o cinema nas aulas de geografia

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1 2 UM OLHAR GEOGRáFICO SOBRE FILMES E DOCUMENTáRIOS: O CINEMA NAS AULAS DE GEOGRAFIA Hanilton Ribeiro de Souza 1 SEC/BA – UNEB [email protected] Introdução Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome. Cores de Almodóvar. Cores de Frida Kahlo, cores. Passeio pelo escuro. Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve. E como uma segunda pele, um calo, uma casca. Uma cápsula protetora. Eu quero chegar antes. Pra sinalizar o estar de cada coisa. Filtrar seus graus. (Esquadros - Adriana Calcanhoto) O nosso cotidiano está repleto de imagens e sons que transmitem mensagens di- versas e que necessitamos decifrar para uma melhor compreensão da realidade. A cantora/ compositora Adriana Calcanhoto enfatiza esta necessidade na música Esquadros, quando destaca que precisamos apreender cores, formas e sons que o mundo nos transmite, a fim de que possamos sinalizar o estar de cada coisa, filtrar seus graus, ou seja, para que compreendamos a realidade que se impõe, e que se configura de forma complexa, confusa, efêmera e, sobretudo, contraditória. A definição de Santos (2000:17) para esse momento que estamos vivendo, leva-nos a descobrir o quanto estamos desorientados e atônitos em relação à realidade que se impõe: “vivemos num mundo confuso e confusamente percebido”. Sendo assim, qual seria o papel da ciência geográfica nesse processo? De que forma o ensino de Geografia poderia subsidiar os discentes numa análise mais profunda e crítica da realidade atual, principalmente da so- ciedade midiática? Cremos que um dos caminhos é a incorporação propositiva dos elementos mi- diáticos nas aulas de Geografia, a fim de proporcionar a leitura autônoma, consciente e transformadora do mundo atual a partir da decodificação e articulação das mensagens, 1. Mestre em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional. Professor de Geografia do Colégio Estadual Poliva- lente de Castro Alves – Bahia (SEC/BA) e Professor Assistente de Estágio Supervisionado em Geografia da UNEB DCH Campus V (Santo Antonio de Jesus/BA). códigos e linguagens que tais elementos carregam. Sabemos que tal incorporação dos re- cursos midiáticos – novas tecnologias –, pela Geografia e pela Educação nada mais seria do que trazer este mundo digital para a sala de aula/escola, tendo em vista que o fazer pedagógico de muitas unidades escolares ainda se situa distante da realidade dos nossos alunos e da sociedade de modo geral. A revolução tecnológica em curso destinou à informação um lugar estratégico, e os agru- pamentos sociais que não souberem manipular, reunir, desagregar, processar e analisar informações ficarão distantes da produção do conhecimento, estagnados ou vendo agravar-se sua condição de miséria. (SILVEIRA, 2003 apud PONTUSCHKA, 2007:262) Nesse sentido, a escola é responsável pelo acesso à informação e ao conhecimento, além de promover o reconhecimento da importância e do uso das novas tecnologias. Ademais, é fundamental preparar o aluno para desenvolver o senso crítico necessário para que possa selecionar e utilizar as informações e não perder-se no “dilúvio informacional” das redes de comunicação. (PONTUSCHKA, 2007:263) Sabemos que a revolução tecnológica dinamizou e popularizou o acesso aos meios de comunicação, fazendo com que as informações circulassem pelo globo de forma mais rápida e intensa. Vivemos a chamada sociedade da informação e somos bombardeados diariamente por uma diversidade de códigos e linguagens, sobretudo comunicações vi- suais, que carregam embutidas de forma explícita ou subliminar mensagens ideológicas diversas. Diante de tudo isso, é preciso que ampliemos a capacidade de decodificação de tais informações e mensagens para uma leitura mais crítica do mundo, para descobrimos o nosso verdadeiro papel nesse processo: FIGURA 1 In: Quino. 10 Anos com Mafalda, 2010.

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Teorias e práticas de ensino

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Page 1: O cinema nas aulas de geografia

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Um olhar geográfico sobre filmes e docUmentários: o cinema nas aUlas de geografia

Hanilton Ribeiro de Souza1

SEC/BA – [email protected]

Introdução

Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome. Cores de Almodóvar. Cores de Frida Kahlo, cores. Passeio pelo escuro. Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve. E como uma segunda pele, um calo, uma casca. Uma cápsula protetora. Eu quero chegar antes. Pra sinalizar o estar de cada coisa. Filtrar seus graus. (Esquadros - Adriana Calcanhoto)

O nosso cotidiano está repleto de imagens e sons que transmitem mensagens di-versas e que necessitamos decifrar para uma melhor compreensão da realidade. A cantora/compositora Adriana Calcanhoto enfatiza esta necessidade na música Esquadros, quando destaca que precisamos apreender cores, formas e sons que o mundo nos transmite, a fim de que possamos sinalizar o estar de cada coisa, filtrar seus graus, ou seja, para que compreendamos a realidade que se impõe, e que se configura de forma complexa, confusa, efêmera e, sobretudo, contraditória.

A definição de Santos (2000:17) para esse momento que estamos vivendo, leva-nos a descobrir o quanto estamos desorientados e atônitos em relação à realidade que se impõe: “vivemos num mundo confuso e confusamente percebido”. Sendo assim, qual seria o papel da ciência geográfica nesse processo? De que forma o ensino de Geografia poderia subsidiar os discentes numa análise mais profunda e crítica da realidade atual, principalmente da so-ciedade midiática?

Cremos que um dos caminhos é a incorporação propositiva dos elementos mi-diáticos nas aulas de Geografia, a fim de proporcionar a leitura autônoma, consciente e transformadora do mundo atual a partir da decodificação e articulação das mensagens,

1. Mestre em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional. Professor de Geografia do Colégio Estadual Poliva-lente de Castro Alves – Bahia (SEC/BA) e Professor Assistente de Estágio Supervisionado em Geografia da UNEB DCH Campus V (Santo Antonio de Jesus/BA).

códigos e linguagens que tais elementos carregam. Sabemos que tal incorporação dos re-cursos midiáticos – novas tecnologias –, pela Geografia e pela Educação nada mais seria do que trazer este mundo digital para a sala de aula/escola, tendo em vista que o fazer pedagógico de muitas unidades escolares ainda se situa distante da realidade dos nossos alunos e da sociedade de modo geral.

A revolução tecnológica em curso destinou à informação um lugar estratégico, e os agru-pamentos sociais que não souberem manipular, reunir, desagregar, processar e analisar informações ficarão distantes da produção do conhecimento, estagnados ou vendo agravar-se sua condição de miséria. (SILVEIRA, 2003 apud PONTUSCHKA, 2007:262)

Nesse sentido, a escola é responsável pelo acesso à informação e ao conhecimento, além de promover o reconhecimento da importância e do uso das novas tecnologias. Ademais, é fundamental preparar o aluno para desenvolver o senso crítico necessário para que possa selecionar e utilizar as informações e não perder-se no “dilúvio informacional” das redes de comunicação. (PONTUSCHKA, 2007:263)

Sabemos que a revolução tecnológica dinamizou e popularizou o acesso aos meios de comunicação, fazendo com que as informações circulassem pelo globo de forma mais rápida e intensa. Vivemos a chamada sociedade da informação e somos bombardeados diariamente por uma diversidade de códigos e linguagens, sobretudo comunicações vi-suais, que carregam embutidas de forma explícita ou subliminar mensagens ideológicas diversas. Diante de tudo isso, é preciso que ampliemos a capacidade de decodificação de tais informações e mensagens para uma leitura mais crítica do mundo, para descobrimos o nosso verdadeiro papel nesse processo:

FIGURA 1

In: Quino. 10 Anos com Mafalda, 2010.

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Nesta direção, Pontuscka enfatiza o seguinte:

No mundo atual, é possível identificar ampla diversidade de linguagens num contexto marcado por uma infinidade de informações. A sociedade é cada vez mais uma sociedade da informação, fruto da revolução tecnológica responsável pela rapidez cada vez maior dos meios de comunicação. Entretanto, pode-se dizer que tal situação não tem garantido a inserção crítica dos indivíduos na sociedade, uma vez que, via de regra, as informações são descontextualizadas e fragmentadas, além de inúmeras e distantes, o que dificulta o estab-elecimento de relações entre elas e não permite considerá-las na categoria de conhecimento (PONTUSCKA ET AL, 2007:261)

Ainda discutindo a questão do poder das mídias e da necessidade de construção de uma postura mais crítica, os PCN’s destacam:

Pela imagem, a mídia traz à tona valores a serem incorporados e posturas a serem adotadas. Retrata, por meio da paisagem, as contradições em que se vive, confundindo no imaginário aquela que é real e a que se deseja como ideal; toma para si a tarefa de impor e inculcar um modelo de mundo, de reproduzir o cotidiano por meio da imagem massificante repetida pelo bombardeamento publicitário, sobrepondo-se às percepções e interpretações subje-tivas e/ou singular por outras padronizadas e pretensamente universais”. (PCNs, 1999:112)

Neste mundo regido pela mídia, também intitulado de sociedade midiática ou imagética, sabemos que tais produções influenciam na nossa capacidade de percepção, análise e, consequentemente, de transformação do espaço geográfico, pois as informações nem sempre são traduzidas em conhecimento, devido a pouca profundidade conceitual com que são tratadas, bem como pela prévia seleção/censura feita pelos diversos meios de comunicação. Sendo assim, a escola e a academia devem também se apropriar de tais recursos midiáticos para que possamos melhor preparar nossos discentes para uma leitura mais crítica e cidadã do mundo, a partir das imagens, sons, códigos e mensagens produzidas pelas mídias. Castellar e Vilhena destacam:

As produções midiáticas impregnam o cotidiano, influenciam nossa percepção de espaço e tempo, os dados do nosso conhecimento e nossa visão de mundo. Elas modificam a nossa relação com o real. Esse envolvimento influencia as reflexões e os comportamentos, os modos de pensar e a aquisição de conhecimento. Essas situações do cotidiano influenciam a dinâmica da escola e, consequentemente, da sala de aula, impondo outros ritmos e concep-ções do papel da escola e do professor (...) Se o objetivo das aulas, entre outros, é ampliar a capacidade crítica do aluno, é preciso propor situações em que ele possa confrontar idéias, questionar os fatos com argumentação e, ao mesmo tempo, facilitar-lhe o acesso aos vários gêneros de textos e de linguagens. (CASTELLAR & VILHENA, 2009:65-66)

Seguindo a mesma direção de Castellar e Vilhena sobre a questão do papel ideo-lógico das produções imagéticas sobre a sociedade, o cartunista Ziraldo, leva-nos também a refletir sobre tal situação na figura abaixo:

FIGURA 2

Já discutimos que tais produções midiáticas, tanto da televisão quanto do cinema e internet, carregam ideologias contidas nas suas mensagens, imagens e sons. Porém, também é preciso destacar que nós, professores, podemos e devemos utilizar tais linguagens para fomentar nos nossos discentes uma leitura mais crítica e autônoma da realidade, contri-buindo assim para um debate sobre cultura, sociedade, política, economia e meio ambiente nas aulas de Geografia. Pontuscka et al (2007:280), destaca que “para nós, geógrafos e professores de Geografia, o filme tem importância porque pode servir de mediação para o desenvolvimento das noções de tempo e de espaço na abordagem dos problemas sociais, econômicos e políticos”:

FIGURA 3

Nesse sentido, concebemos que a utilização de produções imagéticas (cinema, televisão e internet) nas aulas de Geografia pode proporcionar um diálogo entre o mundo

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real e o representado pelas mídias, auxiliando alunos e professores na reflexão sobre os conhecimentos geográficos e a sua utilização para compreensão e transformação da reali-dade. Nessa perspectiva, Pontuscka também salienta que:

As imagens sonorizadas do cinema também podem lidar com espaços e tempos diferentes. Mesmo os filmes comerciais podem trazer elementos para a reflexão pedagógica, permitindo ao professor – em nosso caso, o de Geografia – realizar uma análise crítica do filme como arte e como linguagem rica de conteúdos que, embora sejam ficcionais, podem ter-se espelhado em fatos reais ou na vasta literatura disponível (...) Portanto, torna-se imprescindível que os filmes penetrem no currículo das escolas superiores, formadoras de professores, e também nas escolas de ensino fundamental e médio, que precisam desenvolver o espírito crítico e não aceitar tudo o que aparece no cinema como verdade ou como real. (PONTUSCKA ET AL, 2007: 281-282).

Temos conhecimento de que inúmeros professores e graduandos de Geografia já utilizam filmes e documentários como recursos didáticos nas suas aulas, servindo não apenas para dinamizá-las, mas, sobretudo, proporcionando uma apropriação da ficção para a discussão do real. Porém, é preciso destacar a importância de se conhecer tais materiais e as múltiplas linguagens que eles carregam, além de planejar cuidadosamente o seu uso, buscando assim a sua utilização para construção e ampliação do conhecimento geográfico, mas sem se deixar dominar e nem concebendo que tal recurso possa se tornar o salvador das nossas aulas, pois recursos e técnicas de ensino isoladamente não determinam o sucesso ou o fracasso do processo ensino-aprendizagem:

A linguagem do cinema é uma produção cultural que pode ser utilizada em sala de aula a fim de abrir cada vez mais horizontes intelectuais para a análise do mundo, necessária à formação da criança e do jovem. Para tanto, os professores precisam conhecer minimamente essa linguagem, que é muito rica porque integra imagens em movimento: a expressão oral e corporal, a cor, e tudo temperado pelas trilhas musicais. A linguagem cinematográfica é, com efeito, a integração de múltiplas linguagens. (PONTUSCHKA, 2007:279)

Nas reflexões sobre o espaço geográfico veiculado pela mídia, as categorias de análise da Geografia devem se sobrepor à linguagem das mídia. Agindo dessa forma, o professor ampliará as possibilidades de uso do material midiático servindo-se do mesmo sem ser por ele dominado. É necessário estar atento à força, e conhecê-la, do texto midiático que é construído e organizado para conquistar o leitor; seja na imprensa escrita ou televisada a linguagem é atraente, pois a emoção é utilizada como suporte. (LEÃO & LEÃO, 2008:40)

No mundo atual, concebemos também que a escola não é mais o único espaço educativo da sociedade, porém, como afirma Assmann (2003), ela não pode renunciar a ser aquela instância educacional que tem o papel peculiar de criar conscientemente expe-riências de aprendizagem. Sendo assim, ainda segundo Assmann (2003:29), “o ambiente pedagógico tem de ser lugar de fascinação e inventividade. Não inibir, mas propiciar aquela

dose de alucinação consensual entusiástica requerida para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos”.

Concebemos ainda que uma das maneiras de aliarmos todos os sentidos para a produção do conhecimento é através da inserção de novas tecnologias em sala de aula, inclusive com a inclusão da sétima arte - filmes e documentários - nas aulas de Geografia, como forma analisar, refletir e criticar a realidade a partir da ficção contida nesses produtos imagéticos. Agindo dessa forma, estamos - academia/escola - como ambientes de apren-dizagem, criando novas experiências de ensino, estimulando a curiosidade, inventividade e a ludicidade em nossos discentes, mas sem perder a cientificidade.

Enfim, num mundo confuso e contraditório, onde a sociedade e a educação passam por momentos de desilusão e desencanto, é imprescindível que nós, professores de Geo-grafia, utilizemos outras linguagens para contextualizar e ressignificar os conhecimentos geográficos. Kaercher (2003:34), nos diz que “sem poesia a razão se petrifica, os homens viram objeto de estudo e nada novo se cria, somente... novos... conhecimentos. E não pa-rece que seja falta de conhecimento o problema de nossa civilização ocidental, tecnicista e industrial”.

Nessa direção, concebemos que a sétima arte possa ser uma das alternativas para reencantarmos o ensino da Geografia e a Educação, pois, como afirma Barbosa (1999:131 apud Pontuscka et al, 2007:283), “o diálogo da Geografia com o cinema é um vir-a-ser, capaz de contribuir para superar a nossa condição de meros objetos das representações. E assim fazer as nossas salas de aula lugares de invenção de novas e mais generosas utopias”.

O cinema nas aulas de geografia

Num mundo diverso, dinâmico e também confuso, torna-se imprescindível que a escola e a Geografia se apropriem de novas linguagens, tecnologias e recursos, a fim de criar um ensino mais contextualizado, ressignificado e, acima de tudo, formador de autonomia, curiosidade e criticidade. Sendo assim, fora nesse sentido que propomos ao NUPE (Nú-cleo de Pesquisa e Extensão) da UNEB (Universidade do Estado da Bahia), DCH Campus V (Santo Antonio de Jesus/BA), o referido projeto de extensão, o qual busca a análise e catalogação filmes e documentários, a partir dos conhecimentos/conteúdos geográficos contidos em tais produções, ou seja, um olhar geográfico sobre filmes e documentários, a fim de formar um banco de dados para auxiliar os docentes da área e, especialmente, os discentes do Curso de Geografia nas suas aulas durante o estágio e também na sua carreira profissional, pois concebemos que a utilização das múltiplas linguagens contidas nessas produções imagéticas pode contribuir para a ampliação dos horizontes de análise do espaço geográfico.

O projeto de extensão também objetiva discutir o papel das novas/outras mídias em sala de aula, bem como refletir sobre a utilização adequada das produções imagéticas por professores e estagiários nas aulas de Geografia do Ensino Básico, ou seja, realizar uma

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discussão quanto aos procedimentos metodológicos e avaliativos referentes ao uso de tais produções em sala de aula para a construção do conhecimento geográfico.

Devemos salientar que o projeto destina-se tanto para os professores e graduandos do curso de Geografia do Departamento de Ciências Humanas – Campus V (UNEB), quanto para os professores de Geografia do Ensino Básico dos municípios atendidos pelo curso (Recôncavo Baiano) e que possuam interesse na temática desenvolvida, ou seja, a utilização da sétima arte nas aulas de Geografia, possibilitando assim a ludicidade, a contextualização e a ressiginificação da Geografia, enquanto ciência e disciplina escolar.

Sabemos que a utilização de outras linguagens em sala de aula é algo essencial no mundo atual – sociedade digital e midiática, podendo contribuir consideravelmente para a ressignificação e a contextualização do conhecimento geográfico. Nós, professores e discentes do curso de Geografia do Departamento de Ciências Humanas – Campus V, na busca por novas experiências de ensino-aprendizagem, temos que utilizar (experimentar) outras tecnologias, neste caso, as produções imagéticas (filmes e documentários), visando não apenas a preparação do futuro professor de Geografia, mas também auxiliando-o na transformação do ensino-aprendizagem desta ciência no Ensino Básico. Nesse sentido, concebemos que a utilização de filmes e documentários – produções que fazem a mixa-gem de diversas linguagens e códigos -, para o desenvolvimento de conteúdos geográficos pode reencantar o ensino, possibilitando a construção de outras e novas Geografias nas salas de aula.

No que se refere à metodologia utilizada na pesquisa, devemos salientar que foi subdividida em três fases, a saber: levantamento e aquisição de dados; sistematização e análise dos mesmos; e catalogação dos dados com a criação de um banco de dados com filmes e documentários para se trabalhar nas aulas de Geografia.

A primeira fase da pesquisa, ou seja, o levantamento de dados, se constitui pela investigação no Departamento, locadoras, internet e em outros locais sobre filmes e docu-mentários que possam conter conteúdos geográficos para serem trabalhados em sala de aula.

A sistematização dos filmes e documentários, relativa à segunda fase, caracteriza-se pela classificação e análise das produções imagéticas com a identificação dos conteúdos geográficos que podem ser associados/trabalhados em sala de aula. Devemos destacar que nesta fase os monitores do projeto preenchem uma Ficha de Análise que alimenta o Banco de Dados, constando em tal ficha as seguintes informações: 1- Nome da Produção; 2- Ficha Técnica; 3- Sinopse; 4- Séries Indicadas para se Trabalhar com tal Produção Imagética; 5- Conteúdos Geográficos Abordados pela Produção; 6- Temas Transversais que podem ser Trabalhados; 7- Observações e Considerações quanto ao Filme/Documentário.

A catalogação e criação de um Banco de Dados dos filmes e documentários com conteúdos geográficos se constituem na etapa final deste projeto de monitoria de extensão, permitindo dessa forma que professores, graduandos e graduados do curso de Geografia do Departamento de Ciências Humanas – Campus V, tenham acesso a tal conjunto de

informações - banco de dados, possibilitando assim a utilização de filmes e documentários nas aulas de Geografia de uma maneira mais sistematizada, contextualizada e planejada.

Devemos destacar que tal projeto ainda se encontra em fase de desenvolvimento, tendo sido iniciado no ano de 2009, e já possuindo vários filmes analisados e catalogados. Salientamos também que ao final do projeto, o Banco de Dados dos filmes e documentá-rios será encaminhado à Biblioteca do Campus, visando a criação e/ou ampliação de uma Videoteca de Geografia, a fim de subsidiar professores e discentes na construção de outras experiências de aprendizagem no ensino de Geografia. Experiências essas que possibilitem aulas mais contextualizadas, ressignificadas, lúdicas e prazerosas, que despertem a curio-sidade e a inventividade nos educandos, além de contribuir para formação de cidadãos autônomos e conscientes do seu papel na comunidade. Nesse sentido, Assmann destaca:

Precisamos reintroduzir na escola o princípio de que toda a morfogênese do conhecimento tem algo a ver com a experiência do prazer. Quando esta dimensão está ausente, a apren-dizagem vira um processo meramente instrucional. Informar e instruir acerca de saberes já acumulados pela humanidade é um aspecto importante na escola, que deve ser, neste aspecto, uma central de serviços qualificados. Mas a experiência de aprendizagem implica, além da instrução informativa, a reinvenção e construção personalizada do conhecimento. E nisso o prazer representa uma dimensão-chave. Reencantar a educação significa coloca a ênfase numa visão da ação educativa como ensejamento e produção de experiências de aprendizagem. (ASSMANN, 2003:29)

Além da análise e catalogação de dados sobre filme e documentários, já relatamos que tal projeto também se propõe a discutir sobre a importância das novas tecnologias em sala de aula (recursos didáticos), bem como sobre os procedimentos metodológicos e ava-liativos relativos ao uso de tais elementos no processo ensino-aprendizagem. Sabemos que muitos professores, infelizmente, concebem que apenas com aplicação de alguma técnica ou recurso tido como novo ou revolucionário, poderão alterar por si só a prática pedagógica. Porém, temos consciência que a mudança pedagógica com a utilização de técnicas e recursos tem que estar acompanhada de uma avaliação dos referenciais teóricos-metodológicos do professor, bem como a utilização de recursos e técnicas deve estar também bem planejada e articulada com os demais elementos do processo de ensino, ou seja, objetivos, conteúdos, procedimentos e avaliação. Nesse sentido, Silva (2004:63) destaca que “o educador tende a acreditar que a técnica pode salvar seu trabalho e acaba delimitando, a priori, aquela tida como mais crítica, sem nenhuma reflexão sobre a adequação técnica-conteúdo-recurso-avaliação.” Carvalho 1998 apud Silva (2004:63), também destaca o seguinte: “Se querem mudar a prática cotidiana de sala de aula, mudem o conjunto maior, porque nenhuma técnica ou conteúdo pode ser revolucionário por si mesmo.”

Nessa direção, destacamos que a utilização de filmes e documentários nas aulas de Geografia pode e deve ser um importante aliado na construção de outras, novas e mais atraentes Geografias, possibilitando dessa forma a apropriação e também a construção

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do conhecimento geográfico por parte dos educandos, à medida que nossa ciência está no cotidiano e a fazemos constantemente nas inúmeras tarefas que efetuamos. Porém, a utilização de tais produções imagéticas, bem como de outros recursos e técnicas, deve ser sempre bem planejado e articulado, a fim de que não incorramos no erro de apenas utilizar filmes e documentários para “tapar buracos” quando estamos cansados ou quando queremos “distrair” determinada turma durante nossas aulas. Pensadas e executadas dessa forma, as produções imagéticas, perdem o seu significado e a sua importância, inviabilizando assim o seu potencial, ou seja, a apropriação pelos educandos das múltiplas linguagens e códigos contidos nos filmes e documentários para a construção do conhecimento geográfico e para a intervenção na realidade. Sendo assim, Assmann (2003:32) destaca que “duas coisas devem andar juntas em nossa maneira de entender a educação: a melhoria pedagógica e o compromisso social.” Kaercher (2003:11), também enfatiza que “a forma como trabalhamos e construímos o conhecimento com os alunos é o cerne de uma educação mais democrática e comprometida na luta contra a repetência e a exclusão social.”

Considerações finais

Num mundo digital e globalizado, cheio de informações que inundam nosso cotidiano, carregando códigos, mensagens e múltiplas linguagens, bem como ideologias subliminares, torna-se necessário que nos apropriemos dos recursos tecnológicos para a nossa prática pedagógica, a fim de não apenas enriquecer ou adequar nossas aulas à realidade atual, mas, sobretudo, para que possamos, com as novas tecnologias, propiciar novas formas de aprendizagem para os nossos educandos, instrumentalizando-os para uma inserção mais crítica, reflexiva e transformadora nessa sociedade imagética/digital, mas que também é uma sociedade excludente, confusa e contraditória.

Assim, ao propormos o uso planejado e articulado das produções imagéticas como recursos didáticos nas aulas de Geografia, estamos indicando uma possibilidade de pensar sobre a decodificação de mensagens e linguagens para a análise e leitura do mundo atual, a fim de que articulemos, contextualizemos e nos apropriemos de tais informações, visando a produção autônoma do conhecimento, o qual devemos utilizar para a transformação positiva do espaço geográfico.

A utilização de filmes e documentários nas aulas de Geografia também permite que utilizemos a sétima arte como dinamizadora da criatividade, da reflexão e da critici-dade em nossos educandos, empregando a ficção cinematográfica ou os relatos reais dos documentários para a compreensão do mundo atual. Sendo assim, concluímos nosso artigo com mais uma tirinha de Quino, destacando que é nossa tarefa, enquanto educadores, trazer a imaginação, a inventividade, a criatividade, a reflexão e a análise crítica para as nossas aulas, instrumentalizando os nossos educandos para que saibam se posicionar e atuar positivamente no mundo atual, onde a força da imagem e das múltipas linguagens emitidas pela mídia são muito eficientes e sedutoras, mas também predatórias:

FIGURA 4

In: Quino. 10 Anos com Mafalda, 2010.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente.Petrópolis/RJ: Vozes, 1998CASTELLAR, Sônia. VILHENA, Jerusa. Ensino de Geografia. São Paulo: Cengage Lear-ning, 2009 (Coleção Idéias em Ação).KAERCHER, Nestor. A Geografia é o Nosso Dia-a-Dia. In:CASTROGIOVANNI, An-tonio Carlos. KAERCHER, Nestor André, Et al (orgs). Geografia em sala de aula. Porto Alegre/RS: Editora da UFRGS, 2003.LEÃO, Vicente de Paula. LEÃO, Inêz Aparecida de Carvalho. Ensino da Geografia e Mí-dia: linguagens e práticas pedagógicas. Belo Horizonte/MG: Argvmentvm, 2008.PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – Ensino Fundamental e Médio: Ci-ências Humanas e suas Tecnologias (1999). MEC: Conselho Nacional de Educação.PONTUSCHKA, Nídia Nacib. Et al (Orgs). Para Ensinar e Aprender Geografia. São Paulo: Cortez, 2007.QUINO. 10 Anos com Mafalda. Tradução: Mônica Stahel. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.QUINO. Toda Mafalda. São Paulo: Martins Fontes, 2003.SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único a consciência uni-versal – 4ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2000.SILVA, Onildo Araújo da. Geografia: metodologia e técnicas de ensino. Feira de San-tana/BA:UEFS, 2004.ZIRALDO. As Melhores Tiradas do Menino Maluquinho. São Paulo: Melhoramentos, 2000.