o chat e a produÇÃo da escrita escolar - unincor · da escrita de adolescentes usuários e não...

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FUNDAÇÃO COMUNITÁRIA TRICORDIANA DE EDUCAÇÃO Decretos Estaduais n.º 9.843/66 e n.º 16.719/74 e Parecer CEE/MG n.º 99/93 UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE DE TRÊS CORAÇÕES Decreto Estadual n.º 40.229, de 29/12/1998 Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão O CHAT E A PRODUÇÃO DA ESCRITA ESCOLAR Três Corações 2005

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FUNDAO COMUNITRIA TRICORDIANA DE EDUCAO

Decretos Estaduais n. 9.843/66 e n. 16.719/74 e Parecer CEE/MG n. 99/93

UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE DE TRS CORAES

Decreto Estadual n. 40.229, de 29/12/1998

Pr-Reitoria de Ps-Graduao, Pesquisa e Extenso

O CHAT E A PRODUO

DA ESCRITA ESCOLAR

Trs Coraes

2005

REGINA LCIA DE ARAJO

O CHAT E A PRODUO

DA ESCRITA ESCOLAR

Dissertao apresentada Universidade Vale do Rio

Verde de Trs Coraes Unincor - como exigncia

parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Letras.

rea de Concentrao: Linguagem, Cultura e Discurso

Orientador:

Prof. Dr. Luiz Fernando Matos Rocha

Trs Coraes

2005

Arajo, Regina Lcia de

O chat e construo/produo da escrita escoar / Regina Lcia de

Arajo; orientado por Prof. Dr. Luiz Fernando Matos Rocha. Trs

Coraes: Universidade Vale do Rio Verde de Trs Coraes, 2004.

133 p.

Dissertao apresentada ao Curso de Letras para a obteno de grau

no Mestrado em Letras.

Resumo. Abstrat. Introduo, 1 Internet. 2 Gneros discursivos,

3 Gneros digitais, 4 O Chat, 5 Preconceito digital: o chat como variante

da lngua escrita. 6 Fala e escrita: suas implicaes na Internet, 7. A

viso de Santos (2004), 8 Metodologia, 8.1 Aspectos distintivos da

pesquisa, 8.2 Problemas e hipteses, 8.3 Escolha e produo de textos,

9 Anlise do corpus, 9.1 Anlise quantitativa dos bilhetes produzidos por

alunos com acesso Internet, 9.2 Anlise quantitativa dos bilhetes

produzidos por alunos sem acesso Internet, 9.3 Anlise qualitativa dos

bilhetes produzidos, 9.4 Nem certo, nem errado: adequado, 9.5 Os

bilhetes 1, 9.6 Os bilhetes 2, 9.7 As redaes, 10 Concluso,

11 Bibliografia, 12 Anexos; 12.1 Anexos 1: bilhetes 1 e 2;

12.2 Anexo 2: dados coletados nos bilhetes

dos alunos usurios da Internet; 12.3 Anexo : dados coletados nos

bilhetes no-usurios da Internet. Anexo : termo de concordncia

Universidade Vale do Rio Verde de Trs Coraes

CREDENCIAMENTO: Decreto Estadual n 40.229 de 29 de Dezembro de 1998.

Secretaria de Ps-Graduao , Pesquisa e Extenso.

ATA DA DEFESA DE DISSERTAO

Aos quinze de abril do ano de dois mil e cinco, sob a presidncia do Professor Doutor

Luiz Fernando Matos Rocha e com a participao dos membros Professora Doutora

Llian Vieira Ferrari e Professor Doutor Luciano Novaes Vidon que se reuniram para a

banca da defesa de dissertao da Mestranda Regina Lcia de Arajo, aluna do Curso de

Mestrado em Letras. O ttulo da sua dissertao O chat e a produo da escrita escolar.

O resultado foi pela ................. . Eu, secretria, lavro a presente ata que, depois de lida e

aprovada, vai assinada por mim e pelos demais membros da banca examinadora.

Trs Coraes, ..... de .......................... de 2005.

Prof. Dr. Luiz Fernando Matos Rocha

Presidente

Prof Dr Llian Vieira Ferrari

Membro da Banca

Prof. Dr. Luciano Novaes Vidon

Membro da Banca

...............................................................

Secretria Geral

A minha famlia e amigos pelo apoio irrestrito.

OFEREO

Aos meus pais, Jos Raimundo (in memorian) e Luzia

DEDICO

AGRADECIMENTOS

A Deus, por dar-me sua Fora e Luz nesta conquista.

minha me, irmos, familiares e amigos pelo incentivo.

amiga Nvea do Carmo Lucas Ferreira pela compreenso e apoio.

Ao orientador Dr. Professor Luiz Fernando Matos Rocha, pela competncia e brilhante

orientao.

Dr Professora Geyza Silva, pelas belssimas e enriquecedoras viagens por uma literatura

sem fronteiras.

Dr Professora Maria Aparecida Nunes, por levar-me a compreender que no vemos o

mundo da mesma forma, a partir de um mesmo ngulo.

Ao Dr. Professor Srgio Roberto Costa, por incentivar-me a desvendar os sentidos de todas as

linguagens que nos cercam e os diversos caminhos da comunicao.

Ao Dr. Professor Jos Carlos Gonalves, pela extrema capacidade em ensinar a Anlise da

Conversao.

Ao Dr. Professor Marcelino Rodrigues da Silva, por conduzir-me to bem ao universo da

Semitica.

Aos colegas de sala, pela amizade e maravilhosa convivncia.

Universidade Vale do Rio Verde Unincor.

A todos que, de certa forma, incentivaram-me a transformar sonhos em realidade.

A linguagem inseparvel do homem, segue-o em todos

os seus atos. A linguagem o instrumento graas ao qual o

homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas

emoes, seus esforos, sua vontade, seus atos, o

instrumento graas ao qual ele influencia e influenciado,

a base mais profunda da sociedade humana.

(Louis Hjelmslev, lingista dinamarqus)

SUMRIO

Resumo......................................................................................................................................10

Abstract.....................................................................................................................................11

Introduo.................................................................................................................................12

1 Internet...................................................................................................................................15

2 Gneros discursivos ..............................................................................................................21

3 Gneros digitais......................................................................................................................27

4 O Chat....................................................................................................................................33

5 Preconceito digital: o chat como variante da lngua escrita...................................................41

6 Fala e escrita: suas implicaes na Internet...........................................................................47

7 A viso de Santos (2004).......................................................................................................55

8 Metodologia...........................................................................................................................57

8.1 Aspectos distintivos da pesquisa.........................................................................................57

8.2 Problemas e hipteses.........................................................................................................58

8.3 Escolha e produo do corpus.............................................................................................60

9 Anlise do corpus...................................................................................................................62

9.1 Analise quantitativa dos bilhetes produzidos por alunos com acesso Internet.................66

9.2 Analise quantitativa dos bilhetes produzidos por alunos sem acesso Internet.................68

9.3 Analise qualitativa dos bilhetes produzidos........................................................................71

9.4 Nem certo, nem errado: adequado......................................................................................73

9.5 Os bilhetes 1........................................................................................................................78

9.6 Os bilhetes 2........................................................................................................................87

9.7 As redaes.........................................................................................................................90

10 Concluso.............................................................................................................................95

11 Bibliografia..........................................................................................................................99

12 Anexos...............................................................................................................................104

12.1 Anexo 1: bilhetes 1 e 2....................................................................................................105

12.2 Anexo 2: dados coletados nos bilhetes dos alunos usurios da Internet.........................117

12.3 Anexo 3: dados coletados nos bilhetes dos alunos no-usurios da Internet..................127

Anexo 4: Autorizao para uso de dissertao.......................................................................133

LISTA DE ILUSTRAOES Pginas

FIGURA 1A A escrita tradicional com a oral......................................................................78

FIGURA 2A Presena de vrios acrnimos.........................................................................80

FIGURA 3A Presena de vrios acrnimos.........................................................................80

FIGURA 4A Marcao das slabas tnicas com h...............................................................81

FIGURA 5A Marcao das slabas tnicas com h...............................................................81

FIGURA 6A Alterao na representao dos sons nasais...................................................81

FIGURA 7A Alterao na representao dos sons nasais...................................................82

FIGURA 8A Escrita ideogrfica..........................................................................................82

FIGURA 9A Escrita ideogrfica..........................................................................................83

FIGURA 10A Criao de novas formas de escrita................................................................83

FIGURA 11A Criao de novas formas de escrita................................................................84

FIGURA 12A Uso de onomatopias......................................................................................84

FIGURA 13A Presena da fontica e de palavras reduzidas na grafia das palavras.............85

FIGURA 14A Pontuao prolongada e uso de p/, c/, ........................................................85

FIGURA 15A Grias.............................................................................................................86

FIGURA 16A Anlise comparativa: bilhetes 1 e 2...............................................................89

FIGURA 17A Anlise comparativa: bilhetes 1 e 2...............................................................89

FIGURA 18A Redao.........................................................................................................91

FIGURA 19A/B Redao..................................................................................................92-93

GRFICO 1 Alunos com e sem acesso Internet..............................................................65

GRFICO 2 Faixa etria em valores numricos e percentuais...........................................65

GRFICO 3 Indicao por srie.........................................................................................66

GRFICO 4A/B Marcas de Interao Virtual Bilhetes 1 e 2........................................66-67

GRFICO 5A/B Marcas de Interao Oral Bilhetes 1 e 2............................................67-68

GRFICO 6A/B Marcas de Interao Virtual Bilhetes 1 e 2..............................................69

GRFICO 7A/B Marcas de Interao Oral Bilhetes 1 e 2..................................................70

GRFICO 8A/B Palavras com marcas de interao virtual e oral Bilhetes 1 e 2...............72

GRFICO 4B Marcas de interao virtual Bilhete 2 (reproduo)..............................87

GRFICO 5B Marcas de interao oral Bilhete 1 (reproduo)..............................87

GRFICO 6B Marcas de interao virtual - Bilhete 2 (reproduo)..............................88

GRFICO 7B Marcas de Interao Oral Bilhete 2 (reproduo)............................88

GRFICO 8 Redaes - Observncia e no observncia tipologia textual...................90

TABELA 1 Acrnimos..................................................................................................79

10

RESUMO

ARAJO, Regina Lcia de. O chat e a produo da escrita escolar. 2005 133 p.

(Dissertao Mestrado em Letras). Universidade Vale do Rio Verde UNICOR Trs

Coraes MG*

Esta pesquisa objetivou compreender as influncias da linguagem virtual no desenvolvimento

da escrita de adolescentes usurios e no usurios das salas de bate-papo - chat. A

metodologia utilizada foi de abordagem quantitativa e qualitativa para anlise de eventos que

retratam as prticas de escrita e leitura em contexto de interao virtual e as influncias dessas

prticas no contexto escolar dos sujeitos investigados. Frente pesquisa realizada, concluiu-se

que no h uma influncia nociva na escrita dos adolescentes. O enfoque mais fontico,

buscando uma economia de palavras, primando-se pela rapidez na comunicao. Os

adolescentes apresentaram noo de enquadre, realinhando a sua escrita em conformidade

com o contexto.

____________________________________

*Comit Orientador: Dr Luiz Fernando Matos Rocha UNINCOR (Orientador)

11

ABSTRACT

ARAJO, Regina Lcia de The chat and the production of the school writing. 2005 133 p.

(Dissertation - Master's degree in Letters). Universidade Vale do Rio Verde - UNINCOR -

Trs Coraes MG*

This research objectified understanding the virtual language interferences in the development

of the teenagers writing that use or not the chat rooms. The used methodology discussed the

quantitative and qualitative approach, for analysis of events that portray the written and read

practices in the context of the virtual interaction and the influences of those practices in the

school context of the investigated subjects. Facing to the accomplished research, was

concluded that theres not a harmful influence in the teenagers writing. The focus is more

phonetic, looking for words saving; the speed in the communication gets excelled. The

teenagers have suits notions, being able to write in conformity with the context.

____________________________________

*Doutor Luiz Fernando Matos Rocha UNINCOR (Orientador)

12

INTRODUO

Toda mudana gera um temor frente ao desconhecido. Assim, preconceitos so construdos

numa tentativa de preservarem o cdigo institucionalizado, negando quaisquer aberturas para

as mudanas que urgem.

A internet promove uma reorganizao, uma diagramao diferente das formas de

comunicao existentes, trazendo um novo enfoque para a linguagem utilizada para

consolidar uma atividade comunicacional.

O presente estudo visa a analisar a linguagem utilizada nos chats e a sua influncia na

utilizao da escrita dentro do universo escolar.

Como pressupostos tericos, buscou-se partir do geral para o especfico, de uma viso

abrangente de discurso, fundamentada em Bakhtin (1976, 1979, 1981, 1992) passando por

uma discusso sobre gneros digitais, bem como a respeito do preconceito escolar com

relao a eles, at aspectos morfossintticos inerentes influncia do chat na escrita escolar.

Busca-se focalizar esse universo dentro do conjunto de trabalhos do professor, considerando a

heterogeneidade do processo de escrita no presente, abandonando a viso de homogeneidade

linear ainda to difundida entre os professores da rea, conforme destacado por Correa (2004).

O primeiro captulo aborda o que a internet enquanto universo de criao e interao, onde

uma nova linguagem constitui-se um fator marcante e fomentador de uma comunidade virtual.

A comunicao virtual acontece num universo onde enunciado, emissor e receptor interagem

na construo de uma mensagem. Entretanto, no atuam como nicos atores da pea em

pauta, visto que existem vozes sociais que influem na construo e veiculao dessa

mensagem. Os gneros discursivos e suas implicaes sero analisados no captulo 2 luz dos

estudos de Bakhtin (1976, 1979, 1981, 1992).

No entanto, num mundo em constante evoluo, os gneros discursivos tambm se

aprimoram, criando novas vertentes que merecem ser analisadas. A internet enquanto veculo

de transformao atua como cone da construo dos novos gneros digitais, que sero o foco

de anlise do captulo 3.

13

Dentre os gneros digitais, o presente estudo focou como universo de pesquisa os chats

freqentados pelos adolescentes. Sob esta perspectiva, o captulo 4 dedica-se a anlise

especifica do chat como circuito de formulao dessa linguagem virtual impregnada de

cdigos, conexes e animaes.

Toda essa discusso sobre novas formas de interao lingstica gera em muitos um

preconceito tal que mina as possibilidades de crescimento oferecidas no universo virtual. Essa

postura parcial e suas conseqncias so o assunto norteador do captulo 5.

A linguagem utilizada nos chats especificamente apresenta uma grande ligao entre a lngua

falada e a lngua escrita. Tal ligao est presente nos anos escolares iniciais do aluno, sendo

regrada e combatida por um ensino linear de uma gramtica normativa. Esse tecnicismo

acrtico, bem como a cumplicidade entre a lngua falada e a lngua escrita enquanto

documento do ciberespao, o tema enfocado no captulo 6.

As possveis influncias da linguagem digital na escrita dos adolescentes, num universo de

pesquisa de interaes on-line versus gneros textuais foi o tema de pesquisa de Santos (2004)

e ser exposto no captulo 7.

A metodologia utilizada na pesquisa figura no captulo 8, em que se descreve a coleta da

escrita de 204 alunos do Ensino Mdio, usurios e no-usurios da internet. O gnero textual

escolhido foi o bilhete por apresentar uma estrutura, de certa forma, prxima aos chats, a

saber: linguagem informal, distensa e espontnea, despreocupada com o uso das regras

gramaticais normativas. Cada aluno produziu dois bilhetes: o Bilhete 1 se caracterizou por

uma produo textual espontnea sobre tema livre, a qual no passaria por avaliao; em

seguida, outro Bilhete, o 2, que, ao contrrio do primeiro, foi instrudo pela pesquisadora

como um texto que teria que ser produzido para valer nota, tendo o mesmo tema selecionado

pelo aluno no Bilhete 1. Totalizaram-se 408 bilhetes.

propsito desta pesquisa verificar a presena das marcas lingsticas de interao virtual e

oral prprias dos chats nos textos coletados em sala de aula e sua relao com a escrita

escolar dos sujeitos investigados. A escolha pela produo do Bilhete 1 seria uma maneira de

captar bem essa influncia, devido ao alto grau de informalidade do chat e do bilhete. Com o

bilhete 2, objetivou-se em verificar que, mesmo diante da proximidade informal de gneros, o

14

aluno seria capaz de abrir mo de marcas informais para produzir um texto mais formal,

demonstrando saber se adequar nova situao comunicativa.

O presente estudo, ao contrrio de encarar a internet e os chats como grandes viles da escola,

visa a analisar a influncia da linguagem virtual na escrita dos adolescentes questionando o

preconceito que assola o ensino tradicionalista, o qual v com maus olhos essa possvel

influncia. Partindo da exposio dos pressupostos tericos, procedeu-se a anlise geral do

corpus pesquisado. Concluiu-se que no h influncia nociva da linguagem dos chats na

escrita escolar dos adolescentes. O enfoque dessa influncia mais fontico, porque os

adolescentes primam pela rapidez na comunicao. Os usurios apresentam uma clara

compreenso quanto situao comunicacional em que se encontra, realinhando sua escrita

em conformidade com o contexto e eliminando marcas de virtualidade e oralidade quando

necessrio. O detalhamento dessa anlise est presente no captulo 8.

15

1 INTERNET

Pode-se afirmar que a internet revolucionou o conceito de comunicao, estreitando as

distncias e possibilitando novas formas de contato a partir de um simples movimento com o

mouse. Nesse espao ciberntico, esse instrumento de comunicao possibilita um universo de

mensagens interativas, por meio das quais os usurios tm a oportunidade de criar livremente.

Com tamanha abrangncia, torna-se essencial compreender o funcionamento desse universo,

como analisa Franco (1997, p. 14) : o novo homem deve ter habilidades que permitam sua

constante atualizao, facilidade de abandonar o absoluto, no ter receio de se apropriar das

interfaces que ampliam sua inteligncia.

Em 1969, a internet (Rede Virtual de Interligao de Computadores) foi criada pela ARPA

(Advanced Research Project Agency, do Departamento de Defesa Militar Americano), que

buscava encontrar diferentes rotas para uma informao chegar ao seu destino.

Inicialmente, criou-se a rede ARPANET, formada por quatro computadores localizados em

universidades americanas. Desde ento, novas redes surgiram, formando essa imensa teia

eletrnica que espalha seus fios pela partes mais longnquas da Terra.

As primeiras interconexes no Brasil ocorreram em 1988, controladas pela FAPESP

(Fundao de Amparo a Pesquisa do Estado de So Paulo) e LNCC (Laboratrio Nacional de

Computao Cientfica RJ).

A partir de 1995, a rede brasileira que era quase exclusivamente acadmica. Tornou-se

tambm comercial a partir de uma iniciativa do Ministrio das Comunicaes e do Ministrio

da Cincia e Tecnologia. Da em diante, milhares de internautas encontram-se em rede,

revolucionando de forma tal o conceito de comunidade at ento institucionalizado. Sob esse

ponto, Soares (1997) afirma que o maior instrumento da globalizao cultural na sociedade

tem sido certamente o conjunto das redes de comunicao de massa. A abrangncia, extenso

e eficcia dessas redes esto na raiz das maiores transformaes na virada do sculo.

16

A internet protagonizou a criao de um novo espao para a comunicao, o ciberespao,

definido por Sobral (1999, p. 106) como o conjunto de redes de computadores interligadas e

de todas as informaes e dados ali transmitidos.

As modalidades de comunicao viabilizadas pelo computador, dividem-se em duas

categorias a partir do tempo de demora entre o envio de mensagens e sua chegada ao destino,

a saber: comunicao assincrnica e sincrnica.

Mccleary (1998) analisa que as modalidades assincrnicas ocorrem em tempos diferentes,

sendo enviadas para seus destinatrios (e-mails e programas especficos) at que sejam

acessadas.

As modalidades sincrnicas, por sua vez, possibilitam uma comunicao em tempo real que

ocorre enquanto os diversos interlocutores encontram-se conectados rede.

Por possuir tantos fatores e recursos especficos, bem como por constituir-se um universo

novo e convidativo para ser explorado, a internet acabou produzindo uma linguagem prpria.

Essa sensao de liberdade, autonomia e poder faz com que se formem verdadeiras tribos

virtuais, com conceitos e linguagens prprias que os mantm unidos apesar da distncia fsica.

Liberdade, busca de globalizao e rompimento com os limites territoriais acabam

desenvolvendo-se de maneira antagnica. Luta-se por uma abrangncia, uma abertura dos

tentculos da comunicao, ao mesmo tempo em que, dentro do universo virtual, surgem os

grupos fechados, formando comunidades prprias, com uma linguagem peculiar ao seu meio.

Segundo Marcuschi & Xavier (2004, p. 124), a Internet

proporciona a interao entre locutor e interlocutor, uma vez que, na rede,

qualquer elemento adquire a possibilidade de interao, havendo

interconexes entre pessoas dos mais distantes lugares do planeta, facilitando,

portanto, o contato entre elas, assim como a busca por opinies e idias

convergentes.

At mesmo as informaes divulgadas na internet exploram as linguagens prprias de seus

usurios, que so transferidas para o contexto social e divulgadas como uma linguagem

global (MARCUSCHI & XAVIER, 2004, p. 125).

17

Em especial, como foco desta pesquisa, delimitou-se os adolescentes e sua participao nos

chats, a fim de analisar essa linguagem virtual em relao a certos gneros de escrita escolar.

Sem dvida, o novo tem sempre um atrativo especial para o jovem que passa a elaborar suas

prprias regras de interao. Conforme analisa Martin-Barbero (1998, p. 59),

os jovens experimentam uma empatia feita no s de facilidade para

relacionar-se com as tecnologias audiovisuais e informticas, mas tambm de

cumplicidade expressiva (...) produzindo comunidades hermenuticas que

respondem a novos modos de perceber e narrar a identidade.

Seguindo esse raciocnio, Marcuschi & Xavier (2004, p. 126) afirmam que existe por esse

caminho, a necessidade de se gerar conceitos, o que tem suscitado a criao de termos e/ou de

expresses originais.

Levy (1996, p.22) postula que cada forma de vida inventa seu mundo (...) e com esse mundo,

um espao, um tempo especfico (...) cada novo sistema de comunicao e de transporte

modifica o sistema das proximidades prticas, isto , o espao pertinente para as comunidades

humanas.

Partindo desse pressuposto, pode-se dizer que um dos pontos mais importantes de mudana

ocasionados pela internet a reorganizao dos hbitos de socializao. As comunidades

formam-se no a partir dos aspectos geogrficos, mas dos interesses de cada um. O

ciberespao mescla as noes de unidade, de identidade e de localizao.

Prprios de uma comunidade, os internautas tambm possuem um cdigo de tica ou um

conjunto de regras de comportamento social que os disciplina, conforme analisado por Vianna

(1995). Entre os ensinamentos, mostra-se como agir em grupos de discusso, como escrever

de forma a preservar a eficincia da rede e ampliar o potencial de comunicao.

Aos usurios recm-chegados, d-se o codinome de newbie. preciso inteirar-se dos detalhes

e princpios que regem a linguagem e o comportamento das comunidades, pois atitudes que

possam ter um carter insignificante aos olhos do leigo virtual tm valor de interpretao para

quem l. Por exemplo, deve-se evitar, a no ser que se queira, escrever em letras maisculas,

pois do a impresso de estar gritando. Assim, o usurio tem que se submeter s regras de

convivncia prpria de um grupo convencional. Nas comunidades reais, por exemplo, seus

18

pontos de identificao so as roupas, o cabelo, os acessrios e a linguagem. Uma

comunidade virtual consolida-se por meio da linguagem que figura como um cdigo para os

usurios do chat. Como exemplo, ser transcrito um dilogo em que se apresentam todas as

caractersticas descritas1

bomxibomxibombombom. O de cima sobe e o de baixo desce... (Msica do

grupo As meninas)

E/E?? Blz? Kd a Mel? Melando? Have time to tc? ( E a? Beleza? Cad a Mel?

Melando? Tem tempo para teclar?)

blz! (Beleza!)

O q 6 taum fzndo agora? (O que vocs esto fazendo agora?)

:-) Tc! (Emotion: seu burro! Teclando!)

LOL :-) (Recurso do ICQ que envia um som de risadas. LOL = lots of laughin

e emoticon de felicidade)

algum afim tc? (tc = teclar)

hahahahahahahahaha (Risos)

Beep! Beep! (Recurso do ICQ que envia som de buzina para chamar a ateno

dos receptores)

Heheheheheheheheh ... (Risos observem que isso se tornar constante)

tou fazendo um job pro mestrado. Ajuda E!!!. (Estou fazendo um trabalho para

mestrado. Ajuda a!)

Uh... (Algo como: ah, t! Acrescido de uma pausa breve)

Coooooooooool !!!!!!!!!!!!!!!!!!! (Legal)

Show... (Gria: muito legal!)

isssu mesmo, garota isssssssssssstudioda! (Observem que a repetio da letra s

tem por finalidade modificar a forma como deve ser lida a frase, com maior

entonao.)

Eu n tou fazendu nadica (Eu no estou fazendo nada)

Tharwn, q nick eh esse Gui (Tharwn que apelido esse, Guilherme?)

ops (Opa)

19

Inspiraao donde? (Inspirao de onde?)

um persona de Star Wars ... ( um personagem de Star Wars Guerra nas

Estrelas o nickname j demonstra um hobbie dointernauta)

+ vomo Tharwn (Mas como Tharwn. Percebem que no ficou clara a resposta)

nem Darth Vader salva! (O nickname to estranho quem nem Darth Valder

outro personagem do filme salva!)

Beep! Beep! (Recurso do ICQ novamente utilizado para chamar a ateno dos

receptores)

Hehehehehehehe (Repetio das risadas, com deboche)

SAVE THE EARTH! (Um grito letras maisculas: Salve a Terra!)

eh um Grande almirante (Volta-se explicao do nickname: Tharwn um

grande almirante do filme)

The best (Complemento da explicaao: o melhor!)

Tou vendo 1s lance pro site (Estou veno uns lances para o site tanto Thawn

quanto Lufl so webdesigners)

Vader um bom mestre jed + tinha um distrbio. (Volta ao assunto do nickname:

Vader era um bom mestre Jedi mas tinha um distrbio)

quando falar (A frase no ficou clara, Tharwn apertou a tecla enter e o que ele

havia digitado foi enviado sem que a frase estivesse terminada).

Ker saber? deixa sobrar um tempo q a gente se rene. (Quer saber? Deixa

sobrar um tempo que a gente se rene volta-se conversa sobre o site)

O dilogo transcrito evidncia a amplitude de recursos disponibilizados pela internet, bem

como a linguagem virtual prpria de seus usurios. Em alguns momentos, a compreenso se

torna possvel somente para aqueles que conhecem esse universo, restringindo assim os

membros do grupo. Percebe-se ainda a presena da oralidade, das onomatopias, bem como

da linguagem fontica.

____________________

1O exemplo aqui citado encontra-se no texto A linguagem dos chats desafia os newbies por Melissa Elias

Viana www.internewwws.eti.br/200/mt000722.shtml

20

Tais ocorrncias so considerveis e no se pode fugir dos seus efeitos. A linguagem

interntica e as relaes advindas desse universo so fontes importantes de pesquisa para o

educador, que deve se livrar dos preconceitos. A postura de pesquisador deveria dar lugar de

normatizador. Assim, o objeto em estudo passa a ser encarado com distanciamento necessrio

investigao cientfica. Sem investigao ou reflexo, no se consegue lidar bem com as

novas demandas sociais, como a linguagem virtual. O presente trabalho focaliza tais aspectos

analisando o espao virtual como uma ecloso de novos gneros que constituem uma

revoluo nas concepes quanto a enunciados e interlocutores.

21

2 GNEROS DISCURSIVOS

As interaes humanas consolidam-se atravs das linguagens oral e escrita. Grupos se formam

a partir do intercmbio de enunciados, do dilogo e dos objetivos em comum.

Conseqentemente ou inevitavelmente, uma comunidade lingstica que atua num

determinado contexto social acaba estabelecendo relaes de poder.

De acordo com Oliveira (1997, p. 23), o gnero se adapta a cada contexto situacional com um

propsito especfico e segue padres lingsticos de uma comunidade discursiva. Tais

pressupostos so de grande interesse para o estudo em foco, que visa a analisar as formas

prprias empregadas pela comunidade adolescente no chat, bem como a maneira como lidam

com a linguagem virtual e a linguagem escolar em seus devidos contextos.

Quanto aos gneros, vale ressaltar que se encontram internamente relacionados,

influenciando-se mutuamente. Sob este enfoque, os estudos de Bakhtin (1976, 1979, 1981,

1992) revelam-se importantes.

Segundo o autor, cada esfera de utilizao da lngua elabora seus tipos relativamente estveis

de enunciados, sendo isso que denominamos gneros do discurso (BAKHTIN, 1992, p. 280).

Partindo desse pressuposto, o gnero molda a fala e revela, atravs dela, o tipo de gnero

discursivo a que ela pertence. Assim, contedo temtico, estilo e construo composicional

fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles so marcados pela

especificidade de uma esfera de comunicao (BAKHTIN, 1992, p. 280). Dessa forma, a

comunidade lingstica estabelece a escolha do gnero a ser utilizado a partir das necessidades

temticas surgidas da comunicao entre os parceiros.

Segundo o autor, a comunicao seria mesmo impossvel se no existissem os gneros.

Aprendemos a moldar nossa fala s formas do gnero e, ao ouvir a fala do

outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras linhas prescindir-lhe o

gnero, adivinhar-lhe o volume (extenso aproximada do todo discursivo), a

dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o incio, somos

sensveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala,

evidenciar suas diferenciaes. Se no existissem os gneros do discursivo e

se no os dominssemos, se no tivssemos de cri-los pela primeira vez no

22

processo, se tivssemos de construir cada um de nossos emaranhados, a

comunicao seria quase impossvel.

(BAKHTIN, 1992, p. 302)

Conforme o pensamento bakhtiniano, no fluxo da comunicao verbal que a palavra se

transforma e ganha diferentes significados de acordo com o contexto em que surge.

Bakhtin (1992, p. 279-281) ressalta que as esferas de comunicao so formadas por um

repertrio de gneros que lhes so prprios. O autor enfatiza ainda que, dependendo das

esferas, os gneros se dividem em dois grupos: primrios e secundrios. Os gneros primrios

esto ligados s circunstncias de uma comunicao verbal espontnea, os secundrios

transitam em enunciados prprios de "uma comunicao cultural mais complexa e (...)

evoluda, principalmente escrita". Para exemplificar os gneros primrios, Bakhtin destaca o

dilogo cotidiano e a carta; e para os gneros secundrios, o autor cita, entre outros gneros,

o romance e o discurso cientfico.

Bakhtin (1992) sugere que os primrios propiciam uma comunicao verbal espontnea e os

secundrios apiam uma comunicao mais complexa e escrita o que no quer dizer que a

fala seja um fator privilegiado dos primeiros, j que a carta se consolida atravs da escrita.

Como lembra Marcuschi (2000), uma comunicao em um congresso cientfico, ainda que se

apresente oralmente, ser um gnero secundrio, por estar interligado a uma esfera complexa

de comunicao, que a cientfica.

Bakhtin ressalta que todos os gneros secundrios incorporam, em sua composio, uma

diversidade de gneros simples. Essa absoro que os gneros secundrios realizam nos

gneros primrios exemplificada no caso da transmutao do dilogo cotidiano para a esfera

literria, conforme destaca Bakhtin (1992, p. 281):

(...) inseridas num romance, a rplica do dilogo cotidiano ou a carta,

conservando sua forma e seu significado apenas no plano do contedo do

romance, s se integram realidade existente atravs do romance

considerado como um todo, ou seja, do romance concebido como fenmeno

da vida literria-artstica e no da vida cotidiana.

23

luz da transmutao dos gneros e da assimilao de um gnero por outro, conclui-se que

muitos gneros encontrados so adaptaes de outros pr-existentes.

Neste caso, o e-mail (mensagem eletrnica) originou-se de cartas pessoais, cartas comerciais e

bilhetes. A linguagem desses novos gneros encontra-se cada vez mais malevel, o que faz

com que alguns sejam determinados pelo prprio ambiente em que aparecem e criem formas

comunicativas integrando os vrios tipos de semioses (signos verbais, sons, imagens e formas

em movimento).

O e-mail possui uma identidade prpria, vinculada s condies tecnolgicas de sua produo

e comunidade discursiva que faz uso dele.

Para a concretizao do processo de comunicao, Bakhtin analisa que o dialogo composto

por trs elementos: o falante, o interlocutor e a revelao dos dois. Assim, as prticas

discursivas e no as estruturas lingsticas constituem o cerne do princpio dialgico.

Partindo desse pressuposto, a realidade lingstica um mundo de vozes sociais em mltiplas

relaes dialgicas. A lngua no neutra, mas povoada pelas intenes dos outros. Desse

confronto, surgem novas vozes sociais.

Para Bakhtin, o termo voz se refere conscincia falante presente nos enunciados, carregando

consigo uma viso de mundo. Nesse ponto, o enunciado composto por diferentes pontos de

vista, conscincias falantes ou vozes.

Tal premissa de vital importncia na anlise dos e-mails como enunciados de uma

comunidade falante consciente, numa integrao de vozes discursivas.

Ao considerar o enunciado como uma interao verbal em que as palavras so definidas a

partir das trocas sociais de cada grupo ou esfera social, Bakhtin analisa que a diversidade de

atividades sociais leva a uma diversidade de produes de linguagem.

A comunicao eletrnica constitui-se, portanto, como um encontro de vozes que se

consolidam em dilogo cultural diferente das estruturas at ento estabelecidas. vital

24

compreender as estruturas de sua organizao, o uso da escrita conversacional, as mudanas

inseridas e a presena da fonologia na construo de tais comunicaes.

Assim, imprescindvel manter-se aberto para a anlise e compreenso desses novos gneros.

Novamente, a anlise de Bakhtin pertinente a saber: sem entender a nova forma de viso,

impossvel entender corretamente aquilo que pela primeira vez foi percebido e descoberto na

vida com o auxlio dessa forma. (BAKHTIN, 1981, p. 36).

Essa necessidade de debruar-se sobre o novo e compreend-lo destacada por Chartier

(1994, p. 101) quando ressalta que essas necessidades comandam inevitavelmente,

imperativamente, novas maneiras de ler, novas relaes com a escrita, novas tcnicas

intelectuais.

Os novos gneros propiciam uma flexibilidade mpar, em que os sujeitos interagem com a

mensagem, reelaborando-a a partir de padres escritos, criando uma nova escrita. Conforme

destaca Marcuschi (2000, p. 93), as fronteiras entre ler e escrever se tornam mais tnues.

A possibilidade de criao de um novo gnero faz emergir o conceito de gneros hbridos. A

cultura eletrnica possibilita a exploso de novos gneros, decorrentes da necessidade de

gerar novidades, por meio de modificaes e criaes a partir dos gneros consagrados.

Marcushi (2002, p. 20) analisa que

os gneros textuais caracterizam-se muito mais por suas funes

comunicativas cognitivas e institucionais que por suas peculiaridades

lingsticas e estruturais (...) devendo ser contemplados em seus usos e

condicionamentos scio-pragmticos caracterizados como prticas scio-

discursivas.

Partindo da transmutao dos gneros segundo os estudos bakhtinianos, pode-se dizer que os

emergentes gneros analisados neste trabalho redefinem alguns aspectos centrais na

observao da linguagem em uso, como por exemplo a relao entre a oralidade e a escrita.

A nova forma de linguagem utilizada vale-se de um hibridismo que rompe com os limites

entre o que oral e o que escrito, brincando com as palavras e formando um gnero que j

possui uso e funcionalidade. Para que haja uma compreenso entre os interlocutores, faz-se

25

necessria a relao entre os sujeitos. A ligao entre linguagem e sociedade fez com que

Bakhtin entendesse o processo de significaes como o resultado das estruturas sociais.

Bakhtin (1979, p. 72) analisa que a criao lingstica uma criao significativa, anloga

criao artstica.

Faz-se fundamental, portanto, analisar a essncia social do discurso verbal. Pode-se afirmar

que tal discurso nasce de uma situao pragmtica extra-verbal e mantm a conexo mais

prxima possvel com essa situao. Assim, um discurso no se constri alienadamente.

Antes, todos os julgamentos, as avaliaes e as ponderaes presentes nele encontram-se

diretamente determinados pelo contexto social que o circundam. Analisar o discurso verbal

puramente sob a tica lingstica, certamente atrela-o a uma mecnica linha tecnicista. Antes,

fatores extra-verbais tais como as emoes, o ambiente, as situaes em que ocorrem tais

discursos constituem caractersticas vitais para a construo do discurso no como uma obra

de arte encarada como um objeto, mas como uma obra que se insere num campo social, ativo,

construtivo e significativo.

Enunciados concretos continuam e desenvolvem ativamente uma situao, esboam um plano

para uma ao futura e organizam essa ao. Conforme Bakhtin, a situao se integra ao

enunciado como uma parte constitutiva essencial da estrutura de sua significao. Nessas

situaes, os julgamentos, de valor presumido so, no emoes individuais, mas atos sociais

regulares e essenciais.

Esses enunciados encontram-se to fortemente ligados aos fatores extra-verbais que, se

proferidos em um contexto social diferente, perdem seu valor e intensidade. Assim, as

caractersticas presumidas e a entonao formam as particularidades ou identidades

determinantes do discurso em pauta. Bakhtin diz que:

O enunciado concreto (e no a abstrao lingstica) nasce, vive e morre no

processo da interao social entre os participantes da enunciao. Sua forma

e significado so determinados basicamente pela forma e carter desta

interao. Quando cortamos o enunciado do solo real que o nutre, perdemos a

chave tanto de sua forma quanto de seu contedo tudo que nos resta uma

casca lingstica abstrata ou um esquema semntico igualmente abstrato (a

banal idia da obra, com a qual lidaram os primeiros tericos e

26

historiadores da literatura) duas abstraes que no so passveis de unio

mtua porque no h cho concreto para sua sntese orgnica.(1976)

O discurso verbal seria, portanto, o cenrio de uma vida. Entretanto, uma pea no se faz

somente com o cenrio. Existem ainda os atores, as emoes, o texto, o autor, a platia e toda

uma gama de fatores determinantes na realizao do espetculo a fim de torn-lo

compreensvel, objetivo e mpar, nico a cada ato. Ater tal processo ao aspecto lingstico

simplesmente, desconsiderando todos os fatores sociolgicos envolvidos nesse processo,

significaria restringir seu horizonte de construo a um espao frio e aptico.

O autor/poeta, aquele que constri o enunciado, conforme destaca Bakhtin (1976) no

seleciona as palavras de um dicionrio frio e impessoal, mas do contexto da vida onde as

palavras foram embebidas e se impregnaram de julgamentos de valor.

A anlise sociolgica de uma obra deve partir da sua forma verbal, entretanto, no deve

limitar-se a ela. Conforme Bakhtin, existe uma gama de fatores, tais como a articulao, a

imagem sonora, a entonao e o significado social do texto, que contribuem ativamente para a

anlise e compreenso da mensagem em pauta. O discurso verbal o esqueleto que toma

forma viva no processo da percepo criativa, conseqentemente, s no processo da

comunicao social viva. Todos os elementos do estilo de uma obra potica esto

impregnados da atitude avaliativa do autor com relao ao contedo e expressam sua posio

social bsica. Essa premissa fortemente destacada na construo dos chats que expressam

uma postura lingstica altamente influenciada por um contexto social.

Dessa forma, toda a arte no se prende apenas aos aspectos estticos ou lingsticos, mas a um

conjunto de fatores sociais que determinam a forma e a elaborao do produto final como

obra a ser admirada, discutida e contextualizada.

Partindo do enfoque bakhtiniano quanto aos gneros discursivos, bem como quanto s vozes

que ecoam entre os interlocutores e para alm deles, que ser feita a anlise das

comunicaes realizadas entre os chats prprios de uma comunidade adolescente nesse

universo repleto de particularidades.

27

3 GNEROS DIGITAIS

A Internet possibilita uma comunicao em que a flexibilidade lingstica um fato marcante.

O usurio pode brincar com signos de natureza diversas, criando novos smbolos. Nessa

exploso de cultura eletrnica, surgem novos gneros e novas formas de comunicao.

Conforme destacam Marcuschi e Xavier (2004, p. 13), a Internet uma espcie de prottipo

de novas formas de comportamento comunicativo. Os gneros digitais emergentes nesse

contexto contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas, consolidando-se

como entidades scio-discursivas e formas de ao social.

Entretanto, os gneros digitais e suas peculiaridades no devem ser encarados como inovaes

absolutas. Conforme analisado por Bakhtin, a transmutao dos gneros favorece o

surgimento de novos gneros. Ocorre, portanto, uma evoluo de gneros que interagem,

culminando em novas formas de comunicao.

Assim, as facetas da cultura eletrnica encontram-se fundamentadas em gneros pr-

existentes. Por exemplo, o e-mail que gera mensagens eletrnicas tem nas cartas e bilhetes os

seus antecessores. Vale ressaltar que os gneros digitais, apesar de terem suas bases em

gneros pr-existentes, possuem identidades prprias.

Os gneros digitais apresentam uma intensa ligao entre oralidade e escrita, criando formas

de comunicao prprias, como as observadas nos chats. Como analisado por Jonsson (1997,

p. 9, citado por Marcuschi e Xavier, 2004, p. 41)

as mensagens eletrnicas podem partilhar as propriedades da carta

tradicional, mas podem partilhar as propriedades do telefonema ou a

comunicao face a face. Conseqentemente, os e-mails transgridem os

limites entre as noes tradicionais de comunicao oral e escrita.

No que tange a anlise dos gneros digitais, Marcuschi (2004, p. 14) ressalta que

trs aspectos tornam a anlise desses gneros relevante: (1) seu franco

desenvolvimento e um uso cada vez mais generalizado; (2) suas

peculiaridades formais e funcionais, no obstante terem eles contrapartes em

28

gneros prvios; (3) a possibilidade que oferecem de se rever conceitos

tradicionais, permitindo repensar nossa relao com a oralidade e a escrita.

Assim, esse discurso eletrnico constitui um bom momento para se analisar

o efeito de novas tecnologias na linguagem e o papel da linguagem nessa

tecnologias.

Fato evidente que, nos gneros digitais, a escrita a base da comunicao empreendida,

ainda que integrada a imagens e sons. Nesse ambiente as formas textuais utilizadas nesse

universo eletrnico so versteis.

De acordo com Marcuschi (2000, p. 88), o espao de escrita eletrnico deve ser encarado

como

um espao cognitivo que exige a reviso de novas estratgias de lidar com o

texto. Sobretudo as estratgias que dizem respeito continuidade textual.

Pois o novo espao no mais linear nem se comporta numa direo

definida.

Os novos gneros trazem uma alta interatividade, o que proporciona uma estreita relao fala-

escrita nesse contexto. Marcuschi (2000, p. 33) destaca ainda um outro aspecto importante

nos gneros digitais:

o uso de marcas de polidez ou indicao de posturas com os conhecidos

emoticons (cones indicadores de emoes) (...), trazendo descontrao e

informalidade (monitorao fraca da linguagem), tendo em vista a

volatilidade do meio e a rapidez da interao.

A linguagem escrita utilizada nesses gneros no submetida a correes. Pode-se dizer,

segundo Marcuschi (2000, p. 63) que uma linguagem escrita no-monitorada, (...) em seu

estado natural de produo. Face ao exposto, vale ponderar at que ponto tal liberdade pode

influenciar nas outras formas de escrita: 1) Admitir-se-o vrias formas de escrita ou grafias a

partir de contextos diferentes? 2) Como o adolescente usurio dos vrios gneros digitais

trabalha o enquadramento da lngua escrita? Sem dvida, a linguagem utilizada nesse entorno

contribui significativamente para a formao de novas variedades comunicativas.

29

O tipo de linguagem escrita utilizada nos chats, por exemplo, reproduz estratgias da lngua

falada, apresentando enunciados mais curtos e com menor ndice de nominalizaes por frase,

conforme analisa Halliday (1996, 356, citado por MARCUSCHI, 2000, p.64). Partindo desse

pressuposto, pode-se dizer que os novos gneros digitais difundem-se num novo letramento a

partir dessa nova relao com a escrita. Essa nova relao com a escrita e com seu carter

comunicativo ocorre num contnuo de identidades sociais desde o pessoal e conhecido at o

impessoal e irreal (MARCUSCHI, 2004, p.66).

Soares (1997) postula que

a tela como espao de escrita e de leitura traz no apenas novas formas de

acesso informao, mas tambm novos processos cognitivos, novas formas

de conhecimento, novas maneiras de ler e de escrever, enfim, um novo

letramento, isto , um novo estado ou condio para aqueles que exercem

prticas de escrita e de leitura na tela.

luz dos estudos de Marcuschi e Xavier (2004) pode-se estabelecer uma anlise dos gneros

da mdia digital, assim discriminados:

E-mails (mensagens eletrnicas)

Segundo os autores supracitados, o e-mail pode ser definido como uma forma de

comunicao escrita normalmente assncrona de remessa de mensagens entre usurios do

computador (p. 39). So ainda pessoais e seus interlocutores mantm um certo nvel de

conhecimento mtuo, fugindo do anonimato prprio das salas de bate-papos. Seu formato

textual assemelha-se ao de uma carta/bilhete, com cabealho e assunto. Podem ainda assumir

caractersticas de um telefonema ou comunicao face a face, o que resulta numa linguagem

que mescla oralidade e escrita.

Sob esse aspecto, Jonsson (1997, p. 15, citado por MARCUSCHI, 2004, p. 42) analisa que,

apesar de possurem aspectos do gnero tradicional conhecido na escrita, trazem novos

elementos, em especial na relao com a oralidade, conforme se observa a seguir:

os e-mails introduzem traos inteiramente novos para a comunicao, tais

como a colagem gerada pelo software; postagem cruzada e encadeamentos.

30

Os e-mails no se conformam aos domnios tradicionais do discurso oral e

escrito, mas transgridem constantemente os limites entre os dois. Assim,

pode-se dizer que o e-mail cria seu prprio domnio de discurso no territrio

da comunicao.

Entrevista com convidado

Nesta modalidade, h um mediador que faz a triagem das perguntas que o interessado recebe

para responder. Em sua essncia, qualquer um poder fazer sua pergunta na sala.

E-mails educacionais

Neste aspecto da sala de aula virtual, o formato apresenta-se centrado na exposio e

discusso, tratando-se de eventos essencialmente escritos.

Conforme destaca Marcuschi (2004, p. 52), o fato de basear-se em eventos escritos uma

grande inovao, visto que

A aula em geral se d no formato oral em sua forma cannica. Isso faz pensar

desde logo que se est diante de um novo conjunto de gneros. Alm disso, a

forma de acesso e o ritmo de trabalho no so mais os mesmos que as aulas

tradicionais (...) As aulas so baseadas numa interao de escrita assncrona.

Nesta modalidade, o aluno determina ritmo e horrio de estudo, quebrando a distino rgida

entre professor e aluno. Todos conversam, discutem, trocam idias e formulam

conhecimentos. um formato novo que representa um gnero textual diverso.

Vdeo-conferncia interativo

Segundo Marcuschi (2004, p. 58), um gnero que se aproxima dos bate-papos com

convidados, mas tem um tema fixo e tempo claro de realizao com parceiros definidos.

Nesse caso, a escrita usada com menor intensidade e sua caracterstica aproxima-se a dos

telefonemas com imagem em circuito fechado.

Listas de discusso

So gneros fundados numa comunicao assncrona. Muito praticado nas comunidades

acadmicas, podem ocorrer tambm fora dela. Nesse caso, ocorre a partir de interesses

31

comuns, com objetivos bem definidos entre as chamadas comunidades virtuais. H um cdigo

de tica que governa a operacionalidade das listas dos participantes.

Endereo eletrnico

De acordo com Marcuschi (2004, p. 59), o endereo eletrnico um dos identificadores

pessoais dos indivduos para todo tipo de participao na comunicao eletrnica. Nas salas

de bate-papo eles no aparecem, mas nos e-mails, eles funcionam como o remetente da carta.

O usurio pode possuir mais de um endereo, de acordo com a quantidade de caixas postais

que tiver aberto. Um aspecto interessante destacado por Marcuschi (2004, p. 60), a saber:

esses endereos no admitem nenhuma alterao e um simples espao a mais ou a mudana

de uma letra suficiente para que ele no funcione.

Os blogs

Os blogs possuem funo especfica e uma estrutura que os caracteriza como um gnero.

um dirio eletrnico que pode ser atualizado, com anotaes dirias ou em tempos regulares

que permanecem acessveis a qualquer um na rede (MARCUSCHI, 2004, 0. 61). A

linguagem utilizada nos blogs informal, visto tratar de assuntos dirios como sentimentos,

relaes, atividades cotidianas e outros. Seus textos soam breves e podem conter msicas e

fotos. So interativos e participativos. Os usurios podem escrever, opinar e construir blogs

coletivos.

luz do exposto, verifica-se que os gneros digitais impem uma nova gama de

investigaes no que tange ao processo de escrita e fala. Costa (2000, p.44) afirma que o uso

da Internet responsvel pelo surgimento de novos gneros (hiper) textuais, (chat, e-mail,

frum, homepage), ligados interatividade verbal e, conseqentemente se torna responsvel

por novas formas e/ou funes de leitura e escrita.

Segundo a perspectiva da pesquisa de Silveira Galli (2004, p. 125),

a linguagem da Internet tem seus pressupostos que naturalmente esto

caminhando para um novo modelo de comunicao. A Internet j se

transformou num veculo de comunicao com uma linguagem acessvel

32

maior parte dos hiperleitores. Desse modo, h uma explorao dos termos

dessa rea, os quais so transferidos para o contexto social e divulgados como

uma linguagem global.

Ainda dentro dos gneros digitais, o chat destaca-se como um dos gneros mais praticados da

civilizao digital. Por figurar como relevante para pesquisa em pauta, ser discutido no

captulo a seguir.

33

4 O CHAT

Os chats, segundo Marcuschi, (2004, p. 42)

surgiram na Finlndia no vero de 1988, quando Jarkko WIZ Oikarinen

escreveu o primeiro IRC (Internet Relay Chat) na universidade de Oulu, com

o objetivo de estender os servios dos programas BBS (os e-mails de ento)

para comunicao em tempo real.

Da, aps alguns contatos com os amigos, a novidade estava ligada Internet. Em menos de

uma dcada, tal tipo de comunicao tornou-se um dos gneros mais praticados na

comunidade virtual.

O Dicionrio Aurlio Sculo XXI define o verbete chat da seguinte maneira: chat forma de

comunicao atravs de Web de computadores (a Internet), similar a uma conversao, na

qual se trocam, em tempo real, mensagens escritas; bate-papo on-line, bate-papo-virtual, papo

on-line, papo virtual.

A linguagem utilizada livre, repleta de particularidades que formam o objetivo de estudo do

presente trabalho. A comunicao, entre um ou mais usurios, ocorre em tempo real,

simulando uma interao face a face, da ser denominada de comunicao sincrnica, onde o

tempo de produo coincide com o tempo de leitura. Devido a essa caracterstica, a fluidez e

qualidade da comunicao dependem da capacidade do usurio no que tange a sua rapidez

enquanto digitador, bem como em coordenar os parceiros, no caso de estabelecer vrios

dilogos simultaneamente.

Marcuschi (2004, p. 46) retrata, num quadro elucidativo, os recursos disponveis nas salas

chat que gerenciam tal linguagem mpar, conforme reproduzido a seguir:

34

CATEGORIAS ATIVIDADES POSSVEIS

(1) seleo de parceiros a) a seleo de TODOS: neste caso fala-se para a sala toda; b)

seleo de parceiros em conversa no aberto: disponibilidade

de escolha e um individuo com quem se quer falar, clicando

em cima do nome e dirigindo-se a ele no aberto; c) seleo de

parceiros para conversa reservada: neste caso fala-se com

algum reservadamente e ningum observa aquela fala; por

outro lado, permanece-se vendo todas as demais falas no

aberto; d) seleo de um nico parceiro e excluso de todos

os demais; assim no se recebe outra fala a no ser do

individuo selecionado com exclusividade; e) eliminao de

indivduos indesejados: pode excluir do seu vdeo quantos

quiser.

(2) envio de sons especiais Pode-se enviar sons de animais, instrumentos musicais,

telefones, suspiros, catarros, tosses, beijos, sustos e vrios

outros imitando situaes dirias.

(3) envio de caretas/imagens Os sons podem ser acompanhados de figuras ou caretas do

tipo: assustado, bocejando, dentuo, sorrindo, beijo,

gargalhada, aprovao, piscada, zanga, indeciso,

desaprovao, nojo, etc.

(4) seleo de comentrios Pode-se acrescer comentrios pronto como atos ilocutrios

pretendidos. As remessas so: fala para; responde para;

concorda com; discorda de; desculpa-se com; murmura para;

sorri para; suspira por; flerta com; entusiasma-se com; ri de;

d um fora em; grita com; xinga, ignora mensagem de X39

(5) sistema de alerta Pode-se fazer uma marcao de esperas e pedir para o sistema

avisar quando se recebe uma mensagem ou uma fala. So

sinais tais como: tocar um bip, tocar o telefone ou um

instrumento musical.

(6) remessa de msicas Pode-se remeter uma msica selecionada em seu computador

ou no programa do Servidor e por para todos os que a

quiserem ouvir.

(7) remessa de fotos Em certas salas especiais, como as de imagens erticas ou de

35

imagens outras pode-se remeter fotos de todos os tipos.

Apesar de terem a sincronia da comunicao face a face como caracterstica importante, vale

ressaltar que esta pode ser rompida quando o usurio no responde imediatamente

mensagem, o que pode ocorrer quando interage com vrios simultaneamente.

Ainda um outro fator que diferencia o chat da comunicao face a face: o recurso de

apropriar-se da fala de um usurio X e reproduzi-la para o usurio Y, podendo reunir vrias

citaes e remet-las em conjunto para o colega usurio com o qual dialoga no momento.

No que diz respeito s relaes estabelecidas nos chats, Marcuschi (2004, p. 48) as define

como de carter mais hiperpessoal do que interpessoal, pois a participao no centrada no

indivduo e nas relaes individuais e sim no grupo.

Por constituir-se num gnero digital que possibilita uma gama de recursos e interaes, o chat

subdivide-se em novos gneros, conforme analisado a seguir:

a) Chat reservado

O universo de atuao o mesmo que o descrito anteriormente. Entretanto, os usurios podem

optar por comunicar-se de maneira reservada dentro da sala. Assim, mingem mais ter

acesso s mensagens enviadas, nem participar das mesmas.

Assim, a conversao flui de maneira mais ordenada, muitas vezes transcorrendo em torno de

um tema por um certo tempo. Apresenta uma aproximao maior com a comunicao face a

face. Entre os objetivos que podem levar dois parceiros a isolar-se dentro de uma sala

encontram-se finalidades especificas, seja para estmulos e brincadeiras sexuais ou para

resolver problemas que vinham se acumulando em outros encontros havidos (MARCUSCHI,

2004, p. 49).

Muitos desses encontros transcendem as janelas da comunicao eletrnica, conquistando o

espao real e vrios namoros se estabelecem a partir desse universo do chat reservado.

b) O ICQ

Segundo Marcuschi (1996, p. 49), o ICQ (I Seek You)

36

surgiu em agosto de 1996, em Israel, pelas mos de seu criador Mirabilis,

entrando na Internet quatro meses depois de sua criao. (...) A vantagem do

programa a possibilidade de criar uma lista de amigos que permanecem em

contato sempre que estiverem conectados rede.

Pode-se dizer que nos ICQs as comunicaes ocorrem de forma mais ordenada, sem invases

de estranhos e menos tumultuada. Os usurios se conhecem mutuamente e tm a possibilidade

de restringir a entrada de indivduos que no fazem parte daquele crculo de contato virtual.

Os participantes podem observar a elaborao da mensagem, em que a digitao aparece on-

line, no precisam aguardar sua execuo completa para envi-la ou receb-la, como no caso

dos e-mails.

Por se tratar de um grupo selecionado de usurios, pode-se dizer que ocorre a formao de

verdadeiras "gangues" virtuais. Diferente das convencionais que se destacam por aspectos

fsicos, tais como vestimentas e/ou acessrios, as "gangues" virtuais criam uma linguagem

prpria. Observa-se nos ICQs um conjunto de abreviaturas e recursos grficos que tornam a

linguagem utilizada nessa comunicao um aspecto mpar que une seus participantes num

cdigo virtual.

Pode-se dizer que os ICQs tornaram-se uma febre entre os adolescentes. Conforme

reportagem de Tnia Neves (2003), o motivo de tanto fascnio prq mto mais rpido.

Assim, evidencia-se que os adolescentes adotam as abreviaturas a fim de acompanhar a

rapidez do pensamento.

Os usurios revelam uma notvel percepo da situao comunicativa. No ocorre um

massacre da lngua portuguesa, mas uma coreografia com os seus recursos. A capacidade de

diferenciar o contexto de uso das famosas abreviaturas revela-se no depoimento do jovem Leo

Paulis, de 12 anos, aluno do Colgio Santo Agostinho (Rio de Janeiro), conforme descreve

Tnia Neves em sua reportagem: s vezes a gente enfia um vc ou mto no rascunho (de

provas ou redaes), mas depois revisa e passa a limpo direitinho. Ningum quer perder

ponto, e tem professor que diz que isso at pode dar suspenso.

37

Tal depoimento faz-nos refletir quanto a um preconceito lingstico que muitas vezes pode

partir do prprio professor, que no percebe o universo de trabalho que se apresenta. Essa

questo do preconceito lingstico ser analisada posteriormente.

Orlandi (1990, p. 15-16) ressalta a importncia de se analisar o discurso em seu contexto:

(...) Levando em conta o homem na sua histria, os processos e as condies

de produo da linguagem, pela anlise da relao estabelecida pela lngua

com os sujeitos que a falam e as situaes em que se produz o dizer. Desse

modo, para encontrar as regularidades da linguagem em sua produo, o

analista de discurso relaciona a linguagem sua exterioridade.

Essa importante relao entre locutores, contexto scio-cultural, culmina-se num enunciado

que no deve se ater s normas lingsticas estticas ou acrticas..

Partindo dessa premissa, pode-se dizer que o chat rene um grupo de inter-locutores que

constituem um enunciado prprio, estabelecendo uma relao dialgica baseada em interesses

comuns.

Bakhtin revela a importncia de compreender essa enunciao como o elo de uma cadeia

maior, geradora do processo de comunicao.

Qualquer enunciao, por mais significativa e completa que seja, constitui

apenas uma frao de uma corrente de comunicao verbal ininterrupta

(concernente vida cotidiana, literatura, ao conhecimento, poltica, etc.)

Mas essa comunicao verbal ininterrupta constitui, por sua vez, apenas um

momento na evoluo contnua, em todas as direes, de um grupo social

determinado. (BAKHTIN, 1978, p. 122)

Dessa forma, os chats constituem um elo na esfera da comunicao, fruto dos objetivos, das

buscas e dos projetos de um grupo social determinado. Tais canais de comunicao

oportunizam situaes de envolvimento e constituio de uma linguagem prpria, em que os

usurios valem-se da lngua para a sua primria funo, a saber: para fazer-se ouvir e

relacionar-se com o outro, ou seja, comunicar-se. Nesse universo de formao da linguagem,

ocorre um hibridismo onde se mesclam os gneros primrios e secundrios (BAKHTIN)

dentro de um mesmo suporte o computador.

38

Sendo considerado como um gnero discursivo, o chat no deveria apresentar-se fora da

esfera educacional. Sua utilizao nesse contexto recente incio da dcada de 90 ,

conforme analisado a seguir.

c) O chat educacional

A diferena entre os chats e o chat educacional assim definida por Marcuschi (2004, p. 54):

Uma diferena bsica o fato de os participantes se conhecerem ou serem

identificados por seus nomes e a entrada ser limitada aos alunos, pois a sala-

chat uma autntica sala de aula. (...) esses encontros tm uma estrutura

relativamente clara que determina relaes interpessoais e constitudos

sancionados.

Diferente de uma sala de aula controladora, no chat educacional, professor e aluno interagem

e a atividade instrucional evidencia-se como uma espcie de aconselhamento ou tira dvidas.

Neste gnero, o tempo deve exceder noventa minutos. O nmero de participantes limitado e

o tema pr-definido, em conformidade com a modalidade de ensino. Vale destacar que,

diferente dos chats anteriormente analisados, nessa faceta no permitido e nem mesmo

disponibilizado a conversao reservada e/ou paralela. Um exemplo de aula-chat transcrito

por Marcuschi (2004, p.56-57):

Karla;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Karla;

Vera;

Eduardo;

Eduardo;

Eduardo;

Falando em literatura, voc tem alguma coisa para me ensinar a trabalhar diferente as

figuras de linguagem?

Grato pelo estmulo Teresa e boa tarde proc.

Boa tarde Teresa

Sim Karla, existe muita coisa hoje em dia sobre a questo de estilo relacionada ao que se

denominou vcio de linguagem. Veja a reviso que est sendo feita da elipse, da

repetio, do anacoluto e outros aspectos.

Aprendi literatura decorando, e detesto decorar, acho que no leva ningum a lugar

nenhum. Estou tendo dificuldades em ensinar as figuras, minhas idias esto falhando na

criatividade desse tipo de aula.

Voltei!!

Imagino que o que se chamou de figura de linguagem foi apenas uma estilizao das

formas orais. nisto que se funda a retrica

Viva, Vera!

Se voc tem interesse em revises sobre a questo das figuras de linguagem, veja as

39

Vera;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Eduardo;

Vera;

Andr;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Eduardo;

Karla;

Eduardo;

Eduardo;

reflexes sobre a metfora e a analogia bem como a associao que esto sendo feitas

hoje.

Est difcil, mas vou tentar. Lamento ter perdido parte da discusso.

Posso mandar a voc uma bibliografia sobre o tema.

Mais uma que aceito imensamente... voc est anotando o que preciso, pois j me perdi..

Ento, Renato, voc j se encontrou nessa balbrdia ordenada?

Posso cham-lo de voc, j chamando?

Sim. Todo mundo deve me chamar de voc. Assim ficamos todos iguais. Minha grande

vantagem sobre vocs que eu li uns meses antes de vocs os livros que vo ler daqui

pra frente.

Que bom. Estou gostando muito de conversar com voc

Idem.

Parece que o Andr est com problemas

Vocs conhecem o livro Grammatica portugueza pelo methodo cofuso (So Paulo:

Musas, s.d.)? Ele trabalha de maneira interessante as figuras de linguagem.

Tudo bem

Acho que a Karla e eu somos os nicos que no t~em problemas com essa geringona.

Esses computadores... e seus problemas... o que seria deles sem ns homens?

Sim, E interessante e tem uma srie de informaes dadas de maneira bastante clara.

Eu no conheo. De que editora ? assim mesmo o ttulo?

Diga l Karla.

Alis, Vera, sorry!

Diga l o qu?

Foi lapso.

Voc parece ser muito engraado...

pra Vera dar os dados da Grammatica confuza...

Sem uma pitada de humor a vida baita problema

Concordo...

Pior, muito pior do que aprender a fazer e lidar com textos.

Cad a Vera?

Vera, eu acho que voc est num micro muito micro.

Ele s deixa voc falar de vez enquando.

A Renata tambm sumiu

Isso parece programa prafantasma.

Qual a sua formao Karla? Voc fez letras?

Renata, onde est voc?

40

Eduardo;

Eduardo;

Karla;

Todo mundo foi tomar gua?

Com seu conhecimento, me esclarea uma pequena dvida, fugindo do assunto texto.

correto um professor de segundo grau, corrigir letra de aluno? Sou formada em letras,

atuo atualmente como vice-diretora de 1o. e 2o. grau no turno matutino e professora de 2o.

grau de literatura e ingls.

Conforme observado no exemplo acima, as aulas transcorrem informalmente, num ritmo de

conversao em que impera a troca de experincias.

luz do exposto, os chats no devem passar ignorados como gneros digitais influentes

nesse novo universo de aprendizagem. Sob este aspecto, procedem as consideraes de Abreu

(2003, p. 89) ao encarar o chat como ferramenta:

Esses instrumentos ou ferramentas encontram-se entre o individuo e a

situao na qual age, determinando e guiando seu comportamento na situao

em que age. A transformao da ferramenta tambm transforma as maneiras

de o sujeito se comportar numa determinada situao (...) a ferramenta no s

media uma atividade como tambm materializa essa atividade, tornando-se o

lugar privilegiado da transformao de comportamentos.

Por se tratar de uma ferramenta que fomenta e sofre uma constante transformao de

comportamentos, os chats, alm de figurarem como ponto de estudo no que tange

linguagem, apresentam-se ainda como foco de um preconceito lingstico que acaba

ocultando os seus reais valores lingsticos enquanto gnero digital, conforme avaliado a

seguir.

41

5 PRECONCEITO DIGITAL: O CHAT COMO VARIANTE DA LNGUA

ESCRITA

A lngua falada sempre foi alvo de um preconceito lingstico difundido por gramticos

tradicionais, professores e educadores. A linguagem dos chats tambm alvo desse

preconceito sofrendo forte discriminao no contexto escolar.

O preconceito lingstico acentua-se a cada programa na mdia, coluna ou matria em jornais

e revistas que pretendem ensinar o falar "certo" e repudiar o "errado", sem se esquecer das

gramticas normativas nesse rol de juzes da lngua que estabelecem regras e condies para o

"falar corretamente.

Acerca de tal premissa, Soares (1986) analisa o perigo de se invalidar as variedades

lingsticas na fala em favor de uma variante padro socialmente privilegiada. Seguindo a

autora, a hiptese do dficit lingstico apia-se na crena de que as crianas que apresentam

um desempenho lingstico restrito (cdigo restrito) tm pouca possibilidade de serem bem-

sucedidas na escola.

Em termos de lngua falada, essa formulao de um cdigo privilegiado marginaliza o usurio

dos ditos dialetos, lanando sobre ele a falcia por no conseguir adequar a linguagem ao

contexto. Eis a um preconceito gerador de inmeras discriminaes j por tanto tempo

pesquisadas e divulgadas por conceituados educadores tais como Magda Soares e Luis Carlos

Cagliari.

Assim, para que a escola possa ensinar a variedade de maior prestgio, fundamental que se

respeite a variante que cada um trouxe de sua comunidade, a qual permanecer sendo

utilizada em seu meio social.

Bagno (2003, p. 47) pondera que

no existe nenhuma variedade nacional, regional ou local que seja

intrinsecamente melhor, mais pura, mais bonita, mais correta que outra. Toda

variedade lingstica atende s necessidades da comunidade de seres

humanos que a empregam. Quando deixar de atender, ela inevitavelmente

sofrer transformaes para se adequar s novas necessidades.

42

Assim, inconcebvel fornecer determinada comunidade lingstica o privilgio de assumir

o posto de variante certa ou absoluta sobre as demais, sendo vital valorizar e respeitar todo co

conjunto de variedades da lngua como um tesouro precioso da cultura.

Quanto ao uso das consideradas normas cultas, utilizadas em determinados contextos formais,

Bagno (2003, p. 51) ressalta que se tivermos de incentivar o uso de uma norma culta, no

podemos faz-lo de modo absoluto, fonte do preconceito. Temos de levar em considerao a

presena de regras variveis em todas as variantes, a culta inclusive.

Na valorizao da norma, a culta acima de qualquer variao lingstica, tem-se a gramtica

como a Carta Magna para se falar e escrever bem, que para Cipro e Infante (1997, citado por

Bagno, 2003, p. 62), a gramtica instrumento fundamental para o domnio do padro culto

da lngua.

luz do exposto, infelizmente o preconceito lingstico ainda se encontra fundamentalmente

arraigado no que tange ao ensino da lngua materna. Sob esse enfoque, quaisquer variaes

que possam ocorrer dentro desse culto universo normativo so intensamente bombardeadas

com alegaes de que constituem uma afronta e um perigo para a aprendizagem da forma

correta de ler e escrever.

O preconceito contra as variantes lingsticas, no mbito da fala, parece ter migrado para o

domnio da escrita, quando se constata o receio dos professores com as influncias da

linguagem dos chats na escrita escolar. No se defende aqui uma licenciosidade irresponsvel,

capaz de desvalorizar a escrita tradicional e de valorizar a informal. Trata-se de explicitar que

esse um bom momento para se discutir com alunos e professores os critrios de adequao

das linguagens s situaes comunicativas. Tal preconceito, em seu mbito mais emergente,

foca-se na questo do computador e nas possibilidades oferecidas por esse universo virtual.

Para Marcuschi (2002, p. 87), o fato de algumas pessoas dizerem que o computador uma

forma artificial de produo da escrita suscita o questionamento quanto a se h alguma

forma natural de escrita.

43

Sob essa tica, a linguagem utilizada nos chats tem sido alvo de muitos questionamentos,

indagando-se at que ponto tal prtica ou variante escrita fere os ditames da gramtica

normativa.

Entretanto, antes de imbuir-se de um preconceito radical, a escola e seu corpo docente

deveriam, como atividade de pesquisa, analisar a linguagem utilizada nos chats como mais

uma janela ou situao na qual o aluno tem a possibilidade de trabalhar com a lngua. Antes

de erradic-la, seria mais criterioso analis-la como linguagem especfica de determinada

situao comunicativa, assim como o so as grias, a linguagem formal do currculo ou da

carta comercial. Teme-se que a linguagem repleta de abreviaturas, smbolos e particularidades

possa desviar o aluno do uso formal e correto da lngua.

A filloga Raquel Valena (2003, Jornal O Globo) ressalta que, no portugus medieval, os

textos so de compreenso, s vezes difcil, justamente por causa da grande quantidade de

abreviaturas. Os copistas escreviam tudo mo, ento abreviavam para facilitar, ou levariam

um tempo muito escrevendo.

J naquela poca, havia a necessidade de economia de tempo, o que justificava o uso de

particularidades e abreviaturas no universo ou comunidade dos copistas. Essa mesma

economia figura hoje como justificativa para a linguagem to cheia de redues utilizadas nos

chats. Analisar tais abreviaturas presentes nos textos produzidos pelos alunos, a partir de uma

postura recriminatria, sem conhecer o entorno de sua utilizao, figuraria como intolerncia

e preconceito prvio a essa modalidade de escrita caracterizada pelo chat. Afinal, a

comunicao ocorre em tempo real, numa semelhana com a comunicao face a face, e

preciso ganhar tempo a fim de que a linguagem escrita possa acompanhar a velocidade do

pensamento ou da fala (como o caso da interao face-a-face).

A ttulo de comparao, o quadro abaixo (2003, Jornal O Globo) estabelece uma comparao

entre as abreviaturas do portugus medieval e do portugus do ICQ. Vale ressaltar que, em

ambos os casos, as comunidades usurias valiam-se desse cdigo para comunicar-se,

compreendendo muito bem a mensagem escrita em pauta.

44

O portugus medieval

- P ro = Pedro - Q = Que

- N s = Nunes - Q = Quem

- L is = Lisboa - N = Nosso

- ADS = A Deus - N = No

- F rro = Ferreiro - Tam = Tabeliam (Tabelio)

- S or = Senhor - Ram = Relaam (Relao)

O portugus do ICQ

- Oieee = Oi - Eh =

- Koeh = Qual - Mtu = Muito

- Blz = Beleza - Kbca: = Cabea

- Naum = No - Tipow = Tipo

- Axu = Acho - Tb = Tambm

- Exi = Esse - Vc = Voc

- Fik = Ficar - Tranks = Tranquilo

- Msm = Mesmo - 9da10 = Novidades

Na realidade, a escrita abreviada no surge do nada. O homem l e escreve a partir de um

conjunto de interesses culturais, estabelecendo novos usos e novas funes para esse saber a

partir das necessidades que surgem ao longo do processo cultural. Manter-se margem dessa

funo maior da escrita, ou seja, a de suprir as novas necessidades da comunicao, implica

um preconceito lingstico. Isso no pode comprometer o fluxo de novas formas que visem a

concretizar o processo de escrita. Assim, ser letrado envolve estar continuamente vivendo e

buscando novas experincias de linguagem, mantendo-se aberto para quaisquer conquistas e

aprendizagens.

Muitas vezes, o preconceito vem do medo frente ao novo, frente mudana. No caso do

computador e seu universo intrigante, as mudanas em relao leitura e escrita soam

gritantes. No se atm somente linguagem utilizada, mas possibilidade de governar todo o

45

texto, indo e voltando no simples toque de rolar uma barra, podendo destacar, inserir,

deletar num piscar de olhos.

A diagramao e a apresentao do texto so diferentes da escrita em papel. Todos esses

novos recursos muitas vezes assustam aqueles que tm receio de inovar, de enfronhar-se por

um universo desconhecido. Assim, bem mais fcil criticar, discriminar, na utpica certeza

de que tal boicote possa impedir o acesso a tais novos recursos.

Mendona1 (2004) analisa que

as redes digitais (...) devem ser pensadas a partir dos usos dos objetos

tcnicos que os grupos sociais fazem. Coloca-se para as tecnologias e seus

usurios a necessidade de uma realimentao constante que garanta

inovaes e usos diferenciados. Os usurios desenvolvem prticas diferentes

dentro do meio. Essas prticas so determinadas pelo lugar em que esto e

pelas finalidades que encontram ali.

Assim como as variantes lingsticas atendem s necessidades de comunicao de um

determinado grupo regional, as linguagens digitais prestam-se a atender/satisfazer as

aspiraes da comunidade virtual. No caso da linguagem utilizada nos chats, ela cumpre

muito bem o seu papel de articuladora comunicacional, no devendo ser encarada sob os

ditames de um preconceito lingstico. Antes, deve ser focalizada como uma variante

lingstica da escrita. necessrio compreender essa cibercultura como fomentadora de novos

laos sociais.

A fim de se romper com tais preconceitos, Chartier (2001, p 152) destaca que ao pensar o

que acontece no mundo contemporneo, faz-se muito claro que tudo o que pensamos como

estvel, invarivel se fragmenta em uma descontinuidade ou em uma srie de

particularidades. Obviamente, a nova sociedade no pode admitir um sujeito regido,

________________

Carlos Magno Camargos Mendona1 professor do Departamento de Comunicao Social da UFMG e

pesquisador do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade da UFMG. (Jornal Estado de Minas, 3, sbado,

10 de julho de 2004.)

46

preconceituoso e legitimador de uma hegemonia. O processo de leitura/escrita/leitor/autor

deve, portanto, ser analisado no somente do vrtice lingstico em si (lxico-semntico), mas

tambm a partir da anlise do contexto social de produo, numa dimenso scio-histrico-

interacionista. O mundo contemporneo oferece uma bagagem de informaes muito mais

amplas, onde cada individuo carrega consigo uma gama de gneros especficos de textos,

exigindo formas especficas de leitura e escrita.

Muitas especulaes foram feitas em torno do assunto, algumas se mantendo no aspecto

preconceituoso do uso dessa variante lingstica de escrita presente, por exemplo, nos chats.

Em um artigo publicado na revista Internet.br (novembro de 1998), Mnica Miglio2

questiona se no estaria esse linguajar tipicamente virtual transgredindo a norma culta de

nossa lngua e prestes a invadir o mundo real.. Uma outra questo levantada foi se no

estariam os usurios (em especial crianas e adolescentes) aprendendo a escrever errado, em

virtude da forma de escrever na internet.

O medo nesse campo consiste em se afirmar que os internautas correriam o risco de ter de se

policiar para no usar a linguagem da internet em trabalhos escolares, redaes e documentos

oficial. Sabemos que a lngua o tesouro humano utilizado para efetivar a comunicao.

Por meio da lngua, os povos contribuem para a construo de sua cultura, discutem suas

diferenas e evoluem suas idias. A lngua funciona como um sistema flexvel vivo que une

segmentos de uma sociedade a partir de algumas particularidades ou caractersticas em suas

formas de expressar.

Obviamente, mudanas requerem novos enfoques e novas posturas. No caso da internet, as

mudanas ocorridas no campo da comunicao implementaram novas vises para a leitura e

para a escrita, criando o que podemos denominar de linguagem virtual, como a visualizada

nos chats. A possibilidade de criar novas formas de linguagem constitui-se num universo

fascinante para aqueles que num simples clique conectam-se com o mundo. Portanto, a

linguagem no um processo linear e mecnico. A lngua no est de antemo pronta, mas

est se reconstruindo continuamente.

______________

Mnica Miglio2 jornalista e trabalha com jornalismo para a Internet.

47

6 FALA E ESCRITA: SUAS IMPLICAES NA INTERNET

A questo entre a lngua falada e a lngua escrita um tema presente entre os educadores.

Muitos argumentam que primeiramente o aluno deve aprender a escrever bem para da falar

corretamente. No entanto, a fala ocorre primeiro que a escrita e, sem dvida, a fala que,

primeiramente, d vida lngua. Cagliari (1997, p. 52) analisa que uma lngua vive na fala

das pessoas e s a se realiza plenamente. A escrita preserva uma lngua como um objeto

inanimado, fossilizado.

A tentativa de se trabalhar uma gramtica normativa aleatoriamente lngua falada

desenvolve em muitos alunos um bloqueio lingstico que se arrasta atravs dos anos

escolares. Cagliari (1997, p. 8) analisa tais bloqueios e dificuldades devido a um trabalho

equivocado em relao fala e escrita.

Toda a conscincia que a criana tem da linguagem oral se deturpa quando

ela entra na escola e aprende a escrever de tal modo que depois, adulta, s

ser capaz de observar sua fala, sem as interferncias da forma grfica das

palavras, aps treinamento fontico.

Sem dvida, muitos professores atm-se to rigidamente a essa superioridade da escrita sobre

a fala, analisando-a separadamente, encarando-a como crassos erros a presena da oralidade

na grafia de certas palavras em seus alunos. A esse respeito, Cagliari (1997, p. 30) analisa a

grafia da palavra disse, escrita por muito alunos como disi, nas fases iniciais de aquisio de

escrita. Percebe-se nesse caso que a criana escreveu a palavra no segundo sua forma

ortogrfica, mas segundo o modo como ela a pronuncia. Em outras palavras, fez uma

transcrio fontica fenmeno que se configura na linguagem virtual dos chats.

Infelizmente, a escola no trabalha tais fatos, mas simplesmente negligencia-os ao encar-los

como erros, limitando-se a indicar ao aluno a forma correta de se escrever.

Na realidade, o professor perde uma importante chance de trabalho, partindo do conhecimento

lingstico-fontico apresentado pelo aluno. Acerca disso, Cagliari (1997, p. 31) pondera que,

se a escola distinguisse claramente os problemas de fala dos problemas de escrita, veria essas

escritas como escritas de fala, e feitas com uma propriedade fontica to grande que chega a

ser comovente a conscincia que as crianas tm do modo como falam.

48

Um outro fator ainda presente na questo lngua falada e lngua escrita encontra-se no campo

dialetal, em que as inmeras variedades lingsticas mostram-se presentes na transcrio

grfica de uma palavra. Nesse ponto, o professor deve atentar para o preconceito lingstico

to presente na sociedade e principalmente na comunidade escolar. Esse preconceito acaba

privilegiando uma lngua padro, que se encontra intimamente relacionada com a gramtica

n