o brasil dos tropeiros & estradas reais
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[Das palestras para grupos de estudos e professorado, em Cotia, Araçariguama, Porto Feliz, Sorocaba, Viamão, Curitiba, Santos, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraty, entre 1991 e 2012. Inclui anexo “Cotia & Tropeirismo Na Odisséia Nipo-Cotiana”, de 2006.]TRANSCRIPT
O BRASIL DOS TROPEIROS
& ESTRADAS REAIS
[Das palestras para grupos de estudos e professorado,
em Cotia, Araçariguama, Porto Feliz, Sorocaba, Viamão, Curitiba, Santos,
São Paulo, Rio de Janeiro e Paraty, entre 1991 e 2012.
Inclui anexo “Cotia & Tropeirismo Na Odisséia Nipo-Cotiana”, de 2006.]
João Barcellos
1 Mercado Estancieiro
Isto aqui é “a passagem de Laguna para a Colônia de
Sacramento”, diz-se no início do Século 18, lá no que pode se
afirmar ser “o rancho fundo da capitania da paulista”.
A afirmação deve-se ao amplo mercado estancieiro montado
pelos padres da Sociedade de Jesus [SJ], ao longo do Século 17,
tanto nas partes do Uruguai quanto nas da Argentina, e mais
particularmente nas grandes fazendas além de Buenos Aires, onde
criam de tudo e se fazem especialistas na reprodução de
muares... o animal de carga mais adequado aos duros caminhos
da malha guarani do Piabiyu e de outros em picadas abertas
pelos próprios jesuítas de braço dado com colonos portugueses e,
em alguns casos ao longo do Rio da Prata, com castelhanos.
Para a Coroa portuguesa torna-se importante anotar e levar em
conta a percepção política e administrativa de vários governadores,
que diz da necessidade urgente de povoar a região da Laguna e
das imediações de Sacramento; e, por volta de 1670, a Coroa faz
recrutamento no arquipélago dos Açores com a promessa de “dar a
Casais Açorianos que vão a povoar o sul do Brasil terras e outras
facilidades”.
Ilha do Faial, vila da Horta. Corre o ano 1677. No alvorecer do dia
20 de Março acontece o marco histórico que remata a ligação entre
Portugal e o Brasil: casais, num total de 219 pessoas, embarcam no
navio “Jesus, Maria e José” com destino ao Grão Pará. A tentação é
grande para os casais açorianos que vivem apertados com pouca
terra. A visão de grandes terras oficialmente dadas é a mola que
catapulta a gente habituada à árdua azáfama insular. E depois, no
período de um século, a partir de 1748, chegam ao sul do Brasil
cerca de 2300 pessoas, e, entretanto, das promessas de terras e
facilidades, nada, o que obriga a gente açoriana a lutar
bravamente para se estabelecer entre a gente gaúcha e as
propriedades jesuíticas.
O assentamento agropecuário da gente açoriana cria uma
dificuldade mercantil para os padres jesuítas, habituados a ser a
voz única no mando da região, e é quando novas estâncias
surgem a partir dos fogos açorianos para formarem um
cinturão português diante das Missões [aldeias-estâncias
formadas e administradas pelos padres], que são o eixo das
negociações jesuíticas e das pretensões políticas da Coroa
castelhana, de olho, principalmente, na estratégica Colônia de
Sacramento. Por isto, entre Laguna e Sacramento tem início uma
atividade que, se ainda não é tropeira, indicia a prática da utilização
de muares no transporte de cargas e gentes pelos difíceis
caminhos. Como primeiros fregueses na praça de muares, os
casais açorianos estabelecem uma atividade que mobiliza todo
o sul e em distâncias curtas.
2 Estâncias, Charqueada & Muares.
São várias as fazendas jesuíticas que produzem muares na
Argentina. É uma produção que industrializa, de imediato, ambas as
margens do Rio da Prata, e os muares já trotam entre a mobilidade
econômica que alavanca o progresso sulista da Capitania paulista,
da mesma maneira que os caixeiros-viajantes de Affonso Sardinha
[o Velho] e do padre-banqueiro Pompeo de Almeida faziam
negócio, a pé e em canoas, entre Piratininga, Buenos Aires e
Asunción.
E agora, são várias a fazendas açorianas que progridem entre as
velhas trilhas sulistas.
Os muares enchem a pança jesuítica e, com os casais açorianos,
favorecem o abastecimento de várias vilas. O que para os padres é
um rendimento entre os próprios negócios passa a ser uma fonte de
renda para o novo Portugal que se ergue no sul do Brasil. Agora, os
casais açorianos e os muares são parte da ocupação na Linha
de Tordesilhas que vai impedir o avanço castelhano em terras
lusas.
Os muitos galpões abertos nas pradarias para salgar a carne
exposta para desidratação [´charque´] recebem muares, o veículo
ideal para enfrentar longas e penosas jornadas de ligação terrestre.
3 O sul do Brasil antes dos Casais Açorianos
Um dos personagens que marcam a vida cotidiana no Brasil-
colônia é o carroceiro, importante no papel logístico da atividade
doméstica e comercial, entre cariocas, paulistas, nortistas e sulistas.
As juntas de bois e cangas, o cochicho [lampião] e o chiado das
rodas do carro, são imagem perpetuada na memória dos
portugueses que fazem o assentamento colonial na Insulla Brasil.
Os castelhanos incorporam o cavalo à cena sul-americana, mas é
o boi que puxa a carroça e faz movimentar o engenho d´açúcar
nas unidades rudimentares da roça familiar.
O cavalo não é adestrado para a dura tarefa de carregar e
transportar, e só passa a ter esta função no início do Século 18... O
famoso poeta Baptista Cepellos, também bacharel de Direito e
capitão da Força Pública de São Paulo [2º Regimento], no final do
Século 19, exerce a função de carroceiro no trecho de Cotia a
São Paulo, levando principalmente casais em lua de mel. Assim
como sapateiro e alfaiate, o carroceiro é ofício muito respeitado na
sociedade.
Os ´comboios´ de carroças passam a ser uma imagem mais
visível em toda a colônia durante o setecentos e o cavalo, então,
além de ser o animal ´chic´ da tourada e da cavalgada, é também o
animal de carga e do manejo [vaqueirada] do gado.
A demanda de entradas que levem às riquezas do Potosí
desloca centenas de aventureiros de Portugal e de Espanha para o
Rio da Prata, e, ao mesmo tempo, urge estabelecer outras vilas.
Assim, Buenos Aires surge em 1580, e como eixo de defesa
estratégica na ótica castelhana. É no entorno de Buenos Aires que
os jesuítas castelhanos expandem a sua genialidade mercantil e
agropecuária. Os portugueses não podem atrasar o passo e
erguem a Colônia do Sacramento, em 1680, e, logo, as vilas de
Paranaguá [1648], São Francisco [1658], Desterro [1675] e Laguna
[1676], bases fortificadas de apoio logístico a ações diversas.
Este é o ambiente de guerra luso-castelhana e de aventuras
quiméricas que os Casais Açorianos encontram no entorno
dos seus fogos precários e, apesar de oficiais, a perigo.
O esforço de adaptação das gentes açorianas entre os vários
conflitos dos interesses das coroas ibéricas leva-as a uma jornada
gloriosa de resistência e de assentamento. Da ocupação açoriana
do solo ao sul da Capitania paulista é que o Brasil-colônia ganha
fôlego político para reivindicar o que de seu é, pois, “o que está
povoado pela gente lusa está demarcado por ela mesma, e isto é
Portugal”, afirmam. Aos castelhanos restam as arruaças e elas
continuam.
No meio de tanto alvoroço beligerante e político os Casais
Açorianos passam a ser a estância que mata a fome à gente
sulista. Antigos marinheiros tornam-se agricultores e aprendem ´na
marra´ como curtir uma boa carne, maturar um bom queijo e como
levar ao forno uma massa para o pão nosso de cada dia. As
tradições açorianas são visíveis já nas festas populares sulistas e a
sua fé religiosa também se faz notar. É a presença portuguesa em
nova maresia nas pradarias e estâncias sulistas.
4 Os Muares ao Deus-Dará
Nas suas idas e vindas pelo território de ambos os lados do Rio
da Prata, os padres jesuítas deixam muitos muares soltos nas
pradarias. A produção dos muares é tal que nem as estâncias
jesuíticas têm capacidade para guardá-los. É preciso evacuar. É
preciso vender. E há mais escambo [troca de bens] do que venda
propriamente dita, o que para os padres dá na mesma.
Em muitos fogos açorianos os muares [mulas, burros] já são parte
da paisagem familiar, de sorte que a maioria das cabeças são
arreadas ainda a-volante e guardadas quase como troféus da caça.
Sem o saberem, os padres jesuítas dão uma contribuição notável
para o progresso econômico sulista que tem base no fácil transporte
de víveres no lombo dos muares... Deixados “ao deus-dará”,
segundo a velha expressão portuguesa, os muares tornam-se vitais
para a sobrevivência portuguesa e, em particular, dos Casais
Açorianos.
5 Viamão: o corredor que une o Brasil.
1725. O açoriano Cosme da Silveira embarca na frota de João de
Magalhães. Destino: Viamão. Entre muitos outros, eis um açoriano
que se integra notavelmente ao embiente humano e físico do sul
brasileiro e, aqui, estabelece pouso, produção agricola, enquanto
lança um olhar aos caminhos possíveis para alargar a atividade.
Então, a localidade de Viamão é uma vila portuguesa com
gentes também da província do Alentejo e, diz-se, por isto, que
Viamão é um nome abrasileirado de Viamonte [região alentejana].
Enquanto isso, o ambiente bélico entre ibéricos continua em ponto
de bala, e de tal sorte que Viamão recebe o governo da Capitania
quando o governador portenho Pedro de Ceballos invade, em 1766,
a cidade de Rio Grande. A municipalidade de Viamão é ´capital´
até 1773, quando o governo sulista se transfere para Porto dos
Casais, que ora conhecemos como Porto Alegre.
Dessa circunstância inusitada ganha Viamão uma estrutura
urbana e comercial que lhe permite ser o eixo político e progressivo
da região. E torna-se uma feira quase permanente nas idas e
vindas dos muares carregados de charque e também de couro,
um dos produtos bem em conta na região e na comercialização feita
entre as gentes de Laguna e os velhos fregueses de São Paulo.
A comercialização indica e registra rotas diversas que, sendo
umas trilhas da malha piabiyuana e outras jesuíticas e
bandeirísticas, fazem desencadear uma espécie de eldorado
mercantil no lombo dos muares. Ao que se pode chamar de rotas
da vida que sobrevive em cada pessoa aventureira ou tropeira.
Tropeiro é gente forte. A carne salgada e desfiada [charque] vai
muito bem com arroz e feijão e, logo, com uns goles de chimarrão.
Assim se alimenta o tropeiro que, às vezes, imita o bandeirante e
tira do alforge um virado paulista – aquele feijão cozido e refogado
na gordura e deppois embolado com farinha de mandioca, linguiça,
torresmo, costela de porco, couve e ovo frito – o mais ´caipira´ dos
pratos de campanha sertaneja, porque tem o ´toque´ da mandioca.
E isto está e é vivido nos caminhos que sae de Viamão.
Eis o Caminho de Viamão... até Vacari, e depois por Lages,
Curitibanos, Papanduva, Rio Negro, Campo do Tenente, Lapa,
Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Piraí do Sul, Jaguaraíva e Itararé
com chegada à feira de Sorocaba.
O percurso fica a ser conhecido como Rota dos Tropeiros a partir
da Bacia do Paraná e logo se populariza entre os brasileiros do sul
e do sudeste. Além de Caminho de Viamão, o percurso també é
conhecido por Estrada da Mata e Caminho do Sul.
PARTE SEGUNDA
5 A fé que arrancha portugueses
e faz o Brasil.
Muito além dos propósitos imperiais e mercantis da Igreja católica,
a fé dos povos portugueses instala na colônia tropical uma alma
abnegada e a lutar por direitos à terra e à vida.
A determinação que já fizera surgir as comunidades da Madeira e
dos Açores manifesta-se no sul brasileiro, com a mesma
intensidade, entre rendas de bilro e tapeçarias de tear sob o cheiro
bom da comida à base de peixe, ou a dança de pau de fita, e,
ainda, na ousadia de pegar o boi solto nos campos e ruas. A grande
Festa do Divino ecoa rapidamente por todo o sul e sudeste e alegra
as comunidades cristãs.
Em cada família arranchada, em fogos ou em estâncias, é forte a
tradição das raízes sociais e culturais, e se faz presente nas
cavalgadas e nas rotas tropeiras: a fé não é apenas um íntimo
altar que em cada pessoa se ergue a Deus, é o ato solidário
dos Casais Açorianos que incorpora o espírito português de
fazer no Brasil outro Portugal, e assim vai, e assim é.
Com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil, em fuga diante
das ameaças de Napoleão Bonaparte, o Rio de Janeiro aperalta-se
e conquista uma urbanidade ao estilo lisboeta.
Entretanto, é preciso ligar o Rio de Janeiro aos pontos principais
da produção das riquezas; para solucionar o caso, a Coroa luso-
brasileira manda que se abram Estradas Reais, já agora a
aproveitar as trilhas de escoamento de víveres e de pedras
preciosas, do centro-oeste ao sudeste e sul.
[as malhas do Piabiyu/Peabiru aproveitas na Rota da Viamão
e na Estrada Real]
Deste aproveitamento logístico, ganha mais uma vez Viamão. A
principal Estrada Real desemboca na capital tropeira depois de
1.400 km a cortar os sertões.
Das velhas trilhas nomeia-se o Caminho Velho e das novas o
Caminho Novo.
Os caminhos ligam os sertões dos aventureiros, tropeiros e
bandeirantes, ao Rio da Prata e ao Rio Paraguai, com parte da
ligação pelo Rio Anhambi, que também deságua no próprio sertão,
e aqueles que do centro-oeste vão dar a Paraty.
7 Estrada Real
Toda e qualquer via terrestre a ligar as vilas principais do Brasil-
colônia e disponível para o negócio político e mercantil, local e
internacional, é Caminho Oficial, i.e., autorizado prla Coroa. É a
Estrada Real. E fora dela só existe atividade: de roubo e de
contrabando. A utilização de vias não oficiais é chamada
descaminho. Assim, as Ordenações do Reino determinam, assim
é feito.
No reaproveitamento logístico dos povos nativos são fundados, ou
refundados, o Caminho da Bahia [chamado Caminho da Bahia ou
Caminho dos Currais do Sertão e suas variantes, a ligar a
Capitamia da Bahia às Minas]. O Caminho do Rio de Janeiro [ou
Caminho Velho do Rio de Janeiro e, logo, Estrada Real e suas
variantes, a ligar a Capitania do Rio de Janeiro às Minas]. O
Caminho dos Diamantes [com a descoberta de diamantes no
cerro, entre 1725 e 1735, é aberto novo caminho, ai qual se unem a
picada de Goyaz e, depois, a do Mato Grosso]. O Caminho de São
Paulo [das expedições ditas bandeiras. Os paulistas, mais
mamelucos (mestiços de portugueses com indígenas), têm o
conhecimento, não apenas das velhas trilhas (o Piabiyu), mas
também das técnicas de sobrevivência nos sertões].
O Caminho dos Paulistas [ou Caminho Geral do Sertão, a ligar
a capitania às Minas. Percorrem a trilha dos Goyanazes a partir do
vale do Rio Paraíba do Sul pela passagem da Garganta do Embaú,
na Serra da Mantiqueira, e dirigem-se ao sertão das minas].
Os Caminhos do Rio de Janeiro [malha de caminhos
denominada Estrada Real.
Eis as variantes: o Caminho Velho [de Paraty a Vila Rica (Ouro
Preto), por cerca de 1.200 quilômetros, percorridos em 95 dias de
viagem]; o Caminho Novo [da baía da Guanabara ao Caminho
Velho em Ouro Branco (Vila Rica / Ouro Preto. É aberto por Grcia
Rodrigues Pais, em 1707, como alternativa ao Caminho Velho
evitando a rota marítima entre Paraty e o Rio de Janeiro. Tem início
nos portinhos do Rio Iguaçu (ou do rio Pilar / Duque de Caxias),
segue pelos portos fluviais até a vila de Xerém, Tinguá, Santana
das Palmeiras até Paty do Alferes, para logo descer ao Paraíba do
Sul e logo passar a Ouro Branco (Vale do Paraíba). Uma variante
do Caminho Novo é o Caminho do Proença [por Petrópolis e
Santana de Cebolas].
Estrada Real [une as freguesias de Santo Antônio de Jacutinga e
Nossa Senhora Conceição de Mariapicú, a ligar com a Estrada Real
na baixada fluminense].
E é preciso controlar, fiscalizar a Estrada Real...
As riquezas que se extraem das minas do centro-oeste levam a
Coroa a apertar a vigilância e impedir o roubo e o contrabando, de
que fazem parte civis, militares e religiosos, e mesmo fidalgos, pois,
a ganância, não escolhe ofícios nem brasão. E em pontos
estratégicos da Estrada Real instalam-se as Casas da Fundição
para o Registro das peças, sob a guarda dos destacamentos de
cavalaria denominados Dragões das Minas.
ANEXO
Cotia & Tropeirismo
Na Odisséia Nipo-Cotiana
desenvolvimento agro-pecuário & hortifrutigranjeiro
João Barcellos
A historiografia registra Cotia como um dos pontos de encontro de
Tropas e, antes das Tropas, de colonos portugueses e castelhanos
que na região dão continuidade ao ciclo agro-pecuário aberto por
Afonso Sardinha [o Velho] na via oeste do Piabiyu, entre Butantã e
Carapicuíba, ainda no Séc. XVI – e a região passa a ser, entre os
sertões carapicuibano e itapecericano, com o Rio Cotia e a
exuberante Floresta de Morro Grande pelo meio, um dos mais
importantes celeiros de abastecimento à Villa piratininga, como no-
lo diz o Morgado de Matheus, capitão-general da Capitania no Séc.
XVIII.
Já no Séc. XX, e a aproveitar os erros técnicos de agronomia
daquele ciclo agro-pecuário colonial, os japoneses da Cooperativa
Agrícola transformam Cotia na trilha hotifrutigranjeira de maior porte
no Brasil e o primeiro grande ponto de agronegócio da América.
1
A Bússola Aquífera
Os colonos portugueses e castelhanos dos Sécs XVI e XVII não
prestam atenção na sinalização aqüífera que o Piabiyu [Caminho do
Peru // Caminho do Sul – trilha ancestral e continental da Nação
guarani] lhes oferece, e raramente analisam os quês da ramificação
do próprio Piabiyu entre o planalto da Villa piratininga e o resto da
América do Sul. O que os nativos guaranis escondem? Nada. São
os colonos que não entendem a sua sobrevivência: o Piabiyu
assenta sobre um lençol d´água subterrânea continental – o
Aqüífero Guarani é a bússola natural dos povos nativos que
percorrem o caminho ancestral.
2
Entre a Tropa & o Tropeirismo
A atenção dos colonos, do ´500´ e do ´600´, está voltada não para
a riqueza agronômica da terra, mas para a riqueza das pedras
preciosas [ouro, prata, diamante...], e a sua ação agro-pecuária é,
então, de subsistência e de apoio aos comboios que fazem as
entradas sertão adentro, ou como bandeira [terra firme] ou como
monção [fluvial].
Na época, utiliza-se a denominação portuguesa combóio para
sinalizar um grupo de pessoas que parte em busca de algo. A
designação tropa surge com a logística castelhana que vai buscar
esse nome ao vocábulo germânico trupp, e só no final do Séc. XVII
é que, e com os castelhanos
[é o súdito de Castela que domina a
arte da criação de cavalos e de muares
a partir de Buenos Aires, depois que os jesuítas
iniciaram tal tarefa fundamental nessa região]
homens, cavalos e mulas, enfrentam os caminhos das ramificações
do Piabiyu, do Rio Grande até Sorocaba e daqui para a Villa
piratininga, para depois alcançar o traçado do Rio de Janeiro,
quando o negócio assim o exige.
Os portugueses aprendem rápido com os castelhanos. O primeiro
grande tropeiro é Cristóvão Pereira que, 1731, sai do sul e conduz
tropa de 800 animais passando por São Paulo com destino a Minas.
A meio caminho entre o norte e o sul, Sorocaba vem a ser escolhida
como ponto de registro ideal para as tropas e aí inicia-se a grande
feira tropeira, a primeira bolsa de valores do agronegócio.
Também a meio caminho entre Sorocaba e São Paulo, a velha
Koty guarani fica como ponto de apoio logístico às tropas que
sobem e descem o Piabiyu. A velha aldeia faz jus à sua destinação
nativa: ponto de encontro.
Ainda com os castelhanos, os portugueses aprendem que não
basta “deixar gado cavalar e bovino ao deus-dará”, pois, “animais e
peões exigem o mínimo de conforto”. Daí surgem os grandes
ranchos à semelhança das estâncias estabelecidas na Argentina,
no Paraguai, em Santa Catarina e no Rio Grande – uma tradição
milenar do Povo Basco, que vem a tornar-se, nos Pampas, a
tradição gaúcha. Assim, grandes ranchos são estabelecidos, por
exemplo, em Cubatão, em Cotia, em São Roque, no Una e em
Araçariguama.
3
Tropeiros de Cotia
[Koty, Cuty, Cutia, Cotia]
A historiografia registra que em Cotia existem agropecuários que
não ficam só no “a ver passar a tropa”... Aprendem o que é a Tropa,
vão à feira tropeira sorocabana e aí observam como se desenvolve
o negócio.
Lá por 1807, o cutiano [natural da Cutia] Antônio Manuel Borba
inclui numa tropa alheia, na qual aluga espaço, três bestas para
serem negociadas. Anos depois, em 1828, o cotiano [Cutia passa a
ser designada por Cotia] José Maria Oliveira César possui tropa no
caminho de Santos e ganha 400 mil-réis por ano. No mesmo ano,
1828, o cotiano José Joaquim, “exposto na casa do vigário João
Gonçalves de Lima, 32 anos, é negociante tropeiro de animais do
sul”.
É em tal registro da Cotia do Séc. XIX que surge pela primeira vez
escrita, oficialmente, a designação tropeiro de animais.
4
do ciclo agropecuário-tropeiro
ao agronegócio nipo-brasileiro
Com o grande ciclo tropeiro-mineração (Sécs. XVI a XIX)
esgotado economicamente, os ciclos cafeeiro e industrial passam a
dominar a Sociedade brasileira; mas um grande acontecimento,
ainda no Séc. XIX, no ano 1888, determina uma alteração estrutural
e mental na antiga colônia portuguesa: a Abolição da Escravatura.
Com isso, o ciclo cafeeiro-industrial precisa de mão-de-obra sob
contrato com direitos assegurados, e, principalmente, de pessoas
qualificadas tecnicamente, tanto na área rural quanto na industrial.
O novo evento sócio-profissional proporciona a contratação de
pessoas de outros países: do Japão, no início do Séc. XX [ano
1906], a Companhia Imperial de Emigração nipônica envia ao Brasil
os técnicos Ryu Myzuno e Teijiro Suzuki para verificarem as áreas
rurais de fixação dos novos colonos em São Paulo. E logo, em
1907, o Estado paulista assina acordo para receber 3.000
emigrantes do Japão até 1910. Uma das regiões incluídas no roteiro
daqueles técnicos é Cotia, a oeste da Capital e entrada do velho
sertão do Piabiyu, de tradição agro-piscatória do Povo Guarani.
A Mina De Ouro Verde
Entre 1908 e 1910, japoneses reúnem-se na região de Cotia e
iniciam a plantação de horti-granjeiros, mas com especial atenção
para a batata.
Desde os tempos das Entradas e Bandeiras, a região de Cotia é
considerada “de terra fraca para a lavoura”, mas os japoneses
descobrem que a terra foi mal tratada nos tempos coloniais e fazem
do velho Piabiyu (que o Império português havia fechado à
circulação de bens e de pessoas, no Séc. XVI) uma mina de ouro
verde... Daqui vai surgir a primeira cooperativa agrícola das
Américas – a CAC.
Cinturão Verde & Cooperativismo
Com as atividades rurais dos japoneses, forma-se entre Cotia [e
as suas regiões de Caucaia do Alto e Vargem Grande] e Ibiuna o
primeiro Cinturão Verde da Grande São Paulo, popularizado como
Cinturão Caipira, tendo a CAC como polo centralizador.
1927
[20 de Dezembro]
Decididos a tomarem conta dos próprios negócios, os agricultores
japoneses do Bairro Moinho Velho, em Cotia, organizam-se e
fundam a Cooperativa Agrícola Cotia [CAC].
Desde a fundação da CAC o Brasil não é mais o mesmo: respira o
progresso através da própria terra. O povo brasileiro aprende, com
os japoneses, que a terra é um bem natural que deve ser
acarinhado e preservado.
O que os japoneses, e já agora, os nipo-brasileiros, têm a ver com
o velho tropeirismo?
Tudo.
Isso mesmo: tudo.
A saber:
habituado a uma sobrevivência de agricultura arcaica, mas com
técnicas de adaptação sofisticadas, o japonês vê no traçado do
Piabiyu aquilo que portugueses e castelhanos acharam por ´bem´
ignorar: a raiz aqüífera de veio continental que levava os guaranis
aos extremos sul-americanos tendo sempre como se alimentar e
orientar.
Então, frutas-raizes podem ser plantadas e puxarem outras
culturas no traçado sudeste das tropas de muares, e onde os
bandeirantes aproveitaram para formar locais de abrigo, que, em
alguns casos, viraram aldeias enquanto as aldeias nativas viraram
vilas.
O japonês vê a terra como um diamante bruto a ser lapidado e,
aprofundando-se na sua luminosidade de húmus e água, encontra
nos velhos locais o traçado ideal para estabelecer a vida – a vida
que só o alimento bem cultivado assegura ao ser humano.
Tal sabedoria coloca o japonês na rota dos guaranis, por isso, a
CAC estabelece pontos de agronegócio em toda a linha que serviu
o tropeirismo, de São Paulo a Sorocaba passando pelo Paraná e o
Rio Grande do Sul.
O sucesso da CAC só se entende quando se percebe a
importância fundamental que o Piabiyu volta a ter na economia do
Brasil, e aqui se acha, também de novo, a velha Cotia.
5
A Finalizar
A primeira terra americana a receber o cavalo foi Cuba, em 1493.
Já o Brasil vem a receber esse animal de extrema importância para
o desenvolvimento econômico, em geral, quase um século depois
com o castelhano Cabeça de Vaca: em 1541 desembarca com 26
cavalos e éguas. E, mais de um século depois, e porque a mula é o
animal de carga que melhor se adapta aos acidentes geográficos
brasileiros, principalmente no percurso do Piabiyu, é que o cavalo
ganha espaço econômico entre as estâncias sulistas e os ranchos
paulistas, paranaenses e mineiros.
Além da Araçariguama do ouro e do algodão, Cotia é uma das
regiões que se adapta ao ciclo econômico do tropeirismo e dá,
assim, continuidade à sua vocação para entroncamento de serviços
agropecuários e logísticos, sempre na rota das comitivas.
Na trajetória agropecuária e tropeira de Cotia no traçado do
Piabiyu está a essência histórica que a coloca entre as regiões que
ajudaram a formar o Brasil a partir do oeste da Villa piratininga.
E depois, com os japoneses, o Brasil conquista a sua primeira
modernidade econômica através da CAC tendo o nome Cotia
projeção nacional e mundial
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– JOSÉ CUSTÓDIO DE SÁ E FARIA / ENGENHEIRO-MILITAR E DESBRAVADOR DA
URBANIDADE COM O MORGADO DE MATHEUS & GOVERNADOR DE RIO GRANDE DE SÃO
PEDRO. Palestra. Embu e Sant´Anna de Parnaíba / Br., 1994.
– UMA ANÁLISE AO FILME ´A MISSÃO´ [ROLAND JOFFÉ, 1986] NA ÓPTICA DO
GENIO MERCANTIL JESUÍTICO. Artigo. Jornal ´Treze Listras´, Cotia/Br., 1991.
MARCONDES, Renato Leite, & SUPRINYAK, Carlos Eduardo – MOVIMENTO DE TROPAS NO CENTRO-SUL DA COLÔNIA: ASPECTOS ESTRUTURAIS DO MERCADO DE ANIMAIS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII. Estudos Históricos, Vol. 40, pp.47-69. Rio de Janeiro / Br., 2005.
MOREIRA, Sando César – O LEGADO DA CULTURA TROPEIRA. 2010.
RIBEIRO, José Hamilton – OS TROPEIROS. 2006.
TOLEDO, Francisco Sodero – ASPEREZA DO CAMINHO DO OURO. Revista UNIVAP, v. 1, p. 1-78.
São José dos Campos / Br., 2005.
Instituições Consultadas p/ Dados & Mapas Arquivo da Torre do Tombo [ATT], Ofícios da
Chancelaria. Lisboa/Pt.; Arquivo Histórico Ultramarino / Projeto Resgate [Doc´s da Capitania de São
Paulo. Vários e Coleção Mendes Gouveia; Doc´s da Capitania de Santa Catarina; Doc´s da Capitania do
Rio Grande de São Pedro. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro [consultas eletrônicas].
Alguns dos mapas foram pinçados da importante tese acadêmica COISAS DO CAMINHO /
TROPEIROS E SEUS NEGÓCIOS DO VIAMÃO À SOROCABA [1780-1810], de Tiago Luis Gil,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Br., 2009; outros mapas e fotos são do Arquivo Particular de
João Barcellos, ou pinçados em fontes eletrônicas [Web] de consulta pública.
João Barcellos Escritor/Conferencista