o amor que ficou
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A trajetória que levou um homem a profundas reflexões e o fez empunhar uma bandeira para tentar mudar a história e o destino de seu país.TRANSCRIPT
Nei Silveira de Almeida
O AMOR QUE FICOU
A trajetória que levou
um homem a profundas reflexões
e o fez empunhar uma bandeira
para tentar mudar e história e o
destino do seu país.
BIOGRAFIA DO AUTOR
Brasileiro, com memória histórica, política e econômica. Viveu
neste país, viu ainda criança e sem muito entender, a comoção nacional com a
morte de Getúlio Vargas. Assassinato? Suicídio?
Ouviu falar de carestia. Ninguém sabia explicar. Depois mudaram o
nome: inflação.
Assistiu, adolescente, a construção de Brasília. Viu Jânio Quadros
subir ao Poder: um louco! Renúncia: incredulidade! Os comícios comunistas.
Falavam de Prestes, Arraes, Brizola. Jango caiu! É a revolução, a ditadura.
Viu tudo: a dívida externa, a inflação. Viu espantado a campanha
“Ouro para o bem do Brasil”. Por quê? Respostas evasivas. Onde foi?
Respostas evasivas.
Já adulto, pôde ver a moeda mudando de nome, perdendo zeros:
uma, duas, três vezes. Anistia, diretas-já, um Presidente eleito por voto
indireto, que nunca assumiu, morreu e ficou sendo considerado, não sabe
porque, um dos maiores do país. Planos Funaro, Collor, Verão. Inflação,
corrupção, desfalques daqui e dali. Sarney, Collor, Itamar, Fernando
Henrique (8 anos: Ufa!!!???), Lula. FMI, assentamentos, sem-terras, sem-
tetos, sem empregos, sem saúde, sem segurança, sem dignidade, sem
esperanças, sem futuro, sem nada.
Brasileiro com memória, viu Brizola ser eleito com apoio da
contravenção e transformar a Cidade Maravilhosa no paraíso da violência e
do crime, não conseguir ser reeleito. Mas, o viu morrer herói nacional e o
povo, em filas intermináveis, chorando à beira de seu caixão.
Viu Collor, Maluf e Palocci. Um deposto; outro processado por
desvio de dinheiro ilícito para paraísos fiscais; e, outro mais, entregando o
cargo de Ministro da Fazenda, acusado de corrupção. Mas, os viu reeleitos:
Senador(o primeiro) e Deputados Federais (os outros dois).
Bem, Nei Silveira de Almeida, 58 anos, é natural de Santos
Dumont/MG, cursou escola técnica de mecânica e faculdade de ciências
econômicas. É aposentado, divorciado e mora em Belo Horizonte/MG.
Plantou uma árvore, aos 5 anos de idade, no jardim da escola
Instituto Santos Anjos, em Juiz de Fora/MG; teve duas filhas, aos 25 e 31
anos; escreveu este livro aos 54 anos. Travou uma verdadeira guerra durante
4 anos para publicá-lo. Continua atual, nada mudou de lá pra cá.
O AUTOR
1
Nei Silveira de Almeida
O AMOR QUE FICOU
A trajetória que levou um homem a profundas reflexões e o fez empunhar uma bandeira para tentar mudar o destino e a história de seu país.
2
Título: O Amor que Ficou
Autor: Nei Silveira de Almeida Primeira Edição
Janeiro/2007
Impresso na:
Gráfica da Imprensa Oficial de Minas Gerais
.
3
DEDICATÓRIA:
A todos jovens brasileiros
HOMENAGENS:
ÁUREA PEREIRA DA CUNHA, pelo apoio, amizade e por ser
a primeira pessoa a acreditar na proposta do livro.
MARIA DAS GRACAS RALLO, em quem fui buscar
determinação e obstinação, inspirado no seu exemplo pessoal.
RENATA CORRÊA DE ALMEIDA, minha filha, que me deu
uma lição de justiça social e a certeza de que a educação é a
base de todos os princípios e ideais.
5
S U M Á R I O PÁG.
APRESENTAÇÕES
INTRODUÇÃO .................................................................................. .... 6
CAPÍTULO 1 - O COMEÇO DE TUDO............................................ 10
Sub-título: Geração Shopping
CAPÍTULO 2 - A IDA ..................................................................... 20
CAPÍTULO 3 - A VOLTA ................................................................ 28
Sub-títulos: Inteligência Mecânica
Base Educacional Cívica
CAPÍTULO 4 - A REVELAÇÃO ....................................................... 38
Sub-títulos: O Difícil Caminho da Reconstrução
Participação e Vontade
CAPÍTULO 5. - A GOTA D'ÁGUA ..................................................... 49
Sub-títulos: Triste Realidade
Desemprego: Uma Grave Doença Nacional
Potenciais Mal Explorados
CAPÍTULO 6 - O REGRESSO ........................................................... 65
Sub-títulos: Ideal de Justiça Social
Violência, Criminalidade e Justiça
CAPÍTULO 7 - O FUTURO ................................................................ 79
Sub-títulos: Visão de Futuro
Educação: Dever de Todos
Patriotismo, Criatividade e Capacidade
CONCLUSÃO .......................................................................................... 85
6
INTRODUÇÃO
Quem resolve escrever e publicar a sua história tem
motivos para que assim o faça, e eu não sou diferente,
tenho motivos muito fortes e um objetivo, talvez, até
audacioso demais.
Na realidade, não é minha história, mas, sim, uma
etapa de minha história. O que me aconteceu até então,
pouco interessa. O que mais importa foi o ocorrido e o que
poderá acontecer daqui pra frente.
Eu sofri um revés da vida, em circunstâncias
bastante desagradáveis, que me ocasionou uma situação
difícil e quase que insustentável. Não fosse aí buscar as
próprias razões para a superação e o motivo maior para
fazer desta história uma bandeira de luta.
A minha história tem de ser contada, pois através
dela sai um grito entalado de uma esmagadora parcela da
população de meu país, que sofre os efeitos do caos sócio-
político-econômico em que o mesmo se encontra
mergulhado. Não é uma história qualquer, uma simples
narrativa, é um fato, que talvez milhares de vidas estejam
vivenciando, das mais variadas formas. É através dela que
pretendo sugerir muitas coisas, contribuir de maneira
efetiva e eficaz para que a consciência de uma nação se
transforme. Saia do comodismo e passe a acreditar que
somente uma mobilização social de grande vulto,
inteligente, ordenada e bem administrada possa resgatar o
país deste naufrágio insuportável, promovendo mudanças
capazes de nos oferecer um país onde se possa sobreviver
7
dignamente. E que no futuro, histórias iguais a minha, não
ocorram e não venham a ser contadas.
Falar de mobilização sugere, à primeira instância,
uma revolução, uma luta armada, uma tomada de poder
pela força. Não é nada disso. Uma revolução, sim, social,
um processo de educação e reeducação cívica, capaz de
transformar conceitos deteriorados; modificar valores
adversos e mudar atitudes repreensíveis, promovendo uma
nova consciência nacional. Formando um novo sentimento
pátrio, uma nova ordem cívica, novos líderes com novas
mentalidades, novos eleitores e novos administradores.
Reeducar aqueles milhares que ainda clamam e acreditam
que o país ainda possa ser mudado e ser um lugar bom
para se viver. Educar os milhões de jovens em formação –
sobretudo esses – para que venham construir, através desta
nova consciência, um novo país. Com mais justiça social,
com uma melhor distribuição de riquezas, um maior
equilíbrio demográfico, sem corrupções, sem violências,
sem fome e misérias.
Ao contar a minha história, estarei discorrendo,
passo a passo, a minha visão crítica da situação sócio-
político-econômica do meu país. Fruto de minhas
reflexões, tal qual aconteceu na realidade, pois, o que a
mim ocorreu, em sua maior parte, é decorrente desta
situação caótica nacional. Evidentemente alguém, que
junto a mim faz parte dos personagens centrais deste
drama, teve a sua parcela de contribuição, pela sua
insegurança, pela sua fraqueza e pela sua
irresponsabilidade; mas, por outro lado, são frutos das
mesmas condições em que o país se encontra.
Abro um parêntese para observar que os homens
públicos, que tanto desconhecem a verdadeira realidade
8
brasileira, ignoram o enorme contingente de seus
concidadãos que procuram uma nova oportunidade em
países estrangeiros. Nem mesmo fazem idéia de quantas
pessoas saem daqui por dia, legal ou ilegalmente, muitos
se submetendo a toda sorte de preconceitos, descasos e
subestimas. Não sabem, estes homens públicos, que muitos
brasileiros com formação superior trabalham em outros
países, exercendo profissões dos mais baixos níveis:
serviços braçais, faxinas, lavagem de carros, entrega de
jornais, empregos domésticos e outros, ganhando muito
mais que milhares e milhares de profissionais qualificados
de nosso país.
Mal sabem estes homens públicos, a quantidade de
mulheres brasileiras que militam na prostituição em
cabarés e boates de vários países europeus. E se sujeitam a
essa prática por falta de oportunidades de trabalho digno
em nosso país.
Para quem viu sepultados os sonhos que havia
construído para si, aprofundado no abismo da depressão,
do sentimento de fracasso e da falência pessoal, buscar nas
ruínas desses sonhos, uma proposta de reconstrução de
uma outra realidade, tornou-se uma imperiosidade, para
que outras pessoas e famílias não venham sofrer idêntico
suplício.
Se eu saísse por aí, rua afora, gritando,
esperneando, conduzindo cartazes alusivos e megafone em
punho, o que iria conseguir seria ser rotulado de um louco,
um insano a mais a ser pilheriado e não ouvido. Por isso,
resolvi escrever este livro e lutar para que seja levado a
cada brasileiro, principalmente a cada jovem em
formação, nos quatro cantos do território nacional, nos
mais longínquos rincões.
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São em vocês, educadores, que a princípio, estou
buscando apoio para divulgar entre seus alunos, este livro
- ele é minha bandeira de luta - E são em vocês, meus
jovens, que estou depositando a minha inteira confiança,
justamente para lhes dar um novo Brasil. Façam dele a sua
cartilha, o seu livro de cabeceira, levem-no a seus pais,
irmãos, parentes e amigos.
Este livro não pretende defender ideologias
políticas, apoiar posições político-partidárias, influenciar
crenças religiosas, apoiar grupos elitizados, promover
organismos, organizações ou instituições, nem mesmo
minha própria promoção pessoal. Ele propõe algo muito
maior e mais importante, e é a vocês, futuro do Brasil, que
eu o dedico. É em vocês que estou apostando, meus
meninos e meninas, para que se tornem os agentes destas
transformações.
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CAPITULO 1 - O COMEÇO DE TUDO
Eu sou um homem divorciado de um casamento que
durou dezoito anos. Muito mais em razão da
responsabilidade de um compromisso de vida em comum
assumido, do pai que me tornei e pela insistente tentativa
de evitar a desagregação da família; do que em função da
felicidade da realização afetiva, da união coesa, do
companheirismo ou da cumplicidade irrestrita que um
casamento exige, e no qual havia buscado com minha
expectativa sonhadora, desde os tempos de adolescência.
A frustração, as decepções e a insatisfação desse
longo período de convívio, levaram-me, depois de
inúmeras tentativas de salvar o casamento, a rompê-lo
definitivamente. Dele, duas filhas maravilhosas foram
razões de muitas alegrias e momentos de intensa felicidade:
o que ficou e aconteceu de bom e agradável.
Sempre fui assim, de buscar nos sonhos desfeitos, as
razões e as motivações para tecer novas metas e novos
objetivos. Em razão disso, decidi que iria procurar alcançar,
custe o que custasse, o meu sonho de realização afetiva.
Não sou muito de acreditar em sina ou destino traçado, mas
em alguns momentos, cheguei a crer que não era fadado a
ser feliz no amor. Após três tentativas posteriores e mal
sucedidas, cheguei a acreditar que possivelmente, o errado
fosse eu, não sabendo instalar-me dentro de uma relação
afetiva.
Entretanto, também considerei a hipótese do
desencontro, deparando-me com as pessoas erradas. Isso,
11
inúmeras vezes, me levou a reflexões e avaliações muito
profundas - outra característica minha – a de ser analítico e
acentuadamente reflexivo. Sempre achei que julgar é
extremamente difícil. Emitir julgamentos exige o total e
absoluto conhecimento de uma situação, o pleno
conhecimento da ou das pessoas envolvidas. O suficiente
domínio das mais diversas reações humanas, a
profundidade das mais variadas condições emocionais e
circunstanciais de um ou mais acontecimentos como um
todo. Aliado a tudo isso, há de se considerar outros tantos
fatores, tornando muito difícil a certeza de um julgamento
correto e justo, de imensa responsabilidade condenar, nos
fazendo acreditar que somente o Criador o faria com
absoluta isenção. Contudo, nos deparamos, inúmeras vezes
em nossa vida, com a necessidade de um julgamento. Dado
nosso envolvimento com pessoas e acontecimentos, a
condenação ou absolvição dependem de nosso
conhecimento, de avaliações, análises e reflexões, de como
lidar com inúmeros fatores e, sobretudo, em ter a
consciência de que acertar é tão difícil, como é fácil
cometer um erro.
Aprendi a fazer um exercício muito importante ante
um julgamento ou diante da avaliação de uma questão:
mesmo que tenha a absoluta convicção de uma certeza,
passo para o outro lado e procuro ver a mesma situação
nas condições e sob o ponto de vista da outra pessoa.
Surpreendentemente, muitas vezes percebi que não estava
tão correto como acreditava.
Por tudo isso, concluir que estive errado o tempo
todo ou se eram as pessoas que eram as erradas tornou-se
muito difícil. Com isso, cheguei a quase certeza de que não
basta encontrarmos a pessoa certa, temos também de ser a
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pessoa certa dessa outra pessoa. Partindo dessa premissa,
passei a entender que pessoas em busca da realização
afetiva têm de encontrar outras com as mesmas
expectativas, com valores semelhantes e convicções
parecidas. Contudo, cientes que diferenças sempre vão
existir, e serem suficientemente inteligentes para fazer
dessas diferenças o fator de complementação um do outro.
Chegar a concluir isso, que não é uma regra e nem
mesmo uma lei universal, mas apenas uma opinião
meramente pessoal, levou-me certo tempo em reflexões. E
o tempo não pára. A vida continua girando, por isso
continuei dividindo meu tempo e a minha vida entre o meu
trabalho e o recolhimento pessoal. Nesses momentos, eu
sou muito recluso, fecho-me em torno de mim, fazendo de
minhas reflexões, a alavanca do meu reencontro e a razão
de um novo empreendimento rumo aos meus anseios. Além
disso, tenho uma enorme dificuldade em me desprender de
um amor e desenvolver sentimentos em torno de uma nova
expectativa.
O rompimento de minha terceira incursão amorosa,
após o meu casamento, certamente estava sendo o mais
difícil, pois paralelamente, eu vivera um outro sentimento
de perda muito grande. Falecera, na mesma ocasião, o meu
irmão caçula de falência múltipla de órgãos, motivada por
uma cirrose hepática aguda, provocada por um longo e
doloroso processo de alcoolismo acentuado. Ele, então,
com quarenta e quatro anos, aprofundara-se na bebida,
supostamente por herança genética (nosso pai fora
alcoólatra) e impulsionado por uma sucessão de perdas
pessoais, muitas delas geradas pelo próprio alcoolismo,
legando-lhe a insuportável perda da auto-estima. Apesar de
todos os meus esforços para afastá-lo da bebida e pela sua
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recuperação pessoal, ele partiu prematuramente,
acrescentando em mim o sabor amargo da derrota, já que
não lograra êxito no intento de resgatá-lo para a vida.
Minha ajuda não pautara apenas em procurar afastá-lo da
bebida, mas incidira-se também na iniciativa de abrir um
estabelecimento comercial para lhe dar a oportunidade de
sobrevivência e trabalho, uma vez que estava em
dificuldades para se empregar pela condição que a bebida o
mergulhara, e, sobretudo, para lhe permitir recuperar a
auto-estima e um novo apego à vida. Entretanto, ele já se
encontrava em um processo de negação tão intenso que
meus esforços foram insuficientes e a situação irreversível,
culminando com o pior desfecho: sua morte.
Eu tive que lutar muito para continuar acreditando
na vida e nas razões por existir. A minha reclusão era
insustentável. Os questionamentos saltavam a minha
mente, as reflexões varavam madrugadas adentro, e a
insônia, os sobressaltos, as indagações e insatisfações, os
meus únicos companheiros.
Sou um homem muito emotivo e sensível, o que
torna muito mais difícil conviver com situações frustrantes,
muito embora seja alguém alegre e com acentuada
capacidade de superação, além de acreditar que cada
derrota ou queda é uma fonte de conhecimentos e
aprendizados que nos conduzem ao crescimento e ao
fortalecimento. Saber levantar é o mais importante e
decisivo passo para novas conquistas e vitórias.
Geração Shopping
Procurava sair em minhas horas vagas, para arejar
a cabeça, preenchê-la, distrai-la e afastá-la daquele
incessante martírio que a martelava inesgotável e
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incontrolavelmente. Gostava de ir passear nos shoppings,
ver as pessoas, observar seus movimentos, ações e reações,
e foi ali que passei a perceber melhor e demoradamente a
“geração shopping”. Essa geração que vai buscar neste
ambiente o lazer, o prazer da degustação de sorvetes,
pizzas e refrigerantes. A emoção dos fliperamas, a
paquera, os cinemas e as delícias do consumismo, mas,
sobretudo, buscar a segurança, longe das ameaças e da
violência das ruas. Aí vem à mente um turbilhão de
pensamentos e conclusões. Por que chegamos até aqui, a
esta condição?
Nossa juventude presa dentro de casa e nos
shoppings, enquanto a marginalidade transita livremente
pelas ruas, ameaçando, assaltando, matando, roubando,
traficando, enfim, desfilando misérias, agressões e
violências. Por que os grandes centros, as grandes capitais
estão infestadas de tanta gente? E com isso, tornando
incontrolável a administração, organização urbanística, o
equilíbrio ecológico, o controle demográfico, o
ajustamento social, a manutenção da ordem e a contenção
da violência? O que faz o homem do campo recorrer aos
grandes centros em busca de oportunidades que não mais
existem? Conseqüentemente, superpopulando-os,
sublocando-se, sub-empregando-se, marginalizando-se,
promovendo um caos urbanístico com proliferação de
favelas, alastramento da economia informal, aumento da
indústria da mendicância, miséria, fome e dores?
Por que os homens estão esvaziando os campos,
deixando para trás terras produtivas, todo um potencial
agropecuário entregue às traças, obrigando-nos muitas
vezes a importação de alimentos, evadindo divisas,
gerando o déficit da balança comercial?
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Será por falta de uma política agrária capaz de
inverter essa situação, dando ao homem do campo
oportunidades não encontradas?
É fácil fazer uma reforma agrária? Não! Não basta
fazer assentamentos malfeitos, destinar aleatoriamente
algumas frações de terras, que em muito pouco tempo,
serão vendidas de oportunistas menores para oportunistas
maiores. É preciso fazer um cadastramento, identificar os
futuros cessionários, vender-lhes a terra com incentivos
para que possam ser pagas com um percentual sobre o
lucro líquido produtivo, parceladamente até a sua
quitação. Mas para isso é necessário dar-lhe também o
apoio técnico com a instalação de cooperativas agrícolas;
financiar-lhes recursos para o plantio e colheita; dar-lhes
assistência médica; implantar escolas; desenvolver centros
de lazer e cultura; incentivar a instalação de
agroindústrias, para a absorção da produção e
exportação de alimentos industrializados, com a
conseqüente captação de divisas e superávit da balança
comercial.
Com isso, vamos atrair para o campo não só o
agricultor e o pecuarista, como o professor, o médico, o
enfermeiro, o construtor civil, o engenheiro, o dentista, o
técnico, o contador, o administrador, a telefonista, o
nutricionista, o advogado, os operários. Enfim, uma
infinidade de profissionais das mais diversas categorias,
dando-lhes oportunidades de empregos que não mais
existem nos grandes centros; uma melhor expectativa de
qualidade de vida, esvaziando as superpopulosas cidades
urbanas, estabelecendo um maior equilíbrio demográfico,
reduzindo a economia informal, erradicando favelas,
marginalidades, violência, fome e misérias. Difícil é, sendo
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necessário vontade política, coragem e determinação. É
preciso abandonar a sede irrefreável do poder, a prática
exacerbada da corrupção, os mandos e desmandos e as
mazelas administrativas.
Ficava ali nos shoppings observando as pessoas, os
jovens e os adultos, estabelecendo um paralelismo entre as
divergências de um e de outro; e mais, pensava nos
contrastes sociais, lembrando-me daquelas pessoas que
não freqüentam os shoppings, uma imensa maioria que
vive em condições financeiras absolutamente precárias e
uma minoria ínfima que detém um poderio econômico
enorme e vive em paraísos particulares. São as distorções
sócio-econômicas de um país em desequilíbrio,
mergulhado no desajuste social provocado por um
processo de administração pública incompetente e
corrupta, no curso de anos e anos de poder.
Diante deste quadro, via o quanto é mal formado e
mal informado o cidadão brasileiro, que vive uma
realidade da qual ignora as causas, desconhece os
mecanismos sócio-político-econômico, não sabe como
funcionam, não participa efetivamente, apenas observa
superficialmente, vota aleatoriamente no mero
cumprimento de um dever e vive no sistema do “salve-se
quem puder”, torcendo para que milagres aconteçam e o
barco não afunde de vez. Vive no obscurantismo, ou seja,
em condições de má formação e desinformação
propositadamente orquestradas para que não lute, não
exija, não cobre e não influencie na irresponsabilidade e
na inconseqüente ganância pelo poder, que certamente é
de interesse de outros poderosos maiores, ignorando o
batalhão de judas -iscariotes e joaquins-silvérios-dos- reis
que têm vendido a Pátria durante muitos anos, em troca do
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egoísta interesse pessoal, do enriquecimento e de uma
esmola de pequena participação no poder.
Eu vejo o homem em três etapas distintas da vida. A
infância/adolescência, a fase adulta e a velhice. A primeira
é a fase da inocência, da pureza e da descoberta, é o
momento da vida em que o ser humano é puro e vive o
aprendizado, a descoberta do mundo à sua volta. A
segunda, a fase adulta, é o pior momento do ser humano, é
quando ele entra no processo da disputa, da luta pela
sobrevivência, da busca da satisfação de necessidades e do
anseio das realizações pessoais. Aí, ele conhece a maldade,
o egoísmo e a inveja. A velhice é a fase da maturidade, da
vivência, da experiência e da sabedoria, e neste momento,
ele começa a entender melhor os mistérios da vida, mas na
maioria das vezes, cansado e enfraquecido pelo peso dos
anos, e às vezes, até doente, deixa de ser ouvido, é
ignorado, subestimado e colocado de lado como um objeto
inútil. Fico até pensando que depois de muito insistir para
ser ouvido, sem o menor interesse e com o maior descaso,
passa a se divertir, rindo a um canto, disfarçadamente, e
pensando:
“Deixa que sofram o martírio de suas próprias
ignorâncias”.
Talvez seja por isso que os idosos se irradiam com
seus netinhos, brincam e se divertem com eles. É o seu
reencontro com a pureza que novamente se lhes
assemelham. Quem sabe é até a maneira que encontram
para recuperar o tempo perdido em terem sido adultos!
Ali, nos shoppings, ficava observando os jovens e
admirando o imenso potencial que têm dentro de si, ficava
sonhando com a esperança da possibilidade de em futuro
bem próximo lhes ser dado a oportunidade de uma
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formação que venha capacitá-los a exercer uma cidadania
com propriedade, dentro de uma conscientização sócio-
político-econômica adequada e suficiente em transformá-
los nos novos homens de novos rumos.
Foi no trajeto de minhas idas aos shoppings que a vi
pela primeira vez. Ela não era uma mulher bonita, nem
mesmo elegante. Vestia uma blusinha simples com uma
saia comum e muito curta. Tinha um corpo agradavelmente
delineado, umas pernas bem torneadas e mesmo não sendo
bela, era atraente, e exerceu sobre mim um fascínio jamais
experimentado.
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PENSAMENTO
“Na primeira noite eles se aproximam e colhem
uma flor, e não dizemos nada. Na segunda noite, já não se
escondem, pisam nas flores, matam nosso cão e não dizemos
nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa
casa, rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a
voz da garganta e, porque não dissemos nada, não podemos
dizer mais nada.” (V. Maiakovski – Poeta e filósofo russo)
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CAPÍTULO 2 - A IDA
Marlene estava abrindo as portas de um pequeno
estabelecimento comercial que possuía, um restaurante com
self-service. Ao abaixar-se para abrir o cadeado de
segurança, ao pé da porta, rente ao chão, sua curta saia
subiu mais ainda, deixando à mostra aquelas belas pernas.
Ela percebeu que eu, bem em frente, à sua porta, em um
ponto de ônibus, a observa atenta e demoradamente. Um
ligeiro ar de acanhamento saltou de sua face, fazendo com
que se recomposse, imediatamente, com o olhar cabisbaixo.
Em seguida, o ônibus surgiu e adentrei-me ao mesmo,
levando comigo aquela imagem que me perturbou por todo
o resto do final de semana. Era um sábado pela manhã.
O self-service de Marlene ficava a duas quadras de
minha casa, e ela residia a quatro, bem próximo de seu
estabelecimento. Eu morava sozinho, saindo muito cedo
para o trabalho, retornando sempre muito tarde, cansado e
desanimado para empreender-me em jornadas culinárias.
Estava justamente procurando uma alternativa para suprir
minhas necessidades alimentares, por isso resolvi unir o útil
ao agradável, procurando Marlene para lhe propor o
fornecimento diário de um marmitex. Por chegar após o
horário do seu expediente, a mesma se prontificou em levá-
lo todas as noites em minha casa, dado a proximidade de
sua residência a minha.
No começo, ela o levava apenas ao meu portão, e
depois de muita insistência passou a entrar, ante o convite
de um cafezinho, que mais tarde viria a ser substituído por
uma cerveja e, algumas vezes, por um bom copo de vinho.
Tornamo-nos bons amigos. Eu respeitava Marlene com
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muita consideração, já que a mesma vivia com um
companheiro e três filhos, ainda que houvesse comentado
que a relação não andava nada bem e em vias de uma
separação.
A amizade foi crescendo e passamos a confidentes
em assuntos de menor importância. Certo dia, Marlene,
parecendo-me muito triste, confidenciou-me que o seu
negócio comercial não ia bem e que deveria fechar as
portas, já que seu prejuízo estava crescendo e as dívidas
aumentando, além de um problema de contratura muscular
nos braços que exigia menor esforço e um tratamento
fisioterapêutico. E assim aconteceu, Marlene cerrou as
portas, transferindo o negócio para outra pessoa. Com isso,
suas idas diárias à minha casa cessaram, ocorrendo em
periódicas visitas, cada vez mais escassas. Eu sempre lhe
telefonava, outras vezes ela De vez em quando, Marlene
aparecia para tomarmos uma cerveja, ou um vinho, ante um
bate-papo informal. Às vezes, Marlene sumia por muitos
dias e somente depois de muitas cobranças de minha parte,
resolvia aparecer. Nestas raras visitas, ela me participava
que sua relação com o companheiro a cada dia piorava e
que a separação seria inevitável. Até que um dia me contou
que o mesmo saíra de casa, indo morar provisoriamente
com umas tias, deixando-a com os filhos em seu
apartamento, mas com a ameaça que procurasse outra
moradia, pois ele não daria a ela nenhum direito sobre os
seus bens, sobretudo do apartamento. Mesmo tendo
garantias legais, ela não queria mover nenhuma ação
processual nesse sentido, talvez por motivo de orgulho.
Marlene, com trinta e três anos, tinha três filhos.
Uma filha com dezenove anos, já que fora mãe aos
quatorze anos, cujo pai negou-se a assumi-la, e dois outros
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filhos menores, com quatro e seis anos de idade, deste
companheiro com quem conviveu por nove anos, segundo
ela, em condições de insatisfação mútua e freqüentes
atritos.
Diante de tal situação, Marlene passou a ter a
preocupação de buscar um emprego e assumir o
compromisso de encontrar uma moradia para viver com os
filhos. Com formação escolar limitada e sem uma
especialização profissional, as dificuldades foram se
apresentando. Os empregos que conseguia eram com
remuneração insuficiente para tamanha responsabilidade,
levando-a ao desespero. Além do mais, tinha dívidas com o
próprio ex-companheiro. Ele lhe emprestara parte dos
recursos com os quais abrira o self-service falido, através
de promissórias, que o mesmo ameaçava cobrar. Também
contraíra um empréstimo para sua irmã através de um
agiota, o qual fazia cobranças e ameaças constantes, já que
ela não honrara o compromisso assumido.
Eu queria ajudar Marlene, mas me encontrava em
processo de reorganização financeira, pois havia incorrido
em enorme prejuízo abrindo um negócio comercial para o
meu falecido irmão, que não apenas o falira, como deixara
dívidas a serem pagas.
É próprio do ser humano afastar-se de seus
semelhantes em dificuldades. A solidariedade não existe, os
amigos desaparecem, os parentes ignoram, enfim, todos se
ausentam. Foi assim que aconteceu a Marlene, que
encontrou em mim o único apoio, mesmo que limitado. E
também foi assim, que me reencontrei com a perda da auto-
estima, do amor-próprio e da própria identidade, desta vez
na figura de Marlene. Pelo menos, isso eu pude dar a ela
naquele momento, procurando reerguer sua auto-estima
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direcionando-lhe elogios e palavras de esperança,
enaltecendo sua beleza, injetando-lhe palavras de ânimo,
prestando-lhe solidariedade, carinho e atenção. Assim,
peguei pela primeira vez suas mãos entre as minhas, dei-lhe
o primeiro beijo e entreguei-lhe, pela primeira, vez o meu
amor. Recebi aquela mulher desprezada, mal amada e
humilhada, com afeto e amor dentro de meu coração e de
minha vida. Passei a partilhar com ela o meu mundo
pequeno e simples, mas aconchegante e acolhedor.
Envolvi-a nos meus braços, aqueci-lhe o corpo, embebi-lhe
a alma e a chamei de Mulher.
Foram cinco meses de felicidade, de amor, afeto e
apreço. Os melhores momentos de toda a minha vida. Foi a
descoberta de amar e foi a primeira vez que realmente
experimentei a delícia de ser amado, querido e respeitado.
Contudo, os problemas pessoais de Marlene não
foram solucionados, o ex-companheiro resolveu pressionar,
voltando a se instalar no apartamento, exigindo dela uma
solução. Isso fez com que suas aflições e agonias a
incomodassem muito mais ainda.
E chegou o dia em que Marlene apareceu em minha
casa, dizendo-me que conseguira um emprego na Espanha
através de pessoas conhecidas. Iria receber um salário
suficiente para que, depois de um ano ou um ano e meio,
regressasse com recursos para começar um novo negócio e
poder assumir uma moradia com os filhos. Insisti com ela
para que ficasse e esperasse, até estabilizar-me, para termos
uma vida em comum. Marlene contra-argumentava ser
injusto eu arcar sozinho com responsabilidades que não me
competiam, sendo o mais correto ela adquirir meios para
contribuir com essa realização, sustentando-se. Ela foi
veemente na argumentação da imperiosa necessidade que
24
tinha de provar, até para si mesma a sua capacidade de
resolver os seus próprios problemas e de vencer as
limitações que a castravam.
Eu não podia negar a Marlene a oportunidade do
triunfo, do soerguimento da auto-estima e do reencontro da
sua própria identidade. Não podia ser egoísta bastante para
lhe tolher o direito de se auto-afirmar, de buscar a tão
sonhada independência e alcançar uma vitória pessoal tão
importante. Restava-me conformar e aceitar sua decisão.
Sabia que ia sofrer muito com a sua ausência, que o tempo
iria impiedosamente se arrastar. Teria, novamente, a
solidão como fiel e inseparável companheira.
Os dias que antecederam a sua partida foram
ocupados com a regularização de documentos, passaporte e
preparativos para a viagem. Por indispor de recursos,
comprei-lhe a passagem, roupas e dei-lhe algum dinheiro
para sobreviver os primeiros tempos até receber o primeiro
salário. E, nestes dias, procurei viver junto a ela como se
fossem os meus últimos, já que estava abrindo um
parêntese no meu velho sonho de realização afetiva, bem
como tinha a considerar que por muitas razões e
circunstâncias, poderia estar perdendo-a definitivamente.
Na noite anterior à sua ida, Marlene passou a tarde
comigo e ficou até às 22h em minha casa, pois desejava
passar a sua última noite com os filhos, embarcando bem
cedo para o seu destino. Senti-a muito inquieta,
incomodada e às vezes triste. Amei-a pela última vez com
muita intensidade, aspirei seu perfume para não esquecê-lo
e beijei seus lábios inúmeras vezes para guardar comigo
seu inigualável sabor. Despedimo-nos no portão, segui seus
passos com os olhos, até se perderem de vista. A partir
daquele instante, comecei a suspirar a saudade que sabia
25
iria me incomodar muito.
Durante toda noite, ela me ligou no telefone celular,
quando eu atendia, ela desligava, dando-me a certeza de
que não pregara os olhos por um só instante, revelando-me
haver muito mais que uma despedida incomodando-a
impiedosamente.
Os dias sucessivos foram martirizantes, pois a falta
de notícias me deixava apreensivo. Os pensamentos me
atormentavam, sobretudo as contradições relacionadas ao
seu emprego, pela inconsistência dos fatos, ausência de
nomes e endereços, falta de referências; somente o evasivo
e incertezas.
Seis dias depois, recebi sua primeira ligação
telefônica. Senti apreensão em sua voz, algo bem mais forte
que uma simples tristeza ou saudade. Com perplexidade,
tomei conhecimento de que ela não estava em Barcelona,
que era a princípio o seu destino, mas em outra cidade.
Deu-me um número de telefone celular para contato e
deixou muitas dúvidas com relação a horários, sob a
alegação de diferença de fusos. Forneceu-me um endereço
para o qual enviei imediatamente a primeira carta por
Sedex. Implorava que largasse tudo e voltasse,
assegurando-lhe meu total apoio e prometendo-lhe que a
receberia em minha casa com os filhos e que daríamos logo
solução para todos os problemas. Alguns dias depois, ela
me telefonou que não seria possível, pois já firmara
compromissos. Tinha um contrato de permanência que
seria renovado a cada três meses. E, sobretudo, porque dera
o primeiro passo e tudo aquilo era importante para ela,
dado ao propósito que estabelecera inicialmente.
Eu lhe escrevia todos os dias, enviava telegramas
regularmente, cartões de mensagens afetivas e lhe
26
telefonava pelo menos duas vezes por semana no primeiro
mês, e quase todos os dias nos meses sucessivos.
Transmitia mensagens fonadas com bastante assiduidade e
lhe enviava Sedex com mensagens de amor, carinho e
saudades. Mas, muito mais que saudades, eu sentia
preocupação e apreensão, pois mesmo sem que me
revelasse, ia construindo a cada dia, a certeza do que
realmente estava ocorrendo naquele país distante, devido a
uma série de fatos, circunstâncias, contradições e
desencontros.
Ela me telefonava com regularidade, mas
angustiada. Escrevia-me esporadicamente, revelando que
quando voltasse, tinha algo muito sério para conversar
comigo e isso só poderia ser feito pessoalmente, olhos nos
olhos, e nem mesmo sabia se eu iria aceitá-la de volta.
27
PENSAMENTO
“Existem três tipos de ignorância: Ignorar o que se
deve saber, saber mal o que se sabe e saber o que não se deveria
saber.” (François Poitu – Duque de La Rochefoucauld)
28
CAPITULO 3 - A VOLTA
Inteligência Mecânica
Acreditar que a inteligência é um instrumento
meramente mecânico é um enorme engano. Ela é a
capacidade da percepção, absorção, entendimento,
reflexão e, sobretudo, da ação calculada. Fazer uso da
inteligência é aglutinar esses elementos e, através do
raciocínio, obter resultados consistentes e consolidados.
A inteligência não pode ser desassociada da cultura
e do conhecimento e exige saber como atuam as
determinantes que regem o funcionamento de todo e
qualquer tipo de mecanismo; saber utilizar o raciocínio
dentro de qualquer contexto; organizar mentalmente
variáveis e invariáveis e entender que acima da
matemática, da física, dos cálculos, enfim, das ciências
exatas, estão as ciências humanas: campo totalmente
destituído da precisão milimétrica, da exatidão ou do
cálculo perfeito. Partindo daí, é que se pode concluir que a
máquina jamais superará o homem, pois ela não tem alma
e nem mesmo coração.
A máquina não tem sensibilidade, não vive emoções
e nem possui sentimento de percepção. Ela obedece
rigidamente o programa que lhe foi definido e oferece os
resultados para os quais ela foi calculada e dimensionada.
Com o passar do tempo, ela se desgasta e muitas vezes
chega a ser superada por máquinas mais modernas, mais
evoluídas e com capacidade maior de rendimento e espaço
de tempo. Aí o seu destino é o desmanche ou o lixo.
Assim funciona a inteligência mecânica, que já
nasce condenada à morte, por ser nada mais que um
29
simples mecanismo, uma máquina a serviço de um
programa pré-definido.
Estamos preenchendo os nossos jovens com uma
infinidade de recursos mecânicos e tecnológicos. São
videogames, fliperamas, computadores, etc; permitindo-
lhes acesso enorme a uma infinita gama de informações,
mas estamos nos esquecendo de lhes fornecer informações
mais importantes, por exemplo, como funcionam os
regimes sócio-político-econômicos e, sobretudo, de lhes
dar referenciais humanos de avaliação, percepção, análise,
elaboração de raciocínio e capacidade de conclusão.
Estamos transformando-os em autômatos, robôs, enfim,
máquinas a serviço de programas meramente mecânicos.
Base Educacional Cívica
Se for feita uma pesquisa para testar o
embasamento sócio-político-econômico do cidadão
brasileiro, nas mais diversas faixas etárias, nas mais
variadas classes sociais e em diferentes níveis de
escolaridade e cultural, poderemos observar que uma
esmagadora maioria desconhece como tudo funciona, e o
que é pior, se avaliarmos os homens públicos nas mais
diversas esferas e hierarquias, haveremos de constatar que
a maioria nem mesmo sabe a real finalidade de sua função.
Não basta criar as matérias e inseri-las no currículo
escolar e depois proceder aos exames periódicos na base
da "decoreba". É preciso ensinar, estimular o interesse no
aprendizado, promover debates, proceder a simulações,
criar simpósios entre escolas, municípios e estados,
motivando a participação dos alunos. Levar aos seus
conhecimentos o que são os três poderes: Executivo,
30
Legislativo e Judiciário, como funcionam no âmbito
municipal, estadual e federal. O que é balança comercial,
déficit, superávit; o que é reserva cambial, para que serve,
como funciona; o que são os índices econômicos, como são
definidos; o que é arrecadação tributária e sua
distribuição; receitas e despesas orçamentárias, de onde
provêm e como são distribuídas; o que é bolsa de valores e
mercado de ações, como funcionam; o que é mercado de
capitais, sistemas monetários, dívida externa, dívida
interna, inflação, deflação, FMI, comércio exterior, câmbio
monetário, etc; enfim, todas as informações que regem as
sociedades, a política e a economia nacional e mundial.
Nas simulações, criar os partidos políticos,
proceder a eleições, criar o executivo, o legislativo e o
judiciário, nomear assessorias de primeiro escalão,
promover debates sobre os principais problemas nacionais,
definir e discutir soluções, elaborar os projetos de leis
pertinentes, submetê-las a aprovação. Elaborar uma nova
constituição federal, discutir e debater sobre o sistema
federativo com constituições estaduais. Apresentar
propostas, idéias e soluções. Com isso, estaremos
preparando o cidadão de amanhã, o eleitor bem
informado, socializado, politizado, com capacidade de
avaliação e escolha. Estaremos preparando o homem
público do futuro, novas lideranças, novas consciências.
Não devemos influenciar ideologias políticas,
predileções político-partidárias, regimes econômicos ou
quaisquer outras filosofias, devemos ensinar o que
propõem e seu histórico, permitindo que o desenvolvimento
de cada um lhe faculte as opções de escolha.
E quando nas vésperas de eleições, algum candidato
disser que vai dobrar o salário mínimo em tanto tempo e
31
triplicá-lo em outro tanto, as pessoas estejam preparadas
para lhe perguntar: quais os instrumentos ou mecanismos
sócio-político-econômicos vai utilizar para conseguir isso?
Como vai obter recursos para sustentar a folha de
pagamento do funcionalismo público e aos beneficiários da
Previdência ? Se serão dados aos empresários incentivos
fiscais ou redução da carga tributária para balancear suas
folhas de pagamentos? Como será a incidência sobre custo
de produtos e serviços? Se o preço do produto nacional
não iria inviabilizar muita mais a exportação? Qual o
impacto na economia nacional e sobre a política
econômica externa? Enfim, quais os artifícios seriam
utilizados para neutralizar esses impactos?
E assim, no futuro, o eleitor saberá cobrar, avaliar e
questionar planos de governo, escolher as melhores
propostas e eleger os verdadeiramente capacitados.
O ser humano tem algumas peculiaridades por
demais negativas. Não admite, na maioria das vezes, a sua
ignorância sobre determinados assuntos, dissimula ante
questões que não conhece e tem uma enorme vergonha de
perguntar e se informar adequadamente. Quando assuntos
de interesse nacional, sobretudo os da área econômica, são
reportados nos jornais escritos e televisivos, são feitos
dentro de uma linguagem que deixam a maioria em
absoluta marginalização. Não existe um esclarecimento e
nem mesmo uma abordagem para facilitar o seu
entendimento. Causas e efeitos não são elucidados e fica
apenas no ar a pompa e o mistério em torno do assunto ou
questão. Experts, entrevistados para opinar, fazem-no em
um linguajar excessivamente técnico, ostentando uma
onipotência a lhes conferir o orgulho de entender o que
muito poucos entendem, parecem fazer questão de não
32
esclarecer nada ou até dão a impressão de também nada
saber. Isso tem que ser mudado dentro desse processo de
educação, possibilitando aos jovens não assumirem essas
peculiaridades tão nocivas e pouco construtivas.
Meus pensamentos foram cortados, subitamente,
pelo toque do telefone. Era Marlene, sempre angustiada e
dizendo sentir saudades minhas. Em uma ligação rápida,
voltou a insistir que não era merecedora de mim e de minha
confiança, e que em seu regresso deveria esclarecer tudo
comigo.
Eu me negava a acreditar nas evidências e a aceitar a
realidade, fingia comigo mesmo que tudo não passava de
coisas da minha imaginação, inventava desculpas e
justificativas, convencendo-me com veemência, que
realmente ela estava trabalhando em um estabelecimento
comercial, como me havia dito desde o princípio.
Os dias e meses se arrastavam, e com a chegada do
Natal completaram-se três meses que Marlene havia
partido. Entre preocupado, angustiado e saudoso, telefonei-
lhe, e neste dia, falei-lhe que a situação era insustentável e
que nunca havia lhe pedido nada, mas que naquele
momento suplicava que voltasse e deixasse tudo para trás,
prometendo-lhe não só equacionar todos os problemas que
a motivaram a ir, como uma nova vida em comum, sob
minha inteira responsabilidade. Pediu-me uns dias para
pensar e na passagem de ano, quando me telefonou, marcou
a data de sua volta: 21 de março.
Passei a contar os dias, as horas e até os minutos, em
um estado de ansiedade descontrolado, e comecei a
preparar o seu regresso. Nestes meses em que Marlene
esteve fora, comecei a comprar móveis, eletrodomésticos e
utensílios para um novo lar. Ocupei-me com trabalhos
33
extras para adquirir recursos financeiros, fazendo
prestações de serviços como autônomo nas horas em que
não estava empenhado na empresa na qual trabalhava. Essa
carga de trabalho extraordinário, aliado ao meu descontrole
emocional em face de situação, trouxe-me desconcentração
na minha ocupação funcional, queda de rendimento e
comprometimento na minha atividade regular, gerando
inseguranças e insatisfações na minha empresa.
Invariavelmente, eu sou um homem emocionalmente
equilibrado, muito embora, sensível e emotivo. Desta vez,
confesso que me deixei descontrolar, mediante as
circunstâncias que transpareciam evidentes as suspeitas que
ocupavam ininterruptamente a minha cabeça, acrescido do
cansaço físico e mental, ansiedade, preocupações e
apreensões. Contudo, planejei, organizei e preparei tudo
para o retorno de Marlene, adquirindo o básico necessário
para instalar uma casa e fazendo reservas monetárias para
ajudá-la a quitar dívidas pendentes e um fundo reservado
para montar algum negócio comercial para que ela tivesse
uma fonte de renda.
E chegou o grande dia. Providenciei uma festa
particular, a dois, para recepcioná-la. Cartazes de boas-
vindas e de juras de amor, flores, canapés, champanhe e os
presentes de Natal que haviam ficado guardados.
Quando a campainha soou, abri-lhe a porta e a
recebi efusivamente, pude perceber inequívoca e
imediatamente que ali não estava a mesma mulher que eu
conheci, aprendi a amar e vi um dia partir. Diante de mim,
encontrava-se uma outra mulher: insensível, fria e distante.
Mas, apesar disso, tomei-a em meus braços e beijei-a
demoradamente, acreditando que a intensidade da emoção
houvesse lhe gerado um impacto de impassividade
34
momentânea. Nos falamos, dei-lhe as flores, os presentes e
brindamos com o champanhe, enquanto ela percorria os
olhos nos cartazes que eu havia espalhado por toda a sala, e
em poucos minutos, estávamos no quarto, sobre a cama, em
uma extasiante entrega de amor. Neste momento de entrega
mútua, pude perceber a Marlene de outros dias, mas logo
depois que nos recompomos voltei a sentir nitidamente a
sua ausência. Ficamos algum tempo juntos a conversar
superficialmente sobre saudades e projetos futuros,
prometendo-nos um maior aprofundamento de assunto para
os dias seguintes, quando então definiríamos planos
consistentes. Depois ela se foi para casa reencontrar os
filhos, com os quais iria passar a noite.
Após sua saída, mergulhei-me em pensamentos e
reflexões sobre o que havia percebido e por mais que
buscasse explicações e justificativas pairou sobre mim uma
enorme interrogação. Todavia, fiquei acreditando que com
o correr dos dias, tudo iria voltar à normalidade e que
poderíamos buscar os entendimentos para nosso
planejamento de uma nova vida.
Os dias que se seguiram foram ocupados por
Marlene em seu reencontro com os filhos, readaptação e os
preparativos de uma festinha de aniversário de seu filho
mais novo que ocorreria dentro de alguns dias. Vinha com
pouca freqüência à minha casa, mas pouco a pouco, íamos
definindo nossos planos em comum, concordando que
iríamos alugar um apartamento para se instalar com as
crianças e que minha aproximação se daria gradativamente,
para que eles me conhecessem, aceitassem e a mim se
adaptassem. No tempo devido, nos uniríamos através do
casamento, consolidando desta forma nosso objetivo.
Conversamos sobre a montagem de um estabelecimento
35
comercial que lhe permitisse uma renda, muito embora a
manutenção de sua residência houvesse ficado sob minha
responsabilidade, mas que a partir de nossa união definitiva
teria a sua participação no nosso orçamento familiar, pois
até lá o seu negócio estaria consolidado e rendendo lucros.
Metas e diretrizes definidas, parti em busca de suas
realizações. Aluguei um apartamento, procedi a montagem
do mobiliário e utensílios, e Marlene instalou-se se com sua
prole, freqüentando meu recôndito lar nas folgas de seus
afazeres domésticos e maternos.
Alguns dias mais tarde, concluímos que
montaríamos para ela uma pequena loja de utilidades
domésticas no centro comercial de nosso bairro, uma
lojinha simples, mas bem montada. Locamos o imóvel,
adquirimos as instalações necessárias, compramos as
mercadorias para comercialização e inauguramos
discretamente aquele pequeno negócio, contratando uma
funcionária para ajudar e substituir Marlene nos momentos
em que suas responsabilidades de mãe e dona de casa o
exigissem. Entretanto, seu comportamento continuava
mudado, e eu não só percebia essa alteração como sua
insatisfação com o negócio comercial, sua insegurança com
relação ao futuro e o seu ceticismo em função da situação
sócio-econômica do país.
Em nossas conversas revelava sua preocupação e
insatisfação, aludindo que conhecera uma outra realidade
em outro país, onde reinava uma estabilidade econômica
muito grande, com uma distribuição de renda mais justa e
equilibrada, satisfatório poder aquisitivo, oportunidades de
trabalho e mais justiça social, infinitamente menor índice
de violência, sem misérias alarmantes e muito mais
dignidade humana. Aí, eu passei a perceber que Marlene
36
não voltara, apenas seu físico veio, mas sua cabeça havia
permanecido em um outro mundo.
Em outro momento, Marlene me confidenciou que a
sua própria filha, com dezenove anos, condenara o seu
prematuro regresso. Argumentando as dificuldades que ela
estava enfrentando, já que apesar de inúmeras tentativas,
não conseguia se empregar, embora tivesse o segundo grau
completo, cursos de informática e outros de especialização
profissional. Sua filha considerava uma irresponsabilidade
muito grande por parte da mãe, não haver permanecido
mais tempo no exterior e retornando com melhores
recursos financeiros, capazes de lhe permitir a aquisição de
um imóvel, sem ter que se sujeitar ao aluguel, poder abrir
um negócio comercial mais sólido e rentável, sem qualquer
dependência financeira comigo.
E, muito mais que isso, Marlene continuava achando
injusto eu arcar com a responsabilidade de filhos que não
eram meus e problemas que não me competiam. Ela
deixava claro uma enorme preocupação com os filhos
menores, principalmente, por considerar o pai
financeiramente instável e não admitia qualquer relação de
dependência com ele, mesmo que a responsabilidade com
as crianças fossem igualmente dele.
Afora isso, Marlene via as pessoas desesperançosas
manifestando descontentamentos, gente desempregada e
com parentes nas mesmas condições, pessoas com salários
baixíssimos vivendo a duras penas, comerciantes
reclamando do declínio dos negócios, cada vez mais
pessoas incursando na economia informal, índices
econômicos assustadores, miséria e pobreza por todos os
lados, ficando cada vez mais insegura.
37
PENSAMENTO
“A maneira mais segura de perpetuar a miséria é
dar esmola aos pobres ao invés de escolas e
empregos.”(Calheiros Bonfim – Jurista Brasileiro)
38
CAPITULO 4 - A REVELAÇÃO
O Difícil Caminho da Reconstrução
A disparidade e o acentuado desequilíbrio da
distribuição de renda pode ter inúmeras causas: o
desequilíbrio demográfico, o superpopulacionamento
urbano, a enorme carga tributária, despesas
orçamentárias infinitamente maiores que a receita, o
elevado índice de desemprego. Assim como, o crescimento
exacerbado e descontrolado da economia informal, o
desequilíbrio dos setores produtivos, os desvios de verbas,
os superfaturamentos, a corrupção desenfreada, o
desaquecimento e a inércia do mercado financeiro, entre
tantos outros. Sendo que é tudo uma roda viva, já que uns
são causas e outros efeitos, uns dos outros.
Equacionar tudo isso não é nada fácil, é um
processo longo e demorado. Exige muitas mudanças e o
primeiro passo começa na educação. Não se pode
promover mudanças tão estruturais sem antes preparar o
homem, mudá-lo em primeiro lugar. Não se começa uma
casa pelo telhado, ou pelas paredes. Primeiro é preciso
implantar uma base, um alicerce, para depois subirem as
estruturas e só depois montar o telhado.
Há de se educar, preparar, levar o conhecimento e
ensinar como utilizá-lo. Entre tantos ensinamentos, um
muito importante é o princípio das causas e efeitos.
Analisando o contexto nacional sob essa ótica, não
fica difícil de se entender que uma política agrária bem
planejada e desenvolvida seria o impulsionamento de um
processo típico de causas e efeitos, pois, atrairia a
implantação de agroindústrias através de incentivos,
39
sobretudo para o investimento estrangeiro, que por sua vez
atrairia a implantação de indústrias indiretas. Com isso,
estaríamos devolvendo o homem do campo às suas origens
e empregando um enorme contingente de mão de obra de
outros setores. Equilibrando a densidade demográfica e
propiciando os benefícios concernentes. Nesse processo
cascata que se desencadearia, ocorreria um ajustamento
consideravelmente significativo, pois estaria erradicando a
economia informal que existe porque é emergente ante a
falta de oportunidades de empregos. Aumentando,
inclusive, a arrecadação do Estado e da Previdência, já
que esta mão de obra empregada estaria recolhendo
impostos e pagando encargos sociais. O aumento da
produção de bens de consumo e serviços permitiria uma
redução da carga tributária incidente, pois aumentaria na
proporção quantitativa, tornando os custos mais baixos
com redução de preços, tornando-os mais atrativos,
sobretudo no mercado externo. Com mais gente
empregada, o consumo cresceria, gerando o aumento da
produção e mais empregos, aumentando ainda mais a
arrecadação, possibilitando uma maior redução da carga
tributária. Com uma oferta maior de empregos e a
diminuição de imposto sobre produtos, seriam provocadas
mudanças nas políticas salariais, gerando uma melhor
distribuição de rendas e um ajuste social mais justo e
equilibrado. Com preços mais atrativos, nossos produtos
alcançariam maior volume de vendas no mercado externo,
captando divisas e o crescimento do capital circulante,
alimentando e movimentando o mercado financeiro interno
e promovendo o aumento de nossas reservas cambiais.
40
Participação e Vontade
O desenvolvimento deste processo exige
administradores preparados e envolvidos em uma nova
consciência, descompromissados da atual mentalidade
maculada pela incompetência, corrupção e ganância pelo
poder. Exige uma população igualmente preparada para
um novo sentido administrativo, imbuída de sentimentos
pátrios mais elevados e uma consciência cívica
irrepreensível. Condições que só poderão ser alcançadas
através de uma mobilização educativa, ordeira,
disciplinada e abrangente. Investindo no jovem cidadão,
creditando-lhe a confiança e a certeza de que em suas
mãos está a responsabilidade e a capacidade de tornar este
um país próspero e agradável de se viver.
Não é um processo tão simples de se realizar como
discorrer sobre o mesmo. Mas se não iniciá-lo dentro de
um planejamento bem delineado e bem definido, jamais
será factível. E se nas esferas governamentais tudo isso
não está sendo motivo de preocupação, a iniciativa deve
partir dos educadores, intelectuais, escritores, jornalistas e
da própria população jovem, exigindo a sua preparação
para assumir, no seu tempo devido, o comando da Nação,
em condições de administrá-la e torná-la tão imensa como
merece ser.
Os temores de Marlene não eram infundados,
todavia eu não podia compreender que mesmo com todas
as dificuldades, estava dando-lhe uma oportunidade que
recusava abraçar com determinação. Acho que lhe faltava
obstinação, deixando-se vencer pelo desestímulo da
situação instalada no cenário nacional e pela influência de
tantas e tantas pessoas a lhe apregoarem o pessimismo aos
ouvidos.
41
Isso me fez lembrar de Maria das Graças Rallo,
alguém que nem mesmo pode imaginar a lição de
determinação e obstinação que me deu nos tempos de
adolescência. Talvez ela nem se lembre de mim ou até
mesmo imagine que eu exista. Éramos bem jovenzinhos e
estudávamos na mesma escola, cursando os primeiros anos
do ensino básico. Maria das Graças era uma menininha
franzina e das canelinhas finas, que possuía um acordeão.
Em todas as festinhas da escola, lá estava ela com seu
instrumento musical e a sua vozinha estridente desfilando
seu repertório. Em uma dessas ocasiões, não me lembro
porque , me disse que se tornaria uma grande cantora,
custasse qualquer preço. Algum tempo se passou, em certo
dia, uma rede de lojas de discos e aparelhos fonográficos
estava lançando uma nova marca estrangeira no mercado e
circulou pela cidade um carro alto-falante com os reclames
através de um jingle sofrivelmente cantado por Maria das
Graças. O que se soube, posteriormente, é que os
patrocinadores se interessaram pela garota, convidando-a
para um curso de educação e impostação vocal. Pouco
tempo depois, ela fazia o seu primeiro contrato com a
gravadora, tornando-se realmente uma grande cantora de
renome no cenário nacional e internacional. Ela nem
mesmo sabe que é um dos meus maiores ídolos, não só pela
qualidade profissional, mas antes de tudo pela sua
determinação.
Certamente as pessoas não são iguais. Pensam
diferente , agem e reagem de forma adversa, têm valores
opostos, mesmo que se assemelhem em muitos aspectos.
Por isso, sabia que não podia cobrar de Marlene atitudes
baseadas nos meus anseios ou fundamentadas em exemplos
de outras pessoas. No entanto, esperava que, no mínimo, se
42
esforçasse por lutar pela chance que estava lhe propiciando.
Ao mesmo tempo, me intrigava sua mudança de atitude e
postura, não entendendo uma inquietação que eu supunha
estender-se muito mais além da instabilidade econômica.
Fiquei por muito tempo aguardando sua iniciativa e
a tal conversa “olhos nos olhos” que tanto me prometera.
Diante de sua impassividade, acabei por colocá-la contra a
parede, sem chances de escapar. A revelação veio
confirmar tudo aquilo que eu desconfiava: Marlene esteve
aqueles seis meses trabalhando como prostituta em um
cabaré espanhol, atendendo pelo nome de Heloísa.
Enquanto tudo era apenas suspeita, mesmo que
dentro de condições praticamente inequívocas, ainda existia
a possibilidade de um engano, por mais remoto que fosse.
A partir do momento da confirmação, a dor é
extremamente insuportável. O chão parece abrir-se sob
seus pés. A cabeça gira em velocidade infinitamente
absurda. O corpo gela e subitamente aquece ante um calor
infernal. A língua cresce dentro da boca, impedindo a
emissão de voz e dificultando a respiração. Tambores
imaginários em batidas frenéticas e estupidamente ruidosas
parecem que vão estourar os ouvidos. Enquanto os olhos
sofrem uma pressão tão imensa, dando a sensação que vão
saltar fora das órbitas. Os segundos parecem intermináveis,
enquanto evitar o desfalecimento exige um esforço quase
sobre-humano. Enfim, aterrissar novamente no plano da
lucidez é um exercício longo e doloroso. Manter o
equilíbrio emocional torna-se uma imperiosidade e
controlar-se, uma necessidade quase vital.
Quando me pus a sós e julguei ter encontrado
novamente um ponto de equilíbrio, é que pude pensar,
analisar e refletir. Comecei a me recordar da véspera da
43
partida de Marlene, de sua inquietação e de seu incômodo.
Lembrei daquela noite em que ela quase que
ininterruptamente ligava em meu telefone celular, e
também da sua primeira ligação em seu destino, dando-me
a impressão de que algo muito estranho estava
acontecendo. Intimamente, já sabia de tudo, fingindo não
saber durante todo esse tempo e não aceitando que tivesse
tanta certeza.
Estaria ela sentindo um remorso tão grande, razão de
sua tristeza e angústia? Teria sido o medo do
desconhecido? Seria o julgamento de seu próprio
consciente a lhe atormentar e condenar? O que leva uma
pessoa a esse tipo de extremismo? Qual tamanho é o seu
desespero que a levou a tal situação? O que terá sido
negado a essa mulher de forma tão brutal que a tenha
conduzido a uma prática desta natureza?
As interrogações foram muitas, as dúvidas e
incertezas maiores ainda. Tecer um julgamento é
extremamente difícil. Talvez as mães possam procurar
entender um pouco mais o desespero de uma outra mãe
vivendo em um país tão difícil, tendo que abrir mãos de sua
própria dignidade para que seus filhos venham encontrar
uma sorte menos cruel.
Eu conhecia muito de Marlene, ela havia me contado
muito sobre seu passado. A condição de pobreza em que
nascera, a separação dos pais que a levaram ainda muito
pequenina a ser criada por uma outra família. Tivera
conhecimento do estupro que sofrera ainda menina, cujo
autor jamais me revelou, talvez pelo pavor que tinha de sua
lembrança, mas que me levou a crer ter sido o próprio pai,
nem mesmo sei por que sempre pensei isso.
44
Relatou-me sua difícil trajetória na adolescência, em
que sofrera todo o tipo de privações, inclusive gerando uma
filha aos quatorze anos, que o pai negara assumir. Depois
disso, houve um convívio de nove anos com um
companheiro distante, de comportamento estranho,
sobremaneira frio e que não se dignou a regularizar,
durante todo esse tempo, a relação através dos laços
matrimoniais. As oportunidades negadas, as humilhações
sofridas, a auto-estima perdida, o medo e a insegurança
foram os construtores dessa confusa e inconseqüente
condição.
Como julgar e condenar alguém que tivera, até
então, um percurso de tantos sofrimentos e incertezas,
vivendo a desesperança em um país que constantemente lhe
negara as oportunidades que almejara alcançar? Até
porque, durante a revelação, me contara que essa decisão já
havia sido tomada muito antes de me conhecer e que sua
realização somente ainda não se dera por razões meramente
circunstanciais. Como sentar alguém no banco dos réus e
sentenciar-lhe, imaginando o conflito íntimo que tivera de
travar? Como apontar o dedo acusador e banir alguém
impiedosamente e mais uma vez soterrar-lhe uma
oportunidade? Sobretudo a quem só experimentara o sabor
amargo da negação pela vida afora.
E, eu? O meu orgulho, os meus sentimentos e o meu
amor-próprio, como ficariam? Como iria fitar-me ao
espelho? Como olharia para as outras pessoas e até mesmo
Marlene? Como deitar e amar alguém que por seis meses se
deitou ao lado de tantos outros homens? Como abraçá-la,
envolvê-la e chamá-la de mulher?
45
Naquela noite, chorei profusamente, transpirava tão
caudalosamente que encharquei o lençol e umedeci tanto o
colchão que parecia haver dormido ao relento ante intenso
serenar. Não preguei os olhos por nenhum momento e vi o
dia raiar com os mesmos inchados, a mente confusa e um
gosto amargo no paladar.
Não! Eu não poderia proferir-lhe uma sentença
condenatória à baixo-estima, naufragá-la novamente na
lama do fracasso e devolvê-la ao submundo das
oportunidades perdidas. Haveria de vencer o meu orgulho,
manter aceso o meu amor-próprio e intactos os meus
sentimentos. Buscaria coragem seja lá onde fosse, mas não
iria negar a essa mulher o que lhe havia sido negado pela
vida inteira.
Ao reencontrá-la, abracei-a e beijei-a em uma
manifestação silenciosa de resignação, e assim ficamos
abraçados por longo tempo. Depois de alguns minutos,
sugeri-lhe esquecermos definitivamente colocando uma
pedra sobre tudo.
Dali em diante, senti Marlene menos sufocada e
mais espontânea, leve e desenvolta. Contudo, ainda tinha a
sensação que não era a mesma mulher de outros tempos, e
à medida que o tempo ia passando, percebia nela uma
irreverência nunca antes revelada e, em certos momentos
um ar de deboche e ironia até então desconhecido. A
mulher ponderada, compreensível e sensata, foi dando
lugar a uma mulher questionadora, conflitante e arrogante.
A intolerância e o nervosismo iam pouco a pouco
crescendo e tomando conta do seu dia-a-dia.
A freqüência de nossos momentos a sós foi
diminuindo na assiduidade e na permanência de tempo,
enquanto sua insatisfação e insegurança iam só
46
aumentando, provocando-lhe insistentes proposta de
adiamento de nossa união.
Eu não percebia em Marlene nenhuma determinação
e vontade em fazer progredir o estabelecimento comercial.
Ela mencionava, incessantemente, as dificuldades que
estava encontrando, dado a vagarosidade de evolução das
vendas e a inércia do mercado comprador. Certamente,
devido à limitação imposta pelo baixo poder aquisitivo da
população e a concorrência da economia informal, levando-
nos a discorrer inúmeras vezes sobre o assunto. Enquanto
ela manifestava todo seu ceticismo, eu defendia o
argumento de que todo negócio no começo é difícil e que a
situação do país não era tão negra como ela a enxergava.
Isso nos levou a discussões, por muitas vezes, em clima
tenso e desagradável, gerando mal-estar e inconformismo
de parte a parte. A docilidade da Marlene de outrora deu
lugar a uma agressividade, às vezes, descontrolada e a
sensação que havia um oceano entre sua cabeça e seu
físico, passou a ser certeza absoluta e incontestável.
Quando conheci aquela mulher, ela não tinha
identidade, a havia perdido. Depois voltou com duas,
Marlene e Heloísa, e minha mente entrou em uma confusão
tão grande, que eu não sabia quando era uma ou outra, e em
certos momentos me sentia tão embaraçado que não sabia
se a tratava como minha mulher ou como uma prostituta.
Quando regressou, uma certa noite, disse que se
preocupava muito com minha ingenuidade. Naquele
momento ainda não fizera a revelação e não sabia de
minhas certezas. Calei-me, mas mal sabe ela que sempre
apostei nas pessoas, muito embora tivesse sempre motivos
para não confiar, mas que por toda minha existência tenha
sempre primado por preferir me enganar pelo erro de
47
acreditar em quem não devia, do que errar pelo engano de
não ter acreditado em quem merecia. Só lamento que
Marlene venha, muito tardiamente, descobrir que a grande
esperteza da vida é não ser esperto.
48
PENSAMENTO
“Na nossa sociedade, privar um homem de um
emprego ou de meios de vida, equivale psicologicamente a
assassiná-lo.” (Martin Luther King – Pacifista norte-americano)
49
CAPITULO 5 - A GOTA D’ÁGUA
Triste Realidade
É inadmissível ver que um país com tamanha
extensão territorial, com terras e mais terras produtivas,
com um manancial de riquezas tão imenso, com um clima
tão maravilhoso, com uma posição geográfica tão
favorável, com um contingente de mão de obra tão vasto,
esteja em situação tão delicada, com uma população tão
empobrecida e a concentração de riquezas, em
desproporcional parcela, nas mãos de uma minoria, sendo
que em muitos casos levada pelo enriquecimento ilícito.
É triste ver um sistema educacional agonizante, com
professores tão mal remunerados e tratados com tanto
descaso, um sistema judiciário ineficaz e injusto, um
sistema de saúde pública falido esmolando CPMF, a
segurança pública maltratada, ineficiente e desacreditada,
a violência imperando, a corrupção desenfreada, tão
elevada taxa de desemprego, miséria, fome e dor por todos
os lados.
Torna-se inacreditável e difícil de entender os
absurdos que se ouve dizer dos responsáveis pelos
desígnios do país, tal como a criação do “imposto da
miséria”. É a flagrante auto-diplomação de
incompetência, de alguém que está assumindo a condição
de miserabilidade pela qual deveria estar lutando para
erradicar de forma eficaz e inteligente.
É doloroso ver e aceitar como realidade os
famigerados subsídios do vale-transporte, da bolsa-família
e outras tantas reticentes esmolas de uma administração
que não tem uma receita capaz de suportar as próprias
50
despesas, e ainda por cima assistir essa incompetência se
vangloriar disso em propagandas publicitárias nos
caríssimos horários nobres. Além disso, assumir
orgulhosamente tais paternidades nas campanhas
eleitoreiras.
A população quer empregos com salários dignos,
capazes de lhe permitir arcar com suas despesas e
necessidades. Quer o Estado cumprindo rigorosa e
competentemente com suas obrigações nos campos da
educação, segurança, justiça, saúde e previdência, pelas
quais ela paga pesadíssimos tributos, e deixe de enganá-la
com essas esmolas propositadamente ilusórias e
mascaradoras de uma realidade incontestável. A Nação
quer ver esse enorme contingente de formandos de cursos
superiores, escolas técnicas e de ensino profissionalizante,
que a cada ano são despejados dos estabelecimentos de
ensino, encontrando o seu espaço no mercado de trabalho.
Quer assistir aos milhares de jovens oriundos de cursos de
especialização profissional sendo aproveitados
imediatamente em seus setores de atividades, ao invés de
assisti-los pelas ruas, distribuindo panfletos de publicidade
comercial, trabalhando em pesquisas atraindo clientes
para escolas de informática e outras, operando como
auxiliares de camelô no profuso universo da economia
informal ou sendo atraídos à marginalidade pela falta de
oportunidades.
Desemprego: uma grave doença nacional
Do alto dos meus 58 anos de idade, vivenciando a
experiência de ser brasileiro, não consigo me acostumar
à idéia de que as buscas de soluções dos problemas de
51
nossos administradores públicos nunca são pautadas em
cortar o mal pela raiz. Neste país, não se aprende com os
erros cometidos e eles vêm sendo repetidos,
insistentemente, por anos e anos, há mais de quinhentos de
existência.
Pouco ouvi nos discursos políticos, tímidos
pronunciamentos de analistas especializados e referências
discretas de governantes admitindo que o problema do
Brasil seja estrutural. Se faça necessário analisar as
causas, avaliar os efeitos e tomar ações a partir da base,
da origem dos problemas.
O que é o desemprego? Por que atingiu
patamares tão elevados? Como buscar soluções?
Este é o caminho certo para a busca e resolução de
problemas, ao invés de ficar dando esmolas paliativas e
nocivas ao crescimento do indivíduo dentro da sociedade,
assim como ao desenvolvimento econômico e social de um
país. O homem, antes de tudo, precisa de ocupação e
emprego para arcar com a própria sobrevivência com
dignidade.
Não tive nenhuma dificuldade para obter o meu
primeiro emprego ao concluir o curso técnico de mecânica.
Eu não tinha experiência profissional, era recém-formado
e totalmente inexperiente em relação à vida, ou seja, tinha
todos os predicados dos recém-formados atuais, do jovem
brasileiro de hoje. A diferença fundamental era apenas
uma: oferta e procura. Havia procura de mão de obra em
equilíbrio com a sua oferta. Existiam oportunidades. O que
aconteceu nestes 35 anos? Bem, o primeiro passo é
levantar as causa, e elas são várias, algumas até
ignoradas, por se tratarem de fenômenos sociais e de
comportamento. Outras são mais difíceis de serem aceitas,
52
já que levam a desmistificar idolatrias políticas e deitam
por terra conceitos, bravuras e falsos heroísmos,
construídos na ignorância e desinformação de elevada
parcela da população, marca registrada desta tão sempre
mal contada história brasileira.
Comecemos por um fenômeno social e de
comportamento: o acelerado crescimento profissional
feminino.
A mulher que até o início/meados dos anos 60
era preparada para ser dona de casa, empregada
doméstica, quando muito, professora primária. Ela sofria a
pena de ter que se manter escrava do casamento. Quando
infeliz, ficava submissa ao marido, não tinha como sair
porta afora, por não dispor das condições para buscar a
própria sobrevivência, salvo raros casos. Com isso, a
mulher passou a encarar com afinco a necessidade de se
preparar para isentar-se dessa condição, procurou estudar
além do ensino básico, fazer cursos profissionalizantes e
universitários. Gradativamente, passou a ocupar postos de
trabalho antes reservados exclusivamente ao homem. Isso
ocorreu em profusa e crescente evolução, em muito pouco
tempo. Conseqüentemente, esse afluxo de oferta de mão de
obra passou a atuar como um elemento de preenchimento
maior das oportunidades de trabalho, com um agravante,
o do empresário aproveitando-se da situação para reduzir
custos remunerando a mão de obra feminina
oportunistamente aquém.
Analisemos, em seguida, outra causa
extremamente significativa: o erro estratégico sócio-
político-analítico.
Indubitavelmente, Juscelino Kubitschek foi um
grande estadista, carismático, trabalhador e bem
53
intencionado. Talvez o único que tentou fazer
estruturalmente algo de concreto neste país, só que pelas
avessas, já que cometeu um grave erro estratégico pela
falta da correta visão, da devida projeção de futuro e de
um planejamento bem definido.
Construir, inicialmente, Brasília, para quem já
tinha uma dívida externa incontrolável, pode ter parecido
um excelente empreendimento, mas não foi, já que foi um
investimento improdutivo, sem retorno financeiro. Seria, se
houvesse ocorrido em outra ordem, como poderá ser
observado mais à frente.
O desenvolvimento da indústria
automobilística, outro de seus empreendimentos, pecou
pela falta de visão e planejamento. Ora, a criação da
Fábrica Nacional de Motores e o
incentivo para implantação das grandes montadoras
multinacionais, com a conseqüente geração de indústrias e
serviços indiretos, despertou o homem rural, que
desassistido, acorreu à oferta de oportunidades nos
grandes centros, abandonando o campo e amontoando-se
nas grandes cidades. E, o êxodo não cessou com o
preenchimento das vagas e oportunidades. O homem do
campo continuou vindo, sub-empregando-se, sublocando-
se, proliferando favelas, marginalizando-se e
transformando os grandes centros na caótica realidade que
salta aos nossos olhos. Daí, um dos fatores do crescimento
acelerado da violência urbana.
Hoje, o país endividado, com pesados
compromissos com bancos e organismos internacionais,
teve o seu desenvolvimento inibido por causa desses
compromissos que se arrastaram por todos esses anos,
ocasionando um elevadíssimo índice de desemprego,
54
grandes centros superpopulosos, distribuição demográfica
desequilibrada, distribuição de rendas desproporcionados
e altíssimos índices de criminalidade
Se JK tivesse uma equipe competente, que
houvesse estabelecido um Planejamento de
Desenvolvimento Nacional baseado em uma projeção de
futuro adequada e uma visão realista,
teria pela ordem: feito uma reforma agrária;captado e
destinado recursos para o financiamento da produção
agro-pecuária;capacitado e assistido o agro-
pecuarista;incentivado a instalação da agroindústria;
desenvolvido potencial mercado externo;implantado a
indústria automobilística e mecânica, e só
depois,construído Brasília.
Outra causa, que é resultado em cadeia do
erro estratégico de JK, é: o acelerado crescimento da
economia informal.
Com a falta de oportunidades gerada pelo
transbordamento do mercado de trabalho, o cidadão
brasileiro se viu obrigado a buscar alternativas de
sobrevivência, o que levou ao desenvolvimento e
crescimento acelerado da economia informal e seus
maléficos efeitos: a não tributação, a falta de recolhimento
à previdência, o surgimento da indústria da pirataria e a
circulação de moeda em um mercado sem controle,
gerando a economia paralela. Conseqüentemente, a carga
tributária da economia legalizada é aumentada para
suprir as despesas públicas, a produção de bens e serviços
é inibida pela concorrência da informalidade, o mercado
financeiro entra em colapso contribuindo para o aumento
de juros sobre recursos de estímulo à produção, tendo
como resultado um maior aumento do índice de
55
desemprego.
Existem outras causas, mas as citadas são
as principais. É na análise das causas que concluímos os
efeitos, e é no conhecimento profundo de todo um contexto
que deve ser construído um planejamento par solucionar a
questão do desemprego e de muitos outros problemas
nacionais, não através de programas paliativos e
ineficazes. Nosso problema é estrutural e não são
programas e medidas isoladas que irão nos propiciar o
desenvolvimento e crescimento. É pela estrutura que
devemos começar, sabendo que demanda tempo, trabalho
exaustivo, dedicação e participação de toda a nação,
sobretudo colocando o amor à pátria acima de todos os
interesses pessoais, de categorias ou grupos. Devemos
abandonar o egoísmo que se apoderou de muita gente,
propiciou privilégios e elitização de muitas classes sociais
e profissionais, pensar na reversão dessa caótica situação
em que o país se encontra. Precisamos aprender que um
conjunto é formado de peças e seu funcionamento depende
de todas as peças estarem ajustadas em sincronia absoluta.
Se o governo não entender assim, o empresário não
entender assim, as instituições e seus corpos não
entenderem
assim, as diversas classe e categorias não entenderem
assim, cada um defendendo o seu único interesse, sem
perceber que os demais devem ser supridos de recursos e
instrumentos de operação, a máquina emperra e nada
funciona.
Também deve ser analisada a ordem das
medidas e das reformas, para não tomar ações pela ordem
inversa, repetir os mesmos erros do passado e continuar
sem sair do lugar.
56
Que se faça um pacto social de verdade,
abandonando-se a ânsia pela poder, unindo-se me torno de
um objetivo comum, único. Que se analise o contexto,
conclua-se e proceda-se um Planejamento Nacional de
Emergência, caso contrário o brasileiro permanecerá
nesta incômoda situação de desemprego, refém de
programas pseudo-sociais e miseráveis.
Estes homens públicos que desconhecem a realidade
brasileira porque não transitam pelas ruas em condições
de insegurança e o fazem em seus luxuosíssimos carros
blindados, de vidros fumê e cercados por uma escolta
particular pagos com as verbas que deveriam estar
utilizando em benefícios sociais, não podem enxergar a
quantidade de mendigos esmolando por todos os cantos,
gente conduzindo cartazes implorando um emprego e seres
humanos revirando as latas de lixo a lamber os restos de
guardanapos e recipientes descartáveis com resíduos de
molho, manteiga e polpa de frutas ou iogurtes.
É estarrecedor e deprimente vê-los falar de
urbanização de favelas, quando o melhor seria
convencerem-se de que favelas não deveriam existir, pois é
o retrato de suas próprias incompetências e o fruto de suas
irresponsabilidades em cinco séculos de administração
pública. O que deveriam era aprender e empreender um
programa de descentralização urbana através de
administrações competentes e inteligentes, destituídas de
politicagem e revestidas de uma política social e
econômica cuidadosamente planejada e conduzida.
É ridículo assistirmos as campanhas no horário
eleitoral obrigatório, que se estamos em um regime
democrático, essa democracia deveria ser exercida, com as
57
propagandas eleitorais sendo transmitidas em horários
alternados em canais diferentes, permitindo-nos a
alternativa de não sofrermos, por nossa própria escolha,
com os absurdos que se vê. Chega a ser inacreditável
observar aqueles indivíduos fazendo promessas
mirabolantes de soluções de problemas que nem mesmo
conhecem as origens e que nem mesmo, às vezes, é de
competência do cargo que pleiteiam. E o que é pior,
estarrecer-se com os candidatos a reeleição arrotando
feitos maravilhosos de sua gestão que trouxeram benefícios
incalculáveis a uma sociedade que estamos vendo rota,
miserável e desassistida em todos os aspectos, quando
apenas o que conseguimos enxergar foi vê-los votando o
aumento astronômico de seus salários, desviando verbas
em benefícios próprios através de mecanismos ilícitos e
aumentando seus patrimônios de forma avassaladora.
Potenciais mal explorados: Este país possui
fontes de riquezas incomensuráveis. Temos potenciais
imensos, não explorados ou mal explorados. Pode-se citar
vários, que garantiriam ocupação, emprego e receita.
As prefeituras, governos estaduais e federal, para
aumentarem suas receitas, preferem o caminho mais curto
e cômodo: a sobrecarga de tributos fiscais. Se ao invés
disso, criassem formas de exploração das riquezas e
potenciais que possuímos, arrecadariam muito mais e não
desequilibrariam a economia do país.
Falemos de dois enormes potenciais: o agro-
pecuário e o turístico.
Avaliar potenciais de produção agrícola e
pecuária traria enormes benefícios, como já foi discorrido
ampla e excessivamente em capítulos anteriores.
58
A promoção de eventos, por todo o território
nacional, transformaria a indústria do turismo em uma de
nossas mais rentáveis. Temos uma cultura regional e
folclórica riquíssima, além de contarmos com uma beleza
natural que enche os olhos de quem quer que seja; um
acervo histórico maravilhoso e um universo artístico de
primeira grandeza. O que não sabemos é explorar isso.
Um impulsionamento neste sentido estaria
estimulando as artes e os artistas, gerando empregos em
profusão, aumentando a receita de municípios, estados da
federação e do país, trazendo divisas e conseqüências
salutares ao sistema econômico-financeiro nacional.
Explorar o turismo significa unificar arte,
cultura e beleza natural, riquezas que temos de sobra, em
torno de um objetivo maior. É preciso se mexer, ao invés
de ficar esperando, de braços cruzados, por oportunidades
milagrosas. Os formandos das faculdades de turismo
poderiam fazer um levantamento de potenciais turísticos,
desenvolver planos de execução e apresentá-los às
prefeituras e governos estaduais. Esses órgãos, por sua
vez, se incumbiriam de viabilizá-los, abrir concorrências
para a estruturação física: estradas, aeroportos,
rodoviárias, restaurantes, hotéis, pousadas, salões e
galpões de eventos; proceder calendários, divulgá-los
nacional e internacionalmente; enfim, alavancar com
afinco esse potencial de desenvolvimento que dispomos e,
conseqüentemente, colherem benefícios advindos da
iniciativa.
Imaginem concursos de corais, apresentações de
orquestras sinfônicas, de corpos de bailes, de companhias
de balé, grupos de dança, feiras de livros, festivais de
canções, de cinema, de poesia, feiras de artesanatos,
59
mostras de teatro, concursos e apresentações de bandas
nacionais e outros tantos, em locais aprazíveis e belos
como as serras e montanhas de Minas, o litoral fluminense,
capixaba, sulino e nordestino, as regiões bucólicas e
sertanejas de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná,
Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Minas Gerais,
interior de São Paulo; nos folclóricos Norte, Nordeste, Sul,
Sudeste e Centro-Oeste; nas regiões pantaneiras deste
país-continente tão rico e maravilhoso.
Imaginem o campo fértil que estaria sendo
aberto aos artistas nacionais, aos nossos intelectuais, que
por sua vez, estariam divulgando suas obras dentro da
proposta de edificação do novo cidadão brasileiro, da
estruturação e educação do jovem em formação, com
mensagens compatíveis a esse processo tão necessário.
Imaginem quantos profissionais de outras áreas
seriam beneficiados através das oportunidades paralelas
que surgiriam.
É preciso criatividade, vontade e determinação
de todos, e, sobretudo, a união de esforços, seja da
sociedade como dos governantes.
E era em discussões cada vez mais acirradas sobre
esta tão degradante e desestimulante condição social,
política e econômica, que Marlene pautava seus temores e
manifestava todo o seu descontentamento, dando a
entender que uma possibilidade de bater em revoada
novamente era uma questão de muito pouco tempo.
Muitas vezes cheguei a imaginar que Marlene
apenas viera ao Brasil, não em atendimento ao meu apelo,
reassumindo sua vida junto aos filhos e a mim, mas aqui
apenas viera para preparar condições de regressar por um
tempo ainda maior, rever apenas os filhos, me dar o tiro de
60
misericórdia e organizar o campo para uma nova ausência,
muito mais prolongada. E não demorou muito tempo para
que através de contatos telefônicos, deixar eu perceber que
a sua volta seria eminente.
Os abutres da exploração da rede de tráfico de
mulheres sentem o cheiro da carne podre a milhares e
milhares de léguas, e já farejavam a sua presa, urdindo,
com certeza, o processo de rapinagem rapidamente. Eu
podia perceber isso no ar.
A inquietação cada vez mais crescente ia modelando
um quadro de ansiedade flagrante, alusões sutis e outras
indisfarçadas iam tornando prementes uma tomada de
decisão e Marlene com resquícios de uma maldade cada
vez mais debochada, delineava em seu semblante e atitudes
os traços de Heloísa.
E veio a gota d água. Uma manobra política interna,
em minha empresa, aliada a insatisfação gerada na diretoria
pela minha queda de rendimento e inconsistência no
exercício de minhas atividades profissionais, ocasionado
pela fragilidade emocional de que estava acometido, dado
este drama que estava vivendo, definiram minha demissão,
agravando a situação e alarmando Marlene ainda mais.
Procurei tranqüilizá-la aludindo que em muito pouco
tempo encontraria uma nova colocação, mas muito mais
que isso, tinha um projeto de instalação de um negócio
próprio com os recursos provenientes de minha indenização
trabalhista e não tardei a dar andamento em sua
consecução. Cada passo que eu dava era motivo de críticas
de sua parte e razões da manifestação de seu ceticismo
quanto ao sucesso de qualquer empreendimento no
momento em que milhares de alternativas naufragavam
pela proliferação que o crescente número de
61
desempregados despejava em um mercado efervescente em
pulverização de todos os tipos de iniciativas comerciais e
industriais. E ao invés de contar com seu apoio, recebia o
desestímulo, e em lugar de sua solidariedade, percebia uma
contrariedade cada vez mais acentuada.
A partir de determinado momento, comecei a
perceber em Marlene um empenho muito grande em
provocar minha aversão a ela. Eu sentia que buscava
claramente suscitar sobre ela um sentimento de ódio e
repulsa, revestindo-se insistentemente de Heloísa, como
que querendo desencadear um processo de desamor, mas
cuidando de preservar os laços de amizade e manter vivo o
sentimento de solidariedade que sou possuidor.
O que pude concluir é que se tratava de uma
manobra muito bem tramada, pois caso decidisse voltar,
queria evitar novamente o meu assédio inquietante durante
a sua permanência lá, acreditando que eu cometeria o
desplante de recebê-la novamente de volta quando lhe
aprouvesse. E mais ainda que isso, queria contar com o
meu apoio, pois se apavorava com a idéia de ter que deixar
os filhos em companhia do pai, considerando que seria um
retrocesso na conquista de independência dele, que bem ou
mal, já havia logrado.
Marlene já tinha tudo, ou quase tudo, que
justificasse a sua decisão de regressar, faltava apenas mais
um pequeno impulso e diante de um quadro tão
comprometedor, era uma questão de pouquíssimo tempo.
Era como se estivesse sentada sobre um barril de pólvora
aguardando a centelha derradeira para detonar a carga
explosiva e a alguns passos me encontrava
desesperadamente tentando cavar um buraco bem profundo
capaz de soterrar aquele arsenal perigoso e fatal. Mas não
62
havia argumentação suficiente a demover ou mudar sua
opinião. Toda e qualquer tentativa de minha parte era
rechaçada com um bombardeio de razões irrefutáveis.
Senti-me como um pregador no deserto a falar inutilmente
ao vento, e minhas ações refletiam instabilidade ao invés de
segurança. Eu me agarrava ao meu projeto que pela força
das circunstâncias se desenvolvia lento, não podendo ser
acelerado, pois exigia acuidade e um cadenciamento
progressivo bem definido e melindroso para não incorrer
em falhas que poderiam comprometer o seu sucesso.
A demora de resposta provocava intranqüilidade,
despertavam críticas, incredulidades e reforçava mais os
conceitos e as incertezas de Marlene, cada vez mais
impaciente e intolerante.
Quis fazê-la enxergar que a pressão exercida criava
uma instabilidade muito grande e aflitiva e mencionar a ela
que fora justamente essa instabilidade emocional
desencadeada em mim com a apreensão e preocupações de
sua ida, as contradições, suspeitas e incertezas em seu
incurso, a causa do delineamento de meu caminho rumo à
demissão, irritou-a profundamente, que segundo seu ponto
de vista, emoções não exercem influências no
comportamento a ponto de submeterem alterações tão
relevantes.
O que se pode entender dessa sua posição é que
prostitutas são obrigadas a romper com as emoções e
desvestir-se de qualquer condição de sensibilidade,
alienando-se de sentimentos de amor e prazer, pois o
desgaste emocional provocado seria tão desastroso e muito
mais acelerador do processo de desgaste físico e o exercício
deste mecanismo acaba por transformá-las em máquinas
frias e calculistas, impondo-lhes imensas dificuldades em
63
reabilitar os sentimentos, podendo até se tornar irreversível
e fazendo-as acreditar que emoções são fraquezas
desprezíveis.
Em meio a todo esse turbilhão, eu me aprofundava
em pensamentos e reflexões. Avaliava causas e efeitos,
buscando incessantemente respostas, razões e justificativas,
mas procurando preservar a lucidez para ordenar
mentalmente este confuso universo de desencontros e
incoerências.
Passei a me preocupar mais em manter o equilíbrio e
evitar incursar-me perigosamente no campo da loucura, por
sentir-me muitas vezes, caminhando sobre a linha que a
separa da razão. E, assim, diante de toda essa turbulência,
pedia a Deus para me dar sabedoria, me tornando capaz de
não julgar e, sobretudo, não condenar, pois ninguém
melhor que a própria Marlene poderia saber por que
chegara até ali nas condições em que se encontrava.
Ninguém poderia saber melhor que ela os caminhos que
havia percorrido, o que lhe havia sido imposto para que
tivesse chegado aonde chegou.
64
PENSAMENTO
“Cada criança é uma aventura em uma vida
melhor, oportunidade para mudarmos padrões antigos e torná-
los novos.” (Hubert Humphrey – Ex Vice-Presidente dos
EEUU)
65
CAPITULO 6 - O REGRESSO
Ideal de Justiça Social
Transcrevo abaixo, na íntegra e sem mudar
qualquer linha, frase ou parágrafo, uma carta que minha
filha, Renata, na inocência de seus dez anos de idade
escreveu a Deus, cuja carta eu achei por acaso, ao
procurar na escrivaninha de seu quarto uma régua que
precisava para tirar uma medida qualquer.
29 de abril de 1984
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, América do
Sul, Planeta Terra.
Deus,
Eu, Renata, queria pedir para Você dar um jeito
de acabar com o dinheiro e com tudo que fosse artificial, menos
os parques de reserva natural, como: Municipal e Mangabeiras,
nem com as bancas de revistas, os videogames e televisões a
cores. O resto eu até gostaria que acabasse. E as pessoas
morassem nas roças, fazendas e sítios. Os animais só comessem
frutas, verduras e legumes, e as pessoas também. Ninguém
matasse animais para comer. E as pessoas criassem animais
para serem amigos delas. E que as pessoas nunca se
lembrassem que a maldade já tivesse existido. E que até as
cobras fossem amigas do homem. Se possível quero resposta. E
que nunca mais existam doenças.
Renata
66
Não é de se surpreender que alguém quando
criança, mesmo tentando salvar os videogames, as bancas
de revistas e as TVs em cores, possuindo tão nobres ideais
de justiça social, houvesse se graduado em Ciências
Sociais e Humanas, o que surpreende é que quase depois
de cinco anos de formatura, ainda não tenha encontrado
espaço em seu campo de formação.
Com sua carta a Deus, que até hoje guardo comigo,
Renata me deu a certeza que a juventude possui dentro de
si a pureza do senso de justiça, que é no processo de
educação e construção de valores que se edifica o ser
humano adulto futuro, daí eu acreditar que a construção
de uma nova consciência nacional através da educação é o
primeiro e mais importante passo, que é nessa juventude
em formação que reside à esperança de se construir
valores muito mais elevados para que o futuro do país seja
promissor.
Mas, não basta o investimento na juventude, como
também a reeducação daqueles que ainda preservam
dentro de si ideais de justiça social, que se acomodaram
ante tanta desfaçatez e tiveram valores inibidos pela
hipocrisia do descaso, mas que ainda clamam por
mudanças e encontram-se limitados e acuados, assistindo
com perplexidade essa balbúrdia que desfila incólume,
irrefreável e irresponsavelmente aos nossos olhos.
Somos uma nação em sua maioria formada por
homens de bem e essa imensa maioria divide-se em duas
parcelas distintas. A primeira, bem menor, é constituída de
pessoas que pela força das circunstâncias que lhes fora
imposta estão aprofundadas no simesmismo e que dado a
uma melhor oportunidade recebida sobrevivem na base do
“salve-se quem puder”. A segunda, consideravelmente
67
maior, sobrevive à duras penas com escassíssimos recursos
provenientes de um salário irrisório ou de atividades não
legalizadas em registro de trabalho regular, sofrendo toda
a sorte dos efeitos ocasionados dessa ingovernabilidade
instalada no país. São seres humanos em quase absoluta
petição de miséria, sentindo na pele o resultado desastroso
de uma administração pública que, antes de ser
incompetente é irresponsável e impiedosa. É lógico que
existem homens sérios e imbuídos de nobres propósitos,
mas que estão limitados em suas ações pela condição de
ingovernabilidade que as administrações anteriores lhes
legaram e engolidos pelas tramóias dos irresponsáveis de
hoje.
Violência, criminalidade e justiça – É alarmante
o aumento da violência e da criminalidade no país nos
últimos tempos. Fala-se em Reforma do Judiciário, mas de
concreto, nenhuma ação. Estamos atrelados a um Código
Penal arcaico e caduco, que não acompanhou a evolução
dos tempos e não sofreu qualquer modificação substancial.
Criticar o Poder Judiciário é muito cômodo,
proceder a reformas exige muito mais. O que se ouviu do
Poder Executivo, em todos esses anos, foram promessas de
aumentar o efetivo policial, unificar forças policiais e
construir mais penitenciárias. Apregoou-se isso, sobretudo
em ocasiões de eleições, quando reeleições são pleiteadas.
Combater a violência e a criminalidade não é
isso, significa levantar e erradicar as causas que conduzem
o indivíduo às suas práticas, promover reformas
judiciárias que punam exemplarmente os infratores da lei e
da ordem e, sobretudo, combater veementemente a
impunidade que reina no país.
68
É preciso rever os Códigos Civil e Penal, impedir
que beneficiem infratores, façam com que a repressão se
processe eficazmente e não desestimule a força policial.
Essa empreende esforços , mas se sente desmotivada diante
do quadro de impunidade que assiste constante e
regularmente.
Somos uma sociedade em estado democrático
que, paradoxalmente, tem sua liberdade tolhida, impedida
de transitar livremente diante das constantes ameaças que
sofre de assaltos, violências, estupros, seqüestros e outras
tantas ações criminosas, seja à luz do dia ou à noite. Uma
sociedade que tem a sua liberdade ameaçada por invasões
de seus próprios domicílios, sejam condomínios fechados,
prédios residenciais ou casas.
Quanto ao Poder Legislativo, há de se considerar
que seus ocupantes são eleitos por uma sociedade, em sua
maioria, destituída do embasamento adequado, por isso,
elegem (em todos os âmbitos; municipal, estadual e
federal) representantes totalmente despreparados para o
exercício do cargo. Em outro caso, elegem pessoas com o
único propósito de tirarem proveito do cargo para
benefícios próprios, geralmente escusos. E, para finalizar,
há de se considerar que existem representantes sérios,
éticos e bem intencionados, mas que ficam limitados pelas
pseudo coligações partidárias e do exercício das tramóias
politiqueiras que desfilam no cenário nacional.
Focalizar este quadro confuso e esdrúxulo pode-
se usar dois momentos nacionais que resultaram em
equívocos: novo Código Nacional de Trânsito e Estatuto
da Criança e do Adolescente.
69
NOVO CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO:
No Brasil, criam-se leis aleatoriamente. Em geral, elas são
criadas nos momentos críticos, exatamente nas situações
de pânico social. Ou seja, quando a sociedade clama por
regulamentação de situações de descontrole e que estejam
gerando convulsões sociais. Imediatamente, os legisladores
(essa classe tão despreparada e tão desprovida de
condições do exercício do cargo para o qual foram eleitos,
muitos deles até mesmo sem saber quais as
responsabilidades inerentes ao cargo que ocupam) passam
a criar normas e regulamentações visando apenas atender
aquela necessidade premente, sem proceder a análises e
avaliações e, se aprovadas, sem definir um projeto de
implantação adequado. Isso ocorreu com o Novo Código
Nacional de Trânsito, que tão logo entrou em vigor,
surgiram questionamentos primários como: de quem é a
responsabilidade? Estadual ou Municipal? Seria da
polícia ou da administração pública? Como será multado o
pedestre? E tantos outros questionamentos que o resultado
está aí, nada mudou nas condições desastrosas do trânsito
e nasceram novas maracutaias, como a venda de pontos da
carteira de habilitação, a indústria de fabricação de multas
e a indústria do recorrimento dos escritórios advocatícios.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE: A criação do Estatuto da Criança e do
Adolescente para uma sociedade com as diferenças sócio-
econômico-culturais como a nossa e destituída de uma
fórmula de equilíbrio entre o aspecto patológico e o
emocional do indivíduo, é a constatação inequívoca de um
Poder Legislativo incompetente e irresponsável; e de um
Poder
70
Judiciário limitado. Além do mais, fazer o estatuto sem
criar dispositivos de regulamentação e sem aparelhar o
Estado para o cumprimento de suas exigências é sinônimo
de incompetência.
É disso que nossa sociedade precisa:
INFORMAÇÕES. Aos seus ouvidos chega somente a
propaganda política, muita bem elaborada pelos institutos
de marketing, que escondem os aspectos negativos e
discutíveis e a mantém mergulhada no obscurantismo
providencial ao poder constituído e às classes elitizadas
desse poder.
DISPOSITIVO DE EQUILÍBRIO: Nada funciona
sem um dispositivo de equilíbrio. Um avião, por exemplo,
não se manteria no ar e nem mesmo poderia cumprir uma
rota, sem as suas asas; ou uma panela de pressão
estouraria se não tivesse a válvula de escape. Assim como,
um tribunal de júri jamais chegaria ao consenso entre
defesa e acusação se não houvesse a presença do juiz do
tribunal. Desta forma, a justiça deveria se equipar de um
dispositivo de equilíbrio.
Analisemos o Estatuto da Criança e do
Adolescente. Vejam como as opiniões se divergem. De um
lado, muita gente defendendo a sua inquestionabilidade, de
outro, muitos exigindo uma revisão imediata.
Por que não utilizar um dispositivo de equilíbrio?
Entre os aspectos legislativo e judiciário inserir o aspecto
patológico? Seria a melhor maneira de se fazer justiça com
isenção e poria por terra essa mania nacional de usar
assuntos sérios com finalidades politiqueiras e eleitoreiras.
Para isso basta entender que a mente humana é
regida por dois aspectos: o patológico e o emocional;
71
como também nos conscientizarmos que devem participar
da elaboração de leis, especialistas como médicos,
psiquiatras, psicólogos, sociólogos, neurologistas e neuro-
psiquiatras.
Deve-se avaliar não ser possível adotar o mesmo
critério de julgamento para um indivíduo que cometeu um
delito movido por uma necessidade de sobrevivência ou
por uma emoção circunstancial; àquele adotado no
julgamento de um indivíduo levado ao delito pelo estado
patológico. E, nem mesmo, admitir que os mesmos sejam
punidos e recuperados no mesmo ambiente, com os
mesmos critérios. Por isso mesmo, há de se rever o
Estatuto da Criança e do Adolescente, para que ele não
proteja inadequadamente o menor que comete um delito
motivado pela psicopatia(aspecto patológico)e requeira
sua internação em regime especializado pelo período
necessário, ainda que exceda o limite de idade, ao invés de
devolvê-lo prematuramente às ruas e venha cometer novos
delitos; ao mesmo tempo em que ele permita ao menor que
comete o delito motivo pela condição de
miserabilidade(aspecto emocional), seja assistido em
ambiente adequado, dentro do limite de idade e
reintegrado à sociedade devidamente recuperado.
Imaginem uma construção arquitetônica somente
com a contribuição do arquiteto e do pedreiro, sem a
participação do engenheiro?
Como pode uma sociedade escolher seus
representantes e analisar suas atuações sem o
conhecimento necessário, sem a informação e sem a
capacidade de análise? Como uma sociedade pode
entender se uma lei está correta ou se as reformas em
72
andamento atendem os interesses da nação? Se ocorrem
adequadamente?
Há de se criar para a sociedade um fator de
equilíbrio: UM NOVO MODELO EDUCACIONAL.
Eram telefonemas pra lá, telefonemas pra cá,
contatos daqui e de lá, um movimento incessante, um vai-e-
vem constante. Poucas palavras eram suficientes para
indicar o que estava acontecendo e eu percebia em Marlene
uma preocupação enorme, um medo muito grande de dar o
passo decisivo. Em uma de nossas conversas, falou do ódio
de si mesma em haver se sensibilizado em ouvir meu apelo
para que voltasse tão prematuramente e do tempo que
perdera em razão disso, pois nesses seis meses que aqui
estava teria dado prosseguimento nos objetivos que a
haviam levado e agora já poderia estar de volta em
condições consideravelmente melhores e definitivas. Já
com trinta e quatro anos, corria o risco de não mais ser
aceita, pois já é uma idade considerada avançada para o
exercício da profissão e tivera problemas da vez anterior.
Além disso, temia o risco de insucesso no processo
migratório, relembrando as dificuldades que igualmente
enfrentou em sua primeira incursão.
Como pode alguém imaginar que um homem viva
tal situação em condições de insensibilidade e dentro de
absoluta normalidade? Para Marlene, era uma fraqueza e
um desequilíbrio incompreensível, minha tentativa de
dissuadi-la da idéia e a proposta de unirmos forças para
derrotar as adversidades que poderiam ser vencidas em
nome de um objetivo mais digno. Com isso, deu lugar a me
preparar para o seu novo regresso, criando expectativas de
me encontrar, sabe Deus quando, de braços abertos a
73
esperá-la. E o seu intuito era maior, pois queria deixar os
seus filhos no apartamento que eu montara, pretendendo
conseguir alguém de sua confiança para destinar-lhe a
responsabilidade de cuidar dos mesmos durante sua
ausência. Obviamente, com ela enviando mensalmente os
recursos financeiros para a manutenção desta situação.
Eu não pude acreditar quando Marlene me disse que
seus filhos com cinco e sete anos de idade já tinham caráter
e personalidades formados ao aludir que a sua ausência,
naquela fase de formação de valores, lhes seria muito
prejudicial em seus processos de desenvolvimento. Era
inacreditável que alguém com demonstrações, muitas
vezes, de raríssima inteligência, pudesse revelar tamanha
ignorância diante de questão tão delicada, e isso, permitia
dimensionar a impulsividade determinada de que estava
acometida e a certeza que nenhum argumento seria capaz
de reverter a sua decisão.
Sua preocupação como mãe residia muito mais no
aspecto da estrutura econômica do que na estrutura
emocional. Ela pensava em construir um futuro para os
filhos que lhes garantisse moradia, alimentação e formação
profissional, negligenciando em edificá-los como
indivíduos emocionalmente estruturados e capazes. Isso me
fez lembrar que permaneci dezoito anos em um casamento
infeliz, em razão de permitir que minhas filhas crescessem
em um lar de ambiente familiar constituído e
desenvolvessem uma estrutura de valores pautada em
princípios sociais de união, participação e agregação.
Nestes momentos, apodera-se da gente um
sentimento ímpar. Passamos a nos perguntar se estamos
agindo corretamente em sermos coniventes com uma
situação da qual nós mesmos discordamos, só para agradar
74
e possibilitar a satisfação dos anseios de uma pessoa que
não está sendo, aos nossos olhos, coerente e responsável.
Também passa a ser objeto de avaliação a falta de
oportunidades que outras pessoas envolvidas estejam
merecendo em uma decisão que não deve ser unilateral,
nem mesmo imposta pela posição egoísta de querer inferir
ditames de uma onipotência a que não tem direito
exclusivo. Por outro lado, vem a indagação de nós mesmos,
perguntando se temos direito de interferir e qual a
competência que temos para julgar aquilo que não nos é de
direito. Ao mesmo tempo em que a razão nos cobra a
responsabilidade de um cumpliciamento que no futuro
possa nos colocar diante do nariz o dedo acusador de nossa
própria consciência.
Não se tratava mais de lutar para impedir a ida de
Marlene, mas de não participar como co-autor de uma
atitude que eu deplorava, deixar seus filhos à mercê de uma
ausência de responsabilidades comprometidas com a base
familiar.
Apostando que o pai, pelo que percebi em suas
atitudes como tal, sem que tenha ao menos conhecido
pessoalmente, deveria ser o guardião de suas
responsabilidades e entendendo que as razões de Marlene
fundamentadas na infelicidade de seu convívio mútuo, não
o desqualificava do exercício da função paterna e que pelo
menos sua presença aliviaria a ausência da mãe, tramei e
desferi o golpe crucial.
Criando uma situação de discussão e
desentendimento entre mim e Marlene, fingi um desatino
muito grande, culminando com uma determinação em
revide que acorresse a outro local e condição para que
deixasse os filhos em sua partida, provocando uma reação
75
imediata de repúdio e ferida por uma pressuposta rejeição
de apoio aos mesmos, instantaneamente, convocou o pai
para lhe confiar a guarda dos filhos. Sentenciou que com
aquela atitude eu estava dando a ela tudo o que precisava
para definitivamente decidir pelo seu regresso, retomando
seu objetivo a qualquer preço e jurando ir até o fim
conforme a princípio havia planejado. Em contrapartida,
rompeu comigo compromissos de qualquer natureza.
Talvez, Marlene nunca venha entender o bem que
lhe fiz e aos filhos, como também à sua filha, que desta
forma se livrava de uma responsabilidade que lhe estaria
sendo imputada e para a qual ainda não reunia a suficiente
maturidade, que a si estava sendo legada de uma forma
inadequada por uma ação inconseqüente e desavisada.
A filha, por sua vez, sentia-se envergonhada em ter
que voltar para um lar de onde um dia saíra em
solidariedade à mãe. Por isso, lhe permiti que mudasse para
minha modesta moradia de quatro cômodos com todo o
mobiliário que a compunha e transferindo apenas para
Marlene a responsabilidade de locação do imóvel.
Mudaria-me para o apartamento, quando ela seguisse o seu
destino e os filhos fossem confiados ao pai.
Minha consciência, a partir daí, se tranqüilizou e
passei a entender que agira corretamente, mesmo que a
indignação de Marlene colocou por soltar-lhe todas as
cobras e lagartos sobre mim, que pelo conjunto de minha
obra intitulou-me “burro, desequilibrado e desprezível”.
Deram início os preparativos para sua ida. Não me
furtei em solidarizar-me a ela na nova investida em
regularização de documentação e outras tantas coisas que
precisava organizar, mesmo ante seu desprezo e descaso e
um deboche irritante que vez ou outra despejava sobre
76
mim, como se quisesse me ferir e punir.
Com certeza, em algum momento no amanhã de sua
vida, ela vá reconhecer que em um instante muito difícil eu
fora o único que lhe estendera as mãos, a própria vida se
incumbe disso, e não medira esforços e conseqüências para
ajudá-la, mesmo que com parcos recursos que, entretanto,
lhes possibilitaram dar o passo primeiro que lhe abriu
portas, massageando o seu ego, elevando sua auto-estima e
abrindo mão de mim próprio para que pudesse lograr êxito
em seus anseios. Talvez um dia, quem sabe, se envergonhe
em me cobrar atitudes, quando suas atitudes para comigo
não lhe credenciaram tamanha pretensão. E, muito
provavelmente, quem sabe, terá adquirido um pouco de
sabedoria suficiente para aquilatar o único verdadeiro
amigo e companheiro que teve em sua vida, que
irresponsavelmente atirou no lixo.
Contudo, eu pude ver claramente que Marlene era o
produto de um meio gerado pela inconseqüência
administrativa, pela incompetência na direção dos rumos
do País, pela corrupção escandalosa e volumosa que cerceia
a politicagem irresponsável de norte a sul, leste a oeste, do
território nacional, pela gana famigerada do poder e suas
terríveis conseqüências, que transformaram este em um
país desacreditado, de pouquíssimas e restritas
oportunidades, levando milhares de seus filhos ao
desespero, em busca de alternativas indignas e desonrosas,
à marginalidade, ao desajuste social e ao caos humano.
Em uma movimentação frenética e descontrolada,
Marlene se preparava para partir, e de forma confusa e
desordenada dava demonstrações do conflito íntimo que
enfrentava, procurando disfarçar uma segurança que não
tinha em contraste com uma insegurança que exalava
77
através da incoerência de suas atitudes e das contradições
em tudo que afirmava. Falou-me que desta vez estava se
dirigindo para um outro país, em uma outra atividade, ao
mesmo tempo em que reafirmava voltar ao mesmo lugar
para o exercício da mesma prática. O que precisava nas
linhas, negava nas entrelinhas, e o que escondia entre os
dedos ostentava nas palavras e gestos.
Marlene partiu, sem ao menos me dizer adeus, foi
encontrar Heloísa, ou quem sabe lá, Heloísa que foi ao
encontro de Marlene que por lá ficara, não importa.
Deixou-me aqui mergulhado nas dívidas que
contraíra para inutilmente tentar convencê-la a ficar e
encontrar uma razão maior para aqui permanecer. Sepultou
meu sonho de realização afetiva, que deu lugar a um novo
sonho: erguer uma bandeira e empreender uma luta para
que novas “Heloísas” não nasçam da desesperança que
cresce no coração de uma Nação inteira, cada dia mais,
cada vez mais.
Este episódio acabou por consumir definitivamente
com os devaneios de um jovem que neles cresceu
alimentando-os, tornou-se adulto na ilusão de sua
realização, e que mesmo sem a tão sonhada companheira,
quer terminar os seus dias assistindo uma nova realidade
capaz de impedir o naufrágio dos sonhos dos milhares de
jovens de seu país.
78
PENSAMENTO
“A juventude de uma nação é a fiadora de sua
prosperidade.” (Benjamin Disraeli – Ex-Primeiro Ministro
Britânico)
79
CAPITULO 7 - O FUTURO
Visão de Futuro
Se continuarmos nessa marcha, o futuro que nos
espera deverá ser mais triste e tenebroso que a nossa atual
realidade.
Com 24% da população economicamente ativa
desempregada e 40% atuando na economia informal (não
são índices oficiais, mas amplamente divulgados nos
telejornais) é possível entender porque a arrecadação do
Estado é insuficiente para cobrir as despesas e porque a
Previdência é tão deficitária.
A distribuição de renda tão desequilibrada e a
concentração de riquezas em poder de uma minoria,
aliadas às artimanhas da sonegação fiscal, são outras
causas que surtem o efeito de uma receita insuficiente.
A corrupção deslavada que desvia verbas
municipais, estaduais e federais para os paraísos fiscais
através de manobras urdidas por transações comerciais
entre empresas fantasmas aqui e nestes edens, explica o
sumiço do capital circulante, a evasão de divisas, a
infinidade de obras inacabadas, muitas delas gigantescas,
e o déficit da receita.
Onde estão esses 24% de desempregados? Uma
parcela que cruzou fronteiras, legal ou ilegalmente, em
busca de nova alternativa; outra compondo uma parte dos
40% que atuam na economia informal; uma terceira
vivendo de esmolas de parentes e uma muito maior, em
absoluta miséria nas encostas de morros, debaixo de
viadutos e pelas beiras das calçadas dos grandes centros,
farejando migalhas, esmolando e revirando latas de lixo.
80
Esse batalhão que compõe a economia informal não
só deixa de recolher os tributos da pessoa física e não
contribui com a Previdência, como também opera com
produtos não tributados da indústria igualmente informal,
da indústria da pirataria, das articulações de sonegação de
impostos e do contrabando.
Ora, se os homens públicos no exercício de suas
funções, à primeira instância preocupados com o seu
enriquecimento pessoal e ilícito, não entenderem que a
economia reside na administração competente de todos os
seus setores, e não apenas na prática do tabelamento de
juros extorsivos e cargas tributárias elevadas sobre bens e
serviços, torna-se impossível o crescimento econômico, o
ajuste social, o equilíbrio da economia interna e externa, a
captação de divisas, o funcionamento regular do mercado
de capitais e a sadia circulação monetária interna.
Mas eles nem sabem disso e nem preocupam em
aprender, arremetem-se à política com o mero propósito de
um profissionalismo altamente rentável, gigantescamente
corruptível e atraentemente propício ao fascínio do
exercício do poder. Com um agravante: levados pelas
mãos de uma população mal formada e mal informada,
iludida com campanhas eleitorais magnificamente
elaboradas e promessas de realizações que nem mesmo
eles sabem o caminho para atingi-las.
Mas, como cobrar de políticos e eleitores, se no
curso de anos e anos tudo que aprenderam foi apenas isso?
Somos produtos do meio em que vivemos e se por quem
compete nada está sendo feito, ou melhor, o que está sendo
feito é isso que se vê, o cidadão brasileiro está se
especializando em maracutaias e cambalachos, buscando
se defender através da “Lei de Gerson”, sonegando
81
impostos, atropelando conceitos éticos e morais, tirando
proveito de oportunismos e buscando outras alternativas
pouco recomendáveis, tudo dentro de uma absoluta
naturalidade e parecendo que está fazendo tudo com muita
retidão, chegando ao cúmulo de acreditar nisso.
Os empresários, em grande parcela, céticos com
uma política econômica funcional, carregando o ônus de
uma tributação fiscal aviltante, lançam mão de caixa 2,
todo outro e qualquer tipo de expediente de sonegação
fiscal, salários irrisórios aos seus colaboradores, face à
monstruosa distância entre oferta e procura de mão de
obra, baixíssima qualidade de insumos e serviços, e cada
vez mais, utilizando a prática da adulteração de pesos e
medidas nas embalagens de produtos. Algumas na redução
da quantidade de produto com a manutenção do preço, e
até outras com quantidades menores às mencionadas nas
embalagens.
Com o capital circulante concentrado, em maior
parcela, nas mãos de uma minoria, evadindo para paraísos
fiscais e sendo administrado nas raias da ciranda
financeira de um mercado de capitais orquestrado por
altas taxas de juros e pesadíssima carga tributária, dentro
de um processo altamente inibidor da produção, gerado
pelo baixíssimo poder aquisitivo e de uma capacidade de
exportação inviabilizada pela qualidade e alto custo
produtivo que não nos permite ser competitivos no
mercado externo, estamos condenados a sermos eternos
reféns das instituições financeiras internacionais, que nos
ditam regras recessivas capazes de nos afundar cada vez
mais na pobreza e miséria, a lhes garantir o recebimento
da dívida, com a conseqüente evasão de divisas,
pagamento de juros, redução de nossas reservas cambiais
82
e diminuição do capital circulante interno, obrigando-nos
a emissão de títulos, apoderando-se cada vez mais do
patrimônio nacional, nos levando a um empobrecimento
irreversível para o deleite e enriquecimento das sociedades
dos países de primeiro mundo que representam.
Educação – Dever de Todos
Temos uma única saída: a educação. Ensinar o que
não foi ensinado até hoje. Edificar uma estrutura social
bem formada e suficientemente informada. Capacitar nossa
população futura para administrar e também saber
escolher seus representantes. Temos que criar uma
população onde não existam “Marlenes”, onde falta de
oportunidades e condições sócio-econômicas, não as
gerem em profusão, não as levem ao desespero e à
desesperança.
Mas, não compete apenas aos educadores, e sim a
todos nós, cada segmento da sociedade, cada um fazendo a
sua parte, cada qual dando a sua contribuição. Sindicatos
de classes, conselhos de categorias, organizações não
governamentais. É preciso constituir sindicatos de classes
verdadeiramente fortes e imbuídos de seu verdadeiro
sentido, e não da mera prática do poder e dos atuais
trampolins políticos eleitoreiros.
Patriotismo, Capacidade e Criatividade
Temos que vestir a camisa do patriotismo em todos
os momentos, não apenas nos eventos esportivos, cantar o
hino nacional a cada instante, marejar os olhos de
lágrimas ante a emoção de conquistas sócio-econômicas
83
mais justas e necessárias, e nos orgulharmos de sermos
brasileiros por nossa capacidade de organização sócio-
político-econômica e não por sermos campeões de
maracutaias e de índices negativos alarmantes.
Temos que rir e sorrir ante a alegria de sermos uma
Nação com níveis de qualidade de vida elevados e
vivermos em um paraíso beneficiado pela natureza,
abençoado pela beleza que enche os olhos do mundo
inteiro e não das piadas tragicômicas de nossas
imperfeições e misérias.
Temos que saber fazer uso e proveito desse enorme
potencial, capacidade e criatividade que temos, como por
exemplo: Marco Polo, em suas viagens, trouxe para a
Itália a descoberta da massa criada na China, cuja Itália
diversificou em talharins, espaguetes, canelones, pizzas,
etc; mas fomos nós que os transformamos e lhes demos o
inigualável sabor de nossa criatividade.
Os gregos já jogavam nas olimpíadas um esporte
semelhante ao futebol praticado desorganizadamente com
um número infinito de participantes a chutar uma bexiga
de boi, cabendo aos ingleses lhe criarem as regras e lhe
conferirem um nome. Mas fomos nós que lhe demos o
fascínio e a magia, transformando-o em arte e nos
tornando o maior campeão mundial em todos os tempos de
sua prática.
Vamos aprender a fazer uso dessa capacidade que
somos possuidores para transformarmos o Brasil em um
modelo de organização cívica inigualável. Vamos fazer uso
do poder de comunicação para educarmos e prepararmos
uma Nação de futuro promissor. Vamos utilizar os recursos
tecnológicos que dispomos nessa prática educacional,
fazendo da informática, dos livros, publicações técnicas e
84
das salas de aula os veículos potenciais dessa
transformação com a mesma maestria que soubemos
proceder tantas outras de forma tão eficaz e elogiável.
Vamos passar isso de sonho para realidade, talvez a única
saída, provavelmente uma única esperança.
Acordemos desse comodismo conferido pelo
ceticismo imposto pelas dificuldades e barreiras que
acreditamos serem intransponíveis. Temos que acreditar
em alguma coisa, plantar a semente da esperança e
desenvolvermos este potencial que está aí ainda puro e que
ainda não foi infectado e maculado por uma consciência
deteriorada, gerada pelo exercício da incompetência e
desmandos destes longos e sofridos anos.
Minha história não é única e nem a mais dramática.
Existem milhões de histórias neste país, muitas delas até
trágicas. Pode até parecer corriqueira e sem importância.
Pode até ser considerada desproposital, mas tinha de ser
contada, eu não podia limitar-me em uma reação egoísta,
deixando simplesmente que a vida continuasse em um
processo de passividade conformada. Pensei nos milhões
que como eu sofreram e sofrem, a cada novo dia, os efeitos
dessa inconseqüência reinante em nosso país.
Pode até não produzir os efeitos que acredito tão
veementemente, mas vou ter sempre a consciência de que
fiz a minha parte, que dei meu grito e empunhei minha
bandeira. Mesmo que ganhe as latas de lixo, fique
empoeirado em uma prateleira de porão ou sepultado no
fundo de uma gaveta do esquecimento e do descaso, esse
livro poderá ser achado e lido em algum momento do
futuro, aí quem sabe, tardiamente.
85
CONCLUSÃO
As propagandas de governos municipais, estaduais e
federal, muito bem elaboradas por agências publicitárias,
as matérias pagas veiculadas na imprensa escrita, falada e
televisiva, pronunciamentos em cadeia de emissoras, que
nada mais são que tramas politiqueiras, projeções político-
partidárias e instrumentos eleitoreiros futuros, dão a
impressão de que estamos vivendo no paraíso, um país de
primeiro mundo, socialmente justo e organizado, com uma
economia estável e equilibrada, com uma população
saudável, ocupada e com salários a lhe permitir excelente
padrão de qualidade de vida, quando sabemos que a
realidade é bem outra.
Certamente, vou ser taxado de ignorante, minha
proposta será por muitos ridicularizada, meu senso crítico
considerado inconsistente e minha visão distorcida. Serei
rotulado de alarmista, disseminador do pânico e
propagador de um pessimismo inconseqüente e
irresponsável. Isso com certeza será feito por aqueles que
militam na política e administração pública e também por
todos aqueles oportunistas que vêem se beneficiando do
cabide, da carona e do nepotismo de uma administração
corrupta e incompetente, sanguessugas do enriquecimento
ilícito, exploradores da causa própria e especuladores das
sobras do lixo gerado.
Mas será dos educadores, da juventude em
formação, que muito cedo já percebe os efeitos da situação
caótica instalada, da população sofrida, massacrada e
empobrecida que virá o correto julgamento e a resposta
esperada.
86
Insisto em enfatizar que meu propósito não é ditar
regras. Meu intuito é provocar reflexões, levantar questões
e colocá-las em discussão, sobretudo, despertar interesses.
É o clamor de um cidadão comum, como o de
muitos nesse país, a esperar que educadores, juristas e
outras tantas categorias conheçam nossas expectativas e
nossos anseios. E, profissionais devidamente embasados
em suas respectivas áreas, busquem um ponto de partida
para efetuar mudanças, renovar, reformular. Analisem se
este é realmente o caminho ou têm melhores propostas e
mais eficazes, e principalmente discutam essas propostas.
Abandonem o espírito do corporativismo, inequívoco
gerador de elitização de classes, compreendam que o
mundo vive em processo evolutivo constante e se fazem
necessárias adequações. Entendam porque aquilo que era
bom ontem, não o é mais na realidade de hoje.
Nada poderá ser mudado se não houver união em
torno de um objetivo, e muito mais ainda, se não
acreditarmos nisso. Temos que confiar que somente uma
mobilização ordenada, inteligentemente delineada e
disciplinarmente desenvolvida será capaz de promover
mudanças. É preciso acreditar na força de coesão, da
participação em massa e do interesse comum pelos
destinos da Nação. Alienar-se, individualizar-se e
desanimar-se ante as dificuldades é conformar e sofrer as
conseqüências de um futuro cada vez mais insuportável,
que avança rápida e impiedosamente rumo à
irreversibilidade.
Jovem brasileiro, é para você que escrevi este livro
contando essa história e buscando um impulsionamento de
um processo de reversão para o seu próprio futuro.
Construa-se dentro desta proposta para construir para
87
você mesmo um outro País, com outra mentalidade, com
oportunidades e um futuro mais digno. Exija, participe,
cobre. Não se curve, mostre a sua força, você é a sua única
esperança. Estude, leia, informe-se, indague, questione.
Edifique e propague um sentimento pátrio, acima de seus
próprios interesses. Adote uma postura cívica
inquestionável e construa dentro de si princípios éticos e
morais elevados. Interesse-se pela vida nacional, abandone
os princípios de egoísmo, isole-se da “Lei de Gerson”,
afaste de si as maracutaias das facilidades, não se paute
em exemplos degradantes.
Educadores, unam-se em torno desse objetivo,
estimulem a união e a participação dos alunos de suas
escolas. Comecem a se organizar por estabelecimentos,
criem grupos de estudos, organizem debates, proponham
idéias, indiquem livros, publicações especializadas e
jornais técnicos. Coloquem assuntos pertinentes ao
contexto nacional em discussão, utilizem textos
concernentes, promovam simulações, criem simpósios
entre escolas de mesmo município, de outros e de outros
estados da federação. Mostrem o quanto são importantes
na formação educacional e cultural de um povo,
demonstrem a sua capacidade de implantar uma nova
consciência e instalar uma nova ordem cívica, abracem
essa causa com amor e determinação.
Escritores, dramaturgos, artistas, apresentadores,
novelistas, jornalistas, criem temas em suas obras, em suas
peças, em suas novelas, em seus programas, em seus
artigos e
colunas, que informem, discutam, esclareçam e discorram
sobre assuntos ligados à história, o desenvolvimento e a
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realidade atual sócio-político-econômica do País e do
Mundo.
Façamos uma revolução sem um único tiro, sem
agressões e sem violências. Arquitetada e sustentada pelo
processo eficaz da educação e da informação. Um
movimento de implantação de uma estrutura de valores
sólida, coesa e uníssona, capaz de buscar a unidade
nacional e emergir das cinzas um País que tem tudo para
se transformar em uma enorme potência no cenário
mundial.
Jovem, mais do que minha, essa é a sua bandeira,
empunhe-a, erga-a até o mais alto que puder, o País em
que você vai viver é aquele que souber construir.
Essa é a minha luta, a minha realização afetiva, O
AMOR QUE FICOU: o imenso amor pelo meu País!
NOTA DO AUTOR
Este livro nasceu de um drama pessoal vivido por
mim e do anseio de milhares de brasileiros, traduzidos através de várias
formas de manifestações..
Inspirado em um pensamento de Martin Luther
King que diz:
“O que me preocupa não é o grito dos violentos,
nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem caráter e nem dos sem
ética. O que me preocupa é o silêncio dos bons”, decidi romper o meu
silêncio e manifestar o meu grito da melhor maneira que pude idealizar.
Aos educadores, cabe-me esclarecer que, a
proposta contida neste livro não se refere e nem pretende inferir em
metodologia de ensino, mas provocar a reflexão sobre a adoção de um novo
modelo educacional, assim como levantar a discussão sobre sua importância
e necessidade.
Enfim, seu conteúdo por si só se explica.
COMENTÁRIOS
“Depois de uma releitura do livro (desta vez com mais calma.... a primeira foi
com muita voracidade, pois não conseguia parar de lê-lo, para as devidas
reflexões), surpreenderam-me:
- A visão nítida que um profissional de outra área, tem de que uma base
educacional pautada na excelência é fundamental para o desenvolvimento
social, econômico e político de uma Nação.
- A forma escolhida para colocar as idéias a respeito dos problemas do Brasil,
usando uma história de amor para permear estas informações (o que prende
mais ainda a atenção do leitor) e, mais importante: listando uma série de
soluções para cada problema observado. A maioria dos sociólogos (Durkeim,
Dimenstein e outros) apenas constatam os problemas não oferecendo
alternativas para solucioná-los, além de usarem vocabulário altamente
específico, dificultando a leitura para os estudantes.” (Anésia Da Silva
Costa – Pedagoga pós-graduada em Didática de Ensino – Diretora do
Departamento de Assessoria Especial da Secretaria Municipal de Educação
de Pouso Alegre/MG)
“Desde os primeiros parágrafos, o autor já nos torna cativos ao enredo que
entremeia a sua vida amorosa com as considerações políticas, econômicas e
sociais, traçando um paralelo entre a política e as necessidades sociais e
financeiras vividas pelo povo brasileiro.
Apesar de sua vida sofrida, quase insuperável, não perdeu a esperança e
decidiu romper o silêncio dos omissos , para cutucar nossos brios e
conclamar educadores, juristas e outras categorias a criarem um novo
conceito educacional.
Ainda idealista,, ele dedica o livro aos jovens e incita-os a acreditar na luta
corpo a corpo, sema armas, por um maior desenvolvimento social e
econômico para o nosso País.
Que os jovens, a quem o livro é dirigido, saibam aproveitá-lo.” (Maria de
Lourdes Micaldas – Educadora Aposentada - Ex-jornalista/ Suplemento
Literário JB)