o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

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WAGNER RODRIGUES MARQUES O ATUAL NÍVEL DE TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Coronel Paulo Roberto Vilela Antunes. Rio de Janeiro 2014

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Page 1: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

WAGNER RODRIGUES MARQUES

O ATUAL NÍVEL DE TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.

Orientador: Coronel Paulo Roberto Vilela

Antunes.

Rio de Janeiro 2014

Page 2: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

C2014 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________

Assinatura do autor

Biblioteca General Cordeiro de Farias

Marques, Wagner Rodrigues. O Atual Nível de Terceirização Logística das Forças Armadas

Brasileiras / Wagner Rodrigues Marques. - Rio de Janeiro: ESG, 2014.

45 f.

Orientador: Coronel Paulo Roberto Vilela Antunes. Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2014.

1. Terceirização Logística. 2. Forças Armadas – Brasil. 3. Forças

Armadas – Estados Unidos. I.Título.

Page 3: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

À minha família, especialmente minha

esposa e filhos, cuja presença e apoio

me motivam a querer ser um ser humano

melhor.

Page 4: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

AGRADECIMENTOS

Aos estagiários da melhor Turma do CAEPE, pelo convívio harmonioso de

todas as horas.

Ao Corpo Permanente da ESG, pelos ensinamentos e orientações, que me

possibilitam refletir de forma mais crítica sobre os destinos do nosso grande Brasil.

Page 5: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

RESUMO

Esta monografia analisa a atual situação de terceirização logística das Forças

Armadas brasileiras. O objetivo do presente trabalho é identificar novas

oportunidades de terceirização logística para as Forças Armadas brasileiras, bem

como propor sugestões que visem à otimização das atuais iniciativas de

terceirização. Para tanto, inicialmente, serão apresentados exemplos atuais de

terceirizações logísticas levadas a efeito no âmbito das Forças Armadas dos

Estados Unidos da América, bem como exposto o contexto jurídico-institucional que

respalda tais práticas, com destaque para o contido na Circular A-76 do Escritório de

Gerência e Orçamento daquele país, que estabelece a sua política de terceirização.

Em seguida, após fornecer informações sobre a base legal que circunscreve o

assunto no Brasil, serão apresentadas as principais dificuldades enfrentadas pelas

Forças Armadas brasileiras no processo de terceirizar e expostos os principais

exemplos de terceirização. A metodologia adotada comportou uma pesquisa

bibliográfica de cunho qualitativo, a coleta de dados junto a oficiais do Exército

Brasileiro e da Força Aérea Brasileira, além da experiência do autor como oficial da

Marinha do Brasil.

Palavras chave: Terceirização Logística. Forças Armadas – Brasil. Forças Armadas

– Estados Unidos.

Page 6: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

ABSTRACT

This monograph analyzes the current situation of logistics outsourcing at Brazilian

Armed Forces. This work’s goal is to identify new opportunities for logistics

outsourcing at Brazilian Armed Forces, as well as to propose suggestions aimed at

the optimization of the current initiatives of outsourcing. To this end, initially, will be

presented current examples of logistics outsourcing undertaken in the United States

of America Armed Forces, as well as exposed the legal and institutional context that

supports such practices, with emphasis on the contained in Circular A-76 from the

Office of Management and Budget of that country, which establishes its policy of

outsourcing. Then, after providing information on the legal basis which circumscribes

the subject in Brazil, will be presented the main difficulties faced by the Brazilian

Armed Forces in the process of outsourcing and exposed the main examples of

outsourcing. The adopted methodology has involved a qualitative bibliographic

research, data collection with officers of the Brazilian Army and the Brazilian Air

Force, in addition to the author's experience as a Brazilian Navy officer.

Keywords: Logistics Outsourcing. Armed Forces – Brazil. Armed Forces – United

States of America.

Page 7: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

COGESN Coordenadoria-Geral do Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear

COMRJ Centro de Obtenção da Marinha no Rio de Janeiro

EB Exército Brasileiro

EUA Estados Unidos da América

FA Forças Armadas

FAB Força Aérea Brasileira

FISC Fleet and Industrial Supply Center

GAO General Accounting Office

LPFG Lista de Preços de Fornecedores de Gêneros

MB Marinha do Brasil

OM Organização Militar/Organizações Militares

PFI Private Finance Iniciative

PMC Private Military Companies

PNR Próprios Nacionais Residenciais

PPP Parceria Público-Privada

PVP Prime Vendor Program

SPV Subsistence Prime Vendor

SPVP Subsistence Prime Vendor Program

SRP Sistema de Registro de Preços

TCU Tribunal de Contas da União

VA Department of Veterans Affairs

VFM Value for money

Page 8: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 8

2 TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA – CONCEITOS E HISTÓRICO .............. 12

2.1 LOGÍSTICA .............................................................................................. 12

2.2 TERCEIRIZAÇÃO .................................................................................... 14

3 TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA DAS FORÇAS ARMADAS DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (EUA) .............................................. 16

3.1 POLÍTICA NORTE-AMERICANA DE ESTÍMULO À TERCEIRIZAÇÃO ... 16

3.1.1 Evolução da Circular A-76 no período de 1999 até a atual versão, expedida em 29 de maio de 2003 .......................................................... 17

3.1.2 Dificuldades na condução dos processos de terceirização ............... 20

3.1.2.1 Riscos associados à terceirização logística ............................................. 20

3.1.2.2 Moratória nas terceirizações do Departamento de Defesa norte-americano ................................................................................................. 21

3.2 PRIVATE MILITARY COMPANIES (PMC) ............................................... 21

3.3 PRIME VENDOR PROGRAM (PVP) ........................................................ 22

3.3.1 Subsistense Prime Vendor Program (SPVP)........................................ 23

4 TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS ......................................................................................... 26

4.1 PRINCIPAIS DIFICULDADES .................................................................. 26

4.1.1 Valores despendidos pelas Forças Armadas brasileiras ................... 26

4.1.2 Base legal ................................................................................................ 26

4.2 INICIATIVAS DE TERCEIRIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS .......................................................................................... 28

4.2.1 O Sistema de Registro de Preços (SRP) .............................................. 29

4.3 NOVAS POSSIBILIDADES DE TERCEIRIZAÇÃO .................................. 31

4.3.1 Realização conjunta de processos licitatórios .................................... 31

4.3.2 Parceria Público-Privada (PPP) ............................................................. 32

4.3.2.1 PPP inglesa .............................................................................................. 33

4.3.2.2 Exemplos de PFI ...................................................................................... 36

4.3.2.2.1 Construção e manutenção predial ............................................................ 36

4.3.2.2.2 Construção e manutenção de meios militares .......................................... 37

4.3.2.3 Possibilidades para as FA brasileiras ....................................................... 38

5 CONCLUSÃO .......................................................................................... 39

REFERÊNCIAS ........................................................................................ 42

Page 9: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

8

1 INTRODUÇÃO

A logística é um ramo do conhecimento humano cujo desenvolvimento muito

deve aos militares. De Sun Tzu até hoje, os avanços verificados nos conhecimentos

logísticos são, em grande medida, prova da capacidade criativa e do esforço dos

militares. Entretanto, a partir da Segunda Guerra Mundial, o setor empresarial,

particularmente o norte-americano, vislumbrou o quanto poderia lucrar com a

logística, assumindo, a partir de então, os rumos dessa atividade.

As Forças Armadas (FA) brasileiras, ao longo de sua história, notabilizaram-

se pela constante busca por práticas modernas de administração, que contribuíssem

com a condução de sua missão. Se assim já o foi no passado, quando o orçamento

militar permitia, com relativa facilidade, a manutenção do nível de aprestamento do

seu pessoal e do seu material, mais intenso e incansável deve, pois, ser seu ímpeto

em direção ao novo nos dias atuais, em que as restrições orçamentárias por que as

FA têm passado impõem-se como fator condicionante de mudanças. Assim, nada

mais natural e salutar que se busquem exemplos nas experiências de outras

organizações, como as empresas e outras FA.

Nesse contexto, as Forças Armadas dos Estados Unidos da América (EUA)

têm sido importante fonte de conhecimentos operativos e administrativos para os

militares brasileiros, razão por que o presente trabalho será conduzido a partir da

identificação e análise de informações relativas a práticas logísticas daquelas

Forças.

Uma dessas iniciativas diz respeito à terceirização logística, em que,

observadas as condicionantes legais, se transfere para a iniciativa privada a

execução de tarefas não centrais ao esforço logístico militar, cujos resultados

podem, comprovadamente, contribuir para a otimização na aplicação dos recursos

colocados à disposição das FA.

O presente trabalho busca resposta para a seguinte indagação: Qual o atual

nível de terceirização logística das Forças Armadas brasileiras?

Nessa busca, inicialmente, são apresentados alguns dados sobre o assunto,

a fim de contextualizar a importância do seu estudo, sendo, em seguida, procedida a

identificação de experiências atuais de terceirização logística no âmbito das FA

norte-americanas que possam ser utilizadas como exemplos para as FA brasileiras,

Page 10: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

9

bem como apresentada a base legal e institucional que respalda a prática dessas

atividades naquele país.

Com base nas informações disponibilizadas, é procedida, então, análise que

permita identificar as principais dificuldades com que se deparam as FA brasileiras

na tentativa de promover a terceirização logística de suas atividades de forma

análoga ao observado nos EUA.

Por fim, concluindo este trabalho, são analisadas as citadas dificuldades,

buscando a identificação das possibilidades de que dispõem as nossas FA para

implementar práticas que se configurem como de terceirização logística.

As questões abordadas neste trabalho são relevantes, considerando,

inicialmente, a trajetória do autor, oficial intendente da Marinha do Brasil (MB), o qual

atuou na área de logística daquela Força, além de ter sido oficial de intercâmbio com

a Marinha dos Estados Unidos da América nessa área de conhecimento. Ademais,

exerceu funções na área orçamentária da MB.

Outro fator que indica a importância deste estudo, de natureza social,

relaciona-se à busca da otimização na aplicação dos recursos colocados à

disposição das FA, bem como a permitir o atendimento mais efetivo do atual nível de

especialização requerido dos sistemas logísticos das FA.

Por fim, a relevância acadêmica do assunto é evidenciada, em razão da

existência de inúmeros trabalhos acadêmicos sobre o tema terceirização da logística

militar, em particular daqueles elaborados no âmbito das escolas militares brasileiras

de altos estudos e da escola naval de pós-graduação norte-americana. Neste

aspecto, o presente estudo tem por propósito ampliar o conhecimento sobre o

assunto.

O estudo sobre as principais iniciativas de terceirização logística no âmbito

das FA será conduzido, tendo por base a evolução verificada na logística. O

processo de terceirização iniciou-se nos EUA, por ocasião da Segunda Guerra

Mundial, com as indústrias de material bélico transferindo determinadas tarefas para

outras empresas, como resultado do crescimento na produção de armamentos.

Assim, observa-se que a terceirização foi motivada pela necessidade de as

empresas norte-americanas dedicarem-se às atividades essenciais ao atendimento

do esforço de guerra, deixando as acessórias para outras empresas (GIOSA, 2004).

No Brasil, a terceirização é bastante comum e tem aumentado com a

evolução da logística. No período de 1998 a 2003, a terceirização brasileira ampliou-

Page 11: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

10

se em 47%, passando de 41 para 60% o índice de terceirização logística brasileiro

(FIGUEIREDO, 2004).

Em relação às práticas observadas nos EUA, o estudo tem por objetivo

identificar experiências atuais de terceirização, que possam servir como exemplo

para as FA brasileiras, bem como avaliar a base legal e institucional daquele país,

de que se destaca sua política de estímulo à terceirização de atividades não centrais

à atuação estatal – chamadas de atividades comerciais –, promulgada em 1955.

Essa política é regulada pela Circular A-76 do Escritório de Gerência e Orçamento

daquele país. Esse documento apresenta a política dos EUA relativa ao

desempenho de atividades não centrais ao estado, estabelecendo procedimentos

que permitam determinar se uma atividade comercial deva ser terceirizada ou não

(ESTADOS UNIDOS, 2003).

No Brasil, as iniciativas de terceirização logística no âmbito das FA são

levadas a efeito, tendo como principais condicionantes legais: Constituição Federal

(1988); Lei no 8.666 (1993); Lei no 10.520 (2002); Lei no 11.079 (2004); Decreto-Lei

no 200 (1967); Decreto no 5.450 (1995); e Decreto no 2.271 (1997).

O autor formulou a seguinte hipótese para o presente trabalho: As Forças

Armadas brasileiras ainda não esgotaram os benefícios que podem ser obtidos com

o processo de terceirização logística.

O estudo foi realizado por meio de uma pesquisa bibliográfica de cunho

qualitativo, visando a: expor a base teórica que envolve o assunto, a fim de

identificar as possíveis vantagens e os principais cuidados que devem ser

observados no processo de terceirização logística, considerando a prática

empresarial; contextualizar o tema terceirização logística no âmbito das FA norte-

americanas, particularmente, considerando o disposto na política de estímulo à

terceirização daquele país; e analisar a base legal que circunscreve o assunto no

Brasil, conforme marcos teóricos apresentados.

Foi, ainda, realizada uma pesquisa sobre as iniciativas de terceirização

logística das FA brasileiras, a partir da coleta de dados junto a oficiais do Exército

Brasileiro (EB) e da Força Aérea Brasileira (FAB). Em relação à Marinha, o autor se

valeu do seu próprio conhecimento. Procurou-se, também, obter junto àqueles

oficiais as principais dificuldades enfrentadas pelas FA no processo de terceirização

logística.

Page 12: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

11

Por fim, buscou-se, com base na análise das informações obtidas, a

identificação de novas possibilidades de terceirização no âmbito de cada FA.

O trabalho, além desta Introdução, está estruturado nos seguintes Capítulos:

Terceirização logística – conceitos e histórico; Terceirização logística nas Forças

Armadas dos Estados Unidos da América (EUA); Terceirização logística nas Forças

Armadas brasileiras; e Conclusão.

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12

2 TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA – CONCEITOS E HISTÓRICO

2.1 LOGÍSTICA

Traga material bélico, mas tome as provisões do inimigo. Assim, o exército terá alimentação suficiente para suas necessidades. A pobreza do erário público obriga um exército a ser mantido com contribuições vindas de longe. Contribuir para manutenção de um exército distante leva o povo ao empobrecimento (CLAVELL, 1998, p. 23).

Mesmo sem conceituar logística, há mais de 2.000 anos, Sun Tzu, no texto

acima, já enfatizava a necessidade de serem consideradas determinadas questões

no planejamento de um exército, que mais tarde passariam a ser definidas como

logística. Desde então, a importância desse segmento do conhecimento humano foi

sendo, cada vez mais, reafirmada no contexto militar, tornando-o fator decisivo em

um combate.

Entretanto, apenas no século XIX, a logística assumiu seu sentido moderno,

o que veio a acontecer por meio dos trabalhos de CLAUSEWITZ e JOMINI (BRASIL,

2003).

Clausewitz dividia a guerra em tática e estratégia. Apesar disso, seus

trabalhos reconheciam a existência, na Guerra, de várias atividades que lhe dão

suporte, contribuindo para a preparação da mesma (BRASIL, 2003).

O termo logística foi usado pela primeira vez por Jomini, que a conceituou de

forma semelhante a Clausewitz, associando-a às tarefas destinadas ao preparo e

sustentação de campanhas. Jomini via a logística como uma ciência voltada para o

estudo dos detalhes de um Estado-Maior (BRASIL, 2003).

Apesar das contribuições desses grandes estudiosos, somente com as

teorias elaboradas pelo Tenente-Coronel Thorpe, do Corpo de Fuzileiros Navais

norte-americano, houve conscientização de que a logística era, de fato, uma ciência.

Em 1917, Thorpe lançou o livro Logística Pura: a ciência da preparação para a

guerra. Para Thorpe, caberia à logística proporcionar os meios necessários à

condução de operações militares; sendo competência da estratégia e da tática o

estabelecimento dos esquemas de condução das citadas operações. Com isso,

logística, estratégica e tática foram, pela primeira vez, posicionadas em mesmo nível

dentro da arte da guerra (BRASIL, 2003).

Page 14: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

13

A importância de Thorpe pode ser avaliada pelo comentário do Almirante

Henry Eccles1, em 1945, ao afirmar que, se os ensinamentos de Thorpe tivessem

sido observados pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, seu país teria

economizado milhões de dólares (BRASIL, 2003).

Os resultados obtidos pelos EUA na Segunda Guerra Mundial,

particularmente considerando os grandes feitos logísticos daquele país, foram fator

decisivo para que a logística fosse incorporada ao ambiente empresarial. Em 1950, a

logística foi introduzida no currículo da Universidade de Harvard, nos cursos de

Engenharia e Administração de Empresas. Atualmente, a logística é considerada

fator preponderante na gestão empresarial, estando sua importância diretamente

relacionada ao nível de competitividade e especialização decorrente do fenômeno

da globalização (GALLO, 1998).

No Brasil, a importância da logística tem crescido, acompanhando a

tendência mundial. A maioria das grandes empresas situa a logística como atividade

estratégica, cuja prática contribui diretamente com a criação de vantagem

competitiva, possibilitando a redução de custos e o aumento da qualidade dos

produtos ofertados pela empresa (FIGUEIREDO, 2004).

As Forças Armadas do Brasil utilizam o seguinte conceito para logística

militar: “Logística Militar é o conjunto de atividades relativas à previsão e à provisão

dos recursos e dos serviços necessários à execução das missões das Forças

Armadas.” (BRASIL, 2002).

Verifica-se que, passados quase 200 anos, as Forças Armadas brasileiras

adotam definição cuja essência não difere muito do conceito de logística formulado

por Jomini, no século XIX. Tal fato demonstra a consistência temporal do assunto,

no âmbito militar; a despeito das inúmeras práticas logísticas inovadoras, às quais os

militares brasileiros devem procurar manter-se atualizados. Uma destas práticas é a

terceirização, que, embora não represente atividade recém concebida, manifesta-se

por formas ainda não devidamente exploradas pelos militares.

1 O Almirante Eccles foi Chefe da Divisão de Logística do Almirante Nimitz, durante a campanha do

Pacífico. É considerado o pai da logística moderna.

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14

2.2 TERCEIRIZAÇÃO

Terceirização é definida como relação de negócios baseada em confiança

mútua, abertura, compartilhamento de riscos e recompensas, permitindo, desta

forma, a criação de vantagens competitivas para as partes, que redundarão em

desempenho mais do que proporcional ao que as empresas alcançariam

individualmente (FIGUEIREDO, 2004).

Como se verifica da definição anteriormente apresentada, a terceirização

não visa à simples transferência de parte das atividades desempenhadas por uma

empresa para terceiros. Ela tem por objetivo permitir que a parceria estabelecida

resulte em vantagens mútuas. O efeito sinérgico é característica fundamental da

terceirização. Com ela, empresas associam-se em parceria na qual cada uma se

concentrará no desempenho de suas competências centrais.

Segundo Figueiredo (2004), uma empresa que opta por terceirizar parte de

suas atividades, normalmente, estará em busca de:

redução nos investimentos em ativos, caracterizada pela troca de custo

fixo por custo variável – menor risco para a empresa,

utilização da capacidade tecnológica do parceiro,

redução de custos; reestruturação interna,

flexibilidade para adaptação a mudanças no mercado,

melhoria da produtividade,

aquisição de novos conhecimentos.

Existem, conforme Figueiredo (2004), determinadas condições que devem

ser observadas em um processo de terceirização, como condição do sucesso do

empreendimento, das quais, citam-se:

em face da relevância e abrangência do processo, a decisão de

terceirização deve vir da alta gerência da empresa, pois se trata de

decisão estratégica para a mesma,

o provedor deve conhecer perfeitamente o seu papel, a sua

responsabilidade, bem como as expectativas do seu cliente,

os gerentes devem ser devidamente informados a respeito dos

benefícios decorrentes da terceirização e motivados a trabalharem em

Page 16: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

15

prol do sucesso da mesma, a fim de eliminar eventuais resistências ao

processo,

sistema de feedback nos dois sentidos, de modo a que cliente e

provedor possam corrigir falhas porventura identificadas,

estabelecimento de padrões e o seu consequente monitoramento.

Figueiredo (2004) identifica, ainda, alguns fatores que podem levar ao

fracasso de um projeto de terceirização:

perda de controle do processo por parte do cliente,

desconfiança do cliente quanto à capacidade de o provedor oferecer

serviço no mesmo nível de antes da terceirização,

dificuldade em avaliar os ganhos da terceirização,

apreensão dos empregados quanto à manutenção de seus empregos,

relegar a segundo plano os custos escondidos no processo de

terceirização,

erro no planejamento de uma saída estratégica. Uma empresa que

decide terceirizar necessita ter algum plano contingente para o caso de a

parceria ser desfeita.

Em face do acima exposto, pode-se afirmar que a terceirização, se

implementada de forma planejada e controlada, tem grande possibilidade de trazer

vantagens às organizações envolvidas com a parceria.

Page 17: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

16

3 TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA DAS FORÇAS ARMADAS DOS ESTADOS

UNIDOS DA AMÉRICA (EUA)

Conforme citado no capítulo anterior, a terceirização é um processo que

valoriza a especialização, de forma a permitir que as empresas envolvidas na

parceria possam concentrar seus esforços na execução das atividades para as quais

possuam competências centrais. Em decorrência desse processo, normalmente, as

empresas beneficiam-se da sinergia. Dentro desse contexto, nada mais natural que

as Forças Armadas norte-americanas tenham utilizado a terceirização como

caminho para a sua profissionalização.

As Forças Armadas dos EUA possuem inúmeras experiências de

terceirização bem sucedidas, cuja análise permite identificar importantes práticas

logísticas que podem ser utilizadas nas FA; sendo necessários, em determinados

casos, pequenos ajustes, especialmente no que se refere a diferenças de legislação

entre os dois países. No presente capítulo, serão apresentadas e analisadas

algumas dessas práticas.

3.1 POLÍTICA NORTE-AMERICANA DE ESTÍMULO À TERCEIRIZAÇÃO

Os EUA promulgaram, em 1955, sua política de estímulo à terceirização de

atividades não centrais à atuação estatal – chamadas de atividades comerciais –,

que determinava:

É a política geral da administração que o Governo Federal não iniciará ou conduzirá qualquer atividade comercial para prover um serviço ou produto para seu uso próprio, se tal produto ou serviço puder ser obtido de uma empresa privada por intermédio dos canais ordinários de negócio

2 (ESTADOS UNIDOS, 1955).

A partir de 1966, essa política passou a ser regulada pela Circular A-76 do

Escritório de Gerência e Orçamento daquele país. Esse documento apresenta a

política dos EUA relativa ao desempenho de atividades não centrais ao estado,

estabelecendo procedimentos que permitam determinar se uma atividade comercial

deva ser terceirizada ou não.

Em relação às atividades comerciais, define que:

2 “It is the general policy of the administration that the Federal Government will not start or carry on

any commercial activity to provide a service or product for its own use if such product or service can be procured from private enterprise through ordinary business channels.” ”

Page 18: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

17

[...] A política duradoura do governo federal tem sido de confiar no setor privado para suas necessidades de serviços comerciais. Para assegurar que o povo Americano receba o máximo valor pelos impostos pagos, as atividades comerciais devem ser submetidas à força da competição [...]

3

(ESTADOS UNIDOS, 2003).

A análise do referido documento permite interessantes considerações sobre

a forma com que o assunto terceirização é tratado nos EUA. Primeiramente, chama

a atenção o fato de a política em questão permanecer em vigor, desde 1955,

caracterizando-se, inequivocamente, como política de estado.

Outro ponto digno de registro refere-se à visão claramente liberal contida no

documento em pauta, que valoriza a competição, a liberdade e a iniciativa individual.

Nesse contexto, acrescenta-se que, a despeito de a Circular em análise determinar

que o Governo não deva competir com seus cidadãos, a mesma determina que a

terceirização seja feita com base em comparação de custos efetiva, na qual todos os

custos sejam apropriadamente considerados em base justa e realista.

Merece destaque, ainda, a previsão contida nesse dispositivo legal de que

todos os órgãos federais, inclusive os militares, submetam, anualmente, ao Escritório

de Gerência e Orçamento dos EUA, até 30 de junho, uma relação das atividades

comerciais e não comerciais desempenhadas por pessoal próprio do órgão; ou seja,

são informadas as atividades comerciais que, inicialmente, não foram terceirizadas,

bem como aquelas que são inerentes à atuação estatal. Essa relação, após análise

do Escritório de Gerência e Orçamento dos EUA, é enviada para o Congresso norte-

americano e disponibilizada para o público. Com base nas informações lançadas

nessa relação, aqueles que se sentirem prejudicados – empresas e sindicatos, por

exemplo – poderão questionar o porquê de determinadas atividades não terem sido

terceirizadas (ESTADOS UNIDOS, 2003).

3.1.1 Evolução da Circular A-76 no período de 1999 até a atual versão,

expedida em 29 de maio de 2003

A citada Circular, em sua versão de 1983 revisada em 1999, dispunha em

seu item 4, alínea a:

No processo de governar, o Governo não deve competir com seus cidadãos. O sistema de empreendimento competitivo, caracterizado pela

3 “The longstanding policy of the federal government has been to rely on the private sector for needed

commercial services. To ensure that the American people receive maximum value for their tax dollars, commercial activities should be subject to the forces of competition.”

Page 19: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

18

liberdade e iniciativa individual, é a fonte primária da força econômica nacional. Em reconhecimento a esse princípio, foi e continua a ser política geral do Governo confiar em fontes comerciais para fornecer os produtos e serviços de que o Governo necessita (ESTADOS UNIDOS, 1999, p. 1).

Determinava, ainda, aquela mesma versão da Circular A-76, no seu item 5,

alínea a:

Competição aumenta qualidade, economia e produtividade. Sempre que o desempenho, pelo setor comercial, de uma atividade comercial operada pelo Governo é permitido, de acordo com esta Circular e seu Suplemento, a comparação do custo de contratar e de executar internamente a atividade deve ser feita, a fim de determinar quem a executará. Quando conduzirem comparações de custo, os órgãos devem assegurar que todos custos sejam considerados e que estes custos sejam realistas e justos (ESTADOS UNIDOS, 1999, p. 1).

De acordo com relatório relativo aos resultados de um congresso sobre

atividades comerciais, realizado em 2002, a política de terceirização norte-americana

em questão não ficou isenta de críticas, tanto de funcionários federais quanto de

empresas privadas. Estas entendiam que o processo não era conduzido com a

devida isenção, privilegiando, muitas vezes, a manutenção dos empregos dos

funcionários federais. Por sua vez, os funcionários federais se sentiam

desvalorizados e profundamente desmotivados, pois julgavam que a utilização do

preço como critério exclusivo de avaliação não lhes permitia competir em igualdade

de condições com a iniciativa privada, além de não possuírem a prerrogativa,

conferida às empresas privadas, de recorrerem das decisões relativas ao processo

de terceirização. Outra crítica foi quanto ao tempo necessário para a conclusão de

um processo de comparação de custos previsto na Circular A-76; de acordo com o

Departamento de Defesa norte-americano, de 1997 a 2001, o tempo médio de

conclusão foi de 25 meses (ESTADOS UNIDOS, 2002).

Até 29 de maio de 2003, a deliberação quanto a terceirizar tinha por base,

exclusivamente, o menor custo. A partir de então, os órgãos envolvidos em um

processo de terceirização foram autorizados a selecionar a alternativa que ofereça o

melhor valor, valendo-se, para tal, de comparação da qualidade e do custo dos

funcionários próprios com os do setor privado. O próprio termo utilizado para

designar, na língua inglesa, o procedimento de terceirização foi alterado de

outsourcing (terceirização) para private-public competition (competição público-

privada), para melhor representar a mudança conduzida no processo, sendo, com

isso, dada ênfase à competição público-privada e não à simples transferência de

atividades para o setor privado (ESTADOS UNIDOS, 2003).

Page 20: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

19

Assim, observaram-se, basicamente, as seguintes alterações: a competição

passou a ser conduzida na busca do melhor valor e não unicamente do preço mais

baixo; e a contratação de uma empresa comercial passou a ocorrer, apenas se a

mesma for vencedora da citada competição.

A economia líquida proporcionada pela política de terceirização norte-

americana, nos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007 foi de, respectivamente,

US$ 1,1 bilhão, US$ 1,4 bilhão, US$ 3,1 bilhões, US$ 1,3 bilhão e 397 milhões;

totalizando US$ 7,2 bilhões, conforme relatório do Escritório de Gerência e

Orçamento dos EUA, publicado em maio de 2008 (ESTADOS UNIDOS, 2008).

Conforme relatório referente a congresso realizado em 2002 sobre

atividades comerciais, o processo previsto na Circular A-76 consiste, em geral, de

seis passos principais:

definição da performance do trabalho correspondente à atividade em

análise,

desenvolvimento de um plano de gerenciamento governamental, para

determinar a organização do governo mais eficiente, visando a criar

estímulos para os servidores públicos federais norte-americanos,

estimativa do custo para o governo, ou seja, mensurar o valor de

execução do trabalho com pessoal próprio do governo,

emitir uma solicitação para envio de propostas pelo setor privado,

selecionar a melhor proposta do setor privado e compará-la com a

estimativa de custos do órgão federal em pauta, selecionando a de

menor custo,

responder a qualquer recurso impetrado, tendo como base o processo

de apelação previsto na Circular A-76, que se destina a assegurar que

todos os custos sejam justos, precisos e calculados da maneira prescrita

na legislação vigente (ESTADOS UNIDOS, 2002).

Segundo esse mesmo relatório, as seguintes funções comerciais são

tipicamente sujeitas ao processo de terceirização indicado pela política norte-

americana: serviços de instalação; manutenção de equipamento aéreo; serviços de

manutenção nos equipamentos aeronavais; serviços logísticos; informação e

Page 21: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

20

comunicações; aquisição e operações de apoio; serviços de transporte; serviços de

treinamento e educação; e operações do Comissary4 (ESTADOS UNIDOS, 2002).

Com base nas informações supra, observa-se a importância do tema

terceirização para os EUA. A política consignada na Circular A-76 do Escritório de

Gerência e Orçamento, efetivamente, não se resume à mera definição de

procedimentos administrativos dos diversos órgãos do Poder Executivo norte-

americano; ela define mecanismos de acompanhamento e controle, prevendo,

inclusive, que qualquer empresa ou cidadão que se sinta prejudicado possa

questionar os atos praticados pelo Estado.

Outro ponto a destacar é a economia que tal política tem proporcionado ao

Tesouro dos EUA – 7,2 bilhões de dólares em 5 anos. Por fim, considerando 25

meses como tempo médio relativo à conclusão do processo de terceirização de uma

atividade, verificado de 1996 a 2001 no Departamento de Defesa norte-americano,

pode-se concluir que tal processo deva ser bastante criterioso.

3.1.2 Dificuldades na condução dos processos de terceirização

Não obstante os expressivos resultados alcançados, alguns dos quais acima

destacados, que comprovam o sucesso da terceirização logística nos EUA,

identificam-se algumas dificuldades com a prática dessa atividade, particularmente

considerando a experiência das FA daquele país.

3.1.2.1 Riscos associados à terceirização logística

Um dos principais riscos enfrentados pelas Forças Armadas norte-

americanas nos processos regidos pela Circular A-76 diz respeito à dificuldade de

definir o que, estrategicamente, deva ser terceirizado (DINWOODIE; HEROLD,

2011).

Essa dificuldade assume proporção bastante relevante, em face da

complexidade das demandas logísticas das forças militares daquele país. Nesse

contexto, uma crítica ao processo é centrada na excessiva ênfase, muitas vezes,

dada à simples redução imediata de custos, sem serem devidamente ponderados

4 O Comissary é uma rede de supermercados mantidos pelo Departamento de Defesa norte-

americano, que vende, basicamente, gêneros alimentícios a preços inferiores aos do mercado.

Page 22: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

21

aspectos que, em uma análise mais aprofundada, poderiam indicar que, no longo

prazo, seria mais benéfica a não terceirização (DINWOODIE; HEROLD, 2011).

Superada a questão estratégica – o que terceirizar –, isto é, definido que

será procedida a terceirização, inicia-se a fase operacional – como terceirizar –,

cujas críticas recaem, principalmente, sobre a dificuldade de execução e

acompanhamento dos acordos de parceria. Para Dinwoodie e Herold (2011), além

de critérios práticos e uniformes de avaliação das performances dos contratados, as

Forças Armadas daquele país precisam aperfeiçoar a qualificação do pessoal

diretamente envolvido com o gerenciamento dos contratos.

3.1.2.2 Moratória nas terceirizações do Departamento de Defesa norte-

americano

Em razão de problemas identificados em serviços terceirizados, ou em

processo de terceirização, no Centro Médico Walter Reed, do exército norte-

americano, localizado em Washington, DC, o Congresso daquele país, em 2008,

aprovou uma legislação que suspendeu, no âmbito do Departamento de Defesa

norte-americano, os processos de terceirização (GRASSO, 2013).

Basicamente, as questões que levaram a essa moratória guardam relação

com dúvidas quanto: às economias geradas pelos processos de terceirização; a

adequabilidade dos atuais mecanismos de supervisão de contratos; e a

possibilidade de que atividades militares centrais estejam sendo executadas por

empresas contratadas (GRASSO, 2013).

3.2 PRIVATE MILITARY COMPANIES (PMC)

Uma Private Military Company (PMC) ou Companhia Militar Particular pode

ser definida como uma empresa que oferece serviços que envolvam emprego

potencial de força e/ou a transferência desse potencial para clientes, por meio de

treinamento ou práticas, como suporte logístico, obtenção de equipamentos e

inteligência (ORTIZ, 2010).

As PMC surgiram no pós-Guerra Fria, como resultado das expressivas

reduções nos efetivos militares dos principais atores do período recém encerrado.

De forma repentina, contingentes bastante grandes de soldados profissionais foram

Page 23: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

22

dispensados. Entretanto, o fim da Guerra-Fria não representou a paz; ao contrário,

permitiu que conflitos, até então latentes, fossem potencializados. Com isso, aqueles

militares desmobilizados com o fim da Guerra-Fria passaram a oferecer seus

serviços de forma autônoma.

Vários países contratam PMC, particularmente aqueles que possuem um

grande número de militares envolvidos em conflitos fora de seus países, como os

EUA, para os quais as PMC prestam importante serviço na execução de tarefas de

apoio, permitindo que seus militares concentrem-se na execução de suas tarefas

centrais.

No caso brasileiro, o interesse despertado pelas PMC é reduzido. Caso o

Brasil venha a considerar a contratação de uma PMC, um ponto a ser discutido

refere-se ao questionamento quanto à legitimidade de atuação internacional das

referidas empresas.

3.3 PRIME VENDOR PROGRAM (PVP)

Em razão do vertiginoso crescimento dos estoques secundários – que

incluem suprimentos e sobressalentes, e que, no período de 1980 a 1988, elevou-se

em US$ 60 bilhões – administrados pelo Departamento de Defesa dos EUA, o

Senado daquele país solicitou ao General Accounting Office (GAO)5, que

corresponderia, no Brasil, à Consultoria-Geral da União, que comparasse as práticas

logísticas militares àquelas desempenhadas por empresas privadas e pelo

Department of Veterans Affairs (VA)6 (ESTADOS UNIDOS, 1991).

De forma a tornar mais fidedigna tal comparação, tendo em vista as

semelhanças entre as necessidades civis e militares, a mesma foi conduzida

considerando os estoques de suprimentos médicos. O Objetivo da comparação era

identificar práticas que possibilitassem, ao Departamento de Defesa norte-

americano, a redução de seus custos logísticos (ESTADOS UNIDOS, 1991).

Constatou-se que certas práticas observadas em hospitais civis poderiam

redundar em grandes economias para os militares daquele país. Uma delas, diz

respeito ao tamanho dos estoques militares mantidos, especialmente, em tempo de

5 A denominação foi General Accounting Office, de 1921 até 2004, quando foi renomeado para

Government Accountability Office. Fonte: wikipedia 6 “The United States Department of Veterans Affairs (VA) is a government-run military veteran benefit

system with Cabinet-level status”. Fonte: wikipedia.

Page 24: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

23

paz. Como resultado, tanto o Departamento de Defesa norte-americano, quanto o

Department of Veterans Affairs (VA), implementaram alterações nos seus

respectivos processos logísticos (ESTADOS UNIDOS, 1991).

Uma das principais mudanças sugeridas pelo GAO foi a de contratar prime

vendors para fornecer os suprimentos diretamente às instalações médicas. Essa foi

a gênese do Prime Vendor Program (PVP) (ESTADOS UNIDOS, 1991). Nessa

modalidade de contratação, a empresa selecionada se incumbe, na área a ela

adjudicada, pelo fornecimento de todos os itens que compõem a respectiva

categoria de material (ESTADOS UNIDOS, 2007).

No orçamento de 2006, as compras por intermédio do PVP totalizaram cerca

de US$ 7,25 bilhões, o que correspondeu, naquele ano, a 20% do total das

aquisições e contratações de serviços do Departamento de Defesa norte-americano

(ESTADOS UNIDOS, 2007).

A prática norte-americana indica que o PVP não se presta a todos os tipos

de suprimentos, sendo, para determinados materiais e serviços, mantida a

contratação tradicional. Em 2006/2007, a quantidade de categorias de

materiais/serviços submetidas ao PVP, que chegou a ser de 15, reduziu-se para 7, a

seguir detalhadas: material de reparo e manutenção; serviços de reparo e

manutenção; operações especiais; gêneros; material farmacêutico; material médico

e cirúrgico; e metais (ESTADOS UNIDOS, 2007).

3.3.1 Subsistense Prime Vendor Program (SPVP)

No final da década de 19907, a Marinha norte-americana implementou o

Subistense Prime Vendor Program. Esse programa consistia na seleção de

empresas de gêneros e a consequente assinatura de contratos, cujo objeto era o

fornecimento de gêneros às Organizações Militares (OM) da Marinha dos EUA

(MORCILLO, 2004).

A assinatura e execução desses contratos era atribuição dos Fleet and

Industrial Supply Center (FISC) – OM da estrutura de apoio da Marinha norte-

americana. Os EUA, para efeito do apoio prestado pelos FISC, era dividido em 6

7 O autor exerceu a função de oficial de intercâmbio com a Marinha Norte-Americana, no período de

1997 a 1999, tendo acompanhado a implantação do Subsistence Prime Vendor Program no Fleet and Industrial Supply Center San Diego (FISC-SD).

Page 25: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

24

áreas, que englobavam, inclusive, as bases norte-americanas da Coréia e Japão

(MORCILLO, 2004).

O SPVP relativo à região de San Diego estabelecia que os pedidos de

gêneros dos navios e dos submarinos seriam entregues no Departamento de

Subsistência do Logistics Support Center (Centro de Apoio Logístico) – OM

subordinada ao FISC. Caberia, então, àquele Departamento o processamento

desses pedidos, encaminhando-os aos respectivos fornecedores, bem como

agendando as entregas e, por fim, executando os pagamentos correspondentes

(MORCILLO, 2004).

O SPVP era executado por um número pequeno de empresas. No caso de

San Diego, em 2003, tratavam-se de oito empresas, das quais a de maior

participação no programa, denominada Subsistence Prime Vendor (SPV), respondia

pela entrega de itens secos, resfriados e congelados. As demais empresas

respondem pela entrega de leite, de laticínios, de pães e de outros produtos de

panificação (MORCILLO, 2004).

O SPV mantinha um representante no Departamento de Subsistência do

Centro de Apoio Logístico, a fim de resolver qualquer problema identificado na

entrega de gêneros aos navios (MORCILLO, 2004).

Os contratos relativos ao SPVP estabeleciam que a taxa de atendimento dos

itens solicitados não fosse inferior a 98%. Como gerente do contrato, competia ao

Departamento de Subsistência do Centro de Apoio Logístico o acompanhamento

quanto ao cumprimento desta e de outras exigências contratuais (MORCILLO,

2004).

Concluído o recebimento, cabia ao navio enviar ao Departamento de

Subsistência do Centro de Apoio Logístico as respectivas notas fiscais devidamente

certificadas, a fim de permitir o correspondente pagamento (MORCILLO, 2004).

Observa-se, a partir das informações deste capítulo, que o SPVP trouxe

vantagens inquestionáveis a seus usuários, tanto aos navios, quanto ao pessoal do

Departamento de Subsistência do Centro de Apoio Logístico. Os primeiros, com o

SPVP, precisavam, apenas, planejar seus pedidos e os encaminhar ao

Departamento de Subsistência do Centro de Apoio Logístico; a própria atividade de

recebimento do material – como exposto no parágrafo seguinte – podia ser realizada

por pessoal terceirizado. Com relação ao Departamento de Subsistência do Centro

de Apoio Logístico, com o SPVP, verificou-se redução no número de empresas que

Page 26: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

25

lhe prestavam serviços, além de ter, à sua disposição, representante do SPVP a

auxiliá-lo na solução de eventuais problemas no atendimento dos navios.

Embora não vinculado ao SPVP, cita-se outra iniciativa de terceirização, que

permite entender como o assunto é tratado nos EUA. Visando a facilitar o embarque

do material nos navios situados na Estação Naval de San Diego, foi assinado, pelo

FISC, um contrato com uma empresa de estivadores. Com isso, em caso de

utilização dos serviços da citada empresa, eram necessários apenas alguns militares

para efetuarem acompanhamento e controle da atividade de recebimento

(MORCILLO, 2004).

Page 27: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

26

4 TERCEIRIZAÇÃO LOGÍSTICA DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS

Nesta seção, serão apresentadas algumas iniciativas de terceirização das

FA brasileiras, bem como serão identificadas as principais dificuldades para a

implementação de um processo de terceirização no Brasil, sendo, ainda, indicados

eventuais caminhos que possam ser utilizados, para fazer face às citadas

dificuldades.

Por fim, serão analisadas algumas atividades cujas características

favoreçam um eventual processo de terceirização.

4.1 PRINCIPAIS DIFICULDADES

4.1.1 Valores despendidos pelas Forças Armadas brasileiras

O processo de terceirização, como anteriormente apresentado, fundamenta-

se em parceria na qual as partes associam-se em relação de mútuo interesse.

Diferentemente do observado com as Forças Armadas norte-americanas, cujos

orçamentos anuais atraem empresas de grande porte, no caso do Brasil, os valores

despendidos com a defesa são, relativamente, pequenos, fazendo com que as

Forças Armadas brasileiras não sejam consideradas clientes preferenciais pelas

grandes empresas.

Contribui, ainda, negativamente em favor das nossas Forças Armadas, o

fato de o orçamento de defesa ser muito menos centralizado que nos EUA.

4.1.2 Base legal

Distintamente do contexto jurídico norte-americano, em que a terceirização

é, por força de lei, uma regra, no Brasil a terceirização nos serviços públicos segue

normas que tornam sua prática muito mais restrita, como será exposto.

Em seu art. 10, § 7º, o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967,

procurou estimular a execução indireta de atividades não centrais, ao prever que:

Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. [..] § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e contrôle e com o objetivo de impedir o

Page 28: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

27

crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução. (BRASIL, 1967)

Contudo, o determinado no art. 1º do Decreto nº 2.271, de 7 de julho de

1997, conformou a atual restrição que se observa sobre o tema, ao determinar que:

Art . 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta. § 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal. (BRASIL, 1997)

Cumpre registrar, ainda, o estipulado no art. 37, inciso II, da Constituição

Federal brasileira:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [..] II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (BRASIL, 1988).

Por fim, destaca-se a jurisprudência manifestada pelo Tribunal de Contas da

União (TCU) no Acórdão nº 2.390/2012:

É pacífico nesta Corte de Contas que a terceirização somente pode ocorrer nos limites definidos legalmente, não se admitindo a terceirização de serviços atinentes à área finalística dos órgãos e entidades (Acórdãos 2085/2005, 1520/2006, 4730/2009, 1466/2010, todos do Plenário). Ainda, em diversos momentos, o TCU determinou a anulação de licitações, tendo em vista que os serviços de fiscalização de obras a serem contratados poderiam e deveriam ser realizados por servidores do próprio órgão (Acórdãos 32/2010-TCU-Plenário e Acórdão 607/2008-TCU-Plenário). (TCU, 2012)

Em face do contido nos diplomas legais e jurisprudência supra mencionados,

constata-se que a execução de qualquer atividade estatal, para a qual exista uma

categoria funcional no plano de cargos do respectivo órgão ou entidade, somente

poderá ser executada de forma direta por servidor que obtenha aprovação em

concurso público.

Page 29: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

28

Associada a essa restrição e, de certa forma, confundindo-se com ela,

verifica-se a diferença de tratamento que o Brasil e os EUA conferem ao assunto.

Dessa forma, considerando o contexto jurídico que circunscreve o assunto

no Brasil, as iniciativas de terceirização são levadas a efeito, a partir das

possibilidades previstas, basicamente, nas seguintes legislações:

Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece normas para

licitações e contratos da Administração Pública – incluindo-se eventuais

contratos de terceirização (BRASIL, 1993); e

Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, que instituiu, no âmbito da União,

Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI,

da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão,

para aquisição de bens e serviços comuns (BRASIL, 2002);

Decreto no 5.450, 31 de maio de 2005, que regulamenta o pregão, na

forma eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns (BRASIL,

2005); e

Decreto no 7.892, de 23 de janeiro de 2013, que regulamenta o Sistema

de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666/93 (BRASIL,

2013).

4.2 INICIATIVAS DE TERCEIRIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS

No presente capítulo, serão indicadas, genericamente, as principais práticas

conduzidas pelas Forças Armadas brasileiras, que objetivem a otimizar suas

estruturas logísticas, por meio da transferência de atividades logísticas para a

iniciativa privada. Serão consideradas, ainda, iniciativas que proporcionem maior

integração logística, por intermédio da centralização de atividades.

Com base em levantamento feito junto a oficiais do EB e da FAB, a cujo

acervo incorporam-se as informações de que dispõe o autor sobre a MB, as

principais iniciativas de terceirização observadas nas FA brasileiras, além daquelas

previstas no Decreto nº 2.271, de 7 de julho de 1997 – que não serão objeto do

presente trabalho –, dizem respeito, basicamente, a:

reparo e manutenção de bens móveis (viaturas, aeronaves; e

embarcações) e reparo e manutenção de bens imóveis – em que se

Page 30: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

29

transfere diretamente para a iniciativa privada a execução do respectivo

serviço, incluindo, em determinados casos, o fornecimento do material

de reparo necessário,

transporte de material,

fornecimento direto às OM de diversas categorias de material, como

gêneros e medicamentos – neste caso, temos, preponderantemente, as

vantagens decorrentes da redução de estoques, conforme observado no

PVP.

Em que pesem as dificuldades anteriormente identificadas, constata-se que

as Forças Armadas brasileiras têm buscado, quando possível, valer-se dos

benefícios decorrentes da terceirização, tendo-se observado que um dos principais

mecanismos utilizados na busca de viabilização de parcerias com a iniciativa privada

é o Sistema de Registro de Preços (SRP).

4.2.1 O Sistema de Registro de Preços (SRP)

Instituído com a Lei 8.666/93, o SRP encontra-se regulamentado pelo

Decreto 7.892/13, que o define como: “conjunto de procedimentos para registro

formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para

contratações futuras” (BRASIL, 2013).

O SRP permite terceirizar atividades de forma semelhante ao SPVP, da

Marinha norte-americana, embora a legislação brasileira não ofereça a flexibilidade

necessária à realização de um processo de terceirização idêntico ao verificado no

SPVP.

O SRP é o caminho indicado no art. 15 da citada Lei para a obtenção de

bens e a contratação de serviços, sempre que existirem as seguintes condições

básicas: as características do bem ou do serviço exigem contratações frequentes;

demanda imprevisível; necessidade de parcelamento das compras ou da execução

de serviços; e necessidade de atendimento de vários órgãos (BRASIL, 1993).

Ele decorre de uma licitação nas modalidades de concorrência ou pregão,

trazendo como principais vantagens:

possibilidade de realização de um procedimento licitatório, definindo o

objeto com base na quantidade estimada da compra (ou do serviço). Em

Page 31: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

30

uma licitação que não vise ao registro de preços, é condição necessária

ter o objeto quantitativamente definido,

permite que as necessidades de vários órgãos sejam incluídas em um

mesmo procedimento licitatório, competindo a cada órgão,

individualmente, caso deseje, formalizar a contratação da empresa

adjudicada, bem como os atos consequentes, como o pagamento,

em uma licitação que não objetive a registrar preços, uma vez encerrada

e adjudicado o respectivo objeto ao licitante vencedor, está criada a

obrigatoriedade de contratação, caso não existam, naturalmente, razões

de interesse público que justifiquem a não contratação. Em uma licitação

relativa ao SRP, a legislação autoriza a não contratação,

os créditos orçamentários relativos à obtenção/prestação de serviços

serão necessários apenas quando da respectiva contratação, o que

proporciona grande flexibilidade, diminuindo o impacto decorrente do

recebimento de créditos muito próximo ao final do exercício. Em uma

licitação não associada ao registro de preços, o crédito orçamentário ou

a expectativa quanto ao seu recebimento deverá anteceder ao início do

procedimento licitatório (BRASIL, 2013).

Em contraste com as vantagens acima indicadas, o SRP não deve ser

utilizado de forma indiscriminada, pois possui algumas desvantagens, como:

produtos cujos preços têm forte impacto com a variação do dólar podem

inviabilizar o processo, em face da dificuldade de o contratado manter

seu preço,

muitas empresas evitam o registro de preços, por receio quanto aos

riscos envolvidos (greves, aumento na taxa de juros e falta de matéria-

prima, por exemplo).

Comparando-se os prós e contras acima identificados, observa-se que o

SRP reúne condições bastante favoráveis à realização de procedimentos licitatórios

que se destinem, especialmente, à contratação de empresas para atendimento de

várias Organizações Militares.

Page 32: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

31

Como exemplo dessa utilização, cita-se o Centro de Obtenção da Marinha

no Rio de Janeiro (COMRJ)8, que, desde 2001, tem se valido das características do

SRP, já citadas. O COMRJ utiliza o SRP, por exemplo, para registro de preços de

itens que compõem a Lista de Preços de Fornecedores de Gêneros (LPFG). Essa

Lista é composta de vários itens e permite que qualquer OM da MB, situada ou em

trânsito no Grande Rio, efetue suas aquisições diretamente junto aos fornecedores

adjudicados em licitações conduzidas por aquele Centro, o que reduz sensivelmente

o encargo administrativo das OM beneficiadas por essa sistemática.

4.3 NOVAS POSSIBILIDADES DE TERCEIRIZAÇÃO

Ainda com base no levantamento quanto às atuais práticas de terceirização

logística verificadas nas FA brasileiras, constata-se que, não obstante as

dificuldades elencadas, existe potencial para implementação de novas iniciativas.

4.3.1 Realização conjunta de processos licitatórios

Uma das dificuldades identificadas nas práticas de terceirização logística das

FA brasileiras diz respeito à reduzida escala de nossas contratações. Visando a

ampliar nosso poder de barganha, com o aumento na demanda, seria bastante

interessante que determinados materiais e serviços, a serem selecionados pelas FA,

fossem contratados com base em processos licitatórios elaborados considerando as

necessidades globais das FA.

Novamente, temos o SRP como ferramenta que poderia viabilizar a

efetivação dessa iniciativa, que conjuga o aumento da escala à redução nos

encargos administrativos associados à realização de um procedimento licitatório.

Importante destacar que a presente proposta prescinde da unificação dos

orçamentos das FA, na medida em que, conforme exposto, o SRP permite a

centralização em um mesmo processo licitatório das necessidades de diversos

órgãos, sendo a eventual contratação da empresa adjudicada, bem como os atos

dela decorrentes, realizados individualmente por cada órgão participante da citada

licitação.

8 O COMRJ foi a primeira OM da MB a utilizar-se do SRP, tendo o autor exercido a função de Chefe

do Departamento de Obtenção daquele Centro, no período de janeiro de 2001 a março de 2003.

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32

Essa iniciativa, além das vantagens já elencadas, levaria a que as FA

brasileiras, naturalmente, buscassem o desenvolvimento conjunto das

especificações de determinados itens e serviços.

4.3.2 Parceria Público-Privada (PPP)

Em razão da falta de recursos para investimentos públicos, países europeus,

há pouco mais de vinte anos, vislumbraram o setor privado como forma de viabilizar

novos empreendimentos estatais. Nesse contexto, surgiu a Parceria Público-Privada

(PPP) (SOUZA, 2013).

No Brasil, os contratos de PPP encontram-se normatizados na Lei nº 11.079,

de 30 de dezembro de 2004, que estabelece:

Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na

modalidade patrocinada ou administrativa. § 1

o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de

obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995,

quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2

o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que

a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. § 3

o Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim

entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei n

o 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver

contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 4

o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada:

I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. [...] Art. 5

o As cláusulas dos contratos de parceria público-privada atenderão ao

disposto no art. 23 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, no que

couber, devendo também prever: I – o prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação; (BRASIL, 2004).

Contudo, essa forma de parceria ainda acha-se em estágio bastante

incipiente no Brasil, conforme exposto por Bittencourt (2011):

Após seis anos de vigência da Lei Federal das PPP, verifica-se, com desalento, não obstante a euforia inicial na edição do diploma, a implementação de poucos projetos. Na prática, a ferramenta, muito elogiada por todos, permanece apenas como a grande promessa de alavancagem de vários projetos de infraestrutura que o País necessita. (BITTENCOURT, 2011)

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33

Reitera Bittencourt (2011, p.25 apud SOUZA, 2013) que “o alicerce para a

adoção da PPP reside na ideia de que projetos importantes para o país – que, por

falta de recursos públicos, seriam postergados – poderão vir a ser desenvolvidos

com a participação da iniciativa privada”.

Em 2006, o Tribunal de Contas da União elaborou relatório, no qual analisou

os modelos de PPP, no contexto nacional e internacional (TCU, 2006).

Nesse documento, aquele Tribunal avalia, dentre outras experiências, as

práticas britânicas, tendo registrado que:

Especificamente na área de controle, a experiência inglesa foi analisada com maior grau de detalhamento, considerando que:

As formas de controle adotadas pelo National Audit Office (NAO)9 se

baseiam numa longa experiência de projetos de PPP que já se encontram em fase de implementação;

O NAO é responsável por elaborar sistemáticas de controle consistentes e validadas empiricamente nos vários projetos de PPP existentes na Inglaterra; e

Informações relevantes que representam o estágio atual de controle na Inglaterra foram disponibilizadas pela equipe do NAO. [...] A avaliação da experiência em termos de PPP difere de um país para outro. Destacam-se muitos pontos positivos que prevalecem no caso inglês, o que justifica, de alguma maneira, a longa experiência desse país. [...] Condicionado, simultaneamente, por nossas peculiaridades jurídico-institucionais e pela atratividade do modelo inglês, o Brasil optou por um modelo de PPP baseado no sentido jurídico da concessão na tradição francesa e no sentido econômico anglo-saxônico (TCU, 2006, grifo nosso)

4.3.2.1 PPP inglesa

Para os ingleses, o termo parceria público-privada possui um sentido muito

mais abrangente do que o utilizado no Brasil, referindo-se a qualquer parceria

estabelecida entre um órgão público e uma empresa privada (TCU, 2006).

Genericamente, as PPP são definidas como um acordo, normalmente de

longo prazo, em que os setores público e privado pactuam o compartilhamento de

riscos, com o propósito de obter um resultado desejado de política pública (IFSL,

2003 apud TCU, 2006).

A Inglaterra foi pioneira na implementação de iniciativas que visam à

diminuição do papel do Estado. Nesse contexto, a PPP, cujo conceito foi

9 Órgão do governo britânico, responsável por examinar os gastos públicos em nome do Parlamento,

similar ao Tribunal de Contas da União no Brasil..

Page 35: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

34

desenvolvido na década de 90, foi uma das principais medidas implementadas por

aquele governo em seu processo de reestruturação administrativa levada a efeito no

final do século passado (BRITO; SILVEIRA, 2005).

As principais justificativas para a adoção das PPP na Inglaterra são:

[...]

A expectativa de melhoria nos serviços públicos;

A crença de que as empresas privadas podem ser mais eficientes e melhor geridas do que as empresas públicas;

A expectativa de melhoria do value for money (eficiência) no uso dos recursos públicos, em benefício da sociedade;

A possibilidade de transferência e compartilhamento de riscos com o setor privado;

A expectativa de transferência de know how do setor privado para o setor público;

A superação de dilemas fiscais, ante a possibilidade de contínua prestação de serviços públicos, por meio de participação de recursos privados; e

O engajamento dos cidadãos e grupos cívicos na governança e no monitoramento dos serviços (IFSL, 2003; HM Treasury, 2003, 2006 apud TCU, 2006)

Não obstante a importância atribuída às questões fiscais, verifica-se que o

motivo preponderante para a adoção da PPP está diretamente associado à

perspectiva de que as expertises do setor privado possibilitem benefícios em termos

de value for money10 (VFM), além de permitir, em maior ou menor grau, a

transferência de riscos para a iniciativa privada (TCU, 2006).

Com base na experiência britânica, constata-se que as iniciativas contidas

no programa de Private Finance Iniciative (PFI), lançado em 1992 pelo governo

inglês, são as que mais se assemelham ao projeto de PPP observado no Brasil. O

PFI tem por propósito estimular que obras e serviços públicos sejam financiados

com recursos privados. Esse programa insere-se em um processo de modernização

da administração pública e, embora busque modernizar a infra-estrutura local, seu

objetivo prioritário relaciona-se à redução dos gastos públicos (COSSALTER, 2005

apud TCU, 2006).

O PFI tem permitido, àquele país, realizar investimentos elevados de capital,

sem a necessidade imediata de ressarcimento pelo setor público. Nele, sociedades

de propósito específico, normalmente formadas por grandes empreiteiras, são

contratadas para projetar, construir e, algumas vezes, operar novos projetos. Os

contratos, normalmente, vigem por trinta anos, em cujo período o objeto do contrato

10 “Value for money – termo utilizado no contexto inglês para se referir à combinação ótima custo/qualidade do projeto, de

forma a satisfazer as demandas do usuário” (HM Treasury, 2004 apud TCU,2006).

Page 36: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

35

é “alugado” pela autoridade pública (TCU, 2006), ou seja, o ente público passou a

desempenhar novos papéis, passando de proprietário e gestor para contratante do

serviço oferecido pelo entre privado (LEAHY, 2006 apud TCU, 2006).

No tipo mais usual de PFI, compete ao setor privado projetar, construir,

financiar e operar projetos, geralmente obras, tendo por parâmetro especificações de

desempenho definidas pelo ente público. Esse processo envolve, necessariamente,

a transferência, total ou parcial, de riscos para o privado, visando a garantir,

antecipadamente, VFM no emprego de recursos públicos (ALLEN 2001; VALILA

2005 apud TCU, 2006).

Em relação à utilização do PFI, constata-se que:

[...] o PFI vem sendo utilizado em 20 setores diferentes da economia inglesa. No entanto, os maiores demandantes dessa modalidade de relação público privada são:

O Ministério de Transportes, responsável por 22% dos projetos (em termos de valor capital);

O Ministério da Saúde, responsável por cerca de 16% dos projetos (117 projetos assinados até 2003);

O Ministério da Educação, responsável por cerca de 16% dos projetos (96 projetos assinados até 2003);

O Ministério da Defesa, com 46 projetos assinados, num total de £2,5 bilhões (TCU, 2006). Os PFI têm sido adotados em projetos de várias escalas e tamanhos: de projetos pequenos (como os serviços de Tecnologia da Informação - TI da Escola Comunitária de Littlehampton, no valor de £100.000) até no maior projeto de construção européia, o Channel Tunnel Rail Link (CTRL), no valor de £4 bilhões (Allen, 2001 apud TCU, 2006).

Um projeto de PFI é executado por intermédio de um contrato de concessão

em que o setor público define os resultados esperados do ente privado, quer se trate

de um serviço a ser prestado ou de uma obra a ser realizada. São estabelecidos,

ainda, parâmetros a serem utilizados no cálculo da respectiva contrapartida

pecuniária, decorrente do atingimento, em maior ou menor grau, dos resultados

estabelecidos no contrato. Esses resultados, normalmente, são determinados tendo

por base consultas formuladas aos futuros usuários dos bens e serviços a serem

contratados (TCU, 2006).

Essa gestão por resultados é princípio basilar de um projeto de PFI, sendo

catalisadora da busca por soluções inovadoras pelo setor privado. Nessa forma de

gestão, o ente público estabelece os níveis de desempenho desejados, sendo de

competência do ente privado formular propostas voltadas à satisfação daqueles

níveis. Os contratos de PFI, além de definirem procedimentos de pagamento

associados ao regime de desempenho, determinam, ainda, os níveis de provisão do

Page 37: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

36

serviço, de acordo com os resultados esperados pelo setor público (HM Treasury,

2003 apud TCU, 2006).

Ao discorrer sobre a efetividade das práticas de PPP inglesas, o TCU relata:

Em geral, a avaliação da experiência inglesa quanto às PPP é positiva. Um primeiro relatório, publicado pelo National Audit Office – NAO, em 1999, identifica que o PFI apresenta melhores resultados do que outras formas tradicionais de empreendimentos. O estudo destacou que apenas 30% dos projetos de construção não baseados em iniciativas para financiamento privado foram entregues em tempo e apenas 27% obedeceram aos limites orçamentários. Quanto ao desempenho desses projetos, a pesquisa mostrou que 70% deles foram entregues em tempo, sem aumentos de despesas a serem arcados pelo setor público (NAO, 1999 apud TCU, 2006). Outro relatório, publicado em 2002, indicou que 76% desses projetos foram entregues em tempo e/ou antecipados (NAO, 2002 apud TCU, 2006). Por outro lado, uma pesquisa do Tesouro identificou que 88% dos projetos foram entregues antes do tempo especificado. As duas pesquisas relataram que 78% dos projetos permaneceram nos limites do orçamento público e, em todos os casos, as mudanças nos preços foram impulsionadas por modificações nos requisitos do setor público, não sendo aumentos dos custos de construção. (HM Treasury, 2003, 2006 apud TCU, 2006). A avaliação do desempenho dos contratos de PFI também é considerada altamente positiva por outras pesquisas que destacam índices consistentemente altos, com cerca de 90% dos projetos PFI apresentando um desempenho satisfatório ou mais do que satisfatório, a cada ano, desde 1998 (PUK, 2006 apud TCU, 2006). Com relação à satisfação dos usuários, a pesquisa realizada pelo próprio Tesouro indicou que 80% dos usuários de serviços entregues por meio de projetos de PFI estão sempre ou quase sempre satisfeitos (HM Treasury, 2003, 2006 apud TCU, 2006).

4.3.2.2 Exemplos de PFI

A seguir, serão apresentados dois exemplos de PFI, os quais podem servir

de exemplos para as FA brasileiras.

4.3.2.2.1 Construção e manutenção predial

Em novembro de 2012, representantes da Coordenadoria-Geral do

Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear (COGESN)

realizaram visita à empresa Babcock International Group11, visando a:

captar conhecimentos referentes à implantação de Parceria Público-Privada (PPP), no Reino Unido, e obter subsídios necessários que possam contribuir na elaboração e execução da proposta de projeto de Parceria Público-

11

A Babcock Internacional Group é uma empresa britânica, especializada em serviços de infraestrutura e suporte, bem como em gerenciar a prestação destes serviços em unidades militares de diversos países do mundo, como por exemplo, Reino Unido, Canadá, Sri Lanka e Índia. (DIAS,

2012).

Page 38: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

37

Privada, para a construção e manutenção de PNR, para o pessoal que servirá nas instalações do Estaleiro e Base Naval e Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas, em Itaguaí, no estado do Rio de Janeiro. (DIAS, 2013).

Na ocasião, foi realizada visita a Royal School of Military Engineering, em

Chatham, onde aquela empresa, em decorrência da execução de um contrato de

PPP mantido com o Ministério da Defesa britânico, oferece moradias (apartamentos)

para militares ingleses solteiros, nas quais são proporcionadas as seguintes

facilidades:

[...]cozinha, lavadora e secadora de roupas, sala de estar, bicicletário e elevadores. Nas unidades individuais há: cama, armário, mesa de trabalho, banheiro e despensa. As acomodações dispõem de pontos para conexão à internet e TV por assinatura mediante contrato particular dos ocupantes com as prestadoras de serviço, sendo responsabilidade da Babcock de levar o sinal de conectividade até o prédio. (DIAS, 2013)

A Babcock provê, ainda: serviços de alimentação; segurança; recepção;

monitoramento por câmeras de vigilância; controle de acesso; lazer (ginásios,

piscinas, academias de ginástica e campos de futebol); atividades culturais; limpeza;

manutenção predial; “call center” para atendimento dos moradores; serviços de

reprografia; apoio psicológico; e atendimento médico ambulatorial (DIAS, 2013).

Os indicadores de desempenho definidos pelo Ministério da Defesa inglês

são mensurados e avaliados em reuniões semanais, mensais ou semestrais, de

forma a subsidiar a definição quanto ao pagamento à contratada. Observou-se que a

correta definição desses parâmetros de avaliação, a serem incluídos nos contratos,

é primordial à efetiva execução dos serviços contratados (DIAS, 2013).

Constatou-se, também, que, visando a manter o equilíbrio na parceria, é

fundamental a existência de pessoal capacitado em negociação, fiscalização e

avaliação de contratos, tendo sido observado, nesse contexto, que as equipes do

Ministério da Defesa inglês e da Babcock, responsáveis pelo gerenciamento do

referido contrato, possuem pessoal altamente qualificado com cursos de nível

superior em gestão de PPP, sendo esse preparo considerado fundamental à

elaboração dos cadernos de encargos e consequente execução contratual (DIAS,

2013).

4.3.2.2.2 Construção e manutenção de meios militares

Em maio de 2012, representantes da Empresa Gerencial de Projetos Navais

(EMGEPRON) realizaram visita ao “[...]Reino Unido, visando conhecer os projetos

Page 39: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

38

da Marinha Britânica conduzidos sob a forma de Parceria Público-Privada (PPP)”

(MERON FILHO; TAVES, 2012).

Nessa visita, foram avaliados contratos de PPP assinados entre a Marinha

daquele país e a empresa Babcock, que têm por objeto a manutenção de navios e

cujo fundamento para mensuração do desempenho, e consequente pagamento,

associa-se ao atendimento de níveis de serviço e disponibilidade dos meios navais,

previamente estabelecidos, isto é, no contrato de PPP é definido, para determinado

meio naval, o nível de serviço e disponibilidade. Para tanto, o contratado deve prover

as necessidades logísticas, inclusive aquelas relacionadas às manutenções

requeridas, para atender à previsão contratual. Por intermédio dessa metodologia,

observaram-se menores imobilizações de pessoal e de material, em face da

significativa diminuição da força de trabalho envolvida com os serviços de

manutenção e com a redução dos níveis de estoques de sobressalentes (MERON

FILHO; TAVES, 2012).

4.3.2.3 Possibilidades para as FA brasileiras

Tendo em vista a experiência inglesa com os projetos de PFI, vislumbram-se

algumas possibilidades de aplicação nas FA brasileiras, das quais se podem

destacar:

construção e manutenção de meios militares, tais como navios e

aeronaves,

construção e manutenção predial, como de próprios nacionais

residenciais (PNR).

.

Page 40: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

39

5 CONCLUSÃO

Embora a logística tenha sido concepção militar, os impressionantes feitos

logísticos norte-americanos evidenciaram o quão lucrativas poderiam ser as

atividades relacionadas à logística. Com isso, o assunto passou a ser cientificamente

estudado, tendo-se verificado avanços bastante significativos. Atualmente, as

atividades logísticas encontram-se intimamente ligadas ao fenômeno da

globalização.

No Brasil, ainda que de forma mais tímida que nos EUA, a logística também

foi incorporada ao ambiente empresarial e seu crescimento está diretamente

associado à busca por melhores condições competitivas, de modo a permitir redução

de custos e aumento na qualidade dos produtos ofertados.

Uma prática que se tornou bastante característica do crescimento da

logística foi a terceirização. Motivada, inicialmente, pelas necessidades relacionadas

ao esforço de guerra verificado nos EUA, por ocasião da Segunda Guerra Mundial,

hoje, é prática corriqueira, que, se bem conduzida, leva, normalmente, a excelentes

resultados.

Como apresentado neste trabalho, os EUA, desde 1955, promulgaram sua

política de terceirização, por meio da qual as atividades não centrais à prática

estatal, denominadas atividades comerciais, passaram a ser transferidas para a

iniciativa privada. No início, o parâmetro exclusivo de comparação entre a tarefa

executada pelo servidor público e o privado era o custo. A partir de 2003, a

comparação foi ampliada, deslocando o foco para a qualidade de execução da

respectiva atividade. Com base nas informações disponibilizadas pelos diversos

órgãos norte-americanos sobre o assunto, os resultados obtidos são muito bons,

tendo-se obtido, no período de 2003 a 2007, economia superior a sete bilhões de

dólares. A leitura da citada política é bastante interessante, pois permite avaliar o

quão diferentes são os contextos dos EUA e do Brasil, em relação a este assunto.

Fazendo uma rápida comparação, pode-se, inequivocamente, afirmar que nos EUA

a terceirização das atividades não centrais à prática estatal é uma regra.

No âmbito das Forças Armadas norte-americanas, foi selecionado, para

análise, no âmbito do Prime Vendor Program (PVP), o Subsistence Prime Vendor

Program – SPVP, que é conduzido pela Marinha daquele país. Esse programa é

operacionalizado por meio de grandes contratos para fornecimento de gêneros,

Page 41: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

40

gerenciados por uma OM da estrutura logística daquela Marinha, sendo responsável

por inúmeras facilidades, tanto para o usuário final, o navio, quanto para a OM

gerenciadora dos citados contratos. No caso do navio, sua responsabilidade

restringe-se a enviar seus pedidos, receber o material e encaminhar as respectivas

notas fiscais certificadas para pagamento. Tanto o agendamento da entrega do

material, quanto o correspondente pagamento são feitos pela OM gerenciadora do

contrato, que, em seu benefício, terá à sua disposição um representante da

empresa, cujo contrato corresponda ao maior número de itens, que se incumbirá de

resolver os problemas de entrega eventualmente verificados.

A tentativa de transpor para a realidade da MB as práticas verificadas nos

EUA esbarra, inicialmente, em duas dificuldades principais. A terceirização

pressupõe interesses compartilhados sob a forma de parceria. No caso do Brasil,

observa-se que as Forças Armadas dispõem de orçamentos anuais cujos valores,

além de substancialmente menores, estão muito mais dispersos que nos EUA, não

motivando as empresas de grande porte a desejarem essa parceria. Outra

dificuldade decorre da inexistência de diplomas legais que flexibilizem, com os

necessários controles, práticas idênticas às realizadas pela Marinha norte-

americana.

A despeito dessas dificuldades, verificou-se que o Sistema de Registro de

Preços (SRP), por suas características, pode e tem sido utilizado pelas Forças

Armadas brasileiras como caminho para a terceirização de algumas de suas

atividades logísticas. Um exemplo desse tipo de prática, que em certa medida se

assemelha ao observado no SPVP da Marinha norte-americana, é levado a efeito

pelo Centro de Obtenção da Marinha no Rio de Janeiro (COMRJ), que centraliza a

formalização de procedimentos licitatórios com o propósito de registrar preços de

gêneros, que podem ser utilizados diretamente por qualquer OM situada ou em

trânsito pelo Grande Rio.

Como sugestão de aprimoramento às atuais iniciativas de terceirizações

logísticas, poder-se-ia, para um grupo de materiais e serviços previamente

selecionados, integrar as necessidade das três Forças Armadas, sendo realizados

procedimentos licitatórios que consolidassem a demanda global. Essa medida, além

de contribuir diretamente com o aumento da escala, o que poderia atrair a atenção

de grandes empresas, traria como benefício acessório o incentivo a que as Forças

Page 42: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

41

Armadas passassem a utilizar especificações comuns para muitos de seus materiais

e serviços.

Por fim, não obstante seu estágio incipiente no Brasil, avalia-se que as

Parcerias Público-Privadas, considerando resultados alcançados em outros países,

como na Inglaterra, podem ser uma interessante forma de terceirização, na qual se

recorre às capacidades do setor privado na busca de benefícios em termos de value

for money12 (VFM), e por meio da qual se observa, em maior ou menor grau, a

transferência de riscos para a iniciativa privada. Identificou-se, no âmbito das

iniciativas inglesas de PPP, o programa de Private Finance Iniciative (PFI) como o

que mais se assemelha à prática observada no Brasil, tendo aquele programa o

propósito de incentivar que obras e serviços públicos sejam financiados com

recursos privados. Dentro das experiências de PFI levadas a efeito pelo governo

britânico, duas se destacam pelo potencial de emprego pelas FA brasileiras, quais

sejam: a construção e a manutenção de meios militares, tais como navios e

aeronaves; e a construção e a manutenção predial, como de próprios nacionais

residenciais (PNR).

12 “Value for money – termo utilizado no contexto inglês para se referir à combinação ótima custo/qualidade do projeto, de

forma a satisfazer as demandas do usuário” (HM Treasury, 2004 apud TCU,2006).

Page 43: o atual nível de terceirização logística das forças armadas brasileiras

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