o ciclo completo na polícia civil

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Um bom e curto texto para quem se interessa por assuntos como desmilitarização na segurança pública, unificação das polícias estaduais, e porquê somente o Brasil, Cabo Frio e Guiné Bissau ainda usam o sistema bipartido de polícias, dividindo as funções de policiamento ostensivo e polícia judiciária em dois organismos independentes de ciclo incompleto e inimigas entre si, enquanto que todos os países ditos civilizados possuem apenas um aparelho de polícia, que desempenha o ciclo completo.

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Page 1: O ciclo completo na Polícia Civil

Webartigos.com - Publicação de artigos e monografias

Título: O ciclo completo na Polícia Civil

Autor(a): Cyro Advincula Da Silva

Endereço da publicação: http://www.webartigos.com/artigos/o-ciclo-completo-na-policia-civil/71145/

Publicado em 12 de julho de 2011, às 00h00min em Governo e Política

O ciclo completo na Polícia Civil

Nos países de moderna civilização e adiantada cultura a polícia é uma organização civil, integrada porfuncionários civis, regidos por regulamentos próprios ao serviço público civil, que realiza o ciclo completo depolícia, isto é, o desempenho conjunto da investigação criminal ou polícia judiciária e a execução dopoliciamento uniformizado destinado à prevenção criminal pela presença ostensiva dos policiais nas ruas.

Assim ocorre no Reino Unido, Alemanha, Áustria, Holanda, Bélgica, Suíça, Suécia, Dinamarca, Finlândia,Grécia, Rússia, nos países da Europa Oriental e nos Estados Unidos. Exceção, apenas, dos países daEuropa latina onde existem gendarmarias, corporações militares empregadas no policiamento de formacomplementar (policiamento rural, polícia rodoviária, guarda dos palácios do governo) ao trabalho exercido,prioritariamente, pelas polícias civis. Assim, corporações com estatuto civil como a Polícia Nacional daFrança, a Polícia de Estado, na Itália, a Polícia de Segurança Pública, em Portugal, são as responsáveispor todo o serviço policial nos grandes centros urbanos e áreas metropolitanas dos seus países.

Não poderia ser de outro modo em países onde a consciência jurídica da população resulta de uma culturasecular. A POLÍCIA é um serviço público próprio da administração civil que serve a sociedade civil, paragarantir a segurança das pessoas e do seu patrimônio em decorrência dos direitos de cidadaniaassegurados pelas cartas constitucionais. Torna-se impróprio o emprego de corporações militares paraexercerem essa missão genuinamente civil de polícia: nessas forças predomina o espírito de casta,distanciando os seus integrantes do cidadão comum; estão sujeitas à legislação militar, inclusive à justiçamilitar para julgamento de crimes praticados contra civis durante o serviço (no Brasil, com algumas poucasexceções); a sua formação belígera, peculiar das Forças Armadas, acaba influenciando negativamente notrato com a sociedade; inexiste o livre acesso do cidadão aos quarteis e aquartelamentos, diferentementedas demais repartições públicas; torna-se pesada e dispendiosa a estrutura das suas organizações, comos seus desdobramentos hierárquicos que exigem muitas pessoas para a manutenção ou prestação dedeterminados serviços.

No Brasil, juristas no início do século XX idealizaram o modelo de polícia para a república e para ademocracia: Antônio Augusto Cardoso de Castro, Alfredo Pinto, Leoni Ramos. Geminiano da Franca, ostrês primeiros, futuros ministros do Supremo Tribunal Federal, se inspiraram nas instituições francesas, atéhoje representadas pela respeitada Polícia Nacional, para reorganizar a Polícia Civil do Distrito Federal,modelo para as demais coirmãs do país. O comissariado, representado aqui pela delegacia de polícia, o"gardien de la paix", aqui o guarda civil, as especializações da perícia criminal com a criação dosGabinetes, Médico-Legal, Gabinete de Identificação e Gabinete de Perícias Criminais, a formaçãoprofissional através da Escola de Polícia, o Museu, elo de ligação com a comunidade para difusão deexperiências, as investigações especializadas a cargo das delegacias auxiliares e a magnífica sedeconstruída no legítimo estilo eclético francês pelo mais afamado arquiteto brasileiro, Heitor de Mello. Essaestrutura fazia da polícia civil uma polícia de ciclo completo, onde delegacias a par de desenvolverem otrabalho de polícia judiciária, orientavam o policiamento uniformizado da Guarda Civil, nas suas respectivascircunscrições.

Durante sessenta anos tivemos uma polícia que serviu de modelo para países estrangeiros, inclusive paraa polícia portuguesa e de outros países da América. Em 1964 sobreveio o opróbrio nacional. Militaresindisciplinados, traidores da Constituição do país e do seu comandante em chefe, o Presidente daRepública, sublevaram-se contra a nação, com o apoio da frota naval norte-americana, lançando-a porvinte e cinco anos numa vergonhosa ditadura.

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Nesse novo contexto indagaram-se os novos senhores do poder sobre os destinos das polícias civis,organizações estaduais armadas mas desenquadradas dos ditames da caserna e, portanto, para eles"pouco confiáveis". Além disso, pouco tempo antes, em decorrência da criação do Estado da Guanabara,houve uma maciça opção de policiais do antigo Distrito Federal pela subordinação ao governo federal,ainda, sob a presidência do presidente deposto João Goulart.

Diante disso, o regime militar, pelas afinidades existentes, decidiu confiar às milícias estaduais a execuçãodo policiamento ostensivo uniformizado. Refizeram a sua legislação, deram-lhes a exclusividade nodesempenho dessa atribuição e colocaram um oficial do Exército no comando de cada uma delas.

A Constituinte de 1988 seria a oportunidade para corrigir erros e distorções, mas no tocante às ideias epropostas para a segurança pública mostraram-se despreparados tanto os constituintes quanto osrepresentantes das polícias civis, que deveriam apresentar um novo sistema de defesa social condizentecom o mundo contemporâneo e democrático. Os profissionais de polícia não se mobilizaram para a lutapelo ciclo completo, que salvaria o Brasil da ineficiência policial.

Nosso sistema de segurança pública, decorrente do disposto no artigo 144 e seus parágrafos daConstituição Federal é realmente único e o mais ineficaz do planeta. Nas polícias de ciclo completo arepartição policial ou delegacia de uma circunscrição desenvolve as investigações criminais e realiza opoliciamento uniformizado, ambos direcionados à prevenção e repressão da incidência criminal. As açõespoliciais se apoiam e se completam na busca dos melhores resultados, porque essa unidade é a únicaresponsável pela segurança pública na sua área.

No nosso atual sistema não existem responsáveis individualizados pela segurança de uma determinadaárea porque os limites territoriais estabelecidos para os batalhões da polícia militar não são os mesmosdeterminados como circunscrições policiais das delegacias.

Nos estados brasileiros existe uma desproporção entre os efetivos das suas duas polícias. A investigaçãopolicial requer um número de policiais proporcional a incidência criminal do estado, porque cadainvestigação é um trabalho individual e, às vezes, moroso. Pouco se cuidou de assegurar a admissão dopessoal necessário para atender essa atribuição específica. As polícias civis contam com um númeroinsuficiente de servidores para reprimir através do exercício da polícia judiciária a criminalidade crescente,decorrente do aumento da população, dos problemas sociais e das carências policiais.

Já as polícias militares, pela sua ostensividade, contam com o apoio dos governadores para engrossaremas suas fileiras. Criaram doutrina, formularam estratégia e estão se transformando em enormescorporações, cujo efetivo já disponibilizam para atividades típicas de polícia judiciária através deinvestigações conduzidas por milicianos.

Os efetivos tornam-se fatores determinantes para a expansão das competências e serviços. Os dirigentesdas polícias civis ao se descuidarem do requerido aumento do número de funcionários das suascorporações determinam o futuro das mesmas. Em alguns estados, certamente, pela maior disponibilidadede pessoal, as polícias militares estão sendo autorizadas a lavrar o termo circunstanciado da Lei n°9.099/95, forma simplificada de processar para encaminhamento a juízo a maioria das infrações penais.Assim chegaram ao ciclo completo de polícia, faltando, apenas, a posse das delegacias policiais, onde,com maior conforto para o cidadão viabilizarão esse atendimento policial.

E a polícia civil, como ficará se não acompanhar as exigências da segurança pública? Terá o destino deuma polícia judiciária tipo portuguesa, que só não foi extinta na época da Revolução dos Cravos porqueteve de abrigar os ex-integrantes da PIDE (o serviço secreto do ditador Salazar). Nesse contexto, realça ainsensibilidade das diretorias das associações de delegados, aferroadas à luta pela manutenção doinquérito policial sob a presidência do delegado, mas esquecidas do alcance social e institucional daimplantação do ciclo completo na polícia civil.

Ou seja, os comportamentos atuais conduzem ao estabelecimento em cada estado de uma polícia militarde ciclo completo e de uma agência civil de investigações especializadas, de restrita atuação e

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operacionalmente dependente da primeira.

Penso que para superar as falhas e contradições originadas no atual sistema de segurança pública dopaís, inclusive a existência de uma organização militar empregada no policiamento civil e as questões dedesentrosamento e ineficiência policiais, torna-se necessário o empenho de todos os segmentosrepresentativos das polícias civis e demais cidadãos para mostrar à sociedade da conveniência deefetivar-se uma reforma constitucional atribuindo o ciclo completo às polícias civis.

Nessa campanha já contam com o apoio de diversos partidos da esquerda e sindicatos de trabalhadores(não policiais) que se manifestaram no período eleitoral a favor de uma polícia desmilitarizada.

Realizada a reforma, na medida em que o número de policiais civis uniformizados aumente, substituirão ospoliciais militares nas áreas de policiamento ostensivo antes por estes cobertas. As polícias militarespassariam a atuar em funções complementares ou auxiliares, à semelhança dos demais países quepossuem gendarmarias.

Será uma luta árdua? Talvez, mas outros países já lograram criar as suas polícias civis de ciclo completo.

Para finalizar, desejo acentuar a minha plena concordância com a unificação das polícias estaduais sobestatuto civil, de mais fácil realização sob o aspecto administrativo, com menor dispêndio e que, também,sanearia as falhas estruturais do sistema de segurança pública acima apontadas. Penso, entretanto, quepara essa opção as resistências têm sido maiores e mais efetivas e provêm de políticos e militaresretrógrados que contam com a divisão e o antagonismo entre as forças policias para o seuenfraquecimento como instituição, como organização operativa e categoria trabalhadora.

Por Cyro Advincula Da Silva

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