizia: p.23; Paolo Galosi:pp.23,24,46,48,49,50,51,52; Associated Press/LaPresse: pp.25,40,41,57; AFP/Getty Images:pp.25,26,27,29,43,47,55,57; Pepi Merisio: p.28; Foto Felici: p.29; Romano Siciliani: pp.30,40,41; FrancoCosimo Panini Editore su licenza Fratelli Alinari: pp.31,32,35; Per gentil concessão de Sua BeatitudeGeorge Alencherry: p.44; National Geographic/Getty Images: p.39; Reuters/Contrasto: p.39; Per gentilconcessão de padre Varghese Kurisuthara, reitor do Pontificio Istituto San Giovanni Damasceno: p.49; Michael Horowitz/Anzenberger/Contrasto: p.52; James Estrin/Redux/Contrasto: p.52-53;Shobha/Contrasto: p.53; Per gentil concessão de padre Mirko Santandrea, Postulação da causa de beatificação e canonização do Servo de Deus Daniele Badiali: pp.58,59,60,61,62; LaPresse: p.65.

N. 10 ano 2011an

o X

XIX Sumário

p. 4

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O meu conhecimento pessoal comDom Luigi Giussani remonta ao

período entre os anos Oitenta e Noventa, porémhá muito tempo eu já o conhecia de nome, princi-palmente pela impressão positiva que me causaraao saber que, de modo particular em Milão, nasuniversidades finalmente alguém tinha reagido aum certo clima ideológico. Na época tínhamos asensação de uma Milão fortemente contestativa ecom expressões políticas de nível ínfimo. Haviamuito medo devido às atividades das Brigadas

Vermelhas, aos atentados e crimes, mas tambémna direita havia fermentos inquietadores. Nas ins-tituições havia a ilusão de que o método democrá-tico, ao qual éramos ligados e do qual não quería-mos absolutamente sair, em definitiva pudessecombater por si mesmo o comunismo, mas, tal-vez, naquele momento não era mais suficiente, equando os violentos pensaram que podiam domi-nar, começou por meio de Dom Giussani e dosque o seguiam a retomada. Na realidade, DomGiussani proporcionou uma espécie de virada, deretorno: não mais a aquiescência à ideologia do-minante mas nem mesmo a reação oposta, ou se-ja, a oposição visceral ao comunismo.

Porém, antes de falar de Dom Luigi gostariade esclarecer um ponto: de maneira incorreta aexperiência de Dom Giussani foi vista por muitoscomo uma concorrência à Ação Católica daque-les anos. Desde aquela época sempre pensei quenão fosse uma leitura correta, justamente por-que, pela minha intuição externa, Giussani nun-ca partia de uma oposição a alguma coisa mas dealgo positivo.

A Ação católica sempre contou com uma orga-nização formada por homens, mulheres, jovens,aspirantes, crianças e dois movimentos: os gra-duados e os universitários (a Fuci). Durante o pe-ríodo fascista esta forma de organização tinha fun-cionado muito bem porque consentia aquela míni-

por Giulio Andreotti

Editorial

4 30DIAS Nº 10 - 2011

Dom Giussani e a presençado laicado na Igreja

Dom Giussani e Rose Busingye

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ma autonomia e orgulho de diversidade sem criardificuldades. E foi importante que tenha sido reali-zada naquela forma detalhada, quase “regimenta-da”. Lembro que durante uma das celebrações dasjovens da Ação Católica (os “boinas marrons”) noFóro Mussolini, o socialista Saragat disse: “Queroir para ver”, e ficou bem impressionado. A justa in-tuição de Pio XI foi a de criar os movimentos e asramificações, mas deixando que a base continuas-se sendo paroquial. Depois com o tempo perce-beu-se um certo esgotamento. Isso não queria di-zer que a experiência das paróquias não fosse maisválida, mas se tinha interrompido o fio da forma-ção. Cerca de dez anos atrás, no centenário da Fu-ci, quase fiquei escandalizado porque se manifesta-va esta característica de base: “Que fique claro quenós não somos um movimento de formação, masde busca”. Mas para nós, crescidos na Fuci, nãoera assim! Para nós, os objetivos principais eramjustamente os formativos: a liturgia, o estudo doAntigo e do Novo Testamento, uma presença co-rajosa nas universidades, uma colaboração atentacom os outros estudantes e com os professores –dos quais devíamos ser apreciados em termos qua-litativos –, também a ligação internacional através“Pax Romana” e uma sensibilidade social cultivadacom as missões assistenciais na Conferência deSão Vicente. A este propósito, recordo frequente-mente que devo às famílias pobres de Pietralata –onde íamos com a São Vicente – algumas das maisimportantes lições de vida que aprendi. Giulio Andreotti e Dom Luigi Giussani ¬

Antes de falar de Dom Luigi gostaria de esclarecer um ponto:de maneira incorreta a experiência de Dom Giussani foi vistaem muitas situações como uma concorrência à Ação Católicadaqueles anos. Desde aquela época sempre pensei que não fosse uma leitura correta, justamente porque, pela minha intuição externa, Giussani nunca partia de uma oposição a alguma coisa mas de algo positivo

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Nos anos mais gloriosos da Ação Católica, co-mo pode testemunhar o cardeal Angelini, as mani-festações de massa tinham mostrado também umacerta força e eram úteis, mas eram ligadas a ummomento histórico: a própria mobilização dos co-mitês civis em 1948 tinha um fim específico, e co-locava juntos terciários franciscanos, professoresuniversitários e donas-de-casa. Mas essas manifes-tações, mesmo positivas, se estivessem fora docontexto, eram uma espécie de antídoto, e o riscoera que o único critério apreciado fosse o número,a massa, considerada um todo, enquanto o indiví-duo, segundo os ditames da ideologia extra-católicada época, não era considerado de nenhum modo.

Dom Giussani, eu dizia, dava o sentido da nãoaquiescência, de não ter medo. Dava a sensação deque se pudesse reagir, mesmo ideologicamente, le-vando ideias, formação, atualização. Consideran-do também o catolicismo em outros países e o queestava acontecendo no mundo. Dom Giussani ino-vou com uma sua linha que, creio, tivesse clara des-de o início, mas que introduziu gradualmente por-que, talvez, uma pregação imediata, direta, como aque eu tive oportunidade de ouvir, poderia sem dú-vida causar fascínio, mas precisava também de pre-paração. E uma certa evolução aconteceu.

Um outro ponto: Dom Giussani, as obras da Co-munhão e Libertação, a presença dos leigos católi-cos na sociedade. Permito-me uma comparação:pensem em Marta e Maria no Evangelho. Maria ou-via Jesus e, se Marta não se dedicasse à cozinha –mesmo se ninguém tivesse morrido de fome naque-la noite porque Jesus estava com eles –, algum pro-blema teria acontecido, porque alguém devia neces-sariamente preparar a comida. Uma das primeirasvezes que assisti a um encontro entre os quadros daComunhão e Libertação e Dom Giussani, recordei-me deste episódio do Evangelho, porque mesmoimpressionado pela atmosfera do encontro e peloque se dizia, pareceu-me ter percebido uma distin-ção, uma diferença entre Dom Giussani e as obras,

a Companhia das Obras. Estas eram belíssimas epositivas, mas me parecia que ele se reconheces-se mais na figura de Maria. Portanto era sensatoe positivo que alguém se dedicasse aos aspectosorganizativos, porém a ele interessavam outrascoisas. Em uma ocasião ouvi um seu discurso so-bre o conceito de obra que, se não for enraizadae sustentada por grandes ideias, esteriliza, mur-cha e morre. Impressionou-me o ponto centraldesta sua observação que não era absolutamenteuma crítica às obras. Porém dizia: “Atenção, nãodevemos ser interessados apenas na materialida-de”. Este tema hoje volta a ser de atualidade poisencontramos um certo “abatimento” nas univer-sidades – mas também em outros âmbitos da vi-da cotidiana – e uma certa vivacidade foi nova-mente perdida.

Um terceiro elemento: Giussani tinha umacapacidade comunicativa particular, mas no iní-cio eu não conseguia captar seu espírito. Con-segui com o tempo, porque no início era comose falasse uma língua diferente da minha: diziacoisas muito lindas, que ficavam no coração,mas eu não tinha a chave de leitura destas coi-sas. Tinha uma expressão carismática, isso sim,via-se que era diferente, e havia algo diferentenele; se tivesse que compará-lo a alguém, diria aMazzolari, mas também a padre Gnocchi. Neleshavia alguma coisa diferente, agiam semprecom um horizonte mais amplo. Ao invés, eu soude outra natureza, um burocrata, levado a apre-ciar a normal administração. Sempre penseique os ministros mais merecedores sejam osque ao invés de angustiarem-se por mais umareforma tentam fazer funcionar, com humilda-de, os mecanismos que já existem.

Jesus com Marta e Maria, detalhe do mosaico

Mesa de Betânia, Marko Ivan Rupnik,

refeitório do Centro Aletti, Roma

Editorial

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Editorial

E para entender integralmente Dom Giussaniforam-me úteis duas coisas. A primeira foi ouvir ahomilia feita por Ratzinger na sua missa fúnebre.Fiquei muito impressionado porque o então car-deal Ratzinger fez uma fotografia exata de DomGiussani. Não era apenas um sermão fúnebre,via-se que sentia muito o que estava dizendo e naminha opinião, também algumas linhas de seupontificado são reconhecíveis naquele modelo deapostolado que indicava Dom Giussani. Pelo mo-do como falou na missa fúnebre e em outras oca-siões, intui-se que não era apenas admiração ousentido de amizade que o ligava a Giussani, mastambém concordância com o modelo de vida cris-tã a ser pregado.

Apenas uma nota a este propósito: para mimRatzinger é um papa autenticamente moderno ea crítica que justamente faz à falsa ideia de mo-dernidade que hoje impera, acredito que seja amesma que ensinava Giussani. A nossa geraçãonão estava preparada para enfrentar a ideia deque a modernidade consistisse somente em nãoter regras. Enquanto que no plano econômico esocial estávamos bem preparados – penso no có-digo de Camaldoli, penso na modernidade da re-forma agrária –, em outras frentes aderimos a de-

terminadas coisas porque pareciam sinal de mo-dernidade, sem intuir suas consequências a lon-go prazo. Penso, por exemplo, na modificaçãodo Código dos artigos sobre o matrimônio, emque o conceito de pai de família, a autoridade,desaparece. Aceitamo-la para não parecermospouco modernos.

Sim, Giussani e Ratzinger são personalidadesque sabem indicar um caminho. E não todas asgrandes figuras do catolicismo, além da sua fépessoal, têm este dom. Por exemplo Lazzati,que certamente está no paraíso, eu o vi algumasvezes à missa, de manhã cedo, na igreja de Je-sus, e parecia realmente em êxtase, porém –afirmo isso com a consciência de fé de um ro-

E para entender integralmente Dom Giussani foram-me úteis duas coisas. A primeira foi ouvir a homilia feita por Ratzinger na sua missa fúnebre. Fiquei muito impressionado porque o entãocardeal Ratzinger fez uma fotografia exata de Dom Giussani. Não era apenas um sermão fúnebre, via-se que sentia muito o que estava dizendo e na minha opinião, também algumas linhasde seu pontificado são reconhecíveis naquele modelo de apostolado que indicava Dom Giussani

O cardeal Joseph Ratzinger, durante a homilia

por ocasião do funeral de Dom Giussani, Catedral de Milão,

24 de fevereiro de 2005

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mano do povo como sou – não diria que tenhaconseguido dar um direcionamento à Universi-dade Católica.

Mas, voltando a Dom Giussani, a outra coisaque me permitiu entendê-lo melhor foi participar,muitas vezes nestes anos, à missa na Basílica deSão Lourenço fora dos Muros celebrada pelo pa-dre Giacomo Tantardini, um sacerdote que sem-pre manifestou admiração e devoção a Dom Gius-sani; apresentando-o sempre como ponto de refe-rência ao qual seguir. Desde que sou diretor de30Dias, tive muitas vezes a oportunidade de parti-cipar a essas missas no sábado à noite, a batismos,a crismas, e todas as vezes vi algo único: estudan-

tes e trabalhadores, jovens casais com crianças demãos dadas que vão receber a comunhão, umacoisa realmente paradisíaca. Perguntei-me, tam-bém graças a uma bela capa de 30Dias de 2008dedicada a Lourdes, se não seria esse o futuro docristianismo, o modelo do laicado para os próxi-mos anos. Certamente me permitiu compreendere entrar em maior sintonia com as palavras ouvi-das no passado por Dom Giussani.

(Discurso para o XV Congresso Internacional

sobre o Rosto Santo, realizado

na Pontifícia Universidade Urbaniana,

dias 22 e 23 de outubro de 2011)

930DIAS Nº 10 - 2011

Mas, voltando a Dom Giussani, a outra coisa que me permitiuentendê-lo melhor foi participar, muitas vezes nestes anos, à missa na Basílica de São Lourenço fora dos Muros celebradapelo padre Giacomo Tantardini, um sacerdote que sempremanifestou admiração e devoção a Dom Giussani; apresentando-o sempre como ponto de referência ao qual seguir

A capa de 30Jours, n. 1 - 2008;

padre Giacomo Tantardini

e Dom Giussani na Praça

de São Pedro, Domingo de Ramos,

Ano Santo, 23 de março de 1975

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MÉXICOADORADORAS PERPÉTUAS DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

La Paz, Baixa Califórnia do Sul, México

Ficamos entusiasmadas por retomar o canto gregoriano,principalmente nas solenidades

La Paz, 4 de agosto de 2011

Estimado senhor diretor,seja louvado o Santíssimo Sacramento!Receba uma afetuosa saudação dessas longínquas ter-

10 30DIAS Nº 10 - 2011

Há algum tempo chegam à redaçãode 30Dias cartas provenientes

não apenas dos mosteiros de clausura,das missões, dos seminários, mas tam-bém de bispos e sacerdotes, de reli-giosos e religiosas, de simples fiéis detodas as partes da terra. Portanto,consideramos oportuno chamar essaseção “Cartas do mundo todo”, mar-cando-a com a imagem de Jesus comos apóstolos Pedro, Tiago e João ex-traída da Última Ceia, um dos novosmosaicos da fachada da Basílica doRosário, em Lourdes, realizados pelopadre Marko Ivan Rupnik S.J., por oca-sião do sesquicentenário das apari-ções de Nossa Senhora a Bernadete. Aescolha da imagem de Jesus com osdiscípulos prediletos na Última Ceia,quer sugerir como também essas car-tas são um pequeno sinal do grandemosaico de comunidades eucarísticasnas quais se torna presente o sacrifíciode amor de Jesus, como dizia o PapaBento XVI, na quarta-feira, dia 26 deoutubro.

As cartas que chegam todos os me-ses à redação são numerosas. Senti-mos não poder publicá-las todas e des-culpamo-nos com os interessados.Mas fazemos questão de garantir quetodas são lidas e a todas tentamos res-ponder, e sempre que possível, realizaros eventuais pedidos que são feitos.

Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Ca

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1130DIAS Nº 10 - 2011

ras da Baixa Califórnia do Sul, onde recebemos men-salmente a sua bela revista 30Dias, graças à qual pode-mos saber das notícias mais variadas da Igreja e domundo. Por isso agradecemos ao senhor e a todos osque trabalham na redação.

Queremos agradecer-lhe também pelo livro “El Hijono puede hacer nada por su cuenta”, e pelo CD com oscantos gregorianos, que nos deu entusiasmo para reto-mar o canto gregoriano principalmente nas solenidades.

Somos uma comunidade de 21 irmãs; no ano pas-sado voltaram à Casa do Pai a fundadora da comunida-de, a reverenda madre María Angélica e irmã María deSan José, de modo que, a 46 anos da fundação, na co-munidade permanece apenas uma das fundadoras.

Despedimo-nos garantindo as nossas orações e pa-rabenizando-o pela revista,

a madre superiora Luísa Beltrán C.

As imagens que ilustram as páginas das “Cartas do mundo todo” e as da “Leitura espiritual” são dos afrescos da basílica

de Santo Antônio de Pádua. Aqui acima, Crucifixão, Altichiero, capela de São Tiago

artas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo •

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MALÁUIIRMÃS SACRAMENTINAS DE NTCHEU

Ntcheu, Maláui

Pedimos uma contribuição para construirum abrigo para jovens órfãs ou pobres

Ntcheu, 22 de agosto de 2011

Caríssimo senhor Andreotti,quando estava na Itália por um breve período, tive asorte de encontrar e ler a sua belíssima revista 30Gior-ni e de apreciar os seus conteúdos.

Quanto precisaríamos, nós que residimos em terrade missão, onde as notícias nunca chegam na pers-pectiva real, poder conhecer as chaves de leitura doque acontece no mundo e saber o que acontece de be-lo também no mundo da Igreja!

É por isso que me permito dirigir-me ao senhor parapoder receber também na minha comunidade umexemplar da sua revista, que considero um importantemeio não só de informação mas também de formação!

Além disso, gostaria de fazer-lhe um outro pedido:na nossa missão dedicamo-nos à educação, com a cer-teza de que oferecer instrução e educação seja o meiomelhor para ajudar um país a crescer rumo a um pro-gresso lento mas respeitador da dignidade do homem.Queremos construir ao lado da nossa escola do grandebairro de Nsumbi (na diocese de Mangochi) um abrigopara uma centenas de jovens órfãs ou muito pobres,para assim dar-lhes a possibilidade de frequentar regu-larmente a escola e dedicar algum tempo ao estudo, oque raramente é possível em seus vilarejos.

Estamos nos empenhando na construção de umabrigo para poder hospedá-las todo o ano, seriamdormitórios e uma cozinha com refeitório, para queencontrem um ambiente essencial para uma vidadigna e serena.

Na África, tudo está ficando cada vez mais difícil,ainda mais nestes tempos em que parece que as injus-tiças sobre os mais fracos se multiplicam, a ponto de

que o nosso projeto encontra a todo momento sem-pre novos obstáculos! Apenas a certeza da necessida-de dessa obra em favor das mulheres da África nos dácoragem para não desistir mesmo se as despesas semultiplicam além dos orçamentos previstos.

Pedimos, se possível, uma contribuição para levaradiante pelo menos no essencial este trabalho grandeque ainda devemos realizar.

Para qualquer informação, podemos nos manterem contato por meio do correio eletrônico neste en-dereço: [email protected].

Desde já agradecemos-lhes o que conseguirem reali-zar por nós e contem com a nossa recordação diante doSantíssimo Sacramento na nossa adoração cotidiana.

Com muita estima e reconhecimento,

irmã Ornella Sala e as irmãs sacramentinas de Ntcheu

PORTUGALFRATERNIDADE DOS IRMÃOZINHOS DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS

Beja, Portugal

Somos uma fraternidade franciscana que vive no sul de Portugal

Beja, 7 de setembro de 2011

Paz e bem!Pelas mãos de um amigo chegou-me uma revista30Dias, a qual li e reli várias vezes. Confesso que gos-tei imenso da vossa revista, pois dá uma visão da vidada Igreja no mundo muito completa.

Parabéns pela vossa revista. Louvado seja Deus pe-la vossa Obra de Evangelização.

Somos uma Fraternidade Franciscana que vive nosul de Portugal numa das Diocese mais pobres do nos-so país, a Diocese de Beja.

Gostaríamos muito de receber a vossa revista, quenos seria muito útil para a nossa missão e para a for-mação dos jovens irmãos da nossa comunidade, masnão temos meios económicos para isso.

A nossa comunidade dedica-se essencialmente àEvangelização em terras do Alentejo.

Gostaríamos muito de receber um exemplar paracada Irmão do livrinho Quem reza se salva, mas ficaum pouco caro para a nossa comunidade que é forma-

12 30DIAS Nº 10 - 2011

Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Ca

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1330DIAS Nº 10 - 2011

da por oito jovens consagrados que na pobreza e naalegria anunciam o Evangelho da paz e do bem!

Despeço-me deixando a certeza da nossa oraçãopor toda a equipa de redacção desta revista que é uminstrumento valioso para a igreja.

Abraço fraterno,

ir. Ricardo Borges

Beja, 19 de setembro de 2011

Paz e Bem!Queremos agradecer o envio que nos fizeram dos livri-nhos Quem reza se salva.

O livro de orações está muito bem preparado, vaiser muito útil para o nosso apostolado de Evangeli-zação.

Imago Pietatis, Altichiero, capela de São Tiago

artas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo •

¬continua na p. 18

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14 30DIAS Nº 10 - 2011

Confiança!

É a mão de Jesus

que tudo conduz...

Santa Teresa do Menino Jesus

Não nos cansemos

de rezar. A confiança

faz milagres.

Santa Teresa do Menino Jesus

Convite à oração

A redação de 30Dias convida a todos, em particular às pessoas consagradas dos

mosteiros de clausura, a rezarem por padre Giacomo Tantardini. Há alguns

meses ele vem-se tratando de um câncer no pulmão. Que o Senhor nos conceda

pedir com confiança o milagre da cura. Aos sacerdotes que estimam e querem

bem a 30Giorni pedimos que celebrem a santa missa segundo essa intenção.

Aos pais pedimos a caridade de fazerem seus filhos rezar.

Le i tura esp i r i tua l • Le i tura esp i r i tua l • Le

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Sempre me conforta o trecho do Evangelhoque ouvimos (Lc 9,57-62), que, no fundo, sobdiversos pontos de vista, diz uma coisa só: que

a iniciativa de seguir a Jesus não nasce do homem,mas é de Jesus. Ninguém pode tomar por si mesmoa iniciativa de segui-Lo. “Não fostes vós que me es-

colhestes; fui eu que vos escolhi” (Jo 15,16). A ini-ciativa é do Senhor. É em primeiro lugar Sua. O ho-mem pode-se deixar atrair, mas não pode tomarpor si mesmo a iniciativa.

Isso, nas poucas e belas pregações de quarta-fei-ra do papa Luciani, foi como um refrão que ele

Pádua, Basílica do Santo, quarta-feira, 28 de setembro de 2011,

santa missa pelo 33º aniversário da morte do papa João Paulo I

homilia de padre Giacomo Tantardini

¬

e i tura esp i r i tua l • Le i tura esp i r i tua l • Le i tura esp i r i tua l • Le i tura

Stefano da Ferrara,

Nossa Senhora

do Pilar

“Nos humildes a graça resplandece mais”

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16 30DIAS Nº 10 - 2011

repetiu várias vezes. Na pregação sobre a fé, de-pois de ter lido em dialeto romanesco uma poesiade Trilussa, ele diz: “Esta poesia é boa como poe-sia, mas defeituosa como catecismo”, pois, expli-ca o Papa, a fé não nasce do homem. A fé é domde Jesus. Tanto assim, que Jesus disse: “Ninguémpode vir a mim, se o Pai que me enviou não oatrair” (Jo 6,44.65).

Ninguém pode ir a Jesus, se Jesus não o atrai.A fé é graça do Senhor. E na pregação sobre a ca-ridade João Paulo I diz justamente isto: “Eu nãodou um passo, se Deus não toma primeiro a inicia-tiva”. Nós, sozinhos, não damos um passo; sozi-nhos, não tomamos nenhuma iniciativa. A iniciati-va é do Senhor. Se Ele não começa, nós não da-mos o primeiro passo. Se Ele não atrai, nós não Oseguimos. É como um refrão, naquelas quatro fan-tásticas pregações, a afirmação de que a vida cris-tã é graça, é iniciativa da graça, e de que a nossaresposta é a correspondência a essa atração.

Mas, relendo essas pregações de quarta-feira, oque mais me impressionou, agora, foi ver que oPapa diz várias vezes: “Rezem por este pobre Pa-pa”. Ele usa a expressão “pobre Papa”: “Quemsabe o Espírito Santo ajuda este pobre Papa...”.“Quando o pobre Papa, quando os bispos, os sa-cerdotes propõem a doutrina...”. E ainda: “Vejoaqui, perto de mim, alguns irmãos bispos, e comeles este pobre Papa”. Como é bela a expressão“pobre Papa”! Entendo talvez agora por que obom cardeal Gantin, comentando o conclave queelegeu o papa Luciani, disse simplesmente: “Fica-mos todos muito contentes!”. Não foi uma surpre-sa a eleição de Luciani, era algo previsível, mas to-dos ficaram muito contentes, pois uma pessoa po-bre, uma pessoa humilde tinha sido eleita bispo daIgreja de Roma. A uma Igreja pobre, a uma Igrejahumilde, a uma Igreja pequeno rebanho, tinha si-do dado um Papa pobre, um Papa humilde e, por-tanto, ficaram todos muito contentes. Pois, comodiz Santo Ambrósio: “Nos humildes resplandece

mais a graça / In humilibus magis elucet gratia”.Nos pobres, nos humildes, a graça resplandecemais. E quando a graça resplandece ficamos todoscontentes. Quando resplandece o que o Senhorfaz, ficamos todos contentes.

É assim que lembramos esse pobre Papa trinta etrês anos depois da sua morte repentina. Celebra-mos a lembrança desse pobre Papa. Desse “pobrePapa”, pobre e portanto grande aos olhos do Se-nhor e aos olhos de seus santos. Nós o celebramosaqui em Pádua, na Basílica de Santo Antônio.

“Si quaeris miracula / Se queres obter mila-gres”, diz o canto, “reza a Santo Antônio”. Assim,ao lado do papa Luciani, ao lado dos nossos ami-gos no paraíso, de todos os santos do paraíso, re-zamos particularmente a Santo Antônio pelos mi-lagres, por todos os milagres. Hoje, no breviário,nas vésperas, havia esta frase de São Pedro: “Lan-çai sobre o Senhor toda a vossa preocupação,pois ele é quem cuida de vós” (1Pd 5,7). É precisopedir todos os milagres. É preciso pedir todas asgraças. Nestes meses – e eu o digo pelo afeto e pe-la amizade que nos liga – muitas vezes, talvezquando o medo e a angústia se apresentaram, eurepeti esta frase: “Jesus, te ofereço; Jesus, cura-me; Jesus, torna-me humilde”. É preciso pedir to-dos os milagres, por exemplo o milagre da cura.Todos os milagres.

Mas a imagem de Santo Antônio com o meninoJesus nos braços sugere que todos os milagres sãopedidos dentro desse abraço. “Fora de ti, ninguémmais desejo sobre a terra” (Sl 73,25). Fora desseabraço de Jesus, fora do abraço de Jesus, fora daternura de Jesus, a pessoa nada pede. Dentro dessaternura – como quando Antônio tinha o menino Je-sus nos braços –, a pessoa pode pedir tudo. Como acriança pequena, que pede tudo ao pai e à mãe.Dentro dessa ternura, dentro desse abraço: “Forade ti, ninguém mais desejo sobre a terra”.

Então, a primeira coisa a pedir é essa familia-ridade mais que maravilhosa com Jesus. E a ter-nura da comunhão com Jesus. “É fiel o Deus quevos chamou à comunhão com seu Filho, JesusCristo, nosso Senhor” (1Cor 1,9). Como é doceessa comunhão!

Santo Antônio carrega o menino Jesus nos bra-ços, mas é Jesus quem carrega Antônio. Quantasvezes depois da comunhão repito esta oração de

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Santo Ambrósio: “Veni, Domine Iesu, / Vem, Se-nhor Jesus, / ad me veni, / vem a mim, / quaereme, / busca-me, / inveni me, / encontra-me, /suscipe me, / toma-me nos braços, / porta me /me leva”. Quando somos carregados pelo Senhor,então pedimos tudo. Assim, nestes últimos tem-pos da minha vida, lembrei-me de uma jaculatóriado Cântico dos Cânticos (2,16), da época emque, pequeno, entrei no seminário, que diz: “Di-lectus meus mihi et ego illi qui pascitur inter li-lia / O meu amado está comigo...”. O meu ama-do, porque amado do coração é o Senhor Jesus.O meu amado está comigo; e nós também, pobrespecadores, por renovada graça, podemos dizer:

“E nós com Ele, que é um pastor entre os lírios”.Com Ele, que é o único santo, o único Senhor. Tusolus sanctus, Tu solus Dominus. O único quenos ama com um amor tão doce, tão terno, a pon-to de o amor do pai e da mãe ser uma pequenaimagem desse amor.

Peçamos aos santos, peçamos ao papa Lucia-ni, peçamos a Santo Antônio, peçamos a DomGiussani, peçamos aos santos do paraíso quenos façam experimentar também neste mundo aternura de sermos amados por Jesus e, dentrodessa ternura, peçamos todos os milagres. To-dos os milagres de que precisamos para preser-var e viver a fé. q

Nossa Senhora no trono, Giusto de’ Menabuoi

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Ficamos a aguardar algumexemplar da vossa revista, que ti-veram a generosidade de nos ofe-recer uma assinatura.

Só Deus poderá dar a recom-pensa pela vossa tão grande ge-nerosidade.

Despedimo-nos com a certezada nossa oração por vós,

ir. Ricardo Borges

CHILEMISSIONÁRIOS SALESIANOS

Catemu, Chile

Um obrigado da Terra do Fogo

Catemu, 8 de setembro de 2011

Estimadíssimos redatores de30Giorni,sou um assíduo leitor desta revista. Recebo-a pontual-mente e considero que seja bem feita, útil e que nosmantenha unidos à Igreja.

Desejo que o Senhor vos abençoe pelo trabalho fei-to em benefício dos leitores, especialmente dos queestão longe. Sou salesiano e encontro-me no Chile, naTerra do Fogo.

Parabéns pelo CD com os cantos tradicionais paraa missa em latim, acompanhado pelo livrinho com ostextos: formidável! Lembro-me com certa nostalgiados anos da minha juventude, quando se usava muitoo latim na liturgia.

Então, para aproveitar ao máximo o conteúdo darevista, peço-vos o favor de enviá-la em língua espa-nhola, porque assim posso passá-la para outras pes-soas, pois em italiano só eu posso lê-la.

Aqui chega um só exemplar destinado a Giusep-pe De Marchi (que já voltou definitivamente para aItália).

Faço-lhes votos de prosseguimento deste traba-lho, e para vocês a minha recordação nas orações, ecordiais saudações.

Ardiccio Fusi

18 30DIAS Nº 10 - 2011

O Anjo anunciador,

capela de São Tiago

Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Ca

segue da p. 13

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1930DIAS Nº 10 - 2011

COLÔMBIACLARISSAS DO MOSTEIRO DE BELLO

Bello, Colômbia

Obrigada por Quien reza se salva

Bello, 24 de setembro de 2011

Estimado senhor Giulio Andreotti,receba a nossa saudação fraterna depaz e bem, com abundantes bênçãosdo Senhor pelo maravilhoso trabalhode evangelização que o senhor levaadiante por meio da revista 30Días.

Alguns dias atrás recebemos dezexemplares do livrinho Quien rezase salva. O senhor não pode imagi-nar a nossa alegria ao ver as princi-pais orações do cristianismo reuni-das em um livrinho, que partilhare-mos com as novas religiosas e osfiéis que nos acompanham duranteas celebrações litúrgicas do nossomosteiro.

Com a nossa sincera lembrançana oração lhe acompanhamos deperto, compartilhando com o senhore os seus colaboradores os tesourosespirituais que recebemos do Senhor.

Esperamos receber logo a revista 30Días porquea consideramos um precioso instrumento espiritualque nos ajuda a crescer na fé e na resposta vocacio-nal que damos a Deus da vida contemplativa quenos une.

Deus os abençoe e a Virgem Santíssima lhes dêcoragem e conforto sempre com a força do EspíritoSanto de Deus.

Com renovado afeto e gratidão,a abadessa irmã Margarita María

del Sagrado Corazón, OSC, e comunidade

COREIA DO SULCAPUCHINHOS DA CUSTÓDIA DA COREIA DO SUL

Seul, Coreia do Sul

Dos frades capuchinhos da Coreia

Seul, 27 de setembro de 2011

Pax et Bonum.Primeiramente, obrigado pelos dois exemplares gra-tuitos da revista 30Days. Os nossos frades estão muitofelizes pela possibilidade de ler a revista. ¬

artas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo •

A Virgem anunciada,

capela de São Tiago

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Eu me chamo Anthony Choi, frade capuchinho daCustódia da Coreia. Sou um seminarista e estudo pa-ra me tornar sacerdote. Aqui no nosso convento, on-de aloja os seminaristas, há três frades seminaristascoreanos e um sacerdote irlandês.

A nossa Custódia foi fundada pela província irlan-desa em 1986 e este ano festejamos o jubileu de pra-ta. Na nossa Custódia contamos com dezesseis fra-des e dois postulantes.

Gostaríamos de receber, se possível, a revista30Days gratuitamente, os nossos frades ficariammuito contentes.

Caso não seja possível, não tem problema. Com-preendemos a situação de vocês.

Recordarei suas famílias e seus amigos nas minhasorações. Pedimos para que recordem dos frades ca-puchinhos na Coreia.

Deus os abençoe,

Anthony Choi

ITÁLIA

Nós moramos a vinte metros da igrejinha onde estão os restos mortaisdo beato padre Serafino Morazzone

Chiuso di Lecco, 7 de outubro de 2011

Há muitos anos sou assinante desta belíssima e im-portante revista da qual me “nutro” de cultura ecle-sial, política e muito mais!

Hoje, quando chegou o número 7/8, li na página70 o artigo escrito por Giovanni Ricciardi intitulado“A grandeza da pequenez”, sobre a figura do beatopadre Serafino Morazzone, citado por Manzoni emOs Noivos (Fermo e Lucia).

Que surpresa! Nós moramos a vinte metros daigrejinha dedicada a São João Batista no distrito deChiuso di Lecco, onde estão os restos mortais dobeato!

Além disso, pensando em dar a possibilidade aosque vêm em peregrinação de encontrar um ponto dedescanso e pernoite, abrimos um bed and breakfastdo qual me permito enviar à redação o endereço in-ternet www.bebtralagoemonti.it.

Renovando os meus votos para que 30Giorni pos-sa ser cada vez mais uma revista de sucesso, cordiaissaudações.

Maria Assunta AnghileriAurelio Brusadelli

FRANÇADOMINICANAS DO MOSTEIRO NOTRE-DAME DE CHALAIS

Chalais, França

Garanto-lhe a minha oração e a da minha comunidade

Chalais, 8 de outubro de 2011

Prezado senhor,agradecemos-lhe pela 30Jours! É magnífica e éuma alegria receber notícias sobre o Santo Padre esobre o que acontece na Itália. Sou uma irmã domi-nicana. Minha família é proveniente de Roma e daregião de Abruzzo. Não falo italiano, mesmo se omeu nome é Domenica Benzi, Dominique em fran-cês. Obrigada por nos enviarem a revista. Garanto-lhe a minha oração e a da minha comunidade, emnome da qual estou escrevendo. Rezo pelo senhor epor todos os que trabalham nesta revista de que eugosto muito.

Renovando meus agradecimentos,

irmã Dominique, O.P.

20 30DIAS Nº 10 - 2011

Coroação de Maria,

Giusto de’ Menabuoi

Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Ca

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artas do mundo todo • Cartas do mundo todo • Cartas do mundo todo •

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22 30DIAS Nº 10 - 2011

AÁfrica se sente realmentehonrada por esta segundavisita pastoral do Santo Pa-

dre, o papa Bento XVI, que logoirá ao Benim. Essa visita pastoral,sem a menor dúvida, deverá en-corajar o continente africano atomar nas mãos, de modo res-ponsável, o seu destino, deveráencorajá-lo enquanto atravessatantas provações, consolidar a fédos cristãos e chamar a atençãoda Igreja para a sua tarefa missio-

nária. A África está plenamenteaberta a Cristo. Deu um grandepasso na direção de Jesus Cristo.No início do século XX não haviamais que dois milhões de católi-cos em toda a África. Hoje o con-tinente possui 147 milhões deles,com uma quantidade impressio-nante de vocações à vida sacerdo-tal e religiosa, e muitas conver-sões ao cristianismo. Mas amplasregiões não conhecem ainda “oEvangelho de Deus” (Mc 1,14).

O primeiro Sínodo, sobre “AIgreja na África e sua missão evan-gelizadora”, e o segundo Sínododo continente, sobre “A Igreja naÁfrica a serviço da reconciliação,da justiça e da paz”, enfrentaramcom muita seriedade e trabalho asquestões básicas que preocupam eatormentam toda a Igreja e os po-vos africanos: a evangelização; ainculturação; a Igreja “família deDeus”; o diálogo como “forma deser do cristão dentro de sua co- ¬

pelo cardeal Robert Sarahpresidente do Pontifício Conselho “Cor Unum”

O continente africano,“pulmão” espiritual da humanidade

A segunda visita pastoral de Bento XVI à África

Bento XVI durante a viagem a Camarões e Angola, em março de 2009; o Papa retornaao continente africanoem viagem apostólica ao Benim, de 18 a 20 de novembro de 2011

CAPA

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Robert Sarah nasceu em Ourous, na arquidiocese de Conakry, na Guiné, em 15 de junhode 1945. Ordenado sacerdote em 20 de julho de 1969, foi depois enviado a Roma, onde

obteve o mestrado em Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana. Em Roma enrique-ceu sua formação cultural no Pontifício Instituto Bíblico, aprofundando-a, em seguida, comum período de estudos no Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém. De volta à pátria,foi pároco e depois reitor do seminário menor de Kindia. Nomeado arcebispo de Conakryem 13 de agosto de 1979, foi consagrado em 8 de dezembro do mesmo ano. Em seguida,foi administrador apostólico de Kankan, presidente da Conferência Episcopal da Guiné epresidente da Conferência Episcopal Regional da África Ocidental Francófona (Cerao). Emoutubro de 2001 foi nomeado secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos,ofício que desenvolveu por nove anos, até 7 de outubro de 2010, quando Bento XVI o de-signou presidente do Pontifício Conselho “Cor Unum”. Foi criado cardeal por Bento XVI noconsistório de 20 de novembro de 2010.

D. M.

Biografia do cardeal Robert Sarah

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munidade, como também com osoutros crentes”; a justiça e a paz;a reconciliação; a influência maci-ça e poderosa da mídia na evolu-ção cultural, antropológica, éticae religiosa das nossas sociedades.Essas questões importantes fo-ram estudadas e discutidas numclima de fé e oração, examinadascom humilde obediência à Pala-vra de Deus e sob a luz sempreacesa do Espírito, que nos acom-panha ao longo da história.

Tenho confiança de que com apaciência, a determinação, a for-ça da fé, e com a ajuda de Deus, ocontinente africano conhecerá apaz, a reconciliação, uma maiorjustiça social, e poderá contribuirpara reencontrar os valores hu-manos, religiosos e éticos, a sa-cralidade e o respeito à vida desdea concepção até a morte natural,a grandeza do matrimônio entrehomem e mulher, o significado e anobreza da família, que as socie-dades modernas – sobretudo oci-dentais , enfraquecidas pela“apostasia silenciosa” – “descons-troem” e tornam desfocados e in-consistentes. Poderá contribuirpara reencontrar a Deus, o senti-

do do sagrado e a realidade do pe-cado, em suas formas individuaise sociais.

Além de seus fabulosos recur-sos naturais, o continente africa-no possui uma extraordinária ri-queza humana. Sua população éjovem e em constante crescimen-to. A África é uma terra fecundaem vida humana. Infelizmente,apesar das riquezas naturais e hu-manas, é tragicamente ferida pelapobreza, pela instabilidade e pordesordens políticas e econômi-cas. Conhece ainda os efeitos dadominação, do desprezo, do colo-nialismo, um fenômeno que – em-bora aparentemente concluído noplano político – não está extintode modo algum: hoje é mais sutil edominante do que nunca. Em ra-zão das fraquezas tecnológicas,econômicas e financeiras da Áfri-ca, os poderosos e astutos espe-cialistas do mundo econômico or-ganizaram o saque e a exploraçãoanárquica de suas riquezas natu-rais, sem nenhum benefício paraos povos do continente. A Áfricaé pobre e sem dinheiro, mas com-pra armas com seus recursos na-turais para iniciar guerras fomen-

tadas com a cumplicidade de cer-tos líderes africanos corruptos,desonestos e que não se impor-tam com os atrozes sofrimentosde seus povos, continuamente re-fugiados e em fuga diante da vio-lência, dos conflitos sanguinolen-tos e da insegurança.

É preciso, todavia, agradecer aDeus. Hoje a África, em seu con-junto, parece viver uma certa cal-ma em comparação com as agu-das tensões que marcaram o con-tinente nas últimas duas décadas.Ainda que em alguns lugares apaz e a segurança das populaçõescontinuem ainda frágeis e amea-çadas, é perceptível uma evolu-ção real para a pacificação. Umavez terminada – ou quase – aguerra, é preciso agora empreen-der o caminho da reconciliação.O segundo Sínodo sobre a Áfricachegou no momento certo pararecordar aos cristãos que eles de-vem ser artífices de paz e de re-conciliação. Para ajudar a África aenfrentar esse imenso desafio eessa difícil batalha contra a pobre-za, pelo desenvolvimento econô-mico e por uma existência huma-namente mais digna e mais felizem que a Igreja deve colaborarcom outras instituições, o SantoPadre, papa Bento XVI, volta àÁfrica com o objetivo de reafirmaraos africanos toda a sua confiançaem sua capacidade de sair autono-mamente dessa longa e penosacrise socioeconômica e políticapor meio do trabalho, da unidadee da comunhão de intenções, elembrar aos cristãos da África queDeus nos reconciliou com Ele porintermédio de Cristo, e nos con-fiou o ministério da reconciliação(cf. 2Cor 5,18). O Santo Padre es-timulará as energias do continenteafricano e, como um pai, estimu-lará os africanos a sair da “reser-va” e a entrar nos grandes circui-tos mundiais para afirmar-se e ma-nifestar publicamente os valoresculturais e as inestimáveis qualida-des humanas e espirituais que po-dem oferecer à Igreja e a toda ahumanidade.

É claro que hoje a maior parteda África está fora dos grandescircuitos mundiais. É facilmentedeixada de lado, marginalizada. AÁfrica é um elo negligenciável da

24 30DIAS Nº 10 - 2011

A cerimônia de abertura da 2ª Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, Basílica de São Pedro, 4 de outubro de 2009

CAPA

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corrente mundial, diante de ummundo totalmente controlado pe-las nações ricas e poderosas dospontos de vista econômico, tec-nológico e militar. Todos os exér-citos dos países ocidentais estãoalinhados quase inteiramente nospaíses pobres da Ásia e da África,para bombardear e destruir edifí-cios, milhares e milhares de vidashumanas inocentes, para – dizem– manter a paz e promover a de-mocracia. O Iraque e a sua popu-lação estão destruídos e SaddamHussein foi morto. Bin Laden foiassassinado e lançado no mar.Muammar Kadafi foi simplesmen-te eliminado com outros mem-bros de sua família, e fizeram de-saparecer sua lembrança entre asareias do deserto. A Costa doMarfim era um país em boas con-dições do ponto de vista econômi-co. Agora foi quebrado em dois edestruído... Não quero defenderesses personagens e suas ações,que certamente devem ser exe-crados e condenados mil vezes.Mas é bárbaro e imperdoável quepotências civis se aliem e tratemassim seres humanos criados àimagem de Deus. E, se essas pes-soas foram bandidos e ditadorespara seus povos, por que temer

que seus túmulos se tornem luga-res de peregrinação? O mesmodestino talvez espere outros che-fes de Estado!

Não sei o que Deus pensa, emseu silêncio, de tanta crueldade. OSeu coração, provavelmente, seentristece. Desculpem-me este

parêntese. Deve deixar de acon-tecer que o dinheiro e o poder setornem os deuses do mundo e quea eles sejam oferecidas vidas hu-manas em sacrifício. A verdadeterá de triunfar. Só Deus é a pri-meira e a maior verdade. Semverdade, o homem não pode

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Acima, crianças congolesas e ruandesas recebemalimentos dossoldados das NaçõesUnidas perto da aldeiade Kimua, no CongoOriental; à esquerda,milicianos emPekanhouebli,na fronteira entre a Libéria e Costa doMarfim, abril de 2011

BENIM. A segunda visita pastoral de Bento XVI à África

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perceber o sentido da vida; deixaentão campo aberto para o maisforte (cf. Bento XVI, Jesus de Na-zaré. Da entrada em Jerusalémà Ressurreição). A lei do mais for-te, a violência e as guerras destemundo são o grande problema e agrande ferida da nossa humanida-de nos dias de hoje!

O continente africano foi es-quecido dos homens, mas não deDeus, que prefere de modo evi-dente os pequenos, os pobres e osfracos. Já o papa João Paulo IIdisse, em 1995, que “a Áfricaatual pode ser comparada àquelehomem que descia de Jerusalémpara Jericó; ele cai nas mãos dossalteadores que, depois de o des-pojarem e encherem de pancada,o abandonaram, deixando-o meiomorto (cf. Lc 10,30-37). A Áfricaé um continente onde inumerá-veis seres humanos – homens emulheres, crianças e jovens – ja-zem, de algum modo, prostradosà margem da estrada, doentes, fe-ridos, indefesos, marginalizados eabandonados. Têm extrema ne-cessidade de bons samaritanosque venham em sua ajuda” (Eccle-sia in Africa, nº 41). Por isso, for-talecidos por sua fé em Jesus Cris-to, os bispos da África confiaramseu continente a Cristo Senhor, overdadeiro Bom Samaritano,convencidos de que só Ele, pormeio do seu Evangelho e da suaIgreja, pode salvar a África desuas dificuldades atuais e curá-lade seus muitos males.

Jesus Cristo, o seu Evangelho ea sua Igreja são a esperança daÁfrica, e a África é o futuro domundo. Os últimos papas pensamnela dessa forma, na interpretaçãoque dou de suas palavras. E creioque seu ponto de vista mereça cré-dito, pois assim se expressaram noexercício de sua função profética.

No Antigo Testamento, os pro-fetas tinham por missão ler, inter-pretar e comentar a história e oseventos sociopolíticos e religiosos,não só do povo de Israel, mas tam-bém dos povos vizinhos. Certa-mente hoje os papas, sucessoresde Pedro, continuam esse ministé-rio profético para ler, analisar e in-terpretar a história da Igreja e as vi-cissitudes humanas, religiosas e so-ciopolíticas do mundo.

E o que dizem da África os últi-mos papas? Expressam com cla-reza o que é a África aos olhos deDeus e a sua missão presente e fu-tura no mundo.

Como declarou Paulo VI emCampala, em julho de 1969:“Nova Patria Christi, Africa. Anova Pátria de Cristo é a África”.Deus sempre teve uma atençãoespecial à África, fazendo-a par-ticipar da salvação do mundo.De fato, foi o continente africa-no que “acolheu o Salvador domundo quando era menino e te-ve de se refugiar com José e Ma-ria no Egito para salvar a vida daperseguição do rei Herodes” (cf.Bento XVI, Homilia na SantaMissa para a conclusão da 2ªAssembleia Especial para aÁfrica do Sínodo dos Bispos,25 de outubro de 2009). E de-pois foi um africano, um certoSimão originário de Cirene, opai de Alexandre e Rufo, queajudou Jesus a carregar a Cruz(cf. Mc 15,21).

Em 1995, o beato papa JoãoPaulo II escrevia na Ecclesia inAfrica: “‘Eis que eu te gravei naspalmas das minhas mãos’ ( I s49,15-16). Sim, nas palmas dasmãos de Cristo, trespassadas pe-los cravos da crucifixão! O nomede cada um de vós, africanos, estáescrito nestas mãos” (Ecclesia inAfrica, nº 143).

E Bento XVI, em sua homilia deabertura da 2ª Assembleia Espe-cial para a África do Sínodo dosBispos, em 4 de outubro de 2009,diz: “A África é depositária de umtesouro inestimável para o mundointeiro: o seu profundo sentido deDeus [...]. A África representa umimenso ‘pulmão’ espiritual paraesta humanidade em crise de fé ede esperança. Mas este pulmãotambém pode adoecer. E atual-mente pelo menos duas perigosaspatologias estão a ameaçá-lo: an-tes de tudo, uma doença já comumno Ocidente, isto é, o materialismoprático, aliado ao pensamento re-lativista e niilista”.

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CAPA

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Daí a importância e a urgênciade uma mais profunda evangeliza-ção das mentalidades, dos costu-mes e das culturas africanas, umtrabalho intenso de aprofunda-mento e apropriação da fé e dosmistérios cristãos. A formação docoração, que permite estabelecerlaços de íntima amizade com Cris-to e favorece uma intensa vida de

oração e encontros frequentes epessoais com Deus, deverá serpromovida e fortalecida. Parachegar a isso, temos a ajuda, oapoio e o encorajamento dos mo-delos africanos de santidade quesomos chamados a imitar: osmártires São Carlos Lwanga ecompanheiros, o beato CiprianoMiguel Tansi, Santa Josefina Bak-hita, Santa Clementina Anuarite,mártir, etc. Mas temos tambémum outro grande modelo cristão eum grande africano que acaba de

voltar para a casa do Pai: o vene-rado cardeal Bernardin Gantin.

Era um homem de Deus, umgrande homem de oração, atentoa Deus e aos homens, e de umadelicada humildade. Eis o que re-comendava: “Sejam ordenadosos seus dias, unindo o repouso aotrabalho; ouçam o Senhor e tam-bém os homens, e depois rezem.

Rezem sobretudo por meio do si-nal vivo da Eucaristia, que é o mo-mento divino do maior amor deDeus pela humanidade” (homiliapara uma ordenação sacerdotal,19 de novembro de 2005). A ora-ção era o eixo da sua vida. Disseum dia a um jovem padre: “Meufilho, temos de rezar muito. Te-mos de rezar pedindo perdão portudo o que poderíamos ter feito,mas não pudemos realizar. [...]Oração, oração; sim, oração an-tes de mais nada e unicamente.[...] À medida que aumentam astarefas e as responsabilidades, aoração deverá fazer-se mais in-tensa, mais longa, mais insisten-te”. Ela deve-nos unir mais aDeus, que age por meio das nos-sas pessoas. E, já no fim da vida, ocardeal o testemunhou, dizendo:

“Prometi ao papa JoãoPaulo I I consagrar otempo da minha apo-sentadoria ao recolhi-mento, à escuta e àoração” (bodas de ouroepiscopais, Ouidah, 3de fevereiro de 2007).

O cardeal Bernar-din Gantin era um fiel eafetuoso servidor deDeus, da Igreja e doPapa. Um homem degrande fé, totalmenteembebido do Amor deCristo. Submissão, fi-delidade e amor pelaIgreja e pelo Papa, eraassim que vivia o seudom e o seu humildeserviço a Deus, que lheconcedera a graça dosacerdócio. Como car-deal, definiu desta for-ma essa honra e esseprivilégio: “O que é umcardeal da Igreja, se-não um servidor, minis-tro do Papa, disponí-vel, semelhante à do-

bradiça de uma porta, segundo adefinição de seu étimo latino ‘car-do’, sempre feliz e grato por tersido escolhido unicamente paraservir” (homilia pelos trinta anosde cardinalato, Cotonou, 27 dejunho de 2007). E acrescentava:“Todo o meu amor cristão se re-sume nestas simples palavras:Deus, Jesus Cristo, o Papa, a

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BENIM. A segunda visita pastoral de Bento XVI à África

À esquerda, a cidade de Falluja, no Iraque, atingida pelos pesadosbombardeios de novembro de 2004;abaixo, a catedral siro-católica de Bagdá, local de um atentado violentoem outubro de 2010

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Virgem. Realidades supremasque Roma me fez descobr i r,amar e servir. Por isso, jamaispoderemos agradecer o bastanteao Senhor”.

O cardeal Bernardin Gantinfoi, assim, também um grandeafricano. Apesar dos seus trintaanos a serviço da Igreja universal,em Roma, continuou sendo im-perturbavelmente um africano au-têntico, simples, humilde, respei-tador de todos, sem pompa, dese-joso sobretudo de aprofundar acada dia o seu amor e a sua amiza-de com Cristo e de tornar seu ser-viço à Igreja e ao Papa cada vezmais verdadeiro, total e humilde.

Foi uma ponte sólida e seguraentre a África e a Santa Sé. Foium digno filho da Igreja. Foi umdigno e nobre representante daÁfrica diante dos outros continen-tes e povos do mundo. Eis o queBento XVI disse dele: “A sua per-sonalidade, humana e sacerdotal,constituía uma síntese maravilho-sa das características da alma afri-cana com as que são próprias doespírito cristão, da cultura e daidentidade africana com os valo-res evangélicos. Foi o primeiroeclesiástico africano que ocupou

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À esquerda, Paulo VI diante do monumento aos mártiresugandenses, Namugongo, 2 de agosto de 1969. Montini foi o primeiro papa a visitar a África;abaixo, o cardeal Bernardin Gantin emvisita ao seminário de Ouidah, no Benim,seu país natal, no qual voltou a viver em2002 depois de deixar o cargo de decano do Sacro Colégio

CAPA

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cargos de altíssima responsabili-dade na Cúria Romana, e desem-penhou-os sempre com aquele tí-pico estilo humilde e simples”(Homilia na missa em sufrágiopelo cardeal Bernardin Gantin,23 de maio de 2008).

Tive o privilégio de conhecer ocardeal Gantin em 1971. Ele eraentão secretário da Congregaçãopara a Evangelização dos Povos(Propaganda Fide). E eu, estu-dante em Roma. O meu bispo,sua excelência dom Raymond-Marie Tchidimbo, arcebispo deConakry, na Guiné, estava na pri-são. A Igreja da Guiné atravessa-va a tormenta da perseguição sobo regime revolucionário de SékouTouré. Eu, portanto, já não tinhabispo e perdera todos os contatoscom o meu país e a minha família.Assim, dom Bernardin, na época,era para mim bispo, pai, conse-lheiro. A sua humildade, a suasimplicidade e a sua delicadezame marcaram profundamente.Tinha um afeto imenso por mim eeu por ele. Considerava-me como

seu filho, seu prosseguimento,seu rebento. Um dia, duranteuma recepção na embaixada deSenegal na Santa Sé, organizadaem sua homenagem por ocasiãode sua volta definitiva ao Benim,disse falando de mim: “Eu hojesou como uma bananeira. A ba-naneira, depois que deu fruto, écortada e morre. Mas, antes de

morrer, dá logo um grande núme-ro de rebentos que tomam o seulugar. Eis o meu rebento”. Reco-nheço que diante das imensasqualidades do cardeal eu não soumais que um rebento amarrota-do, pobre e sem grande valor.Mas tenho orgulho de tê-lo tidocomo pai e que ele tenha-me con-siderado seu filho espiritual.

Dirigindo-se ao Benim, BentoXVI faz uma visita à África intei-ra, para confirmar sua fé, desper-tar sua esperança e a confiançaem seu futuro, um futuro lumino-so porque está nas mãos deDeus. O Santo Padre dará à Igre-ja que está na África um novo im-pulso missionário e um dinamis-mo novo a serviço do Evangelho,da reconciliação, da justiça e dapaz. Mas, se vai ao Benim, é tam-bém o cardeal Gantin, esse ho-mem “cheio de espírito e sabedo-ria”, esse grande servidor deDeus, da Igreja e do papa, queBento XVI desejará venerar, indorecolher-se por alguns momen-

tos diante de seu túmulo. Merecea amizade e a atenção do Papa.

Que esta segunda visita pasto-ral do Santo Padre possa reforçare tornar mais filial e mais afetuosaa devoção e a fidelidade de toda aIgreja da África ao Sucessor dePedro, como foi a devoção e a fi-delidade do venerado cardeal Ber-nardin Gantin. q

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BENIM. A segunda visita pastoral de Bento XVI à África

Gantin com João Paulo I, em 28 de setembro de 1978

João Paulo II em Dacar, durante a viagem apostólica ao Senegal, à Gâmbia e à Guiné,em fevereiro de 1992

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Para descer à cripta e venerar o túmulo de Francisco, Banto XVI atravessa a Basílica Inferior de São Francisco com alguns líderes e representantes das Igrejas, das Comunidades eclesiais e das religiões do mundo, durante o Encontro de Assis, em 27 de outubro de 2011

A fé tem a característica de um dom que sobrevém, que não pode ser deduzido nem “produzido”. Não se trata de uma conquista nossa. Entrevista com o cardeal Walter Kasper

por Gianni Valente

ANO DA FÉ 2012-2013

Um dom, não uma posse

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Um “ano da fé”, um “tempode particular reflexão”convocado a exemplo do

que fez Paulo VI em 1967, com aintenção de promover “uma con-versão a Deus cada vez mais com-pleta, para fortalecer a nossa fénEle e para O anunciar com ale-gria ao homem do nosso tempo”.A proposta de Bento XVI a toda aIgreja, antecipada na homilia de16 de outubro e explicada na car-ta apostólica Porta fidei, encon-

tra-se ainda na fase germinal doanúncio e se concretizará apenasdaqui a onze meses, a partir de ou-tubro de 2012, quando serão ce-lebrados os cinquenta anos do iní-cio do Concílio Ecumênico Vatica-no II e os vinte da publicação doCatecismo da Igreja Católica.No entanto, desde as preliminares– observou padre Federico Lom-bardi, diretor da Rádio Vaticana eda Assessoria de Imprensa Vatica-na –, a iniciativa anunciada pelo

papa Ratzinger pode ser conside-rada uma daquelas que caracteri-zarão este pontificado.

Já as primeiras menções e aCarta apostólica de proclamaçãosão atravessadas por vários convi-tes discretos e reconfortantes adeixar de lado “eclesiocentris-mos” autorreferenciais e a pedirtudo a Jesus Cristo, “autor e con-sumador da fé”.

“O que de mais importante nosdeveria dizer o pastor do povo ¬

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É Deus quem mantém a porta da fé aberta, para nós e para todos. Por isso, o início da fé é sempre possível. O Papa, no Encontro de Assis, disse que os agnósticos ajudam os crentes a nãoconsiderar Deus sua propriedade... Em meio à secularização, Deus tem seus caminhos para tocar o coração de cada homem. O coração daqueles que buscam e também o daqueles que não buscam. E são caminhos que nós não conhecemos

Nestas páginas,afrescos de Pietro Lorenzetti na Basílica Inferiorde São Francisco, em Assis. À direita, A última ceia

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de Deus em caminho?”, comen-tou padre Lombardi. 30Dias re-passou a questão ao cardeal Wal-ter Kasper, presidente emérito doPontifício Conselho para a Pro-moção da Unidade dos Cristãos.

Bento XVI proclamou umano da fé. Paulo VI fez o mes-mo, em 1967. Naquela épo-ca, tanto o senhor como Jo-seph Ratzinger eram jovensteólogos na flor da idade.Que lembranças o senhortem daquela decisão do papaMontini?

WALTER KASPER: Aqueleseram os anos logo após o Concí-lio. Passado o grande entusiasmo,parecia que estávamos vivendouma espécie de colapso na Igreja.Parecia que a fé estava desfale-cendo, justamente quando nosambientes eclesiásticos eram dis-cutidas reformas necessárias àIgreja, para reapresentar o anún-cio cristão na realidade do nossotempo. Ratzinger escreveu naque-la época a Introdução ao cristia-nismo. Eu escrevi a Introdução àfé. Naquele contexto, Paulo VI te-ve a intuição de promulgar o anoda fé, que se concluiu com a pro-clamação do Credo do povo deDeus. Ele queria indicar a todosque o coração de tudo é a fé. Atémesmo as reformas são úteis e ne-cessárias quando promovem a vi-da da fé e a salvação de todos osfiéis. Nos últimos dias reli Bernar-do de Claraval: sua grande refor-ma também era apenas uma reto-mada da fé. Como escrevia YvesCongar, “as reformas bem-sucedi-das na Igreja são aquelas que sãofeitas para atender às necessida-des concretas das pessoas”.

Por que proclamar um anoda fé justamente agora?

Vivemos uma crise. É visívelsobretudo na Europa. É evidentena Alemanha. Mas, se eu conver-sar com os bispos italianos, elesme contarão as mesmas coisas.Muitos dos jovens, sobretudo, nãotêm nenhum contato real com avida da Igreja e com os sacramen-tos. Se falamos em nova evangeli-zação, não podemos deixar de to-

mar consciência disso. Do contrá-rio, acabamos por fazer coisasacadêmicas.

No entanto, Bento XVI co-meça a Carta de promulga-ção deste ano particular di-zendo que “a porta da fé estásempre aberta para nós”. Oque indica esse incipit?

É Deus quem mantém a portada fé aberta, para nós e para todos.Não somos nós que podemos oudevemos nos preocupar em abri-la.Por isso, o início da fé é semprepossível. Não se trata de uma con-quista nossa. A fé tem a característi-ca de um dom que sobrevém, quenão pode ser deduzido, que não

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ANO DA FÉ 2012-2013

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O dom da fé não é uma espécie de impulso, um empurrão que alguém nos dá no início, e depois prosseguimos sozinhos. Assemelha-se muito mais a uma lanterna que carregamos na mão, e se move conoscoiluminando o breve trecho de caminho quetemos à nossa frente. A sua luz é necessária e suficiente para dar o próximo passo

A Crucifixão, detalhe

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pode ser “produzido”. Tambémpor isso foi importante o conviteque o Papa dirigiu aos agnósticosno recente Encontro de Assis. Emmeio à secularização, Deus temseus caminhos para tocar o cora-ção de cada homem. O coração da-queles que buscam e também o da-queles que não buscam. E são ca-minhos que nós não conhecemos.

Em Assis, Bento XVI faloudos agnósticos em termos

que certamente não são deconfronto.

O Papa disse que os agnósticosajudam os crentes “a não conside-rar Deus sua propriedade”. Deusnão é uma posse de quem crê.Não podemos dizer a respeito dafé: eu a possuo, outros não... Oscrentes, que receberam o dom dafé, também estão em peregrina-ção. E nunca podemos pretenderantecipar esse dom, como a com-

preensão que tenhamos de um sa-ber conceitual. Às vezes, na Igre-ja, diante da incredulidade e do ag-nosticismo, as pessoas acabampor se entrincheirar e dão a im-pressão de considerar a fé comouma posse. Como se o problemafosse disputar e lutar com quemnão crê... Quase perdem de vistaque Cristo morreu por todos.

Nas primeiras linhas daPorta fidei é salientado quemuitas vezes mesmo na Igrejaprevalece a preocupação comas consequências sociais, cul-turais e políticas do engaja-mento dos cristãos, conti-nuando a pensar na fé “comoum pressuposto óbvio da suavida diária”. O senhor tam-bém nota esse modo de enten-der a fé como algo óbvio?

Em primeiro lugar, a fé é umarelação pessoal com Deus, que seexpressa na oração e na confian-ça de sermos carregados nos bra-ços por Deus em qualquer situa-ção, ou, como Jesus diz: amar aDeus de todo o coração. Os teólo-gos falam de uma virtude teologal.Porém, nesse primeiro manda-mento o amor de Deus está ime-diatamente conectado com oamor ao próximo como a nósmesmos. Assim, a fé tem conse-quências sociais, culturais e políti-cas sem as quais não seria sincera.Por outro lado, essas consequên-cias devem ser animadas e moti-vadas pelo amor a Deus, senão setornam uma forma de ideologiahumanista, que fica sem funda-mento firme. Penso na pregaçãonas igrejas, no domingo. Nenhu-ma outra realidade humana temessa oportunidade de alcançartantas pessoas que vêm ouvir es-pontaneamente. Mas às vezes ashomilias parecem apenas instru-ções sobre o que os cristãos de-vem e não devem fazer em nívelmoral, cultural, político; falta fre-quentemente a mensagem cheiade alegria de que Deus semprenos precede com a sua graça.

Há quem diga: hoje é preci-so apostar mais na fé e menosnas obras sociais. Essa é a“solução”?

Não podemos contrapor fé ecaridade. Seria um intelectualismoou uma espécie de misticismo

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Bento XVI em oração diante do túmulo de Francisco na cripta da Basílica Inferior com alguns líderes e representantes das Igrejas, das Comunidades eclesiais e das religiões do mundo

ENTREVISTA COM O CARDEAL WALTER KASPER

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mal interpretado. São Paulo disseque a fé se torna operante na cari-dade. E sempre se expressou nasobras de misericórdia corporal eespiritual: ajudar os pobres, os en-carcerados, os oprimidos, osdoentes... Essa é simplesmente avida cristã. Pessoalmente, vi ostestemunhos mais convincentesda fé justamente nas viagens quefazia quando era responsável naIgreja alemã pela ajuda às Igrejasdos países em via de desenvolvi-mento. Nós íamos a esses paíseslevando alguns recursos materiaispara ajudar aquelas pessoas a so-breviverem e, na miséria das al-

deias e das favelas, nos deparáva-mos com a alegria e a confiança deuma vida escolhida e consoladapelo Senhor. O mesmo me acon-teceu olhando para a fé de muitosirmãos que encontrei no diálogoecumênico. Por meio de relaçõesfraternais, damos testemunho dafé católica.

Agora que o Ano da Fé foiproclamado, o que é precisofazer?

Bento XVI pediu apenas querefletíssemos sobre o Credo emtodas as dioceses. Não basta rezá-lo, é preciso conhecê-lo e com-preendê-lo em sua profundidade.

Pois o Credo expressa os artigosfundamentais da fé, que são co-muns a todos os cristãos e corres-pondem às promessas batismais.Portanto, são constitutivos para aexistência cristã. Mas me pareceimportante o fato de a simplesconfissão de fé não exprimir umapretensão de posse conceitual daverdade. Muitas vezes cantamos oCredo durante a missa dominical.Um sistema dogmático-conceitualnão pode ser cantado. Mas nóscantamos o Credo, e o cantamoscomo oração. É uma doxologia,um louvor e um reconhecimentoque dá graças.

Há quem diga que é preci-so fazer mais para tornar crí-vel a visão antropológicacristã.

Sim, sem dúvida isso também éimportante. A fé não é apenas umato intelectual, mas um modo deser e de viver nas mãos de Deus esob a sua providência. Isso implicatambém a bem entendida liberda-de cristã. A confissão de fé é ora-ção porque pedido a Deus que re-vele seu mistério. Como dizia San-to Tomás, actus fidei non termi-natur ad enuntiabile, sed ad rem.O ato de fé não termina na repeti-ção verbal de fórmulas verdadei-

ras. A fé permanece aberta a reco-nhecer a realidade viva que essaspalavras indicam. E para Tomás a“res” é o próprio Deus. É ele queage, não somos nós que temos de“demonstrá-lo”. Além disso, oCredo é também a síntese da fédas outras gerações. Na fé não es-tamos só diante de Deus. Estamosnuma comunhão que abraça todosos séculos. Em tempos como osnossos, percebemos ainda mais oquanto é importante encontrarconforto e gozar na companhiados santos e dos Padres da Igreja, ede todas as grandes testemunhasque nos precederam.

“Os crentes fortificam-seacreditando”, escreve o Pa-pa, citando Santo Agosti-nho. Como as pessoas cres-cem e progridem no caminhoda fé?

Na fé, as pessoas são levadas,quer no início, quer ao longo docaminho da vida. Nas experiên-cias da vida descobrimos cada vezmais as riquezas da fé. Não somosnós que conservamos a fé, comouma propriedade adquirida. Nóssomos preservados na fé. Escre-veu Santo Tomás: “A graça cria afé não apenas quando a fé nascenuma pessoa, mas por todo o

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ANO DA FÉ 2012-2013

No Credo nós confessamos crer em Deus Pai,em Jesus Cristo, no Espírito Santo, mas não confessamos ter fé na Igreja. A Igreja não é termo de fé. Talvez seja útilrecordar que os Padres da Igreja não sentiram a necessidade de elaborar nenhumaeclesiologia sistemática. Refletir sobre a Igrejanão era um problema para eles; bastava uma ou outra menção. O cerne de seus interesses e de suas preocupações não era certamente a instituição eclesiástica

Paulo VI pronuncia o Credo do povo de Deus, na praça de São Pedro, domingo, 30 de junho de 1968

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tempo que a fé dura”. Usamos es-sa definição no quadro do acordocom os luteranos, quando reco-nhecemos a identidade funda-mental existente entre a teologiade Lutero sobre a justificação pelafé e aspectos essenciais da doutri-na do Concílio de Trento definidano decreto De iustificatione. Issosignifica que o dom da fé não éuma espécie de impulso, um em-purrão que alguém nos dá no iní-cio, e depois prosseguimos sozi-nhos. E também não é como ossistemas de iluminação das pistasdos aeroportos: luzes cimentadasno asfalto para iluminar todo opercurso. A fé se assemelha muitomais a uma lanterna que carrega-

mos na mão, e se move conoscoiluminando o breve trecho de ca-minho que temos à nossa frente.A sua luz é necessária e suficientepara dar o próximo passo.

Se a fé, no início e em cadapasso, é um dom e um reco-nhecimento da obra gratuitado Senhor, o que é a Igreja?

A Igreja é – como diz uma anti-ga definição – a comunhão dosf iéis. Tertul iano disse: Unuschristianus, nullus christianus.Um só cristão, nenhum cristão.Como cristãos, nunca estamossozinhos, mas sempre numa co-munidade de fiéis de todos ostempos e de todos os lugares. To-davia, a Igreja não é termo de fé.

A Igreja é sacramento, ou seja, si-nal e instrumento. No Credo nósconfessamos crer em Deus Pai,em Jesus Cristo, no Espírito San-to, mas não confessamos ter féna Igreja. Cremos em Deus, e éele que nos revela a Igreja comoCorpo de Cristo e como Seu po-vo. A Igreja é como a lua, que nãotem luz própria mas reflete ape-nas a luz do sol, que é Cristo. Senão remete a Cristo, não mani-festa nenhuma beleza própria. Abeleza que se encontra nela – porexemplo, nas liturgias – é apenasum reflexo da glória de Deus.

No entanto, às vezes pare-ce que a Igreja quer ocupar acena, pensando que dessaforma dá testemunho do Se-nhor.

Talvez seja útil recordar que osPadres da Igreja não sentiram anecessidade de elaborar nenhumaeclesiologia sistemática. Refletirsobre a Igreja não era um proble-ma para eles; bastava uma ou ou-tra menção. O cerne de seus inte-resses e de suas preocupaçõesnão era certamente a instituiçãoeclesiástica. A eclesiologia come-ça apenas no final da Idade Média,em reação ao conciliarismo e, de-pois, a Lutero. E, como disse YvesCongar, começa como “hierarco-logia”, para expor as razões teoló-gico-doutrinais da função e da su-premacia das hierarquias na estru-tura eclesial. Dali partiu também atentação e a armadilha de um cer-to “eclesiocentrismo”. O ConcílioVaticano II, com seu ressource-ment nos Padres, retomou tam-bém a imagem usada por muitosdeles sobre a Igreja como simplesreflexo da luz e da obra de Cristo,o que se encontra também no títu-lo da constituição sobre a Igreja doConcílio Vaticano II: Lumen gen-tium.

A propósito de hierarcolo-gia, também hoje, ao menosna mídia, fala-se muito dosbispos e dos cardeais.

É claro que os bispos e os car-deais têm seu papel na vida daIgreja. Mas Bento XVI não parade repetir que a questão centralnão é a Igreja, mas Deus. Se a féem Deus se enfraquece, pode-mos até deixar a Igreja de lado eesquecê-la. q

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ENTREVISTA COM O CARDEAL WALTER KASPER

A Ressurreição

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PAPA/1Ano da fé 2012-2013

Bento XVI, na homilia dasanta missa celebrada naBasílica de São Pedro, do-mingo 16 de outubro,anunciou a proclamaçãode um Ano da Fé, que co-meçará no dia 11 de outu-bro de 2012, dia do 50ºaniversário da inaugura-ção do Concílio Vaticano IIe terminará a 24 de no-vembro de 2013, soleni-dade de Cristo Rei. No dia17 de outubro foi publica-do o motu proprio Portafidei com o qual o Papaformalizou e explicou asua decisão.

PAPA/2Três novos santos

No dia 23 de outubro BentoXVI canonizou o bispo Gui-do Maria Conforti, o sacer-dote Luís Guanella e a reli-giosa espanhola BonifáciaRodríguez de Castro. Na ho-milia o Papa disse: “Três no-vos santos, que se deixaramtransformar pela caridadedivina modelando nela todaa sua existência”.

PAPA/3“Deus não épropriedade dos que creem”

“Deus não é uma ‘proprie-dade’ dos que creem. Ben-to XVI fala aos trezentos

representantes de váriasrel igiões do mundo queconvidou a Assis, vinte ecinco anos depois do pri-meiro encontro organiza-do por Wojtyla”. Este é oincipi t de um art igo deGian Guido Vecchi, publi-cado no Corriere della Se-ra de 28 de outubro, dedi-cado ao “Dia de reflexão,diálogo e oração pela paz ea justiça no mundo” reali-zado em Assis a 27 de ou-tubro. Continua o artigo:“Bento XVI faz um elogioaos agnósticos que refle-tem, os que ‘procuram averdade’ e com o seuexemplo tiram dos ‘ateuscombativos’ a sua ‘falsacerteza’, mas ao mesmotempo ‘chamam em causa’todos os que creem: para

que ‘não considerem Deuscomo uma propriedade’.Se as pessoas que procu-ram a verdade ‘não encon-tram Deus’, depende ‘tam-bém, dos que creem’ quetêm uma imagem estreitaou mesmo deturpada deDeus’. Assim os agnósticostêm um papel importantecontra a ‘decadência dohomem e do humanismo’.Vecchi conclui: “Como foianunciado não houve ummomento comum de ora-ção. Ainda assim era de vertodos juntos, quando no fi-nal desceram à cripta sob aBasílica para prestar ho-menagem ao túmulo deSão Francisco”. Título doartigo: O Papa elogia osagnósticos: “Uma ajudapara os que creem”.

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À esquerda, Paulo VI pronuncia o Credo do povo de Deus, domingo, 30 de junho de 1968, no final do Ano da Fé

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Curtas Curtas Curtas Cu3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUNDO 3ODIAS NO MUN

À direita, para descer à criptae venerar o túmulo de Francisco, Bento XVIatravessa a Basílica inferior de São Francisco com algunschefes e representantes dasIgrejas, das Comunidadeseclesiais e das religiões de todoo mundo, por ocasião do Encontro de Assis, dia 27 de outubro de 2011

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O jornal Corriere della Sera de 17 deoutubro publicou amplos trechos dodiscurso de Vittorio Messori ao Pontifí-cio Conselho para a Promoção da No-va Evangelização. Este foi o incipit:“Devemos voltar a nos conscientizar deque aquilo que cremos, aquilo do qualtodo o resto provém, está contido (ensi-na-nos São Paulo) somente nas pala-vras: ‘Jesus ressuscitou’. A partir dissoderam-se todas as consequências: ‘Por-tanto Jesus é o Cristo anunciado pelosprofetas e esperado por Israel’. Isso é oque os primeiros cristãos chamavamkérygma, ou seja, o grito do arauto que– pelas ruas e praças – anunciava aopovo as novidades mais urgentes.Creio que a reevangelização do Oci-dente, solicitada a nós por João Paulo IIe Bento XVI, não seja nada mais do queisso: nada de doutrinas complicadas,mas sim o reconhecimento do kéryg-ma, a base sobre a qual tudo se susten-ta. Voltar a proclamar um simples e aomesmo tempo escandaloso: Iesùs estìKyrios, Jesus é o Senhor”.

Depois, recordando os tempos doConcílio Vaticano II, Messori continua:“Debatia-se sobre a organização dainstituição eclesial, sobre o papel dopapa, dos bispos, dos padres, dos lei-gos, das mulheres, da liturgia. Não se falava defé, e menos ainda das suas razões, isso era con-siderado como um dado óbvio, assumido, en-quanto se batalhava sobre como devia ser paraos católicos: a ética, o compromisso político,social, econômico, cultural. Mas estas nãoeram nada mais que as consequências de umacausa primeira, o sim à verdade do Credo, queninguém se dedicava a examinar e verificar”.

Messori conclui: “Não se pode deixar umamarca na sociedade ou na cultura repropondoa perspectiva evangélica, se não se enfrenta

antes o problema de Cristo e da verdade do seuevangelho. Os problemas com os quais os ca-tólicos de hoje devem confrontar-se muitas ve-zes têm uma raiz não declarada ou mesmo dra-mática: a diminuição da fé, a redução de Jesusa um mestre de moral, do Novo Testamento aobscuro pasticho de judaísmo e de paganis-mo, do milagre a mito, da esperança escatoló-gica a compromisso secular. Bem antes dequalquer reforma institucional e de toda a pre-gação moral ou social, devemos reencontrar oCredo, o que recitamos na Missa, no seu senti-do mais pleno”.

ANO DA FÉ 2012-2013O cristianismo está nas palavras: “Jesus ressuscitou”

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“Membra Christi et corpus sumus omnes simul; non quihoc loco tantum sumus, sed et per universam terram; necqui tantum hoc tempore, sed quid dicam? Ex Abel iusto us-que in finem saeculi / Todos juntos somos membros ecorpo de Cristo: não somente nós que nos encontra-mos aqui neste lugar, mas todos nós em toda a terra. Enão somente nós que vivemos neste tempo, mas quedizer? desde o justo Abel até o fim do mundo”, Agosti-nho, Sermones 341, 9, 11; cf. Lumen gentium, n. 2.

“No trecho do Evangelho que ouvimos, Jesus envia se-tenta e dois discípulos para a grande colheita que é omundo, convidando-os a pedir ao Senhor da colheita,a fim de que nunca faltem trabalhadores para a sua co-lheita (cf. Lc 10, 1-3); e não os envia com meios pode-rosos, mas sim ‘como cordeiros para o meio de lobos’(v. 3), sem bolsa, nem alforje, nem sandálias (cf. v. 4).Numa das suas Homilias, São João Crisóstomo co-menta: ‘Enquanto formos cordeiros, venceremos e,mesmo que sejamos circundados por numerosos lo-bos, conseguiremos superá-los. Mas se nos tornarmoslobos, seremos derrotados, porque ficaremos despro-vidos da ajuda do pastor’ (Homilia 33, 1: PG 57,389). Os cristãos jamais devem ceder à tentação de setornar lobos no meio dos lobos; não é com o poder,com a força e a violência que o reino de paz de Cristose difunde, mas com o dom de si, com o amor levadoao extremo, também aos inimigos. Jesus não vence omundo com a força das armas, mas com a força daCruz, que é a verdadeira garantia da vitória. E isto, pa-ra quem quer ser discípulo do Senhor, seu enviado,tem como consequência o estar pronto também à pai-

xão e ao martírio, a perder a própriavida por Ele, para que no mundotriunfem o bem, o amor e a paz. Estaé a condição para poder dizer, en-trando em cada realidade: ‘A paz es-teja nesta casa!’ (Lc 10, 5).

Diante da Basílica de São Pedroencontram-se duas estátuas grandesdos santos Pedro e Paulo, facilmenteidentificáveis: São Pedro está com aschaves na mão, e São Paulo, ao con-trário, tem nas mãos uma espada.Para quem não conhece a históriadeste último, poderia pensar que setrata de um grande comandante queguiou exércitos poderosos e com a espada submeteupovos e nações, alcançando fama e riqueza com o san-gue alheio. No entanto, é exatamente o contrário: aespada que ele tem nas mãos é o instrumento com quePaulo foi morto, com que padeceu o martírio e derra-mou o seu próprio sangue. A sua batalha não foi a daviolência, da guerra, mas a do martírio por Cristo. Asua única arma foi precisamente o anúncio de ‘JesusCristo, e Cristo crucificado’ (1Cor 2, 2). A sua prega-ção não se fundou ‘em discursos persuasivos da sabe-doria, mas na manifestação do Espírito e do poder divi-no’ (v. 4)”. [...] “Esta mesma lógica é válida tambémpara nós, se quisermos ser portadores do reino de pazanunciado pelo profeta Zacarias e realizado por Cris-to: devemos estar dispostos a pagar pessoalmente, apadecer em primeira pessoa a incompreensão, a rejei-ção e a perseguição. Não é a espada do conquistadorque constrói a paz, mas a espada do sofredor, de quemsabe entregar a própria vida”. Palavras do Papa BentoXVI durante a audiência geral da quarta-feira, 26 deoutubro de 2011.

São Paulo

MILAGRE E MARTÍRIO“Como cordeiros para o meio de lobos”. A espada de São Paulo

Abel e Caim, Capela Palatina, Palermo

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IGREJA/1Tettamanzi: o livro da vida é Jesus

“‘O livro da vida’, diz São Ber-nardo, ‘é Jesus; bem-aventu-rado o que tem a possibilida-de de ler neste livro’: para elehaverá grande alegria e paz”.É a conclusão de um discursodo cardeal Dionigi Tettaman-zi no Corriere della Sera de 2de novembro por ocasião dapublicação do novo Evange-liário ambrosiano.

IGREJA/2Martini e osmovimentos

“Os movimentos podem darmuito à Igreja como se vê nomovimento ecumênico e nomovimento bíblico. Mas quan-do nestes predominam as di-nâmicas do poder e do lucro aGraça pode ser perdida e aIgreja ao invés de se enrique-cer de nova energia espiritual,sofre de hemorragias debili-tantes”. São palavras do car-deal Carlo Maria Martini publi-cadas no Corriere della Serade domingo, 30 de outubro,ao responder a uma leitora nacoluna que o cardeal publicatodos os meses no jornal.

SAGRADO COLÉGIO/1Os oitenta anos de Law

No dia 4 de novembro o car-deal norte-americano Ber-nard Francis Law, arcipresteda Basílica papal de SantaMaria Maior, completou 80anos. Na data o Colégio car-dinalício resulta compostopor 193 purpurados dosquais 112 eleitores.

SAGRADO COLÉGIO/2As demissões de Rosales

No dia 13 de outubro o Papaacolheu as demissões do car-deal Gaudencio Borbon Rosa-les, 79 anos, do cargo de arce-bispo de Manila, nas Filipinas.Para substituí-lo foi nomeadoLuis Antonio Tagle, 54 anos,desde 2001 bispo de Imus.

RÚSSIA/1Os dons do Espírito ou uma inexpressivapercussão detambores“O mundo não precisa deuma ‘Igreja política’. A redu-

ção da Igreja de Cristo nosúltimos séculos levou aoafastamento em massa daspessoas. [...] Se os cristãosnão se preocuparem emconseguir os autênticosdons do Espírito, e em pri-meiro lugar a santidade, asua pregação se reduzirá auma inexpressiva percussãode tambores”. É uma passa-gem do discurso do diretorda revista do Patriarcado deMoscou, Sergej Capnin, em

um congresso organizadopela Fundação Rússia Cristãem Milão, junto à Universi-dade Católica do SagradoCoração e publicado noL’Osservatore Romano de4 de novembro.

RÚSSIA/2Medvedev e o milagre da fé

“Se falarmos do que acon-teceu nos ú l t imos v inteanos, em termos da minhaexperiência de cristão orto-doxo, é um milagre. Fran-camente não poderia ima-ginar, 15 ou 20 anos atrás,que a recuperação, o reen-contro da fé por parte deum número tão grande decidadãos teria sido tão rápi-do”. Palavras do presidenteda Federação Russa DmitrjMedvedev em um discursoem um congresso no qualparticipavam também o pa-triarca de Moscou, Kirill, eoutros importantes ex-poentes da Igreja Ortodo-xa. As palavras do presi-dente russo foram tambémpublicadas no blog San

30DIAS Nº 10 - 2011 39

Em vista da XIII Assembleia GeralOrdinária do Sínodo dos Bispos,que será realizada de 7 a 28 de ou-tubro de 2012, sobre o tema “Anova evangelização para a trans-missão da fé cristã”, no dia 22 deoutubro o Papa nomeou como re-lator geral o cardeal Donald Wil-liam Wuerl, 71 anos, desde 2006arcebispo de Washington, e secre-tário especial o arcebispo deMontpellier, na França, Pierre-Marie Joseph Carré, 64 anos.

SÍNODOWuerl relator geral

Batismo em Moscou

O cardeal Donald William Wuerl

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Pietro e dintorni, do vati-canista Marco Tosatti, em 7de novembro.

ITÁLIAPara a maioria doscatólicos um partidocatólico seria danoso

No Corriere della Sera de23 de outubro o noto espe-cialista em pesquisa de opi-nião Renato Mannheimeranalisou qual seria a posi-ção dos católicos italianossobre a hipótese do nasci-mento de um novo partidocatólico. Eis as suas conclu-sões: “Somente poucomais de um quarto (26%)dos praticantes (quer dizer,na nossa tipologia, os quevão à missa ao menos duasvezes por mês) declaraapreciar um reforçamentoda presença política doscatólicos em quanto tal nonosso país. Chega a 44% aporcentagem dos que con-sideram danosa ou de todomodo não oportuna umatal escolha. E entre os ‘es-porádicos’ (os que frequen-

tam as funções religiosasuma vez por mês ou me-nos) a cota dos favoráveis aum maior engajamento or-ganizado dos católicos éainda mais inferior (22%)”.

ORIENTE MÉDIO /1O ataque ao Irãcausaria desastres por um século

I s rae l está pronto parabombardear o Irã. Essas in-discrições filtradas na im-prensa foram confirmadaspelo presidente israelenseShimon Peres que, em vá-r ias ocas iões públ icas,confirmou a existência deum plano militar para evi-tar a produção de armasatômicas iranianas. Um ar-tigo do Corriere della Se-ra de 5 de novembro, de-pois de comentar que a hi-pótese de um ataque con-tra as estruturas nuclearesiranianas “divide o gover-no” israelense, continuaassim: “Foram três os exchefes de serviço secreto –Efraim Levy, Yuval Diskin

e Meir Dagan [...] – que de-saconse lharam aberta-mente: o Irã ainda não éuma ameaça, Ahmadine-jad não é Saddam e nemmesmo Assad, os bombar-deios a surpresa desta vez‘causariam desastres porum século’”.

ORIENTE MÉDIO /2Segev: Shalit e a histórica negociaçãocom o Hamas

“A grande novidade históri-ca é que o Hamas e Israel fi-zeram um acordo. E no diaseguinte o mundo não caiu.Fizeram um pacto com odiabo e o sol nasceu do mes-mo jeito. As duas partes de-ram-se conta de que racioci-nar ao redor de uma mesa épossível. Este pequeno pas-so pode levar a um pouco deracionalidade e a algo dife-rente, no futuro. Não acon-tecerá amanhã. Mas depoisde amanhã, quem sabe”.Palavras do historiador is-raelense Tom Segev, entre-vistado pelo Corriere dellaSera um dia depois da liber-tação do soldado de Tsahal

Gilad Shalit por parte doHamas em troca de 1.027prisioneiros palestinos.

ORIENTE MÉDIO /3A Unesco reconhece o Estado palestino

“Vamos esclarecer! Se ospalestinos se armam, todosreclamam que a violência éum obstáculo à paz. Se ospalestinos tentam forçar avia diplomática, como fize-ram ontem, todos recla-mam que estas iniciativas‘unilaterais’ são um obstá-culo à paz. Então gostaría-mos de saber – particular-mente de Israel, EstadosUnidos e Itália – exatamen-te o que os palestinos deve-riam fazer, com exceção dedesaparecer entre as nu-vens, como no filme Mila-gre em Milão. Ontem a Pa-lestina foi admitida à Unes-co. É uma história antiga –todos os anos os palestinosregularmente pedem paraserem admitidos –, novoresultado: 107 contra 14,com 52 abstenções. Aaprovação chegou, graçasprincipalmente ao consen-

30DIAS Nº 10 - 201140

Fiéis em uma missa dominical na paróquia

Gilad Shalit

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so da nova frente que guia odesenvolvimento mundial,os países do Brics, Brasil,Índia, os países africanos,árabes, a China, a Rússia ealguns países europeus re-levantes como a França e aBélgica”. Texto de LuciaAnnunziata publicado noLa Stampa de 1º de no-vembro.

TUNÍSIAO partido islâmicocomo a DemocraciaCristã de Aldo Moro

“Ennahda é comparável àDemocracia Cris tã nostempos de Aldo Moro. Nãoexiste um só islã como nãoexistia um só comunismo.Não podemos colocar nomesmo plano os extremis-tas radicais e os islâmicosmoderados. Seria comoconsiderar do mesmo mo-

do Pol Pot e Berlinguer”. Éuma declaração de MoncefMarzouki, l íder do CPR(Congresso para a Repúbli-ca), publicada no Corriere

della Sera de 27 de outu-bro comentando as elei-ções tunisianas realizadasno final de outubro e venci-das pelo partido de inspira-ção islâmica Ennahda, cujolíder é Rachid Ghannouchi.

DIPLOMACIA/2Novos embaixadoresjunto à Santa Sé

No dia 9 de setembro Ben-to XVI recebeu as cartascredenciais do novo embai-xador da Grã-Bretanha jun-to à Santa Sé. Trata-se deNigel Marcus Baker, 45anos, diplomata de carrei-ra, que nos últimos quatroanos foi chefe de missão naBolívia.

No dia 21 de outubro foia vez do novo representantedos Países Baixos, JosephWeterings, 62 anos, diplo-mata de carreira, que já foi

embaixador na Líbia e emZimbábue.

No dia 31 de outubro foia vez do novo representantedo Brasil, Almir Franco deSá Barbuda, 68 anos, diplo-mata de carreira, nos últi-mos anos embaixador naBélgica e depois cônsul ge-ral em Washington.

Em 4 de novembro foirecebido o novo embaixa-dor da Costa do Marfim, Jo-seph Tebah-Klah, 63 anos,diplomata de carreira, queentre 2003 e 2006 foi con-selheiro e encarregado denegócios ad interim na em-baixada junto à Santa Sé.

Enfim, em 7 de novem-bro foi a vez do novo embai-xador da Alemanha, Rei-nhard Schweppe, 62 anos,diplomata de carreira, anteschefe de missão em Varsó-via e por último represen-tante junto à sede da ONUem Genebra. q

30DIAS Nº 10 - 2011 41

No dia 15 de setembro o Papa nomeou o arcebispo sici-liano Giuseppe Leanza, 68 anos, novo núncio na Repú-blica Tcheca; desde 2008 era núncio na Irlanda.No dia 15 de outubro nomeou também o arcebispo ame-ricano James Patrick Green, 61 anos, novo núncio apos-tólico no Peru; desde 2006 era núncio na África do Sul,Namíbia, Suazilândia e Lesoto e a partir de 2009 tam-bém primeiro núncio em Botsuana. No dia 19 de outubro o arcebispo Carlo Maria Viganò,70 anos, foi nomeado novo núncio apostólico nos Esta-dos Unidos; desde julho de 2009 era secretário-geral doGovernatorato do Estado da Cidade do Vaticano. No dia 29 de outubro o arcebispo Nicola Girasoli, 54anos, foi nomeado núncio apostólico em Antígua e Bar-buda, Bahamas, Dominica, Jamaica, Granada, SaintKitts e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Grenadinas, Su-riname, República Cooperativista da Guiana e, enfim,delegado apostólico nas Antilhas; desde 2006 era repre-sentante pontifício na Zâmbia e Maláui.

DIPLOMACIANovos núncios na República Tcheca, Peru, EUA e Antilhas

Carlo Maria Viganò

Rachid Ghannouchi, líderdo partido islâmico Ennahda

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Roma fica longe de Malabar.Mas, se quisermos percebero que realmente significa a

proximidade que caracteriza e ex-pressa a Communio Ecclesia-

rum, basta olhar para o fio de gra-tidão gratuita e recíproca que unea Igreja de Roma e a Igreja siro-malabar. Duas realidades que porquase dez séculos não comparti-

lharam nenhum tipo de vínculo ju-rídico-institucional. George Alen-cherry, eleito em maio passado ar-cebispo-mor dessa Igreja indianade rito oriental que nasceu da pre-

Bento XVI com sua beatitude George Alencherry, na audiência com a delegação da Igreja siro-malabar, na Sala Clementina do Palácio Apostólico Vaticano, em 17 de outubro de 2011

por Roberto Rotondo e Gianni Valente

“Nossa fé é a dos apóstolos,

transmitida por São Tomé”

Igrejas orientais

A origem apostólica. A fidelidade às suas tradições. As relações com os hindus e um florescimento de vida que não conhece fronteiras. As relações com Roma. Entrevista com George Alencherry, arcebispo-mor da Igreja siro-malabar, durante sua visita ao papa Bento XVI

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gação do apóstolo São Tomé, en-controu em outubro o Sucessor dePedro em sua sé apostólica. Du-rante sua passagem por Roma, ochefe da comunidade católica derito oriental mais numerosa e rele-vante depois dos greco-católicosucranianos aceitou encontrar-setambém com 30Dias.

A entrevista foi feita na DomusRomana Sacerdotalis, na via dellaTraspontina.

Beatitude, conte-nos sobreseu encontro com o Santo Padre.

GEORGE ALENCHERRY:Fui eleito arcebispo-mor pelo Sí-nodo da Igreja siro-malabar emmaio, e mais tarde o Papa confir-mou minha eleição. Foi a primei-ra vez que esse procedimento foiaplicado: os dois arcebispos-mo-res que me antecederam foramescolhidos diretamente pela San-ta Sé. A eleição ocorreu em 24 demaio, e no dia 29 me instalei co-mo arcebispo-mor e arcebispo dadiocese de Ernakulam-Angama-ly. A visita de outubro foi a pri-meira que fiz ao Papa como arce-bispo-mor, ao lado do SínodoPermanente dos nossos bispos.Foi a oportunidade para renovara minha declaração de lealdade eobediência ao sucessor de Pedro.Durante a viagem, visitei também

outros organismos da Santa Sé,particularmente a Congregaçãopara as Igrejas Orientais.

De que assuntos vocês tra-taram em seus encontros noVaticano?

Falamos muito dos problemasde jurisdição que criam obstáculosà nossa obra pastoral. A Igreja si-ro-malabar tem cerca de quatromilhões de fiéis, dos quais 3 mi-lhões e 400 mil vivem nas vinte eoito dioceses que existem na Índia.Dessas dioceses, dezoito se en-contram em território próprio daIgreja siro-malabar (Kerala, partedo Tamil Nadu e Karnataka). Nóstemos jurisdição territorial apenasnessas dezoito dioceses, mas gos-taríamos de ter uma jurisdição ter-ritorial que cobrisse todo o territó-rio da Índia: esse é um dos nossosapelos ao Santo Padre, e para nósé uma exigência importante.Acreditamos que seja um direitonosso. Antes da chegada dos mis-sionários ocidentais – os portugue-ses chegaram lá no século XVI – ajurisdição dos “cristãos de São To-mé” se estendia por toda a Índia.Depois, os missionários ociden-tais, por influência dos soberanoseuropeus, tomaram a jurisdição daÍndia, restringindo a nossa àsáreas em que estávamos mais con-centrados.

Seu pedido pode parecer areivindicação de direitos pas-sados, já sepultados pela his-tória...

Não, é uma questão relaciona-da ao presente, em termos muitoconcretos. Tem crescido o núme-ro de nossos fiéis, e eles se espa-lham por outras regiões. E o queacontece é que nesses lugares onosso povo não encontra umatendimento pastoral adequado,em continuidade com a sua tradi-ção, e sofre por isso. Nossos fiéisestão acostumados à nossa litur-gia, nossos costumes, nossas for-mas de oração e de participaçãodos leigos na administração dasparóquias. O papel dos leigos navida das paróquias e na catequeseé uma peculiaridade da Igreja si-ro-malabar. Em muitas grandescidades há grandes concentra-ções de fiéis siro-malabares: se-tenta mil em Delhi, cinquenta milem Chennai e Bangalore, cercade vinte mil em Hyderabad. Gos-taríamos de poder estabelecerdioceses ao menos nesses gran-des centros urbanos.

E o que lhes responderam?A Santa Sé nos disse que em

princípio temos direito à jurisdi-ção. Mas, visto que a Igreja latinase instalou nas outras regiões, épreciso estabelecer algum tipo deentendimento negociado com oslat inos. O Santo Padre com-preende as nossas necessidades enos explicou que será necessáriodar um passo por vez. Lembrou-nos as palavras do Concílio Vati-cano II, que diz que cada Igrejasui iuris tem direito a poder vivercom autonomia. Há uma anoma-lia histórica que precisa ser corri-gida. Nós somos pacientes, masnão é justo que as coisas conti-nuem assim.

Quais foram as objeçõesfeitas ao seu pedido?

As Igrejas siro-malabar, siro-malancar e latina já possuem hojedioceses que se sobrepõem emnosso território histórico. Porém,alguns bispos acham que pode ha-ver dificuldades se estendermosnossa jurisdição a territórios quecaem em suas dioceses. Vocêsprecisam entender que em algu-mas dioceses latinas, atualmente,os siro-malabares representam ¬

ÍNDIA. Os siro-malabares

Fiéis em oração durante uma missa na igreja de Nossa Senhora da Saúde, em Hyderabad, no estado de Andhra Pradesh

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a maior parte dos fiéis atendidospelos sacerdotes latinos. Se esten-dêssemos a jurisdição, em algu-mas dessas dioceses latinas pode-riam restar pouquíssimos fiéis derito latino. Outro temor está ligadoaos padres siro-malabares queaprenderam o rito latino e traba-lham nas dioceses latinas. Há maisde trinta bispos de origem siro-ma-labar que trabalham como bisposlatinos nas dioceses do norte.

E fora da Índia, como an-dam as coisas?

Há um grande número de fiéissiro-malabares fora da Índia. NosEstados Unidos, são cerca de cemmil, e foi instituída para eles umadiocese com centro em Chicago.A maior parte dos fiéis no exteriorse concentra no Golfo Pérsico.Na Arábia Saudita, são mais de oi-tenta mil, quase todos trabalhado-res que se transferiram para lá demaneira permanente. O Papa no-meou dois vigários apostólicos eum núncio, mas os sacerdotes queforam encarregados de atender aesses fiéis, mesmo sendo de ori-gem siro-malabar, aderiram àscongregações latinas e são latinoscomo formação. A ausência desacerdotes do nosso rito criouuma certa tensão nesses países. Éum outro problema que comuni-camos à Santa Sé; esperamos quenos ouçam.

Como vai a colaboraçãoentre as diversas Igrejas cató-licas na Índia?

As três Igrejas, latina, siro-ma-labar e siro-malancar, são parte da

única Igreja universal, e temosuma conferência episcopal forma-da pelos bispos das três Igrejas.Nessa conferência, trabalhamosjuntos sem nenhum problema. AIgreja Católica é comunhão de di-versas Igrejas particulares: há vin-te e duas Igrejas orientais, que,com a latina, compõem a Igrejauniversal. Só a partir dessa teolo-gia é possível o ecumenismo: se osgreco-ortodoxos percebessem aexistência dessa comunhão, seuniriam aos católicos. Ecumenis-

mo não é levar a Igreja Ortodoxa aser administrada pela latina. Nós,de dentro, pedimos um ecumenis-mo real. Os ortodoxos o pedem defora. Mas alguns dos latinos nãocompreendem isso.

E as relações com os hin-dus?

De modo geral, o hinduísmo éuma religião que promove a paz ea harmonia. A maior parte daspessoas nos vê com simpatia, etrabalhamos juntos. Mas, comovocês sabem, no passado recente

30DIAS Nº 10 - 2011

Igrejas orientais

George Alencherry com o Sínodo que o elegeu arcebispo-mor, em 24 de maio de 2011

George Alencherry crisma uma criança

O primeiro arcebispo-mor eleito pelo Sínodo

George Alencherry nasceu em 1945. Tem dois irmãos sacerdotes euma irmã religiosa. Estudou no Saint Josephʼs Pontifical Seminary

de Alwaye e cresceu na arquidiocese de Changanacherry, onde ocupouvários cargos de responsabilidade antes e depois dos períodos de pós-graduação na França (doutorado em Catequética no Institut Catholiquede Paris e doutorado em Teologia Bíblica na Sorbonne). Em 1996 foi no-meado primeiro bispo de Thuckalay, diocese que nasceu da subdivisãoda arquidiocese de Changanacherry. Quarenta e seis bispos do Sínodo oelegeram arcebispo-mor da Igreja siro-malabar em 24 de maio de 2011,garantindo-lhe a maioria exigida de dois terços na segunda votação. Doisdias depois, Bento XVI confirmou a eleição.

O mote episcopal de mar George Alencherry é: “Serviço em diálogo deverdade e amor”.

G.V.

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houve grupos de fundamentalis-tas que criaram problemas. Emtodos os países, por um motivoou outro, existem fundamentalis-tas. Assim como existem extre-mistas políticos, que chamamosterroristas. Na Índia existem gru-pos extremistas dentro do hin-duísmo: quem acredita no autên-tico hinduísmo não gosta deles,mas esses grupos criam proble-mas sobretudo para os cristãos.Eles temem que os cristãos, pormeio das conversões, tomem ocontrole do país. Mas é um medosem fundamento, e os cristãos,por sinal, não reagem com violên-cia aos seus ataques. O governosabe disso e nos está ajudando.

A Igreja siro-malabar con-servou-se na fé dos apóstolos

vivendo no meio de uma cul-tura arraigada a outros pres-supostos religiosos. Esse éum esplêndido testemunhode que a Igreja é de JesusCristo (Ecclesiam Suam, co-mo escreveu Paulo VI). O quea história dos cristãos siro-malabares pode sugerir àcristandade inteira?

A herança que carregamos é oresultado de vinte séculos de teste-munho da fé católica, à qual sem-pre nos mantivemos fiéis, mesmoquando fomos seriamente incom-preendidos pelos missionários es-trangeiros. A nossa Igreja tem umestilo único de catequese: nas fa-mílias, nas paróquias e nas esco-las, em todos esses três níveis, en-sinamos as crianças a preservar a

fé. Aqui, em Roma, há cerca deseis mil fiéis siro-malabares: em16 de outubro celebramos umabela liturgia na Basílica de Latrão.A basílica estava cheia.

A Igreja siro-malabar con-firmou a comunhão com Ro-ma depois de séculos de au-sência de contatos. É o sinalde que a comunhão da Igrejanão é em primeiro lugar oresultado de relações jurídi-cas...

A nossa fé é a dos apóstolos,transmitida por São Tomé. SãoTomé não poderia ter começadouma nova Igreja por suas própriasforças. Mesmo na Índia, ele fezapenas o que Jesus lhe ordenou.Pelo mesmo motivo, Tomé e to-dos aqueles que dele receberam oanúncio evangélico estão em co-munhão com Pedro, e isso é ga-rantia da nossa fé. A lealdade aoPapa vem da nossa experiência defé: rezamos pelo Papa na celebra-ção eucarística, consideramos naliturgia os santos de todas as Igre-jas particulares, tanto quanto osnossos. Doutrinalmente, preser-vamos o que recebemos do Credode Niceia. A eucaristia e os outrossacramentos, por dom do EspíritoSanto, nos unem na Igreja una,santa e apostólica.

O senhor pode nos falar dadevoção que vocês têm a SãoTomé?

Depois das festas de Nosso Se-nhor, desde o Natal até a Páscoa, edas festas da Bem-Aventurada Vir-gem Maria – Imaculada Concei-ção, Natividade e Assunção –, afesta mais solene na Igreja siro-ma-labar é a “duchrana”, ou comemo-ração de São Tomé. Nós a celebra-mos no mundo inteiro; mesmo naArábia Saudita, onde não pode ha-ver celebrações oficiais, mais detrezentos fiéis se reuniram num es-paço particular e me telefonaram,pedindo uma bênção. Segundo atradição, Tomé fundou sete comu-nidades na Índia. Todos esses luga-res se tornaram metas de peregri-nação. E no primeiro domingo de-pois da Páscoa celebra-se a festade São Tomé tocando o lado de Je-sus. É uma grande festa, da qualparticipam muitos hindus.

O cardeal Levada, no últi-mo Sínodo das Igrejas

4530DIAS Nº 10 - 2011

ÍNDIA. Os siro-malabares

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A nossa fé é a dos apóstolos, transmitida por São Tomé. São Tomé não poderia ter começado uma nova Igreja por suaspróprias forças. Mesmo na Índia, ele fez apenas o que Jesus lhe ordenou. Pelo mesmo motivo, Tomé e todos aqueles que dele receberam o anúncio evangélicoestão em comunhão com Pedro, e isso é garantia da nossa fé

Uma procissão durante a “dukhrana”, a celebração de São Tomé, perto da igreja de São Tomé, em Palayur, no estado de Kerala

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orientais, anunciou que con-sultaria os patriarcas orien-tais sobre uma possível re-forma do exercício do minis-tério petrino. O que sugere,particularmente a respeitodas relações com as Igrejasorientais?

A Igreja Católica, por meio doConselho para a Unidade dosCristãos, já começou um diálogosobre o primado. Acho que deve-mos prosseguir nesse diálogo eprocurar um acordo comum comas Igrejas do Oriente, como havianos primeiros quatro séculos dacristandade. Naquela época haviauma compreensão comum doprimado. Hoje a Igreja Ortodoxaobjeta que é impossível voltar àteologia precedente ao Concíliode Calcedônia, pois não possuí-mos nenhum documento daquelaépoca. Mas creio que mesmo apartir dos documentos e dos pro-nunciamentos posteriores à épo-ca de Calcedônia seja possível umdiálogo e um acordo em torno doministério petrino. Pois existe aexpressão primus inter pares.Nós todos precisamos de um mi-nistério petrino que seja referên-cia de unidade para todas as Igre-jas. Eu tenho a esperança de queencontremos um ponto no meiodo caminho em que a Igreja Cató-lica e as Igrejas ortodoxas possamencontrar-se na plena comunhãoda Igreja de Cristo.

Por séculos, a Igreja de vo-cês teve de lidar com os pro-cessos de “latinização” a quefoi submetida. Houve quemos considerasse heréticos oucismáticos porque tinhamsuas orações e suas liturgias enão falavam latim. Hoje aindase veem em circulação resí-duos dessa mentalidade?

O modo de pensar mudou mui-to, mesmo na Igreja latina. Entreos teólogos, entre a maioria dosbispos e na Sé Apostólica. PadrePlacid Podipara, C.M.I., um teólo-go e historiador muito renomadoda nossa Igreja, disse que a Igrejasiro-malabar é cristã por fé, hindupor cultura e oriental no culto. In-felizmente, os missionários quechegaram no século XVI não com-preenderam isso. Não tinham másintenções, era a atitude da época.

Mas hoje o que eles pensaram queera errado pode ser restaurado. Is-so é o que diz o Concílio VaticanoII. Muito mudou, mas onde nãohouve essa mudança há proble-mas. E isso acontece com a men-talidade de alguns bispos latinos.Eu disse isso também ao Papa:“Santidade, há muitos bispos lati-nos que compreendem correta-mente a eclesiologia de comu-nhão, mas há outros...”.

A liturgia teve um papelcentral para a continuidadehistórica da sua Igreja. Comoo senhor vê a importância queo magistério do Papa atual dáà liturgia?

O magistério do Papa atual estárealmente salvando a Igreja denosso tempo. Muitas aberraçõesestavam penetrando na Igreja, àsvezes em nome do Concílio Vati-cano II. Alguns interpretaram malesse Concílio, detendo-se nas coi-sas acidentais e perdendo de vista

o essencial. O Papa quer seguir oque o Vaticano II realmente quisdizer. E quando ele, pouco a pou-co, conseguir que essas coisas se-jam admitidas, a Igreja estará real-mente unida. A dissipação e amundanização da Igreja são real-mente extensas, especialmente naEuropa, e será preciso tempo paraque a Igreja se recomponha. Masessa é a intenção do Papa, e a Igre-ja siro-malabar está com ele.

No entanto, houve tambémna Igreja siro-malabar contro-vérsias acirradas entre aque-les que defendem a recupera-ção integral do patrimônio li-túrgico tradicional e os quejulgam que isso é uma formade esteticismo tradicionalis-ta. Entre “caldeizantes” e “la-tinizantes”...

Eu lhes digo: se uma coisa écaldeia, ou europeia, ou de qual-quer outro lugar, o que é válido éválido. Mas alguns, em conse-

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Igrejas orientais

Muitos parecem não entender que se a Igreja siro-malabar florescer e prosperar a Igreja universal florescerá também. Pois toda Igreja particular existe para a Igreja universal. E a Igreja latina também é uma Igreja particular

Sua beatitude George Alencherry durante a entrevista com os jornalistas de 30Dias,em 17 de outubro de 2011

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quência da latinização, se con-venceram de que o que pertenceà cultura ocidental é bom e o quevem do Oriente não é. É uma im-pressão criada pela latinização aque fomos submetidos durantetrês séculos. Embora a Igreja uni-versal, com o Concílio VaticanoII, nos tenha restituído a liberdadede recuperar os elementos váli-dos do nosso patrimônio, boaparte da Igreja os esqueceu e nãosente a exigência dessa recupera-ção. Dizem: continuamos a cami-nhar com o que temos hoje, e seprecisarmos de outras coisas aspegaremos da Igreja latina. Essaé a sua atitude. Outros respon-dem que para continuar a ser oque somos devemos antes demais nada recuperar o que nos foitirado e perdemos.

Eu, em meu ofício, tentareicriar mais unidade e também umacerta uniformidade nas celebra-ções litúrgicas. Não uma unifor-midade integral, mas uma unida-de em torno do essencial. Quedeve ser realizada aos poucos.

Gradualmente. Por exemplo, jáhouve gente na Igreja latina quedizia que nós celebramos olhandopara a parede. Mas olhar para oleste não é ter a cara enfiada naparede. É olhar para a direção deonde vem o Senhor. Na teologiada nossa Igreja, o povo e o cele-brante oferecem juntos o sacrifí-cio a Deus Pai, voltados para oOriente.

A Índia está-se tornandouma espécie de superpotên-cia geoeconômica. Surgemnovos problemas. Como éque esses processos interfe-rem no seu trabalho pastoral?

O mundo, ao mudar, muda-nostambém. Nossos fiéis migram, pa-ra estudar ou trabalhar. Só um ter-ço deles vive nas dioceses originá-rias. Cerca de dois terços estão fo-ra, nas grandes cidades. Nos Esta-dos Unidos e na Europa existemmédicos, empresários, comer-ciantes siro-malabares que estãosubindo na escala social. Se nosfor reconhecida a jurisdição uni-versal sobre nossos fiéis, podere-mos realmente promover essaenergia, de modo que sua forçaesteja a serviço da Igreja univer-sal. Do contrário, o que perder-mos a Igreja universal tambémperderá. E, se nossos fiéis encon-trarem dificuldades para conti-nuar em contato com seu patri-mônio espiritual, procurarão osentido espiritual nos grupos pen-tecostais ou em realidades seme-lhantes. Isso já está acontecendo.Nós estamos perdendo nossosfiéis. Eles vão da Índia para o Oci-dente e encontram alguém quelhes diz: por que você precisa ir àsigrejas dos latinos? Venha conos-co, rezemos juntos. Perdemosmuitos assim. Estamos angustia-dos com isso e expressamos nos-sa angústia aos organismos vati-canos. Todos parecem com-preender o que dizemos, mas de-pois não tomam decisões. Preci-sam consultar uma série de pes-soas, e o tempo passa. E as coisaspioram. Muitos parecem não en-tender que se a Igreja siro-malabarflorescer e prosperar a Igreja uni-versal florescerá também. Pois to-da Igreja particular existe para aIgreja universal. E a Igreja latinatambém é uma Igreja particular.

Ao passo que na cabeça de algunsuniversal coincide com latino. Es-sa obviamente não é a doutrinaoficial. Não é o pensamento denenhum teólogo sério. Mas conti-nua a ser uma mentalidade muitodifundida, e gera atrasos.

Nos últimos dias, houve umimportante congresso inter-nacional sobre a chamadaAnáfora de Addai e Mari, naPontifícia Universidade Gre-goriana. Por que essa anáforatem uma importância espe-cial do ponto de vista ecumê-nico e litúrgico?

A Anáfora de Addai e Mari é amais antiga da Igreja universal.Nela vemos a mais simples teolo-gia dos Evangelhos, a mais germi-nal compreensão do mistério deCristo, sem as formulações doutri-nais que vieram depois. Tal comoo Evangelho de São Marcos é oEvangelho mais simples, a liturgiade Addai e Mari é a mais simplesde todas. Assim, quando a celebra-mos, experimentamos intensa-mente a presença de Jesus conos-co. Até mesmo as expectativas eas súplicas da Igreja são muitobem integradas na Anáfora. Elacontém as orações pelos fracos,pelos oprimidos, pelos martiriza-dos, pelos pobres, pelos refugia-dos. Enfim, tem a beleza da simpli-cidade. A Anáfora de Addai eMari é usada pela Igreja assíria doOriente, e tem a característica denão conter de maneira explícita aspalavras da instituição, pronuncia-das por Jesus na Última Ceia (“To-mai e comei, este é o meu corpo.[...] Tomai e bebei, este é o meusangue. [...] Fazei isto em memó-ria de mim”). A Igreja siro-malabartambém usou a forma tradicionaldessa anáfora até o século XVI,sem interpolações. Mas os teólo-gos latinos afirmavam que sem aspalavras da instituição não haviaverdadeira consagração, e por is-so não consideravam válida a Aná-fora de Addai e Mari. Em 2001,o Pontifício Conselho para a Uni-dade dos Cristãos, com o consen-so da Congregação para a Doutri-na da Fé, reconheceu a validadedessa anáfora, usada desde tem-pos imemoriais também em nossoQurbana, o sacrifício eucarísticosegundo o rito malabar. q

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ÍNDIA. Os siro-malabares

Devoção mariana em Srinagar, no estado de Jammu e Kashmir

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Colégios eclesiásticos

O Instituto foi criado por Pio XII e hoje hospeda quarenta sacerdotes derito siro-malabar e de rito siro-malancar. Nossa visita é uma oportunidadepara conhecer mais de perto esses dois ritos, que, ao lado do latino,constituem a Igreja Católica indiana, uma das mais florescentes dacristandade

A capela do Pontifício Instituto São João Damasceno, decorada com ícones pintados por padre Jacob Kooroth; ao centro, um mosaico de Marko Ivan Rupnik

por Pina Baglioni

A Índia que fica nocoração de Roma

PONTIFÍCIO INSTITUTO SÃO JOÃO DAMASCENO

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Respira-se um clima de gran-de letícia no Instituto Ponti-fício São João Damasceno,

a morada de quarenta sacerdotesindianos que passam uma tempo-rada em Roma para aperfeiçoarseus estudos.

São os filhos da Igreja de SãoTomé, fundada, segundo a tradi-ção, pelo apóstolo do Senhor noextremo sul da Índia, o atual esta-do federal de Kerala: trinta e umdeles pertencem à Igreja Católicasiro-malabar. Os outros nove, àIgreja Católica siro-malancar. To-dos os quarenta têm entre trinta etrinta e cinco anos, com váriosanos de sacerdócio.

Quem os guia é o padre Varg-hese Kurisuthara: é siro-malabare vem de Kerala. Dirige o SãoJoão Damasceno há quatroanos, depois de ter passado novecomo vice-reitor. Depois dos es-tudos e da ordenação sacerdotalna Índia, obteve na AcademiaAlfonsiana o doutorado em Teo-logia Moral, disciplina que hojeleciona no Teresianum, a Facul-dade Teológica do Colégio Inter-nacional dos Carmelitas Descal-ços de Santa Teresa de Jesus ede São João da Cruz.

Padre Varghese pertence àprovíncia de Malabar da ordemdos carmelitas descalços. “O pa-pel dos carmelitas foi extrema-mente importante na história doscristãos de São Tomé”, explica oreitor. “Foram enviados pelo pa-pa Alexandre VII sob a jurisdiçãoda Congregação de Propaganda

Fide, em meados do século XVII,com a finalidade de reunir os fiéise levar a paz aos constantes con-flitos entre os missionários portu-gueses e os cristãos de São Tomé.Foram tão estimados pelos cris-tãos indianos, sobretudo em Ke-rala, que inspiraram até mesmocongregações carmelitas locais”.

Entre os sacerdotes hóspedesdo São João Damasceno há estu-dantes da Congregação Missioná-ria do Santíssimo Sacramento, daCongregação Vicentina, da Con-gregação de Santa Teresa, da So-ciedade dos Oblatos do SagradoCoração, da Ordem da Imitaçãode Cristo e da Sociedade Missio-nária de São Tomé Apóstolo.

Todos os quarenta sacerdoteschegaram a Roma graças às bol-sas de estudo concedidas pelaCongregação para as IgrejasOrientais. Alguns, para obter omestrado; a maior parte, para ob-ter o doutorado: treze frequentamos cursos de Direito Canônico ede Liturgia Oriental no PontifícioInstituto Oriental. Os outros estu-dam sobretudo teologia e filosofianas outras universidades pontifí-cias. “Este instituto, inaugurado

em 4 de dezembro de1940, foi fortemente de-sejado pelo papa Pio XII,quer para os sacerdotesprovenientes das Igrejasorientais que não tinhamcasas de formação pró-prias, quer para aquelesque desejavam exercerseu ministério sacerdotalno Oriente. Na época,não havia nenhum india-no”, conta padre Varghe-se. “O Papa quis dar-lheo título de João Damas-ceno pela afeição do san-to ao papado e por suadevoção particular à Mãede Deus”.

Naqueles anos, os se-minaristas e os sacerdo-tes indianos se alojavamnuma ala do PontifícioColégio Russicum. Emseguida, foram instaladosno Colégio Pio Romeno,pois o regime comunistaproibia aos sacerdotes ro-menos ir a Roma. De-pois, em 1993, o insti-

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Acima, os estudantes doPontifício Instituto São JoãoDamasceno com o cardealLeonardo Sandri, prefeito daCongregação para as IgrejasOrientais, por ocasião da bênçãoda iconostase, em 4 de outubrode 2010

Abaixo, São Tomé num íconeconservado no átrio do instituto

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tuto foi transferido para a sedeatual, uma ex-clínica, incrustadanuma densa rede de ruas entre asbasílicas de São João de Latrão eda Santa Cruz de Jerusalém, ad-quirida pela Congregação para asIgrejas Orientais e completamen-te reformada.

O São João Damasceno res-ponde diretamente ao prefeito daCongregação para as IgrejasOrientais, o cardeal LeonardoSandri. E, desde o ano acadêmico1996-1997, é reservado exclusi-vamente aos alunos pertencentesà Igreja Católica siro-malabar e àIgreja Católica siro-malancar.

Um instituto para duas IgrejasA rotina do instituto, explica-noso reitor, começa com a missa damanhã, às 6h30. É celebrada nosdois ritos, nas respectivas capelas:na maior, os malabares, no rito si-ro-malabar; na menor, os malan-cares, no rito siro-antioqueno.“Depois celebram também a mis-sa em rito latino, todos juntos.Uma espécie de ‘exercício’ paraquando vão celebrar a missa, nodomingo, nas paróquias roma-nas, ou também no Natal e naPáscoa. Ou ainda no verão, quan-do os sacerdotes indianos vão daruma ajuda em muitas paróquiasna Itália e na Alemanha”.

Além disso, por testemunho di-reto desta que escreve, é possível

dizer que no instituto se goza deuma excelente arte culinária: duasvezes por semana, os pratos sãode origem indiana; no outros dias,italiana.

Perguntamos a padre Varghe-se o que farão esses sacerdotes,quando voltarem à Índia. “Umaparte deles vai lecionar nos semi-nários, outra será empregada nacúria episcopal, na pastoral da ju-ventude e na catequese diocesa-na. Outros serão párocos”.

Em Kerala, os siro-malabares eos siro-malancares dirigem váriasescolas católicas, de toda ordem egrau, onde desenvolvem os currí-culos normais definidos pelo Esta-do. “E as despesas ficam em gran-de parte a cargo das Igrejas. Alémdos católicos, essas escolas sãofrequentadas também por umgrande número de estudantes hin-dus, pelo altíssimo nível de educa-ção que é oferecido. Graças às es-colas católicas, Kerala é o estadomais instruído da Índia”. Na Índia,os católicos – de rito latino, siro-malabar e siro-malancar – são nototal 17 milhões: menos de 2% dapopulação indiana.

As três Igrejas, juntas, adminis-tram vinte e cinco mil escolas.Sem contar milhares de casas pa-ra viúvas e órfãos, abrigos para le-prosos e doentes de Aids, hospi-tais e casas de repouso. Em Kera-la, onde os cristãos são 22% dapopulação, a educação, tambémentre as mulheres, ostenta os ní-veis mais altos de toda a Índia. Étambém o estado com os mais ele-vados índices de leitura. Desde2008 é impressa em malayalam,a língua local, uma edição sema-nal do L’Osservatore Romano,administrada pelos carmelitasdescalços da província de Mala-bar. Além disso, Kerala é o estadoem que se encontra a mais alta ta-xa de pluralismo religioso: enfim,um exemplo vivo de convivência.

“Nas escolas católicas, abertasa todos, são desenvolvidos osprogramas escolares previstospelas leis do Estado. Há aindacursos específicos para os estu-dantes cristãos, que incluem dou-trina, ética e moral”.

Qual é o motivo da grande vita-lidade da Igreja siro-malabar, que,com mais de quatro milhões de

Colégios eclesiásticos de Roma

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O reitor do Instituto, padre Varghese Kurisuthara

Santa missa em rito siro-malabarcelebrada na igreja romana de Santa Maria do Pórtico, em Campitelli

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fiéis, representa a Igreja orientalmais vigorosa e em rápido cresci-mento de toda a cristandade? So-zinha, é responsável por quase70% das 120 mil vocações de to-da a Índia católica. Nesse estado,quase todas as dioceses têm umseminário menor, e essa é umadas poucas regiões capazes de“exportar” sacerdotes e freiras.

“Tudo deriva das famílias, emque o apego à oração do ângelus,ao santo rosário e à santa missa éfortíssimo, comovente”, revela oreitor. “Os pais e as mães, mastambém os avós, ensinam àscrianças, desde bem pequenas, osinal da cruz e as primeiras ora-ções. Enfim, elas aprendem tudoisso com o leite materno. Conse-quentemente, a família é um am-biente que favorece o apareci-mento de vocações sacerdotais,que são tidas em grande conside-ração pelas famílias”.

A diocese de Adilabad: uma Igreja florescenteOs sacerdotes católicos siro-ma-labares vivem uma situação para-doxal: sua Igreja está entre asmais florescentes de toda a cris-tandade, mas fora de Kerala elesse veem em terra de missão. “Pa-ra exercer melhor a nossa missãoe formar os fiéis segundo as nos-sas tradições, precisaríamos de

eparquias nossas. É por isso quehá muito tempo pedimos ao San-to Padre uma jurisdição maior,fora de Kerala”, diz-nos padrePrince Panengadan Devassy,que está em Roma para obter omestrado em Teologia Bíblica naUniversidade Urbaniana.

Ele vem da cidade de Thrissur,onde frequentou os ensinos fun-damental e médio; depois, fezdois anos de seminário em Ban-galore, no estado de Karnataka,para estudar filosofia. “Em segui-da, fui em missão para a epar-quia de Adilabad, no estado deAndhra Pradesh, na Índia centro-oriental”.

Adilabad é uma das mais jo-vens eparquias da Índia, criadapelo papa João Paulo II em 23 dejunho de 1999. Antes disso, faziaparte da diocese de Chanda, quese estendia pelos estados de Ma-harashtra e Andhra Pradesh,com duas línguas e duas culturasdiferentes.

Os primeiros sacerdotes siro-malabares chegaram a Adilabadem 1962. Lá, fundaram escolaspara promover o acesso dascrianças mais pobres à educação.

Nas aldeias, depois, os missio-nários trabalharam intensamentepara melhorar as condições sociaisdo povo. Especialmente no âmbitoda saúde e da alimentação. E mui-

tas pessoas, atraídas pelo esplêndi-do testemunho dos missionários,escolheram a vida cristã. Hoje, aIgreja de Adilabad conta com 15mil católicos, com sessenta sacer-dotes todos indianos, vinte e quatrodos quais diocesanos, e com setevocações locais.

Padre Prince é testemunhaocular de tanta beleza. “Para po-der-me comunicar com essa gentetive de estudar a língua deles. EmKerala, falamos o malayalam. Noestado de Andhra Pradesh, o telu-gu. Até a escrita é completamentediferente”, conta.

Depois dos anos que passouem Adilabad, padre Prince teve

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À esquerda, os estudantes do Institutono refeitório

Abaixo, São João Damasceno num ícone pintado por Lauretta Viscardi,conservado no átrio do instituto

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de ir para o norte, para MadhyaPradesh, para estudar teologiadurante quatro anos. Depois foiordenado sacerdote e de novovoltou a Adilabad por mais doisanos. Perguntamos a ele, agora, oque significa fazer missão emmeio a um oceano de hindus e aum grande número de muçulma-

nos. “É a maravilha da nossa cul-tura indiana. A Índia deu origem adiversas religiões e acolheu todasas religiões do mundo. Os india-nos são tolerantes, pacíficos eacolhem a todos. Respeitar as ou-tras religiões e acolher o bem debraços abertos, de onde quer queele venha, é a característica dacultura indiana. Cada um tem a li-berdade de crer na religião queprefere”, acrescenta o jovem sa-cerdote. “Para nós, fazer missãosignifica em primeiro lugar ir sim-plesmente visitar as aldeias espa-

lhadas pelas grandes áreas ruraishabitadas por pequenos agriculto-res e criadores de gado. Não dize-mos nada de Jesus e do Evange-lho, mas assistimos os doentes eajudamos os mais pobres. Depoisperguntamos aos pais se queremdeixar seus filhos conosco paraque estudem gratuitamente. Qua-

se todos permitem. E então leva-mos as crianças para as nossas es-colas, onde ensinamos as matériascurriculares. É essa a primeira faseda missão. Ou seja, aquela em quebuscamos construir uma relaçãoforte com as pessoas por meio deajuda a suas necessidades. Muitosmissionários não mediram esfor-ços para levar eletricidade e águapara os vilarejos isolados”.

“Em seguida, só quando se es-tabeleceu uma relação de con-fiança mútua, procuramos torná-

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Acima, crianças na escola católica de Champakulam, em Kerala, durante o almoço; à direita, A Última ceia,ícone pintado por padre Jacob Kooroth,conservado no refeitório do Instituto

Colégios eclesiásticos em Roma

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los conscientes da dignidade davida e dos direitos humanos. Àsvezes colaboramos para emanci-pá-los da exploração e da injusti-ça”, diz ainda padre Prince Pa-nengadan Devassy. “Depois dealgum tempo de serviço nos vila-rejos e nas escolas, acontece,com muita frequência, que aspessoas nos perguntam a respei-to da nossa religião e do nossoDeus. Nessa altura nós falamosexplicitamente de Jesus. Nãopregamos Jesus com a força e

não procuramos con-verter ninguém comincentivos. Mas procu-ramos dar testemunhode Jesus por meio danossa vida, amando to-das as pessoas sem ne-nhuma distinção. Essenosso modo de viveratrai as pessoas, quesão impel idas a nosperguntar de ondevem a nossa capacida-de de acolher a todos,ricos e pobres, quem érealmente Jesus e oque é o Evangelho. Pa-ra fac i l i tar a com-preensão da nossa fé,às vezes projetamos fil-mes sobre a vida doSenhor em alguma sa-la ou no espaço públi-co do vilarejo, já quequase ninguém possui

aparelho de televisão. A coisamais bonita é que muitas dessaspessoas, sobretudo as crianças,fazem experiência pessoal de Je-sus. Porque, graças à oração e àrelação pessoal com Ele, veemuma correspondência na sua vi-da, têm uma resposta às suas per-guntas, como nunca lhes aconte-cera antes. É claro que muitosnão querem saber de Cristo. Masaqueles que dizem “sim” recebemuma fé fortíssima. Enfim, nós nãoconvertemos ninguém, mas aspróprias pessoas se convertemsob a ação da graça divina. É umaescolha delas. E nesse contexto oEstado garante a liberdade decrer na religião escolhida por ca-da um. Essa é a terceira fase damissão”, conclui padre Prince. “Écompreensível que todas as pes-soas que servimos e ajudamosnão cheguem ao mesmo ponto.Muitas ficam na primeira ou se-gunda fase. Apesar disso, nãodeixamos de desenvolver o minis-

tério. Continuamos a servir essagente, pois as nossas atividadesnão visam a conversão, que éobra do Espírito Santo, mas aproposta respeitosa e livre”.

Nesse meio-tempo, BenedictKurian, da Igreja Católica siro-malancar, vem fazer parte daconversa. Ele é originário daeparquia de Mavelikara, sufragâ-nea da arquieparquia de Trivan-drum. Ordenado em 2002, foipároco por quatro anos em Am-buri, no estado de Kerala. Em Ro-ma desde 2007, está para obter odoutorado em Direito CanônicoOriental com uma tese sobre osdireitos e os deveres dos leigos.

“Gosto muito de Ro-ma. Até porque na Ín-dia, na escola, estuda-mos a história do Im-pério Romano em pro-fundidade”, conta.

Perguntamos a ele oque têm de tão particu-lar os católicos siro-ma-lancares, que voltaramà comunhão com Ro-ma apenas em 1930.“A diferença em rela-ção aos nossos irmãosmalabares está apenasna liturgia; a nossa é si-ro-antioquena. A da

Igreja siro-malabar provém da tra-dição caldeia. Uma das particulari-dades da nossa liturgia é o fato decelebrarmos a missa com o sacer-dote voltado sempre para o altar, eos nossos fiéis são muito apegadosà nossa tradição litúrgica”, explicapadre Benedict.

“A reunificação com o suces-sor de Pedro, o papa, foi realiza-da por cinco pessoas. Hoje so-mos 500 mil. E em nossa Igrejanasceram também duas congre-gações femininas – denominadasSisters of the Imitation ofChrist e Daughters of Mary – euma congregação masculina, Or-der of Imitation of Christ. Nós,siro-malancares, temos a mesmatradição apostólica, a mesma ori-gem dos siro-malabares. Somostambém herdeiros dos cristãos deSão Tomé. E nós também, comoos nossos irmãos malabares, pe-dimos à Santa Madre Igreja deRoma que nos ajude, que estendaa nossa jurisdição”. q

À esquerda,estudantes do seminário menorSaint Paul, na diocese de Irinjalakuda, em Kerala

Abaixo, o batismo na igrejade Saint Alex, em Calangute, no estado de Goa

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As palavras do Papa Bento XVI na sua terra natal podem ser lidas como um caloroso apelo para voltar ao essencial e viver as suas consequências. Palavras de Hans-Gert Pöttering, ex-presidente do Parlamento Europeu

Abaixo, Bento XVI durante a visita ao Bundestag, em Berlim, dia 22 de setembro de 2011; abaixo, à direita, por ocasião do encontro com os católicos comprometidos na Igreja e na sociedade, no Konzerthaus de Freiburg, dia 25 de setembro

por Hans-Gert Pöttering

Viagem apostólica à Alemanha

O Papa continua fiel a si mesmo:

deem seu testemunho de fé

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Avisita de Bento XVI foi umevento comovedor. Um pa-pa alemão veio à sua terra

natal. Trouxe uma mensagemprofundamente teológica: a reno-vação da Igreja pode acontecersomente com a disponibilidade àconversão e por uma fé renova-da. Ele falou de modo tão apaixo-nado e convincente de Deus, aponto de ser surpreendente para

um teólogo sucessor de Pedro co-mo Bento XVI.

O seu discurso no Bundestagalemão no início da sua viagem aBerlim foi particularmente signifi-cativo. Na ocasião questionou-sesobre a essência da atividade polí-tica, sobre o fundamento do direi-to e sobre a distinção entre o beme o mal. Colocou as suas reflexõesdentro do grande contexto dastradições do pensamento euro-peu: a filosofia grega, o direito ro-mano e a fé em Deus judaico-bí-blica, que formam a “identidadeprofunda da Europa”. Na buscade um fundamento comum para aconstrução do próprio direito aEuropa não deveria limitar-se auma pura visão positivista. Isso éredutivo ante a realidade total dohomem. Ele comparou uma tal li-mitação a um edifício de cimentosem janelas. Excluído de tudo oque acontece fora, o homem seatrofia. Ao invés, com uma visãoglobal, poderia colher todos os in-fluxos. Aqui entra em jogo “a eco-logia do homem” como na encí-clica Caritas in veritate. O apare-cimento do movimento ecologis-ta foi uma “invocação de ar fres-co” que não se podia deixar deouvir. O homem deveria ouvir alinguagem da natureza. Se elepresta atenção nela e acolhe-a co-mo algo que não é produzido porele mesmo, a liberdade do ho-mem encontra cumprimento. Po-rém, dado que as normas podemderivar somente da vontade, es-sas pressupõem o reconhecimen-to da “razão criadora” de Deus. E,questionou Bento XVI de modoquase provocatório: “É verdadei-

ramente desprovido de sentidorefletir se a razão objetiva, que semanifesta na natureza, não pres-suponha uma razão criadora, umCreator Spiritus?”.

O Papa insistiu particularmen-te com os políticos no exemplo dorei Salomão, que tinha desejadoum “coração dócil” para buscar overdadeiro direito, para servir ajustiça e a paz. Considerando queo discurso do Papa no Bundestagfoi principalmente teológico e deprincípio, na ocasião ele não fa-lou sobre as concretas exigênciasda Igreja alemã embora isso fosseprevisto e esperado por muitos.Bem diferente foi o discurso noKonzerthaus de Freiburg, quechegou a irritar alguns. Ali, diri-giu-se principalmente à Igreja ale-mã. Convidou a concentrar-se noessencial, prescindindo de qual-quer raciocínio de caráter institu-cional. O conceito de “mundani-zação” poderia ser mal-entendi-do, mas para Bento XVI estespensamentos não são novos. Elejá os havia manifestado no finalda década de 1960. Exprimemuma visão de fundo, autocríticasobre toda a Igreja. Ele julga-a emperspectiva histórica e chamou aatenção sobre o fato de que o tes-temunho da Igreja seria muitomais límpido se fosse livre “dosfardos materiais e políticos”. Nes-te caso, ela poderia dedicar-semelhor aos verdadeiros valorescristãos no mundo inteiro, serverdadeiramente aberta ao mun-do. A Igreja seria tão mais crívelquanto mais se concentrasse nopróprio âmbito, na sua mensa-gem central.

O Papa concebeu tudo isso,como disse ele mesmo, não co-mo uma nova tática para obtermaior consideração pela Igreja,mas como a vontade de procurar“a plena sinceridade, que não re-prime nada da verdade do nossohoje, mas realiza plenamente afé no hoje”.

Justamente os alemães, comorevelou o arcebispo de Freiburgim Breisgau, Robert Zollitsch,não deveriam se deixar dissuadir,por meio de seu zelante organi-zar, estruturar e reformar, destabusca de Deus. Todavia, como oPapa não deu outras indicações ¬

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REFLEXÕES DE UM POLÍTICO

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práticas sobre o que ele entendapor “fardos mundanos”, precisa-se de mais debates e discussõessobre quais sejam as consequên-cias a serem extraídas para pro-mover a fé como o Papa indicou.Poderá ser visto nos próximosmeses se se deve compreendercomo uma rejeição do sistemaalemão aos impostos para o cultoe à comprovada relação Estado-Igreja, como alguns interpreta-ram ousando muito, ou se o seudiscurso não tenha sido principal-mente um caloroso apelo paravoltar ao essencial e viver as suasconsequências.

Este seu convite a concentrar-se no essencial da mensagem bí-blica não foi dirigido somente aoscatólicos na Alemanha, o seuolhar dirigiu-se também à Euro-pa. Nesse âmbito as condições daconvivência de Igreja e Estadodesenvolveram-se de modo mui-to diferente no decorrer dos sécu-los. A este propósito deve-se re-cordar que o artigo 17 do Trata-do de Lisboa garante a cada paíseuropeu a manutenção da suatradicional relação entre Estado eIgreja. É decisivo manter ativo odiálogo com as Igrejas e levar ànossa política as solicitações queo Papa deu-nos justamente naAlemanha. Trata-se da realizaçãodos valores cristãos na práticapolítica.

Com efeito, Bento XVI promo-veu justamente isso nas suas ho-milias: a fé em Deus não deveriapermanecer como algo privado,

mas deveria se manifestar na so-ciedade. Encorajou os cristãos acomprometerem-se com frutosna sociedade e serem fermentos.Trata-se de imprimir os valorescristãos no discurso social, mastambém acolher as preocupaçõesdo homem e sustentá-las. Isso foidito pelo Papa na sua homilia emFreiburg, a cidade da Cáritas. Nahomilia agradeceu explicitamentea todos os que se dedicam ao pró-ximo nas creches e nas escolas,mas também os que se dedicamaos carentes e aos deficientes nasmuitas instituições sociais e cari-tativas na Alemanha e no mundo.Este é um estímulo muito impor-tante principalmente para os polí-ticos. A fé tem consequências pa-

ra a nossa vida social e para o nos-so agir público. Por isso é neces-sário de agora em diante que oscatólicos se empenhem na políti-ca, na economia, na sociedade etambém nos serviços sociais comajuda concreta.

Neste sentido, em Erfurt lou-vou o empenho dos cristãos quena base da fé se opuseram ao re-gime totalitário da RDA. Apesardas circunstâncias adversas, elespermaneceram fiéis a Cristo. Ain-da hoje na Alemanha Orientalprocuram-se novas vias para apromover a fé cristã em um am-biente muito distante da fé e parafalar exatamente aos que buscamorientação e respostas às ques-tões cruciais.

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À esquerda, Bento XVI no encontro com os católicoscomprometidos na Igreja e na sociedade, no Konzerthausde Freiburg, dia 25 de setembro; acima, durante o encontrocom os representantes das comunidades muçulmanaspresentes na Alemanha, na Nunciatura de Berlim, dia 23 de setembro; abaixo, no final da missa celebrada na Praça da Catedral de Erfurt, dia 24 de setembro

Viagem apostólica à Alemanha

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Também a ponte que BentoXVI lançou aos muçulmanos noencontro em Berlim demonstraque o Pontífice coloca-se justa-mente como “construtor de pon-tes” para a prática pública da re-ligião. Ele disse muito claramen-te que gostaria que os muçulma-nos também contribuíssem aobem comum a partir da sua reli-gião, e que portanto a partir dasua fé defendessem a causa deuma convivência pacífica na so-ciedade. Aqui também se refleteo reconhecimento do nosso tipode relação entre Estado e reli-gião, que deve ser aberta tam-bém aos muçulmanos.

Como esta viagem, para o Pa-pa, tratou-se principalmente deum aprofundamento da fé, o de-sejo de rápidas mudanças con-cretas inevitavelmente não eraesperado. E isso vale tambémpara a questão do ecumenismocom a Igreja evangélica na Ale-manha. Um sinal importante,sem dúvida, um acontecimentode nível histórico, foi o Papa terencontrado no convento dosagostinianos de Erfurt os repre-

sentantes da Igreja evangélica. Éum lugar de grande importânciasimbólica para os protestantesalemães. Ali viveu e atuou Marti-nho Lutero. Por isso tal gesto já éum sinal de abertura. Com insis-tência e com o olhar dirigido pa-ra o futuro, o Papa citou Luterona sua busca de um Deus miseri-cordioso. Aqui pôde percebergrandes afinidades entre as con-fissões com relação ao mundosecularizado: as grandes Igrejasdevem cuidar juntas da questãode Deus e devem manter estaquestão de Deus no mundo secu-larizado. Para Bento interessa-vam os fundamentos da fé cristãem resposta às questões existen-ciais “de onde viemos” e “paraonde vamos”.

No entanto muitos esperavamdo Papa um “passo inequivocá-vel para a superação da divisãoentre as Igrejas”, como disseNorbert Lammert, presidente doBundestag. Na realidade – se-gundo as palavras do arcebispoRobert Zollitsch – é preciso refe-rir-se à Conferência Episcopalalemã para traduzir as reflexõesfundamentais do Papa e, juntocom os representantes da Igrejaevangélica na Alemanha, encon-trar vias para um aprofundamen-to do ecumenismo. NikolausSchneider, presidente do “Con-selho para a Igreja evangélica naAlemanha”, falou de um “ecu-menismo de dons” e propôs as-

sim uma via para prosseguir umcaminho comum.

Espera-se que os problemasdos matrimônios e das famíliasformadas por membros de dife-rentes confissões cristãs com re-lação à comum vida de fé, mastambém as limitações para os di-vorciados casados novamente,possam ser repensados depoisda visita do Papa e que possamser feitos realísticos passos de re-conciliação.

São muitas as questões abertas:certamente é muito cedo para fa-zer um balanço. Os resultados dosmúltiplos e intensos encontroscom o Papa, os estímulos e as soli-citações que ele ofereceu serãoelaborados nas discussões e nosdebates das próximas semanas edos próximos meses. Assim se po-derá ver como poderá subsistir aIgreja na Alemanha no tempopresente e como os fiéis indivi-dualmente poderão ser testemu-nhas da fé em seu ambiente.

Para mim, como político e co-mo católico, permanece o convi-te para refletir sobre os princí-pios da minha política à luz dassolicitações que o Papa fez nasua visita. Bento XVI com a suamensagem nem sempre fácil,nem sempre cômoda, levou nósalemães a refletir. Devemos-lheuma profunda gratidão pelassuas palavras, pelo seu encoraja-mento a viver a fé, pela visita nasua terra natal. q

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À esquerda, Bento XVI com Nikolaus Schneider, presidente do Conselho da Igrejaevangélica na Alemanha, no convento dos Agostinianos, em Erfurt, dia 23 de setembro;acima, a partir da esquerda, o presidente da República Federal Alemã Christian Wulff e esposa, o ministro da Defesa Thomas de Maizière (na segunda fila), o presidente do Bundestag Norbert Lammert, e a chanceler Angela Merkel, assistem à missacelebrada por Bento XVI no Estádio Olímpico de Berlim, dia 22 de setembro de 2011

REFLEXÕES DE UM POLÍTICO

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por Giovanni Ricciardi

Relatos das missões

“Sempre desejei ver com os meus olhos como era o oratório de Valdocco quando Dom Bosco vivia ali. Meu desejo foi respondidoaqui, aos pés dos Andes”. Foi o que disse o cardeal Martini ao visitar

a missão do salesiano Ugo de Censi, iniciador da Operação Mato Grosso.

Contamos sua história

Da Valtellina aos Andes

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Padre Ugo de Censi tem hoje oitentae sete anos, sessenta de sacerdóciona congregação salesiana. Desde

1976, vive em Chacas, uma cidadezinhaperdida no leste do Peru, aos pés da Cordi-lheira dos Andes, que lembram a ele, emsua majestosidade, as montanhas de suaValtellina. Um lugar em que a vida é precá-ria, os meios de sustento devem ser arran-cados todos os dias da montanha e a po-breza é a condição de todos.

“Con los pobres de la tierra quiero yomi suerte echar”, canta uma das mais fa-mosas canções latino-americanas, Guan-tanamera; um verso que resume, na suabeleza, a beleza da experiência missionáriade padre Ugo: “Com os pobres da terraquero lançar minha sorte”. Lançar a sorte,apostar, semear uma semente que emChacas deu um fruto excepcionalmenteabundante, tanto que o cardeal Martini,quando visitou a missão para inauguraruma casa doada pela diocese de Milão, dis-se: “Sempre desejei ver com os meus olhoscomo era o oratório de Valdocco quandoDom Bosco vivia ali. O meu desejo foi res-pondido aqui, aos pés dos Andes”.

Padre Ugo volta de vez em quando à Itá-lia para encontrar os grupos de voluntáriosque há muitos anos o ajudam recolhendotodos os meses gêneros alimentícios e rou-pas e trabalhando gratuitamente para en-viar dinheiro à missão: uma experiênciaaconfessional, sem uma identidade jurídicana Igreja, em que são acolhidos todosaqueles que têm vontade de ajudar. Desdea década de 1970, seu nome não mudou:chama-se Operação Mato Grosso. PadreUgo prega retiros para quem deseja ummomento mais destacadamente católicodentro do movimento. As fórmulas sãosimples, rezam segundo a tradição da Igre-ja, ficam de joelhos, até para se confessar.São muitas pessoas, que em silêncio to-mam notas ditadas pelo padre, como umprofessor do primário, acrescentando pou-co oralmente. Este ano o tema foi: “Berna-dete e Aqueró”. Objet ivo do ret iro:“Aprender a fazer bem o sinal da cruz”.

A referência a Lourdes não é casual,mas lembra uma etapa fundamental na vi-da desse salesiano “vivo, alegre e contesta-dor”, como o definiam seus superiores.

Mas também de saúde frágil. A espondilitetubercular que lhe foi diagnosticada no se-minário o manteve internado por três anosno hospital. E a fístula aberta que o obrigoua tanto tempo de cama só se fechou dianteda gruta de Massabielle. Assim padre Ugo,finalmente restabelecido, pôde ser ordena-do padre em 1951 pelo cardeal Schuster,na Catedral de Milão. “Mas os superiores”,conta, “me consideravam uma pessoa irre-quieta. E assim, para ‘fazer passar a vonta-de de brincar’ que eu tinha, deram-me ocargo de diretor espiritual de um reforma-tório masculino em Arese”. Ali ficou pornada menos que vinte anos: “E ali aprendique as palavras religiosas não servem paranada. Os jovens que ouviam meus sermõesse viravam para o outro lado. E no final,diante da minha decepção, alguns diziam:‘Mas você olhou para si mesmo? Não vê acara que você tem? Procure pelo menosgostar um pouco de mim’”.

E assim, no final da década de 1960,comovido pelos relatos dos confrades mis-sionários que falavam da pobreza e dasimensas exigências das missões, começoua viajar para a América do Sul e a organi-zar ajudas para essas obras salesianas.Até que, em 1976, aos 52 anos, tomou adecisão de ir viver estavelmente no Peru,em Chacas. Foram com ele alguns jovensque tinham saído do reformatório de Are-se. “Eu tinha perdido muito da exteriori-dade da religião. Mas em Chacas voltei aser criança. E descobri outra vez as coisassimples da fé: a vida de Jesus e a devoção,cantar bem na igreja, ter as mãos unidas

5930DIAS Nº 10 - 2011

O santuário de

Pomallucay, no Peru

(no qual, em 1992,

nasceu o seminário

da diocese de Huari),

projetado

e construído

pelos voluntários

da Operação

Mato Grosso

Na página ao lado,

padre Ugo de Censi

com padre Daniele

Badiali, em Yanama,

no Peru, em 1992

Operação Mato Grosso

¬

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em oração. Essas coisas eu retomei com osjovens da missão”.

“Agora eu sou padre”, escrevia nos pri-meiros meses de sua permanência nosAndes: “Chacas tem uma igreja enorme,que no domingo se enche de gente, todosem silêncio. Eu me sinto em casa, sintoque são o meu povo. Gosto de fazê-loscantar. Sinto que me querem bem, gosta-ria de conhecer um por um”. E ainda:“Acredito que aqui vou ser padre comoantigamente: catecismo, canto, visitar osdoentes, missas... com esta gente queprecisa de pão, estradas, trabalho, higie-ne. Os jovens da Operação que vieremvão me ajudar a encontrar solução paraestas necessidades”.

E isso aconteceu, nos anos seguintes.Com a ajuda dos voluntários da OperaçãoMato Grosso, padre Ugo realizou um nú-mero impressionante de obras de carida-de: escolas profissionalizantes para enta-lhadores de madeira, enfermeiras e profes-soras de instrução primária, um hospitalem Chacas, casas para crianças órfãs ouabandonadas, reparo e construção de pon-tes e estradas, e até a construção de umacentral hidrelétrica que fornece energiapara a cidade. Todas essas obras levam osnomes de Dom Bosco ou de Maria Auxilia-dora, na mais genuína tradição salesiana. Enaturalmente não poderia faltar o oratóriopara milhares de crianças e jovens, que oenchem nos domingos.

“Vocês deveriam ir a Chacas”, escrevesobre padre Ugo um confrade e colabora-dor salesiano, “para conhecer a casa dele,para que possam descobrir a riqueza deum coração livre como o dele, um coraçãodo qual é fácil se apaixonar. Vocês vãodescobrir que a casa do padre Ugo é umapraça sem paredes, sem portas, não por-que não existam, mas porque foram der-rubadas pelas pessoas que se amontoamna porta para entrar na casa. Um poucocomo diz o Salmo: ‘Foram derrubadas ascercas da vinha do Senhor e todo peregri-no faz a vindima’”.

Nestes anos, centenas de voluntáriositalianos fizeram a experiência de dedicaralguns meses para ajudar padre Ugo emsua missão. Alguns ficaram por mais deum ano, outros decidiram ficar para sem-pre. Outros, ainda, movidos pelo exem-plo do padre, sentiram o desejo de segui-lo no caminho do sacerdócio. Padre Ugofundou assim um seminário para aspiran-tes ao sacerdócio que depois são “doa-dos” às diversas dioceses do Peru, já que aOperação Mato Grosso não tem um en-quadramento jurídico na Igreja. Entreeles, houve um jovem padre italiano, pa-dre Daniele Badiali, que concluiu sua exis-tência terrena em 1997, assassinado porum grupo de bandidos que o sequestra-ram para pedir um alto resgate.

Padre Daniele amadureceu sua vocaçãona Operação Mato Grosso. Dois anos devoluntariado em Chacas, de 1984 a 1986,levaram-no a tomar a decisão definitiva.Voltou a Faenza, estudou no seminário re-gional de Bolonha e, logo depois de sua or-denação para a diocese de Faenza-Modi-gliana, foi enviado como sacerdote fideidonum à diocese de Huari, no Peru, paraajudar padre Ugo em sua missão, tomandocomo encargo, em 1º de setembro de

60 30DIAS Nº 10 - 2011

Acima, a nova igreja

de San Luis, no Peru,

inaugurada em 18

de março de 2007;

no alto, à direita,

trabalhando para

a decoração

do coral da igreja,

os jovens da escola

profissionalizante

para entalhadores

de madeira fundada

por padre Ugo

Relatos das missões

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1991, a paróquia de San Luis, na Cordi-lheira Blanca: um território vasto, commais de sessenta lugarejos espalhados pe-las montanhas, aos quais se chega a pé oua cavalo. Padre Daniele procurava ir a to-das as comunidades, até as mais distantes,e sua casa paroquial se tornou um ponto dereferência para muitas necessidades dospobres. Numa carta, descreve essa condi-ção: “Para escrever, roubei este tempo àspessoas que não param de bater à minhaporta para pedir comida, para pedir remé-dios, para pedir, para pedir, para pedir...Estou atônito com esses assaltos constan-tes, é difícil sair de casa, logo vejo correrematrás de mim para me cercar, para pedir.Não sei o que fazer... Eu fugiria diante detudo isso, porque não sei dizer sim e sintoque não posso negar-lhes ajuda... Sou cha-mado a dar tudo, sabendo que amanhã re-começo do princípio e tenho de dar tudode novo. Os pobres me cravam um espi-nho e é uma dor contínua que gostaria deacalmar, mas não depende de mim. Émeio-dia, vou almoçar com os jovens dotaller [oficina, ndr], uma velhinha está naporta de casa. Ela não fala, mas há outrosque suplicam até cansar você. Seu silênciochegou ao meu coração, fecho os olhos,vou lá embaixo pegar uma tigela de sopa, omacarrão é italiano: dou a ela, me enver-gonho, é ela que deve implorar a Jesus agraça de me salvar. Agradece-me com umsorriso que me parece extremamente do-ce. E se atrás dessa velhinha tão suja esti-ver mesmo Jesus?”.

Começa o trabalho do oratório com ascrianças. Em março de 1992, preparaquatrocentos para a primeira comunhão.Em outubro desse mesmo ano, um volun-tário e amigo de Daniele, Giulio Rocca,

que estava amadurecendo também a voca-ção ao sacerdócio, é morto por um grupode terroristas. Daniele escreve assim sobrea sua morte: “Giulio morreu como um már-tir, não escolheu, a situação o levou a mor-rer de uma morte violenta, semelhante àdos mártires. Agora fica claro também pa-ra mim o caminho da Operação MatoGrosso: perder a vida até o martírio. Tudoisso me assusta, mas ao mesmo tempo sin-to uma paz dentro de mim...”.

Nos anos seguintes, fora alguma volta àItália por motivos de saúde, dedica-se decorpo e alma ao trabalho da missão. Cons-trói um refúgio andino com seus jovens,para acolher montanhistas e turistas e con-seguir, com os ganhos, ajudar economica-mente os mais pobres. Em 1997, mesmotendo programado uma volta à Itália, deci-de ficar no Peru para assumir também asatividades de padre Ugo, que fora à Itáliapregar os retiros aos voluntários. Passa oi-to semanas na cidade de Yanama para le-var oitocentas crianças à crisma. Todas assextas-feiras prepara a confissão; é o mo-mento mais importante para padre Danie-le, que nesse último ano de sua vida o des-creve assim: “Hoje é o dia da Paixão. Nãotenho palavras, gostaria só de chorar. Sen-ti frio. Desejava uma ajuda dos meninos;não pedia que viessem no meu lugar, sóque me dessem uma mão. Que significadar a mão a alguém que sofre? Eu tinha defalar da morte de Jesus, não podia falar de-la como uma fábula. A distração dos jovensvoltava diretamente ao meu coração comoos risos do diabo: ‘Por que se preocupa,por que se agita, é tudo inútil...’ Ao menosdeveriam rezar ou manter as mãos jun-

6130DIAS Nº 10 - 2011

Padre Ugo

e padre Daniele

durante uma

procissão

Padre Daniele

durante uma

confissão

Operação Mato Grosso

¬

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tas. Mas não podemos pretender, precisa-mos apenas dar... perdoar. Senti-me umcondenado, a mesma cena da Paixão se re-petia aqui. Recebia todos os golpes. Tivede aceitá-los todos, seria um erro não que-rê-los. Espero apenas que este sofrimentosirva para alguém. Eu o ofereço. Deusmeu, só de Ti desejava falar aos meninos”.

Na sua volta à paróquia de San Luis, em10 de março de 1997, começa a prepara-ção para a comunhão de quinhentas crian-ças: duas semanas de intensa partilha, divi-dida entre catecismo, oração e brincadei-ras, até a Quinta-Feira Santa em que rece-beriam Jesus pela primeira vez. Padre Da-niele trabalha incansavelmente e ao mes-mo tempo espera a volta de padre Ugo daItália. Naqueles dias, escreve: “Vejo-me in-capaz de me abandonar, de deixar Deusconduzir todas as coisas: embora me pare-ça dar tudo, vejo que ainda devo apostar afavor de Deus. Ser servo inútil é realmentechamar o patrão, deixar tudo em suasmãos, não querer conduzir nada. Ser servode Jesus é realmente invocá-lo com suas

mesmas armas: a bondade, operdão, o abandono, a paciên-cia, um sorriso... a morte”.

Seis dias depois, em 16 demarço, um domingo, depois deter celebrado a missa da noite nacidadezinha de Yauya, encontrade repente a estrada bloqueadapor pedras. Aparece um bandidoarmado que pede uma pessoacomo refém. Uma voluntária ita-liana, Rosamaria, está para des-cer do jipe, mas Daniele a detém:“Vou eu, você fica”. Num bilhetepara padre Ugo, é feito um pedi-do de resgate pelo prisioneiro.Mas dois dias depois, em 18 demarço, o corpo de padre Danieleé encontrado numa escarpa pe-dregosa. Dias antes, quando ain-da estava em liberdade, escreve-ra a um amigo na Itália, a propó-sito da “boa batalha” da fé: “So-bretudo nos damos conta de quea batalha em favor de Deus já es-tá perdida... devemos morrer nocampo de batalha para que Deusentre para vencer o inimigo, o

diabo. Nós devemos apenas preparar avinda de Deus. Custa muito, porque deve-mos dar a vida por um Deus que contasempre menos na vida dos homens. Vocêvai perceber logo que esse Deus a quemdeseja servir não é tão buscado e benquistopelos homens. E quanto mais avançar,mais lhe parecerá que esse Deus desapare-ce da vida dos homens, até da nossa. Ele odeixa sozinho para representá-lo no cam-po de batalha. Você vai se perguntar mui-tas vezes: ‘Mas quando é que o Senhor vaichegar?’ Não ouvirá nenhuma resposta,você mesmo terá de dar a resposta com asua vida. O general entrará quando e comoquiser... Não conhecemos nem o momen-to, nem a hora... A única coisa certa são asdisposições deixadas para combater o ini-migo: ‘Vai, vende o que tens e o dá aos po-bres... Se quiseres ser meu discípulo, tomaa minha cruz e segue-me...’ Seu compa-nheiro de batalha, padre Daniele”. Hoje,na diocese de Faenza-Modigliana, iniciou-se o seu processo de beatificação.

O martírio de padre Daniele fez flores-cerem vocações na Operação Mato Gros-so. Hoje o seminário da diocese de Huaritem cerca de quarenta aspirantes ao sacer-dócio e a missão de padre Ugo é mais ativae próspera do que nunca. Mesmo que ele,com quase noventa anos de idade, nãoqueira saber de nomear um sucessor, nemde dar uma regra para a sua obra: “Se éobra de Deus”, repete sempre, “continua-rá. Do contrário, é melhor que acabe”.

Na sua veneranda idade, parece real-mente que voltou a ser criança: “Deus nãoé o que eu tenho”, diz, “mas o que me faltae que mais desejo. Não sei fazer outra coisaa não ser reconhecer a minha incredulida-de. Ser pecador, ser incapaz de viver deDeus, ser um pobre coitado que precisaapenas da misericórdia de Deus, precisa deDeus. Que Deus me tome e faça de mim oque Ele quiser. Mas que me tome”. q

62 30DIAS Nº 10 - 2011

Operação Mato Grosso

É possível fazer contato pelo [email protected] informações a respeito da Opera-ção Mato Grosso, dos grupos de traba-lho na Itália, dos campos de trabalho deverão e sobre como ajudar a OperaçãoMato Grosso, pode-se entrar em conta-to diretamente pelo e-mail [email protected] ou visitar o sitewww.operazionematogrosso.it.

Para contribuir para o processo de

beatificação e canonização de pa-

dre Daniele Badiali (dando um teste-munho sobre padre Daniele, levandocartas escritas por ele, fornecendo re-latos de eventos milagrosos atribuídosà sua intercessão), dirija-se a padre Al-berto Luccaroni, juiz delegado. Parareceber informações e publicações so-bre padre Daniele, entre em contatocom padre Mirko Santandrea, vice-postulador.Para outra informações, visite o sitewww.padredanielebadiali.it.

PARA SABER MAIS

Relatos das missões

Padre Daniele com

os jovens do oratório

de Yanama, em 1992

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Opequeno e recente livro deIlaria Ramelli, filóloga ehistoriadora, estudiosa do

cristianismo antigo, contém, comoela mesmo indica no prefácio, umaseleção de breves artigos de divul-gação publicados nos anos de2009 e 2010 no jornal Avvenire.Porém não se trata, como se pode-ria pensar, de uma simples reedi-ção de artigos agregados por afini-dade de argumentação, nem deuma simples antologia, mas de umdetalhado e denso resumo, queilustra com extrema síntese, massem omitir nada de necessário oufundamental, os resultados dos es-tudos sobre o primeiro cristianis-mo realizados pela autora, com ri-gorosa metodologia científica (emparticular no que se refere à análi-se filológica dos textos e à avalia-ção das fontes históricas), nos últi-mos vinte anos.

Portanto, mesmo dirigindo-seprincipalmente a leitores não espe-cializados na matéria, o livro resultade grande utilidade também paraestudiosos, para os quais se confi-gura – e isso é particular mérito daautora e a preciosidade da obra –como um extenso índice lógico,que ordena e sistematiza uma vastaprodução (há sempre a indicação,no lugar oportuno, de todas as ne-cessárias indicações bibliográficas),e da qual emerge o fio condutor dapesquisa, coerente e unitária mes-mo se “dispersa” em várias revistascientíficas especializadas.

Considerando a estrutura daobra, não é possível, em uma re-censão, assinalar todos os assuntostratados, a não ser fazendo umalonga lista: o que não queremos fa-zer, limitando-nos a indicar as te-máticas que parecem mais originaise significativas.

Inicialmente diremos que o li-vro se articula em quatro distintasseções.

Na primeira, a que trata da figu-ra de Jesus nas fontes não cristãs doséculo I, evidenciam-se dois textosdos quais se demonstra a autentici-dade, que se colocam em um perío-do bem anterior às conhecidas pas-sagens de Tácito: a carta de MaraBar Serapion, um estoico pagão,escrita por volta do ano 73, e umapassagem da Antichità giudaiche(XVII, 63-64) do historiador JoséFlávio, fariseu que escreve logo de-pois da queda de Jerusalém (ocorri-da no ano 70); “justamente a estra-neidade das duas fontes ao cristia-nismo”, escreve a autora (p. 10),“fazem de Mara Bar e José Fláviotestemunhas preciosas e não ‘sus-peitas’ da figura histórica de Jesus:e mesmo se estes não acreditam naressurreição física, testemunhamsobre a fé que têm os cristãos ‘por-que apareceu-lhes novamente vivo,depois de três dias’” (Antichità giu-daiche XVII, 64).

Mais adiante, na terceira seção,será evidenciada a presença deuma série de evocações ao cristia-nismo nos romances e nas sátiras

pagãs dos séculos I-II: o Satíriconde Petrônio, As Aventuras deQuereas e Caliroe de Caritão deAfrodisía, Metamorfoses de Apu-leio, obras nas quais se encontramalusões, às vezes evidentes, aos fa-tos narrados pelos Evangelhos. Ena quarta faz-se a busca dos indí-cios históricos da primeira difusãodo cristianismo do Oriente Próxi-mo à Índia: em particular as vicissi-tudes do rei Abgar de Edessa (so-bre o qual parece fundamentada arelação com o imperador Tibério),a evangelização de Edessa porobra de Addai (nome sírio de Ta-deu, um dos setenta discípulos deJesus, enviado pelo apóstolo To-mé), a da Mesopotâmia por obrade Mari (discípulo de Tadeu, peloqual foi convertido), a menção demandylion (a imagem aquiropitade Jesus comparável ao Sudário),a missão de Panteno na Índia (rea-lizada pelo filósofo estoico, con-vertido ao cristianismo e mestre deOrígenes e Clemente Alexandrino,entre 180 e 190).

Mas queremos nos deter maisexatamente na segunda seção, aque trata do primeiro cristianismoem Roma.

Nesta seção a autora demonstraque o cristianismo logo ficou co-nhecido em Roma: o testemunhodisso é dado pela notícia da Consul-ta ao Senado do ano 35, relatadapor Tertuliano, com a qual o Sena-do recusou a proposta do impera-dor Tibério de dar legitimidade ao

Livros

Lealdade dos cristãose tolerância de Roma

Ilaria Ramelli, I cristiani e l’impero romano. In memoria di Marta Sordi, Marietti 1820, Gênova – Milão 2011, 96 p.

As fontes antigas sobre a relação entre

o primeiro cristianismo e Roma, discutidas

nos estudos da historiadora Ilaria Ramelli,

contradizem a vulgata de um poder romano

ideologicamente inimigo dos cristãos

por Lorenzo Bianchi

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credo cristão. Considerada muitoduvidosa por muitos, Ilaria Ramelliconfirma esta como histórica comnovos argumentos acrescentadosaos que já tinham apresentados porMarta Sordi e por Carsten Thiede,e em particular, baseada em umfragmento do filósofo neoplatônicoPorfírio (233-305), que certamentenão pode ser suspeitado de propó-sitos apologéticos como, ao invés,Tertuliano. Ao recusar a ressurrei-ção de Jesus, Porfírio afirma que,se tivesse realmente ressuscitado,não deveria aparecer a pessoasobscuras (como eram os apóstolos),mas “a muitos homens contempo-râneos e dignos de fé, e principal-mente ao Senado e ao povo de Ro-ma, onde estes, impressionadospelos seus prodígios, não pudes-sem, com uma Consulta ao Senadounânime, emitir sentença de morte,sob a acusação de impiedade, con-tra os que lhe eram obedientes”.

A legislação anticristã de Romadeveu-se ao Senado, mas Tibérionão aplicou as acusações, e até oano 62, os cristãos não foram con-denados por nenhuma autoridaderomana como tais. O comporta-mento de tolerância do ambienteda corte imperial para com os cris-tãos é testemunhado também pelacorrespondência entre São Paulo eSêneca, que chegou até nós por umcaminho diferente daquela do cor-pus paulino. Precipitadamente dei-xada de lado como apócrifa na vul-gata da crítica moderna, aqui ao in-vés, é revalorizada, com base emnovas e abundantes consideraçõesfilológicas e lexicais particularmen-te convincentes, como provavel-mente autêntica, ao menos namaior parte das cartas (ou melhor,breves bilhetes) que chegara aténós, com datas dos anos 58 e 59.São os anos nos quais (se se aceita acronologia alta) Paulo tinha chega-do há pouco a Roma para ser sub-metido ao juízo do imperador, e, naespera do processo, gozava da cus-tódia militar benévola e era livre pa-ra pregar, difundindo o cristianismomesmo no pretório (“em todo opretório e em toda a parte, ficou-sesabendo que eu estou na prisão porcausa de Cristo”, Fl 1, 13) e na cor-te imperial (“todos os santos vossaúdam, sobretudo os que são dacasa imperial”, Fl 4, 22).

A relação de tolerância, ou mes-mo de benevolência do poder im-perial romano para com os primei-ros cristãos – ao menos até a viradaautoritária neroniana em 62 e o de-sencadear-se da perseguição de-pois do incêndio de Roma que es-tourou em 19 de julho de 64 (perse-guição que, como nos transmitiramTácito, Anais XV, 44, e ClementeRomano, Carta aos Coríntios V,3-7 – VI, 1, foi alimentada pela invejae a denúncia de cristãos) –, descritopor Ilaria Ramelli na segunda se-

ção, transporta-nos diretamente aotítulo do seu livro. Com efeito, nes-te a autora retoma literalmente o tí-tulo de uma obra fundamental dasua mestra, Marta Sordi, que pormais de duas décadas foi titular dacátedra de História Antiga na Uni-versidade Católica do Sagrado Co-ração de Milão (I cristiani e l’impe-ro romano, publicada em 1984,que segue, sintetiza e atualiza o li-vro anterior Il cristianesimo e Ro-ma, publicado em 1965). Ilaria Ra-melli dá prosseguimento ao traba-lho de sua mestra com um métodode avaliação rigorosa, analítica e

atenta das fontes históricas, assimcomo a ideia de fundo: ou seja, quea oposição, que as perseguiçõessem qualquer dúvida demonstram,entre os que administravam o po-der romano e os cristãos, não foi oresultado, ao menos nas suas raízesmais profundas, de um choque polí-tico ou de uma luta de classes, co-mo afirma um preconceito aindamuito difuso, mas teve outras cau-sas, causas ligadas principalmenteà esfera religiosa. São os própriosdocumentos históricos que de-monstram que a atitude dos cristãosnos primeiros séculos para com opoder imperial foi sempre marca-da, desde o início, pela lealdade epelo respeito da sua autoridade.Portanto é historicamente erradover no império romano uma encar-nação particularmente maligna dopoder e o inimigo da Igreja; aliás,ao contrário – nós acrescentamos–, foi justamente o império roma-no, como sugere a interpretação

que São João Crisóstomo (IV Ho-milia, Sobre a II Carta aos Tessalo-nicenses, PG 62, 485) deu às pala-vras de São Paulo, é o que pareceinterpor-se como obstáculo ao ver-dadeiro inimigo da Igreja, o anti-cristo: “E sabeis o que atualmenteretém o Adversário [o anticristo], demaneira que ele se revele somentena hora devida. Pois o mistério dainiquidade já está em ação. Bastaque o obstáculo atual seja afastado”(2 Ts 2, 6-7). O que, ou quem, re-tém o mistério da iniquidade, se-gundo São João Crisóstomo, é opoder imperial de Roma. q

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Acima, São João Crisóstomo (cerca de 344-407); à direita,o Coliseu

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Estou muito contente, portanto, com o fato de 30Giorni fazer uma nova edição destepequeno livro que contém as orações fundamentais dos cristãos, amadurecidas ao longodos séculos. Elas nos acompanham durante todas as vicissitudes da nossa vida e nos aju-dam a celebrar a liturgia da Igreja rezando. Faço votos de que este pequeno livro possa setornar um companheiro de viagem para muitos cristãos.

da apresentação do cardeal Joseph Ratzinger(eleito Papa em 19 de abril de 2005 com o nome de Bento XVI)

QUEM REZA SE SALVA

O livrinho Quem reza se salva que 30Dias já distribuiu centenas de milhares de exemplares,contém as orações mais simplesda vida cristã como as da manhã e da noite, e tudo o que ajuda para uma boa confissão.

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