o associativismo como estratÉgia de reproduÇÃo … · 2012-09-25 · questões...

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1 O ASSOCIATIVISMO COMO ESTRATÉGIA DE REPRODUÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES AGROECOLÓGICOS DE CACOAL - RONDÔNIA Maria Aparecida dos Santos Tubaldini Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG [email protected] Juliana Martins Fonseca Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG [email protected] Lussandra Gianasi Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG [email protected] Resumo O presente trabalho possui como foco de estudo uma antiga área de expansão da fronteira agrícola brasileira e busca realizar uma reflexão acerca do papel das formas associativas em comunidades rurais de produção agroecológica como uma estratégia de luta pela permanência na terra e superação das adversidades de reprodução locais. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico dos conceitos pertinentes e o desenvolvimento de entrevistas com questões semi-estruturadas, por meio de uma metodologia qualitativa, em propriedades familiares participantes do projeto PAIS. O associativismo contribui para um debate entre as mais diversas perspectivas e ideias e é fundamentado no diálogo. Na área de estudo ele expressa uma relação dinâmica e permite que os agricultores melhor organizem suas atividades e o estreitamento dos laços entre os mesmos. Palavras-chave: Fronteira agrícola. Associativismo rural. Agroecologia. Introdução Os avanços tecnológicos empregadas para redução das restrições ambientais às práticas agrícolas promovidos pela Revolução Verde resultaram em um artificialismo do ambiente natural e uma dependência excessiva de insumos externos. Observam-se como efeitos imediatos desse cenário a perda da emancipação; a degradação dos recursos naturais; ampliação das desigualdades sociais, econômicas e de poder; a redução da sociabilidade dentre outros. Nesse sentido, diversos discursos e práticas socioeconômicas vêm sendo propostas e implementados como alternativa e nova prática de produção de alimentos. Reivindica-se o resgate e o respeito à diversidade sociocultural, aos aspectos físicos do espaço e às diferentes formas de produzir. Busca-se a (re)produção sustentável da sociedade através de programas alternativos de produção.

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O ASSOCIATIVISMO COMO ESTRATÉGIA DE REPRODUÇÃO DOS AGRICULTORES FAMILIARES AGROECOLÓGICOS DE

CACOAL - RONDÔNIA

Maria Aparecida dos Santos Tubaldini Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

[email protected]

Juliana Martins Fonseca Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

[email protected]

Lussandra Gianasi Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

[email protected] Resumo O presente trabalho possui como foco de estudo uma antiga área de expansão da fronteira agrícola brasileira e busca realizar uma reflexão acerca do papel das formas associativas em comunidades rurais de produção agroecológica como uma estratégia de luta pela permanência na terra e superação das adversidades de reprodução locais. Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico dos conceitos pertinentes e o desenvolvimento de entrevistas com questões semi-estruturadas, por meio de uma metodologia qualitativa, em propriedades familiares participantes do projeto PAIS. O associativismo contribui para um debate entre as mais diversas perspectivas e ideias e é fundamentado no diálogo. Na área de estudo ele expressa uma relação dinâmica e permite que os agricultores melhor organizem suas atividades e o estreitamento dos laços entre os mesmos. Palavras-chave: Fronteira agrícola. Associativismo rural. Agroecologia.

Introdução

Os avanços tecnológicos empregadas para redução das restrições ambientais às práticas

agrícolas promovidos pela Revolução Verde resultaram em um artificialismo do

ambiente natural e uma dependência excessiva de insumos externos. Observam-se como

efeitos imediatos desse cenário a perda da emancipação; a degradação dos recursos

naturais; ampliação das desigualdades sociais, econômicas e de poder; a redução da

sociabilidade dentre outros.

Nesse sentido, diversos discursos e práticas socioeconômicas vêm sendo propostas e

implementados como alternativa e nova prática de produção de alimentos. Reivindica-se

o resgate e o respeito à diversidade sociocultural, aos aspectos físicos do espaço e às

diferentes formas de produzir. Busca-se a (re)produção sustentável da sociedade através

de programas alternativos de produção.

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O presente artigoi possui como foco de estudo uma antiga área de expansão da fronteira

agrícola brasileira e busca compreender o papel das formas associativas em

comunidades rurais de produção agroecológica de horticultura para a alimentação básica

localizadas no município de Cacoal – RO, como uma estratégia que os agricultores

familiares utilizam na luta pela permanência no campo e como meio de superação às

adversidades de reprodução.

O município, localizado na região central de Rondônia, na Amazônia Setentrional,

possui em sua paisagem os signos de diversos ciclos econômicos e no momento de

implantação dos Projetos Integrados de Colonização foi adotado um modelo

tecnológico de produção agrícola balizado na Revolução Verde. Logo, está inserido nas

contradições da modernização do campo e torna-se um local fértil para a inserção dos

princípios agroecológicos adotando a nova racionalidade de produção – a agricultura

sustentável.

Nesse cenário de mudanças, os agricultores da região central de Rondônia apresentam

um destaque, porque absorvem novas tecnologias sociais, procedimentos ecológicos e

uma articulação com novos mercados que conduzem a conquista da segurança alimentar

e sobre a terra. A intensidade do associativismo na área decorre de conflitos que se

manifestaram de diferentes formas sobre o território. Destaca-se que as suas formas

associativas possibilitam a inserção em projetos de desenvolvimento rural e

concomitantemente, a troca de informação e estreitamento dos laços entre os moradores,

possibilitando a sua manutenção sobre um território de disputa.

Metodologia

Essa investigação foi efetivada através de uma revisão bibliográfica dos conceitos de

associativismo em Ricciardi e Lemos (2000), Araújo (2005), Costa & Ribeiro (2012) e

da colonização da área foco em Becker (2001, 2006), Oliveira (1986), dentre outros;

adicionada a uma investida de campo onde foram realizadas 31 entrevistas qualitativas e

semi-estruturadas e registros fotográficos nas hortas participantes do projeto.

Os dados de campo permitiram o entendimento de características físicas das

propriedades investigadas associadas à organização e variedade dos cultivos, estrutura,

conservação dos recursos naturais locais e das práticas de manejo do solo e de proteção

contra invasores biológicos. Posteriormente, ocorreu a organização de um banco de

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dados e geração de tabelas sobre as informações coletadas e a transcrição das falas das

entrevistas para trabalhar a oralidades dos sujeitos pesquisados, como importante

instrumento de entendimento dos objetivos propostos.

A ocupação e contradições do estado de Rondônia

A compreensão do modelo de ocupação do espaço rondoniense está associada a um

resgate histórico das estratégias de ocupação da região amazônica influenciadas pelo

modo de produção vigente em cada período histórico. O estado de Rondônia

permaneceu por longos anos quase inteiramente desabitado, ao contrário de outras áreas

da região norte. Becker (2006) credita três fases de ocupação do território amazônico

que também abarcam as etapas do desenvolvimento regional: i) Formação Territorial

(1616-1930), ii) período de Planejamento Regional (1930-1985) e iii) período da

Incógnita do‘Heartland’(1985-dias atuais).

O período de Formação Territorial é caracterizado como a ocupação do território e

definição dos limites físicos, ou seja, a fronteira amazônica. A coleta e exportação das

drogas do sertão são os principais atrativos e atividades desenvolvidas na região. Entre

os anos de 1930 e 1985, há um acelerado processo de ocupação incentivado pelo

Planejamento Regional proposto pelo aparelho estatal.

A doutrina de Segurança Nacional, introduzida durante o regime militar, incluía a

ocupação da Amazônia através da colonização agrícola (Becker, 2001). A estratégia de

ocupar a Amazônia foi lastreada por uma série de incentivos fiscais à agropecuária,

excetuando a produção do látex e coleta de castanhas pela população tradicional, pois

estas atividades eram consideradas atrasadas e não ocupavam efetivamente o território

(Diegues, 1993).

Os programas estatais “Marcha para o Oeste” em 1938, PIN (Programa de Integração

Nacional em 1970, PND I (Plano Nacional de Desenvolvimento) de 1972/1974 e PND

II entre os anos de 1975 e 1979 são estratégias para a “integrar para não entregar”.

Nessa fase, [...] tratava-se de tirar proveito econômico da utilização do espaço brasileiro, associado à disponibilidade de recursos humanos, com a aplicação de recursos do capital já assegurado às novas regiões. Proveito para apoiar a manutenção do crescimento acelerado e para a abertura de novas frentes na conquista de mercados externos. (Calvente, 1980, p.10).

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O período denominado Incógnita do ‘Heartland’ assinala a perspectiva socioambiental

para a conquista do crescimento endógeno dos habitantes. Os conflitos pela terra, dos

diferentes agentes sociais (indígenas, posseiros, grileiros e imigrantes) e ambientais

forçam a adoção de medidas para solucionar os problemas resultantes e apresentam uma

nova realidade da região amazônica.

A partir dessas considerações sobre a ocupação da região amazônica é possível realizar

uma reconstrução histórica da ocupação do estado de Rondônia. A primeira fase de

povoamento está referenciada ao período de expansão do colonizador português, entre

os séculos XVII e XVIII. Havia uma procura intensa pelo ouro por todo Brasil. Nesse

período, as características naturais que impossibilitavam a mobilidade sobre o espaço

associadas à ausência de um motivador de natureza econômica dificultavam a ocupação

do território rondoniense o que resultava em um vazio demográfico.

A área começa a ser procurada nos fins do século XIX, com o surgimento do ciclo da

borracha. Havia uma demanda mundial do produto o que incentivou a extração de

borracha na Amazônia. Outra justificativa é a seca nordestina que pressiona a migração

dessa população para a região norte. Esse novo motivador econômico favorece a

chegada de um grande contingente de imigrantes interessados na alta lucratividade do

extrativismo da goma elástica. Assim, intensifica-se e expandia-se a colonização

acompanhada de transformações culturais e sociais.

No início do século XX ocorreram novos impulsos a colonização devido à criação do

estado do Acre, a construção da ferrovia Madeira-Mamoré e a ligação telegráfica

instituída por Rondon. Essas intervenções realizadas sobre o espaço permitiram que

fossem abertas as portas a frente de expansão para a região amazônica. Ressalta-se que

esta população estava preferencialmente localizada próxima aos cursos d’água e depois

ao longo da ferrovia e linha telegráfica.

As atividades econômicas restringiam-se a produção extrativista, principalmente da

borracha e castanha-do-pará; a agricultura era de subsistência e a pecuária apresentava-

se pouco desenvolvida. Segundo Monte-Mor (1980), a região Norte que em 1872

apresentava uma população de 332.847 habitantes, elevou sua população para 695.112

habitantes em 1900 e atingiu 1.439.052 em 1920. A necessidade de braços na atividade

extrativista do látex, na construção da ferrovia e da linha atraiu uma expressiva

população para a região.

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A desvalorização da borracha no mercado, a partir da década de 1920, promoveu uma

apatia econômica o que consequentemente incitou a busca por uma atividade

alternativa. A atividade mineral nos anos 50 surge como subsídio ao desenvolvimento

das populações desse espaço e marcam a terceira fase de colonização de Rondônia.

A terceira fase, determinada pela extração de minério de cassiterita, determinou, então,

novos rumos e tendências no desenvolvimento socioeconômico, exigindo para isto a

implementação de uma infra-estrutura que viabilizasse a produção, exportação e

comercialização deste minério (Valverde, 1979). Surgem assim, tentativas de implantar

estradas que ligassem as áreas produtivas aos parques industriais do eixo São Paulo-

Rio-Minas Gerais. A construção de rodovias coincidiu com os projetos de integração da

Amazônia e o êxodo rural dos trabalhadores das lavouras que passavam pelo processo

de mecanização do sudeste.

As transformações econômicas e sociais que ocorriam no restante do país em 1960

condicionaram a forma de organização e ocupação do espaço rondoniense. Há a

implantação de diversos tipos de redes de integração espacial: rodoviária, urbana,

telecomunicações, hidroelétrica e a instalação de sedes estatais e instituições privadas.

Na região amazônica, como um todo, a prioridade é a construção da rodovia Belém-

Brasília e da Transamazônica.

Em Rondônia, inicia-se a quarta fase a rodovia Cuiabá-Porto Velho (BR-364) que é

considerada um novo elemento dinamizador e reestruturador do espaço, pois determina

novas atividades produtivas e intensifica as relações econômicas com as regiões centro-

sul e sudeste. A inauguração desta rodovia aliada à necessidade de alocação de

produtores excluídos no Sul e ao relativo insucesso da estratégia Transamazônica,

direcionou, definitivamente, as forças do Estado para a colonização agrícola de

Rondônia (Souza & Pessôa, 2007).

A criação do estado de Rondônia resultou em um arranjo territorial brasileiro, essencial

à garantia de equilíbrio social do país. Observa-se, desse modo, que esse espaço é um

receptáculo das populações que vivenciavam crises e conflitos nas demais regiões

brasileiras, conflitos esses localizados especialmente nas áreas incorporadas e

pressionadas pelas relações de mercado. Muitos dos migrantes entrevistados relataram

as dificuldades existentes na sua reprodução nos seus estados de origem e suas

expectativas sobre as terras nessa área de fronteira. No trecho abaixo, um agricultor

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revela as dificuldades vivenciadas em um momento anterior a migração para a área de

fronteira e suas expectativas para a área. O começo da história, que é... quando a gente tava no Espírito Santo, a gente era diarista, a gente trabalhava na diária pros’outro. Saímo de lá e fomos pro Paraná pra melhorar de situação. Chegamos lá e caímo na diária de novo. Viu que não tava dando, fui pra capital de São Paulo e trabalhei dois anos, cobrano, e também não deu pra mim também, falei, aqui não é o meu lugar. Me falaram que Rondônia tinha como conseguir terra e era paixão da gente conseguir uma terra pra gente trabalhar. Se a gente trabalhasse pros’otro... enquanto a gente trabalha pra gente, a gente melhorava. Então foi assim que nós fizemo. Aqui era mato puro. Viemo pra cá, entremo, com a mala nas costas. (José ii, Agricultor familiar).

A forma de ocupação do espaço rondoniense por diversos migrantes constrói um

complexo de interesses materiais e de sustento elaborados por distintas mentalidades e

representações culturais. Durante o trabalho de campo foi observada a diversidade na

questão da origem dos entrevistados, conforme demonstrado na figura 01. Observa-se

que a maioria dos entrevistados, cerca de 77%, possuem como local de origem o

Espírito Santo, seguido pelos estados do Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso

respectivamente. A heterogeneidade a que a fronteira se encontra submetida gera um

processo de transição e permanente tensão entre os diversos grupos sociais envolvidos.

FIGURA 01: Local de origem dos entrevistados.

Destaca-se o papel do INCRA no processo de ordenamento da estrutura fundiária do

estado e, consequentemente na organização do território. Como uma alternativa para

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absorver esse excedente populacional oriundo da mecanização do campo, das

intempéries climáticas ocorridas no sul do Brasil, da seca no Nordeste, da perda de

extensas áreas de lavouras para pragas, e a “incapacidade” da cidade em absorver e

atender a demanda dos novos cidadãos urbanos prestou como solução a fronteira

agrícola amazônica, conforme é destacado por Souza; Pessôa (2007). O então Território Federal de Rondônia constituiu-se, a partir de 1970, em um verdadeiro laboratório dos projetos militares para a Amazônia. Entre 1970 e 1978 foram instalados sete projetos dirigidos de colonização em Rondônia, com o assentamento de 23.210 famílias de colonos. Juntamente com as famílias instaladas nos projetos do Estado Militar, veio para o estado um imenso fluxo migratório espontâneo (Souza; Pessôa, 2007, p.5).

Na área de fronteira estes conflitos sociais variados, foram amenizados com a criação do

novo estado e a distribuição de terras, divididas em linhas e glebas, pelo Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e também pela ampliação de

gêneros agrícolas básicos para abastecimento da população que crescia no sudeste –

arroz e feijão.

As comunidades indígenas, os caboclos, os migrantes nordestinos, os migrantes sulistas,

quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e interioranos enfim, as populações que foram

desterritorializadas e ali reterritorializadas possuem formas peculiares de perceber e de

se relacionarem com a natureza. Em uma das entrevistas, um agricultor relata a sua

chegada e ocupação efetiva da área que ainda preservava muitas características naturais. Aí todo mundo já chegava e metia a moto-serra, o machado, né, e descia a mata no chão. E aí dirrubava, né. E aí depois, quando o INCRA começou a colonizar, era a mesma coisa. Quando você ganhasse o lote e não dirrubasse, tinha que dirrubar em pouco tempo, senão você acabaria passando pra outra pessoa. Então a orientação do INCRA era você derrubar a mata, né. Quando eu cheguei eu derrubei tudo, né. Eu também não tinha essa mentalidade naquela época, eu sabia da organização, mas saber da importância da floresta... (João iii, Agricultor familiar).

O estado, a partir do exposto, foi (re)construído principalmente por correntes

migratórias a partir da década de 1970. Em vista disso, contêm atualmente múltiplas

culturas, resignificadas nas imagens coletivas reconstruídas no decorrer da história por

colonos, soldados da borracha, pequenos agricultores, seringueiros, garimpeiros,

seringalistas, agropecuaristas, extrativistas, comerciantes, sem-terra, aventureiros e

trabalhadores, com pensamentos, concepções e significações diferenciados da floresta

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amazônica e do espaço geográfico. Todavia, para a sua permanência no território elas se

unem para atingir objetivos em comum e aumentar suas potencialidades, assim, os

múltiplos sujeitos superam as suas diferenças e atritos através das formas associativas.

O conceito de associativismo nas comunidades rurais

A vida associativa está presente em diversas áreas de atividades humanas sendo

caracterizada por Frantz (2002) como um fenômeno detectado no trabalho, na família,

na escola dentre outros segmentos sociais. Todavia, é comum e predominante o conceito

de associativismo como a cooperação na perspectiva econômica que abarca a produção

e a distribuição dos bens necessários à vida. Nesse trabalho, a dimensão do

associativismo terá como foco as comunidades rurais.

Ricciardi e Lemos (2000) concebem o associativismo rural como instrumento de luta

dos pequenos produtores que promove a permanência na terra, elevação do nível de

renda e de participação como cidadãos. Em vista disso, o associativismo possui um

caráter social e é balizado em princípios de confiança e a participação dos seus

membros, sendo assim, a adesão é livre e as metas envolvem a aglutinação de pessoas

que detenham objetivos comuns e/ ou coletivos.

Segundo Trindade (1986) a gênese das associações é motivada pela falta de resposta, de

empenhamento ou de capacidade de intervenção das instituições formais do poder local,

criando, assim, grupos de pressão ou até de intervenção complementares e/ou

alternativos para a satisfação de anseios carentes de resposta adequada. Logo, detém

uma grande capacidade de captar demandas sociais de diferentes segmentos e nos mais

diferentes contextos.

No meio rural, elas apresentam-se como uma possibilidade de representação dos

interesses da comunidade e de participação e envolvimento dos membros da mesma nos

processos internos e externos. Segundo Costa & Ribeiro, As associações de pequenos produtores e trabalhadores rurais, assim como os conselhos municipais de desenvolvimento rural mostram-se como novas formas de agregação social que coexistem com outras categorias, como os grupos de interesse e os sindicatos, com uma função de socialização e se constituem, hoje, como novos canais de participação e de representação. Prevalece o entendimento de que se trata de organizações voluntárias, embora induzidas pelo Estado,

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surgindo, portanto, da vontade e da decisão de um grupo ou de um segmento de classe, com objetivos pré-definidos e relacionados às necessidades sociais numa dada realidade (Costa & Ribeiro, 2012, p. 5).

O MAPA (2012) - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - caracteriza o

associativismo rural como uma alternativa necessária para viabilização das atividades

econômicas, possibilitando aos trabalhadores e pequenos proprietários um caminho

efetivo para participação no mercado em melhores condições de concorrência. Todavia,

esse conceito é alvo de discussão, pois se aproxima mais da idéia de cooperativismo.

Torna-se necessário estabelecer diferenças entre associativismo e cooperativismo.

Segundo o MAPA (2012) a diferença entre os dois reside no número mínimo para

constituição; e a comercialização, critérios que abrem margens a interpretações e

equívocos.

Nesse trabalho, se parte do pressuposto que a cooperativa é constituída a partir de uma

perspectiva de mercado, ou seja, possui como meta principal a geração de renda,

enquanto as associações são uma agregação social. Araújo (2005) considera que as

associações são a forma mais simples e informal de organização coletiva, sendo

consideradas por muitos autores como um degrau intermediário das cooperativas. Por

sua vez, Ricciardi e Lemos (2000), trabalham com a idéia de que A cooperativa é considerada uma sociedade ou empresa constituída por membros de um determinado grupo econômico ou social, que conjugando esforços e recursos, visa promover a elevação dos padrões de qualidade de vida dos que se associam sob suas regras, prestando efetivo serviço às suas comunidades e a própria sociedade (Ricciardi; Lemos, 2000, p. 60).

O associativismo contribui para um debate formado por diversas perspectivas e ideias

sendo, assim, fundamentado no diálogo. As associações que se organizam e garantem

um processo participativo, tendo como principal objetivo o permanente interesse do

grupo, objetivando prosperar. Ao atingirem suas metas, novos horizontes se

estabelecem, impulsionando suas atividades (MAPA, 2012). Por sua vez Arruda,

argumenta que [...] a diversidade do conjunto de talentos, capacidades, competências que constituem a singularidade e a criatividade de cada um. O método é colocá-las em comum, buscando construir laços solidários de colaboração no interior da comunidade, de modo a desenvolver quanto possível os talentos, capacidades e competências coletivas [...]. Trata-se, como no caso de cada pessoa, de desenvolver a comunidade no

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sentido de tornar-se sujeito consciente e ativo do seu próprio desenvolvimento (Arruda apud Frantz, 2002, p. 29).

O associativismo dos moradores do território central de Rondônia é caracterizado pelo

espírito de solidariedade social e ajuda mútua em trabalhos agrícolas, atividades sociais

e atividades religiosas por pessoas de diferentes estados do Brasil. O processo de

organização coletiva é uma importante estratégia de reprodução social, bem como

instrumento propulsor de desenvolvimento territorial rural. Os produtores familiares,

diante dos limites de sua produção e produtividade e das pressões exercidas pelos

grandes proprietários, podem encontrar na organização coletiva, condições mais

favoráveis de vida.

Associativismo: fortalecedor das relações e subsídio à manutenção do território

O município de Cacoal, foco do estudo, teve sua ocupação iniciada com a construção da

linha telegráfica na região em 1909. Contudo, somente na década de 70 com a chegada

de vários imigrantes da região sul e sudeste do país houve uma ocupação mais efetiva

ao longo da BR 364. Nesse mesmo período, ocorreram a implementação dos Projetos

Integrados de Colonização (PINs) do INCRA que promoveram a orientação da

ocupação através da organização e distribuição de lotes e assentamentos.

Esse processo guarda em si uma contradição, pois se por um lado esse espaço com

abertura da fronteira agrícola é considerado como expansão do capitalismo através das

grandes políticas de ocupação da Amazônia, de outro, a forma de ocupação através dos

programas do INCRA por assentamento caracteriza-se como um tipo de Reforma

Agrária, porque se comporta como uma política que visa assegurar a propriedade de

base familiar.

Atualmente o município é movido pelas grandes indústrias do setor madeireiro,

agropecuário e comércio, contudo a produção familiar constitui-se em importante

contraponto ao indiscriminado avanço da pecuária de corte. Ao contrário da proposta

empresarial, buscando melhorias na produção familiar, foi desenvolvido o projeto de

Produção Agroecológica Integrada e Sustentável de Rondônia (PAIS) pelo governo do

estado.

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O projeto iniciou-se em julho de 2008 e é executado pelas prefeituras municipais e

apoiados pela EMATER/RO, Embrapa, Organizações Não Governamentais e as

Associações formadas nas diferentes linhas onde residem os moradores. O sistema

PAIS preza pelo aumento a produtividade de alimentos, o trabalho e a renda no campo

através de práticas sustentáveis de manejo, participação efetiva dos agentes envolvidos e

uso de tecnologia social na busca pelo desenvolvimento local.

Altieri (2004) discorre sobre os principais objetivos de programas e políticas que

possuem o paradigma agroecológico como base e meta. Segundo o autor, eles

vislumbram: i) melhorar a produção de alimentos básicos ao nível das unidades

produtivas, fortalecendo e enriquecendo a dieta alimentar das famílias; ii) resgatar e

reavaliar o conhecimento e as tecnologias camponesas; iii) promover o uso eficiente dos

recursos locais (isto é, terra, mão-de-obra, subprodutos agrícolas, etc.); iv) aumentar a

diversidade vegetal e animal de modo a diminuir os riscos; v) melhorar a base de

recursos naturais através da conservação e regeneração da água e do solo, enfatizando o

controle da erosão, a captação de água, o reflorestamento, etc.; vi) reduzir o uso de

insumos externos, diminuindo a dependência e sustentando, ao mesmo tempo, os níveis

de produtividade, através de tecnologias apropriadas, da experimentação e

implementação da agricultura orgânica e outras técnicas de baixo uso de insumos; vii)

garantir que os sistemas alternativos resultem em um fortalecimento não só das famílias,

mas de toda a comunidade.

Evidencia-se, nessa lógica de produção, a necessidade de alteração dos modos de

produção da cultura e de reprodução das relações e das famílias sobre o espaço. A

transição na região Central de Rondônia do modelo tradicional da revolução verde para

uma agricultura sustentável foi acompanha do apoio de Organizações não

Governamentais -ONG’s- e de instituições públicas, como a EMATER-RO, adicionado,

do apoio das associações locais.

Lacki (1997) apud Araújo (2005) propõe um conjunto de elementos fundamentais para

a garantia da sustentabilidade aos sistemas de organização: i) tecnologia adequada e

apropriada aos pequenos produtores, ii) capacitação permanente e iii) a organização

contínua para a atuação de forma coletiva. A agricultura sustentável praticada pelos

agricultores de Cacoal envolve os princípios e os requisitos de gerenciamento, uso e

conservação dos recursos produtivos; desenvolvimento e difusão de tecnologias sociais;

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uma organização social que preza pelo desenvolvimento dos recursos humanos e de

uma pesquisa e prática participativa. Logo, o projeto é promotor de uma prática

sustentável.

O associativismo na região central de Rondônia se caracteriza pela organização dos

pequenos produtores rurais e demonstra formas de agregação social com uma função de

socialização. No local de estudo, elas surgiram a partir da mobilização e decisão dos

moradores, em suas respectivas linhas, em busca de discutir e solucionar as

necessidades dos sujeitos rurais.

A figura abaixo apresenta a participação dos membros em atividades coletivas e

associativas a partir dos dados oriundos das entrevistas em campo. Ressalta-se que

quase 95% dos moradores participam de associações rurais e 70% de sindicatos. Os

moradores relatam plena atividade, ou seja, participam efetivamente das reuniões e

eventos. A participação em associações e diversos eventos fortalece e estreita a ligação

e os laços entre os mesmos, segundo os entrevistados. Os eventos são caracterizados

como a ocasião para o entretenimento e os mutirões, definidos como momentos de

apoio aos vizinhos, ou seja, de solidariedade.

FIGURA 02: Participação da comunidade em associações e atividades coletivas.

As principais associações envolvidas no projeto e de apoio aos agricultores familiares

são apresentadas no gráfico abaixo, com os seus respectivos membros. Os elevados

números de participantes, como por exemplo a ASPRULIN que possui atualmente 102

membros, corrobora para a discussão, pois indica o forte envolvimento dos moradores

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com as associações existentes em suas comunidades. Adicionalmente, temos outras

importantes associações: ARLE, ASPROPAC, OURO VERDE, BEIJA-FLOR, BOM

PASTOR e ROJANA. FIGURA 03: Participação em associações rurais.

A associação é um espaço de diálogo para os seus membros e representa a possibilidade

para a exposição e discussão dos problemas vivenciados pela comunidade. Destaca-se o

seu papel reflexão e orientação acerca dos diferentes de usos e apropriação dos

elementos naturais, e concomitantemente, o trabalho que é realizado para a

conscientização das práticas dos agricultores, a fim de se evite a degradação da floresta.

Essa função é revelada por um agricultor em uma das entrevistas. Fernando iv: A associação ela é boa, né, pra você trabalhar, mas quando você vai pro mercado, é um pouco mais compricado. Entrevistador: É complicado? Fernando: É... muito compricado. E aí a gente... a verdade é assim, nós temos muitos ganhos: primeiro no campo da questão da consciência, né. Entrevistador: Sim... Fernando: Ganhamos algumas coisas em visão de conhecimento, tanto na questão da... temos muitas dificuldades? Temos ainda, porque tem muitas pessoas que não conseguiram entender que fazem parte do grupo né. Trabalha muito ainda a questão da pecuária. Porque a pecuária desorganizada, porque a gente não é contra a forma de trabalhar com gado, né, mas a gente tem uma visão que, da maneira que nós tamo, se não tomar medida, a pequena propriedade pode ir à falência, né. Ela pode morrer. Por várias razões, né. Porque não é viável, não é um sistema sustentável, né. Aí, a gente foi aprendendo algumas coisas. (Fernando, Agricultor familiar).

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O ambiente solidário permeia os encontros e reuniões, através da circulação das

informações e experiências acerca dos cultivos e manejos com os animais e das

atividades coletivas de mutirão, a fim de que as adversidades sejam superadas. Segundo

Costa & Ribeiro (2012) a associação traz embutida na sua prática a idéia de

representação de interesses sócioeconômicos dos pequenos produtores e isso ainda é

uma situação inédita no meio rural, ainda marcada pelas relações clientelistas.

Os conflitos pelo uso do território resultam em uma luta constante para permanência e

reprodução dos membros da comunidade em suas terras. Logo as formas associativas

possibilitam uma resistência às pressões externas e concomitantemente, a reprodução e

atendimento das necessidades básicas. Representam espaços de discussão dos interesses

e exigências ao nível das relações cotidianas sendo, portanto, porta-vozes dos

agricultores.

Considerações finais

As associações rurais nesse artigo são uma estratégia dos agricultores para superar as

barreiras para a sua manutenção e reprodução sobre o território, pois através delas seus

membros aumentam e estreitam os contatos, realizam alianças e se expressam os

conflitos e os problemas da comunidade. Logo, a associação expressa uma relação

dinâmica, uma relação em movimento, em busca de uma direção a um lugar melhor

através da cooperação e se torna um instrumento para o alcance de objetivos mútuos,

contribuindo significativamente para o desenvolvimento dos seus moradores.

A troca de experiências possibilita aos agricultores a exploração de seus potenciais,

porque há um aproveitamento das capacidades, habilidades e competências dos

membros da comunidade e divulgação de uma cultura solidária que objetiva a melhoria

de vida dos participantes.

O conceito de desenvolvimento é controverso, contudo, a partir da perspectiva

agroecológica, ele deve desligar-se dos fins econômicos. Considera-se que ele é

efetivado através da passagem a um estado de dificuldade e insegurança para um

cenário favorável a reprodução dos agricultores.

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Notas

i Esse trabalho é produto de uma bolsa de iniciação científica intitulada Agricultura Agroecológica como Estratégia para Manutenção de Agricultores Familiares no Território Central de Rondônia finalizada no ano de 2012, inserido no âmbito do projeto maior de pesquisa PROCAD-CAPES: Agricultura familiar, sustentabilidade ambiental e territorialidades na Amazônia desenvolvido no Laboratório de Geografia Agrária, Agricultura Familiar, Campesinato e Cultura- IGC/ UFMG, do Grupo de Pesquisa/ CNPq “Terra & Sociedade” e patrocinado pela FAPEMIG. ii Nome fictício. iii Nome fictício. iv Nome fictício

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