o cancioneiro do rio grande do sul
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE – FURGINSTITUTO DE LETRAS E ARTES
LITERATURA DO RIO GRANDE DO SULProf. Mauro Nicola Póvoas
O cancioneiro do Rio Grande do Sul
A literatura oral do Rio Grande do Sul é formada por poemas de feição
simples, tanto na forma como no conteúdo. Vários foram os autores que
coletaram essas trovas de descante: Apolinário Porto Alegre, Carlos von
Koseritz, Cezimbra Jacques, Graciano A. de Azambuja, Alfredo Ferreira
Rodrigues, João Simões Lopes Neto, Múcio Teixeira, Pedro Luís Osório,
Walter Spalding, Contreiras Rodrigues e Augusto Meyer, entre outros.
As temáticas são variadas, com assuntos que vão do universal (o
amor, por exemplo) ao regional (os hábitos e os costumes do homem
gaúcho). Formalmente, a maioria dos poemas constitui-se de quadras, com
versos heptassílabos, com o 2º e o 4º versos rimando. Abaixo, transcrevem-
se, no todo ou em parte, algumas composições, todas obviamente
anônimas. No primeiro grupo, a temática é a Grande Revolução de 1835; no
segundo eixo, predomina o cunho gauchesco.
A REVOLUÇÃO FARROUPILHA
Retirados de: PORTO ALEGRE, Apolinário. Cancioneiro da Revolução
de 1835. Porto Alegre: Companhia União de Seguros Gerais, 1981.
A Bento Gonçalves da Silva
Bento Gonçalves da Silva
Da liberdade é o guia.
É herói, porque detesta
A infame tirania.
O general Bento Gonçalves
Que de nada se temeu,
Ainda estando numa ilha
Corajoso combateu.
1
O herói Bento Gonçalves
Tem na sua convivência
Um Neto com senhoria,
Um Lima com excelência.
Bento Gonçalves primeiro,
General Neto segundo,
Fazem frente aos galegos
Em qualquer parte do mundo.
A Antônio de Sousa Neto
O Neto mais o Crescêncio
Ainda hão de ter a glória
De vencer esses tiranos
E ganhar-lhes a vitória.
O Neto mandou botar
As espadas nos fiéis,
Porque a corja de cativos
É imóvel, são painéis.
Hei de mandar escrever
Por montanhas e deserto,
Em letras d’ouro este nome:
Antônio de Sousa Neto.
Senhor Neto não emigra,
Nem tão pouco roubo faz,
Há de mostrar à canalha
O poder dos liberais.
O Neto não deixa o povo,
Nem cuida dos parelheiros,
Porque tem pr’a seu andar
Um Tavares, um Medeiros.
2
Senhor Neto não precisa
De cuidar de parelheiros,
Já lá tem Silva Tavares,
Faltando só o Medeiros.
Senhor Neto não precisa
De cavalo parelheiro,
Que tem para seu andar
Bento Manuel Ribeiro.
O Neto gritou na frente,
O Lima na retaguarda:
Essa corja de cativos
Para os livres não são nada.
As farroupilhas
Esta que aqui vos fala
É constante liberal,
Oprimida, perseguida
Pela corja galegal.
Mais vale uma farroupilha
Que tenha uma saia só,
Do que duas mil camelas
Envoltas em ouro em pó.
Ao dia vinte de Setembro
Dia vinte de Setembro,
Dia grato e soberano,
Será de eterna memória
A todo o republicano.
3
Salve, dia venturoso!
Ao teu aparecimento
Os livres todos mostraram
Geral contentamento.
O herói Bento Gonçalves
Que de nada se temeu,
Vindo o vinte de Setembro
Bateu palmas e venceu.
O GAÚCHO E OS SEUS HÁBITOS
Retirados de: MEYER, Augusto. Cancioneiro gaúcho: seleção de poesia
popular com notas e um suplemento musical. Porto Alegre: Globo, 1959.
Monarquia
1
Todos cantam, trovam versos
Com sua sabedoria;
Só eu me ponho a cantar
Pela lei da monarquia.
2
Quando começo a cantar,
Digo palavras tiranas,
Da árvore a que me encosto
Seca o tronco, murcha a rama.
3
Gosto da vida do campo,
Dessa eterna gauchada,
Na cidade eu morreria,
Comendo carne cansada.
4
4
Quem é gaúcho de lei
E bom guasca de verdade,
Ama, acima de tudo,
O bom sol da liberdade.
5
Eu sou um quebra largado,
Por Deus e um patacão!
E se duvidam, perguntem
À moçada do rincão.
6
Nas altas cavalarias,
Eu, que sou guasca largado,
Tenho sempre à mão o relho
E o pingo rinchando ao lado.
7
Nos campos de minha terra,
Sou gaúcho sem patrão;
De a cavalo, bem armado,
Minha lei é o coração.
8
Sou valente como as armas,
Sou guapo como um leão;
Índio velho sem governo,
Minha lei é o coração.
9
Quando ato a cola do pingo
E ponho o chapéu do lado,
E boto o laço nos tentos,
Por Deus que sou respeitado!
5
10
Ser monarca da coxilha
Foi sempre o meu galardão,
E quando alguém me duvida,
Descasco logo o facão.
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Não tenho mancha nem medo,
Não temo inverno ou verão;
Meu culto é o das raparigas
E do mate-chimarrão.
12
Eu sou aquele que disse,
Depois de dizer, não nego:
Achando amor do meu gosto,
Morro seco e não me entrego.
13
Quando me ausento dos pagos,
Isto por curto intervalo,
Reconhecem minha volta
Pelo tranco do cavalo.
14
Ninguém me pise no poncho!
Pardo velho abarbarado,
Tenho chilenas da prata
E pala branco, bordado.
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Desde guri eu já era
Um monarca abarbarado,
Ninguém me pisou no poncho
Que não ficasse pisado.
6
16
Pardo forro sem governo,
Senhor das minhas ações,
Sei amar gratuitamente
E punir ingratidões.
17
Gosto da vida do campo,
Governo com honra e brio;
Com um par de bolas no cinto
Não tenho medo nem frio.
18
Sou livre como a seriema,
Não reconheço tirano;
Criei-me nas escaramuças,
Ao sopro do minuano.
Mate
1
Dizem que o mate afoga
As mágoas do coração;
Mate sobre mate tomo,
As mágoas boiando vão.
2
Eu venho de lá de longe,
Noite velha adiantada;
Dá-me um mate-chimarrão,
Minha boa misturada.
7
3
Senhora dona da casa,
Eu sou muito pedinchão:
Mande me dar de beber,
Mas que seja um chimarrão.
4
Senhora dona da casa,
Dê-me um mate-chimarrão
Com quatro pedras de açúcar,
E queijo e bastante pão.
5
Do meu canto eu estou vendo
Quantos mates vais chupando;
Quando me chegar a cuia.
Os pauzinhos ‘stão nadando.
6
Eu não quero tomar mate,
Quando os ricos ‘stão tomando;
Quando chega a vez dos pobres,
Os pauzinhos ‘stão nadando...
7
Quem quiser que eu cante bem
Dê-me um mate de congonha,
Para limpar este peito,
Que está cheio de vergonha.
Cavalo e mulher (trecho)
1
Estou velho, tive bom-gosto,
Morro quando Deus quiser;
Duas penas levo comigo:
Cavalo bom e mulher.
8
2
Cavalo bom e mulher
Foi pelo que fui perdido:
Cavalo bom sempre tive,
Co’a mulher fui mui unido.
3
Cuidavas que me deixando
Eu por ti deitava dó;
Muito fraco é o carreirista
Que tem um cavalo só.
Quero-mana
1
Tão bela flor, digo agora,
Tão bela flor, quero-mana,
Que passarinho é aquele
Que está na flor da banana?
Co o biquinho, dá-le, dá-le
Co as asinhas, quero-mana.
2
Tão bela flor, quero-mana,
As barras do dia aí vêm,
Os galos já estão cantando,
Os passarinhos também.
3
Os galos já estão cantando
E os passarinhos também,
Vai recém-amanhecendo
E aquela ingrata não vem.
9
4
Ah! galo, se tu soubesses
Quanto custa um bem-querer,
Nunca, nunca tu cantavas
Às horas do amanhecer!
5
Tão bela flor, digo agora,
Tão bela flor, quero-mana,
Quando eu ando neste fado,
A própria sombra me engana.
6
Adeus, quero-mana ingrata,
Que inda te pretendo ver
Abrasada de saudade
E sem ninguém te valer...
O anu
1
O anu é pássaro preto,
Passarinho do verão;
Quando canta à meia-noite,
Ó que dor no coração!
2
E se tu, anu, soubesses
Quanto custa um bem-querer
Ó pássaro, não cantarias
Às horas do amanhecer.
10
3
O anu é pássaro preto,
Pássaro do bico rombudo;
Foi praga que Deus deixou
Todo negro ser beiçudo.
Prenda minha
1
Vou-me embora, tenho pressa,
Prenda minha,
Tenho muito que fazer,
Tenho que parar rodeio,
Prenda minha,
No peito do bem-querer.
2
Noite escura, muito escura,
Prenda minha,
Toda a noite me atentou;
Quando foi de madrugada,
Prenda minha,
Foi-se embora e me deixou.
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