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III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a 29 de abril de 2015 O CASO DO ESTADO-ILHA TUVALU FRENTE À MUDANÇA CLIMÁTICA: uma análise teórica sobre os documentos oficiais Patricia Benedita Aparecida Braga 1 RESUMO: A mudança climática problematizada em termos teóricos (de modo direto ou indireto) e empíricos, tanto nas ciências naturais como nas ciências humanas, é observada neste trabalho como uma temática que contém em si uma perspectiva de vir a ocorrer em um futuro próximoe isso é ilustrado por argumentações que emitem alertas de transformação total e parcial da economia e da política, construção de soluções possíveis, natureza do problema, responsabilidade(s), entre outras problemáticas. Contudo, ao inverter a reflexão e pensar o Estado-ilha de Tuvalu como um possível exemplo ilustrativo da ocorrência direta de fenômenos derivados da mudança climática, independente da natureza (antrópica e/ou natural) do fenômeno, a reflexão do problema acrescenta à literatura existente uma nova perspectiva, uma vez que pode vir a ser utilizada como unidade de análise para a compreensão de outros casos (países e regiões) que são afetados na contemporaneidade pela mudança do clima de modo comparativo. Logo, a fim de aventar essa ideia, o presente trabalho, por meio de quatro documentos oficiais, tanto de âmbito interno (Tuvalu) como externo (Organizações Internacionais, Tratados e Protocolos), ancorado em compreensões de autores da perspectiva normativa da Teoria Política por meio dos conceitos de soberania, cidadania, direitos humanos e responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, conclui que Tuvalu é um exemplo ilustrativo desta nova compreensão da mudança climática e que há uma incidência da temática relacionada às discussões de segurança, direitos e justiça na Teoria Política. PALAVRAS-CHAVE: Estado-ilha Tuvalu; Mudança Climática e Política Internacional. INTRODUÇÃO 1 Professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), unidade Paranaíba; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGPol) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); email: [email protected].

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III Semana de Ciência Política

Universidade Federal de São Carlos

27 a 29 de abril de 2015

O CASO DO ESTADO-ILHA TUVALU FRENTE À MUDANÇA

CLIMÁTICA: uma análise teórica sobre os documentos oficiais

Patricia Benedita Aparecida Braga1

RESUMO: A mudança climática problematizada em termos teóricos (de modo direto ou

indireto) e empíricos, tanto nas ciências naturais como nas ciências humanas, é observada

neste trabalho como uma temática que contém em si uma perspectiva de “vir a ocorrer

em um futuro próximo” e isso é ilustrado por argumentações que emitem alertas de

transformação total e parcial da economia e da política, construção de soluções possíveis,

natureza do problema, responsabilidade(s), entre outras problemáticas. Contudo, ao

inverter a reflexão e pensar o Estado-ilha de Tuvalu como um possível exemplo ilustrativo

da ocorrência direta de fenômenos derivados da mudança climática, independente da

natureza (antrópica e/ou natural) do fenômeno, a reflexão do problema acrescenta à

literatura existente uma nova perspectiva, uma vez que pode vir a ser utilizada como

unidade de análise para a compreensão de outros casos (países e regiões) que são

afetados na contemporaneidade pela mudança do clima de modo comparativo. Logo, a

fim de aventar essa ideia, o presente trabalho, por meio de quatro documentos oficiais,

tanto de âmbito interno (Tuvalu) como externo (Organizações Internacionais, Tratados e

Protocolos), ancorado em compreensões de autores da perspectiva normativa da Teoria

Política por meio dos conceitos de soberania, cidadania, direitos humanos e

“responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, conclui que Tuvalu é um exemplo

ilustrativo desta nova compreensão da mudança climática e que há uma incidência da

temática relacionada às discussões de segurança, direitos e justiça na Teoria Política.

PALAVRAS-CHAVE: Estado-ilha Tuvalu; Mudança Climática e Política Internacional.

INTRODUÇÃO

1 Professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), unidade Paranaíba; Doutoranda do

Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGPol) da Universidade Federal de São Carlos

(UFSCar); email: [email protected].

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Se, na atualidade, o Estado-ilha Tuvalu2 sofre com fenômenos derivados da

mudança climática3, que, de acordo com os relatórios emitidos pelo Painel

Intergovernamental do Clima (IPCC), é devido a ações antropogênicas efetuadas em todo

o globo no último século, portanto, fruto de um tipo de economia e modernidade (BECK,

1992), no passado, a mudança ambiental ocorreu de modo semelhante, o que não

pressupõe um tipo de compreensão cíclica do clima, mas interrogações sobre a natureza

das transformações atuais do clima que nós “modernos” não compreendemos de modo

total.

Em Tuvalu havia uma lenda sempre contada toda vez que o clima aparecia

como temática em rodas de conversa, de que havia uma casa tuvaluana embaixo do solo

do país, o que justificava a origem daquele povo e sua luta em permanecer e reivindicar

aquele local. Em decorrência dessa estória, cientistas de universidades do Pacífico

iniciaram um trabalho de investigação sobre a existência ou não dessa caverna

subaquática e, em decorrência dessa investigação científica, A large house under the sea

foi encontrada a quarenta metros abaixo do solo tuvaluano na ilha Nanumaga, uma das

oito ilhas que compõem o país4.

2 O termo Estado-ilha é utilizado em documentos oficiais de Organizações Internacionais, sítios eletrônicos

de cunho jornalístico, assim como no próprio sítio eletrônico do país, e refere-se a países insulares. Uma

constância que se observa é que o termo não está relacionado a uma perspectiva geográfica, ou seja, a um

Estado que é ilha, mas a Estados inexpressivos em termos de potência. Na maioria dos casos, os países são

ex-colônias que se tornaram independentes ao longo do século XX. Um exemplo disto é que países como

a Inglaterra e o Japão nunca são evocados como Estados-ilha, mas apenas como Estados ou países, ou seja,

com condições econômicas, políticas, bélicas e socioculturais suficientes para enfrentar catástrofes

ambientais ou fenômenos advindos da mudança climática ou do aquecimento global.

3 Por mudança climática compreende-se as alterações anormais do clima, tanto de cunho antrópico ou

natural. O termo climático contém em si as dimensões do ambiente, do político, do econômico e do

sociocultural, enquanto o termo ambiental refere-se unicamente à dimensão do ambiente. 4 O território de Tuvalu é composto por nove atóis (formações circulares de corais que se originam de forma

vertical do fundo do mar) de norte a sul: Nanumea, Niutau, Nanumanga, Nui, Vaitupu, Nukufetau, Funafuti

(capital do Estado), Nukulaelae e Niulakita (atualmente despovoada), que formam uma ilha. Diz-se que há

9 atóis e 8 ilhas, pois o atol desabitado não é contabilizado. Além da faixa estreita de terra que compõe o

território de Tuvalu, o Estado possui 360 milhas marítimas, cujas fronteiras se estabelecem da seguinte

forma: Kiribati, a norte e a noroeste; Tokelau, a leste; Samoa, a sudeste; Wallis, Futuna e Fiji ao sul; e a

oeste as Ilhas Salomão.

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De acordo com a descoberta arqueológica, a ocupação humana no Pacífico

ocorreu aproximadamente entre 8.000 a 6.000 anos, em um período de baixo nível do

mar, o que contradiz as teses gerais que afirmam que a ocupação da região ocorreu a

4.000 anos. Na caverna, tomada pelas águas, foram encontradas manchas geradas pelo

fogo nas paredes, no solo e no teto, assim como esqueletos humanos, portanto, vestígios

de vida humana em um clima distinto do atual, o que cria a impressão, não determinista,

de que o ambiente pode ter se transformado radicalmente, forçando, no passado, os que

viviam naquele espaço a deixá-lo ou morrerem.

Logo, para pensar os problemas climáticos que afetam Tuvalu5 hoje, a

pergunta que permeia implicitamente as demais problematizações é: os fenômenos

derivados do aquecimento global e da mudança climática são de natureza antropogênica,

mista (dinâmica terrestre, ação humana e fatores extraplanetários) ou impossíveis de

serem mensuráveis em modelos matemáticos universais nos quais quais se apoiam os

cientistas do clima para criar os prognósticos? A essa pergunta, uma resposta possível é

a de que não há certeza absoluta, principalmente no ideário da ciência moderna, mesmo

que isso seja o motriz dessa ciência. Logo, os resultados científicos devem ser pensados

dentro de epistemologias adotadas na análise destes dados, assim como da rede que o

sustenta, ou seja, de modo realista, como afirma Abramovay (2007), o que existe é uma

controvérsia em termos sobre o clima e uma tentativa de expansão da rede por grupos de

cientistas.

Posto isso, ao observar a política moderna, compreende-se que a controvérsia

não é considerada algo frutífero, pois, de acordo com líderes (representantes políticos) e

estudiosos da política, a controvérsia finda a criação de consenso em torno da elaboração

de ações e por isso deve ser evitada. Nesse sentido, o presente trabalho busca entender

como os problemas climáticos vivenciados pelo Estado-ilha Tuvalu na

contemporaneidade são tratados tanto no âmbito interno como externo, assim como

5 A palavra Tuvalu significa oito tradições (oito ilhas unidas).

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possui o intento de compreender como a Teoria Política observa o problema em termos

teóricos e analíticos.

1. TUVALU: UM CASO ILUSTRATIVO?

Ancorado na metodologia de estudo de caso6, a totalidade escolhida foi

construída a partir de Tuvalu, um país localizado no Pacífico, entre a linha do Equador e

a linha Internacional de Data. Um dos menores e mais remotos países do mundo, cujo

território geográfico é extremamente ínfimo, aproximadamente 26km², com uma baixa

altitude, cerca de 4,5 metros acima do nível do mar.

Funafuti, um dos maiores atóis do país, é formado por mais de trinta ilhas

menores, das quais a maior é Fongafale, onde se localiza a sede administrativa do

governo. Neste atol, há um dos maiores grupos sociais do Estado insular, o Vaiaku, que

é composto por 92% de tuvaluanos e 8% de polinésios de Kiribati (Micronésia).

Com uma gama grande de dialetos e três áreas geográficas/linguísticas, a

maioria da população é bilíngue (tuvaluano e inglês), sendo o inglês originado da

colonização britânica, que também influenciou culturalmente o país, a ponto de práticas

religiosas distintas do protestantismo e suas derivações serem reprimidas socialmente e,

em alguns casos, judicialmente.

O país é independente desde 1978, contudo, é uma monarquia constitucional

parlamentar, ou seja, de acordo com a Constituição tuvaluana, o chefe de Estado é a rainha

da Inglaterra, Elizabeth II, representada no território pelo governador geral, nomeado pelo

primeiro ministro, em consulta com o Parlamento. O restante (cinco ou seis ministros) é

nomeado pelo chefe de Estado ou pelo governador geral. O parlamento é unicameral,

6 Compreende-se por estudo de caso uma metodologia analítica utilizada em pesquisas com fontes

múltiplas, com um número de variáveis grande e com definições teóricas ainda em construção (STEINER,

2011). Logo, o presente estudo de caso pautou-se em dados disponibilizados em sítios eletrônicos

governamentais e jornalísticos, além de documentos oficiais.

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denominado Falo i Fono, e tem a competência de fazer leis e fiscalizar a atuação do

primeiro ministro, o que pode levar à destituição do cargo por voto de desconfiança.

Compõe-se de no mínimo doze e de no máximo quinze membros, dois membros de cada

ilha, com exceção de Nukulaelae, que elege apenas um membro, devido à população ser

menor.

As eleições são realizadas a cada quatro anos e o processo eleitoral é realizado

por sufrágio universal, com idade mínima de 18 anos. Cada cidadão pode votar apenas

no distrito (ilha) em que reside. Cada ilha possui um representante (Oukaupule), que deve

realizar ações voltadas ao interesse de cada ilha, assim como representar esta, na sede do

governo, juntamente com uma equipe de cinco a seis representantes, também eleitos por

sufrágio.

Desde a independência do país, a instabilidade política é frequente devido às

acusações de corrupção que levam ao desmanche de governos. Contudo, internamente há

lógicas que necessitam de análise, pois a disputa por poder é constante entre famílias

tradicionais que buscam adentrar o poder político ou se perpetuar neste.

Economicamente, o país é inexpressivo, sua economia baseia-se na

subsistência, principalmente na agricultura e na pesca, comercializadas de modo

cooperativo e comunal, com uma cooperativa em cada ilha, denominada Fusi.

Internacionalmente, o país estabelece comércio com outros países por meio da venda de

pequenas quantidades de copra (polpa seca do coco), licenças para navios estrangeiros,

venda de selos e moedas a colecionadores, remessas financeiras de expatriados e

tuvaluanos que residem no exterior, fundos fiduciários de ajuda internacional7, venda do

7 Em 1987, a Austrália, a Nova Zelândia e o Reino Unido criaram um fundo fiduciário com o montante de

24,7 milhões de dólares australianos, cujo lucro líquido anual é revertido ao Estado-ilha Tuvalu, com o

intuito de cooperação. Atualmente, países como Coréia do Sul e Japão também realizam contribuições ao

fundo (LE GALIC et al., 2003).

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domínio da internet (.tv), turismo (que nas últimas décadas é praticamente inexistente

devido aos fenômenos climáticos que afetam o Estado-ilha) etc.

E, por fim, não menos importante e assunto central deste trabalho, o fator

climático, como a salinização das fontes de água potável e das terras férteis, a

intensificação da frequência e da intensidade de fatores ambientais diversos, dentre outros

que incidem diretamente na autonomia tuvaluana em relação a solucionar ou prover

soluções para os seus próprios problemas.

Ou seja, a fragmentação do ambiente tuvaluano intrinsicamente relacionada

ao desmonte da economia e da política devido aos fenômenos ambientais, pois, além de

fragmentar o modelo cooperativo de produção de alimentos que deveria circular

internamente no território, a dependência em relação a outros países é acentuada e a perda

de território devido ao avanço das águas do mar mina a efetividade da política no sentido

de garantir a cidadania e a soberania nacional.

Logo, o desmonte do Estado tuvaluano não expressa somente a erosão de um

país, como alguns teóricos das Relações Internacionais filiados às perspectivas do

realismo e do neorrealismo insistem em argumentar de modo superficial, justificando que

povos e grupos sociais desapareceram e continuaram a desaparecer durante a História. A

fragmentação do Estado-ilha Tuvalu e de outros países na contemporaneidade devido à

fatores climáticos deve ser problematizada em sua complexidade, pois representa não

apenas relações assimétricas de poder em termos estruturais, mas relações que permeiam

tanto lógicas internas de cada país, bem como lógicas regionais e globais embutidas em

uma herança colonial no que se refere à gestão da ciência e da política, fundamentada em

uma lógica de reprodução do centro para a periferia e uma negação do centro (países

desenvolvidos) à resolução de problemas da periferia, pois essa existe apenas como lógica

de manutenção ou extensão de seus modos de vida, não como parte deles.

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De acordo com Hilia Vavae (ainda diretora do Centro Meteorológico de

Tuvalu), na Conferência sobre Efeito Estufa em Cairns (Austrália), em 2011, Tuvalu

enfrenta inundações cada vez mais frequentes e intensas nos últimos quinze anos. A maior

parte ocorre entre os meses de janeiro a março e de outubro a dezembro, devido ao

fenômeno Lã Nina, que acomete a região, elevando de modo anormal as águas do Oceano

Pacífico e criando modificações no clima do planeta, principalmente no regime de chuvas

em diversas localidades do globo (EPU, 2001).

Conforme Tauala Katea (também cientista do centro meteorológico do país),

o Estado-ilha provavelmente desapareça nos próximos quarenta ou cinquenta anos, e a

ironia que permeia o país é que Tuvalu contribui de modo insignificante com o

aquecimento global e, por conseguinte, com a mudança climática (LE GALIC et. al,

2003). Ou seja, de acordo com os cientistas do clima de Tuvalu, os cenários futuros do

país convergem com os cenários criados pelos computadores hipercomplexos do Painel

Intergovernamental do Clima (IPCC), além das alterações do clima serem atreladas

principalmente a fatores antropogênicos, promovidos majoritariamente pelos países

desenvolvidos.

Tuvalu Paeniu, primeiro ministro na época da Conferência de Kyoto, no ano

de 1997, afirmou que Tuvalu é um dos menores e mais remotos países do planeta, com

coqueiros e praias, o tipo de lugar que a maioria das pessoas imaginaria como paraíso.

Contudo, a tragédia se faz presente e tende a ficar pior no horizonte com a elevação das

águas do mar prevista em 88 centímetros no próximo século, o que pode fazer com que

Tuvalu venha a se tornar a nova Atlantis (EPU, 2011) e isso não ocorre somente em

Tuvalu, mas é uma máxima em diversos países ilhas e continentais.

Um exemplo disto é que no mundo, hoje, há vinte e cinco milhões de pessoas

que se encontram em situação de “êxodo forçado” por catástrofes ambientais8. Segundo

8 Por catástrofe ambiental compreende-se fenômenos não comparativos, em magnitude, duração e

eventualidade. A magnitude refere-se à quantificação de pessoas afetadas; a duração à variação do

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o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, 2008), a

estimativa para o ano de 2050 é de 200 milhões, ou seja, Tuvalu pode ser considerado

uma unidade ilustrativa em termos de comparação, no sentido de que sua contingência é

pequena, mas afere-se em outros países ilhas e continentais que sofrem com os fenômenos

advindos da mudança climática e do aquecimento global na contemporaneidade,

obviamente com ressalvas (cada localidade possui uma dinâmica e um modo de buscar

solucionar os problemas que as afligem)9.

Logo, com o intuito de demonstrar essas problemáticas em dados

documentais, a próxima parte do artigo busca trabalhar de modo singelo quatro

documentos que debatem o ideário de vida tuvaluana que, por sua vez, influencia o modo

de fazer política e buscar soluções ao clima, além de uma das alternativas

contemporâneas de identidade regional no enfrentamento e reivindicação à sociedade

internacional dos problemas relacionados às mudanças do clima por países em

desenvolvimento e pobres e a articulação científica, política e econômica dos países

desenvolvidos frente aos problemas do clima na contemporaneidade.

2. TUVALU E A SOCIEDADE INTERNACIONAL: DOCUMENTOS OFICIAIS

Com o fim da Guerra Fria, encerrou-se a era pós-Segunda Guerra Mundial,

que durou quase meio século. O período, marcado pelo terror nuclear e por um conjunto

de práticas de regulação do sistema mundial, deu lugar a um suposto período de

estabilidade (VISENTINI, 2009). Contudo, no lugar da paz prevista, o mundo presenciou

vários confrontos que indicavam o surgimento de guerras, conflitos civis e padrões de

violência de novo tipo. A prosperidade ocorreu apenas de modo concentrado, elevando

acontecimento em um dado intervalo de tempo; e a eventualidade marca as imprecisões relacionadas ao

fato, o que impede análises comparativas, o que, por conseguinte, geraria previsibilidade.

9 Vários são os países que se encontram em situação de vulnerabilidade política/econômica devido a

fenômenos advindos das mudanças climáticas, como, por exemplo, os que compõem a AOSIS (Aliança dos

Pequenos Estados Insulares) de modo geral, alguns que se localizam na região da África Subsaariana, na

região do Caribe e na América Latina.

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as desigualdades e provocando crises financeiras e recessão internacional. As instituições

democráticas da maioria dos países passaram a ter problemas graves como a

despolitização dos eleitores, apelos populistas, abstenções onde o voto não é obrigatório,

entre outros.

Nesse contexto mundial desigual, porém interligado, os Estados nacionais

começaram a enfrentar problemas de nova ordem, como o crescimento de redes

criminosas internacionais, pressões das companhias transnacionais, problemas

transfronteiriço do clima e aprofundamento dos laços de interdependência em uma ordem

global assimétrica.

No âmbito mundial e genérico, com o intuito de verificar se a problemática

climática que envolve o Estado-ilha Tuvalu pode acrescentar algo à literatura da Ciências

Sociais e à Teoria Política, foram analisados quatro documentos, entre eles a Constituição

de Tuvalu, principalmente o que se refere aos princípios norteadores desta; a Declaration

on Climate Change (Declaração da Mudança Climática), emitida pela Aliança dos

Pequenos Estados Insulares (AOSIS) (2009); a ata da Reunião do Conselho de

Segurança10 da ONU, número 5663 (SC/9000) (2007); e a resolução posterior do

Protocolo de Kyoto (UNITED NATIONS FRAMEWORK..., 1998), criado em 1997 e

ratificado em 199911.

10 Informações acerca do Conselho de Segurança da ONU: origem, membros permanentes e rotativos,

objetivo, dentro outras. Ver: UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL (2004).

11 A constituição de Tuvalu está disponível no sítio eletrônico do United Nations High Comissioner for

Refugees: UNITED NATIONS, 1986. E para uma análise mais detalhada acerca da Constituição e ementas

constitucionais outorgadas posteriormente, ver o sítio eletrônico: TUVALU LEGISLATION, 2008. Sobre

a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS)- origem, perspectivas de atuação, integrantes e

declarações -, ver: Pacific Island Forum Secretariat (2009). Já sobre o Conselho de Segurança da ONU:

origem, membros permanentes e rotativos, objetivos, atas de reuniões, dentre outros, ver United Nations

Security Council (2004), cuja declaração de Alfelle Pita encontra-se no sítio eletrônico Tuvalu Islands

(2007); e sobre o Protocolo de Kyoto e suas derivações, ver United Nations Framework Convention on

Climate Change. Kyoto protocol to the United nations framework Convention on climate change (1998).

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Para isso, utilizou-se a técnica de análise documental, compreendida como a

técnica capaz de identificar informações factuais a partir de questões e hipóteses de

interesse, por meio de documentos que ainda não haviam recebido análise (LUDKE,1986

apud SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009)12.

Tuvalu, assim como a maioria dos países do mundo, possui uma Constituição,

que representa um conjunto jurídico normativo que agrega os valores fundamentais de

um povo, interpretado à luz de uma das especificidades da Era Moderna, o Estado-Nação,

o qual, por sua vez, é compreendido pela centralização e/ou organização de um poder

estatal soberano, composto internamente por uma ordem jurídica específica, delimitada

por fronteiras territoriais.

A ideia de povo, compreendida semelhantemente à ideia de Nação, em

termos de extensão política, perpassa a delimitação jurídica de fronteira e caracteriza-se

a partir de uma origem comum, que é formada pela língua, cultura e história e que,

segundo Habermas (2002, p. 124), está contida em dois conceitos distintos: o “Estado-

Nação” e a “Nação de cidadãos”, os quais compreendem dois processos históricos não

paralelos: a formação dos Estados Nacionais e das Nações, o que permeia a discussão de

um novo território a ser comprado para abrigar a nação de tuvaluanos, que perderiam o

seu Estado-nação.

Na Constituição tuvaluana, o princípio de cidadania13 esboça que são

cidadãos os indivíduos que ostentam o princípio de nacionalidade, entendida como o

vínculo jurídico que especifica quais são os sujeitos que fazem parte da sociedade política

12 A análise documental possui limitações, como a de revelar apenas a parte formal de um determinado

problema, porém, a análise possui justificativa por trazer à tona aspectos ainda não analisados e que

poderiam oferecer um panorama conjuntural dos problemas climáticos.

13 O princípio de cidadania e de não cidadania, requerimento e impedimento de direito são expressos nos

artigos 43, 44, 45, 46 e 47.

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estatal e que, por meio dela, garantem um estatuto legal, pelo qual uma pessoa pertence

ou não a um determinado país, reconhecido pelo direito internacional.

Nesse sentido, a cidadania é considerada um estatuto jurídico, ou seja, uma

base para reclamar direitos (não apenas um vínculo que pede responsabilidades) que

fundamenta a relação entre um indivíduo e uma comunidade política, na qual este

indivíduo é detentor de pleno direito e deve lealdade ao grupo (CORTINA, 2001, p. 31-

43). Logo, os sujeitos de direito de um Estado são seus cidadãos, embora existam outras

formas de pertença, como a permissão de residência, a figura do trabalhador convidado

ou a do refugiado.

A cidadania, no Estado insular de Tuvalu, é definida como nas Constituições

dos países do continente americano, inclusive na do Brasil. No Estado-ilha, a

nacionalidade fundamenta o princípio de cidadania, oriundo do direito positivo, e é

pertencente aos sujeitos de direito por meio do jus solo (solo do Estado) ou do jus sanguini

(vínculos de sangue, filhos de nacionais), com exceção dos filhos nascidos fora do

matrimônio. Assim, a nacionalidade tuvaluana vincula-se ao princípio da

matrilinearidade.

De acordo com Habermas (2001, p. 81-82), o território estatal circunscreve o

âmbito de validade de uma ordem jurídica sancionada pelo Estado: a nacionalidade deve

ser definida em relação ao território do Estado. No âmbito interno do Estado territorial,

constituem-se, por um lado, o povo do Estado, como sujeito potencial de uma legislação

de cidadãos reunidos democraticamente; e, por outro, a sociedade como objeto potencial

da sua ação. O princípio territorial resulta na separação das relações internacionais do

âmbito da soberania estatal. O domínio do Estado fundamenta-se externamente, mediante

os demais sujeitos do direito internacional, e a partir do direito ao reconhecimento

recíproco da integridade das fronteiras estatais.

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A existência de normas que preservam a autonomia de cada unidade estatal

torna pacífica a comunicação entre os entes soberanos. A autonomia corresponde, no

plano legal, à soberania; ou seja, trata-se do local em que os cidadãos, por meio da

maioria, expressam suas preferências, determinam seu rumo coletivo e estabelecem o

espaço de ação individual (HELD, 1991a, p. 197).

A dignidade humana, assim como as liberdades individuais, é exaltada na

Constituição como inerente a todo o ser humano, sendo sua realização dever exclusivo de

cada Estado-nação, a partir da ideia de um mínimo social alcançado (BOBBIO, 2004). O

corpo de direitos, tanto no presente como no futuro, é derivado de dádivas concedidas por

Deus, considerado e exaltado como o Todo Poderoso.

As diretrizes da política externa de Tuvalu são pautadas em princípios de paz

e cooperação, partindo do respeito à Carta de Direitos Humanos quanto à igualdade de

direitos e à autodeterminação dos povos. As relações entre as Nações do Pacífico (e dentro

delas) devem ser pautadas na autoajuda, assim como na disseminação dos valores de

cortesia e consenso, por meio da pessoalidade, contrária ou diferente da impessoalidade

gerada pela burocracia.

A soberania estatal, caracterizada pela territorialidade e pela exclusão de

atores externos das estruturas de autoridade internas (KRASNER, 2001, p. 20 apud

KRITSCH, 2010, p. 34), bem como pelo poder de jurisdição exclusiva sobre um

determinado território (KRITSCH, 2005, p. 375-99), está relacionada à definição de

Estado como uma comunidade humana organizada, que reivindica para si o monopólio

legítimo da violência dentro dos limites territoriais (WEBER, 2006, p. 56 apud

KRITSCH, 2010, p. 35) e que, na modernidade, foi (re)definida por pares conceituais

como: poder e direito, força e legitimidade, monopólio da violência e jurisdição exclusiva

(KRITSCH, 2002, p. 35-48).

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Dessa forma, partindo do pressuposto acima mencionado de que a política

externa de Tuvalu pauta-se exclusivamente na autoajuda, no consenso e na cortesia entre

as relações no Pacífico, pode-se afirmar que, por meio da Aliança dos Pequenos Estados

Insulares (AOSIS) e outras alianças, o país reivindica, no meio internacional,

principalmente aos países desenvolvidos, o estabelecimento de um acordo legal

vinculante referente aos índices de emissões de gases que geram o efeito estufa, além de

clamar por políticas de adaptação e mitigação nos países que enfrentam os fenômenos

ocasionados pela mudança climática. Estas exigências partem da eminente constatação

da ameaça enfrentada pelos membros da AOSIS em decorrência da elevação e da

frequência dos fenômenos derivados da mudança climática global e dos frágeis processos

de desenvolvimento sustentável, compreendidos como processos de transformação

(WCED, 1991, p. 41).

Indignados com o não cumprimento dos tratados de redução de emissão de

gases do efeito estufa, assim como com a não facticidade das políticas atenuantes,

acordadas na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima

(CQNUMC), em 1992, e no Protocolo de Kyoto, em 1997, as nações da Aliança afirmam

que os países desenvolvidos (PDs) são responsáveis pela aceleração dos fenômenos

climáticos e os encargos a eles relacionados, principalmente nos pequenos países

insulares localizados no Pacífico e em outras regiões do planeta. Por essa razão, os PDs

devem oferecer ajuda em termos de capacidade técnica e econômica, além de entrar em

acordos legais, com prazos e metas definidas.

A morosidade das negociações internacionais e dos processos de consenso

relacionados à solução dos problemas provocados pela mudança climática desaponta os

quarenta e quatro membros da Aliança e os quatro observadores14, os quais relacionam a

14 A Aliança é composta por quarenta e quatro membros, dentre eles: Antígua e Barbuda, Bahamas,

Barbados, Belize, Cabo Verde, Comores, Ilhas Cook, Cuba, Dominica, República Dominicana, Fiji,

Estados Federados da Micronésia, Granada, Guiné-Bissau, Guiana, Haiti, Jamaica, Kiribati, Maldivas, Ilhas

Marshall, Maurício, Nauru, Niue, Palau, Papua Nova Guiné, Samoa, Cingapura, Seychelles, São Tomé e

Príncipe, Ilhas Salomão, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Timor-

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ascensão das vulnerabilidades em suas comunidades como consequência da falta de ação

dos vários membros que participaram das negociações internacionais do clima.

Nesse sentido, a AOSIS declara-se como um grupo de países formados por

pequenas ilhas de baixa altitude e Estados costeiros, cujo desafio comum é o

desenvolvimento (sustentável), o meio ambiente de seus territórios e o enfrentamento

(ações de mitigação e adaptação) às vulnerabilidades climáticas advindas da mudança

climática global, por meio de negociações do clima, dentro do sistema de negociação da

Organização das Nações Unidas (ONU) (AOSIS, 2012)15.

As reivindicações pautam-se em normas e princípios do Direito Internacional

e são baseadas no pressuposto da existência desigual em relação aos graus de

desenvolvimento e capacidade dos Estados. Portanto, o princípio de precaução não

menospreza as diferenças existentes em relação à quantidade emitida de gases poluentes

em cada país.

A sociedade internacional, caracterizada por um mínimo comum obrigatório,

na qual os Estados são os sujeitos de direito, é o receptáculo de apelo da AOSIS, pois se

acredita na influência exercida por esta nos países poluidores. No caso, a sociedade

internacional levaria os PDs a assumirem responsabilidades comuns, porém

diferenciadas, diante dos problemas climáticos derivados exclusivamente de ações

Leste, Tonga, Trinidad e Tobago, Tuvalu e Vanuatu; e quatro, observadores: Samoa Americana, Antilhas

Holandesas, Guam, Ilhas Virgens dos Estados Unidos e Porto Rico, que, no total, representam cinco por

cento (5%) da população mundial.

15 A Aliança é constituída por membros de características distintas, em termos de localização, extensão

territorial, número de habitantes, índices econômicos e sociais, fatores políticos e culturais, dentre outros.

Outras alianças foram formadas (regionais) a fim de enfrentar o problema climático como, por exemplo, o

Pacific Island Forum (Fórum do Pacífico Sul), criado em 1971, cujos membros estão localizados ao norte

e ao sul do Pacífico, entre eles: Austrália, Ilhas Cook, Estados Federados da Micronésia, Fiji, Kiribati,

Nauru, Nova Zelândia, Niue, Palau, Papua Nova Guiné, Ilhas Marshall, Samoa, Ilhas Salomão, Tonga,

Tuvalu e Vanuatu; e a Commowealth do Pacífico (Tuvalu, Fiji, Kiribati, Nauru, Papua Nova Guiné, Samoa,

Ilhas Salomão, Tonga, Vanuatu – países com alto índice de crises democráticas e violação dos direitos

humanos).

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realizadas dentro de suas fronteiras demarcadas, assim como a liderarem as políticas

mundiais no combate às emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).

O alerta parte da argumentação de que as piores implicações são as de

segurança, relacionadas às ameaças previsíveis, às dimensões humanas e,

consequentemente, à segurança coletiva dos Estados, pois uma não resolução representa

diversas crises nos países vulneráveis. Em decorrência destas discussões, em 13 de abril

de 2007, ocorreu a Reunião do Conselho de Segurança da ONU - número 5663

(SC/9000), que abordou, pela primeira vez, as possíveis consequências da mudança

climática em relação à paz e à segurança, além da relação entre a segurança energética e

climática.

Em assembleia, alguns países, entre eles a China, alegaram que não cabia ao

Conselho de Segurança discutir as mudanças climáticas. Outros países em

desenvolvimento afirmaram que a mudança climática é uma questão socioeconômica e

que deve ser tratada pela Assembleia Geral da ONU devido a sua maior

representatividade. Já o dirigente da Papua Nova Guiné, que representava o Fórum dos

Pequenos Estados Insulares do Pacífico, entre eles Tuvalu, argumentou que o impacto das

alterações climáticas para os pequenos Estados-ilha não era menos ameaçador e perigoso

que as armas e as bombas enfrentadas pelas grandes nações durante as guerras, e que o

Conselho de Segurança, por ser encarregado de proteger os Direitos Humanos, a

integridade e a segurança dos Estados, é o principal Fórum Internacional para gerir estas

questões.

No final do encontro, houve um consenso de que “todos somos responsáveis

por encontrar soluções conjuntas para os inúmeros problemas derivados da mudança

climática”. De acordo com a presidente da reunião, Margaret Beckett (2007), diplomata

inglesa, as alterações no clima são uma questão de segurança coletiva em um mundo cada

vez mais interdependente e frágil, e, a longo prazo, é necessário criar uma resposta global

para o problema. A autora exemplifica que, com o aumento no número de pessoas

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infectadas por doenças, assim como, com os avanços das inundações e da fome, um

intenso processo migratório sem precedentes ocorrerá, havendo um impacto sobre a

identidade e sobre a coesão social de comunidades inteiras, da mesma forma que poderão

ocorrer severas implicações para a soberania interna e externa dos países, disputas

transfronteiriças multifacetadas etc.

O documento emitido pela Reunião, número 5663 (SC/9000), segundo Afelle

F. Pita (2007), embaixador permanente de Tuvalu nas Nações Unidas, é valioso, pois

aborda a primeira tentativa dos membros desse Conselho de criar uma discussão acerca

das consequências da mudança climática para a segurança e para a paz.

Pita (2007) inicia a fala relembrando que o Governo de Tuvalu, no 60o

aniversário da Assembleia Geral da ONU, em 2005, destacou o vínculo existente entre

segurança ambiental e mudança climática, e afirmou, na ocasião, que apoiava a inserção

da questão na agenda permanente do Conselho de Segurança, pois, como é sabido, este

assunto é de extrema importância para a sobrevivência do Estado-ilha Tuvalu. A ameaça

global, anteriormente projetada na Guerra Fria, a qual se baseava em um possível conflito

bélico entre Estados Unidos e União Soviética, passa a ser associada, no presente, a uma

War warming, sendo as armas representadas pelas chaminés e tubos de escape, ou seja,

uma guerra química de imensas proporções.

Nesse sentido, para cessar esse processo, de acordo com Pita (2007), é

necessário criar fontes de energia limpa em todos os países e comunidades. Em Tuvalu,

observa-se que a própria segurança do país está relacionada à produção de energia, uma

vez que, sendo o setor energético ineficaz, os custos para abastecimento local são

altíssimos. No entanto, esse seria um problema de fácil solução, caso houvesse uma

energia sustentável confiável, pautada em tecnologias eficientes.

A inserção da segurança ambiental na agenda permanente do Conselho de

Segurança atinge diretamente os membros estáveis do Conselho, a saber: China, Rússia,

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França, Reino Unido e Estados Unidos. Como é possível notar, estes são alguns dos países

com maiores índices de emissão de gases de efeito estufa e não signatários de acordos e

tratados internacionais relacionados à problemática ambiental. Essa atitude também pode

ser atestada pela posição cautelosa dos países em desenvolvimento, que receiam a

implantação de obrigações em relação a níveis de redução da emissão dos gases.

E isso está relacionado à ideia de um mundo dividido em Estados soberanos

inseridos em um sistema internacional, cuja mobilidade de indivíduos é controlada e

proporcionada pelo poder estatal e por convenções. Dessa forma, apenas cidadãos de um

Estado podem requerer mobilidade internacional, sendo essa limitação um dos

fundamentos da soberania do Estado. Tal medida, contudo, não significa que nenhum

indivíduo consiga cruzar as fronteiras estatais sem o consentimento do Estado, pois não

há Estados com fronteiras impermeáveis (REIS, 2004, p. 150).

Logo, pautado na concepção de sistema internacional, sem uma organização

superior ao Estado que obrigue este a aceitar cidadãos de outros Estados em seu território,

a autonomia do Estado prevalece no campo das migrações e é uma das características

fundamentais do direito internacional tradicional, pois, internacionalmente, são os

Estados que se relacionam entre si, pois não há uma relação entre indivíduos de uma

determinada nacionalidade e Estados de outra. Dentro desse paradigma, o indivíduo não

é sujeito e as migrações, portanto, são um fenômeno social e político, pois implicam em

categorias de cidadania.

Diante disto, os direitos humanos representam a existência do indivíduo no

cenário internacional, assim como o processo de inserção de direitos individuais

universais independentes do Estado, obviamente que fundamentado em uma tensão entre

o princípio de soberania e a facticidade dos direitos humanos (KRISTCH, 2010).

Contudo, em decorrência dos fenômenos da mudança climática, Tuvalu e

diversos países insulares sofreram com a perda parcial ou total de seus territórios, como

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também com a falta de condições mínimas que assegurem a vida neles. Esses cidadãos,

no futuro, podem se tornar indivíduos de lugar algum, os quais, em termos políticos

institucionais, são denominados, erroneamente, refugiados ambientais, pessoas que foram

obrigadas a deixar seus países ou localidades devido a mudanças climáticas, buscando

refúgio em outros locais (DICIONÁRIO DE DIREITOS HUMANOS, 2006). Podem,

ainda, ser designados como apátridas, porém, esta definição também apresenta

problemas, visto que, ao ser associada ao problema ambiental, não significa que os

sujeitos afetados não possuam um Estado de origem. O que ocorre é a falência ou o

desaparecimento total do Estado de origem, inviabilizando a categorização do conceito

de nacionalidade a partir de uma legislação.

E, por fim, o Protocolo de Kyoto (UNITED NATIONS FRAMEWORK,

1998), criado em 1997 e ratificado em 1999, derivado de uma série de discussões que

permearam as décadas de 1970 e 1980 nas principais conferências ou relatórios sobre o

clima global16. É considerado um tratado internacional que especifica compromissos para

com a redução de emissão dos GEE. Cerca de cem países ratificaram o documento nos

dias atuais. Os Estados Unidos, maior poluidor em 1990, com cerca de 36,1% de emissões

de GEEs globais (REVISTA CIDADANIA E MEIO AMBIENTE, 2010), desistiram do

tratado em 2001 e alegaram que era custoso para a economia americana manter as

determinações do acordo, além de considerarem injusta a não participação obrigatória dos

países em desenvolvimento (PEDs).

A facticidade do Protocolo de Kyoto é essencialmente política (REVISTA

CIDADANIA E MEIO AMBIENTE, 2010), pois depende exclusivamente do

cumprimento acordado pelos países membros, inclusive pelos desenvolvidos, como

Estados Unidos e China. Porém, como norma, o Protocolo torna-se inexpressivo e

16 Entre elas, podemos citar a Conferência de Estocolmo, em 1972, a Conferência de Mudança Atmosférica,

em 1987, a declaração do primeiro relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, em

1990, a CQNUMC, em 1992 na RIO-92, e as diversas conferências regionais sobre distintos temas.

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problemático quando relacionado às políticas econômicas estatais sem um órgão

supranacional que faça valer tais políticas.

Contudo, é importante lembrar que, mesmo com os entraves consensuais em

relação aos acordos globais, como o Protocolo de Kyoto, atualmente se observa um

avanço em termos de deliberações e objetivos comuns regionais, assim como a

proliferação do discurso de adesão à Carta de Direitos Humanos.

As ações de mitigação e adaptação propostas pelo Protocolo são fundamentais

aos países vulneráveis, pois representam uma maneira de postergar a insuficiência estatal

em relação à salvaguarda dos direitos sociais mínimos. A diminuição da emissão de gases

poluentes, ponto primordial do tratado, representa a condição essencial relacionada ao

desaparecimento por completo destas nações, assim como os não compromissos podem

ser observados como a sobreposição do interesse estatal ao bem comum global.

Logo, de modo analítico, observa-se que Tuvalu pouco se difere, em termos

de fundamentação reivindicativa à sociedade internacional, dos demais Estados, tanto os

desenvolvidos como os em desenvolvimento e os pobres, pois se ancora tradicionalmente

na conceitualização de Estado nacional para empreender suas ações tanto internamente

como externamente, por meio dos princípios de cidadania e soberania. Ou seja, somente

a partir do reconhecimento da sociedade internacional da existência de um determinado

país em termos jurídicos é que este passa a poder reivindicar soluções aos seus problemas

nacionais. Contudo, esta solução, quando ocorre, é paliativa e reflete quereres dos países

que a praticam.

E isso não poderia ser diferente, pois se acima dos Estados nacionais,

abstratamente, não há um poder que incida sobre a ação dos membros estatais, o que

ocorre são imposições de um membro a outro, por exemplo, a tentativa dos países

desenvolvidos em transformar os países em desenvolvimento ou os pobres em locais de

solução aos problemas do clima, via criação de mecanismos de desenvolvimento limpo.

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Logo, pode-se pensar que a mudança climática incide diretamente no conceito

fundante da política e da ciência política - o Estado -, pois, se houver o esfacelamento

deste, uma nova ordem surge, distinta do projeto moderno antropocêntrico iniciado no

século XV e findado e perpetuado a partir do século XIX, já que a cidadania e os direitos

humanos só são garantidos a partir da existência de um Estado.

Todas essas questões sustentam-se a partir de um paradigma científico do

clima, o paradigma do consenso (Painel), que parte da concepção de que a mudança

climática existe, está relacionada em grande medida a fatores antropogênicos e que todos

os países devem criar políticas de descarbonização com o objetivo de mitigar os efeitos

advindos da mudança climática.

Contudo, ao refletir sobre essas afirmações científicas, é importante

problematizar como medidas mitigatórias fundamentadas na descarbonização do mundo

origina uma economia que movimenta valores da ordem de centenas de bilhões de dólares

por ano, envolvendo verbas públicas e privadas para pesquisas científicas e tecnológicas,

incentivos fiscais para tecnologias de “baixo carbono”, campanhas de organizações não-

governamentais e propagandísticas, lobbies parlamentares e o florescente mercado de

créditos de carbono, que movimentou 144 bilhões de dólares em 2009 e 176 bilhões de

dólares em 2011, e que possui a estimativa de chegar a dois trilhões de dólares em 2014,

convertendo-se no maior mercado de commodities do mundo, segundo o Banco Mundial

(2012).

Outro ponto que deve ser analisado fundamenta-se na seleção de cientistas

apenas de Estados membros das Nações Unidas para compor o Painel, ou seja, a rede

científica que cria relatórios, os quais são postos como base para a criação de acordos ou

tratados internacionais sobre o clima, o que pode demonstrar um tipo de condução

científica legitimada a partir de um modo de condução política. Ambas inquietações

acima expostas necessitam de reflexões mais apuradas, as quais não são o objetivo central

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desse trabalho, mas servem de parâmetro para observar a ciência e a política de modo não

cindido.

Ao analisar os quatro documentos, percebe-se que Tuvalu se apropria de

categorias e modos de agir dos países desenvolvidos, um exemplo disto é que, mesmo

sendo um dos países que mais sofre com a mudança climática, ao invés de propor um

novo modo de realizar ações na construção de um desenvolvimento para além do

econômico (sustentabilidade), ou criar reflexões sobre uma nova concepção de cidadania

frente ao clima, observa-se uma colonialidade do agir, do saber, a ponto de não cumprir

ou ausentar-se de acordos regionais que envolvem o desenvolvimento de capacidades

técnicas e econômicas para ajustar-se a uma ordem do centro para a periferia, o que, por

sua vez, pode gerar a impressão de que a mudança climática, ao invés de criar discussões

que contenham em si a transposição de fronteiras, princípios de cidadania e garantia dos

direitos humanos, ao contrário, cria um fortalecimento e um trancamento das fronteiras

nacionais, perseguição às pessoas que sofrem com o clima e associação do clima à

segurança.

Uma das discussões que emerge da união entre conflitos ambientais e

políticos é a perspectiva da Ecopolítica Internacional de Le Prestre (2000), a qual afirma

que a Humanidade deve encontrar um modo de continuar a viver coletivamente e que,

para isso ocorrer, é necessário pensar os problemas ambientais ao lado dos políticos, cujo

primeiro só será resolvido pelo segundo.

Logo, oito princípios norteiam o plano internacional e devem ser observados:

1) a ação internacional dos países é fundamentada na ciência e nas identidades nacionais

e culturas particulares, ou seja, todo país, ao agir coletivamente ou individualmente,

fundamenta suas ações em bases científicas e em juízos de valor; 2) os problemas

ambientais e a escolha de soluções geram custos e benefícios que não são distribuídos de

modo equitativo, portanto, soluções não devem visar ganho para todos, mas ganhos e

custos de acordo com o equilíbrio de forças; 3) os conflitos ambientais são inevitáveis e

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fazem parte da lógica do sistema. Resolvê-los é uma questão de saber administrá-los; 4)

os Estados devem se fortalecer institucionalmente e economicamente para enfrentar os

problemas ambientais; 5) a prudência deve ser fundamental uma vez que decisões

possuem implicações; 6) deve-se buscar uma definição consensual, tanto no plano interno

como no plano externo, para que as políticas adotadas sejam respeitadas; 7) o

conhecimento científico não deve ser a base para as escolhas políticas, pois a controvérsia

que faz parte da ciência pode criar inação diante da questão; 8) a solução ambiental deve

estar no mesmo patamar de soluções relacionadas ao desenvolvimento, equidade,

democracia e direitos estatais e individuais (TILIO NETO, 2009 apud LE PRESTRE,

2000).

Portanto, ao pensar Tuvalu e as condições climáticas que afetam o país, pode-

se pensar que, para compreender a ação do Estado insular direcionada à sociedade

internacional no sentido de solicitação de ajuda, deve-se refletir sobre qual epistemologia

científica sobre o clima o país se ancora, assim como os valores norteadores deste em

termos de “bem comum” – cultura cívica , pois isso reflete o modo como o país lida com

os problemas ambientais e políticos, assim como os demais Estados da sociedade

internacional, pois todos fazem parte de um sistema dinâmico em constante interação.

As soluções aos problemas climáticos, de acordo com Tuvalu, devem se

edificar na máxima “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, ou seja, todos os

países devem possuir a reponsabilidade de preservar o meio ambiente e,

consequentemente, o modo coletivo de viver. Contudo, cada país, de acordo com sua

economia, deve contribuir para as soluções mitigatórias e adaptativas de modo distinto.

Se o conflito é inerente às questões do clima e da política, tanto em termos

nacionais como internacionais, as soluções devem ser pensadas por meio de processos

institucionais democráticos, via procedimentos legais e legítimos, pautados sempre na

máxima prudência, pois qualquer medida implica custos, geralmente aos atores fracos

economicamente. As decisões, por serem democráticas, devem se basear no consenso e

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não na imposição, portanto, o debate sobre possíveis soluções não devem se fundamentar

na cisão clima/segurança. Por isso, a Assembleia Geral da ONU deve ser o receptáculo

dessas discussões e não o Conselho de Segurança.

Ao observar o caso de Tuvalu, compreende-se que os habitantes do país

reivindicam a sua sobrevivência, o que pode ser denominado de justiça ambiental, ou seja,

grupos que buscam o direito de perpetuação de seu modo de vida e, por conseguinte, a

sua própria vida17. Contudo, a igualdade jurídica não prescreve igualdade política, pois o

que se observa são processos assimétricos tanto em nível local como em nível

internacional na resolução de conflitos distributivos ambientais, assim como em soluções

mitigatórias e adaptativas ao clima.

Às complexidades que envolvem o clima e a política pode-se acrescer a

problemática de atuação de elites científicas e políticas, no sentido de que uma parte das

elites políticas vive em outros países, como em Nova York, Estados Unidos, onde se

localiza a sede do governo em assuntos internacionais. Essas elites possuem relações com

as elites que ocupam os cargos políticos no Estado e que controlam as ajudas

internacionais que o país recebe para o enfrentamento dos problemas climáticos que o

afetam, assim como gerenciam os fundos fiduciários e demais fontes de renda que são

destinadas ao país. Esses indivíduos que compõem a elite política muitas vezes

determinam quem produzirá relatórios científicos sobre o clima no país. Ou seja,

processos tendem a ser antidemocráticos, os quais estão contidos em um complexo de

relações de poder18.

Logo, a não solução do problema climático de Tuvalu não está na inexistência

de meios e tecnologias capazes de solucionar o problema, mas na existência de uma

17 Martínez Alier (2007), em seu livro “Ecologismo dos Pobres”, realiza um mapeamento das populações

em várias partes do planeta que reivindicam a própria sobrevivência de suas vidas e modos de vida frente

a processos de extinção derivados de ações econômicas ora estatais, ora mercadológicas. 18 Essa problematização é decorrente de observações expostas nos sítios eletrônicos, contudo necessita de

mais aprofundamento analítico, que possivelmente será desenvolvido em outros trabalhos.

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sociedade desigual, tanto no plano interno como no plano externo, cujo cálculo racional

sobre a perpetuação de um grupo de pessoas de um Estado-ilha é descompassado da ideia

de igualdade e de respeitabilidade aos direitos humanos, assim como do bem comum,

pois o que existe em demasia é a ideia de direitos humanos frente a uma realidade de

humanos sem direitos.

CONCLUSÕES PARCIAIS

Ao observar Tuvalu como epicentro desta investigação, percebe-se

claramente que o seu meio existencial está ameaçado por fenômenos advindos da

mudança climática, pois esta pode inviabilizar, futuramente, a existência do país, de

acordo com os relatórios emitidos pelo IPCC. Tal mudança climática está relacionada a

práticas antropogênicas efetuadas em todo o globo, principalmente por países

desenvolvidos.

Tal processo, ainda em curso, desafia as fundações e os princípios políticos

do Estado-nação e, por conseguinte, a própria ideia de democracia e de cidadania,

enfraquecendo os laços territoriais que ligam o indivíduo ao Estado, deslocando o foco

da identidade política, diminuindo o valor das fronteiras nacionais e abalando

sistematicamente a base da cidadania tradicional e a efetividade dos direitos humanos.

Tuvalu, por ser membro da ONU desde 2000, faz parte dos países que devem

possuir o compromisso da cooperação e da emanação dos valores de paz. Contudo, isso

não significa que suas reivindicações serão atendidas, visto que, a ordem internacional é

marcada por uma hierarquia excessiva dos Estados, cuja característica é o grau de

desenvolvimento econômico que o país alcançou no meio internacional.

A resolução dos problemas climáticos devem se pautar nos princípios

acordados na RIO 92 e no Protocolo de Kyoto de 1997, a partir da máxima de que os

Estados devem ter responsabilidades comuns, mas diferenciadas, pois, deste modo, as

ações estatais incrementariam a cooperação fundamentada no princípio de solidariedade

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mundial com o objetivo de conservar, proteger, reestabelecer a integridade do

ecossistema Terra, pois cada país contribui com graus distintos ao meio ambiente

mundial. As possíveis consequências dessa degradação são desastrosas e emblemáticas

para a política, pois representam o surgimento de milhões de apátridas e refugiados,

desaparecimento de Estados, migrações forçadas em âmbito externo e interno, crises

humanitárias, conflitos regionais, entre muitas outras.

Em decorrência das ameaças relacionadas à War Warming, definidas em

termos de probabilidades, cria-se a permanente dúvida da existência, pois a probabilidade

aparece relacionada ao grau de determinação e frequência e não ao resultado em si. Por

conseguinte, os princípios dos direitos humanos, principalmente o valor da dignidade

humana, a segurança interna dos Estados e a fragmentação da soberania e, forçosamente,

da cidadania, são diluídos nos espaços territoriais economicamente inexpressivos.

Portanto, pode-se afirmar que Tuvalu é um caso que pode ser visualizado

como ilustrativo de um problema climático que pode ser verificado, com ressalvas em

outras localidades do planeta, principalmente entre países pobres e em desenvolvimento,

cuja solução não está na não existência de modos de solucionar, mas em interesses

distintos que permeiam a solução, entre eles o de grupos e/ou de indivíduos, instituições,

organizações e Estados.

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