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1 [1] O Cego de Landim 1 [1 Ao Visconde de Ouguella Sejamos amigos como foram nossos pais, e deixemos a nossos filhos o exemplo que recebemos] I Foi ha treze annos, em uma tarde calmosa de agosto, neste mesmo escriptorio, e n’aquelle canapé, que o Cego [1 cego] de Landim esteve sentado. São inolvidaveis feiçoens do homem. Tinha cincoenta e cinco annos[1 ,] <*fromosos e rijos> rijos como raros homens de vida contrariada se gabam aos quarenta. Resumbrava-lhe no semblante anafado a paz e a saude da consciencia. Tinha as espaduas largas; <*como> cabia-lhe mtº ar no peito; coração e pulmoens aviventavam-se na amplidão da pleura elastica. Envidraçava as pupilas <aneurothicas>[↑ alvacentas] com vidros <verdenegros>[↑ esfumados] <encastoados> [1 postos] em [↑ grandes] aros de ouro. Trajava de preto, a sobrecazaca abotoada, a calça justa, e a bota lustrosa; apertava na mão esquerda as luvas amarrotadas, e <na>[↑ apoiava a] direita no castão de prata de uma bengala[.] <de cana inteiriça.> Eu não o conhecia quando me deram um bilhete de visita com este nome [1 ] Antonio Jose Pinto Monteiro 2 . Em S. Miguel de Seide, uma visita, que se faz [1 fizesse] preceder do seu cartão, era a primeira. [1 -] Quem é? perguntei ao creado. - É o cego de Landim. - E esse cego q m é? O creado [1 interrogado], pª me esclarecer superabundantem te , respondeu q era o cego [1 era o CEGO], como se se tractasse de um cego p r excellencia e de historica publicidad e , [1 :] <Tobias>[↑ Tobias], Homero, Milton, etc. Mandei q o conduisse [1 conduzissem] ao meu escriptorio. Ouvi <uns> passos q subiam rapidos e seguros <a>/u\ns doze degráos; e, no patamar da escada, esta pergunta mtº sacudida: - Á esquerda ou á direita? - A esquerda respondi, e fui recebêl-o á entrada[1 .] Estendeu-me <a mão>[↑ firme dous dedos], e desfechou-me logo em estylo de presid e de camara municipal sertaneja ás pessoas reaes uma allocução á mª immortalid e [2] de romancista, lamentando que eu ainda não tivesse em Portugal uma estatua... equestre; parece-me q elle [↑ não] disse estatua equestre. chei-lhe rasão. Eu tamb m ja tinha lamentado aquillo mesmo; porém, cumpria-me regeitar modestam te a estatua como o duque de Coimbra, agradecendo a virginal lembrança do S r [1 sr.] Pinto Monteiro. - Tenho ouvido ler os seus livros immortaes – disse elle – ão os leio por q sou cego. 1 Título da novela escrito a lápis, ao alto do fólio, por mão alógrafa. 2 1.ª edição sem itálico e em semi maiúsculas.

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1

[1]

O Cego de Landim1

[1 Ao Visconde de Ouguella

Sejamos amigos como foram nossos pais,

e deixemos a nossos filhos o exemplo que recebemos]

I

Foi ha treze annos, em uma tarde calmosa de agosto, neste mesmo escriptorio, e

n’aquelle canapé, que o Cego [1 cego] de Landim esteve sentado. São inolvidaveis

feiçoens do homem. Tinha cincoenta e cinco annos[1 ,] <*fromosos e rijos> rijos como

raros homens de vida contrariada se gabam aos quarenta. Resumbrava-lhe no semblante

anafado a paz e a saude da consciencia. Tinha as espaduas largas; <*como> cabia-lhe

mtº ar no peito; coração e pulmoens aviventavam-se na amplidão da pleura elastica.

Envidraçava as pupilas <aneurothicas>[↑ alvacentas] com vidros <verdenegros>[↑

esfumados] <encastoados> [1 postos] em [↑ grandes] aros de ouro. Trajava de preto, a

sobrecazaca abotoada, a calça justa, e a bota lustrosa; apertava na mão esquerda as luvas

amarrotadas, e <na>[↑ apoiava a] direita no castão de prata de uma bengala[.] <de cana

inteiriça.>

Eu não o conhecia quando me deram um bilhete de visita com este nome [1 —]

Antonio Jose Pinto Monteiro2.

Em S. Miguel de Seide, uma visita, que se faz [1 fizesse] preceder do seu cartão,

era a primeira.

[1 -] Quem é? – perguntei ao creado.

- É o cego de Landim.

- E esse cego qm

é?

O creado [1 interrogado], pª me esclarecer superabundantemte

, respondeu q era o

cego [1 era o CEGO], como se se tractasse de um cego pr excellencia e de historica

publicidade, [1 :] <Tobias>[↑ Tobias], Homero, Milton, etc.

Mandei q o condu isse [1 conduzissem] ao meu escriptorio. Ouvi <uns> passos

q subiam rapidos e seguros <a>/u\ns doze degráos; e, no patamar da escada, esta

pergunta mtº sacudida:

- Á esquerda ou á direita?

- A esquerda – respondi, e fui recebêl-o á entrada[1 .]

Estendeu-me <a mão>[↑ firme dous dedos], e desfechou-me logo em estylo de

preside de camara municipal sertaneja ás pessoas reaes uma allocução á mª immortalid

e

[2] de romancista, lamentando que eu ainda não tivesse em Portugal uma estatua...

equestre; parece-me q elle [↑ não] disse estatua equestre. chei-lhe rasão. Eu tambm

ja tinha lamentado aquillo mesmo; porém, cumpria-me regeitar modestam

te a estatua como

o duque de Coimbra, agradecendo a virginal lembrança do Sr [1 sr.] Pinto Monteiro.

- Tenho ouvido ler os seus livros immortaes – disse elle – ão os leio por q sou

cego.

1 Título da novela escrito a lápis, ao alto do fólio, por mão alógrafa.

2 1.ª edição sem itálico e em semi maiúsculas.

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2

- Completamente? – perguntei, parecendo-me incompossivel a cegueira absoluta

com a segurança de [1 da] s<eu>/ua\ <andar e meneios>[↑ agilide <e a> nos movimt

os].

- Completamte cego, ha trinta e trez annos. Na flor da idade, quando saudava as

flores da mª vigesima segunda primavera, ceguei[1 .]

- E resignou-se...

- Se me resignei!... Morri de dor, e resuscitei em trevas eternas... O Sol, nunca

mais!

Pungia-me a compaixão. Disse-lhe consolações banaes; citei os mais luminosos

cegos antos

e <modernos>[↑ recentes]. omeei-lhe o principe da lyra peninsular,

Castilho, e elle atalhou:

- Castilho tem o genio que vê as coisas da terra e do ceo. Eu tenho as duas

cegueiras de [1 do] corpo e [1 da] alma.

Achei-o eloquentemte sobrio e áttico; <pareceu> figurou-se-me até litterato dos

bons. Lembrei-me se elle vinha convidar-me pª fundarmos um jornal em Landim, ou se

viria pedir-me pª o propor socio correspondente da academia real das sciencias.

Discreteamos de pte a pt

e em variados assumptos, até que elle explicou as suas

pertençoens [1 pretenções]. Tinha um letigio pendente sobre a posse disputada de umas

a enhas q lhe haviam custado <3>/t\rez contos de reis, e pedia a mª valiosa

proponderancia [3] afim de que os juises de segunda instancia lhe fezessem justiça

inteira.

<O *i> b servei-lhe q <n>/a\ mª influencia poderia ser-lhe necessaria, se a

justiça estivesse da parte do seu contendor; por qtº qm não tem usti a é q pede.

- Apoiado! – interrompeu elle – rasão di isso mas como o meu contendor

pede por q não tem usti a, [1 ora] não vão os juises cuidar que eu tenho mais confiança

na lei do que n’elles. [1 ...]

Pareceu-me <velhaco>[↑ saga ], argucioso e um pouco germanico o cego.

Deu-me quatro memoriaes, accendeu o terceiro charuto, e ergueu-se.

Acompanhei-o ate ao portão, e vi-o cavalgar com garbo quase [1 quasi] marialva uma

vistosa faca [1 égua], pass<ou>/ar\ as redeas falsas pelas outras com destreza,

espore<ou>/ar\ e parti<u>/r\ sosinho.

Ora, o cego perdeu a demanda das azenhas, por que as azenhas não eram [↑

perfeitamte] d’elle, e eu não podia pedir aos desembargadores [↑ q as tirassem ao

dono<1 ,> e] <1 q > <lh>[↑ m]’as dessem [↑ a mim]<.>[/p\ª <lh’as dar> eu as dar ao

cego.]

Nunca mais o vi. Retirou-me a sua admiração e mais a estatua <equestre.> <,

emudeceu>. Morreu cinco annos depois. [1 E, cinco anos depois, morreu.]

A historia dos homens descomuna<*eis>/es\ deve começar a escrever-se á

lampada do seu túmulo. Á lu da vida tudo são miragens nas ac oens <dos homens>[↑

dos herois<1 ,> e estrabismos na <altera ão>[↑ comtempla ão] dos <apologistas>

panegyristas. É tempo de bosquejar o perfil deste homem esquecido, e qm

quizer que o

tire a vulto em marmore mais pressistente. Pretendo desmentir os aleivosos que reputam

Portugal um alfôbre de lyricos[1 ,] <á mingua de> romancistas <insosos>[↑ salobros] de

<carão>[↑ amoríos] de aldeia, por q não temos personagens <borrascosos, e>

bastantemte <patifes><[↑ scelerados]>[↑ succulentos] <para darem>[↑ de q

m se

espremam] romances em 4 volumes. < o entanto, saiba-se q este opusculo não é

novella: é biographia.>

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3

[4]

II

Nascera em Landim, <concelho> <na alçada de Fam> em 11 de dezembro de

1808.

1808! s biographos portugue es, se escrevem de pessoa nascida n’aquella data

ou pr perto, <contam>[↑ relatam]-nos <profusa>[↑ derramada]mente a revolu ão

francesa a <contar> começar com Luis XVI, exhibem a guerra peninsular, e

<terminam>[↑ concluem] o curso de historia moderna ligando fatidicamte <aos destinos

da regeneração patri> á evolução social o nascimto d’aquelle su eito. [1 §]

< ’aquelle>[↑ o] anno <*p> 1808 uma das [↑ mtas

] pessoas que nasceram sem

<importancia><pesar>[↑ pesarem um escropulo, pel<a> o\ <medida>[↑ peso]

velh<a>/o\,] na balan a dos [↑ lusos] destinos, foi aquelle Antº Je Pinto Mont

ro.

Seu pai barbeava em Landim com ferocide impune. A espada de Affonso

Henriques e as navalhas d’elle tem tradi oens sanguinarias. inda ho e, transcurridos

setenta annos, os netos dos [↑ seus] fregue es parece que herdaram a sensação dos

gilvazes dos avós. <Ainda hoje> <e>/E\m Landim <se> falla[-se] d’elle como de

Torrequemada em Sevilha [1 Valhadolid]. Aquelle barbeiro é uma lenda como a de

Gerião assassinado por Hercules, e a do monstro de Rhodes cantado por Schiller.

Antonio, o primogenito deste esfolador, estudou primeiras lettras com rara

esperteza. Aos onze annos, era prodigio em taboada e bastardinho. Aos doze imitava

firmas com perfeição despremiada, e vingava-se do menospreço em que o estado o

esquecia, estabelecendo correspondencias entre pessoas q não se correspondiam,

mediante as quaes, uma vez por outra, agenciava alguns pintos.

Como <estes> talentos [↑ taes] não se escondem [1 atabafam] mto tempo

debaixo do alqueire, < ntonio Jose>[↑ o rapa ] soffreu algumas contu oens. Um

<frade>[↑ monge] benedictino [↑ de S. Thyrso] <compadeceu-se>[↑ <enviou-o a Grijó,

onde serviu os frades <b> crurios> ↓compadeceu-se] do moço em tão verdes annos

perdido[1 ,] á conta de <uma>[↑ sua] habilide funesta; pagou-lhe passagem para o

Brazil, <e disse-lhe que a sua> cuidando [1 porque sabia] que os ares de Sancta Cruz

<filtram *r> são como os do Eden para refazer inno[5]centes.

Empregou-se como caixeiro no Rio. Foi estimado nos primeiros trez annos.

Estremava-se dos seus broncos patricios no dom da palavra, nas lerias aos freguezes,

n<a>/os\ ardis licitos do balcão, nas ladro<eira>/ices\ consuetudinarias que affirmam a 2pronunciada

1vocação <mercantil>, as quais, <sob o ponto da perspectiva m> n<a>/o\

<optica do commercio,>[↑ calão da optica mercantil,] se chamam: «lume no olho». Nas

horas feriadas, lia applicadamente [↑ e tangia violão.] sua especialidade [↑ litteraria]

era a eloquencia tribunicia. Estudára francez <no> para ler Mirabeau e Danton.

Enchera-se d’elles, e ensaiava republicas [↑ federalistas] com os caixeiros, pedindo

cabeças de reis<,> a uns pobres parvajolas que suspiravam apenas por cabeças de

<pescadas>[↑ gora es].

Os patroens não farejaram um <co> acabado Robspierre [1 Robespierre] no

caixeiro; mas, como desconhecessem a vantagem da apotheose dos girondinos em uma

loja de molhados, expulsaram-no como republicano.

Pinto Monteiro intrometteu-se na politica brazileira, iniciou-se na ma onaria [↑

em 1830], fez discursos <[↑ †]>[↓ vermelhos] contra <D. Pedro> o imperador<,>/e\

escreveu clandestinamente. Esteve assim na <raia das> fronteira do paiz promettido aos

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<grandes>[↑ eternos] <attrevimentos>[↑ Paturots]3. É indeterminavel o estadio que elle

ganharia, se um militar imperialista <o *am> lhe não cortasse o rosto com um látego.

Uma das tagantadas contundiu-lhe os olhos. Pinto Monteiro cegou.

III

Reagiu ao <reves> desastre com <valoroso peito>[↑ peito de ferro]. Menos ri a

alma <subvertera-se>[↑ ingolphara-se] na espessura d<as>/a\ su<as>/a\ treva. Elle não.

Pediu ao inferno lu emprestada para entrar na vereda da[s] <vingan a>[↑ suas

victimas<, e empolgal-as>]. Accendeu interiormente, no carcere do seu espirito, a

lampada do odio<,>/.\ <e gizou horrentissimos> A vingança leval-o-hia <pelo> pela

mão como Malvina ao cego de Macpherson. Perdoa-me a comparação, ó <bardo <da

Scandinavia!>[↑ caledonio –]><[Fingal! –]>[↑ bardo caledonio!<1 ,> –] <Eu>[↑ que eu]

ja vi Marat comparado a Jesus Christo.

[6] Quando <se levantou da>[↑ lhe deram alta na] barra da enfermaria, pediu o

seu violão, sahiu <para a rua>[↑ ás pra as], [↑ preludiou<1 ,>] e cantou umas trovas

com arpe o triste, ás portas dos <ricos>[↑ argentários] e das [1 dos] tavern<as>/eiros\.

As trovas <gemiam>[↑ fa iam] saudades da patria, e a musica <toava>[↑ gemia] <os

sons duns>[↑ toadas dos] lunduns do Minho. Os ouvintes contemplavam-no com dó e

davam-lhe esmolas avultadas para <se transportar>[↑ regressar] a Portugal<.>/,\ [↑ ao

ninho seu.] <O seu>[↑ Tinha ell<a>/e\ um] moço: era <um> portuguez <a>/i\lheu,

alguns annos mais novo<,>/.\ <que a <infermidade>[↑ doen a]> <l>/L\evára[↑ -o a

doença, a podridão do vicio<1 ,>] á mma

enfermaria, [1 ;] e <a>/a\ <compaixão

aproximara do>[↑ penuria e o insticto <avincularam ao>[↑ vincularam-no ao] cego.

Chamava-se Amaro Faial; mas os que lhe conheciam as prendas <ch> corrompiam-lhe

o apellido, e chamavam-lhe o Amaro Faiante. <Quem via os dois[↑ , o cego e o mo o,]

sem o sentimto indulgente da caridade disia que os olhos d<e>/o\ <Amaro Faial> moço e

a perversidade do cego completavam> Pessoas escassas de caridade indulgente disiam

que a maldade do cego e os olhos do moço completavam dois refinados maraus.

Pinto Monteiro trajava limpamente, banqueteava-se á proporção, e

<completava>[↑ dulcificava] os confortos ca eiros com <a>/o\ amor de uma

<aventureira>[↑ aventureira] mal prosperada como tantas q o archipelago a oriano

<envi> exportava consignadas aos Cressos da rua do Ouvidor, <e aos nossos irmãos>[↑

que pachalisavam] [n]as chacaras d<e>/a\ <Petropolis>[↑ Te uca]. Creára uma

sociedade nova. Acercara de si toda a vadiagem suspeita, os ratoneiros ja marcados com

o stigma da sentença, os mysteriosos, [↑ <1 os>] famintos sem ocupação,] negros e

brancos, não topados ao acaso, mas inscriptos <e *no> nos registros da policia, e

afuroados pela sagacidade de Amaro Fayal. Tinha lido as Memorias de Nidocq, – o

celebrado chefe de policia <que subira *os> de Pariz. Encantara-o a < usti a>[↑

equidade do governo] que elevara Vidocq[↑ , o ladrão famoso,] á <superintendencia da

or †><sua> quella <especie de> magistra<do> tura por q elle, <vinte annos exercitára

as mais sagaz> por espaço de vinte annos, <fôra ladrão <forçado de> e nas>[↑

exercitára o latrocinio, <e nas] galés <adquirira>[↑ grangeára]>[↑e grangeára nas galés]

os amigos que depois entregava á grilheta.

<Investido da mur> <Não podia> Pinto Montrº <sedusir a confiança> organizou

a bohemia que[1 ,] até áquelle anno[,] roub<ára>/ando\ sem methodo nem estatutos,

<e> exercitá<v>/r\a a ladroeira d’um modo indigno de pai <civilisado.> em via de [7]

3 Chamada de adição na entrelinha cancelada.

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civilização. Fez-se eleger presidente por unanimide, e nomeou seu secretario Amaro

Fayal. [↑ Havia um proposito quase [1 quasi] heroico neste feito, como logo veremos.]

Investido desta presidencia incompativel com as artes lyricas, depoz o violão, e, á

semelhança do poeta latino, immudeceu os cantares, tacuit musa. Sentia-se n<a>/o\

<sociedade>[↑ congresso] uma alma nova, cheia de fomentos e apontada a rasgar

horisontes dilatados. [1 §] Quem ouvisse discursar o presidente [↑ sociologicamente]

ficaria em duvida se <roubar>[↑ furtar] era sciencia ou arte. Pinto Monteiro

<encabe ava>[↑ inxertava] nas suas preluçoens á cerca da propriedad<es>/e\

u<ns>/mas\ <dogmas>[↑ vergonteas] que depois <refloreceram>[↑

<re>/en\verdeceram] com <forma de> estylo melhor nas theorias de Cabet. Os

malandrins mais intelligentes, depois q o ouviram, desfi eram-se de escrupulos [↑

incommodos], e entre si assentiram que não eram ladroens, mas simplesmente

desherdados pela sociedade madrasta, e victimas de uma qualifica ão a obsoleta <[↑

em um pais jovem]><,>[.] <*coeva do Livro 5º das Ordenaçoens.> A terminologia do

Livro 5º das Ordenaçoens em um paiz jovem, <e> exhuberante, [↑ e que tem o

sabiá<,>][/e\ o côco,] era um[a] <disparate>[↑ anomalia].

Desta arte organisada a quadrilha, sob a influencia [↑ auspiciosa] de um cerebro

pensante, os cidadãos eram roubados mais artisticamente; na empalmação dos relogios

conhecia-se que havia ideas de 1physica, de

3equilibrio, de

4dynamica, de

2mechanica, e

sciencias correlativas. <A escola>[↑ s alu<mnos] de [↑ Ptº] Monteiro>[mnos da <ideia

nova> reforma] parecia collaborar[em] no Manual do presti<g>/d\igitador de Roret, e

abandonavam como archaismo <[↑ autocratico]> aos poderes publicos a Arte de furtar

de qm

quer q seja.

A sociede prosperava a <ôlho, quando Pinto Monteiro e o secretario, munidos

dos livros de registro e de toda a escripturação, se appresentaram ao chefe da policia

Fortunato de Brito> olhos vista4 posto q o presidente não tivesse olho nenhum. [1 :] [–]

Nesta independencia dos orgãos de redação prova a alma a sua immo<i>/r\talide. <1 –>

Foi então que Pinto Monteiro e o secretario, munidos dos livros de Registro [1 registro]

e de toda a escripturação, se appresentaram ao chefe da policia Fortunato de Brito.

[8] [<Havia heroismo> Eis aqui <uma>[↑ a] reputa ão de um homem sacrificada

á extirpação do crime. Os Codra e os <c>/C\urcios[1 ,] na <am> restauração da moral

publica[1 ,] <†ssem que> fazem isto.]

O chefe da policia conveio nas propostas de Pinto Monteiro, <aceitando as

delaçoens> que estatuira conservar-se na confidencia dos ladroens e delatar <os roubos

projectados> a paragem dos roubos quando no descubril-os <adviesse[m]>[↑

redundassem] á policia creditos e interesses. O cego esclarecera Fortunato sobre a

organisação do funccionalismo policial em Pariz, ensinara-lhe alvitres ignorados, e

promettia auxilial-o em um ramo <pouco>[↑ <mal><[↓ pou]> ↑ [ainda] mal] cultivado

no Brazil – a espionagem politica.

Sorti<ram>/u\ os previstos resultados a <dela ão>[↑ perfidia]. s1 mais

3

<ladinos>[↑ <b> soe es4] <c>/l\arapios

2 <cal> eram arrebanhados para a caza da

corre<ç>/ss\ão mas os [↑ ladrava es] mais ladinos poupava-os o presidente para não

<seccar uma fonte de receita em sacrificio á outra que era menor.>[↑ perturbar <o equi>

de improviso o equilibrio do cosmos. necessario q ha a escandalos, di o Evangelho.]

[§] Como agente [↑ secreto] de policia recebia do cofre do estádo como <presidente>[↑

4 Assim no manuscrito e 1.º edição.

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chefe] da “associa ão [1 Associação] dos desherdados”, auferia o seu quinhão do

peculio commum, <com>[↑ afora] as forragens da presidencia, etc.

Este periodo da vida do cego durou sinco annos; <*e > as duas rendas sobejavam-lhe á fartura do passadio<,>/;\ <e> principiou Monteiro a engrossar o

peculio quando <a agencia, e a delação> a delator e agente ajuntou o estipendio de

espião.

Voult<ou>/ando\ ás suas antigas camaradagens politicas, falou nas sociedades

secretas com <a usual>[↑ exacerbada] virolencia e [↑ , victima d<a> o\ despotismo

militar,] mostrava os olhos estoirados <como o> e ba os com a <sombria><[↑

pungente]>[↓ dolente] magestade do governo Beli ario, <o> vencedor dos hunos.

<Recresceram de ponto ou consideração entre> Constou ao governo que Pinto

Monteiro ousára pedir um Cromwell de quem elle cego fosse o Milton. A comparação

seria modesta[1 ,] se não fosse sanguinaria<,>/.\ <e peor comparada ainda era> O

governo [↑ bra ileiro], com a <perspicacia>[↑ subtileza] propria dos cerebros formados

com <araruta>[↑ <tapioca e banana> <an> tapioca e ananaz], intendeu que <a

cabeça>[↑ o <2>

pescoço] <do imperador>[↑ <1imperial>[d<e>/o\ [↑ snr D] Pedro 2º]]

era ameaçada [1 ameaçado] <por Ptº> pelo cego <da fatalide> com a Tragédia de Carlos

Stuart.

[9] [↑ ] Fortunato de Brito <recebeu>[↑ foi] orde<m>/nado\ que vigiasse e

processasse o <cego> <assanhado cego [↑ regicida].>[↑ sidicioso [1 sedicioso] cego.]

Intalação! O chefe de policia foi explicar ao seu ministro que os discursos de Ptº

Monteiro eram <esparrelas>[↑ boí es] armadas a <outros> passaros bisnáos [↑ de mais

alta volateria.] O conflicto remediou-se prescindindo o espião d<e>/a\ <orar,>[↑

oratoria,] e a<n>/tt\ende<r>/ndo\ somente a seguir <a urdidura>[↑ o rastilho] das

revoluçoens <tramadas>[↑ urdidas] no Rio, <mas d> para rebentarem nas provincias.

Como em meio de tanta lida ainda lhe sobrava tempo, Monteiro insaiou [1

ensaiou] por sua conta, e sem <coad uva ão>[↑ auxilio] da <sociedade>[↑ malta], uma

«reversão de propriedade» [1 reversão de propriedade] [-] [1 , ] <um roubo em velha

linguagem,> <um roubo> termos adquados á sua qualide de desherdado.

Havia morrido um <†> carroceiro <[↑ abastado]> <d>/q\uando <por dela>

avençado com o cego, experimentava a <mão na moeda> sua fortuna em aventuras de

moeda falsa, mandando <gravar>[↑ abrir] os cunhos no Porto. [§] A cidade da virgem

[1 Virgem] <gaba-se do> tem tido filhos de rar<a>/o\ engenho na gravura; mas os seus

concidadãos[1 ,] desamoraveis com as <artes> as graças do buril, crearam á volta delles

uma athmosphera fria de desalento, e no <hones> pedestal em q os <artistas so>

sonhadores, como Morghen e Bartolozzi, entreviram a gloria a offerecer-lhes umas

sopas de vaca, <a>/o\ menospreço publico poz-lhes a <fome><[↑ mi eria]>[↑ fome].

<Ora, os <artis><sacerdotes> alumnos da arte honrada, depois de <estudarem o

estomago> lerem no cantico 33 do «Inferno» de Dante os <†> phrenesis da fome em

Ugolino> Seria bonito pª o martyrologio da arte que os honrados alumnos da academia

[1 Academia] das bellas-artes se deixassem perecer de <indigencia>[↑ anemia]

<mas>[↑ porém,] as poderosas reac oens do estomago impulsaram-nos a aceitar o unico

lavor q se lhes offerecia abrir cunhos de moeda. Este ramo das artes imitativa floriu no

Porto como planta indigena<.>/,\ <A ponto> a termos de haver ali trabalhos excellentes

e mtº em conta. Ja se conheciam os gravadores portuenses como hoje se conhecem os

capellistas d5 [↑ da] rua de Cedofeita: - o primeiro barateiro, o rei dos barateiros, o

5 Borrão na página, feito depois da primeira escrita. Por isso, o escritor reescreve “da” por

cima do borrão.

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<mais> barateiro sem competidor. Fa[10]ziam-se notas a 5% quando a arte estava no

ber o [↑ ainda timorata] depois, á medida que <o pedido> [↑ a prosperide das emprezas

inter-nacionaes<1 ,>] augmentava<[m]> <os artistas rivalisavam-se no primor e na> o

pedido, os [↑ bons] artistas <punham de parte> davam de mão aos brasoens dos

<anneis>[↑ sinetes] [↑ , ás chapas dos portoens] e ás firmas dos anneis; e, rivalisando-se

no primor e na barateza da obra, ja davam um conto de notas falsas por dez <sinceros>

mil reis<.>[sinceros.]6

Era este o preço <estipulado> da dezena de contos que o carroceiro mandára

comprar por intermedio d<o>/e\ <cego de Landim>[↑ Pinto Monteiro], e não chegára a

receber, atalhado pela <febre amarell> morte. Deixára, porem, <†> segredado á viuva

que se intendesse com o seu amigo Montrº, quando lhe entregassem a encommenda.

Não sei se estas notas eram parte de uns <cem>[↑ tre entos] contos que pr esse

tempo sahiram do Porto para o Brazil <dentro do> dentro da imagem do Senhor dos

Passos. ão averiguei as profana ões que se deram n’esta remessa; o q sei é q a viuva

avisou o cego; e que, no mmo

dia do aviso, o chefe da policia colhia de sobresalto a

viuva, escondendo o rolo das notas entre o guarda-infante e a parte subjacente que ella

julgava intangivel aos <contactos><[↑apalpoens] da policia.>[↑ contactos brutos dos

esbirros.]

Levada a interrogatorios, foi pronunciada mas, desde q [ella] entrou no carcere,

Pinto Monteiro, consternado até ás lagrimas, assistiu-lhe com a mais desvelada bem-

querença, constituindo-se seu procurador. [1 §] Esta mulher herdára a

independencia<,>/.\ <e considerava-se rica> Gemeu em ferros seis annos, cumprindo a

commutação de uma sentença que a condemnara a degredo pª a Ilha de Fernando. Essa

commutação custara-lhe o restante dos seus haveres, absorvidos pelo cego de Landim.

Quando sahiu do carcere, e se viu [↑ roubada pelo amº de seu marido, e] redu ida a

mendigar, denunciou ao chefe da policia <*M> a cumplicide de Monteiro no negocio

das notas. Fortunato de Brito <assombrou-se da corpulencia do infame; porem, segundo

a boa> <achou-o>[↑ conveio que o seu agente era] infame maior da marca; mas <era

assim <que>><[↑ era preciso para] a reformação dos costumes.> fazia-se mister que

tivesse aquelle tamanho para dar pela barba á corpolencia da corrupção. <Tinha> [↑ O

cego de Landim] gosava a <impunide>[↓ inviolabilid

e] do <† .>[mal necessario.]

[11] < roubo feito>[↑ <A reivindicação> A extorção feita] á viuva <propal>

divulgou-se e acerbou os antigos odios contra Pinto Montrº. De mais a mais, elle tinha

<of> <transgredido>[↑ offendido o espirito] [d]os estatutos, <da assembleia, offendendo

a communidade.>[↑ que eram obra sua.] Os <seus> consocios acharam irregular e

menos honesto q o seu presidente levasse o egoismo á extremide de revindicar so para si

direitos de propriede commum. [↑ Toda a propried

e alheia era d’elles todos, pelos

modos.] lguns d’estes, mais penetrantes, incutiram no phalansterio a suspeita de que o

chefe tivesse intelligencias com a policia. Um mulato de grandes brios, <e> notavel

capoeira, e mtº summario nos processos d’aquella especie, fez lampejar o aço d<e>/a\

<uma>[↑ sua] faca, e declarou que ia anavalhar o redenho ao cego.

Quando esta scena tumultuaria se passava na taverna do [João Valvêrde, na rua

do Catête]7, Pinto Montrº e Amaro Fayal ja estavam a bordo da gal<*am>/era\

Tentadora, <de verga erguida>[↑ que velejava] para o Porto.

6 1) á medida que o pedido augmentava os artistas rivalisavam-se no primor e na; 2) á medida

que augmentavam os artistas rivalisavam-se no primor e na; 3) á medida que a prosperide das emprezas

augmentava o pedido, os artistas <punham de parte> davam mão... 7 João Valvêrde, na rua do Catête, escrito em letra maior, preenchendo espaço deixado em

branco para preenchimento tardio.

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8

IV

Em setembro de 184<9></0\></9\>/0\ appareceram em Landim <o cego>[↑ Ptº

Montrº] e o seu chamado guarda-livros. Acompanhava-os a açoriana, <e cham><dizia-

se a>[↑ intitulada honorificamte] esposa do cego. Era uma mulher desnalgada, sardenta,

ruiva, alta e possante, com bretoejas rosaceas na testa, e um caracol de barba no queixo

inferior. Galhardeava <sedas>[↓ moirées], <e> <trazia>[↓ cal ava][↑ botas verdes, e [↑

trazia] uns] merinaques que rugiam como as cavernas dos ventos.

Pinto Monteiro alugou ca a em qtº reedificava [↑ outra sobre] <a> o [↑ ca ebre]

de seus pais. guarda-livros disia com certo resguardo q o seu patrão era muito rico.

Convergiram [↑ logo] das freguesias circumvisinhas bastantes cavalheiros a visital-o,

uns por q haviam sido seus condiscipulos na esc<h>ola, outros pr parentesco não

remoto.

[12] O cego banqueteava os seus hospedes <fasta fora. As cozinheiras negras>

com iguarias incognitas apimentadas por cozinheiras negras. Os comensaes, gente

saturada de vegetaes e milho, comia[m] fasta fora [1 à tripa forra], e levavam [↑ em si]

d’aquella <casa> meza lauta [↑ raras indegestoens, mtas

] saudades e [↑ copia de]

vinhos[.] <copiosos.><[↑ generosos]><[↑ †]> O cego tinha um[a] irm<ão>/an\, dez

annos mais nova, que surgiu [↑ com <dom e> bandós, dom<1 ,> e espartilhos] d’entre

um balão da cunhada. Falou-se do cazamento da môça dotada pelo irmão com dez

contos. s Morgados [↑ a] corveteavam os seus pôtros por Landim, e de longes terras

vinham <pedidos>[↑ propostas] de ca amento, por <meio> intermedio de padres e

<molheres> beatas. A rapariga, que eu conheci a encanecer na decadencia dos sincoenta

annos, devia ter sido uma trigueira sanguinea com as mordentes graças d<e>/a\[s]

<um[a]> <bigo> <bigode> sobrancelha[s] <cerrada>[↑ travadas[1 ,] e negras] como a

penugem do bigode.

Pinto Monteiro passara temporadas no Porto com Amaro Fayal. Era ali que elle

cumpria a mensagem <†> a que fôra enviado pelo chefe da policia fluminense. Viera,

sob condiçoens estipuladas, relacionar-se com os <com> exportadores de moeda-falsa, e

<crear>[↑ estatuir], de harmonia [↑ com os interessados,] ba es organicas e auspiciosas

<de>[↑ pª] negocio menos precario. resultado, previsto pelo cego e applaudido por

Fortunato de Brito, era <conhecer a> a policia <entrar no conhe> conhecer no imperio

bra ileiro os <correspondentes>[↑ cumplices] dos agentes q residiam no Porto, e, de

uma vez para sempre, abranger em rede varredoira os principaes.

Conseguira captar a confiança dos dois gravadores mais <qualifi> habilidosos e

conhecidos alem-mar mas um d’elles, [↑ Coutinho,] o ancião que eu vi morrer na

<*R> e nfermaria da Rela ão em 18 1, não delatou as pessoas com quem negociava,

posto q o cego lhe garantisse uma velhice abastada nos confortos da honra. O outro

artista[1 ,] q morreu <abastado>[↑ rico], <posto q > apezar de se ter remido da cadeia á

custa de dezenas de contos, tambem não denunciou os seus freguezes; mas convidou o

cego a mercar-lhe au rabais uns cincoenta contos, resto da ultima edição.

[13] E o cego comprou-os.

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Em 18<50>/41\, a hospedaria dilecta dos <novos ricos> brazileiros de profissão

(distingam-se assim dos brasileiros do Brazil)8 era a [do] <Estrella do Norte>[↑

Estanislau<1 ,>][↑ na <rua de Cimo-de-Villa>[Batalha.]] Ali havia a sem–cerimonia do

chinello de liga á meza-redonda; os collarinhos arregaçados deixavam <q ><†> arejar

<os peitos><[↓ cachaços]>[↓ as pescoceiras] rore antes de suor[1 ,] [↑ q se limpavam

aos guardanapos]; cada qual podia comer o arroz com a faca e o <macarrão>[↑

talharim] com o garfo <, á sua vontade><[↑ mascando rijo como]>; a laranja era

descascada á unha, e os caroços das azeitonas podiam ser cuspidos na meza, bem como

<o>/a\s <fragmentos>[↑ esquirolas] do pernil de porco desintallad<os>/as\ <d’entre os>

[↑ <á> a\ palito] [↑ das luras dos] queixaes[.] <com o palito.>9 [

(I) E era até de direito

commum cada qual caçar de guet-apens a 2mosca <veregei>[↑

1importu]<r>/n\a na cara

e decapital-a publicamte.]

10 Estava-se ali á vontade, <e nos tempos homericos, pelo

trapejar da trituração, tal qual como os> como nos jantares de Peleu [↑ e Patroclo], com

um grande estridor de mastigação e arrôtos.

O cego hospeda<ra>va-se na [1 no] <Estrella do Norte>[↑ Estanislau], e disia

ao secretario:

- Estamos com a nossa gente, Amaro amigo.

A idade, <o>/a\ <porte grave>[↑ compostura] <,>/e\ <a>/o\ <locacidade>

palavriado, com a reputação de rico, deram-lhe na meza o logar mais authorisado. Os

brazileiros, vindos do Rio, conheciam aquella figura; alguns sabiam que o homem

<apanhára depressa boa pos> se tinha arranjado com expedientes mysteriosos; mas isto

mmo

era qualide meritoria e relevante no commensal[.] <da Estrella.> Rosnava-se de

moeda-falsa [↑ até] alguem teve a ousadia de repetir o boato corrente ao guarda-livros.

Amaro Fayal <enco> deu aos hombros, sorrindo, e disse:

- A moeda-falsa é commercio como qlq

r outro, <d> com vantagens em

proporção dos riscos. Negocio infame [1 execrando] [↑ so conheço um:] é o da

escravatura[.] <, e *co> Ha tambem uns negocios que, depois de mtºs annos de estafa,

não deixam nada: esses chamam-se negocios tolos. Assevero-lhes que a riqueza do snr.

Ptº Montrº não se fez com a escravaria[.] <nem com>

[14] Estava lançado o dardo. Esta franqueza deu margem a discussoens, nas

quaes o cego e o Fayal descobriram entre os contendores os menos escrupulosos.

Volvidos alguns dias, Pinto Monteiro tinha vendido os cincoenta contos de notas a um

brazileiro da Maya, e era encarregado de agenciar cem contos para outros que o

primeiro alliciara. Nesta transacção cobrára o cego <uma> percentagem, e pedira <per>

sociedade no quinto dos interesses, com a clausula de dirigir no imperio a circulação da

moeda-papel. Pactuaram a viagem para <out> unho d’aquelle anno. < ce> Pinto

Montrº <ia co> convencionou acompanhal-os, a fim de liquidar o restante dos seus

haveres[↑ , dar impulso ao negocio] e vir depois descan ar na patria.

Depois de uma demora de dois mezes, Pinto Monteiro recebeu no Porto a 2nova

1infausta de que a a oriana, captiva das nega as de um <morgado>[↑ hespanhol]

operador da catarata, fugira com elle pª a allisa. Bacore ou-lhe ao cego q estava

roubado, e o palpite funesto realisou-se. [1 §] A <Mon> quantia devia ser valiosa, por

que <Mon> o <amante> trahido amante suspendeu as obras começadas e desfez

contractos apalavrados de compras. Ficou na memoria dos contemporaneos[↑ <1 ,> a

<este> resptº da perfida, <†>] uma palavra do cego, significativa de sua indole:

8 Parêntesis inseridos posteriormente. Antes: – distingam-se assim dos brasileiros do Brazil –

9 Nota para o tipógrafo: (Veja em cima)

10 Acrescento no topo da página, em tinta hoje castanha, assinalado com chamada

(I).

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- Se o hespanhol [↑ levasse a mulher e] me não levasse o dinheiro,

<obsequiava>[↑ penhorava]-me [↑ bastante]. Como me tirou as cataratas [1 do coração],

pagou-se por suas mãos<1 ,> o patife!

opinião publica de Landim irritou-se qdº soube que a fugitiva era

simplesmente manceba do cego. moral <queria>[↑ exigia] q elle <tivesse> fosse

marido, pª não <desv<iar>/aliar\>[↑ se desvaliarem] os quilates do escandalo.

[15]

V

No mez aprasado, Pinto Monteiro <sahiu para o R> <voltou> regressou ao Rio

de Janeiro, acompanhado de sua irman D. Anna das Neves. Embarcaram no Porto com

elle os amigos e socios grangeados <na Estrella do Norte>[↑ no hotel]. O brazileiro da

Maya[↑ , comprador dos cincoenta contos,] levava algumas pipas de vinho verde, e uma

destas <pipas>[↑ vasilhas] havia sido fabricada, conforme o modêlo que dera o cego, e

sob a fiscalização de Amaro Fayal. No reverso d<as>/e\ [1 das] [↑ quatro] aduelas

<lateraes>[↑ do bojo] pregaram <quatro traves> um quadrado <co> de madeira com

chanfradura onde invasasse o rebordo de um<a> caix<a>/o\[te] de flandres; a pregagem

do quadrado ficava occulta debaixo de <dois>[↑ quatro] [↑ dos] arcos de ferro. O

caixote continha <cento e concoenta>[↑ du entos] contos em notas bra ileiras, e era

<soldado>[↑ estanhado] nas uncturas de modo que o <vinho>[↑ liquido] as não

penetrasse, atrave de uma [↑ grossa] capa de chumbo. <1 §> Chegados ao Rio, a carregação entrou nos armazens da alfandega, e Pinto

Monteiro com sua familia hospedou-se em casa de Fortunato de Brito. Ao apontar o dia

seguinte, os passageiros delatados pelo cego eram prezos; a pipa despejada e desfeita, [1

;] e o caixote das notas <1 era> condusido ao tribunal para se lavrar aucto. Os quatro

portuguezes morreram nos degredos [1 no degredo], perdidos os haveres q a tinham

adquirido honradamente. Pinto Monteiro recebeu dez contos de reis, os 5% estipulados

e dedusidos da preza.

<Eu á disse ao>[↑ O] leitor <q >[↑ vai descobrir q eu] não estou escrevendo um

romance<;>/.\ Consta-me, que no Rio, [1 Consta-me que, no Rio,] os homens q ja o

eram ha trinta annos, recordam estes factos com algumas miudesas que não pude obter

nem ja agora inventarei. Os meus apontamentos são exactissimos no summario das

<pros><protervias>[↑ excentricides

] do cego; mas escasos d<a>/o\s

<particularidades>[↑ p<ro>/or\menores] q eu rigorosamte quisera não omittir.

Aqui me contam elles os amores da morena filha de Landim com o chefe da

policia[.] <e>/Es\[16] <dizem que o cego> te episodio poderia ser o esmalte <deste>[↑

do meu] livrinho, se em um chefe de policia coubessem scenas de amor brazileiro,

<langarosas>[↑ morbidas] e somnolentas, como tão <morbidamente>[↑ languidamte] as

<ex><pinta>[↑ derrete] o snr J. d’ lencar. Em paiz de tanto passarinho,

<com><[↑*ha]> <tantisimas>[↑ tantissimas] flores <e cheiros> a recenderem cheiros

varios, cascatas e lagos, um ceo de bananas, uma linguagem <[↑ com a lingua de pre]> a

suspirar mimices [↑ de sutaque], com isto, e com uma rêde [↑ - ou duas pr cauza da

moral -] a bamboar[↓ em]-se entre dous coqueiros, eu mettia n’ella[s] o chefe de policia

<e><[↑ com]>[↑ e] a irman do cego, um sabiá por cima, <dois>[↑ um] papagai<os> o\

<á beira>[↑ de um lado, um saguí do outro,] e veriam q meig<o> a\s <monossilabos>[↑

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moquenquices], que arrulhar de rôlas eu não estilhava desta <penna>[↑ penna]11

de

ferro<[!]>/.\ [1 !] <convertida em *fra> Mas eu não sei se me acreditariam coisas tão

perigrinas [1 peregrinas] entre o verginal [1 virginal] Fortunato, [↑ chefe da policia][1 ,] e

ella, a <trigueirinha, que <tambem> ja orçava pobre virgindade d> menina Neves<1 ,>

que ja havia colhido as boninas de <trinta>[↑ vinte] e <duas>[↑ nove] primaveras nas

<*devezas>[↑ florestas] do seu Minho, onde a maroteira é pre-historica! 12

Amores e desventuras de <outra>[↑ peor] nature a nos levam a outro

incidente, e [↑ ahi] veremos que <não ha f> Pinto Monteiro fare a todos os <antros>[↑

latibulos] em q se acoit<a> e\ algum<a> <corrup ão>[↑ crime], [↑ e] não consente que a

corrup ão do seculo XIX ponha pé em ramo verde [↑ <da Flora brasílica.> [↓ no novo

mundo]]. [§] <†> Certa\ carioca[1 ,] esposa de um [↑ João Tinôco,] portuguez, fizera

assassinar [↑ com veneno] o marido por um[a] <negro><[↑ escravo]><[↑ mulato]>[↑

escrava] [1 escravo]; mas com tal resguardo que o conjugicidio não <transpos>[↑

escoou] [d]os muros da chacara <em que>[↑ onde] ella <vivia e> <gosava>

impunemente <outras> se dava ás dilicias de <Maria Stuart>[↑ grippina]<,>/.\ <a

envenenadora> Isto de chamar A<gg>/g\rippina á viuva [↑ de João Tinôco] é excesso de

erudição. Ella não tinha idea nenhuma de ser posta em parallel<os> o historico com a

envenenadora de Claudio o q 13ella queria era que a deixassem <saborear>[↑ gostar] as

alegrias da viuvez de um marido <que come> que entrára em caza de seu pai como

aguadeiro; e, exaltado a esposo, a quizera forçar a fidelides

<tão> incombinaveis com o

clima, <sendo> <empregan> desenvolvendo de mais a ms <o>[↑ um excedente de]

calorico na esposa com o atrito do murro portuguez de lei.

[17] Tinôco tivera um caixeiro q expulsára <com labea de> quando lhe

descobriu capacidade para o adulterio, segundo informações de um marçano que vira

piscarem-se recipricamte os olhos direitos a <patrôa>[↑ sinhá] e o caixeiro. Eis o fio que

condu <Pinto Monteiro>[↑ o cego] ate ao thalamo infamado, e d’ahi á campa do inulto

João Tinoco. assassinado tinha irmãos [↑ abastados] no Rio. Pinto Monteiro <di >[↑

revela]-lhes que seu mano morrêra de morte violenta; [1 ,] e, coberto de lagrimas, não

podendo mostrar os intestinos dilacerados de Tinoco, como Antº a tunica de <c>/C\ezar,

põe as mãos [↑ convulsas] no ventre, e exc/la\ma:

- Despedaçaram-lhe as entranhas as agonias do arsenico! etc, etc. [1 arsenico!

etc.]

[↓ Fez terror.]

Rugem vingança os irmãos; o cego dá vulto ás difficuldades das provas

judiciarias <oferecem>[↑ franqueam]-lhe dinheiro sem conta, e um grande premio, se a

prova se fizer.

Vejam os profundos segredos do ceo! <com que instrumentos a Providencia> Os

crimes obscuros <não é> [↑ quase] [1 quasi] nunca é a lampada da virtude que os

descortina; são sempre os cerdos que fossam e tiram á tona dos lamaceiros as

podridoens submersas.

Pinto Monteiro fe <exhumar>[↑ surdir á flor da terra] [↑ as podridoens de]

Tinoco <putre><apodrecido>, e <a sciencia> a toxicologia declarou que o homem

morrera envenenado pela massa de Frei Cosme. Não vá o leitor <pensar>[↑ cuidar] que entra na novella em frade q manipulava massas homicidas. ão, snr [1 senhor]. A

massa de Frei Cosme é uma <composi ão>[↑ farinha saturada] de arsenico.

11

Devido a borrão neste lugar, a palavra é reescrita na entrelinha. 12

O texto continua em linguado colado ao anterior. 13

O texto continua em linguado colado ao anterior.

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<O caixeiro suspeito fugiu, quando soube q a usti a> A viuva não pôde

defender-se, <senão impelir> desde que a negra confessou que envenenara o amo em

um timbal de borrachos<.>/,\ [↑ por ordem da senhora.] Degradara<m-na>/m\ por toda

a vida [↑ a ré convicta], privando-a d<a>/os\ <heran a que houvera>[↑ bens herdados]

do esposo. <A>[↑ Com a] chacara preciosa <onde> foi <dada como galardão da

honrada>[↑ galardoada a <1 estrema e> benemerita] solicitude de Pinto Monteiro – o

vingador de Tinôco e da Moral, que eu sempre escreve[18]rei com o M maior que eu

poder. <1 Sim! a Moral luzo-brazileira fôra despicada pelo cego.>

Fortunato de Brito, o chefe da policia, foi demittido por este tempo. Antº Je Pinto

Montrº resolveu repatriar-se. A denuncia dos moedeiros a ulara[↑ -lhe] muitos e

poderosos <inimigos>[↑ mastins]. imprensa bra ileira insultava a colonia portugue a

pelo facto do crime e pelo facto do delator. A equidade foi estranha aos odios e injurias

que golpearam Monteiro. Não lhe descontaram na perfidia as vantagens <com>

commerciaes q <se deram> derivaram <d’aquella denuncia.> d’ella. Cessára o panico e

o terror eminente de um cataclismo no credito e nas cazas bancarias. A policia,

<apanhou> alumiada pelo cego, sabia as veredas que em Portugal conduziam aos

balancés. A gente honesta, o commercio honrado rejubilavam com a traição de Pinto

Monteiro mas <attidos>[↑ atidos] ao velho proloquio onde não <brilha restea>[↑ relu

faúla] de philosophia [↑ pratica] <abominavam>[↑ , execravam] o homem q<ue>/ue\14

<pusera na ilha de Fernando>[↑ <punira com a> levara ás plagas do degredo] os

<salteadores>[↑ salteadores] da probide incauta. [1 §] Esta victima ainda não estava <†>

inscripta no martyrologio dos <reformadores>[.][↑ grande lapidarios da civilisa ão.] <†

†>

VI

Os meus informadores[1 ,] que mais privaram da [1 na] intimidade de Pinto

Monteiro, di em que elle, no segundo regresso a <Landim>[↑ Portugal], trouxera, [↑ ,

alem de secretº,] <duas duzias de contos [,]<e>> dous [1 dois] filhos[1 ,] que deixára no

Porto a educar no collegio da Lapa, e uma filha ainda mtº na flor da mocidade. Da mãe

destes meninos, que <me disse> pouco ha vivia ainda nos arrabaldes do Rio de Janeiro,

não ha nada romanesco, [1 ;] mas bem pode ser que houvesse da parte d’ella um

profundo sentimtº de dó com muitissima abnegação de si mesma, [1 ;] e <do> no

coração do cego <certa> com certeza houve extremoso amor de pai. [Os tigres e os

homens [19] costumam ter [1 Os tigres sempre tem, e os homens costumam ter ás vezes]

est<a>/e\ sanct<a>/o\ instincto de amar [1 amarem] os filhos.]

Vinte e tantos contos prefaziam os haveres de Pinto Monteiro. Concluiu as obras

principiadas, comprou terras, e derigiu pelo tacto as bemfeitorias que fe no predio q

habitava. Ha duas horas q eu estive a reparar, por cima do muro do ardim, na graciosa

vivenda que elle enchera de luz como se um <raio>[↑ bei o] do sol [↑ de agosto]

podesse <aquecer> descondensar a algida escuridão de seus olhos. Alli passaram

alegres dias os seus convivas sob os caramancheis das parreiras. O grande prazer

d<o>/e\ <cego>[↑ Montº] era dar banquetes <abundantes>[↑ opiparos][.] <e selectos>

[1 §] Ouvia ler as Artes de cosinha, [↑ conhecia Brillat-Savarin,] enchia-se do fino

sentimento dos gui ados e, apontando a petuitaria aos vapores das cassarolas, <disia>[↑

marcava] quando <sobe ava>[↑ era sobe o] o cravo <e escassava>[↑ ou escasso] o

colorau. <Pode dizer-se que>[↑ Fa ia pensar se] a vista[,] <se lhe> <volt<ara>/aria\

14

Reescrita devido a borrão neste lugar.

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para dentro>[↑ voltando-se para o interior,] <e penetrara os insondaveis>[↑ <e

aprofundara><vira>[↑ penetrara] [1 penetrava] nos] refêgos <da> membranaceos o

ideal do estomago! Se um cego [↑ ilustre] deplorara [1 deplorava] o 2paraiso

1perdido,

outro cego parecia tê-lo encontrado na cozinha.

Elle, que [↑ na merica] posera o cauterios <aos> á ladroagem, á falsificacão [1

falsificação] das notas e ao adulterio aggravado pelo homicidio, não <ha> sabia como

amordaçar a maledicencia dos seus conterraneos, senão occupando-lhes as linguas no

trabalho da deglutição. A cada injuria que lhe chegava <ao> aos ouvidos, mandava

comprar dois leitoens.

- Mano ntonio, di em que tu <denunciaste>[↑ entregaste] os <moedeiros>

ladrões ao chefe da policia<:>/-\ disia < ninhas>[↑ a menina] eves[1 .]

- Dizem? pois, visto q não os posso entregar a elles, compra um <ca al de>

perú<s> e dá-lh’<os>/o\ [↑ amanhan] com cabidella [1 recheio][.] <amanhan.> <†>

- Mano Antº, agora dizem que denunciaste os da moeda falsa.

- Compra anhos e capoens; <tira da garrafeira o †, fa † pudins de

batata><<confunde>[↑ enche]-m’os com generosidades;>[↑ attasca essas linguas em

podim de batata,] embola-m’os com almondegas, [↑ deita-lhes aziar de ovos em fio,]

afoga-lhes os escrupulos em vinho de 1815, <e beatifi> menina.

E, depois, tinha outra<s> <paixões, *foi> <delicias que> paixão q o deliciava:

arranjar cazamentos.

[20] Ha [1 Florecem] ho e em Landim alguns ca aes de pessoas [↑ ditosas] que

<se formaram qdº <desf> se trinchavam os casaes de perus> <*teveram> elle

<jungio>[↑ a ou ou], vencendo estorvos á custa de <liberalidades. Entre as mulheres

que Pinto Mont> engenhosas intrigas, e até de liberalidades da sua desangrada ‘fortuna’

[1 de suas abatidas posses].

<Criara-se por sua casa> A filha de um <jornaleiro>[↑ cabaneiro], que se creara

por sua casa, era o <encanto>[↑ passa-tempo] do cego. Chamava-se [1 a] Narciza

d<a>/o\ <Carvalha>[↑ Bravo, - apellido paterno [1 alcunha paterna].]. te aos <do e>[↑

treze] annos andara [1 andava] vestida de rapaz, e media-se com <todos>[↓ os ms

gaiatos] [↑ a trepar á grimpa de um pinheiro,] no assalto nocturno ás sere eitas, <nos>[↑

em] duelos á pedrada, no jogo do páo e no murro. Era virilmente bella, <esperta, com>

e bem feita mas os meneios adquiridos nos tra os de rapa <desgraciavam>[↑

desengraçavam]-na vestida de mulher. Ella mma

[1 mesmo] olhava para si com

<triste a>[↑ anga] e dava [1 puxava a] repelloes ás saias esfrangalhando-se. Pinto

Montrº dava tento destes phrenesis, ria-se mtº, e contava-lhe cazos de mulheres

portuguezas que batalharam incognitas, cobrindo os seios com arnez de ferro.

Estava no plano do cego cazal-a. Narciza disia-lhe que não <fi esse>[↑ pensasse

em] tal, por q , á primeira [1 porque a primeira] <chala a>[↑ pirra a] q o marido lhe

fizesse, favas contadas, <partia>[↑ esmurrava]-lhe os focinhos. <Mas este>[↑ Este]

programa não assustou <o ceg> Pinto Montrº, visto que os focinhos ameaçados eram os

do marido.

A rapariga era [1 foi] pretendida [1 extra-matrimonialmente] por varios devassos

de Landim, Stº Thyrso [1 S. Thryso], e terras circum acentes. virago tinha perrixil do

q <arde>[↑ morde] nas linguas a embotadas; mas tambem tinha mãos <nervo as><[↑

calosas]>[↑ nerv<os>udas] e uns dedos <sêcos>[↑ nodosos] que se fechavam <com

apparencia>[↑ em forma] de box<e>, assim que <dos> os pimpoes lhe cantavam

desafinados.

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14

Um destes era um <rico>[↑ forte] lavrador de Sequeirô<.>/,\ [↑ , o Custodio da

Carvalha.] Apaixonou-se com a resistencia, e fallou-lhe serio em cazamento. Narciza

contou a passagem ao cego, que batia as palmas com vehemente jubilo, exclamando:

- mo a, aproveita antes q <elle>[↑ o rapa ] se arrependa! Olha que elle colhe

trinta carros, [1 e] é <bom mo o>[↑ [1 um] bonacheirão]... <e>/E\ que tal o achas de

figura?

- Eu sei ca!... <é um>

[21] – Tu gostas d’elle<?> ,\ <1 ,> [ou não gostas?]

- Como <de pensar> se nunca <o>[↑ nos] vísse[mos.]

- Então, <elle> não o conhecias <ja> ha mtº tempo ja?

- Desde q o dei a crear, nunca mais o <vi.> enx\[erguei.] [1 — Nunca o vi mais

gordo.]

- Mas queres cazas com elle ou não?

- Tanto se me dá como se [↑ me] deu mas o padrinho diga lhe que, se se faz fino

comigo, eu pinto ahi a <manta>[↑ manta][1 ,] que elle não sabe de q freguesia é. Eu

não ponho mão [1 unhas] em foicinha nem sachola, ouviu? Não fui creada <a ross> na

lavoira. Se elle <me come a>[↑ pega] a mandar[↑ -me] sachar milho [↑ ou cegar herva],

temól-as armadas.

- Ca a, q tu amansarás... – disia o cego.

E cazou. [§] Monteiro deu-lhe magnifico enxoval, cordão, cabaças, anneis,

broche; vestiu-a [1 vestiu-se] de <rico>[↑ fino] panno foi padrinho do ca amento, <e>

banqueteou os noivos <a>[↑ com] muitos convidados, <para a cerimonia> chamou a

musica d<o>/e\ [Paiva de] Requião [1 Ruivães], e <gastou>[↑ queimou] de dusias de

bombas reaes.

<noivo>[↑ marido] estava <infeiti ado>[↑ embruxado] [1 sentiu as fascinações

que enchem de delicias o inferno dos corações escravos]. Ella <subjugou-o>[↑ maneatou-

o] [1 maniatou-o] sem violencias de máo genio<.>/,\ [↑ com as suas caricias <rugidas>

de <panthera> gata q desembainha as unhas brincando.] Folia rija! Romagens, quantas

havia no Minho; festanças com trez clarinetes [↑ e requinta] todos os domingos na eira;

a <c>/C>ana-verde <dan ada>[↑ e o Regadinho saltado] pelas maiatas <do> mais

<frandunas>[↑ frandunas]; <comezanas>[↑ brodios] <a froixo,>[↑ e vinho á tripa fôrra

[1 vinho, fasta fora]]<,>[.] <c>/C\omprou egua de marca, vestido á [1 vestiu-se de]

amazona, e ella ahi ia com o marido corcovado[↑ , somnambulo,] a chotar na mula

<velha>[↑ esparavonada] <para ir na peugada da mulher>[↑ atra d’ella] por essas feiras

e romarias. Ás vezes, se os moleiros não despejavam depressa os caminhos

atravancados com os seus jumentos carregados de foles, verberava-os com o chicotinho,

e chamava-lhes canalhas. Em questoens com os visinhos por causa de regas ou

invasoens de gado, fazia ameaças sanguinarias. Carregava as espingardas do marido e

atirava aos melros [1 gaios] com pontaria infallivel. Quando soube que as senhoras do

Porto <andavam de>[↑ usavam] collete e gravata [22] <como os>[↑ á laia de] homens,

exultou, [↑ como qm

<avista a victoria da>[↑ vê triumphar a] sua idea,] e quiz vestir

calç<as>/o\ens e botas á Frederica.

O lavrador, ja no cairel do abysmo, <com> vendidas as melhores propriedades,

quiz reagir. Viu que tinha pela frente um homem de febras [1 virago de fibras].

Affroixou por medo e por amor. O pusillanime <forc> <soffria>[↑ vergava] ao prestigio

da força. Narciza offuscava-o com a rutilante bellesa do demonio, disfar ado na [↑

lendaria] <d>/D\ama <p>/P\é-de-cabra, e n’outras damas que o leitor conhece com pes

chinezes.

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Dobados dez annos de vertiginosa dissipação, o lavrador resvalou do idiotismo á

sepultura, amando ainda a mulher que vendêra um lençol para lhe comprar a ultima

galinha. E Narciza, viuva aos vinte e oito annos, e ainda formosa, atirou com a honra

<ás fauces>[↑ ás goelas] do dragão da mizeria, <como> <a>/e\ <mu> não <teve uma>[↑

chorou uma] lagrima[.] <por elle>

Havia uma <mulher>[↑ amiga] que lhe disia palavras dolorosas, com <o>

sincero dó <de amiga>: era a irman do cego. <Pobre mulher!... estavas destinada a ser>

Pobre < na das> eves! <por amor d’ella, <havia de fa er predestina ão n’essa

mulher> te havia> quem te prediria <q fim o> supplicio dos teus derradeiros annos,

ligado ao destino da mulher que tu crearas com <fraternal> maternal ternura![1 !...]

VII

Entretanto, <Pinto Monteiro>[↑ o padrinho de Narciza] não escarmentava no

sestro de cazamenteiro; <nem cazos analogos>[↑ é certo [1 porém] q semelhantes [1

similhantes] cazos [1 assim funestos,] não] se repetiram nas suas operaçoens

matrimoniaes. Por esse tempo, ca ou <sua>[↑ elle a] filha com <pequeno>[↑ diminuto]

dote, e abriu a carreira do sacerdocio a um filho, que outras voca oens [↑ deps]

afastaram da igreja. <A crença religiosa do cego de Landim> Os seus <haveres>

<haveres> <haveres> teres, <soffrido † e desfalques> com judiciosa economia,

<eram>[↑ seriam] bastantes á decencia aldean; porém, <a sua indole> privar-se da 2farta

1meza e franca, <*era > era privar-se de amigos [23] que lhe festejassem as anedotas.

Pinto Monteiro, no dia em que <o>[↑ <lhe> falisse de] auditorio[,] <o

desamparasse><[↑ lhe faltasse]>, começaria a morrer <abafado pel> no <silencio> 2silencio

1abafador da cellula penitenciaria. <§ Amaro> [1 §] Empobrecia rapidamt

e;

mas dava a perceber que a philosophia de Job <era>[↑ é] a ultima moeda com que <o

homem>[↑ o homem decahido] compra a<m> resignação 1e

5par

5dessus

7le

8marché,

<disia elle,> 2a

3gloria

4eterna<.>[,] <Esta <idea> mysterio <m> é insufficiente para

conjecturar qual fosse a sua crença religiosa, nem eu> <Principiou a purificação

expiatoria de Pinto Monteiro,> - dizia elle <com um movimento ascendente de

palpebras bastante>

Amaro Fayal, confidente d<a>/o\s secret<a>/o\s <maguas>[↑ desfalques] do

<amo,>[↑ patrão] <† †> pensou em <d> retirar-se para o Brazil, visto que não tinha

secretaria que fiscalisar, nem desprendimtº tamanho que aceitasse outra vez o officio de

moço de cego.

É aqui o logar de repetir <*verd> litteralmente uma accusação que todos os

meus informadores[1 ,] <[↑ conforme]> [↑ sem discrepancia][1 ,]<fazem con> irrogam

a[o] <Ptº Monteiro >[↑ cego de Landim:]

Um lavrador d<e>/a\ <Bente>[↑ Lamella], <aldeia visinha de Landim,>

indusido por Ptº Monteiro, vendeu <os seus bens> as suas herdades por alguns contos

de reis, a fim de ir negociar no Brazil e centuplicar o seu dinheiro. Sahiu <o> <lavrado>

<cego de Landim>[↑ Montrº] <p> com destino ao Rio <de Janeiro>, levando em sua

companhia o lavrador. <Chega> Passados dias, apparece em Landim o cego, fingindo-

se doentissimos, e diz que o seu companheiro embarcara, e elle retorcedera forçado pela

modestia. Ora, do lavrador nunca mais houve noticia; <nem>[↑ mas][1 ,] no governo

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16

civil de Lxª[1 ,] <nem na lista dos passagei> estava visado o passaporte de [Jose Pereira

de Lamella]15

, e o mmo

nome inscripto na lista dos passageiros. Isto não obstante, o cego

era accusado de haver matado em Lxª o lavrador, <por> não podendo roubal-o por

maneira mais suave; e a certeza <com> confirmou-se qdº parentes que o [Lamella]16

tinha no [24] Rio, perguntados a tal respeito, responderam que nunca viram tal homem,

nem, <constara> depois de <convidado>[↑ chamado] pela imprensa de todas as

procincias, apparecêra. Asseveravam, porém, que um nome semelhante [1 similhante]

se lia na lista dos passageiros <chegados ao>[↑ desembarcados no] Rio, no mmo

navio e

mez em que de Portugal se informava que elle partira.

Seria mais natural suppor que [Jose Perª]17 morrêra <logo q desembarcou;>[↑

obscuramte em alguma rossa;] mas á calumnia pareceu mais romantico <estabelecer qu>

decidir que o cego [↑ o] matára.

- Como presumem os senhores q o cego matasse o lavrador? – pergunt<o.>/ei\

- Não sabemos; o mais provavel é que o <alijasse>[↑ atirasse] ao <Te o>[↑ rio]

quando o bote ia para bordo da galera.

Esta era e é a opinião corrente. <O>[↑ Pelos modos, o] cego, em pleno <ar>[↑

sol] do Tejo, na prezença dos barqueiros, <atirou>[↑ <afogou> alijou] o passagrº ao

<mar>[↑ rio], e <voltou>[↑ fe remar] para terra [↑ o bote] com <as>/a\ bagagem do

<Porto> morto; depois, saltou no <c>/C\aes das <c>/C\olumnas com a mala [↑ do

dinheiro debaixo do braço, e ás apalpadellas la se]<1 ,> <e> foi<-se> pacificamte

caminho de Landim. <Os barqueiros e as numerosas>

Corre parelhas em maldade e estupidez esta aleivosia<.>/,\ <Mas o que é cer> é

certo; mas o lavrador, <não vira o Brazil, não> de feito, fôra assassinado em Lisboa.

gora, <a> posto q tardia, [↑ ahi vem] a rehabilita ão de ntº Jose Pinto

Monteiro<,>.

Quem indusira o lavrador de Lamella a vender as terras foi Amaro Fayal,

<convidando-o a ser seu socio em> offerecendo-lhe sociede em negocio q rendia 00 .

<F>/O\ [Perª da Lamella]18

era <p> calaceiro. O trabalho agricola pezava-lhe; <e> [↑ as

suas] terras, <q valiam>[↑ avaliadas] [1 em] cinco contos, rendiam escassamente o

passadio <rustico> grosseiro do lavrador minhoto. Calculou, firmado na prova

mathematica das cifras de Amaro, que, ao fim de cinco annos, devia ter cinco contos

dez vezes multiplicados. É claro: 200% – 5 vezes 10 – 50 contos. Vendeu as terras e

partiu com o ex[25]-secretario do cego<,>/.\ <anti> Pinto Monteiro, sinceramte

affeiçoado ao seu confidente de vinte annos de varia fortuna, acompanhou-o até

<Lisboa> ao Porto, e d’ali voltou pª Landim algum tanto infermo [1 enfermo], e ás

pessoas que lhe perguntavam pelo Perª19

da Lamella respondia naturalmte que tinha

embarcado. Dava-lhe, porém, que pensar [1 scismar] não ver [1 estar] o nome de Amaro

Fayal entre a [1 na] lista dos passageiros.

O leitor já <adivinh> descobriu que o <assassino> <matador>[↓ assassino] do

lavrador foi <a>/A\maro; que o passaporte do morto serviu pª o matador; mas ignora

<co> os pormenores do crime, e eu tambem os não sei.

<Volvidos>[↑ Passados] annos, <o cego,> <por motivos q logo direi,> <foi>

<soube que um>[↑ um] correspondente de ga eta escrevera o essencial da calumnia q

15

O nome desta personagem está escrito com letras mais larga do que o restante texto,

parecendo ter sido inserido posteriormente em espaço deixado em branco para o efeito. 16

Idem. 17

Idem. 18

Idem. 19

Idem.

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<lhe> <ap> assacava o homicidio [↑ ao cego.]. <Um>[↑ O] delegado de Villa Nova de

Famalicão, Soares de Azevedo, <por cujo> e advogado de Pinto Montrº em diversas

demandas, aconselhou-o que justificasse a sua innocencia <em tal> neste crime que lhe

imputavam, por que <o> deix<ál>/ar\-<a> [↑ a calumnia] á revelia [1 deixal-o á

calumnia e á revelia] era arruinar-se a perder todos os seus pleitos. <Pinto Monteiro>[↑

O cego], com a lucida intuição de quem tinha longa pratica d<a>/e\ <manha> crimes

tenebrosos, explicou a morte do lavrador, comprovando-a pelas cirvumstancias do

passaporte, pela omissão do nome do homicida na lista dos desembarcados no Rio, e

pela certeza que lhe deram de Amaro Fayal ter morrido 6no

7hospital <1

8dos

9portuguezes>,

1poucos

2dias

3depois

4que

5chegara, com o <espolio> roubo <do a>

ainda intacto, segundo vira na noticia dos espolios dos fallecidos. Replicou-lhe o

delegado que semelhante ustifica ão era insufficiente o cego redarguiu q não tinha

outra, nem essa mma

daria[1 ,] se maro [↑ Fayal] fosse vivo, por que <lhe devia vinte

annos de serviços honrados, e o despedira mal remunerado.> no seu <a>braço se

amparara vinte annos, vinte annos <vira>[↑ vira] pelos olhos d’elle, e <sem o seu

esteiro houvera> mal remunerado o des[26]pedira, sem que o seu guarda-livros

murmurasse da mesquinhez da paga.

VIII

Em 1858 o cego <estava no declive>[↑ , escasso de posses, escorregava na

ladeira] da pobreza. Havia vendido ou hypothecado as terras. Perdêra demandas

valiosas: parece que em quase [1 quasi] todas influiu a sua má nota <em>[↑ a] desculpar

<d> a injustiça. Duas quintas lhe foram extorquidas com tão estranho desaforo que

<seria>[↑ é] mister aceitar-se intervenção de jurisprudencia divina pr q o homem as

perdesse, pois é de crer que as adquirisse com dinheiro deshonrado. Disia elle que viera

encontrar em Portugal especies de ladrões <indignos>[↑ fleumaticos e frios], que não

topara nos climas quentes; e que o larapio luso-brazileiro era francamente analphabeto e

lerdo, ao passo que o ladrão[1 ,] extreme e puramte luso[1 ,] era, p

r via de regra, alem

de <scelerado>[↑ perverso], bacharel formado. lludia a dois adversarios urisconsultos

q eu escondo á curioside do leitor[1 ,] por q me sustém o pulso um quase [1 quasi]

religioso respeito á memoria honesta de Paiva e Pona, e tambm

de Pêgas.

Com as ultimas moedas, abriu Pinto Monteiro um botiquim em Famalicão, faz

hoje desesete annos. A villa[1 ,] <medrava então co> n’esse tempo, estava na apo adura

das suas prosperidades. Choviam [↑ ali] bra ileiros <como>[↑ q nem] maná[.] <p> [↑ na

Arabia.] [1 nos areaes da Mesopotâmia.] Dos paues alagadiços irrompiam cazas de

azulejos variegados[.] <coroadas de brazoens> <Famalicão>[↑ Vª ova] era o centro da

locomoção [↑ do Minho], da mercancia agricola, da villegiatura dos portuenses; mas

não tinha o “café” – a prova real da civilisação.

Pinto Monteiro contava com as leis do progresso; [27] mas [1 porém,]

<Famalicão>[↑ Vª ova] que ho e [↑ , na extrema decadencia,] tem tre “cafés” com

dois limoens sorvados e trez garradas de licor de canella, <n’aque> <nos>[↑ em] tempos

<de fortuna> florentissimos não sustentou o botiquim do cego em que havia [↑ cognac,

<†,>] coraçao <e absyntho>[↑ <†> chartreuse[1 , kermann] e absyntho.]. É por que, ha

desesete annos, o progresso material desconhecia a precisão <dessas paragens>[↑ dos

“cafés” – [1 ,] paragens] <de ociosos,>[↑ d’uns occiosos q <ahi> se putrificam,] <e

*indicativas d> raça <amollecida>[↑ amollentada] n<as>/o\ sybaritismo d<o>/a\ <capilé

morno>[↑ cerve a <de pipa>[↑ de Baviera [1 de quartola],]] com grandes

<devassidoens>[↑ deboches, como elles dizem, [1 orgias]] de cigarro [1 cigarros] de

Xabregas.

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O cego apenas vendia algum capilé aos <reitores>[↑ vigarios] encatarroados e

orchatas aos <brazileiros> adiposos. A ruina ia consummar-se [↑ e o botiquim fechar-

se], quando <*a>/c\hegou á villa, e se hospedou no hotel, um bra ileiro [↑ doente],

vindo do <r>/R\io com sua esposa. <§ Chamava-se o brazileiro> Pinto Monteiro

conhecia de nome o snr20

<e sua senhora> [1 o enfermo.]

Visitou-o e acompanhou-o n<a>/o\s <triste as>[↑ desalentos] da cachexia,

animando-o ou distrahindo-o com a sua variada e jovial conversação. F21

[1 Alvino

Azevedo] afeiçoou-se-lhe a ponto de, chegado ao termo dos soffrimentos, lhe confiar

sua mulher, pedindo-lhe que a protegesse e guiasse na administração dos seus haveres.

A esposa do infermo estava um pouco afastada [1 distante] da idade em que as viuvas

correm perigo, se as não vigiam: tinha setenta annos feitos, e < a>[↑ a] não conservava

<toda>[↑ toda] a frescura das suas de oito primaveras [↑ nem os dentes todos [1

completos].] Os dons do espirito não eram transcendentes, nem <obrigariam> talvez

bastantes para sedusirem <um segundo>[↑ outro] marido D. <Maria>[↑ Tecla] era

idiota.

O cachetico expirou nos braços do cego, despedindo-se da esposa com uma

olhadela cheia de saudes

, e talvez de esperanças no paraiso de Mafoma, em que as

mulheres velhas remoçam. Ella <atirou-se a chorar aos braços> chorou copiosamte, e

declarou q <era> aquelle morto [↑ era] o terceiro [28] marido que lhe fugia para o ceo.

Elles tinham tido razão em fugir<.> todos<,>[.] <fosse pª onde fosse.>

D. Tecla<, *como foi> passou para caza do cego, <sem> com todo o resguardo

de seu pudor [1 sua pudicicia], acompanhada pela <irman>[↑ mana] eves.

Passados os trez dias de nôjo, perguntou-lhe Pinto Monteiro se queria voltar ao

Brasil, sua patria, ou ficar em Portugal, recebendo os rendimtos

dos seus predios no Rio.

A viuva respondeu que a sua posição era mto melindrosa; que uma senhora não podia ir

<sosin> sosinha para tão longe; que o mundo estava cheio de homens mal criados que

mediam tudo pela mma ra a que não queria su eitar-se a algum desaguisado por essas

terras de Christo q <1 ,> em fim, não ia para o Brazil sem ter famª mtº honesta com qm

fosse.

- Mas então, mª senhora, [1 ;] [↑ - redarguiu o cego –] quer, entretanto [↑ q não

vai,] viver sosinha em Vª Nova, ou dá-nos o prazer da sua companhia? Seu defuncto

esposo encarregou-me de a derigir; eu, porém, <não delibero a> o q farei é conformar-

me com a vontade da <Snrª>[↑ senhora], que a tem bastante [1 suficiente] idade pª

saber o que lhe convem.

- Não sei nada do mundo – accudiu Tecla – Estou mtº verde. <Tenho ate medo>

O snr [1 senhor] é que hade guiar-me...

- Deus lhe dê melhor guia do que um cego, mª senhora[1 ;]... mas ahi tem a mª

mana que lhe será companheira e irman.

No dia seguinte, Monteiro fechou o <“café”>[↑ botiquim] com um sorriso

sarcastico, e o ar solemne [↑ e vingativo] de quem fechava a porta que <elle abrira>[↑

franqueara] á civilisação de Villa Nova. Elle disse [1 vociferou] que os habitantes de

Famalicão eram indignos do <botiquim>[↑ “Café”], <afirmando> deu volta á chave, e

foi caminho de Landim com a hospeda e a irman.

[29]

20

Hipótese: espaço deixado para preencher com o nome da nova personagem? 21

Espaço deixado em branco para ser posteriormente preenchido com o nome da personagem.

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19

IX

s [↑ dois] predios que D. Tecla [1 a viuva] possuia na rua da Quitanda valiam

quarenta contos de reis fracos; as suas joias, dádivas de trez maridos, eram muitas e nem

todas de <pedras>[↑ pedras] falsas. idade da viuva animava um quarto marido<.> ,\

[↑ na hypothese de caber a esse quarto a vez de a ver fugir pª o ceo a ella.] certo é q

andavam ja <trez>[↑ dois] <satelites a volta d’aquelle> empregados da fazenda e outros

<tre >[↑ tantos] da administração a espiarem o ensejo de <a raptarem><[↑ a †]>[↑

<a>/lhe\ seduzirem a inexperiencia,], quando a viram ir impertigada n’umas andilhas,

<rojando <os> crepes de Artemisa menos inconsolavel>, caminho de Landim, a chotar,

e a rir-se dos solavancos do macho.

Os pretendentes pegaram de gritar contra o cego, assacando-lhe o rapto e a

coacção da viuva. O juiz de direito viu-se obrigado a deferir ao requerimtº [↑ de um

curioso] que pedia uma visita domici<a>liaria ao carcere privado de D. Tecla [1 D.

Joana Tecla Alves]. Effectivamente a hospede de Pinto Monteiro foi interrogada[1 ,] em

prezença de testemunhas[1 ,] se estava n’aquella caza por sua livre contade, <sem

coac ão nem seduc ão>[↑ não coagida nem sedu ida].

Respondeu que estava mtº contente, e que podia estar onde quizesse.

O juiz concordou<,>/.\ <e deixou-a.>

Algumas cartas amorosas em papel perfumado lhe <enviar<am>/a\ os>[↑

enviou] [↑ <o> o\ mais galan dos] funcionarios d<a>/e\ Famalicão[.] <<ja> pelo

correio.> <ja por medianeiras superiores as do> [1 Joana] Tecla relia as cartas com

secretas delicias; mas, no exterior, fingia-se de uma i emp ão q faria envergonhar

Arthemisa, viuva de Mausólo<, e Penelope> e as <outras>[↑ combustiveis] viuvas do

Malabar. Perguntava á sua amiga Neves qm

era<m> <os>/o\ tol<os>/o\ q lhe

escrevia<m>; e, rindo com a garridice arisca dos deseseis annos, <p> disia que seria

grande pagode mangar com elle<s>, respondendo-lhe<s> ás cartas. [§] A mana do cego

segredava ao irmão:

- lha q a velha é tola, mano Antº; tracta [30] de cortar os voadouros á cegonha;

se não, hasde vêl-a voar aos braços do quarto marido.

- O quarto marido heide ser eu! – disse o cego com uma visagem de martyr

voluntario – Heide ser eu o quarto marido – repetiu elle, <bebendo>[↑ tragando] um

copo de rhum para ganhar alma – por que a ter de entrar n’esta ca a o espectro da

miseria, é melhor q entre [1 Joana] Tecla. Não me lembra como se chamava um cego

que dava <a> graças a Deus por q não podia ver um certo tyranno eu tambem as dou,

por que não posso ver a mª noiva . – E enchia o copo esvasiado, <*com> mas<cando>[↑

cava] o charuto, <com a[s]>[↑ e fasia com as duas] perna[s] <direita> [↑ figuras]

<em><[↑ formando]><[↓ um]> triangul<o>[ares] <com a esquerda –> [1 e fazia com as

duas pernas um curso de geometria] – sacrifico-me a ti e a meus filhos. Vou ser o bode

expiatorio das <nossas>[↑ mas

e vossas] prodigalidades; mas levo a certe a de q ella

<me não> ao menos me será esposa fiel, [1 –] <como raras.>[↑ o q é raro antes dos

setenta [1 annos].] O seu terceiro defuncto disse-me que <ella> Tecla era uma <pobre

<rapariga>[↑ mulher]>[↑ pa d’alma], bruta [↑ sim], <†lhada> mas boa. Em fim, mana,

sonda-m’a vê se lhe achas vontade de ca ar quarta ve .

- Tomára ella! – accudiu a irman – Está sempre a di er “Isto de mullher sem

homem é como peixe fora de agua.” <E><p>/P\õe papelotes todas as noites, e faz <os>

cacaróes [1 caracoes] quando se ergue. Que quer isto dizer? Queres que eu lhe toque no

cazamtº comtigo?

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<- Por em qtº não. Heide fazer –lhe a côrte primeiro. Cazamento sem amor> <-

Não.> - Toca; que eu começo hoje a fazer-lhe a côrte.

Na tarde desse dia, passeava Monteiro, debaixo da parreira do seu quintal, pelo

braço da viuva. As calhandras e os pintasilgos trilavam suavidades [1 os seus requebros]

ás margens do reio Pele. [↑ s rans coaxavam nas pô as.] s auras [1 poças, e as auras]

ciciavam na [31] ramaria dos álamos. Era uma tarde de tirar amores do <centro>[↑ ôlho]

de um[a] <repôlho> couve lombarda.

Passeavam <[↑ †]> silenciosos, quando ao longe, no pinhal do mosteiro, cantou

um cuco.

- Olhe o <cuco>[↑ cuquinho] a cantar! – disse ella com meiguice [<1 –>] <da

<Lili>[↑ Carlota] de Goêthe pelas aves canoras>

<-> - Gosta22

de ouvir o cuco, <mª> senhora D. Tecla? – perguntou o cego.

- Eu gosto de toda a passarinhada – respondeu ella com <o></a\>/os\

<deleite><graça>[↑ requebros [1 as denguices] infantis] da Lili de Goêthe.

<-> - O cuco23

é passaro de máo agoiro – tornou elle – Eu, com medo de tal ave,

<nunca>[↑ não] qui ca ar.

Tecla riu-se <mtº>[↑ descompassadamte], provando que conhecia <os></o\>/a\

<segredos><symbolo> linguagem symbolica do cuco [1 da ave agoureira]. E o cego,

nesta entreaberta de galhofa, beliscou-lhe a polpa <não> do braço esquerdo.

- Ai! – exclamou ella – Isto que foi?!

- < lgum mosqu> ão se ria assim das <miserias>[↑ fraque as] do proximo, D.

Tecla [1 Joaninha]! – respondeu o cego, dando ao beliscão o ar innocente de um gracejo

familiar – Eu não quiz casar nunca por que o meu coração nunca sentiu ao perto nem ao

longe a mulher digna d’elle. Cheguei aos cincoenta e dois annos, pode-se dizer, sem

<lhe> ouvir <ao>[↑ a este] coração as palpitaçoens que estou agora ouvindo. É a

primeira vez... – e <apertava>[↑ estreitava]-lhe o bra o <contra o>[↑ ao] [1 contra o]

lado esquerdo com umas pressoens tremulas – é a primeira ve que amo por q é esta a

primeira vez que encontro a mulher, a esposa digna da mª ternura. Que me responde,

Tecla? não me responde, prenda adorada? [- instava elle sacudindo-lhe a mão com

transporte.] [§] A viuva inclinou a face para o seio, deixou-se apertar com [↑ o]

indolente <entrega>[↑ abandono] de suas faculdades <1 cogitativas e> sensitivas, [↑ ,

esteve impando como quem suspira a custo,] e <disse> murmurou:

- Devagar se vai ai longe, snr Montrº.

[32]

X

Aquillo foi depressa. O fervor reciproco dos noivos, e <a>/o\ <idea>[↑ preceito]

do poeta pagão que manda não adiar os prazeres, abreviaram quanto possivel a

<aproxima> identificação das duas almas. O reitor, que os recebeu, era <homem

sancto> um <homem> padre <mtº bom>[↑ bom e ovial] que até a estes noivos disse o

que disia a todos “Ca [1 Eu] espero o primeiro filho d’aqui a <dez>[↑ nove] me es.” A

noiva entreabriu á flor dos beiços um sorriso de <candura>[↑ <esquivo>[hypothetico]

pudor] [1 hypothetico sorriso de pudor]; o cego, porém, ferido na infecundidade da

esposa, disse[1 ,] carregando o semblante:

22

Este início de frase contorna lacuna de suporte. 23

Idem.

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- <Este>[↑ este] acto, snr reitor, são improprias as chalaças. [§] O padre,

querendo emendar [↑ erudictamente] a inadvertencia, respondeu

- As sanctas escripturas <*rezam de exemplo> fallam de Sára...

- Eu não sou Abrahão – replicou o cego<.>/,\ <Vol> voltando-lhe as costas.

<Re>

<Refez-se o desfeito><Refl> Reverdeceram os contentamentos da <boa> meza

lauta [↑ e das intimas palestras ao fogão.] D. tecla Montrº confessava que nunca tão

felizes lhe derivaram os dias da existencia. < marido>[↑ cego]<, ameigado pela

esposa,> sentia-se [↑ docemte ameigado e] bem[1 ,] com o rosto no regaço da esposa.

<Conhecera ainda agora> Saboreava os sanctos aconchêgos da companheira canonica.

Recendia-lhe o ninho dos seus amores licitos um patriarchismo anterior ao <ca amtº>[↑

sacramtº do matrimoneo,], é verdade, mas puro como os conubios de Jacob e Lia, de

Ruth e Booz<;>/.\ <e>/E\lla não o <adorava>[↑ idolatrava] com o maior phrene i, mas

aquecia-lhe [↑ no inverno] os lençoes com botijas, <e *defrosas> <adormecia-o de o

acalentar com o laudamno das suas> e de manhan <saudava-o com>[↑ levava-lhe] uma

chavena de sagú que <elle>[↑ pessoalmte] cosinhava com todos os premores d’uma

vocação especial para o sagú.

Na venda das propriedades liquidára Montrº menos do seu valor; mas ainda

assim não desceu de vinte contos de reis o dote da esposa. Parte deste capital empregou-

o em uma [33] quinta no Alto-Douro, outra parte na <instaura ão>[↑ reincidencia] de

letigios [1 pleitos] que havia perdido, e o restante nas <larguesas>[↑ opulencias] da

<do> meza, e nas liberalidades com os renovados amigos. Do mmo

passo que a opinião

publica encarecia a velhacaria do cego, formara-se uma confederação de sujeitos que

lhe exploravam a <incorrigivel>[↑ perdularia] generosidade. Emprestava facilmente

dinheiro, e não negava esmola<.>/,\ <Aos mendigos nunca respondeu que não tinha

trocos>[↑ nem <respondia> se desculpava com a falta <de trocos>[↑ de cobres]].

“<Esta> Tal desculpa teria logar [1 seria boa,] – disia elle – se os <pobres>[↑ mendigos]

se offendessem com as pratas.” E tambem disia “ inguem dá esmolas mais ás

escondidas do que eu, por que nem ve o as pessoas a quem as dou!” Triste grace o

proferido pr um cego.

Pinto Monteiro[1 ,] que tanto refinára <nas>[↑ em] astucias, <se tal qualifica ão

pertence as><em> no ultimo quartel da vida[1 ,] deixava-se enganar por qualquer

velhaco montezinho. A quinta do Alto Douro, comprada por seis contos de reis, foi uma

venda fraudulenta: a propriede estava hypothecada á fazenda nacional, e o vendedor<,

recebido o>[↑ , apresentando titulos falsos recebeu o] <dinheiro no Porto>[↑ o dnrº no

Porto]<,>/e\ fugiu. <Ptº Montrº> <O cego> <aggravou a dor> Os convivas do cego

re ubilavam a cada <insulto>[↑ arremesso] novo que a <desgra a>[↑ desfortuna] lhe

dava para a pobreza<.>/,\ [e] <As>/as\ pessoas contemplativas observavam ás

incredulas q o enorme delinquente estava soffrendo <a> retalia ão providencial [1

retaliações providenciaes]. de crer q sim. [§] Lance admiravel! Pinto Monteiro

mantinha <1 a> serenidade <de Socrates>[↑ socratica [e imperterrita]] <em>[↑ a] cada

<punhalada>[↑ lan ada] que lhe <batia> resvalava no broquel [1 na rodella] da

philosophia. Se a irman ou a esposa choravam, e elle dava tento d’isso, disia-lhes “

uma vergonha chorar <*sem d>qdº a vida é tão curta! As dores são um sonho máo de

[36]24 [↑ q ] se acorda na sepultura[1 .]”

Ao sentir desfibrar-se-lhe a corda rija [1 tenaz] da paciencia; [1 ,] digna de um

christão, emborcava garrafas de genebra, e fumava sempre ate cahir marasmado pelo

24

A numeração dos fólios salta de 33 para 36, mas o texto continua sem falhas.

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alcool e pela nicotina; mas, se antes da porstração, se exaltava em desvarios de ebrio, as

phrazes refloreciam os raptos de eloquencia que aos vinte e cinco annos o arrebatavam

nos clubs fluminenses. Nestas occasioens, projectava ir ao parlamento, e ensaiava

discursos tão bonitos que pareciam ser decorados no “Diario das Camaras” Ás ve es

pedia á mulher e á irman que lhe fi essem “ápartes” para <lhe acirrarem *e *at> o

picarem. A boa de D. tecla dava-lhe para se rir, ou pedia-lhe amorosamte que se deitasse

– pedido que a gente não pode fazer a todos os oradores parlamentares.

Nestas intermittencias[1 ,] quase [1 quasi] sempre risonhas[1 ,] se passavam os

dias e boa parte das noites n’aquella murmurosa ca a de Landim. D. Tecla desmentira

os <prognosticos>[↑ vaticinios] q a deploravam[1 ,] esbulhada do dote e abandonada á

<commisera ão>[↑ piedade] do <a>/A\zilo das velhas do Camarão. Não teve uma hora

de triste a esta senhora nem se quer <uma>[↑ ligeira] borrasca de ciume[1 ,] em sete

annos de cazada<.>/,\ <Por sua parte> lhe nublou as suas alegrias de esposa leal. Ás

setenta e seis primaveras seguiu-se um inverno rigoroso <que a mortifi> de catarraes e

gota, com perturbaçoens no apparêlho digestivo[1 , tympanites e colicas flatulentas]. A

morte <colheu-a>[↑ arrebatou-a]<1 ,> em desembro de 1861<1 ,> dos braços do

marido, que, pela primeira vez na sua vida, chorou.

[37]

XI

Sete annos de glacial solidão giaram sobre a alma de Pinto Montrº. As portas da

sua caza raro se abriam. Concordemente se disse que o cego estava pobre pela terceira

vez. Era verdade: estava pobre, vendia o restante das joias da mulher.

Ás ve es entrava n’aquella ca a a Narcisa do Bravo, sentava-se á meza ainda

abundante do padrinho, e matava a fome. A irman do cego debulhava-se em pranto a

confrontar aquella desgraçada de rosto empolado com esfoliaçoens rubras á formosa

noiva de Custodio da Carvalha, á gentil amazona por amor de quem alguem fidalgos de

Guimaraens tercaram as suas bengalinhas [1 badines] de caoutchoue na romaria do S.

Torquato.

<A todas as infamias que lhe andavam> <Narcisa><, s>/S\obre todas as famas

<que> repellentes, <conquistara>[↑ ganhara] [↑ Narcisa][1 ,] com legitimo direito a de

ladra, e ladra á mão armada. Os mais queixosos eram os que lhe colheram as <derrad>

flores ja outoniças da bellesa, e a regeitaram com a brutalidade do tedio. <Narciza, que

lhes conhecia as> <A> Narciza <surgia>[↑ sahia]-lhes de <frente>[↑ rosto] nas

<revoltas>[↑ concavidades] dos quinchosos <escuros>[↑ escuros] [1 das congostas

escuras], e abocava-lhes á cara uma pistola de dois dois canos; e elles, com um fingido

sorriso de <des> piedade despresadora, <deixav> atiravam-lhe a forçada esmola. Outras

vezees, escalava as janellas das alcôvas conhecidas, e [38] entroixava os bragaes como

se <arrelas> inventariasse o espolio de um esposo fal<ec>/lec\ido. <Havia> E temiam-

na <como a dous homens> como a um scelerado disposto a vender cara a vida<.>/,\

< arci a>[↑ pr q ella] deixava <ver>[↑ entrever] a coronha da pistola entre os

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atacadores do collete escarlate, e se sofraldava as saias, <ao passar>[↑ qdº saltava] [↑as

poldras] [d]os ribeiros, <deixava ver>[↑ mostrava] a faca de ponta [↑ atravessada]

<esp><cingida pela l> na liga. s regedores das fregue ias q ella frequentava tinham

ordem de a <prender>[↑ capturarem] mas o mêdo, <ou a compaixão desarmaram os>

predicado pacifico <dos>/destes\ <regedores da aldeia,>[↑ magistrados,] era <o>

<seguro passaporte para> a ressalva de Narciza.

O cego de Landim não ignorava a desastrosa sahida de sua afilhada; conselhos,

n’aquella extremidade, eram perdidos; censuras, <fazia> a si proprio as fasia o cego por

que <iniciara><[↑ inceptara]>[↓ encetara] a perdi ão d’aquella mô a, tirando-a da

cabana [1 arribana] de seu pai, <e creando-a>[↑ para a crear] nas regalias da

abundancia, sem vislumbres de religião, <sem> em plena liberdade de <a> se viciar

com as <exorbitancias que> <gaiatices>[↑ travessuras <de> e gaiatices] q <lhe> lhe

festejavam. Narcisa era <u> talvez uma das rodas [1 polés] que turturaram o cego nas

impenetraveis agonias dos [↑ seus] ultimos seis annos.

Contava um <mocinho que servia>[↑ rapasinho, creado de] Pinto Monteiro, que

ouvira, uma ve , sua ama di er a arci a que ia mandar vender dois cobertores por q

não havia dinheiro em caza; e que Narciza lhe dissera que não vendesse os cobertores[1

, ] que [1 por que] ella ia vender a sua pistola por meia moeda. Não tenho outro lance

generoso q possa referir [39] de Narcisa do Bravo.

Quando este caso passou, <estava>[↑ entrava] ntº Jose Pinto Monteiro nos

paroxismos da <vida>[↑ morte]. < o 1º de desembro> <Por fins> [↑ 8] de

novembro de 1868, <[↑ , depois]> pelas dez horas da manhan, disse é irman que lhe

acendesse um cigarro, e abrisse as anellas q sentia grande <oppressão>[↑ calor e ancia].

Sentou-se no leito, e <res>/ins\pirou consoladoramente a columna de ar frigidissimo

que lhe bateu no rosto, ao abrir da janella[.] <como se><, chamando outra vez a irman,>

Pediu uma chavena de café; e, em quanto <se aquecia a agua,>[↑ a irman o fazia,]

Narcisa veio para a beira do padrinho.

- Quem é? – perguntou o cego.

- Sou eu, padrinho. Está melhor?

- Vou estar melhor, <rapariga>[↑ filha]. Isto vai acabar. Quando eu morrer, fa

[1 faze] companhia á mª pobre irman...

Narciza chorava, <collando> beijando a mão do cego, que se <confrangia>[↑

estorcia] nas dores da cystite. Ao cahir da noute [1 noite], <o>/a\ <cego entrou>

prostração, a febre, os soluços, e o frio das extremides

diagnosticavam a gangrena. No 1º

de desembro, <a> o cego de Landim expirou reclinado <para> [a]o ceio de Narciza[1 ,]

q se sentara no leito para o amparar nos derradeiros arrancos. <Elle tinha tre filhos>

As suas ultimas palavras[1 ,] [↑ no delirio q precedeu a morte,] <p><são o>

encerram toda a moralidade desta biographia:

<- Tenho trez filhos... <e nem uma unica lagrima.> não ha um que me te>

- Eu tinha trez filhos que creei com tanto amor... [1 Que é d’elles?...]

[↑ E mais nada.]

Os trez filhos do Cego de Landim <envergonha<r>/v\am-se>[↑ affrontar-se-

hiam] <do>[↑ com o] nome de seu pai? Para ter um peito amigo q o amparasse na

agonia, foi mister que a sociedade remessasse para dentro [40] da alcôva do

m/o\ribundo uma mulher perdida. Mas, la ao longe, [↑ no Bra il,] houve lagrimas

saudosas[1 ,] no cora ão de uma filha. Pois <onde>[↑ qdº] é que Deus consentiu que

uma <filha><mulher>[↑ filha] <deixass><tivesse as entranhas> as não chorasse<?>/.\..

n’um epitaphio?

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24

Conclusão

No cemyterio de Landim está uma sepultura com este epitaphio [1 letreiro]:25

[Aqui jaz

Antº Jose Pinto Monteiro

nasceu

a 11 de dezembro de 1808

falleceu

a 1 de de dezembro de 1868]26

[40v] [Tributo de gratidão

de eterna saudade

que lhe dedica sua

enconsolavel [1 inconsolável] filha

Guilhermina<1 .>]

[40] <D.> nna das eves <concebera>[↑ ideara] uma <esperança> perspectiva

de felicidades: <que> viver os restantes annos em recatada pobreza, morrer mais

desamparada que o irmão, e ser levada como quem <levanta>[↑ remove] um entulho ali

para aquella sepultura onde se pulverisavam os ossos execrados do cego.

Estas felicidades não as gosa quem quer.

Um dia, a justiça, perseguindo Narciza pelo roubo de uma coberta de fêlpo,

soube que a Neves a mandára vender. A ordem de captura involveu-a como receptadora

de roubos. Invadiram-lhe judicialmte a caza, e encontraram, para maior prova d<e>/o\

<flagantre delicto> crime, um cesto [1 açafate] de maçans camoezas, dous [1 dois]

calondros, e algumas batatas que Narciza recolhera[1 ,] de colheita aliás suspeitosa[1 ,]

nas lojas da caza da sua protectora. A irman do cego foi <presa> capturada, e, sem

fiança, encarcerada na lobrega enchovia de Famalicão. Dias depois, davam-lhe a

companhia de Narciza[1 ,] que se <dera>[↑ entregára] á prisão, arro ando a pistola, <aos

pes da> qdº lhe disseram que a Neves estava preza. <A lei> O juiz misericordioso

condemnou-as a <dous annos>[↑ um anno] [1 oito mezes] de prisão, dado que os

jurados as sobrecarregassem de crimes benemeritos de degredo perpetuo.

Cumprida a sentença, D. Anna das neves Miquelina [41] Monteiro vendeu a casa

que o irmão comprára em nome d’ella. Com o producto dessa venda transferiu-se, em

18 , ao Bra il, e levou consigo arcisa do Bravo. Parece q não tinha outros amores

n’este mundo, e dese a [1 desejava] [↑ expirar], como seu irmão, <expirar> nos bra os

d’ella.

E visto q não estamos dispostos a dexal-a morrer nos nossos braços, ó leitor,

parece-me caridosa coisa que a não fulminemos com a nossa honrada indignação [1

25

Em baixo, nota para o tipógrafo suprimida, pois o epitáfio foi adicionado ainda no

manuscrito: (Este espaço é prehenchido na prova) 26

Tudo em maiúsculas na 1.ª ed., sem itálico. Nota para o tipógrafo: (Veja no verso)

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raiva][.] <porque ella se não desprende da sua companheira> Sou de opinião que

sejamos <severos e inexoraveis>[↑ inexoravelmte siveros] com os desgra ados [↑ e com

as desgra adas,] quando elles [↑ e ellas] repelliram a felicide que nós lhes offerecemos

[1 oferecermos].

<1 Fim>

S. Miguel de Seide [1 – <§>]

3 de julho [1 Julho] de 1876.