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Maria Teresa Maia Gonzalez O Amigo do Computador Lisboa, Ed. Verbo, 2008 O AMIGO DO COMPUTADOR

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Maria Teresa Maia Gonzalez  O Amigo do Computador  Lisboa, Ed. Verbo, 2008  

     

      

O AMIGO DO COMPUTADOR 

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(Sobe o tom de voz.) Não sou bruxo! (Amuado, de braços cruzados) A mim, 

nunca me dizem nada! A Sara e o Gil já sabiam de tudo, pois claro... (Com 

ironia)  A  menina  querida  e  o  filho  mais  novo,  pois  claro...  (Subindo 

novamente o tom de voz) A mim ninguém dá satisfações! (Dá uns passos, 

nervoso,  e  regressa à boca de  cena.)  Para  cúmulo, o  computador pifou! 

(Subindo  ligeiramente o tom de voz) O que é que eu vou fazer?! E  logo a 

um  domingo! Nem  posso  ver  se  tenho  e‐mail  nem  nada!  (Dá mais  uns 

passos e regressa à boca de cena.) Já sei! Vou telefonar ao Diogo, pode ser 

que ele possa vir até cá e ver o que se passa com o computador, que ele 

sabe bué de  informática.  (Animado, esfrega as mãos de contente.) É  isso 

mesmo! (Pausa breve. Mete a mão no bolso das calças.) Onde foi que eu 

deixei o telemóvel? Bem, vou para o meu quarto, que não quero estar aqui 

quando o Pai vier buscar o resto das malas. (Pausa breve) Detesto assistir a 

cenas...  Não  tenho  feitio  para  dramas.  Nunca  tive!  (Pausa)  É  isso. 

(Pausadamente) Vou para o quarto, que tenho assuntos importantes para 

tratar e,  lá, ninguém me chateia.  (Começa a dirigir‐se para a saída.) Que 

seca o computador ter‐se avariado! (Abana a cabeça, descontente.) Logo a 

um domingo... (Sobe o tom de voz.) O que é que eu vou fazer agora?!  

Quando  Sérgio  sai  de  cena,  começa  a  ouvir‐se  a  canção  «No meu 

quarto», da autoria de Miguel Ângelo e Fernando Cunha:  

A terra a tremer e o céu a trovejar... / E quando as chuvas caírem, 

estarei  no meu  quarto.  /  O  País  a  discutir,  o  Estado  a massificar...  /  E 

quando  todos  partirem  estarei  no  meu  quarto.  /  No  meu  espaço 

fortificado ninguém vai entrar. / Fico só, desligado, a ver de lado o mundo 

a girar. / Fico só, abraçado, a ver de lado o mundo a girar. / No meu quarto 

fico  longe, no meu quarto estou tão perto... / No meu quarto apago a  luz 

e, pela sombra, viajo no deserto. 

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SÉRGIO 

(Embasbacado, levanta‐se.) Bem, eu...  

SARA 

(Autoritária,  apontando‐lhe  o  dedo.)  Tu  desaparece! Vai  lá  para  o 

teu quarto, que,  lá, não  te  incomodas  com nada! Vai, vai! Desanda, que 

não fazes cá falta nenhuma! (Subindo o tom de voz) E nem te lembres de ir 

chatear a Mãe por  causa da porcaria do  computador, ouviste?! Era  só o 

que faltava!  

SÉRGIO 

(Desorientado) Mas o que foi que eu fiz, hem?  

SARA 

(Virando‐se para o  irmão mais novo,  levanta‐se.) Anda, Gil, vamos 

nós sair daqui, para não haver mais cenas. Não quero que a Mãe nos ouça, 

que problemas já ela tem de sobra!  

(Saem Sara e Gil.)  

CENA 8 

(Sérgio  está  sozinho  na  sala.  Olha  para  as malas,  dá  uns  passos 

desorientado e chega‐se à boca de cena.)  

SÉRGIO 

Mas o que é que deu àqueles dois?! (Abana a cabeça, descontente. 

Eleva  o  tom  de  voz.)  Até  parece  que  tenho  culpa  de  alguma  coisa! 

(Elevando  um  pouco  os  braços)  Sim,  até  parece  que  sou  eu  o  culpado! 

(Pausa breve. Retoma o tom de voz normal.) Sabia lá que os pais estavam a 

dar‐se mal! (Indignado) Como é que havia de saber, se não me disseram?! 

      

 

 

 

 

 

« ... E que o melhor de vós mesmos seja para o vosso amigo» 

Khalil Gibran, O Profeta  

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SARA 

(Pausadamente) Como é que querias que te avisassem? A Mãe quis 

falar contigo ontem, quando nos deu a notícia, mas tu não estavas. E o Pai, 

esta manhã, ao pequeno‐almoço, perguntou por ti, mas tu ainda estavas a 

dormir, como de costume...  

SÉRGIO 

(Abanando a cabeça, incrédulo, senta‐se pesadamente.) Mas como é 

que é possível?! (Pausa breve) Que cena... (Pausa) E o Pai, onde está?  

GIL 

Saiu para ir levar algumas coisas para casa da tia Madalena.  

SÉRGIO 

(Irritado) Logo hoje que o computador se avariou e eu precisava que 

o Pai me  fosse  lá ver se percebe o que se passou...  (Pausa breve. Sobe o 

tom  de  voz.)  Sim, porque, num domingo,  está‐se mesmo  a  ver que não 

arranjo um técnico que venha cá a casa! Que seca!  

SARA 

(Levanta‐se,  fora  de  si,  e  gesticula,  furiosa,  deixando  o  Sérgio 

assustado.) Mas  tu  só pensas na porcaria do  computador mesmo numa 

altura destas?!  'Tás maluco ou quê, Sérgio? Onde é que  tu vives, afinal?! 

Não  vês  que  estamos  com  problemas  sérios,  não?!  Cegaste 

completamente ou só estás a fingir que não vês?! 

GIL 

(Irritado,  virando‐se  para  o  irmão)  Parece  que  já  não  pertences  a 

esta família!  

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Trata‐se dos pais. (Em tom solene) Eles é que estão com problemas.  

SÉRGIO 

(Espantado,  volta  a  sentar‐se.)  Os  pais?!  Os  pais  estão  com 

problemas? Que género de problemas? Não dei por nada!  

GIL 

(Irónico, sem fitar o irmão) Lógico...  

SARA 

(Em voz alta) É claro que não deste por nada! Como é que havias de 

ter dado, se passas a vida enfiado no quarto, à frente do computador?!  

SÉRGIO 

(Nervoso) Mas... o que foi que aconteceu, afinal?  

SARA 

(Calmamente)  Os  pais  decidiram  separar‐se,  porque  acharam 

melhor assim.  

GIL 

(Olhando para o irmão) E é por isso que o Pai foi fazer as malas para 

ir para casa da tia Madalena.  

SÉRGIO 

(Desorientado,  volta a  levantar‐se.)  E... quando  é que o Pai  se  vai 

embora?  

SARA 

(Muito constrangida) Hoje mesmo, ao fim da tarde.  

SÉRGIO 

(Enervado) Hoje?! Mas ninguém me disse nada! Não me avisaram!  

 

 

 

PERSONAGENS  

SÉRGIO (14 anos) 

SARA (irmã de Sérgio; 13 anos)  

GIL (irmão de Sérgio e Sara; 11 anos)  

MERCEDES (mãe de Sérgio, Sara e Gil)  

RUDOLFO (pai de Sérgio, Sara e Gil)  

VANDA (namorada e colega de Sérgio)  

PASCOAL (amigo e colega de Sérgio)  

PROFESSORA ANTONIETA (directora de turma de Sérgio)  

CLEMENTINA (mulher‐a‐dias da casa de Sérgio)  

 

 

 

GUARDA‐ROUPA  

Sérgio  –  Sweat‐shirt  estampada  com  o  desenho  de  um  ecrã  de 

computador, calças de ganga e sapatilhas de ténis.  

Sara  –  T‐shirt  de  cor  lisa,  calças,  botins  discretos;  uniforme  de 

escuteira  Gil  ‐T‐shirt  estampada  com  uma  paisagem marinha,  calças  de 

ganga e sapatilhas de  ténis Mercedes  ‐Camiseiro e saia; sapatos de salto 

alto; acessórios: brincos e colar sóbrios.  

Rudolfo – Fato e gravata; sapatos pretos.  

Vanda – T‐shirt de  cor viva,  saia  curta e botas; acessórios: brincos 

extravagantes, vários anéis e pulseiras.  

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Pascoal –T‐shirt estampada com o nome de uma banda rock; calças 

de  ganga  e  sapatilhas  de  ténis;  acessórios:  um  brinco  e  um  colar  de 

missangas.  

Professora Antonieta  – Camiseiro discreto,  saia e  sapatos de  salto 

baixo; acessórios: óculos de armação clássica.  

Clementina – Bata de trabalho e chinelos.  

 

 

CENÁRIO  

 

A –Sala da casa de Sérgio  

Lado direito  – um  sofá de  três  lugares  e um  cadeirão; mesa 

com  televisão,  vídeo  e  aparelhagem  de  som;  sobre  a  televisão  há 

uma moldura grande com uma  fotografia da  família  (pais e os  três 

filhos). Há, ainda, um candeeiro de pé.  

Lado esquerdo – mesa de jantar com cinco cadeiras. 

 

B – Gabinete da directora de turma  

Secretária com cadeira; sofá de dois lugares; uma estante com 

dossiês. 

   

cabisbaixos. Sérgio repara nas malas que estão no chão e  fica  intrigado.) 

Alguém vai de viagem?  

SARA 

(Olhando para  Sérgio) O melhor  é  sentares‐te,  Sérgio.  (Suspira.) A 

história é longa...  

SÉRGIO 

(Sentando‐se no cadeirão) A Mãe?  

GIL 

(Muito triste) Está lá dentro no quarto, a chorar...  

SÉRGIO 

(Espantado,  levanta‐se) A chorar?! O que foi? Está alguém doente? 

(Aflige‐se.) O Pai?  

SARA 

(Serenamente) O Pai vai‐se embora ao fim da tarde, Sérgio.  

SÉRGIO 

(Incrédulo,  volta a  sentar‐se.) Vai‐se embora?! Vai‐se embora para 

onde?!  

GIL 

(Em voz baixa, sem fitar o irmão.) Para casa da tia Madalena...  

SÉRGIO 

(Desorientado,  levanta‐se)  Para  casa  da  tia  Madalena?!  Mas 

porquê?! A tia está com algum problema?  

SARA 

(Pausadamente)  Não,  Sérgio.  Não  é  da  tia  que  se  trata.  (Pausa) 

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MERCEDES 

(Surpreendida) Porquê, filho?  

GIL 

Ora! Como se o Sérgio  largasse o computador para ouvir conversas 

sérias... (Com ironia) 'Tou mesmo a ver...  

MERCEDES 

O Sérgio tem andado muito arisco, de facto, mas isso há‐de passar‐

‐lhe.  (Consulta  o  relógio  de  pulso.)  Já  é  tarde  e  aquele  rapaz  ainda  não 

chegou!  (Pausa  breve)  Bem,  era  isto  que  eu  tinha  para  vos  contar, 

lamento...  (Levanta‐se  devagar.)  Vêm  ajudar‐me  a  arrumar  a  cozinha? 

(Desanimada) É que, hoje, não estou com disposição para nada...  

(Sara e Gil acenam afirmativamente com a cabeça, levantam‐se, vão 

buscar o que ficou na mesa e, em silêncio e cabisbaixos, saem da sala com 

a Mãe, que apaga a luz do candeeiro.)  

CENA 7 

(Na sala, estão Sara e Gil, sentados no sofá, tristes e silenciosos. Vê‐

‐se uma mala e um saco de viagem no chão.)  

(Entra Sérgio, de rompante.)  

SÉRGIO 

(Irritado,  não  olha  para  os  irmãos.)  Pifou!  O  computador  pifou! 

(Sobe o tom de voz) Que seca! Ainda por cima, é domingo! Logo havia de 

se avariar a um domingo! Hoje, não arranjo ninguém para cá vir arranjar‐

‐me aquela treta! Que seca! (Olha para os irmãos intrigado.) Mas o que é 

que vocês estão a fazer aí, à frente da televisão desligada?! (Abanando a 

cabeça em jeito de reprovação) Tss... Passaram‐se... (Os irmãos continuam 

 

 

 

ACTO I 

CENA 1 

CENÁRIO A – Sala da casa de Sérgio  

MERCEDES 

(Entrando na  sala onde  encontra a  filha  sentada no  sofá a  ler um 

manual de História do 8º ano) Boa tarde, filha!  

SARA 

(Levantando‐se  para  cumprimentar  a Mãe)  Olá, Mãe.  (Dá‐lhe  um 

beijo, volta a sentar‐se e pega no livro.)  

MERCEDES 

(Pousa  a  pasta  e  a  carteira  na  parte  livre  do  sofá  e  senta‐se  no 

cadeirão.) Estou exausta!  (Respira  fundo e  inclina‐se para  trás.) Que dia! 

(Pausa breve. Endireita‐se no cadeirão.) O que é que estás a ler, Sarinha?  

SARA 

(Virando‐se  para  a Mãe) Não  estou  a  ler;  estou  a  estudar...  (Com 

cara  de  enfado)  Que  seca!  (Indignada)  Como  é  que  há  quem  grame 

História?! Tanto para ler! (Suspira.) E o pior é que vou ter teste na próxima 

semana...  

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MERCEDES 

Então,  tens  de  estudar  a  sério,  filha.  (Pausa  breve)  Não  tiraste 

apontamentos nas aulas?  

SARA 

Tirei, mas  aquilo  'tá  uma  confusão  tal  que  o melhor  é  estudar  só 

pelo  livro...  (Pausa breve) É que o s'tôr de História  fala  tão depressa que 

não dá para escrever tudo o que ele diz. (Indignada) Ainda por cima, fala 

caro! Evidentemente, escrevo tudo à pressa e, quando vou ler, nem sequer 

percebo a minha letra... Era bué mais fácil se o s'tôr nos deixasse gravar as 

aulas, mas  não  deixa...  (Pausa  breve)  Diz  que  temos  de  habituar‐nos  a 

escrever, para passarmos a dar menos erros de ortografia...  

MERCEDES 

Acho bem. (Pausa breve) E o teu irmão mais velho?  

SARA 

(Em tom crítico) Que pergunta!...  

MERCEDES 

(Surpreendida) Porquê?! Houve algum problema com o Sérgio? 

SARA 

(Elevando  o  tom  de  voz)  Sei  lá!  (Com  alguma  ironia) Alguém,  por 

acaso, saberá de algum problema do Sérgio, para além do habitual?  

MERCEDES 

(Incrédula) Do habitual?! Qual? Não dei por nada! (Aflita) Não sei de 

nada!  

SARA 

(Com  ironia)  É  claro  que  não  deste  por  nada!  Desde  o  Verão 

para Gil, que retoma o seu lugar, no sofá.)  

Neste  momento,  ainda  não  sei  responder  à  tua  pergunta,  filho. 

(Pausa breve) Para já, o Pai e eu decidimos separar‐nos.  

SARA 

(Preocupada) Quando foi que decidiram isso?!  

MERCEDES 

(Muito pesarosa.) Hoje mesmo. (Pausa breve) Cheguei mais tarde a 

casa, precisamente porque estive a conversar com o vosso Pai e decidimos 

que, amanhã, ele vem cá buscar algumas das suas coisas e vai passar uns 

tempos  em  casa  da  tia  Madalena.  (Pausadamente)  Mais  tarde, 

resolveremos o que vamos  fazer da nossa vida.  (Pausa. Respira  fundo.) É 

melhor assim, podem crer.  

GIL 

(Espantado) É?!  

SARA 

(Cautelosamente, virando‐se para o irmão) Os pais é que sabem, Gil. 

(Pausa breve) De qualquer  forma, nós os dois  já tínhamos percebido que 

havia  alguma  coisa  errada  com  os  pais.  (Virando‐se  para  a Mãe) Até  já 

tínhamos  falado do assunto, só que não pensámos que  fosse assim tão... 

grave.  

MERCEDES 

Pois é, queridos... (Pausa) Evidentemente, o Pai também há‐de falar 

convosco e com o Sérgio, quando ele puder.  

GIL 

(Em voz baixa) Duvido...  

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tempo não quer  sair de  casa...  (Pausa breve) Depois,  terei de  conversar 

com  ele,  noutra  altura,  se  ele  tiver  disposição  para me  ouvir...  (Pausa 

breve) Bem, mas o que eu tenho para vos dizer é, realmente, grave, e peço 

que me desculpem pela tristeza que vos vou causar com a notícia...  

SARA 

(A medo) A... notícia?  

MERCEDES 

(Pausadamente) Como, certamente, já se aperceberam, o vosso Pai 

quase não tem posto os pés cá em casa, ultimamente.  

GIL 

(Atrapalhado) É que o Pai tem tido imenso trabalho!  

MERCEDES 

(Forçando  um  sorriso) Não  é  só  isso, Gil. Não  se  trata  apenas  de 

trabalho.  (Pausa. Respira  fundo.) Acontece que o Pai e eu não estamos a 

conseguir  entender‐nos minimamente,  compreendem?  (Pausa)  A  nossa 

vida, nos últimos tempos, tem sido muito difícil para ambos. (Pausa. Chora 

discretamente. Tira um  lenço do bolso e assoa‐se.) Enfim, as coisas entre 

nós têm sido bastante diferentes do que costumavam ser, percebem? (Fica 

cabisbaixa.) 

SARA 

(Assentindo, com um gesto de cabeça) Hum‐hum...  

GIL 

(Aflito, levanta‐se.) Queres dizer que tu e o Pai se vão divorciar?!  

MERCEDES 

(Volta a assoar‐se. Respira fundo e endireita‐se no cadeirão, olhando 

passado, ninguém dá por nada que tenha a ver com o Sérgio...  

MERCEDES 

(Alarmada) Mas de que é que  tu estás  a  falar,  Sara?!  (Elevando o 

tom de voz) Diz, de uma vez por todas! Já estou a ficar nervosa, não vês?!  

SARA 

Pelos  vistos,  ainda  não  reparaste  que,  desde  que  o  Pai  trouxe  o 

computador para o Sérgio, só para sua excelência, com direito a Internet e 

tudo, ninguém mais lhe pôs a vista em cima, a não ser nas horas em que é 

obrigado a estar na escola.  (Pausa. Olha para a Mãe com  incredulidade.) 

Será  que  ainda  não  tinhas  mesmo  dado  conta  de  que  o  Sérgio 

praticamente  desapareceu?!  Ninguém  consegue  falar  com  ele,  nem  os 

amigos.  (Indignada)  Tu  e  o  Pai,  ultimamente,  parece  que  não  se 

apercebem de nada e andam sempre com cara de chateados...  

MERCEDES 

(Um  pouco  embaraçada)  Ó  filha,  isso  é  porque  temos  andado... 

(Pausa breve. Dirige o olhar para o chão.) Olha  , é porque a vida não nos 

tem corrido bem, é isso.  

SARA 

(Preocupada) Mas... é grave?  

MERCEDES 

(Olhando novamente para o  chão) Não,  filha. Espero que não  seja 

grave.  (Pausa  breve)  Enfim,  toda  a  gente  tem  problemas,  de  vez  em 

quando, não é?  

SARA 

(Levanta‐se, vai dar um beijo à Mãe e regressa ao sofá, voltando a 

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pegar no livro de História.) Hoje, ainda tenho de conseguir ler até à página 

cinquenta, ou melhor, tenho de ver se consigo decorar esta treta...  

MERCEDES 

(Levantando‐se e recolhendo a pasta e a carteira) E eu  tenho de  ir 

tratar do jantar, embora não me apeteça... (Olha o relógio de pulso.) Já são 

sete  horas!  (Preocupada)  E  o  teu  irmão  mais  novo  ainda  não  veio  da 

natação! Bem, quando o Gil  chegar, pergunta‐lhe  se  tomou banho  lá no 

clube, ouviste? Se não  tomou, que vá depressa  tomar um duche, que eu 

quero jantar às oito, para não perder a novela.  

SARA 

(A medo) E... o Pai?  

MERCEDES 

(Morde o  lábio) nervosa.) O Pai não vem. Não pode. Acho que tem 

um jantar com uns colegas lá do banco.  

SARA 

(Incrédula) Mais outro?! É a segunda vez que o Pai não vem  jantar 

esta semana e ainda é quinta‐feira... (Pausa breve) Dantes, era tão raro o 

Pai não vir jantar a casa... (Suspira)  

(Sai Mercedes.) 

CENA 2 

GIL 

(Entrando na sala, poisa a mochila e o saco de desporto no chão e dá 

um salto para o cadeirão, ficando quase deitado) Ufa! 'Tou estoirado!  

muito sério.  

SARA 

(Assustada, levanta‐se.) Morreu alguém?! Houve algum acidente?!  

MERCEDES 

(Calmamente)  Volta  a  sentar‐te,  filha.  (Pausa  breve)  Não,  não 

morreu ninguém nem houve acidentes, graças a Deus.  

SARA 

(Sentando‐se novamente junto do irmão) Então?  

GIL 

(A medo, virando‐se para a Mãe) Tem a ver... contigo e com o Pai, 

não tem?  

SARA 

(Nervosa) É isso, Mãe?!  

MERCEDES 

(Pesarosa)  É  isso mesmo.  (Virando‐se  para  Gil)  Ó  filho,  desliga  a 

televisão por um bocado, se não te importas...  

GIL 

(Desliga a televisão.) Pronto. (Em tom afável) Podes falar à vontade.  

MERCEDES 

(Apertando as mãos uma na outra, muito constrangida)  

Na verdade, não há assim muito para dizer, por enquanto... (Pausa 

breve) Eu gostava que o  Sérgio estivesse aqui  connosco esta noite, para 

não  ter  de  repetir  o  que  vos  vou  dizer  e  que muito me  custa...  (Pausa. 

Suspira.) Mas,  enfim,  o  Sérgio  resolveu  sair  logo  hoje,  ele  que  há  tanto 

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MERCEDES 

(Com ar grave) Ó Sarinha, deixa o copo aí na mesa e vem sentar‐te 

aqui ao pé de nós, filha.  

SARA 

(Surpreendida) Mas ainda não acabei de levantar a mesa!  

MERCEDES 

(Pausadamente) Não faz mal. (Com ternura) Vem aqui para ao pé do 

teu irmão, que eu preciso muito de falar convosco.  

SARA 

(Poisa o copo na mesa e vai sentar‐se ao lado de Gil.) Pronto. Já aqui 

estou. (Pausa breve. Vira‐se para a Mãe.) Nem parece teu quereres que a 

mesa fique por levantar...  

MERCEDES 

(Pausadamente) Uma vez não  são vezes e eu preciso muito de  ter 

uma conversa com os meus filhos...  

SARA 

(Olhando para Gil e, depois, para a Mãe) Uma conversa?...  

MERCEDES 

(Triste) Sim. (Pausa breve) E bem séria!  

GIL 

(Com  algum  nervosismo)  Diz  lá  o  que  aconteceu, Mãe!  Só  gramo 

suspense nos filmes de ficção científica.  

MERCEDES 

(Em tom solene) O assunto não é uma brincadeira, Gil! Já disse que é 

SARA 

(Com o livro de História no colo, olhando para o irmão mais novo) Já 

não se cumprimenta, Gil?  

GIL 

'Tou demasiado cansado para cumprimentos... (Pausa breve) Hoje, o 

professor de natação acabou contigo. (Levando a mão ao ombro esquerdo, 

com  uma  expressão  de  dor)  Acho  que  desloquei  a  clavícula  esquerda... 

(Endireita‐se no  cadeirão e massaja os  joelhos  com as mãos.) As minhas 

rótulas também não estão grande coisa, não...  

SARA 

(Rindo‐se) Pelos vistos, a natação está a dar cabo de ti, puto... Tss... 

Andas a fazer demasiado desporto, é o que é...  

GIL 

Sempre é melhor do que passar horas  sentado no quarto, como o 

Sérgio! Qualquer dia, levanta‐se da cadeira e não se aguenta nas canetas... 

(Indignado) Passa a vida sentado! Aquilo até faz mal à coluna. À coluna e 

aos olhos! Sim, porque o Sérgio, não tarda muito, fica cego de tanto olhar 

para aquele ecrã e lá teremos de ir fazer um peditório para um transplante 

de córneas, que deve custar uma pipa de massa.  Isto p'ra  já não  falar de 

osteoporose...  Os  ossos  dele  já  devem  'tar  a  entrar  em  decomposição, 

sobretudo os das mãos e dos pulsos...  

SARA 

(Rindo‐se  à  gargalhada)  Ó  miúdo,  desde  quando  é  que  um 

adolescente  tem  osteoporose?!  És  maluco!  Isso  é  doença  da  terceira 

idade. Não ataca antes dos quarenta.  

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GIL 

(Incrédulo) Não sei, não... (Pausa breve) Desde que o Sérgio tem um 

computador  só p'ra  ele, deixou de  se mexer, parece um  velhinho.  Tu  já 

viste como ele anda agora, Sara? Um dia destes, vi‐o a subir as escadas lá 

da escola e parecia um  robô empenado! Até metia dó..  . Estive quase a 

perguntar‐lhe se não queria um bocado de óleo nas dobradiças, mas achei 

que seria humilhante, à frente do pessoal...  

SARA 

(Sorrindo)  Que  exagero,  Gil...  Ah!  É  verdade!  A Mãe mandou‐me 

dizer‐te  para  ires  tomar  duche  depressa,  que  não  quer  atrasos  para  o 

jantar.  

GIL 

(Indignado) Mas quantos duches é que a Mãe quer que eu tome por 

dia,  afinal?  Tomei  um,  logo  de  manhã,  ainda  a  dormir  com  o  olho 

esquerdo; outro depois da natação, com água gelada, que o esquentador 

devia estar  avariado, e  ainda  tenho de  tomar mais um?!  Fogo! Por este 

andar,  fico  sem  pele  e  mais  cor‐de‐rosa  do  que  um  hamster  recém‐

‐nascido!  

SARA 

(Sorrindo)  Se  já  tomaste  lá no  clube, não precisas de mais,  lógico. 

(Retoma a leitura do livro que tem no colo.)  

GIL 

E o Pai? 

SARA 

(Olhando para o livro) Não vem jantar… 

comando da  televisão e baixa o som.) Diz  lá, Mãe.  (Pausa breve) A Sara? 

'Tá  lá dentro, no quarto do Sérgio, ao computador. (Pausa) Não. O Sérgio 

ainda não chegou. Ah! É verdade, ele  ligou à Sara a avisar que não vem 

jantar.  (Pausa) Não  sei, Mãe. Acho que  ele  tentou  falar  contigo, mas  tu 

tinhas o telemóvel desligado. (Pausa) O Pai também ligou a dizer que não 

vem.  (Pausa  breve)  Ah,  já  sabias...  (Pausa  breve.  Levanta‐se  e  dá  uns 

passos.)  Traz  uma  piza  grande  para  casa,  com  camarões,  atum  e 

cogumelos,  okay?  E  eles  que  ponham  dose  reforçada  de  queijo,  que 

costumam ser forretas. Ah! E não te esqueças da Coca‐Cola, por favor, que 

já  cá  não  há  nem  uma  gota.  (Pausa.  Com  cara  de  enfado)  'Tá  bem,  eu 

ponho a mesa. (Pausa breve) O quê? (Contrafeito)  'Tá bem, eu vou tomar 

banho... Tchau, Mãe, beijinhos. Até logo. (Desliga o telemóvel e poisa‐o no 

sofá. Faz ar refilão. Chega‐se à boca de cena.) Que mania de me mandar 

tomar banho! Fogo! Ainda ontem tomei! (Subindo o tom de voz) 'Tou farto 

de banhos! Qualquer dia, ainda apanho uma alergia à água! (Pausa breve) 

Ainda por cima, tenho de me despachar para vir pôr a mesa! Que seca... O 

Sérgio nunca põe a mesa! (Começa a abandonar a sala devagar.) Ao Sérgio 

nunca mandam tomar banho! O Sérgio pode fazer o que lhe apetece! Se o 

Sérgio  ficar  enfiado  no  quarto  até  ganhar  bolor,  até  lhe  nascerem 

cogumelos nas orelhas, ninguém lhe ralha! É uma injustiça!  

(Sai Gil.)  

CENA 6 

(Na  sala,  ainda  com  a  tolha  e  alguns  copos  sobre  a mesa,  estão 

Mercedes, Sara e Gil. Mercedes está sentada no cadeirão. Gil está sentado 

no sofá e liga a televisão. Sara está em pé, com um copo na mão. A luz do 

candeeiro de pé está acesa.)  

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GIL 

(Um pouco  embaraçado)  Pois  é,  a minha pergunta  foi um bocado 

estúpida.  (Pausa  breve)  É  que,  como  disseste  que  a  Vanda  esteve  cá, 

pensei que...  

SARA 

(Arreliada,  sobe  o  tom  de  voz.) Ora!  Sei  lá  se  o  Sérgio  combinou 

alguma coisa com a Vanda!  (Pausa breve. Retoma o  tom de voz normal.) 

Mas não deve ter combinado. Por aquilo que percebi, os dois já não saem 

há uma data de tempo e ela está chateada a sério, o que não é de admirar. 

O mais  certo  é  a  Vanda  vir  a  dar‐lhe  uma  tampa  em  cheio  quando  ele 

resolver  lembrar‐se de que ela existe.  (Elevando o  tom de  voz) E é bem 

feito! (Pausa. Olha para o caderno e fecha‐o. Depois, empilha os livros que 

estão  sobre  a mesa  e  levanta‐se.)  Bem,  vou  arrumar  a  tralha  no meu 

quarto. Depois,  já que o Sérgio não deve vir tão cedo, vou para o quarto 

dele para o computador. Quero ver se encontro umas cenas na Net, para 

um trabalho de História.  

GIL 

(Levantando‐se) E eu vou ver o que está a dar na televisão.  

(Sai Sara com o seu material escolar. )  

CENA 5 

(Gil está sentado no sofá em  frente da televisão  ligada. Toca o seu 

telemóvel e ele atende.)  

GIL 

'Tá? Sim?  (Pausa breve) Ah, és  tu, Mãe...  Já  te pintaram o cabelo? 

(Pausa) Vou baixar o som da televisão, que não 'tou a ouvir bem. (Pega no 

GIL 

P’ra variar… 

SARA 

Iá… 

GIL 

Ouve lá, ‘tás a ler o quê, Sara? 

SARA 

(Irritada) Não  estou  a  ler.  Tenho  estado  a  tentar  estudar História, 

ma já vi que, hoje, é impossível! 

GIL 

(Cauteloso)  Não  é  preciso  enervares‐te!  Olha  que  o  stresse  pode 

provocar  ataques  cardíacos  e  ainda  és bué nova para uma  cena dessas, 

rapariga, além de que não quero  ir ver‐te ao hospital.  (Aparte)  'Tou bem 

arranjado, sim senhora: o meu brilhante futuro é ter uma  irmã cardíaca e 

um irmão cego, surdo‐mudo e paralítico... Que família!... (Virando‐se para 

a  irmã,  com  ironia)  Esse  livro  que  aí  tens  deve  ser,  realmente, 

interessante... Vais ter teste, é?  

SARA 

O que é que achas?! (Com ironia) Por acaso parece‐te que eu me ia 

pôr  a  estudar  História  pelo  enorme  prazer  que  este  livro  me  dá?! 

(Indignada) Tens cada uma, Gil! É evidente que vou ter teste. (Preocupada) 

E ainda não sei quase nada!  

GIL 

(Abanando  a  cabeça  em  jeito  de  reprovação)  Tu  preocupas‐te 

demasiado, Sara. Isso faz‐te mal. (Pausa breve. Sobe ligeiramente o tom de 

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voz.) Tiras sempre boas notas! (Retoma o tom de voz normal.) Não sei por 

que razão  te enervas  tanto só por causa de um  teste de História.  Julguei 

que os escuteiros eram todos bué calmos...  

SARA 

(Com  alguma  ironia)  Devo  ser  uma  excepção...  (Fecha  o  livro  e 

levanta‐se.) Bem, vou pôr a tralha no meu quarto e tu faz o mesmo, que a 

Mãe não quer desarrumações aqui na sala. Ah! E, de caminho, bate à porta 

do quarto do Sérgio e lembra‐lhe que, de vez em quando, é saudável fazer 

uma refeição.  

GIL 

(Levantando‐se)  'Tás  a  passar‐te?!  Não  sabes  que  o  Sérgio  nem 

sequer me ouve?  

SARA 

(Delicadamente) O  Sérgio  não  ouve  ninguém, Gil, mas  isso  não  é 

razão  para  desistirmos  de  comunicar  com  ele,  pois  não?  Olha,  vê  isso 

como uma...  

GIL 

(Sorrindo) Uma obra de caridade?  

SARA 

(Pausadamente) Eu diria... uma boa acção.  

GIL 

(Com ar de malandro) E qual é a minha  recompensa para essa  tal 

boa acção, ó escuteira profissional?  

SARA 

(Com um sorriso) O prazer do dever cumprido.  

muita  bronco.  (Pausa  breve)  Acho  que  não  é  coisa  que  costume  atacar 

pais.  

(Toca o telemóvel e Sara atende.)  

SARA 

Diz, Sérgio...  (Pausa) É que a Mãe deve  ter o  telemóvel desligado, 

porque foi ao cabeleireiro. (Pausa) Ai não? (Pausa breve) 'Tá bem, eu digo 

à Mãe. Tchau.  

GIL 

(Intrigado) O que é que o Sérgio queria?  

SARA 

Era para avisar que não vem jantar. Vai ao cinema, parece‐me.  

GIL 

(Surpreendido) Ao cinema?! Ganda novidade! Ele  já não sai à noite 

há séculos!  

SARA 

Também achei estranho. Se calhar, é porque há para aí algum filme 

que ele faz mesmo questão de ver.  

GIL 

(Com muita curiosidade) E... vai sozinho ou acompanhado?  

SARA 

(Indignada) Sei  lá, Gil!  'Tás armado em cusco? Como é que queres 

que  eu  saiba  se  ele  não  me  disse,  hem?  Achas  que  o  Sérgio  me  dá 

satisfações, por acaso? (Pausa breve) Ele nem aos pais conta nada...  

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acho que os pais vão...?  

GIL 

Iá.  

SARA 

(Atrapalhada)  Ainda  não  tive  coragem  para  pensar  uma  coisa 

dessas, Gil, e acho bem que tu também não penses.  

GIL 

(A medo) Mas é uma possibilidade, não é?  

SARA 

(Cautelosamente) Não sei, Gil, a sério que não sei. Espero que não 

seja nada assim tão grave. Pode ser que os pais estejam apenas numa fase 

difícil...  

GIL 

(Pensativo) Fase difícil...  

SARA 

Pois.  Sabes  que  é  normal  isso  acontecer,  não  sabes?  Os  casais 

passam por  fases dessas, pelo menos é o que eu ouço dizer.  (Retoma a 

escrita.)  

GIL 

(Agitado, sobe o tom de voz.) O que eu ouço dizer é que cada vez há 

mais  divórcios!  (Acalma‐se  e  baixa  o  tom  de  voz.)  Essa  cena  de  «fase 

difícil»,  como  tu  dizes,  é  mais  para  os  filhos,  ou  melhor,  para  os 

adolescentes,  não  é?  (Pausa  breve)  Olha,  por  exemplo,  o  Sérgio  'tá  de 

certeza numa dessas fases, só que, em vez de lhe chamar «difícil», chamo‐

‐lhe «fase bué da estúpida», como se ele tivesse sido atacado por um vírus 

GIL 

(Torce  o  nariz  e  suspira.)  Já  .  Vai  ser  cá  um  prazer  que  nem 

imaginas... (Pausa breve) Ainda  levo com um almofadão na cabeça e dois 

berros em linguagem cibernética...  

(Saem ambos de cena, transportando os seus haveres.) 

CENA 3 

(Mercedes, Sara e Gil estão na sala, a jantar.) 

MERCEDES 

(Virando‐se para o filho mais novo) Chamaste o teu irmão, Gil?  

GIL 

(Entre duas garfadas) Chamei, Mãe.  

MERCEDES 

Tens a certeza, filho?  

GIL 

Queres  que  eu  repita  o  que  lhe  disse?  (Pausadamente  e  com  voz 

paternal)  Foi  assim:  «Sérgio!  O  jantar  está  na  mesa!  Despacha‐te.» 

(Voltando  ao  tom  de  voz  normal)  Acredito  que  ele  tenha  descodificado 

pelo menos cinquenta por cento da mensagem...  

SARA 

Não acredito, Gil.  (Com  ironia) Se  tivesses  falado em  inglês,  tinhas 

tido mais hipóteses... (Pausa breve) O Sérgio deixou de falar português há 

vários meses. 

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MERCEDES 

(Com alguma tristeza) Ó filhos, que modos são esses de falarem do 

vosso irmão?!  

SARA 

(Olhando  para  o  Gil  e,  depois,  para  a  Mãe)  Nós  só  dissemos  a 

verdade! Tu e o Pai são os únicos que ainda não perceberam...  

MERCEDES 

(Começando  a  levantar  os  pratos)  Ainda  não  percebemos  o  quê, 

Sarinha? Vocês andam sempre a  implicar com o vosso  irmão mais velho! 

Que coisa!  

GIL 

(Com  brandura)  Esquece, Mãe!  (Pausa  breve) O  Sérgio  está  a  ter 

uma adolescência banal: deixou de ouvir, deixou de falar, deixou de comer 

à mesa, deixou de dormir de noite para andar a dormir na escola, deixou 

de se dar com a maioria dos amigos, deixou de  fazer desporto, deixou a 

Vanda à seca uma data de vezes, deixou de atender o telefone e... talvez 

mais alguma coisa também sem importância de que não me lembro agora. 

De resto, está tudo normal.  

MERCEDES 

(Com alguma indignação) Que exagero, Gil! Parece que estás a falar 

de um extraterrestre, filho! (Com voz autoritária) Vai mas é chamar o teu 

irmão outra vez, que ele não te deve ter ouvido.  

GIL 

(Levanta‐se  e  aproxima‐se  da  saída  da  sala,  gritando)  Sérgio!  O 

jantar 'tá em vias de extinção e o molho dos bifes já congelou! (Volta para 

GIL 

(Assentindo com um gesto de cabeça) Podes crer!  

(Toca o telemóvel de Sara e ela atende.)  

SARA 

Sim, Pai. (Pausa breve) Não sei. Acho que a Mãe foi ao cabeleireiro. 

(Pausa) Pois, deve ter o telemóvel desligado. (Pausa breve) Ai não? (Pausa) 

'Tá bem, eu digo‐lhe, mas, Pai, hoje é sábado! Vais trabalhar à noite num 

sábado?!  (Pausa)  Okay.  (Pausa  breve)  Fica  descansado,  que  eu  aviso  a 

Mãe. Tchau. (Desliga o telemóvel e coloca‐o sobre a mesa.)  

GIL 

(Com cara de caso) Já vi que o Pai também não vem jantar hoje...  

SARA 

Estranho, não  é? Quero dizer, não percebo porque  é que  ele não 

vem jantar e sai para trabalhar a seguir. Sempre comia connosco, não era?  

GIL 

(Intrigado) Que desculpa é que ele deu desta vez?  

SARA 

(Retomando  a  escrita)  A mesma  de  sempre,  que  tem muito  que 

fazer e que, se vier a casa para jantar, perde muito tempo...  

GIL 

(Coça a cabeça, morde o  lábio e fica pensativo.) Ouve  lá, Sara, tu já 

alguma  vez  pensaste  numa  ideia  péssima  que me  veio  agora  à  cabeça 

sobre o Pai e a Mãe?  

SARA 

(Pára de escrever e olha para o  irmão.) Estás a querer saber se eu 

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GIL 

(Surpreendido) A Vanda do... Sérgio?  

SARA 

Iá. Ela mesmo.  

GIL 

(Incrédulo) Não sabia que eles ainda andavam...  

SARA 

(Sorrindo) Pois é. Eu acho que ela também não sabe... 

GIL 

(Sorrindo com cumplicidade) 'Tou a ver... 

SARA 

(Indignada) É indecente! A Vanda é uma miúda impecável! O Sérgio 

deixou de  lhe  ligar e nem  lhe dá uma satisfação. (Elevando o tom de voz) 

Se fosse comigo, eu ia ter com ele e dizia‐lhe das boas! É indecente! (Pausa 

breve) Até fiquei com uma certa pena dela, sabes?  

GIL 

(Descontraidamente) Eu  cá  tenho pena é dele! Ele é que é parvo! 

(Entusiasmado) Se eu, um dia,  tiver a sorte de conseguir conquistar uma 

miúda como a Vanda, de certeza que não a largo!  

SARA 

O Sérgio deve é estar a  ficar  cego.  (Com  ironia) Aquilo é de  tanto 

olhar  para  o  computador...  Bem  me  parecia  que  havia  de  ter  efeitos 

secundários...  

o seu lugar, à mesa, onde começam a comer a fruta.)  

MERCEDES 

(Em  voz  baixa)  Realmente,  aquele  rapaz  tem  chegado  sempre 

atrasado ao jantar...  

SARA 

(Em voz baixa, piscando o olho ao Gil) Se fosse só ao jantar...  

MERCEDES 

O que foi que disseste, Sarinha?  

SARA 

Nada,  Mãe.  Estava  só  a  pensar  em  voz  alta  no  meu  teste  de 

História... Ainda tenho imenso que estudar!  

MERCEDES 

E tu, Gil? Vais ter algum teste nos próximos dias?  

GIL 

(Em tom dramático) Eu sou um desgraçado... Tenho testes todas as 

semanas! Montes e montes de  testes...  (Pausa breve) Os profes  têm um 

prazer sádico em marcar testes. Fogo! Nunca pensei que o sexto ano fosse 

tão  pesado!  (Elevando  o  tom  de  voz)  Ninguém me  avisou!  E  estava  eu 

convencido de que era uma grande coisa passar no quinto ano... Sou um 

ingénuo...  

SARA 

(Sorrindo) Vai‐te preparando, Gil... O sétimo é pior e o oitavo, então, 

nem se fala... (Pausa breve. Eleva  ligeiramente o tom de voz.) Ou estudas 

todos os dias ou... 'tás feito.  

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GIL 

(Com ironia) Obrigadinho pelo consolo, mana. Fiquei comovido com 

a tua atitude, palavra! Essa deve ter sido a tua boa acção do dia, aposto. Se 

calhar, também me inscrevo nos escuteiros e tenho a certeza de que passo 

logo a ser uma pessoa bué da fixe como tu. O meu azar é que não gramo 

fardas... Mas pode ser que me habitue.  

SARA 

(Serenamente)  Foi  só  para  não  voltares  a  dizer  que  ninguém  te 

avisou...  

MERCEDES 

(Preocupada) E o vosso irmão que não vem!  

SARA 

Deixa  lá, Mãe.  (Com  ironia)  O  Sérgio  alimenta‐se  de  bites  e,  por 

enquanto, é feliz...  

GIL 

(Com expressão pensativa) Como é que se chamará um sujeito que 

se alimenta de bites? (Pausa breve) Naturalmente, um baitívoro... (Dá uma 

palmada na  testa.) É  isso!  (Levanta‐se e dá um espalhafatoso aperto de 

mão à Mãe.) Parabéns, Senhora Dona Mercedes! Deu à luz um ser original! 

(Volta a  sentar‐se.) O nosso  irmão é o primeiro homo‐sapiens baitívoro! 

(Pausa breve) Ou melhor, homo‐baitívoro, que quanto ao sapiens, não sei 

não...  

SARA 

(Com  ironia)  Eu  diria  antes  dróide‐cibernauta‐baitívoro,  porque 

quanto ao homo, não  sei não...  (Pausa) O Sérgio  tornou‐se uma espécie 

GIL 

A Mãe?  

SARA 

(Sem fitar o irmão) Viste‐a cá em casa?  

GIL 

Não!  

SARA 

(Irritada,  olha  para  o  irmão.)  Então  achas  que  ela  se  escondeu 

debaixo da almofada do sofá, é? (Retoma a escrita.) 

GIL 

(Arregalando  os  olhos)  Pronto!  Não  é  preciso  enervares‐te,  Sara. 

Fogo! (Fazendo‐se de vítima) Só fiz uma pergunta inofensiva...  

SARA 

(Pára de escrever e olha para o  irmão.) Desculpa, Gil. (Pausa breve) 

'Tou com pouca pachorra, percebes?  

GIL 

(Amuado, levanta‐se.) Não sou burro...  

SARA 

(Em jeito de desculpa) Eu sei. Toda a gente sabe. (Pausa breve) Não 

é nada contigo, Gil. São outras cenas... (Pausa breve) Quanto à Mãe, foi ao 

cabeleireiro para lhe fazerem madeixas.  

GIL 

(Voltando a sentar‐se junto da irmã) Hum...  

SARA 

(Com voz amigável) Esteve cá a Vanda!  

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VANDA 

(Consultando  o  relógio  de  pulso)  Bem,  agora  tenho mesmo  de  ir 

andando,  Sara.  (Levanta‐se.) Quando o  Sérgio  chegar, não  lhe digas que 

estive cá.  

SARA 

(Surpreendida) Porquê?!  

VANDA 

(Desanimada)  Ora!  Nem  vale  a  pena.  Depois,  se  me  apetecer, 

telefono‐lhe  e  talvez  ele  atenda  o  telemóvel,  para  variar...  Senão, 

paciência. (Encaminha‐se para a saída.)  

(Sara levanta‐se e acompanha Vanda, que sai.) 

CENA 4 

(Sara  está  sentada  à mesa  de  jantar  a  escrever  num  caderno. Há 

manuais escolares sobre a mesa.)  

(Entra Gil.)  

GIL 

Não 'tá ninguém em casa?  

SARA 

(Virando‐se para o irmão, abespinhada) Que eu saiba, sou gente!  

GIL 

Olá, Sara! (Aproxima‐se da irmã e senta‐se ao seu lado, à mesa.) 'Tás 

a estudar?  

SARA 

(Com ironia) Não... 'Tou a escrever um romance...  

única, um ser mecânico, um autómato permanentemente on line.  

MERCEDES 

(Rindo‐se) Tantos disparates que vocês dizem do Sérgio... O que vale 

é  que  ele  não  vos  ouve...  (Pausa  breve)  Bem,  vamos  levantar  a mesa, 

meninos, que  tenho de despachar‐me para não perder a novela. Sempre 

quero ver se o palerma do Eleutério volta a conquistar a Eliane, coitadinha, 

que já sofreu tanto...  

GIL 

(Pausadamente) Não  sei quem  são esses, mas o  tal Eleutério, com 

um nome assim, não conquista nem uma galinha coxa...  

(Saem de cena, levando os pratos para a cozinha.) 

CENA 4 

(Sérgio está sentado na sala, às escuras, a comer uma maçã, deitado no 

sofá. O Pai entra e acende a luz do candeeiro, que não incide sobre Sérgio.)  

RUDOLFO 

(Pousando a pasta no  chão) Boa noite,  Sérgio!  (Surpreendido) Tão 

tarde e ainda aqui estás na sala, filho?!  

SÉRGIO 

(Entre duas dentadas na maçã) Iá.  

RUDOLFO 

(Sentando‐se no cadeirão, com ar cansado) Que dia! Nem calculas! 

(Tira a gravata e coloca‐a no braço do cadeirão.) Depois de uma reunião 

de três horas, ainda tive de aturar uns tipos complicadíssimos ao jantar! Se 

um deles não tivesse de apanhar um avião esta noite, ainda  lá estávamos 

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agora, no restaurante... Que estafa!  (Pega no comando da televisão e vai 

vendo  rapidamente  o  que  aparece  nos  vários  canais.  Depois,  desliga  a 

televisão.) Não há nada de jeito na televisão, como sempre...  

SÉRGIO 

Iá...  

RUDOLFO 

Estou cansadíssimo, mas sem sono... E tu, filho?  

SÉRGIO 

Hã? 

RUDOLFO 

Estiveste a estudar até a esta hora, Sérgio?  

SÉRGIO 

Hum‐hum. 

RUDOLFO 

Acho  bem.  (Com  ar  solene)  O  nono  ano  é  de  grande 

responsabilidade! (Pausa) Os teus irmãos já se foram deitar?  

SÉRGIO 

Hum‐hum.  

RUDOLFO 

Tu também devias ir, filho... (Pausa breve) Ultimamente, parece que 

tens  tido  alguma  dificuldade  em  te  levantares  a  horas,  de  manhã. 

(Preocupado) Vê lá!  

SÉRGIO 

(Descontraidamente) No problem.  

SARA 

(Pensativa) Talvez a crise dos meus pais  também venha a passar... 

Espero que sim!  

VANDA 

E  o  Sérgio?  Já  falaste  com  ele  sobre  isso?  SARA  (Peremptória) 

Impossível! Não dá para falar com o Sérgio sobre nada. Ele só tem tempo 

para o computador. (Pausa breve) Se queres saber, dá‐me  ideia de que o 

Sérgio ainda nem se deve  ter apercebido do que se passa entre os meus 

pais.  

VANDA 

(Incrédula) Achas?!  

SARA 

(Pausadamente) Sinceramente, acho. 

VANDA 

(Surpreendida) Mas ele anda assim tão distraído?  

SARA 

Já  te disse!  Ele  não  liga  a ninguém.  Parece um  estranho, palavra! 

(Pausa  breve)  Eu  também  gramo  jogar  no  computador,  ver  coisas  na 

Internet, etc., mas o meu  irmão  tornou‐se um  fanático, um  informático‐

‐dependente, se é que a palavra existe...  

VANDA 

E eu que pensava que era só a mim que ele não ligava... (Suspira.)  

SARA 

Pois é...  

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VANDA 

Problemas?...  

SARA 

Sim... (Baixa o tom de voz) Problemas entre eles, 'tás a ver? (Pausa. 

Desvia o olhar para o chão.) O meu Pai nem tem vindo jantar a casa nem 

nada. Chega todos os dias tardíssimo, quando  já estamos todos a dormir, 

incluindo a minha Mãe. E, nos  raros dias em que vem  jantar, não abre a 

boca a não ser para avisar que não contem com ele no dia seguinte. Então, 

a minha Mãe põe‐se a olhar para ele com uma cara esquisita e ele cala‐se 

imediatamente e faz‐se um silêncio insuportável, percebes?  

VANDA 

Percebo. Os meus pais também já tiveram uma crise dessas, há dois 

anos, mas foi porque a minha Mãe andava a fazer um curso por causa da 

empresa onde trabalha e tinha de ser o meu Pai a fazer o jantar, o que ele 

detestava... (Pausa) Havia cada cena... Nessas alturas, eu nem me atrevia a 

dizer uma única palavra, porque me dava a sensação de que tudo poderia 

desmoronar‐se a qualquer momento, por qualquer  razão, mesmo a mais 

insignificante.  

SARA 

(Interessada, vira‐se para Vanda.) E como foi que eles ultrapassaram 

essa crise?  

VANDA 

Olha, se queres que te diga, não sei bem. A verdade é que, quando a 

minha  Mãe  acabou  o  tal  curso,  voltaram  a  dar‐se  melhor  os  dois  e 

deixaram de implicar comigo.  

RUDOLFO 

(Preocupado)  Precisas  de  dormir,  pelo  menos,  oito  horas,  filho. 

Quem anda a estudar, precisa de ter a cabeça bem fresca, logo de manhã. 

Poucas horas de sono impedem um bom rendimento escolar, Sérgio, estás 

a ouvir, filho?  

SÉRGIO 

Iá.  

RUDOLFO 

Então,  visto que não há nada de  jeito na  televisão e  tu não estás 

para  grandes  conversas,  é melhor  irmos  deitar‐nos,  que  já  não  é  nada 

cedo.  

SÉRGIO 

(Encolhe os ombros e levanta‐se devagar.) Okay.  

(Rudolfo apaga a luz do candeeiro e saem ambos de cena.) 

   

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    SARA 

Não  vás,  ainda,  Vanda! O  Sérgio  não  está, mas  estou  eu!  (Pausa 

breve)  Podíamos  conversar  mais  um  bocado...  (Sorri  amigavelmente.) 

Como é que te tem corrido a vida, na escola?  

VANDA 

Na  escola,  'tá  tudo  bem.  (Com  tristeza)  No  resto  é  que  nem  por 

isso...  

SARA 

(Com  um  sorriso  discreto)  Estás  a  referir‐te  ao...  meu  irmão? 

(Atrapalhada)  Desculpa,  não  me  quero  intrometer!  Esquece  a  minha 

pergunta,  sim?  (Pausa  breve)  É  que,  ultimamente,  o  Sérgio  até me  faz 

impressão, sabes? Mudou tanto!  

VANDA 

(Intrigada) O que é que queres dizer  com  isso? Pensei que era  só 

comigo que ele estava diferente…  

SARA 

(Em voz alta) Nem penses! (Pausadamente) O Sérgio está diferente 

em tudo. (Voltando a subir o tom de voz) Tudo! (Indignada) Até deixou de 

comer connosco!  

VANDA 

(Surpreendida) E os teus pais não lhe dizem nada?!  

SARA 

Sei  lá! (Pausa. Pega no comando e desliga a televisão. Baixa o tom 

de voz.) Olha, Vanda, peço‐te que não comentes  isto com ninguém, mas 

dá‐me ideia de que os meus pais estão a ter problemas...  

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SARA 

Realmente, ele  costuma estar em  casa, Vanda,  sempre enfiado no 

quarto, só que teve de sair para ir comprar uma coisa...  

VANDA 

(Muito  surpreendida)  O  Sérgio  foi  às  compras?!  Que  novidade! 

Julguei que ele detestava fazer compras! (Pausa) Enfim, é mais uma prova 

de que não conheço o teu  irmão, apesar de, durante anos, ter pensado o 

contrário... (Suspira.)  

SARA 

Acho  que  ele  continua  a  detestar  ir  às  compras,  Vanda,  só  que 

parece que lhe faltou papel para a impressora, ‘tás a ver...? 

VANDA 

Ah...  (Abespinhada)  Claro! Ao  computador  não  pode  faltar  nada... 

(Pausa) Será que ele ainda se vai demorar muito, Sara?  

SARA 

(Constrangida) Parece‐me que 'tás com azar... Ele acabou de sair...  

VANDA 

Se foi ao centro comercial, nunca mais se despacha. Aos sábados, o 

centro está sempre à cunha...  

SARA 

Pois é. (Com uma certa tristeza) Lamento, Vanda...  

VANDA 

Bem, vou andando.  

 

 

 

ACTO II 

CENA 1 

CENÁRIO B – Gabinete da directora de turma  

(A Directora de Turma de Sérgio) Professora Antonieta, está em pé, 

junto da secretária e cumprimenta a mãe do aluno, Mercedes.)  

ANTONIETA 

(Apontando  o  sofá  em  frente  da  secretária)  Faça  o  favor  de  se 

sentar,  Senhora Dona Mercedes.  (Senta‐se na  cadeira, abre um dossiê  e 

franze  o  sobrolho.)  Hum...  Ora  aqui  está...  (Levantando  a  cabeça  na 

direcção da mãe do Sérgio) Tal  como  lhe disse pelo  telefone,  temos uns 

problemas para tratar...  

MERCEDES 

(Apertando  uma  mão  na  outra,  com  nervosismo)  Nada  que, 

certamente, não se possa resolver. (Pausa breve) É por causa dos atrasos 

do meu filho, não é?  

ANTONIETA 

Bem, os atrasos do Sérgio são um dos problemas. (Pausa breve) Há 

mais...  

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MERCEDES 

(Sorrindo amigavelmente) A senhora doutora já é directora de turma 

do  Sérgio  há  dois  anos,  conhece‐o  bem.  Sabe  que  ele  é  capaz  de  se 

esforçar  quando  lhe  chamamos  a  atenção.  (Pausa)  Eu  reconheço  que, 

ultimamente, o meu filho tem tido dificuldade em se  levantar a horas, de 

manhã, mas  suponho que é da  idade, ou melhor, da  fase que ele está a 

atravessar.  

ANTONIETA 

(Com expressão séria) Não sei se é da  idade ou não, Senhora Dona 

Mercedes. Os  colegas  dele  também  têm,  na maioria  dos  casos,  catorze 

anos e não é por  isso que passaram a  chegar quase  sempre atrasados à 

primeira aula da manhã. (Indignada) Sim, porque é raro o Sérgio chegar a 

horas  à  primeira  aula.  (Elevando  um  pouco  o  tom  de  voz)  Raro  não, 

raríssimo! Na semana passada, por exemplo, não chegou à hora nem um 

único  dia!  (Recuperando  o  tom  de  voz  normal)  Ora,  como  deve 

compreender,  isso  perturba  o  normal  funcionamento  das  aulas.  Recebi 

queixas de todos os professores que lhe dão a primeira aula em cada dia! 

(Elevando o tom de voz) Todos se me têm queixado! (Com ar solene)  Isto 

não pode continuar...  

MERCEDES 

(Com algum nervosismo) Desculpe a minha pergunta, mas  já  falou 

com o Sérgio sobre este problema?  

ANTONIETA 

(Arreliada)  Já  falei  várias  vezes!  (Elevando  o  tom  de  voz)  Várias 

vezes!  (Indignada)  Pede‐me  desculpa,  diz‐me  sempre  que  não  volta  a 

chegar atrasado e, depois, é o que se tem visto...  

PASCOAL 

(Tira um CD do bolso do blusão e entrega‐o a Sara.) Ah! E, já agora, 

se não for pedir‐te muito, dá este CD ao teu irmão, que é dele e ainda não 

consegui  devolver‐lho.  (Dá‐lhe  um  beijo.)  Tchau,  Sara.  Diverte‐te  lá  nos 

escuteiros!  

SARA 

(Animada)  Podes  crer!  Estou  a  precisar  de  apanhar  ar  e  o 

acampamento da próxima semana vem mesmo a calhar! Eu acompanho‐

‐te.  

(Saem ambos.) 

CENA 3 

(Sara  está  sentada  na  sala  a  ver  televisão.  Já  tirou  o  uniforme  de 

escuteira e está vestida como no ACTO I.)  

(Entra Vanda. Sara levanta‐se para a cumprimentar.)  

SARA 

(Com um sorriso afável) Senta‐te, Vanda! Fica à vontade! Há muito 

tempo que não aparecias por cá!  

VANDA 

(Sentando‐se)  Pois  é...  (Pausa  breve)  Vinha  ver  se  conseguia  falar 

com o teu irmão...  

SARA 

(Constrangida) Lamento, mas o Sérgio não está...  

VANDA 

(Surpreendida) Não está?! Mas hoje é sábado! Pensei que...  

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quando lhe fazem perguntas... (Pausa breve) 'Tá pior do que eu pensava!  

PASCOAL 

Não é que não fale, mas fala muito menos, sem dúvida. No sábado 

passado,  desatinei  com  ele:  tinha  bilhetes  para  o  futebol  e  ele  deu‐me 

uma  tampa  à  última  hora.  Passei‐me! Depois,  lá  arranjou  uma  desculpa 

qualquer, uma cena que tinha a ver com o facto de os teus pais quererem 

que fossem todos visitar não sei quem, uma tia vossa, parece‐me. Lógico 

que  não  engoli, mas  achei  que  não  valia  a  pena  dar‐lhe  troco.  (Pausa) 

Fogo!  Não  sei  o  que  deu  ao  Sérgio,  palavra!  Eu  também  tenho 

computador,  só  que  é  para mim  e  para  a minha  irmã,  e  está  na  sala 

pequena  lá de casa. É evidente que gramo  jogar e navegar, mas não sou 

fanático! Há outras coisas na vida! Se há! O gajo deve 'tar é viciado! Desde 

que o vi desistir do basquete, percebi que ele tinha mudado...  

SARA 

(Com um  sorriso amargo)  Só os meus Pais é que  ainda não  viram 

isso...  

PASCOAL 

(Sorrindo) É normal que os cotas  sejam  sempre os últimos a ver o 

que  quer  que  seja...  (Trocista)  A  partir  de  certa  idade,  a  miopia  é 

galopante...  (Consulta  o  relógio  de  pulso.)  Já  é  tarde...  Não  vou  poder 

esperar mais, Sara. (Levantando‐se) Se não te  importas, diz ao Sérgio que 

deixe o telemóvel ligado, para variar... Talvez consiga falar com ele logo à 

noite...  

SARA 

(Levantando‐se) Okay, eu digo‐lhe, se conseguir vê‐lo nos próximos 

tempos, mas não garanto nada, sabes como é...  

MERCEDES 

(Forçando  um  sorriso)  Mas  disse‐me,  há  pouco,  que  havia  mais 

problemas...  

ANTONIETA 

(Com  determinação)  Se  há!  Há muito  tempo  que  o  Sérgio  não  é 

capaz de se concentrar nas aulas. (Irritada) Nas minhas, por exemplo, está 

sempre  na  lua!  Sempre  absorto.  Não  tira  apontamentos,  não  traz  o 

manual,  não me  entregou  dois  trabalhos  de  casa...  (Pausa  breve) Ainda 

ontem lhe pedi para ler e não sabia em que página íamos! E não é só nas 

minhas aulas que isto tem acontecido, não!  

MERCEDES 

(Cabisbaixa) Estou a ver...  

ANTONIETA 

(Suavizando  a  expressão  e moderando  o  tom  de  voz)  Parece‐me 

imprescindível que a senhora tenha uma conversa muito séria com o seu 

filho, o mais brevemente possível.  (Elevando um pouco o  tom de  voz) O 

nono ano exige mais responsabilidade dos alunos, e o Sérgio devia saber 

isso!  Insisto  para  que  fale  com  ele  e  lhe  faça  ver  que  assim  não  pode 

continuar, sob pena de não conseguir atingir os objectivos mínimos...  

MERCEDES 

(Preocupada)  Bem,  eu  não  gostaria  que  ele  atingisse  apenas  os 

objectivos mínimos...  (Agitando‐se  no  sofá  e mexendo  nervosamente  no 

cabelo) Para o ano já vai para o Secundário!  

ANTONIETA 

(Com  serenidade)  Por  tudo  isso,  bem  vê  que  é  fundamental 

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conversar com ele sobre este comportamento.  

MERCEDES 

(Em  voz baixa) Mas  é  tão difícil  falar  com o  Sérgio!  (Pausa breve) 

Nem calcula...  

ANTONIETA 

(Surpreendida)  Julguei  que  ele  tinha  uma  boa  relação  com  a 

família...  (Pausa  breve)  Nos  anos  anteriores,  não  tivemos  qualquer 

problema  com  ele,  pelo  contrário!  Até  tinha  um  comportamento muito 

razoável.  (Cautelosamente)  Houve  assim  alguma... mudança  especial  na 

vida do Sérgio que queira partilhar comigo?  

MERCEDES 

(Nervosa) Mudança? Não. Que eu me tenha apercebido, o meu filho 

não  sofreu nenhum  trauma, não  teve um problema grave, não...  (Pausa. 

Volta a mexer nervosamente no cabelo.) Bem, a verdade é que ele, dantes, 

convivia mais connosco. (Pausa breve) Os meus outros filhos até têm feito 

alguns comentários sobre este assunto.  

ANTONIETA 

(Intrigada) E a que se deverá esse isolamento do Sérgio?  

MERCEDES 

Olhe, na realidade, não sei bem.  

ANTONIETA 

Alguns dos nossos  alunos passam demasiadas horas  em  frente da 

televisão ou do computador. Talvez o Sérgio  tenha  televisão no quarto e 

ande a adormecer muito tarde, será? 

PASCOAL 

Bem,  p'ra  dizer  a  verdade,  não  tenho  conseguido  falar  com  ele, 

ultimamente. Só nos vemos na escola e ele 'tá sempre com tanto sono que 

parece  um  zombie...  (Pausa  breve) Um dia destes, um  gajo  lá  da  turma 

disse‐lhe  que  ele  devia  'tar  pedrado  e  o  Sérgio  abanou  com  a  cabeça  a 

dizer que sim só p'ra não ter de responder... (Pausa) Ele teve alguma cena 

cá em casa, qualquer problema?  

SARA 

Que eu saiba, não. Mas a verdade é que eu também não sei quase 

nada  do  Sérgio.  (Suspira.) Nem  eu  nem  ninguém...  (Pausa  breve) Desde 

que o meu Pai lhe comprou o computador e se fez a ligação à Net que ele 

emigrou,  'tás a ver? É como se  já não morasse aqui.  (Pausa breve) Hoje, 

voltou a não almoçar connosco, porque se levantou tardíssimo.  

PASCOAL 

E o teu Pai? Não lhe pregou um sermão?  

SARA 

(Em voz baixa) O meu Pai também não veio almoçar...  

PASCOAL 

 Os meus cotas desatinam se eu e a minha irmã não almoçamos com 

eles no fim‐de‐semana. Temos de dar uma ganda desculpa para não haver 

cenas.  

SARA 

Pois é, mas eu não sabia que nem contigo o Sérgio falava, Pascoal. 

Essa,  para mim,  é  novidade.  Se  nem  contigo  conversa,  então  é  porque 

deixou mesmo de  falar por completo. Se calhar nem responde nas aulas, 

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CENA 2 

(Sara, com uniforme de escuteira, está sentada no cadeirão. Pascoal, 

colega e amigo de Sérgio, senta‐se no sofá.)  

SARA 

(Virando‐se para  Sérgio) O  Sérgio  foi  agora para  a  casa de banho, 

Pascoal. (Com ironia) Com alguma sorte, talvez esteja pronto daqui a uma 

hora...  

PASCOAL 

Fogo! Não sei se posso esperar assim tanto. Quero ir comprar um CD 

e ainda tenho de passar em casa da minha avó, que faz hoje anos.  

SARA 

Pois  é,  mas  o  Sérgio  demora  cada  vez  mais  para  se  arranjar. 

(Elevando o tom de voz) Ainda mais do que a minha Mãe!  

PASCOAL 

(Com um sorriso) Se calhar, é por isso que tem chegado tantas vezes 

atrasado às aulas...  

SARA 

Não! (Piscando o olho) Isso é outra história... 

PASCOAL 

(Incrédulo)  Mistério?!  O  que  é  que  foi?  (Surpreendido)  Alguma 

miúda que eu não conheça?  

SARA 

(Sorrindo) Nada disso. O Sérgio tem lá tempo para raparigas! Já nem 

liga à Vanda! (Surpreendida) Não sabias?!  

MERCEDES 

Não, os meus filhos não têm televisão nos quartos. (Pausa breve) O 

que o  Sérgio  tem no quarto, para  além da  aparelhagem de música,  é o 

computador novo que o meu marido lhe comprou...  

ANTONIETA 

Ah... E, provavelmente, tem ligação à Internet.. .  

MERCEDES 

(Acenando afirmativamente com a cabeça) Pois  tem.  (Pausa breve. 

Eleva um pouco o tom de voz.) Fartou‐se de pedir aquilo ao pai... Já nem o 

podíamos ouvir! Dizia que todos os colegas tinham computador e que, sem 

um, não podia apresentar trabalhos de casa como os professores esperam, 

hoje em dia...  

ANTONIETA 

(Indignada)  Mas  isso  não  é  verdade,  Senhora  Dona  Mercedes. 

Muitos dos colegas do Sérgio,  talvez a maioria, não  têm computador em 

casa; muito menos  um  só  para  eles.  (Com  alguma  ironia)  E  quanto  aos 

trabalhos de casa, o computador pode ajudar, mas, no nono ano, não se 

pode  dizer  que  seja  imprescindível...  (Com  serenidade)  De  qualquer 

maneira, não me parece que o problema seja o computador propriamente 

dito, mas sim o tempo que o Sérgio deve passar a fazer jogos e a navegar 

na Net...  (Pausa breve) Com  certeza, ele anda a deitar‐se  tardíssimo e é 

justamente  por  essa  razão  que  não  consegue  levantar‐se  a  horas,  de 

manhã.  

MERCEDES 

(Aflita) Mas acha que devemos tirar‐lhe o computador?!  

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ANTONIETA 

(Com  calma) Eu não disse  isso. O que acho é que é preciso  impor 

algumas  regras, compreende? Não é nada  saudável um  rapaz de catorze 

anos deitar‐se  tarde  todas as noites e até deixar de  fazer desporto, que, 

segundo me apercebi, foi o que aconteceu com o Sérgio. (Pausa breve) Ele 

andava no básquete, não andava?  

MERCEDES 

Pois  andava,  mas  disse‐nos  que  o  horário  dos  treinos  não  lhe 

convinha...  Como  não  nos  pareceu  fundamental,  deixámo‐lo  desistir  do 

basquetebol, de facto... (Pausa) Isso para já não falar do Escutismo. Nunca 

mais  lá pôs os pés, alegando que era coisa para betinhos e não sei o que 

mais...  

ANTONIETA 

(Com  um  sorriso)  E  de  quantas  mais  actividades  terá  o  Sérgio 

desistido, Senhora Dona Mercedes? (Com ar grave) E para quê? Para estar 

mais tempo no quarto em frente do computador?  

MERCEDES 

(Levantando‐se, nervosa) Bem, vou ter de conversar sobre tudo isto 

com o meu marido...  

ANTONIETA 

(Levantando‐se e aproximando‐se de Mercedes) E com o Sérgio!  

MERCEDES 

(Sorrindo  com  algum  embaraço)  Claro!  E  com  o  Sérgio  também... 

(Com determinação) Não quero que ele volte a chegar atrasado às aulas! 

(Aflita) Nem me conformaria que ele viesse a perder o ano!  

para me dizer que o deixasse em paz!  

MERCEDES 

(Com  delicadeza)  Desculpe  lá,  Clementina.  (Pausa  breve)  Aquele 

rapaz anda numa fase...  

CLEMENTINA 

(Assentindo  com  um  gesto  de  cabeça) Ai, pois deve  andar, deve... 

(Aparte) E que fase! (Vira‐se para a patroa que, embaraçada, vai mexendo 

no  cabelo.) Eu  já o  conheço desde que nasceu e não gosto nada de  ver 

como  ele  anda.  A  senhora  desculpe,  mas,  se  fosse  meu  filho,  eu  cá 

obrigava‐o a deitar‐se mais cedo para se levantar a horas, sabe? (Pausa) Se 

calhar, emprestaram‐lhe revistas dessas que só trazem poucas‐vergonhas 

e é por  isso que ele anda assim, meio desorientado... Já nem fala comigo 

nem  nada.  Antigamente,  ainda  me  contava  umas  anedotas...  (Pausa) 

Parece  outro  rapaz!  Aquilo  até  lhe  faz  mal!  (Indignada)  Um  rapaz  de 

catorze anos  sempre enfiado no quarto! Ele precisa é de apanhar ar, de 

sair com os amigos, como fazia dantes. Por falar nisto, há muito tempo que 

não vejo por cá a menina Vanda. (Suspira.) Eles davam‐se tão bem os dois. 

(Pausa breve) Olhe que  já aconteceu ela telefonar a refilar que o menino 

Sérgio não atendia o telemóvel e, quando fui avisar o Serginho, mandou‐

‐me dizer‐lhe que não estava em casa.  (Suspira.) Qualquer dia, o menino 

Sérgio  fica  sem amigos...  (Pausa breve) Bem,  já  limpei a  sala, vou ver  se 

arrumo os atoalhados lá dentro.  

MERCEDES 

(Levantando‐se) E eu vou ver se aquele rapaz se levanta!  

(Saem ambas.) 

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MERCEDES 

(Escrevendo) Amaciador. (Pausa breve) Ora bem, vou reler, para ver 

se  está  tudo.  (Relê  em  silêncio.)  Julgo que  a  lista  está pronta.  (Suspira.) 

Este  sábado  tinha  tanto  que  fazer,  mas  não  posso  deixar  de  ir  ao 

supermercado.  (Com  ar de  enfado) Que maçada!  Sou  sempre  eu  a  ir  às 

compras!  (Elevando  um  pouco  o  tom  de  voz)  E  detesto  supermercados! 

(Pausa  breve.  Vira‐se  para  a  empregada.)  Ó  Clementina,  já  limpou  os 

quartos dos meninos?  

CLEMENTINA 

(Limpando  a mesa  de  jantar) De  todos, menos  do menino  Sérgio, 

claro...  

MERCEDES 

(Indignada)  Não  me  diga  que  o  Serginho  ainda  está  a  dormir! 

(Consulta o relógio de pulso.)Já passa das onze!  

CLEMENTINA 

(Continuando a limpar o pó) A Sarinha e o Gil saíram logo bem cedo, 

como de costume.  Já  têm os quartos arrumadinhos.  (Intrigada) Ó minha 

senhora, o menino Sérgio anda a dormir mal de noite, anda? Dantes, ele 

também  se  levantava  cedo, ao  sábado, para  ir para os escuteiros  com a 

irmã... Há que tempos que não consigo dar uma boa arrumação ao quarto 

daquele menino!  

MERCEDES 

Bateu‐lhe à porta?  

CLEMENTINA 

(Parando  de  limpar)  Só me ouviu  à  terceira  vez!  (Indignada)  E  foi 

ANTONIETA 

 (Despede‐se de Mercedes  com um aperto de mão.) Conto  consigo 

para fazer ver ao Sérgio que está a pôr muita coisa em risco! (Sorrindo com 

optimismo) Espero sinceramente que ele mude de atitude! Eu acompanho‐

a à porta.  

(Saem ambas.) 

   

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ACTO III 

CENA 1 

CENÁRIO A – Sala da casa de Sérgio 

(Na  sala  de  casa  do  Sérgio, Mercedes  está  sentada  no  cadeirão  a 

fazer a lista das compras do mês. Clementina, a empregada, está a limpar 

o  pó  da  sala,  com  um  pano,  uma  lata  de  spray  para  polir móveis  e  um 

espanador.)  

MERCEDES 

(Consultando  a  lista  que  tem  na mão) Ora  vamos  lá  a  ver  se me 

esqueci  de  alguma  coisa  aqui  para  a  lista  das  compras.  (Pausa  breve) 

Guardanapos  de  papel,  filtros  para  o  aspirador,  esfregão  para  a  louça, 

detergente para a máquina da roupa...  

CLEMENTINA 

(Virando‐se para a patroa) Não se esqueça de um pano para a tábua 

de passar a ferro, que o que temos já está muito gasto...  

MERCEDES 

(Escrevendo) Pano para a tábua de engomar...  

CLEMENTINA 

Ah! O amaciador da roupa está quase a acabar.