o combatente

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___ ___ O pequeno e invocado antinacionalista U ma dupla marcada pelo pioneirismo. Assim como o Münchener Post ficou conhecido por ser a primeira publicação a en- frentar Hitler na imprensa, no começo da década de 20, Silvia Bittencourt se asse- melha com o jornal descrito em A cozinha venenosa - Um jornal contra Hitler por ser a primeira pessoa a investigar a história do diário social-democrata. A autora não se contenta em fazer uma lembrança apenas do período em que o Post teve seus anos de ra- zoável sucesso, mas o revive desde sua criação, em 1886, ao seu exter- mínio, em março de 1933. Os quase cinquenta anos de história do maior rival dos nazistas são descritos muito bem detalhadamente por Sil- via, que explica também o contexto de anos antes da criação do jornal e as influências das teorias social- istas no surgimento do Post. No final do século XIX, haviam pou- cos órgãos da imprensa declarada- mente partidários, e como o poder do Estado não impedia, os políticos aproveitaram para criar suas publicações. O Münchener Post, do Partido So- cial-Democrata (SPD), assim como muitos outros jornais, surgiu nesse mo- mento. Silvia começa o texto com uma brincadeira cronológi- ca. O primeiro capítulo trata da noite em que os nazistas in- vadiram a redação do jornal na pequena rua Altheimer Eck, no centro de Munique. Detalha como o jornalista do Münchener Edmund Goldschag, que traba- lhava no momento, teve que pa- rar de escrever para fugir rapida- mente da ação das tropas de Hitler, que entraram nos três andares do jornal no prédio e destruíram tudo que havia ali. Depois retorna a 1880 para explicar a criação do Post e a partir desse momento retrata a história cronologicamente. Durante os primeiros capítulos, onde as histórias de Hitler e do jor- nal não se cruzam, Silvia conta pou- co da história do garoto austríaco. O principal antagonista da história só é lembrado pela primeira vez na pá- gina 36, que descreve Adolf Hitler como malvestido, sem dinheiro e sem formação quando trabalhava como pintor de cartões-postais em Munique, aos 24 anos. A partir do final da primeira guerra, em 1918, Silvia compara muito bem a história do líder na- zista com a do jornal do SPD, ci- tando, por exemplo, a estadia de Hitler em um hospital em Berlim, recuperan- do-se de uma intoxicação por gás mostarda que sofreu em uma batalha na Bélgica. A leitura do texto em alguns mo- mentos requer bastante atenção, pois chega a ser possível perder-se em meio às dezenas de nomes que são citados, sejam eles líderes políticos, jornalistas, militares ou até mesmo coadjuvantes da história. É bem ver- dade que a grafia dos nomes alemães tam- bém não contribui para a memória, como por exemplo Bürgerkräukeller, nome da cervejaria em que os nazistas tentaram dar o golpe de 1923. Mas por conta das repetições, é fácil identificar os principais nomes da história: Kurt Eisner, político e coolabora- dor do Post, Erhard Auer, editor-re- sponsável do jornal durante 12 anos, e os diversas personalidades nazis- tas, da Ernst Röhm, co-fundador da Sturmabteilung (SA), tropa nazista, e líder militar do NDSAP (Par- tido Nacional-Socialista dos Traba- lhadores Alemães), e claro, Adolf Hitler, chanceler da Alemanha entre 1933 e 1945. Para facilitar ao leitor a lembran- ça dos acontecimentos, o livro conta com a seção Cronologia nas últimas páginas, que relembra os principais tópicos que se envolveram com as história do Post e de Hitler, desde 1848 à 1945. As 308 páginas d’A cozinha venenosa passam impressio- nantemente rápidas porque o tema é contado de forma leve e de simples leitura. Silvia Bittencourt transfor- ma, com sucesso, uma história tensa em um conto intrigante e envolvente. O golpe bêbado que levou Hitler à cadeia O ano era 1923. Era perto das 7h da noite em Munique quando Adolf Hitler saiu de seu aparta- mento vestindo um fraque escuro e uma calça listrada. Tinha planos de voltar pra casa com Munique em mãos. Enquanto isso, a cervejaria Bürgerkräukeller já suportava 3 mil pessoas, segundo relato da polícia. O secretário-geral do estado Gus- tav Ritter von Kahr, nomeado por Eugen Ritter von Knilling, primeiro ministro da Baviera, havia convida- do políticos, empresários, militares, jornalistas alemães e internacio- nais para acompanhar um discurso que pronunciaria na cervejaria. A data, 8 de Novembro, foi escolhida por Kahr por marcar exatos cinco anos da revolução de novembro de 1918, que derrubou a monarquia e estabeleceu a República Alemã em Berlim. Ás oito horas e quarenta e cin- co minutos da noite os homens da suástica cercaram a rua Rosenheim- erstrasse, nº 29 e ocuparam o hall de entrada da cervejaria e todos os acessos do lugar, imepedindo a saída das pessoas presentes. Hitler já hav- ia tomado alguns goles de cerveja quando decidiu agir. Atirou a caneca no chão, caminhou com Gohring, um dos líderes do partido nacional- socialista, pelo salão em direção à Kahr, que falava por mais de meia hora. Quando conseguiu atravessar o salão lotado, o líder nazista subiu numa mesa, deu um tiro em direção ao teto e exclamou: “Acaba de estourar a revolução! O salão está cercado!” Após a decisão surpreendente, Hitler levou o Kahr, Otto von Los- sow, comandante do exército na Baviera e o chefe da polícia bávara Hans von Seisser à um local reser- vado no salão. Depois de ameacar os três integrantes do triunvirato bávaro de morte caso houvesse re- pressão, o líder do NDSAP explicou que queria construir um governo bávaro e nacional, e garantiu que os três continuariam com funções fun- damentais na nova administração. Ás dez e meia, Hitler já havia saído da cervejaria, mas deixara o general Ludendorff para observar os inte- grantes do “triunvirato”, muito ir- ritados. Mais tarde os três pediram permissão para irem embora e su- postamente tomar providências necessárias para a instalação do novo governo. Ludendorff acredi- tou que, por serem dois generais, poderia confiar na palavra dos três. Então, soltou o “triunvirato”, que começou a organizar a resistência ao golpe na mesma noite. Na manhã fria do dia seguinte, os jornais da Baviera praticamente publicaram o que o ex-chefe de polícia Ernst Pohmer mandou. Fritz Gerlich, editor-chefe do Munchner Neueste Nachrichten, maior jornal diário da cidade, já desconfiava sobre a eficácia do movimento da cervejaria, mas foi fiel à gestão de Kahr e saiu das impressões para ser distribuído noticiando o sucesso do golpe. Mais tarde, o conflito finalmente ocorreu. As tropas estaduais da polí- cia se encontraram com Hitler e a multidão nazista que desfilava pela cidade na rua Odeonsplatz com tanques e homens fortemente arma- dos. Os nazistas não tiveram chance nenhuma e foram obrigados a se ren- der. No conflito, vinte pessoas mor- reram. Hitler quase foi uma delas em um tiro que acertou seu guarda costas. O líder do NDSAP teve um leve ferimento no braço. Dezenas de pessoas ficaram feridas e várias pro- priedades foram destruídas e rouba- das. Marcado pelo amadorismo, o golpe de Estado dos nazistas falhou, e no mesmo dia, o “triunvirato” de- cretou a prisão dos líderes do golpe. “O Münchener Post é um arremessador piolhento de lama da Baviera” Acaba de estourar a revolução! O salão está cercado!Cervejarias alemãs eram palco de debates políticos e discursos Hitleristas O caso mais polêmico do jornal aconteceu em abril e junho de 1931 - dois anos an- tes de Hitler tomar o poder na Alemanha. Em abril, o jornal do SPD apenas mencionou a homossexualidade de Ernst Röhm, líder da SA. Como não houve reação do partido nazis- ta, o jornal resolveu publicar, em junho, uma carta que re- cebeu de Elise Hergt. A carta, escrita pelo o noivo de Elise, Eduard Meyer, conselheiro ju- rídico ligado ao NSDAP, con- firmava a homossexualidade de Röhm e chantageava o membro do partido de Hitler. O jornal antissemita Völkischer Beobachter atacou o Post, que entrou na justiça. O maior paradoxo do polêmi- co caso era o fato de o jornal defender a posição da social- democracia de ser a favor da descriminalização do homos- sexualismo, que era proibido na época. Hoje em dia, prédio do Post abriga escritórios Sensacionalismo era comum no jornal democrata Jornal social-democrata foi o primeiro a enfrentar Hitler no começo do século passado - Adolf Hitler _____________ O COMBATENTe Florianópolis, 12 de Junho de 2014 Edição 1- Ano 1 Primeiro texto contra o líder nazista foi publicado em 1921 com o título: “Adolf Hitler, traidor?” Foto: Heinrich Hoffmann Post circulava à tarde Foto: Arquivo da cidade de Munique ___ Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina Edição Professor: Ricardo Barreto Edição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Nicolas Quadro Colaboração: Marina Gonçalves, João Vitor Roberge Serviços Editoriais: Folha de São Paulo Impressão: Postmix Soluções Gráficas Junho de 2014

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Jornal-mural projeto da disciplina de Edição, do curso de Jornalismo da UFSC

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Page 1: O Combatente

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O pequeno e invocado antinacionalista

Uma dupla marcada pelo pioneirismo. Assim como o Münchener

Post ficou conhecido por ser a primeira publicação a en-frentar Hitler na imprensa, no começo da década de 20, Silvia Bittencourt se asse-melha com o jornal descrito em A cozinha venenosa - Um jornal contra Hitler por ser a primeira pessoa a investigar a história do diário social-democrata. A autora não se contenta em fazer uma lembrança apenas do período em que o Post teve seus anos de ra-zoável sucesso, mas o revive desde sua criação, em 1886, ao seu exter-mínio, em março de 1933. Os quase cinquenta anos de história do maior rival dos nazistas são descritos muito bem detalhadamente por Sil-via, que explica também o contexto de anos antes da criação do jornal e as influências das teorias social-istas no surgimento do Post. No final do século XIX, haviam pou-cos órgãos da imprensa declarada-mente partidários, e como o poder do Estado não impedia, os políticos

a p r o v e i t a r a m para criar suas publicações. O Münchener Post, do Partido So-cial-Democrata (SPD), assim como muitos outros jornais, surgiu nesse mo-mento.

S i l v i a começa o texto

com uma brincadeira cronológi-ca. O primeiro capítulo trata da noite em que os nazistas in-vadiram a redação do jornal na pequena rua Altheimer Eck, no centro de Munique. Detalha como o jornalista do Münchener Edmund Goldschag, que traba-lhava no momento, teve que pa-rar de escrever para fugir rapida-mente da ação das tropas de Hitler, que entraram nos três andares do jornal no prédio e destruíram tudo que havia ali. Depois retorna a 1880 para explicar a criação do Post e a partir desse momento retrata a história cronologicamente.

Durante os primeiros capítulos, onde as histórias de Hitler e do jor-

nal não se cruzam, Silvia conta pou-co da história do garoto austríaco. O principal antagonista da história só é lembrado pela primeira vez na pá-gina 36, que descreve Adolf Hitler como malvestido, sem dinheiro e sem formação quando trabalhava como pintor de cartões-postais em Munique, aos 24 anos. A partir do final da primeira guerra, em 1918, Silvia compara muito bem a história

do líder na-zista com a do jornal do SPD, ci- tando, por exemplo, a estadia de Hitler em um hospital em Berlim, recuperan-do-se de uma

intoxicação por gás mostarda que sofreu em uma batalha na Bélgica.

A leitura do texto em alguns mo-mentos requer bastante atenção, pois chega a ser possível perder-se em meio às dezenas de nomes que são citados, sejam eles líderes políticos, jornalistas, militares ou até mesmo coadjuvantes da história. É bem ver-

dade que a grafia dos nomes alemães tam-bém não contribui para a memória, como por exemplo Bürgerkräukeller, nome da cervejaria em que os nazistas tentaram dar o golpe de 1923. Mas por conta das repetições, é fácil identificar os principais nomes da história: Kurt Eisner, político e coolabora-dor do Post, Erhard Auer, editor-re-sponsável do jornal durante 12 anos, e os diversas personalidades nazis-tas, da Ernst Röhm, co-fundador da Sturmabteilung (SA), tropa nazista, e líder militar do NDSAP (Par-

tido Nacional-Socialista dos Traba-lhadores Alemães), e claro, Adolf Hitler, chanceler da Alemanha entre 1933 e 1945.

Para facilitar ao leitor a lembran-ça dos acontecimentos, o livro conta com a seção Cronologia nas últimas páginas, que relembra os principais tópicos que se envolveram com as história do Post e de Hitler, desde 1848 à 1945. As 308 páginas d’A cozinha venenosa passam impressio-nantemente rápidas porque o tema é contado de forma leve e de simples leitura. Silvia Bittencourt transfor-ma, com sucesso, uma história tensa em um conto intrigante e envolvente.

O golpe bêbado que levou Hitler à cadeiaO ano era 1923. Era perto das

7h da noite em Munique quando Adolf Hitler saiu de seu aparta-mento vestindo um fraque escuro e uma calça listrada. Tinha planos de voltar pra casa com Munique em mãos. Enquanto isso, a cervejaria Bürgerkräukeller já suportava 3 mil pessoas, segundo relato da polícia. O secretário-geral do estado Gus-tav Ritter von Kahr, nomeado por Eugen Ritter von Knilling, primeiro ministro da Baviera, havia convida-do políticos, empresários, militares, jornalistas alemães e internacio- nais para acompanhar um discurso que pronunciaria na cervejaria. A data, 8 de Novembro, foi escolhida por Kahr por marcar exatos cinco anos da revolução de novembro de 1918, que derrubou a monarquia e estabeleceu a República Alemã em Berlim.

Ás oito horas e quarenta e cin-co minutos da noite os homens da suástica cercaram a rua Rosenheim-erstrasse, nº 29 e ocuparam o hall de entrada da cervejaria e todos os acessos do lugar, imepedindo a saída das pessoas presentes. Hitler já hav-ia tomado alguns goles de cerveja quando decidiu agir. Atirou a caneca no chão, caminhou com Gohring,

um dos líderes do partido nacional-socialista, pelo salão em direção à Kahr, que falava por mais de meia hora. Quando conseguiu atravessar o salão lotado, o líder nazista subiu numa mesa, deu um tiro em direção ao teto e exclamou:

“Acaba de estourar a revolução! O salão está cercado!”

Após a decisão surpreendente, Hitler levou o Kahr, Otto von Los-sow, comandante do exército na Baviera e o chefe da polícia bávara Hans von Seisser à um local reser-vado no salão. Depois de ameacar os três integrantes do triunvirato bávaro de morte caso houvesse re-pressão, o líder do NDSAP explicou que queria construir um governo bávaro e nacional, e garantiu que os

três continuariam com funções fun-damentais na nova administração. Ás dez e meia, Hitler já havia saído da cervejaria, mas deixara o general Ludendorff para observar os inte-grantes do “triunvirato”, muito ir-ritados. Mais tarde os três pediram permissão para irem embora e su-postamente tomar providências necessárias para a instalação do novo governo. Ludendorff acredi-tou que, por serem dois generais, poderia confiar na palavra dos três. Então, soltou o “triunvirato”, que

começou a organizar a resistência ao golpe na mesma noite.

Na manhã fria do dia seguinte, os jornais da Baviera praticamente publicaram o que o ex-chefe de polícia Ernst Pohmer mandou. Fritz Gerlich, editor-chefe do Munchner Neueste Nachrichten, maior jornal diário da cidade, já desconfiava sobre a eficácia do movimento da cervejaria, mas foi fiel à gestão de Kahr e saiu das impressões para ser distribuído noticiando o sucesso do golpe.

Mais tarde, o conflito finalmente ocorreu. As tropas estaduais da polí-cia se encontraram com Hitler e a multidão nazista que desfilava pela cidade na rua Odeonsplatz com tanques e homens fortemente arma-dos. Os nazistas não tiveram chance nenhuma e foram obrigados a se ren-der. No conflito, vinte pessoas mor-reram. Hitler quase foi uma delas em um tiro que acertou seu guarda costas. O líder do NDSAP teve um leve ferimento no braço. Dezenas de pessoas ficaram feridas e várias pro-priedades foram destruídas e rouba-das. Marcado pelo amadorismo, o golpe de Estado dos nazistas falhou, e no mesmo dia, o “triunvirato” de-cretou a prisão dos líderes do golpe.

“O Münchener Post é um arremessador piolhento de lama da Baviera”

“Acaba de estourar a revolução! O salão está cercado!”

Cervejarias alemãs eram palco de debates políticos e discursos Hitleristas

O caso mais polêmico do jornal aconteceu em abril e junho de 1931 - dois anos an-tes de Hitler tomar o poder na Alemanha. Em abril, o jornal do SPD apenas mencionou a homossexualidade de Ernst Röhm, líder da SA. Como não houve reação do partido nazis-ta, o jornal resolveu publicar, em junho, uma carta que re-cebeu de Elise Hergt. A carta, escrita pelo o noivo de Elise, Eduard Meyer, conselheiro ju-rídico ligado ao NSDAP, con-firmava a homossexualidade de Röhm e chantageava o membro do partido de Hitler.

O jornal antissemita Völkischer Beobachter atacou o Post, que entrou na justiça. O maior paradoxo do polêmi-co caso era o fato de o jornal defender a posição da social-democracia de ser a favor da descriminalização do homos- sexualismo, que era proibido na época.

Hoje em dia, prédio do Post abriga escritórios

Sensacionalismoera comum nojornal democrata

Jornal social-democrata foi o primeiro a enfrentar Hitler no começo do século passado

- Adolf Hitler

_____________O COMBATENTe

Florianópolis, 12 de Junho de 2014 Edição 1- Ano 1

Primeiro texto contrao líder nazista foi publicado em 1921 com o título: “Adolf Hitler, traidor?”

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Post circulava à tarde

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___Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina EdiçãoProfessor: Ricardo BarretoEdição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Nicolas QuadroColaboração: Marina Gonçalves, João VitorRobergeServiços Editoriais: Folha de São PauloImpressão: Postmix Soluções Gráficas Junho de 2014

Page 2: O Combatente

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Escritora relembra luta de jornal democrata

Silvia Bitttencourt é jor-nalista e coolaboradora da Folha de São Paulo. A paulistana mora na Ale-manha desde 1991, e at-

ualmente é docente do Laboratório de Línguas da Universidade de Heidelberg, uma pequena cidade do estado de Baden-Württemberg, com aproximadamente 140 mil habi-dantes. Silvia estudou vários anos de história em Colônia, na Alemanha, e o interesse pelos fascinantes con-tos do Münchener Post surgiu com influência do diretor de redação da Folha de São Paulo. Otávio Frias leu o livro para entender Hitler do jor-nalista americano Ron Rosenbaun e o indicou para a jornalista, que ad-quiriu muito interesse pela história. Em entrevista para O Combatente, Silvia Bittencourt conta um pouco mais sobre a influência que o Post tinha na Baviera, e os problemas econômicos que ajudaram a ascen-ção de Hitler e do partido nacional-socialista.O Combatente - Por que na Ale-manha ninguém se interessou tanto pela história do Post?Silvia Bittencourt - Em geral, as editoras alemãs não se interessam muito pelo tema “história da imp-

rensa” Muitos não dão valor à luta do jornal contra Hitler, por se tratar de uma publicação pequena e, fre-quentemente, com tendências ao sen-sacionalismo. Já na minha opinão, é esta impetuosidade do Post, esta fixação em impedir a ascensão de Hitler a qualquer custo, que faz sua história tão interessante.O Combatente - O jornal perdia um pouco de credibilidade por ser declaradamente partidário?S. B. - Certamente por ser uma publicação de esquerda, extrema-

mente ideológica, dentro de um Es-tado conservador, o Post limitou seu campo de ação. E sem dúvida

algumas de suas campanhas sen-s a c i o n a l i s t a s , como a voltada contra o chefe da SA, Ernst Rohm, não contribuíram

para a sua credibilidade. O Combatente - Ataques da SA contra jornalistas e contra o jornal em si eram comuns. Mesmo assim, editores e redatores sempre se esfor-çavam pra colocar o Post em circu-lação logo no dia seguinte. Porque?

S.B - Nos últimos anos do Post, der-rubar Hitler tornou-se o principal objetivo do jornal, sempre fiel aos ideais da social-democracia. Desde os primeiros anos o Post reconheceu os perigos que Hitler representava à fragilizada democracia alemã. É in-crível a coragem de seus redatores em continuar sua campanha nas semanas seguintes à ascensão de Hitler, quando a perseguição já era violenta. O Combatente - Por que mesmo depois de um tempo afastado na prisão e proibido de discursar publi-camente Hitler conseguiu voltar tão forte quanto antes?S.B. - Na sua biografia de Hitler, o historiador Joachim Fest chamou a segunda metade da década de 20 de “anos de espera”. O país viveu ali um período de relativa estabi-lidade econômica, fazendo com que os alemães não se interessassem tanto por partidos radicais. Depois do Golpe da Cervejaria, em 1923, Hitler teve que esperar seis anos até ver sua popularidade aumentar. Isto só aconteceu depois da crise de 1929. Citando mais um historiador, Ian Kershaw, crises serviam como “oxigênio” para o líder nazista e o partido nacionalista.

Gangorra econômica marcou os anos 20

A Alemanha passou por perío-dos estáveis e completamente turbu-lentos na segunda década do século XX. Em 1923 a crise econômica, ainda influenciada pelo pós-guerra, deixou o país numa situação caóti-ca. Em minutos, o valor do marco (moeda alemã) diminuía e os preços das mercadorias aumentava. Uma passagem de bonde, por exemplo, custava 50 marcos em janeiro, e depois da inflação, passou a custar 1.000 marcos em julho e 150 bilhões em no-vembro. Uma caneca de cerveja chegava a valer 190 bilhões de marcos no auge da inflação. As poupan-ças se desfaziam, e os idosos eram a camada mais atin-gida da população. Por conta disso, o país registrou altíssimas taxas de suicídio nessa época.

Os jornais, que também eram afetados com a inflação, passaram a destacar a crise nas manchetes de suas edições. Um ano depois, o Post

e a Alemanha viveram períodos cal-mos na economia. Após a prisão dos líderes nazista no golpe da cervejar-ia, a Alemanha conseguiu se estabi-lizar até 1929.

O crash da bolsa de Nova York afetou a Alemanha de forma muito efetiva. Com a queda dos valores das ações, a Alemanha sofreu por conta da dependência dos emprésti-mos do exterior, em sua maioria dos

Estados Unidos. A partir desse momen-to, as regiões urbanas e rurais começaram a ser afetadas. Nas metrópoles, o índice de desemprego cres-ceu exponencial-mente, e no campo, os agricultores que dependiam do mer-cado das cidades fi-

caram sem abastecimento. Quando a recessão chegou ao seu auge em 1932, a República de Weimar per-dera toda sua credibilidade junto à população alemã, fator que facilitou a ascensão de Hitler e do partido nacional-socialista.

Outro obstáculo no caminho da publicação social-democrata foi a justiça de Munique. Muitos con-flitos do Post com os nazistas que acabaram no tribunal foram venci-dos pelos homens da suástica por conta da simpatia e dos acordos que os representantes do judiciário e do governo alemão tinham com os par-tidos da direita. A polícia germânica também entrou em conflito várias vezes com o jornal. Em outubro de 1922 a Alemanha ainda sofria com as consequências da guerra e do Tratado de Versalhes, e os gru-pos nacionalistas cresciam de forma alarmante. A ameça de um golpe dos partidos de direita era iminente.

Em mais uma crítica ao NDSAP,

o Post publicou um texto sobre depósitos ilegais de armas mantidos pelos nazistas na Francônia. a polí-cia, em resposta, entrou no prédio na Altheimer Eck e ocupou o lu-gar, fazendo buscas e apreendendo documentos. Outro caso aconteceu após a tentativa de golpe em 1923. Após a prisão de Hitler, o jornal democrata mal conseguiu comemo-rar. Quatro dias após a destruição da redação na noite do golpe, o Post foi proibido de circular pelo primei-ro ministro Von Kahr. Foi a ter-ceira proibição do jornal em quatro meses e deixou a publicação em uma grave crise financeira.

Judiciário alemão prejudicouPost com apoio aos nazistas

Silvia Bittencourt publicou A cozinha venenosa em julho do ano passado

Insistência em ataques à Hitler despertou interesse de Silvia Bittencourt

“Em Munique, todos conheciam o Post, mas poucos o levavam a sério”

Desde os primeiros tex-tos em que criticou o antis-semitismo de Adolf Hitler até o episódio final do jornal na noite de 9 de março de 1933, o Münchener Post passou por diversos momentos turbulen-tos. Mas os conflitos entre o Post e os nazistas se intensi-ficaram a partir da década de 20. O primeiro grande ataque aconteceu em 1919. No dia 21 de fevereiro, Kurt Eisner, coolaborador do Post e so-cial-democrata se preparava para fazer seu discurso de renúncia do cargo de secre-tário-geral da Baviera, quan-do foi atingido por dois tiros nas costas e morreu imediata-mente. No mesmo dia, Erhard Auer, social-democrata que viria a ser editor-responsável do jornal em 1921 também foi alvo de um atentado, e por pouco não morreu, ficando dias inconsciente.

Na noite do episódio da Cervejaria, o Post voltou a ser atacado. Às onze horas da noite, os nazistas invadiram o prédio na rua Altheimer Eck e destruíram a redação do Münchener. As salas de redação e administração, a secretaria e o escritório de Auer e foram completamente destruídos e os objetos que haviam no Post despedaça-dos. Além de queimar papeis e documentos, os nazistas rasgaram quadros de líderes da social-democracia.

O episódio da destruição do Munchener Post ocorreu semanas após Hitler tomar poder na Alemanha. Durante aquela noite, os nazistas lan-çaram os móveis e as cadeiras das redações pelas janelas, destruíram os barris de tinta de impressão e colocaram barras de ferro nas engrena-gens das prensas rotativas, para que nunca mais o jornal do SPD pudesse denunciar o partido do chanceler alemão. Terminava ali quase cinquen-ta anos de história do jornal social-democrata.

Ataques contraredação do Posteram comuns

Durante seu poder na Alemanha, Hitler comandou mais de 5 milhões

de mortes

Invasões nazistas destruíram redação do Post e impediram publicações

Em um ano, a assinatura do Post passou de 24 marcos à 6 bilhões

_____________O COMBATENTe

Florianópolis, 12 de Junho de 2014 Edição 1- Ano 1

“Crises serviam como “oxigênio” para Hitler.”

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___Curso de Jornalismo da UFSC Atividade da disciplina EdiçãoProfessor: Ricardo BarretoEdição, textos, planejamento e editoração eletrônica: Nicolas QuadroColaboração: Marina Gonçalves, João VitorRobergeServiços Editoriais: Folha de São PauloImpressão: Postmix Soluções Gráficas Junho de 2014

- Silvia Bittencourt