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    Este um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licena Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuio e reproduo em qualquer meio, sem restries desde que o trabalho original seja corretamente citado.

    Galaxia (So Paulo, online), ISSN 1982-2553, n. 33, set.-dez., 2016, p. 63-76. http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542016227957Galaxia (So Paulo, online), ISSN 1982-2553, n. 33, set.-dez., 2016, p. 49-62. http://dx.doi.org/10.1590/1982-25542016225835

    O conceito de recepo na obra de Eliseo Vern: 1968 2013

    Antnio Fausto Neto

    Resumo: O conceito de recepo atravessa a obra de Eliseo Vern - 1968-2013. Estudos iniciais enfatizam a dimenso temporal para a produo de sentidos, destacando processos que envolvem momentos especficos para definio da significao: o instante em que uma mensagem dita e aquele em que recebida. Tal aspecto tem merecido pouca ateno, mas algo que exigiria, segundo Vern, muito no futuro. O papel dos atores destacado, pois reconstruir gramticas de reconhecimento supe trabalhar com a palavra individual. Descreve-se a pertinncia da noo de gramticas suas incompletudes e diferentes lgicas para a formulao da teoria do reconhecimento, a partir da articulao produo/recepo.

    Palavras-chave: produo/recepo; reconhecimento; interpenetrao.

    Abstract: The concept of reception in Eliseo Verns work: 1968 - 2013 The concept of reception runs through the work of Eliseo Vern - 1968-2013. Initial studies emphasize the dimension of time for the production of meaning. They highlight processes that involve specific moments for the definition of the signification, in which a message is said and received. Little attention has been paid for this aspect, but it is an issue that would demand a lot in the future. The actors role is pointed out, since rebuilding recognition grammars assumes the work with the individual word. The pertinence of the idea of grammars is developed - its deficiencies and different logics - for the formulation of theory of recognition, from the articulation production/reception.

    Keywords: production/reception; recognition; interpenetration.

    Nota introdutria

    O conceito de recepo se elabora na obra sociossemitica de Eliseo Vern

    ao longo de, pelo menos, cinco dcadas. Uma hiptese o acompanha, ou resulta desta

    processualidade a de que a comunicao, qualquer que seja o seu nvel, realiza-se

    em torno de um desequilbrio. Vincula-se ou resulta de observaes sobre objetos, em

    diferentes momentos: nas primeiras entrevistas com pacientes mentais; na elaborao da

    noo de gramticas; na anlise dos discursos jornalsticos, polticos, etc.; no longo ciclo

    do trabalho de campo sobre a situao de recepo, pesquisas na Frana e na Argentina,

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    entre anos 80 e 90; na criao de espaos de estudo (como o CISECO), j nos seus ltimos

    anos de vida. Sua hiptese inaugural prope que produo e recepo no so conjuntos

    idnticos, pois no h coincidncia entre as condies de produo e de reconhecimento

    de um determinado conjunto significante (VERN, 1978). Afasta-se da concepo segundo

    a qual h um trabalho exitoso de transferncia de signos, entre A e B (nomeados como

    emissor e receptor). E prope que, tanto a comunicao interpessoal como a miditica,

    realizam-se em torno de um desajuste entre estes dois nveis, e que as intenes entre

    A e B no se efetivam de modo contnuo e em termos automticos.

    Primeiras elaboraes

    A hiptese acima apontada envolve as condies do trabalho que transforma signos

    em sentidos, chamando ateno para o fato de que todo processo de comunicao est

    atravessado por uma assimetria constitutiva, entre P/R (Produo/Recepo). Os sentidos

    se enunciariam a partir de uma dinmica caracterizada mais por indeterminaes do que

    convergncias. Tal transformao no obedeceria a uma atividade consciencial e nem

    linear, conforme concebida pelo paradigma funcionalista. Gera-se o desequilbrio como

    fonte de complexidade. Esta assimetria se manifestaria em qualquer nvel de comunicao

    e se complexificaria sobretudo no contexto de prticas da comunicao miditica, pelo

    fato de que a presena de novas manifestaes tecno-discursivas aumentariam a distncia

    entre produo e recepo (VERN, 1986). Entretanto, alguns trabalhos empricos

    do autor confirmam a defasagem, esta descontinuidade entre anlise em produo e

    anlise em recepo, bem como a importncia de esforos destinados para os articular

    (VERN, 1985, p.102). A perspectiva da teoria da informao define esta passagem de P/R, como circulao, mas a concebe apenas como uma instncia por onde se efetuaria

    transferncia de signos de emissor/receptor. Vern, porm, v esta instncia dotada de

    um outro modo de existncia, ou seja, como fonte de um trabalho. Acentua a importncia

    do desequilbrio (defasagem) entre P/R, como diferena da relao destes dois polos.

    Esta seria constitutiva de um modelo de circulao, no qual os signos so transformados

    em sentidos, ao passar por um trabalho de dois circuitos produtivos (P/R) que operam

    segundo lgicas e condies distintas, cujos efeitos no seriam conhecidos previamente

    e nem se efetivariam, unilateralmente. Ao lanar a hiptese segundo a qual a assimetria

    um princpio vlido em todos os nveis da comunicao, Vern acrescenta ainda que

    a defasagem entre P/R rene condio necessria para produo dos sentidos na medida

    em que estes se engendrariam no mbito de feixes de relaes discursivas produzidas

    no mbito daqueles dois polos. Trabalha estas questes em seus primeiros estudos de

    anlise de discursos, mas as re-enfatiza anos depois, ao reafirmar convices, segundo

    as quais a produo de sentidos no se faz segundo lgicas de linearidades:

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    Referi-me a esta diferena (entre p/r) no passado em termos de defasagem.

    Limitar-me-ei a recordar agora que razovel postular que esta defasagem entre

    p/r uma propriedade constitutiva, estrutural de toda a comunicao em todos

    os nveis (mais ou menos microscpico ou macroscpico) de seu funcionamento,

    o que faz com que o esquema de comunicao seja assimtrico e irreversvel

    (VERN, 2001, p.130).

    A complexidade da defasagem entre P/R aponta para um modo distinto de ver

    a recepo, tanto na modalidade comunicao meditica como no mbito da comunicao

    face a face; mas em ambas, os contatos entre P/R no ocorrem sem mediao:

    A comunicao humana necessariamente mediada em todos os seus nveis

    desde o micro at o macro, simplesmente porque o sentido s pode circular

    materializado; deste ponto de vista, a comunicao face a face - entre os

    indivduos to mediada como a circulao planetria de uma partida de

    futebol. A diferena crucial que na transmisso da partida de futebol, a semiosis

    humana est mediatizada e a conversao no est. Nenhuma comunicao

    humana direta (por oposio a mediada) mas a midiatizao produz, como

    veremos, importantes alteraes de escala (VERN, 2013, p.148).

    Tanto numa como noutra modalidade, os sentidos somente passam por

    regras e instrues especficas, nomeados como gramticas, cujos efeitos, em vista

    da materializao de sentidos, no podem ser reconhecidos a priori:

    [...] uma gramtica de produo ou gramtica de recepo tem a forma de

    conjuntos complexos de regras que descrevem operaes [...] que permitem

    definir ora as condies de produo, ora os resultados de uma determinada

    leitura (VERN, 2006, p.51).

    Mas as gramticas so incompletas porque so submetidas a articulaes mltiplas,

    que operam segundo lgicas distintas. No podem assegurar efeitos de sentidos apenas

    a partir de suas prprias competncias. Embora sejam tambm fontes de complexidades,

    no podem ser concebidas como pacotes que assegurem, unilateralmente, o xito da

    performance discursiva. Se as gramticas (P/R) esto em relao, no significa que estejam

    situadas em posio de convergncia entre si. J em 1978, no momento seminal do

    seu trabalho de anlise de discurso, pontuava a complexidade da noo de desajuste e

    de acentuadas diferenas entre gramticas:

    [...] no se pode inferir de uma maneira direta e linear, [ os efeitos] das regras de

    reconhecimento (de um discurso), a partir da gramtica de produo. Esta ltima

    define conjuntos de efeitos possveis, mas a questo de saber qual concretamente

    a gramtica de reconhecimento que foi aplicada a um texto em um momento dado,

    permanece inexplicvel apenas pelas regras da produo (VERN, 1978a, p.11).

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    Estas formulaes representam reflexes seminais para o que viria a nomear como

    epistemologia da terceiridade, enquanto outros modos de olhar o funcionamento da recepo.

    Epistemologia da terceiridade

    Apoia-se em conceitos de interlocutores e em diagramas para descrever

    as formulaes de seus achados, visando sistematizar suas hipteses sobre o modelo de

    ternrio de produo de sentido. Particularmente, as obras de Gregori Bateson e Charles

    Sanders Peirce para formular o trabalho de transformao do signo em sentido. A questo

    do desajuste entre P/R aqui reenfatizada, uma vez que ela