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O caminho do paciente pela nevralgia do trigémeo IASP define nevralgia do trigémeo (NT) da seguinte forma: «episódios repentinos, normalmente unilaterais, intensos, breves, lancinantes e recorrentes de dor na distribuição de um ou mais ramos do nervo trigémeo.» 1 Eis a descrição que um paciente faz da dor: «Jantar à luz das velas com amigos e excelente comida. De repente, a minha cara divide-se: os ossos parecem estar a despedaçar-se, a carne parece estar a ser puxada por garras incandescentes. Inclino-me para a frente, a comida cai-me da boca. Os convidados fitam-me, preocupados e horrorizados. Não consigo explicar porque tenho lágrimas a escorrer pelo rosto. Nem sequer consigo engolir e a saliva vai-me caindo para o prato. Limito-me a tentar não gritar. Se me visse ao espelho, não poderia acreditar que não há nenhum sinal de ferimento, nem sangue derramado de um olho.» Ambas as descrições sublinham as principais características da NT, mas a segunda é muito mais explícita do que a primeira. Apenas a intrigante descrição do paciente pode dar-nos uma ideia da experiência pessoal da dor provocada pela NT, ilustrando o sofrimento e o medo que acompanha o primeiro ataque, recordado por muitos pacientes devido ao seu início dramático. A NT tem um enorme impacto psicológico, mas são poucos os artigos académicos que salientam o modo como afeta a qualidade de vida. 2 A NT é uma doença neuropática com manifestações clínicas únicas; é também uma das poucas doenças de dor crónica em que a medicação ou a cirurgia podem eliminar 100% da dor. 3 Por este motivo, é crucial que seja feito o diagnóstico correto, para que os doentes possam, assim que possível, seguir um tratamento geralmente aceite. 4,5 As descrições verbais e visuais apresentadas pelos pacientes proporcionam uma vivacidade e um grau de pormenor que não se encontram nos critérios médicos gerais de classificação. A consideração desses relatos poderá ajudar a melhorar a velocidade e a exatidão do diagnóstico, bem como a referenciação adequada. A presente edição de Pain: Clinical Updates (Dor: Atualizações Clínicas) explora a NT através dos olhos, ouvidos e vozes dos pacientes, juntamente com as nossas orientações clínicas baseadas em dados. Recolhemos estas histórias, descrições e imagens através de grupos-alvo, correios eletrónicos específicos, reuniões de grupos de apoio a doentes e de um projeto fotográfico. Para recolher material para o seu livro, InsightsFacts and Stories Behind Trigeminal Neuralgia (Perspetivas Factos e Histórias por trás da Nevralgia do Trigémeo), 6 Joanna Zakrzewska, especialista em dor orofacial, convidou pacientes com NT a participar em grupos-alvo no Reino Unido e nos Estados Unidos. As sessões foram registadas e transcritas. Os pacientes do grupo- alvo norte-americano também enviaram, por email, relatos sobre os processos de diagnóstico, os sintomas e o impacto da doença nas suas vidas e nas vidas dos seus familiares e amigos. Outra importante fonte de informação foi o projeto face2face, com sede em Londres, e que reuniu a Medicina e a Arte. A fotógrafa Deborah Padfield trabalhou individualmente com um grupo de pacientes de dor facial, incluindo três com NT, a fim de criar imagens e gravações de áudio da sua dor e do seu impacto em três momentos

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O caminho do paciente pela nevralgia do trigémeo

IASP define

nevralgia do

trigémeo (NT) da

seguinte forma:

«episódios repentinos,

normalmente unilaterais, intensos,

breves, lancinantes e recorrentes de

dor na distribuição de um ou mais

ramos do nervo trigémeo.»1

Eis a descrição que um

paciente faz da dor: «Jantar à luz das

velas com amigos e excelente comida.

De repente, a minha cara divide-se: os

ossos parecem estar a despedaçar-se, a

carne parece estar a ser puxada por

garras incandescentes. Inclino-me para

a frente, a comida cai-me da boca. Os

convidados fitam-me, preocupados e

horrorizados. Não consigo explicar

porque tenho lágrimas a escorrer pelo

rosto. Nem sequer consigo engolir e a

saliva vai-me caindo para o prato.

Limito-me a tentar não gritar. Se me

visse ao espelho, não poderia acreditar

que não há nenhum sinal de ferimento,

nem sangue derramado de um olho.»

Ambas as descrições

sublinham as principais

características da NT, mas a

segunda é muito mais explícita do

que a primeira. Apenas a intrigante

descrição do paciente

pode dar-nos uma ideia da

experiência pessoal da dor

provocada pela NT, ilustrando o

sofrimento e o medo que

acompanha o primeiro ataque,

recordado por muitos pacientes

devido ao seu início dramático.

A NT tem um enorme impacto

psicológico, mas são poucos os

artigos académicos que salientam o

modo como afeta a qualidade de

vida.2 A NT é uma doença

neuropática com manifestações

clínicas únicas; é também uma das

poucas doenças de dor crónica em

que a medicação ou a cirurgia

podem eliminar 100% da dor.3 Por

este motivo, é crucial que seja feito

o diagnóstico correto, para que os

doentes possam, assim que

possível, seguir um tratamento

geralmente aceite.4,5 As descrições

verbais e visuais apresentadas pelos

pacientes proporcionam uma

vivacidade e um grau de pormenor

que não se encontram nos critérios

médicos gerais de classificação.

A consideração desses relatos

poderá ajudar a melhorar a

velocidade e a exatidão do

diagnóstico, bem como a

referenciação adequada.

A presente edição de Pain:

Clinical Updates (Dor: Atualizações

Clínicas) explora a NT através dos

olhos, ouvidos e vozes dos

pacientes, juntamente com as

nossas orientações clínicas baseadas

em dados. Recolhemos estas

histórias, descrições e imagens

através de grupos-alvo, correios

eletrónicos específicos, reuniões de

grupos de apoio a doentes e de um

projeto fotográfico.

Para recolher material para o

seu livro, Insights—Facts and Stories

Behind Trigeminal Neuralgia

(Perspetivas — Factos e Histórias

por trás da Nevralgia do

Trigémeo),6 Joanna Zakrzewska,

especialista em dor orofacial,

convidou pacientes com NT a

participar em grupos-alvo no Reino

Unido e nos Estados Unidos. As

sessões foram registadas e

transcritas. Os pacientes do grupo-

alvo norte-americano também

enviaram, por email, relatos sobre

os processos de diagnóstico, os

sintomas e o impacto da doença nas

suas vidas e nas vidas dos seus

familiares e amigos.

Outra importante fonte de

informação foi o projeto face2face,

com sede em Londres, e que reuniu

a Medicina e a Arte. A fotógrafa

Deborah Padfield trabalhou

individualmente com um grupo de

pacientes de dor facial, incluindo

três com NT, a fim de criar imagens

e gravações de áudio da sua dor e

do seu impacto em três momentos

do tratamento: antes, durante e

após a gestão da dor. Este arco de

tempo permitiu que as imagens

representassem as alterações

vividas pelos pacientes na sua

perceção da dor. As imagens

também proporcionaram relatos e

emoções fundamentais para os

debates.

O longo caminho até ao

diagnóstico: uma história

comum

Um dos maiores problemas

enfrentados por médicos e

pacientes é a dificuldade em chegar

a um diagnóstico definitivo. A NT é

rara, pelo que um médico poderá

ver apenas três ou quatro casos ao

longo da carreira. Apesar de os

principais sintomas de diagnóstico

da NT, tal como definidos pela

IASP1 e pela Classificação

Internacional de Cefaleias (ICHD,

na sigla inglesa),7 parecerem claros,

verifica-se uma sobreposição

considerável entre esses sintomas e

os de outras cefaleias trigemino-

autonómicas, bem como dor facial

unilateral idiopática persistente,

disfunções temporomandibulares e

dor dentária.8 Drangsholt e

Truelove salientam os problemas

relacionados com o diagnóstico,

indicando que a maioria dos

pacientes que frequenta a sua

clínica terciária especializada em

dor facial foi, anteriormente, mal

diagnosticada e submetida a

tratamentos ortodônticos

irreversíveis, apesar da presença de

características clássicas da NT.8

Os distúrbios dentais, como, por

exemplo, abcessos periapicais,

podem provocar dor idêntica à da

NT. Tanto dentistas como pacientes

têm razão em tomar inicialmente

em consideração esses distúrbios

extremamente comuns. Contudo,

os dentistas não devem realizar

procedimentos irreversíveis se a

história clínica do paciente, o

exame e as investigações forem

equívocas ou incoerentes. Por outro

lado, os profissionais de cuidados

de saúde primários sabem muito

pouco sobre as causas da dor facial,

podendo, em geral,

sobrediagnosticar a NT por ser o

único diagnóstico com que estão

familiarizados.

Um estudo recente sobre a

prevalência da dor facial em

clínicas gerais neerlandesas

verificou que, depois de os

especialistas terem analisado as

notas e colocado questões

adicionais ao médico, 48% dos

casos haviam sido diagnosticados

incorretamente como NT. O valor

preditivo positivo foi de 57,3% para

NT em comparação com 83,7% para

nevralgia pós-herpética.9

Para ter em conta a

necessidade de mais do que um

episódio de dor, Koop-man et al9

incluíram apenas os pacientes com

uma história clínica de, pelo menos,

um ano, sugerindo que o tempo

ajuda a melhorar a probabilidade

de diagnóstico correto.

Drangsholt e Truelove8

demonstraram que, se os sintomas

causados por estímulos não

nociceptivos desencadearem uma

dor aguda e lancinante com a

duração de poucos segundos e que

se os opiáceos não reduzirem

adequadamente a dor, existe a

probabilidade de 81% de se tratar

de um caso de NT e não de dor

pulpar ou temporomandibular.

Os testemunhos que se

seguem dão conta de situações

comuns:

«Na consulta, o dentista

examinou-me e fez-me um raio-X

completo à boca. Mostrou-se seguro de

que NÃO se tratava de NT e de que era

uma situação exclusivamente

dentária.»

Quando se apercebem de que

foram mal diagnosticados, os

pacientes iniciam o longo processo

de consulta de especialistas

otorrinolaringologistas e

maxilofaciais —sendo que tanto

uns como outros poderão

desconhecer esta doença rara —

antes de, finalmente, chegarem a

um neurologista ou neurocirurgião

com experiência na gestão da NT.

Frequentemente, os pacientes com

seguros de saúde privados

depressa consultam numerosos

profissionais de saúde.

Um paciente encontrou um

neurologista que identificou a

doença, mas que não reconheceu o

seu grau de gravidade nem a

necessidade urgente de tratamento:

«Após um exame aprofundado, o meu

neurologista afirmou estar convencido

de que se tratava de NT e que o

próximo passou seria fazer uma

ressonância magnética. Tive de esperar

mais seis meses para a fazer. Fiquei

abatido perante a ideia de ter dores

todos os dias antes sequer de passar à

fase seguinte do tratamento. Recebi os

resultados da ressonância e, claro, não

tinham encontrado nada. O

neurologista escreveu-me a dizer que

não era preciso marcar nova consulta.»

Durante este processo, os pacientes

poderão experimentar uma

panóplia de analgésicos —

fármacos anti-inflamatórios não

esteroides, opiáceos e calmantes —

sem qualquer efeito sobre a dor.

Não surpreende, assim, que alguns

pacientes sintam estar a endoidecer

e se isolem cada vez mais. «Todos os

médicos que consultei fizeram-me

sentir como se eu estivesse louco.

Alguns ficavam sentados a fitar-me.

Muitos outros faziam-me sentir que

estava sozinho, que não havia nada que

pudesse ajudar-me e que eu iria passar

o resto da vida nesta tortura.»

O diagnóstico correto

da NT

A principal forma que um

profissional de saúde tem de fazer

um diagnóstico correto é recebendo

(e não anotando) uma história

clínica aprofundada. Para tal, é

necessário conceder aos pacientes

tempo para o fornecimento das

primeiras informações.10,11 É

importante permitir que os

pacientes contem a sua história

pelas suas palavras. Como David

Loxterkamp afirma, «é preciso

tempo — tempo cara a cara — para

olhar para os rostos dos pacientes e

não para o relógio ou o

computador.»12 Como William

Osler dizia aos seus alunos há um

século: «Escutem o paciente: ele

está a dizer-vos o diagnóstico.»

Perante a ausência de testes de

diagnóstico objetivos para a NT

idiopática, a escuta continua a ser a

única ferramenta fiável. Pelo

contrário, os exames e os raios-X

melhoram o diagnóstico da dor

dental. A fase de diagnóstico deve

incluir uma ressonância magnética

ou, pelo menos, uma tomografia

computorizada para excluir NT

secundária a tumores ou outras

causas compressivas e para revelar

placas indicadoras de esclerose

múltipla. Na NT clássica, as

ressonâncias magnéticas de alta

resolução indicam a presença de

compressão neurovascular do

nervo trigémeo na fossa posterior.

A forma como o

diagnóstico afeta os

pacientes

O diagnóstico tem um efeito

dramático sobre os pacientes.

Apesar do alívio de descobrir que a

sua dor tem um «rótulo», os

pacientes poderão não aceitar

facilmente que, em alguns casos,

não há cura, restando apenas o bom

controlo da dor e aprender a viver

com a doença. No caso de alguns

pacientes, mas não em todos, a

cirurgia elimina por completo a dor

e devolve uma elevada qualidade

de vida.

Os médicos de clínica geral

que se deparam pela primeira vez

com a NT costumam ter dificuldade

em compreender o sofrimento físico

e a fragilidade emocional dos

pacientes afetados por esta doença

devastadora. Os pacientes que

procuram informação na Internet

acabam por ficar mais angustiados;

é o exemplo deste paciente, que,

depois de ter lido duas definições

na Internet, afirmou o seguinte:

«O PROGNÓSTICO da NT era

alarmante! Não encontrei boas notícias

em nenhuma das descrições, nada: a

NT só piora, os períodos de remissão

tornam-se mais curtos e acabam por

deixar de existir. A pior coisa foi a

natureza rara da NT: quem mais a

tem? Com quem posso partilhar o

horror dos meus receios?»

Com o primeiro ataque, de

repente, o paciente é obrigado a

enfrentar uma dor agonizante para

a qual não há, aparentemente,

alívio, resultando, muitas vezes, em

isolamento social e a perda do

emprego: «Isolamento, depressão e

medo são apenas algumas das emoções

que tento gerir.»

Durante episódios graves, o

paciente é, frequentemente, incapaz

de trabalhar, pela dor ou pelos

efeitos secundários dos

medicamentos receitados. Pode ser

difícil obter prestações dos seguros,

em virtude da raridade da NT e da

direção incerta que a doença toma.

Em alguns países, o regime de

benefícios sociais não está

estruturado de forma a permitir

períodos variáveis de remissão em

que o paciente pode optar por

trabalhar: «Estava falido. Fui

“dispensado” do trabalho. Tinha tanto

medo de ser despedido que voltei ao

trabalho cedo de mais e tive múltiplas

recaídas.... Os 237 dólares mensais que

recebia da segurança social não eram

suficientes para sobreviver, em lado

nenhum. Vivia dia a dia, sem nunca

saber onde iria dormir à noite.»

A gravidade e a natureza

incessante da dor conduzem à

depressão: «É uma doença que destrói

a vida que uma pessoa levava antes; o

nome alternativo da NT, a “doença do

suicídio”, não poderia ser mais

apropriado»; «Queria pôr termo à vida,

mas via o meu marido, que se sentia tão

inútil apesar de estar desesperadamente

a tentar ajudar-me a lutar contra a

doença, e tinha de aguentar.»

Mesmo quando conseguem

controlar a dor, os pacientes vivem

no medo do seu regresso: «Mesmo

agora que estou em remissão, lá no

fundo, quando mastigo uma torrada ou

lavo os dentes, penso “é melhor ir com

calma, pelo sim, pelo não”.» «A dor

provoca um grande receio de perder o

controlo e, claro, há o medo das dores

terríveis.»

Os pacientes perdem a

confiança e o controlo sobre as suas

vidas: «É um inferno. Foi a pior coisa

que já me aconteceu. A dor levou-me a

vida.»

Os familiares têm dificuldade

em ajudar: «O meu marido odeia esta

doença; sente-se impotente e revoltado

contra a doença.»

Os pacientes precisam de

empatia e de apoio: «Preciso muito

de ajuda, de alguém que compreenda,

de alguém que já tenha passado por este

problema. As pessoas na minha

situação precisam de muita

compreensão, de muita atenção, de

muito consolo, também.»

A gestão da dor

Após um diagnóstico correto,

torna-se então possível começar a

controlar a dor. De novo, é

essencial que o médico saiba

escutar, pois é possível que ocorra

um «erro de diagnóstico das

preferências» do paciente.13 Este

poderá avaliar os riscos, benefícios

e efeitos secundários das diversas

opções de uma forma muito

diferente da do médico. A primeira

abordagem baseia-se em fármacos.

Há muito tempo que a

carbamazepina é o padrão de ouro,

mas encontra-se disponível uma

grande variedade de

medicamentos; encontram-se

informações sobre o seu uso em

publicações da Cochrane

Collaboration,14,15 Clinical

Evidence16 e em orientações

internacionais.4,5 «Enquanto a

medicação com Trileptal

[oxcarbazepina] consegue manter

afastados os demónios adormecidos

dentro dos meus nervos trigémeos, levo

uma vida boa. Até que a medicação

perde o efeito e é preciso aumentar [a

dose] ou começar a combinar uma série

de medicamentos.»

Todos estes fármacos têm

efeitos secundários que, em alguns

casos, impedem a sua utilização;

em geral, também, tornam-se

menos eficazes no controlo da dor à

medida que a doença evolui.

«Comecei a ter dificuldades graves em

tocar o violino. Não conseguia lembrar-

-me de melodias inteiras; dispersava-me

a meio da melodia e os meus

companheiros de banda começaram a

queixar-se da lentidão dos meus

andamentos.»

«Não podia tomar fenitoína nem

carbamazepina, pois fazia reação

alérgica grave a esses dois

medicamentos, incluindo uma erupção

cutânea em todo o corpo com o aspeto

de uma queimadura solar grave

inchaço na cara e nos membros e

descamação da pele das plantas dos pés

e das palmas das mãos.»

É importante que os pacientes

aprendam a usar os medicamentos

com a máxima eficácia, mas

também que possam controlar a

dosagem. Dar um maior controlo

aos pacientes reduz o seu medo,

como demonstra a secção

«Nevralgia do trigémeo: o relato de

Anne».

A opção da cirurgia

Quando os fármacos deixam de

proporcionar alívio, estão

disponíveis várias opções

cirúrgicas. É importante avaliar as

reações do paciente perante cada

opção e ter em consideração as suas

preferências.12 As opções incluem

procedimentos percutâneos ao

nível do gânglio de Gasser, que são

destrutivos. A compressão por

balão, a injeção de glicerol ou a

termocoagulação com

radiofrequência e a cirurgia com

gamma knife (ao nível da raiz do

nervo) proporcionam alívio da dor

em 70% dos casos durante cinco

anos, no máximo, mas poderão

provocar dormência facial.18

O procedimento com mais

sucesso, que proporciona alívio a

70% dos pacientes durante 10 anos,

é a descompressão microvascular

do nervo, um procedimento não

destrutivo. Este procedimento

implica uma grande neurocirurgia,

não sendo adequado para todos os

pacientes; apresenta uma taxa de

mortalidade de 0,5% e um risco de

2% de perda de audição.19 No

entanto, o nível de satisfação após

esta operação é elevado.20 Os emails

dos pacientes refletem os resultados

positivos:

«Estava um pouco relutante

relativamente à cirurgia, pois nunca

tinha sido submetido a uma grande

cirurgia, mas agora, após a operação,

quando me lembro das dores que sofria,

sinto-me muito aliviado.»

«Fiquei muito contente por poder

comer uma sanduíche e um pouco de

gelado meia hora depois da operação...

A dor provocada pela NT tinha

desaparecido por completo.»

«Na minha opinião, esta operação

é mais receada do que o necessário.

Certamente, não é uma pequena

cirurgia, mas, quando as dores são tão

intensas, é algo por que quase

ansiamos. Senti que recuperei a minha

vida. Quando parei a medicação para a

NT, a minha memória e energia

regressaram gradualmente ao normal.

Foi como se uma pessoa de 70 anos

voltasse a ter 36!»

As imagens criadas durante o

projeto face2face refletem os

caminhos de sucesso de três

pacientes: Anne, Alison e Chandra.

Os testemunhos foram retirados

das gravações de áudio realizadas

durante workshops individuais.

Procurar ajuda

As organizações de apoio

disponibilizam informações que

permitem ao paciente colaborar

com o médico na elaboração do

plano de tratamento. Permitem

também o contacto com outros

pacientes através de fóruns online,

livros,6,21 reuniões e conferências.22

Os pacientes podem oferecer

empatia, compreensão, informação

e ajuda na interpretação de parte do

jargão médico usado nas consultas.

A participação nesses grupos pode

inspirar maior confiança, tão

importante no caminho para a

recuperação.12

«O grupo de apoio local que

encontrei online foi fabuloso. Que bom

poder sentar-me num grupo de

estranhos e saber que não estou só.

Todos temos um tipo de dor facial

debilitante e todos sabemos aquilo por

que cada um está a passar. É esse o

maior presente no meio desta confusão:

conhecer pessoas pacientes, generosas e

encantadoras que sentem a minha

dor!»

Contributos

Joanna Gardner, paciente com NT

e, durante vários anos,

colaboradora da linha de

assistência por email da TNA UK

(Associação de Nevralgia do

Trigémeo do Reino Unido),

elaborou o artigo original sobre este

tema há alguns anos. As histórias

dos pacientes foram obtidas a partir

dos seus contributos para o livro da

Prof. Joanna Zakrzewska, Insights,

de correios eletrónicos e de fóruns

da TNA UK. A Prof. Zakrzewska

realizou este trabalho na

UCL/UCLHT, tendo recebido uma

parte do financiamento do NIHR

Biomedical Research Centre do

Departamento de Saúde. O projeto

face2face foi uma colaboração entre

a Dr. Deborah Padfield e

a Prof. Zakrzewska, juntamente

com pacientes e médicos de gestão

da dor. O projeto recebeu

financiamento de AHRC, Arts

Council England, pequenas bolsas

de UCH, Derek Hill Foundation e

apoio da National Portrait Gallery

London, Paintings in Hospitals e da

Menier Gallery, LAHF, UCLH,

UCL e da Slade School of Fine Art.

Para mais informações sobre a

globalidade do projeto, visite

www.ucl.

ac.uk/slade/research/student/archived-

research/mphil-phd-research/project-9.

Para informações sobre um projeto

de continuação, «Pain: Speaking the

Threshold», visite

www.ucl.ac.uk/slade/research/staff/cur

rent-research/project-14.

O desafio do diagnóstico da nevralgia do trigémeo Mark T. Drangsholt, DDS, MPH, PhD

A nevralgia do trigémeo (NT) é um distúrbio único entre

as doenças da dor, caracterizando-se por uma dor

semelhante a um choque elétrico que pode durar entre

poucos segundos a dois minutos, normalmente,

desencadeada por um leve toque, movimento ou correntes

de ar. Ao mesmo tempo, é desconcertante que esta doença

seja, tantas vezes, diagnosticada incorretamente; com

efeito, para a NT, o atraso no diagnóstico é medido em

anos e não meses.22 Referido na literatura há várias

décadas, e apesar da formação, de artigos e de apelos de

autores, este atraso não registou qualquer diminuição.

Como é isto possível? Serão os médicos ignorantes ao

ponto de não identificarem esta doença? As consequências

do erro de diagnóstico podem ser, como revela o artigo da

Prof. Joanna M. Zakrzewska, verdadeiramente desastrosas

e causar um sofrimento indescritível.

Grande parte do problema reside no desafio

numérico de identificar uma doença rara entre doenças

muito mais comuns. A incidência da NT na população

geral situa-se entre 3,4 e 5,9 por 100 000 pessoas ou cerca

de 0,005%.23 Entre as pessoas que procuram ajuda, este

valor poderá ser mais elevado, mas não de modo

significativo. Um médico de clínica geral, um dentista não

especializado ou um enfermeiro poderão ver um caso de

NT no período de cinco a 10 anos, isto é, se o diagnóstico

for o correto.

Devido a esta baixa prevalência no contexto dos

cuidados primários, mesmo que tivéssemos um

biomarcador 99% sensível e 99% específico, o valor

preditivo positivo (VPP) do teste (a probabilidade de ter a

doença se o teste for positivo), com uma prevalência de

0,01% (um valor irrealisticamente alto), seria de

aproximadamente 1% (cf. a figura da página 8). O VPP é

tão baixo, porque depende em grande medida da

prevalência, ao passo que a sensibilidade e a

especificidade não.

Recorrendo à linguagem coloquial, este fantástico

teste só teria 1 em 100 hipóteses de demonstrar um caso de

NT, se fosse, de facto, esse o caso. Este problema de

identificação de doenças raras na população geral é uma

das principais razões pelas quais não se advogam,

geralmente, testes de rastreio de doenças raras.

O que fazer, então, para reduzir o risco de erro de

diagnóstico? Uma das estratégias é a referenciação dos

pacientes mais complexos para clínicas especializadas ou

de cuidados terciários. Mesmo que esses médicos não

sejam mais competentes no diagnóstico destas doenças

especiais, do ponto de vista numérico, com a prevalência

mais elevada (por exemplo, 1%) em resultado do

reencaminhamento de mais casos de NT para uma clínica

de dor, o mesmo teste feito numa clínica de especialidade

será muito mais eficaz na identificação de um caso,

porque a prevalência e o valor preditivo positivo

concomitante (cerca de 50%) são muito mais altos (cf.

figura infra).

Simultaneamente, o médico especialista, em razão de

um maior volume de casos de NT, está mais familiarizado

com o padrão e as nuances, podendo desenvolver

competências para detetar variantes atípicas de NT que

um médico com menos experiência não seria capaz de

identificar. Deste modo, tendo em vista uma boa prestação

de cuidados médicos, é fundamental que haja redes de

referenciação bem definidas de pacientes com doenças de

dor mais raras.

Há algo mais que possamos fazer? São necessários

cursos de formação e atualização destinados a todos os

níveis de prestadores de cuidados de saúde, sob a forma

de tutoriais realistas e modernos, baseados no estudo de

casos. Finalmente, note-se que, na NT, mesmo sem o

desejado biomarcador sérico referido, os relatos são tão

intensos que acabam por ter níveis de elevada

sensibilidade e especificidade semelhantes a

biomarcadores. A próxima vez que um paciente se queixar

de dores semelhantes a choques elétricos com a duração de

segundos sem provocação, numa estrutura orofacial

geralmente saudável, pense mais além e considere adiar

procedimentos invasivos e procurar uma referenciação

adequada.

Mark T. Drangsholt

Professor e Catedrático

Departamento de Medicina Oral

University of Washington

Email: [email protected]