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O BULLYING NA VIDA DOS ADOLESCENTES Shênia Soraya Soares Louzada 1 Genecy Lemos Soares Louzada 2 Zelani Borges Santana Lazarini 3 Resumo: O presente artigo, resultado de uma monografia apresentada na FACEVV, analisa a evidência de bullying em duas escolas públicas de um município da Região Metropolitana da Grande Vitória. Teve como objetivo verificar a forma que os adolescentes lidam com esta realidade. Com poder destrutivo, capaz de promover danos psicológicos às suas vítimas, o bullying não é uma brincadeira, mas sim uma manifestação de violência. Na execução desta pesquisa, foram entrevistados 6 (seis) adolescentes que são vítimas desse mal. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas e sua análise evidenciou que o hábito de colocar apelidos maldosos é o mais freqüente entre pessoas dessa idade. A relevância social e educacional desta pesquisa está relacionada à reflexão que escolas, famílias e adolescentes tiverem sobre seu conteúdo e enfrentamento do problema. Palavras-chave: Bullying; adolescentes; escola. Introdução Nos últimos tempos, estudiosos do comportamento identificaram a ocorrência de um fenômeno ao qual denominaram bullying (termo inglês que se refere a uma forma específica de violência). O problema não é novo e pode ser encontrado em todas as escolas, sejam elas públicas ou privadas. Trata-se de insultos, apelidos cruéis, gozações, ameaças, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam a vida de outros levando-os à exclusão. Essa forma de violência dificilmente acontece diante de testemunhas e, portanto, é de difícil identificação. Quase sempre a testemunha teme fazer a denúncia para que não venha a ser a próxima vítima. A vitima, por sua vez, teme denunciar os seus agressores por medo de sofrer represálias, por vergonha de admitir que esteja passando por situações constrangedoras ou ainda, por acreditar que não receberá o devido crédito. Diante do exposto, o presente artigo é o resultado de uma investigação sobre o bullying entre estudantes adolescentes de duas escolas públicas em um município da Região metropolitana da grande Vitória, ES. O objetivo geral foi verificar como estes adolescentes lidam com o fenômeno. Para executar a pesquisa, fizemos contato com pedagogos das duas escolas e com vários adolescentes nas 1 Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo, professora dos cursos de Administração e Pedagogia da Faculdade Cenecista de Vila Velha - FACEVV, ES. Contato: [email protected] 2 Professora da Faculdade Cenecista de Vila Velha - FACEVV, ES. 3 Pedagoga formada pela Faculdade Cenecista de Vila Velha - FACEVV, ES. Revista FACEVV - 2º Semestre de 2008 - Número 1 76

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Artigo que retrata o bullying sofrido por adolescentes em várias faixas etárias e de diversas formas

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O BULLYING NA VIDA DOS ADOLESCENTES

Shênia Soraya Soares Louzada1

Genecy Lemos Soares Louzada2

Zelani Borges Santana Lazarini3

Resumo:

O presente artigo, resultado de uma monografia apresentada na FACEVV, analisa a evidência de bullying em duas escolas públicas de um município da Região Metropolitana da Grande Vitória. Teve como objetivo verificar a forma que os adolescentes lidam com esta realidade. Com poder destrutivo, capaz de promover danos psicológicos às suas vítimas, o bullying não é uma brincadeira, mas sim uma manifestação de violência. Na execução desta pesquisa, foram entrevistados 6 (seis) adolescentes que são vítimas desse mal. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas e sua análise evidenciou que o hábito de colocar apelidos maldosos é o mais freqüente entre pessoas dessa idade. A relevância social e educacional desta pesquisa está relacionada à reflexão que escolas, famílias e adolescentes tiverem sobre seu conteúdo e enfrentamento do problema.

Palavras-chave: Bullying; adolescentes; escola.

Introdução

Nos últimos tempos, estudiosos do comportamento identificaram a ocorrência de um fenômeno ao qual denominaram bullying (termo inglês que se refere a uma forma específica de violência). O problema não é novo e pode ser encontrado em todas as escolas, sejam elas públicas ou privadas. Trata-se de insultos, apelidos cruéis, gozações, ameaças, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam a vida de outros levando-os à exclusão.

Essa forma de violência dificilmente acontece diante de testemunhas e, portanto, é de difícil identificação. Quase sempre a testemunha teme fazer a denúncia para que não venha a ser a próxima vítima. A vitima, por sua vez, teme denunciar os seus agressores por medo de sofrer represálias, por vergonha de admitir que esteja passando por situações constrangedoras ou ainda, por acreditar que não receberá o devido crédito.

Diante do exposto, o presente artigo é o resultado de uma investigação sobre o bullying entre estudantes adolescentes de duas escolas públicas em um município da Região metropolitana da grande Vitória, ES. O objetivo geral foi verificar como estes adolescentes lidam com o fenômeno. Para executar a pesquisa, fizemos contato com pedagogos das duas escolas e com vários adolescentes nas 1 Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo, professora dos cursos de Administração e Pedagogia da Faculdade Cenecista de Vila Velha - FACEVV, ES. Contato: [email protected] 2 Professora da Faculdade Cenecista de Vila Velha - FACEVV, ES. 3 Pedagoga formada pela Faculdade Cenecista de Vila Velha - FACEVV, ES.

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próprias instituições. Cabe ressaltar que apenas seis estudantes aceitaram participar da pesquisa como sujeitos.

Acreditamos que esta pesquisa tenha relevância social e educacional pela possibilidade de despertar a atenção de quem a ela tiver acesso (educadores, família e adolescentes), fazendo uma análise e reflexão sobre a temática. Para a coleta de dados no campo, utilizamos a entrevista perguntas abertas e fechadas, de onde surgiu o material para a análise da investigação.

Características do bullying

Optamos por utilizar a obra de Fante (2005) na caracterização deste fenômeno pelo fato da autora ser uma referência no Brasil como pesquisadora do tema e pertencer ao Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar - CEMEOBES, criado em 2006 e sediado em Brasília. O referido livro é resultado de uma pesquisa e apresenta uma proposta de educação para auxiliar na prevenção e combate dessa forma de violência. Tal proposta fundamenta-se no resgate de valores como diálogo, tolerância, respeito, cooperação e solidariedade.

Segundo Fante (2005), o bullying não é um episódio esporádico ou de brincadeiras próprias de crianças; é um fenômeno violento que se dá em todas as escolas, e que propicia uma vida de sofrimento para uns e de conformismo para outros. São algumas condutas impiedosas que se observa no meio escolar, na família e nos grupos da sociedade. Um dos exemplos são as gangues que se juntam para “torturar” alguma outra pessoa.

A manifestação do bullying é diferente das brigas que freqüentemente acontecem entre iguais, provocadas por motivos eventuais. Para Fante (2005), essas brigas acontecem e acabam. O bullying, ao contrário,

é aquela agressão que se apresenta de forma velada, por meios de um conjunto de comportamentos cruéis, intimidadores, prolongadamente contra a mesma vitima, e cujo poder destrutivo é perigoso à comunidade escolar e à sociedade como um todo, pelos danos causados ao psiquismo dos envolvidos. (p. 119)

Nesse processo estão envolvidas pessoas que se encaixam em um dos três papéis (alvo ou vítima, autor ou agressor e testemunha), sendo que todos precisam de atenção por parte de profissionais, da escola, da família e de toda a sociedade.

Freqüentemente, tal realidade envolve e transforma a pessoa em vítima, interfere negativamente nos seus processos de aprendizagem devido à excessiva mobilização de emoções, de medo, de angustia e de raiva reprimida. Misturado ao medo, cresce naquele que sofre a violência, o ódio, o desejo de vingança e as fantasias de destruir os agressores. Essas fantasias, um dia, poderão se transformar em realidade fazendo das antigas vítimas, os futuros agressores.

Segundo Fante (2005), alguns elementos estão presentes no adolescente que é vítima do bullying. Dentre eles estão: dores de cabeça e estômago pouco apetite, tonturas pela manhã, mudança inesperada de humor, desleixo gradual das tarefas escolares, aspecto deprimido, apresentação de desculpas para faltar aulas e a existência de poucos amigos.

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O bullying, quando não assistido de forma adequada, pode oferecer riscos e conseqüências para a escola e os alunos, tanto para o agressor quando para a vítima e a testemunha. Na escola, quando não se toma providência, esse problema tende a se alastrar e mais alunos poderão vir a se tornar autores. De acordo com Fante (2005), algumas vítimas “[...] em casos extremos, podem tentar ou cometer suicídio. Os autores podem se tornar adultos agressivos, adotarem a prática de violência familiar, ou mesmo apresentar comportamentos anti-sociais, inclusive criminosos” (p. 32). Aqueles que não superarem o sofrimento vivido poderão crescer com sentimentos negativos, reforçando uma baixa auto-estima, tendo problemas de relacionamento na fase adulta, inclusive de apresentarem comportamento agressivo.

Violência, agressividade e bullying

Atualmente, a violência tem atingido a todos os setores da sociedade, inclusive a escola. As notícias diárias do Brasil e do mundo dão conta da existência de alunos agressivos, pais agressivos, professores agressivos, funcionários agressivos. As estatísticas registram de forma crescente este índice nas instituições educacionais.

Seja em forma de brincadeira, ou não, a violência e a agressividade humilham o ser humano, estão presentes na escola e só contribuem para a degradação da sociedade. Embora, nem toda agressividade e nem toda violência seja bullying, a recíproca não é verdadeira, pois todo bullying é agressividade e violência, sendo portanto uma negação dos direitos humanos.

Para terem garantidos os seus direitos, os adolescentes brasileiros contam, além da Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECAD) que vigora desde o ano de 1990 sob a lei de nº. 8.069/90 de 13 de Julho de 1990.

Como um manual de medidas sócio-educativas, o texto do ECAD é um documento que expressa os direitos da criança e do adolescente. Nos artigos 15, 16, 17, 18 pode-se ler:

A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis; O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos [...] participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; [...] O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. (BRASIL, 1990)

Pelas suas características, o bullying é desumano, violento, vexatório, aterrorizante e constrangedor. Conseqüentemente, as autoridades, as famílias, os profissionais ou qualquer outro cidadão têm o dever de impedir que tal tratamento seja dispensado á criança e ao adolescente.

Panorama da pesquisa

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Nas escolas, os educadores relataram verbalmente que os pais dos adolescentes não possuem estrutura suficiente para propor diálogos, pois se constituem em famílias desestruturadas, com relações afetivas de baixa qualidade, em que a violência doméstica é real. Comentaram ainda que para acabar com tais violências, a atitude que tomam é acionar o juizado de menores.

As testemunhas se calam em razão do temor de se tornarem as próximas vítimas. Alegam que a escola não toma providência e que constantemente, há casos de brigas em nas escolas. Já entre os coordenadores existem falas com o seguinte teor: “Dentro da escola tomamos as providências necessárias para o bom andamento da disciplina, mas fora da escola não podemos fazer nada”. Não especifica, porém, que tipo de providências são tomadas pela instituição.

Caracterização dos sujeitos (adolescentes)

Apresentamos de forma sucinta, características dos seis adolescentes, as quais foram evidenciadas no tempo/espaço das entrevistas, preservando suas identidades e indicando-os pelas denominações: ADOLESCENTE 1, ADOLESCENTE 2, ADOLESCENTE 3, ADOLESCENTE 4, ADOLESCENTE 5 E ADOLESCENTE 6, conforme a ordem das entrevistas. Para melhor visualização, estas palavras foram escritas em itálico, maiúsculas, enquanto os apelidos citados pelos adolescentes estão registrados em negrito.

1) ADOLESCENTE 1 - Depois de muito sofrer, o adolescente demonstra não suportar mais ser chamado pelo apelido de Loucura. Isso lhe traz transtornos, pois o mesmo, de acordo com os educadores da escola, quando é agredido verbalmente, usa de violência física e acaba agravando mais a situação. Questionado por nós a respeito da reação de professores, escola e família, o referido aluno respondeu que não adianta falar com professores, pois os mesmos não tomam sequer uma providencia a não ser mandá-lo para a coordenação que, por sua vez, o faz assinar uma ocorrência, ameaçando - o ainda de expulsão. Segundo esse garoto, sua família “não faz nada” (não toma nenhuma atitude), pois teme que o problema se agrave. Acredita nessa provável expulsão e não quer vê-lo fora do âmbito escolar. O ADOLESCENTE 1 é calado e quando fala, o faz com tom agressivo. Quando lhe chamamos para a conversa, ele estava de cabeça baixa, usava boné e não olhava nos nossos olhos.

2) ADOLESCENTE 2 - Esta menina ficou muito assustada quando lhe chamamos para um dialogo e pedimos que ela nos concedesse a entrevista. No inicio pediu para que nós escrevêssemos as respostas, pois tinha medo de errar. Alegou que tem dificuldade de escrever e que já foi reprovada por três vezes. Nessa hora, a diretora da escola chegou e questionou se estava havendo algum problema com a aluna, visto que segundo ela, é uma aluna “problemática” (disse isso na presença da adolescente). A menina que estava tímida, ficou ainda mais cabisbaixa. Continuando nosso diálogo, depois da saída da diretora, perguntamos se ela tinha algum apelido. Havia vários registrados em sua cabeça: PF (Prato Feito), numa alusão ao hábito de agarrar garotos, Corredor, Furona e Lindinha. Imediatamente, após citá-los, alegou que não importa com esses apelidos e ria muito, mas caiu em contradição quando contou que já participou de muitas brigas por ser chamada pelos apelidos. Pelo relato da coordenadora,a ADOLESCENTE 2 já foi envolvida por várias vezes em brigas de escola, foi transferida duas vezes por não se comportar devidamente.

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3) ADOLESCENTE 3 - Batora e Acerola são alguns dos apelidos citados por este adolescente como sendo seus. Ele disse não gostar dos apelidos. Falou também que o apelido Batora é devido aos seus braços curtos como os do personagem Batoré do programa “A Praça é nossa”, veiculado pelo Sistema Brasileiro de Televisão. Confessa que já brigou muito com seus colegas de escola, mas que se cansou. Disse não se importar mais. Segundo ele, ninguém toma as devidas providências e confessou que esse apelido já lhe causou transtornos, inclusive tendo que abandonar alguns amigos por não se sentir bem ao lado deles. O ADOLESCENTE 3 é de poucas palavras e também é considerado pela coordenadora e diretora como “mau caráter”. Ele conversou durante 25 minutos, comentou que não gosta de estudar, mas que sua família o obrigava. Disse ainda que tem muitos amigos pois seus amigos curtem suas brincadeiras. Percebemos que essas brincadeiras não são as mesmas citadas no início. Conforme suas próprias palavras, essas brincadeiras são piadas e palhaçadas que ele faz para que os colegas riam.

4) ADOLESCENTE 4 - Este é um menino que aparenta ter uns 13 anos. Ele é agressor, põe apelidos em todo mundo e alega que sabe se defender. Com ele ninguém tem vez. São apelidos tipo chupeta de baleia e rolha de poço, para os colegas obesos, jacaré de quatro olhos, para aquele que usa óculos, toco de amarrar bactéria, para o adolescente pequeno. Julga-se o verdadeiro bonzão como ele mesmo mencionou. De acordo com o que disse, ninguém pode pensar em colocar-lhe apelido porque ele parte para agressão física. Uma dessas muitas pessoas que sofrem esse tipo de agressão é sua própria irmã que passa por muitas humilhações. Bianca é uma das muitas pessoas que sofre esse tipo de agressão e apanha dele quando reage. O ADOLESCENTE 4 diz saber conquistar as meninas, e para ele, “em menina bonita não se coloca apelido, só namora”.

5) ADOLESCENTE 5 - A outra adolescente respondeu rapidamente às perguntas. Quando perguntamos se ela se envolve em algum tipo de agressão, a resposta foi sim e justificou essa atitude por ter ganhado um apelido na escola de rolha de poço e chupeta de baleia. Falou isso com lágrimas nos olhos e alegou não poder reagir por se achar sem forças mediante aos agressores. Já pensou em desistir de estudar, já tentou emagrecer, mas piorou e engordou mais. Disse sentir-se humilhada, pois assim os rapazes afastam-se mais ainda.

6) ADOLESCENTE 6 - É chamado por todos de oreia. Ele declarou que detesta este apelido, mas segundo ele, ninguém faz nada para mudar a situação e ele acabou por calar-se. Esse apelido é devido às suas orelhas que são chamadas de “abano” e o incomodam a ponto de deixar o cabelo crescer para escondê-las. Disse que no inicio ficou doente, se envolveu em confusão, mas de nada adiantou e ele acabou por desistir. Entretanto, declarou que se tivesse dinheiro, a primeira coisa que iria fazer seria uma plástica nas orelhas porque isso lhe faz mal. Segundo ele, os pais são separados, mora com a avó muito velha e ninguém faz nada por ele.

Análise dos dados

Na parte das questões abertas, as pessoas responsáveis pelas escolas limitaram-se a constatar a existência da violência conforme comentário das próprias educadoras; a registrar uma ocorrência dentro de um livro segundo declarou o ADOLESCENTE 1; a rotular os alunos como aconteceu com a ADOLESCENTE 2 e o ADOLESCENTE 3; a ignorar a situação como dá a entender os depoimentos do

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ADOLESCENTE 4 e do ADOLESCENTE 6; e ainda, desconhecendo mesmo a situação conforme aconteceu com a ADOLESCENTE 5.

Alguns entrevistados confessaram que ficam calados, outros que comunicam os episódios aos responsáveis pela escola e a maioria que reage com agressões. Nenhum dos entrevistados se referiu à existência de uma orientação, de quem quer que seja, para enfrentarem a situação. Todos, porém, se mostraram incomodados pela realidade vivida.

É totalmente devastador o que está ocorrendo com cada um desses entrevistados. Só para exemplificar, uma coordenadora desconhecia qualquer dificuldade em relação à determinado aluno. Chegou a afirmar que esta nunca se queixou de nada e falta muito às aulas. Nem para identificar as razões das ausências foi tomada alguma providência.

Quando analisamos as questões fechadas, as respostas trazem alguns indicativos também preocupantes. A primeira versava sobre as brincadeiras existentes no grupo e o que ficou evidente é que o hábito de colocar apelido é o mais freqüente (todos seis indicaram que esta é uma conduta comum entre eles), embora existam também outros tipos de “brincadeiras” de “mau gosto”. Este resultado coincide com o que escreve Fante (2005) “As condutas mais incidentes foram, respectivamente, os maus tratos verbais e psicológicos, por meio de gozações, ameaças, intimidações e rumores maldosos” (p. 53).

Na questão de número dois, a pergunta era se o adolescente tinha apelido na escola e apenas um respondeu negativamente. O que comprova que este hábito de colocar apelido é comum entre eles.

Perguntados se gostam de serem chamados por apelidos, todos responderam não. Apelidos que desagradam a quem o recebe são uma forma de discriminação, e por isso ferem os princípios do ECAD. Esses apelidos, inclusive, acabam por deixar os adolescentes com a sensação de estarem diminuídos e com baixa auto-estima.

Ao questionarmos sobre o que os fazem ficar irritados, a “brincadeira” do tipo “zoação” foi a mais citada, fazendo-os ficar irritados e com raiva. Quando esse tipo de brincadeira é iniciado, repercute e se alastra tornando a vítima irritada.

Perguntados se têm amigos, todos responderam que os têm. Se estes estão dentro ou fora da escola, se são reais ou imaginários, não indicaram. É possível, inclusive, que diante de tantas situações desagradáveis, eles acabem relevando as brincadeiras de mau gosto para não ficarem sozinhos. Chauí (1998) escreve que ser amigo é “ser capaz de si e dos outros, é ser capaz de reflexão e de reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele” (p. 337). Considerando este conceito não se pode chamar a atitude dos sujeitos como de amigos. Nem alvo e nem agressor estão reconhecendo o outro como sujeito ético. Aquele que sofre a violência, muitas vezes deixa de revidar, cala ou finge não se irritar, apenas por falta de opção ou pela necessidade social.

Segundo Coll, Palácios & Marchesi (1995) a adolescência é uma etapa psicossocial, e não fisiológica, nem tampouco apenas psicológica. Seu sucesso evolutivo individual depende, crucialmente, de circunstâncias sociais [...] (p. 295). A circunstância social pode ser a razão de tanto empenho em desejar uma amizade, o que para pessoas dessa idade é algo precioso e desejável a ponto de considerarem-na como resultado de uma troca. Alguns confessaram que seus amigos gostam deles

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porque são confiáveis e porque guardam segredos. Ou seja, trocam a amizade pela fidelidade ou por outro favor qualquer.

Enquanto nas questões abertas, os adolescentes disseram que não adiantava levar os assuntos aos responsáveis pela escola, na parte de questões fechadas eles responderam que costumam fazê-lo tanto na escola quanto na família. Interpelados sobre esta provável incoerência, afirmam que apesar da escola somente fazer o registro de ocorrência, o queixar-se à coordenação é a opção correta. Essa providência fato acaba sendo apenas uma forma de dar satisfação e não, um interesse por alguém pelo qual se é responsável, alguém que pertence àquele grupo. Mielnik (1984) escreve:

todo adolescente tem uma ansiedade intima de sentir que pertence à família, ao grupo social, à classe escolar ou profissional. A noção de pertencer torna-se assim toda poderosa no sentido de lhe fornecer um status necessário e obrigatório. É uma força social e de significação emocional profunda, muita ativa em nossos dias, e que concorre, intensamente, para integrar o jovem na sociedade, ao mesmo tempo que incrementa sua segurança e auto-estima. (p. 42)

Nas conversas com os jovens não ficou evidente que eles se sentiam fazendo parte da escola. Respondem como se estivessem de fora, da mesma maneira que são tratados.

Ao final da entrevista foi apresentada aos alunos entrevistados uma questão com 11 (onze) opções de propostas para resolver o problema. Nas alternativas constavam: fazer reuniões com os pais; fazer reuniões com os alunos; conversar com os alunos; oferecer prêmios a quem mudasse de comportamento; fazer um projeto especial; vigiar mais; ignorar; chamar outras autoridades para resolver; chamar a atenção de quem maltrata os colegas; suspender das aulas; transferir de escola e outros.

Apesar das opções conterem sugestões democráticas e mais interativas, a maioria dos alunos só se prendeu às soluções autoritárias, ortodoxas e punitivas (suspensão, transferência, chamar outras autoridades). Apenas um dos garotos ‘’ousou’’ marcar a palavra diálogo e ninguém pensou em sugerir outras opções de cunho educativo mesmo. Tal resultado não é animador, se considerarmos que a escola mesma poderia oferecer outras alternativas que possibilitassem ao adolescente pensar sobre ela. A escola poderia, por exemplo, empenhar-se em promover a amizade sincera entre seus alunos, baseada nos valores propostos por Fante (2005), no respeito mútuo, na aceitação da diversidade como uma forma de amor participante, sobre o qual escreveu Azevedo (1984):

o amor que precisa ser urgentemente reinserido na nossa sociedade é o amor participante e libertador que em nenhum momento ou circunstância se esquece do seu irmão que dá testemunho cotidiano da mensagem de justiça contida nos evangelhos, que liberta os grilhões dos oprimidos, que aproxima os homens e que é o melhor antídoto da violência. (p. 13)

Essa amizade participante e libertadora poderia então reduzir a incidência da violência e por via de conseqüência, reduzir o sofrimento dos alunos que aprenderiam sobre outras formas de viver em sociedade.

O quadro e a escola

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Os atos repetidos entre adolescentes e o desequilíbrio de poder tornam possível a intimidação da vítima. São comportamentos deliberados, produzidos de forma repetitiva num período prolongado de tempo contra uma mesma vítima e apresenta uma relação de desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa. Sem motivações evidentes, ocorrem de forma direta, por meio de agressões físicas e verbais ou indiretas, por meio da disseminação de rumores desagradáveis e desqualificados, visando à discriminação e exclusão da vítima de seu grupo social.

Os sujeitos dessa pesquisa apresentaram este quadro: são vítimas ou agressores que vivem a realidade do bullying, e não sabem lidar com ele, ou melhor, lidam de uma forma que tem mais chance de cristalizá-lo do que de reduzi-lo. Reagem com agressões ou uma simples comunicação à escola, a qual pedem providências mas não confiam que elas sejam tomadas.

Os adolescentes sentem-se humilhados, desrespeitados, irritados e até desamparados. Suas reações demonstram que não conhecem e nem vislumbram outra alternativa. Reproduzem a situação social que vivem, perpetuando-as, não sem muito sofrimento. Ao que se pode perceber, a maioria gostaria de viver outra situação, mas nem mesmo quando perguntados sobre o que a escola deveria fazer eles apontam novas possibilidades.

As conseqüências geradas pelo bullying são tão graves que os adolescentes sentem-se inferiorizados, sem capacidade para transformar suas metas em realidades. Mas a escola pode e deve intervir pedagogicamente para atender as necessidades dos alunos:

Deve-se dar especial atenção ao aluno que demonstrar a necessidade de resgatar a auto-estima. Trata-se de garantir condições de aprendizagem a todos os alunos, seja por meio de incrementos na intervenção pedagógica ou de medidas extras que atendam às necessidade individuais.

A escola, ao considerar a diversidade, tem como valor máximo o respeito às diferenças – não o elogio à desigualdade. As diferenças não são obstáculos para o cumprimento da ação educativa; podem e devem, portanto, ser fator de enriquecimento. (BRASIL, 1997, p. 97)

Estas afirmações extraídas dos Parâmetros Curriculares Nacionais sobre o resgate da auto-estima, sobre a diversidade e sobre o desenvolvimento colocam a ação educativa no centro do tema e como um recurso fundamental para as várias questões vividas pelos alunos.

Considerações finais

Após este estudo constatamos que existem brincadeiras de mau gosto entre adolescentes; que algumas atitudes dos profissionais têm prejudicado os alunos; que a escola não está preparada para enfrentar situações desse tipo e não recebe apoio suficiente dos órgãos competentes para cuidar de problemas semelhantes; que muitas brincadeiras tidas como normais, são de fato, um fenômeno denominado bulling; que os adolescentes têm dificuldades até de se expressarem em relação à estas brincadeiras de mau gosto.

Fato é que a escola está diante de um grande problema e um grande desafio. Nem adolescentes, nem educadores e, possivelmente, nem os pais sabem lidar com a evidência de bullying. Esta é uma experiência muito difícil e que não há receita pronta. Mas há caminhos a serem buscados. As

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instituições da educação, assim como seus profissionais, devem reconhecer o impacto gerado pela prática de bullying entre estudantes e desenvolver medidas para reduzi-la rapidamente.

Referências:

AZEVEDO, J. B. Marques. Democracia, violência e direitos humanos. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 1984.

BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei Federal nº. 8.069/90, de 13 de julho de 1990. Brasília: Presidência da República,1990.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução. Brasília: MEC, 1997.

CHAUI, Marilena. Convite a filosofia. 7ª ed. São Paulo: Ática, 1998.

COLL, César; PALACIOS, Jesus; MARCHESI, Álvaro. Desenvolvimento psicológico e educação: Psicologia Evolutiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas: Verus, 2005.

MIELNIK, Isaac. Os adolescentes. São Paulo: Ibrasa, 1984.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Biblioteca central. Guia para normalização de referências. Vitória: UFES, 2006.

______. ______. Normalização e apresentação de trabalhos científicos e acadêmicos. Vitória: UFES, 2006.

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