o conceito de transferencia

5

Click here to load reader

Upload: cleilton-s-moreira

Post on 16-Jan-2016

4 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

.

TRANSCRIPT

Page 1: O Conceito de Transferencia

19

O CONCEITO DE TRANSFERÊNCIA NOS “ESTUDOS SOBRE A HISTERIA”(BREUER & FREUD, 1895)1

Sidney da Silva Pereira Bissoli2

FASU/Associação Cultural e Educacional de Garça

Resumo: Neste artigo pretende-se examinar como o conceito de transferência é tratado na PsicanáliseFreudiana. A noção de transferência surge, pela primeira vez, no capítulo 4 dos “Estudos sobre a histeria”, obraque adquire o status de ponto de partida para o exame daquela. Verifica-se, aqui, que a noção de transferência, emhipótese alguma, pode ser entendida como o conjunto da relação que o paciente estabelece com o psicanalista,nem, tampouco, como o da perturbação neste tipo de relação, o que foi posteriormente entendido por outrosautores; mas apenas como um aspecto muito específico dessa relação, na qual, a partir de uma falsa ligação, e deuma maneira um tanto quanto inapropriada, a figura do médico substitui alguém do passado do paciente.

Palavras-chave: Psicanálise; Freud; transferência.

THE NOTION OF TRANSFERENCE IN “STUDIES ON HISTERIA”(BREUER & FREUD, 1895)

Abstract: This article is part of a larger project, in which it intends to examine how the concept of transferenceis dealt in Freudian’s psychoanalysis. As the notion of transference appears by the first time in chapter 4 of“Estudos sobre a histeria”, this work acquires the status of the starting point to the examination of that. It verifiesthat the notion of transference can’t ever be understood as the whole relationship that a patient establishes with hispsychoanalyst. It can’t either be understood as the total perturbation in this type of relationship, as it was furtherinterpreted by other authors. It is only a very specific point of this relationship, in which, through a false bond, andin an uncommon way, the figure of the doctor replaces someone from the patient’s past.

Key words: Psychoanalysis; Freud, transference.

1 Artigo recebido em 20/02/2006 e aceito para publicação em 11/04/2006.2 Endereço para correspondência: Sidney da Silva Pereira Bissoli,Rua Prefeito Andrade Nogueira, 496; Labienópolis, Garça–SP, CEP:17400-00, E-mail: [email protected]

Introdução: Pode-se afirmar, sem correr o ris-co de cometer grandes injustiças, que a Psicanálisetem se desdobrado de tal forma, que atualmente seencontra em uma posição na qual não se está maisautorizado a falar de uma Psicanálise, mas de algu-mas Psicanálises. Zimerman (1999) chega a se referira sete escolas de Psicanálise. A primeira, como já sesabe, é Freudiana, a partir da qual todas as outras de-rivaram. Na época de Freud, aqueles autores que to-maram direções um tanto quanto divergentes da obrado mestre não podiam mais se intitular psicanalistas eafirmar que o que estavam produzindo era Psicanáli-se. Isso aconteceu com Jung, a partir da ampliação doconceito de libido como energia psíquica em geral, enão como energia puramente sexual; também com

Adler, com as teorias do protesto masculino, da inferi-oridade orgânica, para citar dois exemplos.

No entanto, o mesmo destino não atingiuMelanie Klein ou Jacques Lacan (inclusive por ra-zões históricas, já que Lacan nunca chegou a conhe-cer Freud pessoalmente, e Melanie Klein apenas oencontrou em dois congressos internacionais de Psi-canálise), que modificaram consideravelmente tantoa teoria quanto a técnica psicanalítica, sem que aqui-lo que estivessem fazendo deixasse de ser conside-rado Psicanálise.

Acréscimos e ampliações à parte, o que acon-tece é que, atualmente, tem-se a situação de deter-minado conceito adquirir significações as mais diver-sas, se abordado a partir da perspectiva freudiana,kleiniana, bioniana, winnicottiana, lacaniana. Sendoassim, é necessário certo esforço para não se trans-formar a Psicanálise em uma espécie de Torre deBabel, na qual se dialoga sobre o conceito, pensando

Paidéia, 2006, 16(33), 19-23

Page 2: O Conceito de Transferencia

20

se referir à mesma “coisa”, quando na verdade são“coisas” diferentes.

Sem dúvida alguma, este fenômeno acontececom o conceito de transferência, que, inclusive, so-freu modificações no interior da própria teoriaFreudiana. A partir disso, parece importante retornaràs origens da Psicanálise, para verificar como o con-ceito de transferência pode ser entendido na obra deFreud, mais especificamente, no capítulo 4 dos “Es-tudos sobre a histeria” (1895), obra em que este apa-rece pela primeira vez. Trata-se de um estudo preli-minar, que deve levar à verificação de como esta noçãosofre transformação ao longo da elaboração teóricado autor em foco, porque, uma vez munido de umconhecimento mais sólido a respeito do uso desteconceito por Freud, há mais aparelhamento para seentender as diferenças e semelhanças, modificaçõese invariantes, com as quais outros autores, mais con-temporâneos, trabalham a noção de transferência, semque estes deslizamentos semânticos, técnicos este-jam necessariamente explicitados.

Como o título do capítulo 4 dos “Estudos sobrea histeria” (1895) sugere – A psicoterapia da histeria– trata-se de mostrar como o tratamento dos fenô-menos histéricos funciona, até onde a psicoterapia dahisteria pode chegar e as dificuldades com que estase defronta, pois existe uma relação íntima entre atécnica para o tratamento da histeria e a teoriaexplicativa para os fenômenos histéricos.

No campo da teoria, pode-se dizer que os histé-ricos adoecem por lembranças ou por representaçõesque não sofreram o desgaste natural que tende a sub-meter a vida representativa; e ele não se realizou pornão ter havido uma descarga para a experiência origi-nalmente vivida. Uma vez não ocorrendo o desgaste, oafeto ligado à representação não perde a sua força,carregando-a para um segundo grupo psíquico, alheioao ego, fazendo com que o sujeito aparentemente nãotenha mais acesso a essa experiência, tornando a re-presentação patogênica. Até aqui, trata-se da clássicahisteria de retenção; mas devido à desconfiança deFreud quanto à validade deste tipo de interpretaçãodos fatos, isto o leva a colocar que a histeria de reten-ção e a hipnóide – proposta por Breuer – podem serapenas histerias de defesa. Freud (1996) afirma que:

“é-me impossível reprimir a suspeita de queem algum ponto as raízes da histeria hipnóidee da histeria de defesa se reúnem, e que seufator primário é a defesa” (p. 298). E, nacontinuidade, Freud aborda o problema dahisteria de retenção: “Suspeito de que tambémna base da histeria de retenção também hajaum elemento de defesa que tenha forçado todoo processo na direção da histeria” (p. 299).

Mas, no que consistiria a histeria de defesa?Basicamente, em um acréscimo da teoria explicativapara a de retenção acima exposta. A idéia é que al-gumas representações tornam-se alheias ao ego, sãorecalcadas, não apenas porque não se descarregam,devido ao acaso, a um fator desconhecido (histeriade retenção), ao fato de ocorrerem em um estadocrepuscular de consciência (histeria hipnóide), masporque são representações incompatíveis com o eudo sujeito, e que, portanto, provocam afetos de ver-gonha, de autocensura, de dor psíquica. Em suma, oeu se defende dessas representações, recalcando-as,de onde vem o termo ‘histerias de defesa’.

A conseqüência lógica dessa concepção teó-rica é que, na prática, uma vez tendo se defendido derepresentações incompatíveis, o paciente (inconscien-temente) não aceitaria de bom grado o objetivo do tra-tamento, o ressurgimento de tais idéias malquistas, ou,em outros termos, oporia uma resistência à análise, anão ser que, dentre outros fatores, que não interessamno momento, houvesse uma relação toda especial, par-ticular, entre médico e paciente. Diz Freud (1996):

“Com outros [pacientes], que resolvem colocar-se em suas mãos [nas do médico] e depositarsua confiança nele – um passo que em outrassituações só é dado voluntariamente, e nuncaa pedido do médico –, com esses pacientes,repito, é quase inevitável que sua relaçãopessoal com ele assuma indevidamente, pelomenos por algum tempo, o primeiro plano. Naverdade, parece que tal influência por partedo médico é uma condição sine qua non paraa solução do problema” (p. 280-1).

Há quem pense que, quando Freud se refere àrelação pessoal do paciente com o médico e à influênciadeste, ele esteja adiantando algo posteriormente chama-do de ‘transferência’. Argumenta-se, que, apesar dasaparências, ainda não é de transferência que se trata,conceito que aparece em um contexto bastante distinto.

Sidney da Silva Pereira Bissoli

Page 3: O Conceito de Transferencia

21

Algumas páginas adiante, Freud (1996) volta afalar dessa influência pessoal da parte do médico,como algo fundamental para o bom andamento dotrabalho terapêutico:

“Além das motivações intelectuais quemobilizamos para superar a resistência, há umfator afetivo, a influência pessoal do médico,que raramente podemos dispensar, e emdiversos casos só este último fator está emcondições de eliminar a resistência” ( p. 296).

A técnica freudiana, no momento da publica-ção do trabalho, em consonância com a teoriaexplicativa exposta, tem como objetivo o despertarde reminiscências, mesmo que para isso seja neces-sária a insistência da parte do médico (pressão). Ocor-re que, em três situações distintas, a técnica da pres-são falha, ou seja, a insistência do médico não produznenhuma reminiscência no paciente. Primeiramente,porque pode acontecer de não haver realmente maisnada a ser investigado. A segunda alternativa confi-gura-se como o oposto da primeira, ou seja, em de-terminado momento da análise, há representações tãoincompatíveis com o eu do paciente, que despertamresistências profundas que só podem ser vencidas emuma etapa posterior da análise; e seria aqui que arelação pessoal entre médico e paciente tem funda-mental importância; em outras palavras, o médicousaria a influência pessoal o paciente para vencer asresistências dele. Por último, as reminiscências nãosão despertadas quando a relação entre o paciente eo médico é perturbada. Na terceira situação, Freuddiz tratar-se do “pior obstáculo com que podemos nosdeparar” (p. 312).

Zimerman (2001), ao citar este trecho, afirmaque Freud está se referindo diretamente à transfe-rência, no capítulo “A psicoterapia das histerias” dolivro “Estudos sobre a histeria”, quando diz textual-mente que “a transferência é o pior obstáculo quepodemos encontrar”” (p. 412). No entanto, é precisodestacar que, quando Freud se refere ao pior obstá-culo com que o médico tem de se deparar, ele nãoestá se remetendo diretamente à transferência, masa uma perturbação do relacionamento deste com opaciente, uma das quais é a transferência. Em outras

palavras, apesar de que toda transferência é umaperturbação do relacionamento médico-paciente, nemtoda perturbação deste relacionamento pode ser con-siderada uma transferência.

Mas, retornando à questão de que há uma in-fluência pessoal por parte do médico que é útil para otrabalho psicoterapêutico, e que, quando há uma per-turbação desse relacionamento, todo o trabalho podenão funcionar, o trecho abaixo pode ser muitoesclarecedor:

“Não são poucos os casos, especialmente comas mulheres e quando se trata de elucidarcadeias de pensamento eróticas, em que acooperação do paciente se torna um sacrifíciopessoal, que deve ser compensado por algumsubstituto do amor. O empenho do médico esua cordialidade têm que bastar na condiçãodesse substituto. Ora, quando essa relaçãoentre a paciente e o médico é perturbada, acooperação da primeira também falha; quandoo médico tenta investigar a representaçãopatogênica seguinte, o paciente é retido pelainterposição da consciência das queixas quenele se acumulam contra o médico” (Freud,1996, p. 313).

Dito de outra forma, o trabalho psicoterapêuticoé naturalmente difícil. Na maioria dos casos, é neces-sário que a paciente sinta que o médico a “ama”, o queé sentido pelas demonstrações dele de empenho e cor-dialidade. E é justamente o fato de se sentir amadaque faz com que ela continue se dedicando ao trabalhopsicoterapêutico, apesar de todas as dificuldades queeste apresenta. Quando essa relação amorosa falha,ou é perturbada, a paciente deixa de cooperar.

Mas quais são as situações em que essa rela-ção pode ser perturbada?

Quais as situações em que o paciente podedeixar de cooperar?

Novamente são três.No primeiro caso, o paciente pode estar se

sentindo negligenciado, pouco apreciado ou até mes-mo insultado pelo médico, ter ouvido falar mal deleou do método de tratamento. Essa seria a forma maissimples de resolver, bastando a discussão e a expli-cação.

O Conceito de Transferência

Page 4: O Conceito de Transferencia

22

O segundo caso, Freud não o diz, mas se tratade pacientes que hoje seriam chamados de narcisistas.Eles têm medo de amar o médico, de perderem suaautonomia em função disto, de dependerem dele, in-clusive, mas não necessariamente, em termos sexuais.

E, então, entra-se na terceira forma de pertur-bação da relação entre médico e paciente, a única queé exclusivamente chamada de transferência, aqui en-tendida como produto de uma falsa ligação. Este con-ceito já havia surgido em trabalho anterior, intitulado“As neuropsicoses de defesa” (1894), para explicar asfobias e idéias obsessivas. Neste caso, o indivíduo sedepara com uma representação incompatível com oseu ego, que por ser marcantemente afetiva, configu-ra-se como uma representação forte, que faz uma in-tensa exigência de trabalho à mente. Ou seja, os pres-supostos até aqui necessários são: a) o que dá força auma representação é o afeto ligado a ela; b) represen-tações fortes exigem trabalho (de descarga) à mente,enquanto as fracas fazem pouca ou nenhuma exigên-cia. No entanto, como essa representação não é dequalquer tipo, porém incompatível (traz consigo afetosde dor, autocensura e vergonha), o ego procura afas-tar a mesma do restante da vida associativa, e faráisso desvinculando o afeto que estava originalmenteligado a esta representação. Assim, ela perde a suaforça, e não precisa fazer mais nenhuma exigência detrabalho à mente, formando um segundo grupo psíqui-co, uma divisão da consciência.

Mas, o que acontece com o afeto que foidesvinculado da representação? É aí que a histeria, deum lado, e as obsessões e fobias, de outro, tomam ca-minhos diferentes. Na histeria, esse afeto sofre con-versão, é transformado em algo somático, dando ori-gem aos tão exuberantes sintomas histéricos. Nas ob-sessões e fobias, devido a uma incapacidade para aconversão, o afeto é obrigado a permanecer no campopsíquico, ligando-se, desta forma, a outras representa-ções, porém compatíveis com o ego do sujeito. É esteprocesso, originalmente vinculado a uma representa-ção incompatível, a uma outra porém compatível como eu, que Freud dará o nome de falsa ligação.

Na transferência, a representação incompa-tível é a idéia de alguém do passado do paciente,enquanto que a compatível é a idéia do médico quea está tratando, acontecendo de o paciente dirigir

certo tipo de afeto a ele, que só pode ser compreen-dido se este for remontado a alguém do passado dopaciente.

O exemplo que Freud (1996) oferece é deuma paciente sua que, sempre que terminava a ses-são, sentia o desejo de que ele tomasse a iniciativade lhe dar um beijo. Submetendo este desejo à aná-lise e solicitando associações da paciente em rela-ção a ele, Freud acaba por descobrir que, muitosanos antes, a paciente sentira esse mesmo desejode que “o homem com quem conversava na ocasiãotomasse a iniciativa de lhe dar um beijo” (p. 314).Não se sabe exatamente o porquê de essa idéia serincompatível para o ego da paciente. O fato é queaquela foi acompanhada de um afeto aflitivo erelegada ao inconsciente, que aparecia novamente,acompanhada do mesmo afeto aflitivo, no interiordo tratamento.

Talvez o mais importante a ser destacado é que anoção de que a transferência era originalmente vistacomo um obstáculo por Freud, deva ser relativizada, poisse trata de um obstáculo que carrega em si a chavepara se descortinar o mistério que traz consigo oadoecimento. O próprio Freud sugere algo dessa natu-reza, quando utiliza a palavra ‘obstáculo’ entre aspas, aose referir a estes fenômenos resistenciais: “Nossa pri-meira tarefa é tornar o “obstáculo” consciente para opaciente” (p. 314). Ou, ainda: “Numa outra paciente, o“obstáculo” costumava não aparecer diretamente comoresultado de minha pressão, mas eu sempre conseguiadescobri-lo levando a paciente de volta ao momento emque ele se havia originado” (p. 314-5). E, por fim: “Creio,porém, que se lhes tivesse deixado de esclarecer a natu-reza do “obstáculo”, eu simplesmente lhes teria dadoum novo sintoma histérico – embora, é verdade, maisbrando – em troca de outro que fora espontaneamentegerado” (p. 315).

Assim, quanto a este aspecto, o que se podedizer é que a transferência é um obstáculo, da mes-ma forma que o sintoma é um obstáculo, visto quetransferência nada mais é do que um novo sintoma.

Considerações finais

A partir do exposto acima, na obra que estásendo examinada, o conceito de transferência não

Sidney da Silva Pereira Bissoli

Page 5: O Conceito de Transferencia

23

pode ser identificado, em hipótese alguma, com umrelacionamento afetivo que se estabelece entre omédico e o paciente. Como se viu, Freud fala de umfator afetivo, da influência pessoal do médico, do re-lacionamento pessoal entre médico e paciente, dosubstituto de um relacionamento amoroso entre mé-dico e paciente, que é essencial para o tratamentopsicológico, e isso, de maneira alguma, se configuracomo o que será chamado de transferência. Ainda,este relacionamento “amoroso” pode ser perturbadode três formas (pelo ódio, pelo medo, pela ‘falsa liga-ção’), mas a transferência é apenas uma das for-mas através das quais se verifica essa perturbação(a terceira). Assim, o que definiria a transferên-cia seria justamente a falsa ligação ou, em ou-tras palavras, a substituição, na vida mental dopaciente, de alguém do passado dele pela figu-ra do médico.

Mas ainda pode-se fazer algumas indagações.Por que Freud não considerou as duas primeiras per-turbações como transferências? Por exemplo, por quemotivo, quando o paciente se sente insultado, negli-genciado ou pouco apreciado pelo médico, não pode-ria estar em jogo aí também uma falsa ligação? Ou,ainda, por que motivo, quando um paciente sentemedo de depender do médico em termos pessoais, ouinclusive sexualmente, não poderia estar presente tam-bém uma falsa ligação (por exemplo, no passado, opaciente poderia ter sentido medo de depender emtermos pessoais, amorosa e sexualmente, de alguém)?Não há nenhuma resposta imediata a estas pergun-tas, mas a hipótese de que, na transferência, na falsaligação, há algo bastante inapropriado, inadequado,em jogo. Ou seja, da mesma forma que a idéia obses-siva é de que outras pessoas, bem como o própriopaciente, consideram como algo estranho, inadequa-do, inapropriado, assim também, na transferência, al-guma estranheza teria que ser produzida. Em outraspalavras, toda vez que há uma falsa ligação, o resul-tado seria certa experiência aparentemente incom-preensível. Assim, é possível que Freud considerassecomo algo natural o paciente sentir medo de depen-der do médico, uma idéia que bastante contestadapela Psicanálise contemporânea. Da mesma forma,é possível que Freud considerasse como algo natural,em algumas ocasiões, o paciente se sentir insultado,

etc., pelo seu médico. No entanto, o que possivel-mente não considerou como natural, apropriado aotratamento analítico, é o desejo da paciente de serarroubada sexualmente pelo seu médico. Assim, ocritério que o psicanalista adotaria, para distinguirquando está havendo uma experiência de transferên-cia, no tratamento psicanalítico, e quando não está,seria este: a estranheza da situação (que, de certaforma, é o que define o sintoma como tal). Caso, atra-vés das associações do paciente, ficasse provado quehá, além da estranheza, aquilo que Freud chamou defalsa ligação, no caso, a substituição de alguém dopassado do paciente pela figura do médico, então te-ríamos as condições necessárias para afirmar que estáhavendo uma transferência.

De qualquer forma, essas ampliações do con-ceito de transferência que estão sendo cogitadas (aidéia de que o medo de depender do médico e o sen-timento de ser negligenciado pelo médico tambémpoderiam ser considerados como transferências) ocor-rerão apenas em uma etapa posterior do desenvolvi-mento da teoria e da técnica psicanalíticas.

Referências

Freud, S. (1996). As neuropsicoses de defe-sa. Rio de Janeiro: Imago. (Edição Standard Brasi-leira das Obras Psicológicas Completas de SigmundFreud).

Freud, S. (1996). Estudos sobre a histeria.Rio de Janeiro: Imago. (Edição Standard Brasileiradas Obras Psicológicas Completas de SigmundFreud).

Zimerman, D. E. (1999). Fundamentos psi-canalíticos: teoria, técnica e clínica. Porto Alegre:Artmed.

Zimerman, D. E. (2001). Vocabulário Con-temporâneo de Psicanálise. Porto Alegre: Artmed.

O Conceito de Transferência