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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO SANDRA CRISTINA DE FIGUEIREDO ABDALLA O ALUNO BAGUNCEIRO: UM ESTUDO EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FUTUROS PROFESSORES DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFMT, CAMPUS CUIABÁ Cuiabá 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SANDRA CRISTINA DE FIGUEIREDO ABDALLA

O ALUNO BAGUNCEIRO: UM ESTUDO EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FUTUROS PROFESSORES DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFMT, CAMPUS CUIABÁ

Cuiabá

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

SANDRA CRISTINA DE FIGUEIREDO ABDALLA

O ALUNO BAGUNCEIRO: UM ESTUDO EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FUTUROS PROFESSORES DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFMT, CAMPUS CUIABÁ

Cuiabá 2013

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SANDRA CRISTINA DE FIGUEIREDO ABDALLA

O ALUNO BAGUNCEIRO: UM ESTUDO EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FUTUROS PROFESSORES DO CURSO DE PEDAGOGIA

DA UFMT, CAMPUS CUIABÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, área de concentração, Cultura, Memória e Teorias em Educação, no Grupo de Pesquisa em Psicologia da Infância.

Orientadora: Profa. Dra. Daniela B. S. Freire Andrade.

Cuiabá 2013

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Dedico à minha família por todo apoio e compreensão nos muitos momentos de ausência. Ao meu amor Marcelo pelo incentivo e serenidade no enfrentamento desse período de estudo, e por me proporcionar tranquilidade para seguir. Aos meus filhos Luís Henrique e Ana Paula por me fazer sentir que juntos sou mais forte do que imagino. À minha querida mãe Lucy, com a qual aprendi a suportar e vencer os desafios da vida e os meus próprios por meio da fé, do amor e do respeito às pessoas. Aos meus amigos queridos que mesmo de longe torceram por mim.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por tornar possível a realização de um projeto pessoal e profissional.

À minha Família, Marcelo, Luís Henrique e Ana Paula, pois sem a compreensão,

incentivo, tranqüilidade e paciência de vocês, talvez chegar até aqui não fosse possível. Amo

vocês e muito obrigada.

À Professora Doutora Daniela Barros da Silva Freire Andrade, minha orientadora, por

ter trilhado este novo percurso comigo sempre mostrando possibilidades de compreensão e

apresentando a ciência, a pesquisa de modo tão prazeroso, instigante sem perder a doçura.

À Professora Doutora Eugênia Coelho Paredes, professora dedicada e incansável no

despertar do conhecimento de seus orientandos. Obrigada por me proporcionar a experiência

de fazer pesquisa e estudar com pessoas maravilhosas com as quais convivi. Saiba que tem o

meu respeito e admiração por sua contribuição no universo científico.

Às Professoras Doutoras Lúcia Pintor Santiso Villas Bôas e Márcia dos Santos

Ferreira pela generosidade nas contribuições como participantes da banca examinadora.

Agradeço imensamente pela oportunidade de receber orientações tão preciosas e que

oportunizaram ampliar a compreensão sobre o meu estudo.

Ao Professor Doutor Carlo Ralph De Musis, sempre presente e atento aos detalhes.

Obrigada pela colaboração para organizar melhor as ideias quando os dados necessitaram do

seu olhar e do seu conhecimento. Saiba que admiro a pessoa que és.

A todos os professores que estiveram presentes nesta caminhada. Em especial, as

professoras Elizabeth Sá, Ozerina de Oliveira, Maria da Anunciação Pinheiro e Ruth Cristina

Domingos da Palma com as quais senti o prazer e a paixão pela aquisição do conhecimento.

Ás colegas do Grupo de Pesquisa Educação e Psicologia (GPEP) – Léa, Simone,

Mirian, Roseli, Geniana, Solange por toda generosidade na recepção dos novatos no grupo. A

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experiência de estudo com vocês foi fundamental na continuidade da minha caminhada.

Muito obrigada.

Aos colegas Maurélio, Elizandra, Tatiana e Magliane pela amizade companheirismo e

incentivo pra seguir e chegar até aqui.

Às colegas do Grupo de Pesquisa Psicologia da Infância (GPPIN) – Iury, Mona Lisa,

Giovanna, Eliza e Nayara – pela acolhida no grupo quando me senti perdida e sem rumo!

Agradeço pelo companheirismo, amizade, disponibilidade, carinho e os muitos momentos de

descontração, só pra relaxar, em meio às leituras, aulas e estudos solitários. Vocês são pessoas

especiais e que ficaram guardadas pra sempre no meu coração. Sentirei falta de cada uma e

espero que as coisas da vida não nos distanciem e a amizade perdure. Vocês são muito

queridas!

Ao coordenador do curso de Pedagogia da UFMT, professor Delarim Martins Gomes

que tornou possível a realização da pesquisa, e aos professores da graduação do mesmo curso

pela compreensão e colaboração.

Aos alunos do curso de Pedagogia pelo aceite em contribuir por meio da sua

participação no estudo, demonstrando empenho e disponibilidade.

Aos servidores da Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação da

UFMT: Professora Tânia, Luíza, Marisa e Delma. Agradeço a dedicação, orientação e

presteza na forma como desenvolveram seus trabalhos; a gentileza foi sempre uma constante

nos momentos mais complicados das formalidades a serem atendidas.

Ao Doutor Mário Kono de Oliveira, Juiz de direito, pelo incentivo ao estudo e

compreensão das dificuldades enfrentadas neste percurso para conciliar algumas das coisas

que amo: trabalho e estudo.

Às minhas colegas de trabalho: Nadir, Gilda, Ivone, Francismeire, Leila, Vera,

Gildeth, Andréa, Patrícia, Ana Lúcia, Luíza e Priscila. Obrigada pelo apoio incondicional,

carinho, empenho e compromisso com que administraram minha ausência em muitos

momentos desta caminhada. Minha gratidão é eterna.

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“Existem momentos na vida onde a questão de saber se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir”.

(Michel Foucault)

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RESUMO

O estudo privilegia a investigação em representações sociais de futuros professores e busca compreender a dimensão alteritária da relação professor e aluno, partindo dos aspectos de sua subjetividade. O mesmo insere-se no projeto intitulado O potencial narrativo dos lugares da infância: estudo das significações e das práticas socioeducativas destinadas às crianças1 inspirado na noção de subjetividade social (MOSCOVICI, 2005). Como referência teórica esta pesquisa adota a Teoria das Representações Sociais segundo Serge Moscovici (1978; 2003) e Jodelet (1989; 2001), pois parte do entendimento de que as manifestações do senso comum auxiliam na interpretação da realidade nos processos comunicacionais. Jean-Claude Abric (1998) auxilia com a Teoria do Núcleo Central, e na compreensão das regras que regem o pensamento social. Por meio dessa abordagem buscam-se analisar as diversas respostas de futuros professores sobre o aluno bagunceiro, suas avaliações sobre o que caracteriza esse aluno, possíveis causas que contribuem para que esse aluno seja reconhecido como tal, saberes necessários para trabalhar com esse aluno, assim como suas expectativas acerca do seu trabalho na relação EU-OUTRO. Neste sentido, estudos como os de Sousa e Villas Bôas (2011) sobre a subjetividade do professor, de Tardif (2005) sobre as contingências situacionais da docência e de Pardal (2006) sobre o contexto social e a história, contribuem na compreensão do processo dinâmico de reconstrução de representações identitárias da docência. Os estudos sobre as imagens sociais da infância contribuíram na identificação de pontos de ancoragem na representação do aluno bagunceiro em que, para os gregos, os estudos de Kohan (2005), contribuem com a reflexão sobre infância como conceito difuso e variado. Na Europa Ariès (2006) e Heywood (2004) auxiliam na compreensão do sentimento de infância na sociedade medieval e Chombart de Lauwe (2001) no que diz respeito à idealização das crianças. No Brasil Del Priore, (2007) contribui ao discorrer sobre os castigos físicos para uma boa educação, Kishimoto (1993) com a idéia de infância dotada de natureza má e Gilberto Freire (1963) argumenta sobre o autoritarismo paterno na família brasileira. O estudo foi realizado na Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT - com 116 alunos do curso de Pedagogia compreendidos entre o primeiro e quarto ano. Os dados foram coletados por meio de associação de palavras para a expressão indutora aluno bagunceiro, e o processamento dos mesmos para análise dos elementos estruturais da representação, foi realizado pelos softwares Ensemble de programmes permettant l’analyse des évocations – EVOC – criado por Pierre Vergès (1984) e Cohesive Hierarchical Implicative Classification – CHIC. Os dados no estudo revelaram um discurso homogêneo sobre o objeto que recai sobre as características pessoais do aluno, bem como imagens de negatividade sobre ele associados à imagem de um professor herói, física e emocionalmente afetado diante da representação de um aluno problema que não possibilita a obtenção de resultados esperados para um ambiente de aprendizagem. Sendo assim, a desresponsabilização do professor na produção da bagunça pode estar justificando as diversas demandas de encaminhamentos.

Palavras-Chave: Educação; Representações sociais; Alteridade.

1 Projeto contemplado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso- FAPEMAT.

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ABSTRACT

The study focuses on research on social representations of future teachers and tries to understand the dimension of the relationship alteritária teacher and student, based on the aspects of their subjectivity. The same is part of the project entitled The narrative potential places of childhood: a study of the meanings and practices of social and educational for children2 inspired by the notion of social subjectivity (Moscovici, 2005). As a theoretical framework this research adopts the Theory of Social Representations according to Serge Moscovici (1978, 2003) and Jodelet (1989, 2001), as part of the understanding that the manifestations of common sense assist in the interpretation of reality in communication processes. Jean-Claude Abric (1998) assists with the Central Nucleus Theory, and understanding of the rules governing social thought. Through this approach seek to analyze the various responses of teachers on future student messy, their evaluations on what characterizes this student, possible causes that contribute to this student is recognized as such, knowledge required to work with this student, so as their expectations about their work in relation EU-OTHER. In this sense, studies how Villas Boas and de Sousa (2011) on the subjectivity of the teacher, Tardif (2005) on the situational contingencies of teaching and Sparrow (2006) on the history and social context, contribute in understanding the dynamic process reconstruction of identity representations of teaching. Studies on the social images of children helped in the identification of anchor points in the representation of rowdy students that for the Greeks, the studies Kohan (2005), contribute to the discussion about childhood as a concept diffuse and varied. In Europe Ariès (2006) and Heywood (2004) help to understand the feeling of childhood in medieval society and Chombart of Lauwe (2001) with regard to the idealization of children. In Brazil Del Priore, (2007) contributes to discuss corporal punishment to a good education, Kishimoto (1993) with the idea of childhood endowed with evil nature and Gilberto Freire (1963) argues about the paternal authoritarianism in Brazilian family. The study was conducted at the Federal University of Mato Grosso - UFMT - with 116 students of Pedagogy of between the first and fourth year. Data were collected through word association for student expression induces messy, and processing techniques to analyze the structural elements of the representation was performed by the Ensemble software permettant l'analyze des Programmes evocations - EVOC - created by Pierre Verges (1984) and Cohesive Hierarchical Classification Implicative - CHIC. The data in this study revealed a homogeneous discourse about the object that falls on the personal characteristics of the student, as well as images of negativity about it associated with the image of a hero teacher physically and emotionally affected on the representation of a problem that does not allow students to obtain expected results for a learning environment. Thus, the unaccountability of the teacher in producing the mess can be justifying the diverse demands of referrals. Keywords: Education; Social Representations; Otherness.

2 Project contemplated by the Foundation for Research Support of the State of Mato Grosso-FAPEMAT

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

ILUSTRAÇÃO 1 - AS ESFERAS DE PERTENCIMENTO DAS REPRESENTAÇÕES ................................... 22 ILUSTRAÇÃO 2 - QUADRO DE QUATRO CASAS ......................................................................................... 75 ILUSTRAÇÃO 3 - ELEMENTOS ESTRUTURAIS RELATIVOS AO TERMO INDUTOR ALUNO BAGUNCEIRO POR EVOCAÇÕES ................................................................................................................... 84 ILUSTRAÇÃO 4 - ELEMENTOS ESTRUTURAIS RELATIVOS AO TERMO INDUTOR ALUNO BAGUNCEIRO, POR HIERARQUIZAÇÃO ....................................................................................................... 86 ILUSTRAÇÃO 5 - GRAFO IMPLICATIVO RESULTANTE DO PROCESSAMENTO DAS EVOCAÇÕES SOBRE O ALUNO BAGUNCEIRO NO SOFTWARE CHIC .................................................. 105

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1- FECHAMENTO AMOSTRAL POR SATURAÇÃO .................................................................... 83 GRÁFICO 2 - DISTRIBUIÇÃO DAS CATEGORIAS NA REPRESENTAÇÃO DO ALUNO BAGUNCEIRO ..................................................................................................................................................... 90 GRÁFICO 3 - DISTRIBUIÇÃO DAS SUBCATEGORIAS RELACIONADAS AO ALUNO ........................... 91 GRÁFICO 4 - DISTRIBUIÇÃO DAS SUBCATEGORIAS RELACIONADAS ÀS CARACTERÍSTICAS PESSOAIS ....................................................................................................................... 92 GRÁFICO 5- DISTRIBUIÇÃO DAS SUBCATEGORIAS RELACIONADAS AOS COMPORTAMENTOS ANUNCIADOS PELO ALUNO BAGUNCEIRO ........................................................ 94 GRÁFICO 6 - DISTRIBUIÇÃO DAS SUBCATEGORIAS RELACIONADAS A HIPÓTESES DIAGNÓSTICAS ................................................................................................................................................. 96 GRÁFICO 7 - DISTRIBUIÇÃO DAS SUBCATEGORIAS RELACIONADAS AO PROFESSOR .................. 98 GRÁFICO 8 - DISTRIBUIÇÃO DAS SUBCATEGORIAS REFERENTES ÀS ESTRATÉGIAS DO PROFESSOR ........................................................................................................................................................ 99 GRÁFICO 9 - DISTRIBUIÇÃO DA SUBCATEGORIA MAL ESTAR DO PROFESSOR ............................. 101 GRÁFICO 10 - DISTRIBUIÇÃO DA SUBCATEGORIA DEMAIS ATORES ENVOLVIDOS...................... 102

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - DISTRIBUIÇÃO POR FAIXA ETÁRIA ....................................................................................... 78 TABELA 2 - DISTRIBUIÇÃO POR SEXO NA AMOSTRA .............................................................................. 78 TABELA 3 - DISTRIBUIÇÃO POR ESTADO CIVIL ........................................................................................ 79 TABELA 4 - DISTRIBUIÇÃO POR TRABALHO EM ESCOLA PÚBLICA OU PRIVADA ........................... 79 TABELA 5 - DISTRIBUIÇÃO QUANTO AO TRABALHO OU ESTÁGIO NO ENSINO FUNDAMENTAL I .............................................................................................................................................. 80 TABELA 6 - DISTRIBUIÇÃO QUANTO À IDADE DAS CRIANÇAS NO TRABALHO OU NO ESTÁGIO .............................................................................................................................................................. 81 TABELA 7 - DISTRIBUIÇÃO QUANTO AO INTERESSE EM EXERCER A PROFISSÃO E QUAL MODALIDADE .................................................................................................................................................... 81

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................................................... 16

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................................................................................... 19

1.1 O CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL ......................................................................................... 19

1.1.1 O LUGAR DAS REPRESENTAÇÕES NA SOCIEDADE ......................................................................... 20

1.1.2 POR QUE CONSTRUÍMOS TEORIAS DO SENSO COMUM? ............................................................... 23

1.1.3 A SISTEMATIZAÇÃO DE UM CONCEITO ............................................................................................. 25

1.1.4 O PROCESSO DE FORMAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO ....................................................................... 26

1.1.5 A FUNÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES .................................................................................................... 29

1.2 TEORIA DO NÚCLEO CENTRAL ............................................................................................................... 30

1.2.1 O SISTEMA CENTRAL .............................................................................................................................. 31

1.2.2 O SISTEMA PERIFÉRICO ......................................................................................................................... 32

1.3 ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E EDUCAÇÃO ................................................................. 33

1.3.1 A SIGNIFICAÇÃO DO ALUNO SEGUNDO PROFESSORES E FUTUROS PROFESSORES:

ÊNFASE NOS ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ........................................................................ 35

1.4 O ALUNO COMO O OUTRO DO PROFESSOR: A CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA DO PROFESSOR

NOS ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ........................................................................................ 41

1.4.1 A IDENTIDADE DOCENTE ...................................................................................................................... 41

2 HISTORICIDADE DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS................................................................................ 45

2.1 AS IMAGENS SOCIAIS DA INFÂNCIA E DA CRIANÇA ......................................................................... 45

2.2 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INFÂNCIA NA GRÉCIA ANTIGA E NA EUROPA .............................. 49

2.3 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA INFÂNCIA NO BRASIL .......................................................................... 54

2.4 A DISCIPLINARIZAÇÃO DA INFÂNCIA ................................................................................................... 58

2.4.1 DE CRIANÇA A ALUNO ........................................................................................................................... 62

2.5 AS LEIS BRASILEIRAS, CRIANÇA E SEUS PAPEIS SOCIAIS: O ALUNO, O MENOR E O

SUJEITO DE DIREITOS ...................................................................................................................................... 66

3 METODOLOGIA .............................................................................................................................................. 69

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA: O CURSO DE PEDAGOGIA NA UFMT ................................ 69

3.2 PLANO DE COLETA E PROCESSAMENTO DOS DADOS ...................................................................... 71

3.2.1 COLETA DE DADOS: ASSOCIAÇÃO DE PALAVRAS.......................................................................... 73

3.2.2 TRATAMENTO DOS DADOS – EVOC .................................................................................................... 74

3.2.3 TRATAMENTO DOS DADOS – CHIC ..................................................................................................... 76

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS ......................................................................................... 78

15

4.1 PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO .................................................................................................................. 78

4.2 ANÁLISE DE SATURAÇÃO ........................................................................................................................ 82

4.3 ANÁLISE DA CENTRALIDADE ................................................................................................................. 84

4.3.1 DO TIPO PROTOTÍPICA (OME) ............................................................................................................... 84

4.3.2 DO TIPO HIERÁRQUICA (OMI) ............................................................................................................... 85

4.4 ANÁLISE DE CONTEÚDO TEMÁTICO DA REPRESENTAÇÃO ............................................................ 87

4.5 ANÁLISE DOS ELEMENTOS ESTRUTURAIS E SUAS RELAÇÕES IMPLICATIVAS ....................... 104

5 ENTRELAÇAMENTO DOS DADOS............................................................................................................. 109

5.1 O ALUNO BAGUNCEIRO COMO PROBLEMA CONSTITUTIVO ........................................................ 109

5.2 O ALUNO BAGUNCEIRO COMO PROBLEMA SOCIAL E FAMILIAR ................................................ 111

5.3 O PROFESSOR COMO VÍTIMA E HERÓI ................................................................................................ 111

5.4 O SILENCIAMENTO DA CATEGORIA RELACIONAL COMO CRIVO DE LEITURA DA CENA

ESCOLAR: UM PROFESSOR DESRESPONSABILIZADO E A PRODUÇÃO DO BODE EXPIATÓRIO .. 113

5.5 A HIPÓTESE DA NORMALIZAÇÃO DA ABERRÂNCIA E SEU EFEITO NEUTRALIZADOR

DEFENSIVO: DA ALTERIDADE À IDENTIDADE DO PROFESSOR .......................................................... 114

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................................................. 116

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 119

APÊNDICE ......................................................................................................................................................... 127

ANEXOS ............................................................................................................................................................. 130

ANEXO A: RELATÓRIO DISPONIBILIZADO PELO EVOC, COM EMPREGO DO SUBPROGRAMA

RANGMOT ACERCA DA EXPRESSÃO INDUTORA ALUNO BAGUNCEIRO .......................................... 131

ANEXO B: EXEMPLO DE COMO É DEFINIDO O PONTO DE CORTE PELAS PESQUISADORAS DO

CIERS-ED E TAMBÉM NESTE ESTUDO. ...................................................................................................... 132

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INTRODUÇÃO

O presente estudo faz um exercício de análise das significações de acadêmicos do

curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT – sobre o aluno

bagunceiro, suas avaliações sobre o que caracteriza esse aluno, possíveis elementos que

contribuem para que esse aluno seja reconhecido como tal, saberes necessários para trabalhar

com esse aluno, assim como suas expectativas acerca do seu trabalho na relação EU-OUTRO.

Sob esta perspectiva, ao analisar o campo das relações Guareschi (1998) afirma que nesta

relação estão implícitas as condutas e comportamentos, bem como as diferentes relações

possíveis. Relação que é, nesta análise, compreendida partindo da discussão de alteridade na

compreensão das relações entre pessoas diferentes.

Na atualidade o tema se mostra relevante tendo em vista que a queixa dos professores

em relação ao comportamento dos alunos em sala de aula mostra-se uníssona em questões

disciplinares decorrentes de carências familiares e sociais, distúrbios biológicos e falta de

limites. Entretanto, Barreto (1981) ressalta que esta visão, mesmo sendo reconhecida como

padrão, muitas vezes não verificado na realidade, acaba sendo determinante na relação

professor e aluno. Neste sentido, Jodelet (2005) contribui ao anunciar uma fachada social

existente nessa relação que leva a mecanismos de defesa identitária para abrandar diferenças e

possibilitar a convivência.

Este estudo faz parte do rol de investigações desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa

em Psicologia da Infância – GPPIN – da Universidade Federal de Mato Grosso, e está

inserido no projeto guarda-chuva, intitulado O potencial narrativo dos espaços da infância:

estudo das significações e das práticas socioeducativas destinadas às crianças, com o apoio

da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT).

A proposta do presente estudo surgiu das reflexões empreendidas na análise dos dados

dos estudos de Teibel (2010) intitulada Representações sociais sobre o brincar e bagunçar,

segundo acadêmicos de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá. O estudo anuncia o bagunçar

como atividade que extrapola limites e não é percebida com finalidade educativa, mas

carregada de significados que remetem a ideia de delinquência, associados à imagem de uma

natureza infantil má. Desta forma, em meio a discussões atuais quanto ao comportamento

ativo de alguns alunos, muitas vezes encaminhados para profissionais da área da saúde e

rotulados como portadores de alguma patologia devido ao seu comportamento em sala de

aula, é que se vislumbrou uma possibilidade de compreender melhor a dinâmica dessa relação

17

conflituosa partindo dos acadêmicos de Pedagogia com alguns questionamentos, tais como:

Quem são os alunos bagunceiros para os futuros professores? Quais as possíveis estratégias

utilizadas pelos futuros professores na relação com o aluno bagunceiro? Quais as justificativas

para o excesso de encaminhamentos desses alunos para os serviços de saúde pública?

Acredita-se que no contexto da academia é possível vislumbrar a multidimensionalidade dessa

relação e oferecer uma possibilidade de compreensão desse conjunto.

O referencial teórico norteador é a Teoria das Representações Sociais – TRS –proposta

por Moscovici (2003), articulado com o pensamento de Jodelet (2007) sobre as interações

entre as esferas de pertencimento das representações nos contextos da vida, bem como a

Teoria do Núcleo Central proposta por Jean-Claude Abric em 1976.

O estudo busca resgatar, a fim de compreender, sob quais pilares estão ou foram

construídas as representações identitárias da profissão docente. A esse respeito, Tardif (2005)

contribui sinalizando que o trabalho docente sofre efeitos dos aspectos codificados e não-

codificados na execução da sua tarefa, ou seja, de aspectos formais e informais e que devido a

isso age em um ambiente complexo, impossível de ser controlado em sua totalidade. Neste

sentido, Madeira (2005) em seu texto Representações Sociais e Educação contribui com a

reflexão de que questões da prática no campo educacional pressupõem aceitação dos

interlocutores e acrescenta o diálogo como uma condição nas relações. Ainda neste viés,

pretende-se pensar o trabalho docente abordando aspectos da relação professor-aluno que

possam contribuir na reflexão dos sentidos atribuídos ao trabalho, bem como as possíveis

ameaças identitárias dos futuros professores objetivadas no aluno bagunceiro.

A estrutura deste estudo está organizada de modo a apresentar inicialmente as

contribuições da Teoria das Representações Sociais apresentando o conceito de Moscovici

(1978) como forma de conhecimento e de produção ativa de grupos sobre um fenômeno que

transforma membros de uma sociedade em “sábios amadores”.

Ainda no campo da educação, Mazzotti (1994) no texto Representações Sociais:

aspectos teóricos e aplicações à educação, considera a utilidade da abordagem das

representações sociais em situações escolares na medida em que esta oferece instrumento

teórico-metodológico para estudar o pensamento e a conduta de pessoas e grupos. Nesse

sentido, Madeira (2005) contribui com o estudo ao afirmar que questões do campo da

educação permitem descrever para compreender, interpretar e explicar esse processo. Ainda

neste capítulo são apresentados alguns estudos sobre as expectativas dos professores em

relação aos alunos no Brasil e como esses discursos multifacetados contribuem na construção

simbólica do “bom aluno”. O capítulo encerra com os estudos de Jodelet (2006, apud

18

Seidmann et al, 2011) em representações sociais sobre a construção identitária do professor e

como ela é entendida a partir da alteridade. Ponto de partida para a reflexão da diversidade e

que permitirá aproximar-se do diferente ou excluí-lo.

O segundo capítulo oferece, por meio do estudo da historicidade das representações

sociais (SOUSA; VILLAS BÔAS; NOVAES, 2011), a compreensão de possíveis pontos de

ancoragem na variabilidade do conceito de criança e infância e imagens sociais em diferentes

épocas históricas, em articulação com os estudos de Sarmento (2007) entre outros autores, que

possibilitam encontrar diferentes modos de conceber as relações entre crianças e adultos. O

percurso no estudo analisa o contexto histórico das imagens sociais da infância desde os

gregos em que a visão platônica desta enquadrava-se em intencionalidades políticas de tentar

educá-la, passando pela Europa do século XIII no que diz respeito à consciência coletiva do

sentimento de infância, chegando ao Brasil Colonial, na tentativa de compreender as imagens

sociais da infância e o que se entende por aluno na contemporaneidade.

O terceiro capítulo abrange o delineamento metodológico na coleta de dados em que a

associação livre de palavras foi utilizada para a expressão indutora aluno bagunceiro, seguida

da hierarquização e semantização do vocábulo considerado mais importante. Os 116

acadêmicos participaram por livre adesão, sendo compreendidos entre o primeiro e quarto ano

de Pedagogia. Para a análise dos dados foram utilizados os softwares Ensemble de

Programmes Permetettant l’Analyse (EVOC), seguido da análise de conteúdo temático das

frases, e Classification Hiérarchique Implicative et Cohésitiv (CHIC).

No quarto capítulo são apresentados e discutidos os dados evocados pelos acadêmicos

quando pensaram em aluno bagunceiro, bem como as representações obtidas na análise para

o termo indutor

O entrelaçamento dos dados é apresentado no quinto capítulo por meio de cinco

tópicos em que se priorizou identificar a historicidade das representações sociais bem como a

contribuição da noção de alteridade para a compreensão de aspectos identitários da docência.

Por fim, o sexto capítulo apresenta as considerações acerca dos dados analisados sobre

a representação social do aluno bagunceiro, segundo os acadêmicos de Pedagogia da

Universidade Federal de Mato Grosso.

19

1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Esta pesquisa adota a Teoria das Representações Sociais, conforme proposta por Serge

Moscovici (1961; 1978) como matriz conceitual. A referida teoria foi posteriormente

desenvolvida por outros autores como: Denise Jodelet (2001) - enfoque histórico cultural para

a compreensão do simbólico-, Willem Doise (2011) - o conceito de metassistema e a variação

dos princípios organizadores que interferem em uma mesma pessoa - e Jean-Claude Abric

(1998) que sistematiza as funções desempenhadas pelas representações sociais com o conceito

da abordagem estrutural da Teoria do Núcleo Central e analisa as regras que regem o

pensamento social.

1.1. O conceito de representação social

Em 1961, Moscovici definiu o conceito de Representação Social em sua obra

intitulada La psycanalyse, Son image et son public. Segundo o autor, as representações sociais

são entidades quase tangíveis. “Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente

através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano” (MOSCOVICI,

1978, p. 41).

Moscovici (1978), inspirado em Durkheim (1947) e no conceito de representação

coletiva definida por ele como: “representações que os indivíduos compõem em sociedade,

que se impõem aos indivíduos e que são mais do que a soma das representações individuais”,

considerou que elas seriam como um reflexo de ideias exteriores ao indivíduo e que seriam

originadas na ciência, na ideologia, no mito, etc., e ao propor o conceito de Representação

Social ponderou que estas “devem ser vistas como uma maneira específica de compreender e

comunicar o que nós já sabemos” (MOSCOVICI, 2010, p. 46). Para ambos, o pensamento

individual se organizaria a partir das representações coletivas. Em Durkheim, a vida social

seria condição para todo o pensamento organizado, mas para Moscovici as representações tem

um “caráter móvel e circulante” (MOSCOVICI, 2010, p. 47).

Devido à amplitude do conceito durkheiminiano, entendida como excessivamente

gerais e que não conseguiam explicar a pluralidade de organização do pensamento, Moscovici

20

(1978) criticou o conceito de representação coletiva por sua hipersocialização, argumentando

sobre a especificidade dos fenômenos representativos nas sociedades contemporâneas e

passou a investigar as origens, as funções e as formas de estruturação das representações

pesquisando o conhecimento “leigo”, o senso comum sobre a Psicanálise. Em sua pesquisa o

autor mostra os mecanismos através dos quais uma ciência antes estranha passou a fazer parte

da vida diária e constante nas relações sociais das pessoas que a representavam. Mais de dois

mil sujeitos foram investigados em suas formas de uso dos conceitos psicanalíticos para

explicar o comportamento das pessoas. Desta forma, Moscovici (2010) explicitou as

propriedades das representações sociais, argumentou que as representações coletivas seriam uma

forma mais estável de compreensão coletiva e afirmou que as representações sociais são a forma

de criação coletiva e dinâmica em condições de modernidade. O autor estava mais interessado

em explorar as variações e a diversidade, assim anunciou o conceito como ponte entre os

conceitos sociológicos e uma série de conceitos psicológicos e seus contrastes. Por esse

motivo, preferiu falar em representação social, e não representação coletiva.

Em sua essência, Moscovici (1978) conceitua as representações sociais como uma

forma de estruturar o mundo ao redor do sujeito e de tornar familiar o que antes era

desconhecido ou estranho. Segundo o autor, as representações sociais são uma forma de

conhecimento, de produção ativa do grupo sobre determinado fenômeno que transforma os

membros de uma sociedade em “sábios amadores” que habitam o mundo da conversação.

1.1.1 O lugar das representações na sociedade

Conforme o pensamento de Moscovici (2010), todo conhecimento pressupõe uma

divisão da realidade que separa mundos opostos em diferentes graus. Neste sentido, para

explicar o lugar que as representações ocupam na sociedade pensante o autor anuncia a

distinção entre universos consensuais e reificados.

Em um universo consensual, segundo Moscovici (2010), a sociedade é vista como um

grupo de pessoas que são iguais, livres e com possibilidades de falar em nome de um grupo.

Trata-se das representações sociais que tem por finalidade reconhecer a consciência coletiva,

lhe dar forma e explicar os acontecimentos de tal modo que se tornem acessíveis a qualquer

um. É a realidade prática, o senso comum.

21

Num universo reificado seus membros são desiguais, somente a competência

adquirida determina seu grau de participação, e para cada circunstância existe um

comportamento adequado. As ciências são os modos pelos quais se compreende esse

universo.

Para Moscovici (2010) tais categorias de universos consensuais e reificados são

próprias da nossa cultura e o contraste entre os dois universos possui um impacto psicológico

em que os limites entre eles divide a realidade coletiva. O autor estudou o universo

consensual (senso comum) cientificamente e analisou formas culturais de expressão dos

grupos. Assim, revelou que os indivíduos não são apenas máquinas passivas que obedecem,

registram e reagem a estímulos, mas pelo contrário possuem imaginação e desejo de dar

sentido à sociedade e ao universo a que pertencem. Pois, ao interiorizar o conhecimento,

penetra no “mundo da conversação” fazendo permutas verbais através de uma frase, um

enigma, uma teoria. É nessa troca que são transmitidas as informações e que os hábitos do

grupo são confirmados. Em suas palavras:

[...] Uma representação fala tanto quanto mostra, comunica tanto quanto exprime. No final das contas, ela produz e determina os comportamentos [...] em outras palavras, a representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos (MOSCOVICI, 1978, p. 26).

Para o autor, o trabalho da representação consiste em atenuar estranhezas e introduzi-

las no espaço comum. Assim, qualificar uma representação de social equivale a optar pela

hipótese de que ela é produzida e engendrada coletivamente.

Santos (2005) em seu texto A Teoria das Representações Sociais – A Psicologia Social

Clássica X Psicossociologia: contexto histórico propõe um questionamento dentre as várias

formas de conhecimento e o que diferencia o conhecimento popular do conhecimento

científico. A autora ressalta que a proposta da Teoria das Representações sociais refere-se a

um fenômeno específico e delimitado: a teoria do senso comum. Teoria que tem origem nas

práticas sociais e diversidades grupais, cuja função é dar sentido à realidade social, produzir

identidades, organizar comunicações e orientar as condutas. Portanto, não é todo e qualquer

conhecimento do senso comum que pode ser denominado de representação social.

Para Moscovici (2010) o conhecimento do senso comum não se contrapõe ao

conhecimento científico, mas se inscreve em outra ordem de conhecimento da realidade.

Enquanto o conhecimento científico é construído a partir de passos formalmente delimitados,

o senso comum é elaborado a partir dos processos de objetivação e ancoragem, em outra

22

lógica e segue uma linha natural. Portanto, são formas de conhecimento diferentes que o autor

denominou de pensamento ingênuo.

Sobre o pensamento ingênuo, Andrade (2007) discorre que este “se apoia em tradições

de consenso, baseando-se na acumulação de informações pontuais e interpretações feitas

pelos indivíduos”. Assim, são aceitas como realidade convencional e incorporadas pelas

pessoas, devido ao potencial de comunicação direta e imediata (ANDRADE, 2007, p. 27, 28).

Jodelet (2007) ao discorrer sobre as imbricações entre representações sociais e

intervenção, demonstrou as esferas de pertencimento das representações sociais e apresentou

o esquema dos espaços concretos da vida em que se pode revelar a constituição da

representação social. (Ver Ilustração 1)

Ilustração 1- As esferas de pertencimento das representações

Não há indivíduo isolado Não há pensamento desencarnado

Contexto das interações Espaço social e público Fonte: JODELET (2007, p. 60)

Segundo a autora, a esfera da intersubjetividade refere-se às situações que contribuem

para ao estabelecimento das representações e que resulta na transmissão de informações,

construção de saberes, expressão de acordos ou divergências em torno de um tema. A esfera

da subjetividade considera os processos que operam no nível individual, que pode ser

cognitivo, emocional ou de uma experiência pessoal. A esfera trans-subjetiva, pertence ao

espaço social e público onde circulam representações oriundas da mídia, comunicação de

massa, quadros institucionais, pressões ideológicas e que atravessam os espaços locais de vida

em que os atores estão mergulhados. A interação entre as esferas são os contextos concretos

de vida em que as três esferas se combinam na elaboração das representações sociais.

Sobre os contextos concretos da vida, Jovchelovitch (2011) diz que a ação cotidiana

do sujeito psicossocial, homens e mulheres comuns, ocupa um lugar fundante no conceito de

representação social de Moscovici, pois ele demonstrou que:

RS

23

[...] é o sujeito do cotidiano, com seus modos de pensar, seus rituais e suas representações sociais que estabelecem a conexão fundante entre a subjetividade e a objetividade dos campos históricos e sociais e definem, redefinem e desafiam o que entendemos por, e chamamos de real (JOVCHELOVITCH, 2011, p. 162).

Assim, a autora anuncia que Moscovici ao mostrar que a oposição exagerada entre o

pensamento culto e o pensamento popular, ciência e senso comum esquece as trocas

fundamentais entre essas esferas que são mutuamente constituídas.

Nesse sentido, Sousa, Villas Bôas e Novaes (2011) afirmam que toda representação

social tem uma história que não está referida apenas ao seu conteúdo ou grupo de partilha,

mas é uma história reapropriada, dinâmica e que é “remodelada” de acordo com a

problemática atual que demanda do sujeito social a transformação do estranho em familiar.

1.1.2 Por que construímos teorias do senso comum?

Moscovici ao estudar as representações sociais, quais seus determinantes ou por que

construímos teorias do senso comum acerca de um objeto, levanta alguns determinantes

sociais das representações, conforme anuncia Nóbrega (2001). Segundo a autora os

determinantes são:

a) A pressão a inferência: pressão que tende a influenciar julgamentos, forçando

um consenso e opiniões que possa assegurar e garantir a comunicação e a validade da

representação.

b) A focalização: refere-se a uma tendência dos sujeitos a dar atenção variável aos

aspectos do ambiente social e do modo como são apreendidas as informações, pois estas

dependerão de outros conhecimentos adquiridos.

c) A defasagem: refere-se não só as informações disponíveis, mas também as

condições objetivas de acesso a elas que segue as necessidades, os interesses e os desejos do

grupo. A esse respeito, Jodelet (2001) revela que quando se percebe essa defasagem entre o

objeto e sua representação, significa que se está diante de uma marca grupal e cultural

impressa no processo de construção da representação e que aparece como uma distorção, pois

modifica a organização ou o sentido do objeto para adaptá-lo aos desejos e necessidades de

quem representa. A autora ainda complementa que quando a inclusão de determinado

elemento se torna difícil, seja por causa dos aspectos normativos ou de valores de quem

24

representa, ocorre a subtração de elementos. A suplementação, segundo ela, é o acréscimo de

atributos ou conotações ao objeto fornecido pelo envolvimento ou imaginário do sujeito.

A reflexão sobre esses pontos epistemológicos é importante, pois evidencia porque

acontecem essas modificações, como elas constituem a representação e lhe dão um sentido de

verdade e eficácia simbólica.

Moscovici (2003) ao referir sobre o pensamento socialmente compartilhado, não

defende a ideia de que existe apenas consenso na forma de pensar dos grupos, mas que nas

representações sociais existem convergências que trazem a “familiaridade” e as divergências

de pensamento que são os conflitos provocadores de mudança.

O estudo de Moscovici sobre a representação social da Psicanálise revelou a

variabilidade e a plasticidade do senso comum, e que a diversidade de situações e

experiências culturais requer esforços adaptativos. Sendo assim, a representação do mundo é

múltipla. A essa natureza polifásica do sistema cognitivo, que é altamente adaptativa e

funcional, Moscovici nomeou de polifasia cognitiva, conforme aponta Jovchelovitch (2008;

2011). Segundo a autora, ainda que Moscovici tenha enfatizado o conceito como hipótese, a

definição significa a coexistência de formas diferentes de saber no mesmo campo

representacional. Ele estava convencido de que as modalidades de saber devem ser

concebidas como sistemas em desenvolvimento e que passam por transformações dessas

modalidades de saber, das relações que estabelecem e sua adaptação. Moscovici (2010) situa a

polifasia cognitiva como a capacidade de ter várias formas de pensar e representar, inerente à

vida mental e anuncia que pensar é intrínseco à vida psíquica, assim como a polissemia é

intrínseca à linguagem.

Neste sentido, Andrade e Teibel (2011) citam Wagner, Duveen, Verma e Themel

(2000), em que os mesmos discorrem sobre a polifasia cognitiva e a presença da contradição

desde os primórdios dos estudos em representações sociais. Porém, segundo as autoras, não é

comum as pessoas expressarem essas contradições em um mesmo discurso, uma vez que as

representações são criadas e vinculadas a determinados contextos sociais a que o sujeito

pertence.

25

1.1.3 A sistematização de um conceito

Jodelet (2001), principal colaboradora de Moscovici no delineamento, difusão,

consolidação e conservação da teoria, assume a tarefa de sistematização do campo das

representações sociais e aprofunda teoricamente.

Ao discorrer sobre a importância das representações sociais na vida cotidiana, Jodelet

(2001) afirma que elas funcionam como guias no modo de nomear e definir conjuntamente os

aspectos da realidade diária, de interpretá-las e tomar decisões, pois eventualmente

posicionamo-nos frente a ele de forma decisiva. Para a autora:

Na realidade, a observação das representações sociais é algo natural em múltiplas ocasiões. Elas circulam nos discursos, são trazidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens midiáticas, cristalizadas em condutas e em organizações materiais e espaciais (JODELET, 2001, p. 17-18).

Ao sistematizar o conceito de representação, a autora levanta questões articulando um

conjunto de elementos e de relações condensadas nas seguintes formulações: “Quem sabe e de

onde sabe?”; “O que e como sabe?”; “Sobre o que sabe e com que efeitos?”. Desta forma, a

autora mostra três condições de emergência das representações que afetam os aspectos

cognitivos:

a) Condições de produção e circulação: cultura coletiva e de grupo (valores, modelos,

invariantes); linguagem e comunicação (interpessoal, institucional, midiática); sociedade

(vínculo social, contexto ideológico e histórico, inscrição social (posição, lugar, pertença

grupal)); organização social (instituições, vida dos grupos).

b) Processos e estados: forma de saber (sujeito – representação – objeto); prática

(experiência, ação, função das RS, eficácia das RS).

c) Estatuto epistemológico das RS: valor de verdade (relação entre pensamento natural

e científico, difusão dos conhecimentos, transformação de um saber em outro, epistemologia

do senso comum); representação e ciência; representação e real; defasagem (distorção,

subtração, suplementação); valor de realidade.

A obra La psycanalyse, son image et son public para Jodelet (2001), seguia a deriva de

uma teoria científica – A psicanálise –. À medida que penetrava na sociedade, entendia estar

contribuindo para uma psicossociologia do conhecimento até então inexistente. Este estudo de

choque entre uma teoria e os modos de pensamento próprios e diferentes dos grupos sociais

delimitava como se opera a transformação de um saber científico, em senso comum, e vice-

versa. Desta forma, dois eixos estão aí associados:

26

1) À fabricação de um conhecimento popular;

2) À difusão dos conhecimentos.

Essas duas óticas convergem em relação ao fato de que o conhecimento ingênuo ou

senso comum não deve ser considerado falso, mas legítimo e necessário para compreender

plenamente os mecanismos do pensamento.

Ao explicar os fenômenos cognitivos Jodelet (2001) anuncia que Moscovici insistiu

particularmente no papel da comunicação social por dois motivos: por ser um objeto da

psicologia social que contribui para a abordagem dos fenômenos cognitivos e porque a

comunicação desempenha um papel fundamental nas trocas e nas interações que concorrem

para a criação de um universo consensual.

Para Jodelet (2001) Moscovici examinou a incidência da comunicação em três níveis:

1) Da emergência das representações: em que as condições de dispersão e

defasagem das informações são acessíveis de modo desigual nos grupos, pois o foco, a

pressão a inferência quanto à necessidade de agir, de posicionar-se ou de reconhecimento, vão

diferenciar a lógica e o estilo de pensamento.

2) Do processo de formação das representações: dois processos explicam a

interdependência entre a atividade cognitiva e suas condições sociais de exercício: objetivação

e ancoragem. Sendo que o primeiro é o processo que reproduz um conceito em uma imagem,

é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, e o segundo transforma algo estranho e

perturbador em um sistema particular de categorias.

3) Das dimensões das representações: relacionadas à edificação de condutas

(opinião, atitude e estereótipo).

Assim, a comunicação aparece como condição de possibilidade e de determinação das

representações e do pensamento social.

1.1.4 O processo de formação da representação

Para Moscovici (2003), não é fácil transformar palavras não familiares, ideias ou

seres, em palavras usuais, próximas e atuais, pois cada lugar comum esconde dentro de sua

própria banalidade um mundo de conhecimento, determinada dose de cultura e mistério.

Dois mecanismos de um processo de pensamento baseado na memória e em

conclusões passadas são necessários para dar uma feição familiar ao que é identificado como

27

estranho: a ancoragem e a objetivação. Ambos estão na base da origem e do funcionamento

das representações sociais.

A ancoragem para Moscovici (2010) é um mecanismo que tenta ancorar ideias

estranhas colocando-as em um contexto familiar. Segundo o autor, o processo é como ancorar

um bote perdido em um dos pontos sinalizadores de nosso espaço social, pois transforma algo

estranho e perturbador em nosso sistema particular de categorias e o compara com um

paradigma de uma categoria que pensamos ser apropriada. Ancorar é classificar e dar nome a

alguma coisa, escolher um dos paradigmas estocados em nossa memória e estabelecer uma

relação positiva ou negativa com ele.

A ancoragem é organizada em três condições estruturantes, segundo Nóbrega (2001):

atribuição de sentido, a instrumentalização do saber e o enraizamento no sistema de

pensamento.

A atribuição de sentido a um objeto está inscrito em uma “rede de significações” em

que são hierarquizados e articulados os valores já existentes na cultura. Nóbrega (2001)

anuncia que Jodelet a esse respeito diz que “por um trabalho de memória, o pensamento

constituinte se apoia sobre o pensamento constituído, a fim de ordenar a novidade nos

moldes antigos, no que já é conhecido”.

A instrumentalização do saber é a relação do indivíduo e o meio ambiente, mediada

pelo sistema de interpretação e transformada em saber útil para a compreensão do mundo.

O enraizamento no sistema de pensamento é o movimento de incorporação social da

novidade atrelada à familiarização do estranho. Ele articula a oposição.

Moliner, segundo Sousa, Villas Bôas e Novaes (2011), apresenta e identifica duas

formas complementares de ancoragem. Uma que corresponde à interpretação de um objeto

atrelada a sistemas sociocognitivos existentes, em que um domínio possa guiar o trabalho

cognitivo em outro; a outra forma refere-se à ideia de que os saberes serão necessariamente

classificados e etiquetados por meio de categorias e significações consideradas positivas e

negativas, segundo Palmonari e Doise (1986, apud SOUSA, VILLAS BÔAS, NOVAES,

2011). No aporte de Sousa, Villas Bôas e Novaes (2011), é nesse sentido que Moscovici

(2010) anuncia o duplo objetivo do processo de ancoragem, pois ao mesmo tempo em que

permite a construção de sistemas de pensamento, engendra visões aceitáveis e consensuais.

Buschini e Doise (2008) referenciados por Trindade, Santos e Almeida (2011),

revelam a existência de duas “versões” de ancoragem no processo de transformação de uma

imagem ou um símbolo em significação: uma semântica e outra de regulação social. Os

autores explicam que a primeira se dá pela “associação do núcleo figurativo da nova

28

representação com os elementos da realidade social”, e a segunda denominada de regulação

social, “se manifesta nas escolhas específicas operadas para realizar esta associação e que faz

das representações sociais instrumentos de comunicação e de gestão de conflitos e relações

sociais”.

Muitas pesquisas sucederam a obra de Moscovici e a ancoragem tem sido estudada de

diferentes formas, muitas vezes sem considerá-la como elemento fundante das representações

sociais. Para Trindade “os estudos de Santos e Almeida (2011), Jodelet (1989, 2004) e Doise

(Doise, Clémence e Lorenzi-Cioldi, 1992) deram status à ancoragem, o que pouco se observa

na maioria das pesquisas”. (TRINDADE, SANTOS, ALMEIDA, 2011, p. 111).

A objetivação é conceituada por Moscovici (2010) como a reprodução de um conceito

em uma imagem. Desta forma, as imagens se tornam elementos da realidade, ou seja,

materializam-se as abstrações que deixam de ser apenas elementos do pensamento. Esse

mecanismo está dialeticamente articulado à ancoragem. Quanto à objetivação, esta também

é constituída de três processos, segundo Nóbrega (2001): A construção seletiva, a

esquematização estruturante e a naturalização.

A construção seletiva é o mecanismo de seleção de elementos a partir de informações

que circulam no senso comum. Esta seleção é feita partindo de critérios culturais segundo o

pertencimento do grupo e por critérios normativos que preservam a coerência do sistema de

valores do grupo.

A esquematização estruturante é o elemento mais estável da representação. Desta

forma, é compreendida como aquela que estrutura uma representação organizada em torno de

um Núcleo central, conforme postula Abric (1998). Para o autor, esse é o elemento

fundamental da representação, pois determina a significação e a organização da mesma.

A naturalização é a materialização do conceito, em que os elementos do pensamento

se concretizam, adquirem status na realidade e no senso comum tornando-se uma entidade

autônoma.

Segundo Vala (1997), na formação da representação está implícito fatores de duas

ordens: processos sociocognitivos e fatores sociais que devem ser articulados. Para o autor, ao

avançar na relação entre representações sociais e relações sociais é necessário integrá-las

como elemento da dinâmica social e olhá-las como “determinadas pela estrutura da

sociedade”, como anuncia Moscovici (1978).

29

1.1.5 A função das representações

Inicialmente Moscovici (1978) atribuiu duas funções a representação: formação de

condutas e orientação das comunicações sociais. Posteriormente, Abric (1998) acrescentou

uma terceira e quarta função às representações, a função identitária e a função justificadora.

Nos dizeres de Abric (1998), a função da representação é dar sentido à realidade

social, produzir identidades, organizar as comunicações e orientar as condutas. O autor

destaca as seguintes funções:

• Função de saber: explicar, compreender e dar sentido à realidade social.

• Função de orientação: guias de conduta, orientam práticas sociais.

• Função identitária: possibilita uma identidade grupal.

• Função justificadora: utilizadas como justificadoras de um comportamento.

Bauer (1997) acrescentou a função de resistência por pressupor que existe uma

autonomia resistente às inovações simbólicas e que funciona como um “sistema imunológico”

cultural. Para o autor, novas ideias são assimiladas as já existentes, que neutralizam a ameaça

que elas apresentam, sendo que ambas se modificam nesse processo.

Sobre a função de resistência nas representações sociais, Campos (2005) propõe que

ela se constitui como uma forma de resistência dos grupos, não só como proteção de

identidade, mas sobretudo, resistência ao domínio da racionalidade científica e seu poder

sobre os discursos. Para o autor, a Teoria das Representações Sociais permite compreender a

dimensão normativa e os processos de transformação dos conhecimentos partilhados por um

grupo sobre a realidade social. Desta forma, o que está em jogo é a explicação simultânea dos

processos de manutenção (resistência) e de transformação das sociedades.

Outros contributos teóricos no domínio das representações sociais analisam a questão

e apresentam como funções das representações sociais: a organização significante do real; a

comunicação, ou seja, descrever, avaliar, explicar; orientar comportamentos; direcionar

relações intergrupais.

30

1.2 Teoria do Núcleo Central

No que concerne à contribuição das pesquisas em representações sociais na

abordagem estrutural das representações, Moreira e Oliveira (1998) sinalizam que Abric e

Flament anunciam a Teoria do Núcleo Central e lançam a hipótese de que os elementos de

uma representação se organizam de forma hierárquica em torno de um nó central que dão

significado a representação.

Na abordagem estrutural, o núcleo central ou estruturante é determinado pela natureza

do objeto e pelo tipo de relação que o grupo mantém com o objeto. Estes seriam o ambiente

ideológico constituído pelas normas sociais e pelos valores do meio, considerados os mais

estáveis da representação e mais resistentes às mudanças. Em torno desse núcleo central

organizam-se os elementos periféricos de componentes mais acessíveis, individualizados,

contextualizados e mais flexíveis.

A Teoria do Núcleo Central foi proposta pela primeira vez em 1976, por meio da tese

de doutorado de Jean-Claude Abric – Jeux, conflits et représentations sociales – na Université

de Provence, sob a forma de uma hipótese a respeito da organização interna das

representações sociais, nos seguintes termos:

A organização de uma representação apresenta uma característica particular: não apenas os elementos da representação são hierarquizados, mas, além disso, toda representação é organizada em torno de um núcleo central, constituído de um ou de alguns elementos que dão a representação o seu significado (ABRIC, 1994 apud SÁ, 2002, p.62).

Dessa forma, Abric (1994) conduziu seu trabalho sobre a relação entre representação e

comportamento. Segundo o autor, uma representação é constituída de um conjunto de

informações. Esse conjunto de elementos organizados estrutura-se e constitui um sistema

sociocognitivo com características específicas, ou seja, a de ser organizado em torno de um

núcleo central que confere significado a uma representação.

Entretanto, Abric (1994) reconheceu que a ideia de centralidade ou núcleo, não era

nova e buscou nos textos de Fritz Heider, de 1927, sobre a psicologia ingênua, no âmbito da

psicologia social, assimilar a identificação de uma tendência a se atribuir aos eventos

percebidos no ambiente, núcleos unitários de significado que dariam um sentido global à

diversidade.

31

1.2.1 O sistema central

Abric (1994, apud SÁ, 2002) afirma que o papel do núcleo central na estruturação e

no funcionamento das representações sociais assegura duas funções essenciais:

� Função geradora: é o elemento pelo qual se cria, se transforma a significação

dos outros elementos constitutivos da representação. Pela função geradora os outros

elementos ganham um sentido, um valor;

� Função organizadora: determina a natureza dos laços entre os elementos da

representação. É o elemento unificador e estabilizador da representação.

A tais funções o autor atribui como propriedade à estabilidade, ou seja, o núcleo

central é o elemento mais estável da representação e que assegura perenidade em contextos

evolutivos. Ele é determinado de uma parte pela natureza do objeto, de outra pela relação que

o sujeito ou grupo mantém com esse objeto. Está diretamente ligado a condições históricas,

sociológicas e ideológicas, fortemente marcado pela memória coletiva do grupo e pelo

sistema de normas (ABRIC, 1998).

Dessa forma, o núcleo central pode assumir duas dimensões, segundo Abric (1994,

apud SÁ, 2002, p. 71):

- Dimensão funcional: com finalidade operatória, para realização da tarefa. - Dimensão normativa: onde intervêm diretamente dimensões sócio-afetivas, sociais e ideológicas. Norma, estereótipo, atitude estarão fortemente marcadas no centro da representação.

Neste sentido, Abric (1994, apud SÁ, 2002) conclui que o levantamento do núcleo

central é importante não apenas por hierarquizar elementos da representação, mas por ela

estar toda organizada em torno de um núcleo central, constituído de um ou mais elementos

que lhe dão significado. Na concepção de Flament (1987), o que é mais importante é que a

noção de núcleo central designa “uma estrutura que organiza os elementos da representação e

lhes dá sentido” (FLAMENT, 1987 apud SÁ, 2002, 66).

32

1.2.2 O sistema periférico

Sá (2002) anuncia que Abric atribui a Claude Flament o mérito de ter completado sua

teoria sobre o funcionamento da representação quando distingue representações autônomas e

não-autônomas e também quando apresenta os elementos periféricos.

Flament, mencionado em Sá (2002), propôs uma distinção entre representações

“autônomas” e “não-autônomas”. Para ele, na primeira o princípio organizador é interno: é o

núcleo central, o lugar de coerência da representação se encontra ao nível mesmo do objeto.

Na segunda, refere-se a grandes objetos sociais, organizados a partir de diversos temas

exteriores, por exemplo, a AIDS, a Europa, ou seja, o lugar da coerência da representação está

nas representações de outros objetos mais ou menos ligados a ele e talvez em vias de

autonomização.

Segundo Sá (2002), para dar conta de algumas contradições das representações sociais

tais como: a) “as representações sociais são ao mesmo tempo estáveis e móveis, rígidas e

flexíveis”. b) “as representações sociais são consensuais, mas também marcadas por

diferenças interindividuais”, a teoria do núcleo central propõe que a representação social é

regida por um sistema duplo em que as partes se complementam. Então, o sistema periférico é

o componente indispensável do sistema central.

Segundo Flament (1994, apud Sá, 2002), os elementos periféricos são esquemas

organizados pelo núcleo central. Por sua vez, para Abric (1994, apud Sá, 2002), o sistema

periférico permite a integração das experiências, suporta a heterogeneidade e as contradições

do grupo, pois é mais flexível. Para o autor, esse sistema atualiza e contextualiza

constantemente determinações normativas e daí resulta a mobilidade, a flexibilidade e a

expressão individualizada que caracterizam as representações sociais.

Esses dois componentes estruturais funcionam como uma entidade onde cada parte

tem um papel específico e complementar da outra parte e permitem compreender a

organização interna e as regras de transformação social.

33

1.3 Estudos em representações sociais e educação

A expansão da abordagem das representações sociais ao campo da educação se deve,

segundo Alves-Mazzotti (2005) na medida em que as mesmas orientam e justificam práticas,

uma vez que as representações sociais nos ajudam a compreender e tentar modificá-las, pois

muitas práticas tem resultado em desigualdades de oportunidades educacionais. Assim,

segundo a autora, a Teoria das Representações Sociais pode ser vista como promissora por

seu papel na formação das identidades, no estabelecimento das relações com as práticas, na

antecipação de hipóteses sobre comportamentos e trajetórias, bem como na identificação dos

conflitos entre os sentidos atribuídos ao mesmo objeto.

Neste contexto, a educação não pode ser considerada uma ciência isolada nem mesmo

apreendida como um único campo epistemológico, pois é uma prática pedagógica

influenciada por múltiplas dimensões como: social, política, histórica, psicológica, etc.

Ao considerar diversas linhas de pesquisas e a utilidade da abordagem das

representações sociais relacionadas a situações escolares Alves-Mazzotti escreve que:

[...] a consideração dos grandes sistemas organizados de significações que constituem as representações sociais é útil à compreensão do que se passa em classe durante a interação educativa propriamente dita, tanto do ponto de vista dos objetos do conhecimento a ser ensinado quanto dos mecanismos psicossociais em ação no processo educacional [...] (ALVES-MAZZOTTI, 1994, p. 75).

Desta forma, a teoria das representações sociais oferece um instrumento teórico-

metodológico para o estudo sobre o pensamento e as condutas de pessoas e grupos no campo

da educação.

A compreensão das relações de pertença a um determinado grupo social e as atitudes e

comportamentos na escola segundo Gilly (2001), refere-se também à comunicação

pedagógica e à construção do saber. Os trabalhos do autor têm contribuído com questões

relativas à construção e às funções das representações sociais na educação. Ele assinala que a

“área educacional aparece como um campo privilegiado para se observar como as

representações sociais se constroem, evoluem e se transformam no interior de grupos sociais”

(GILLY, 2001, p. 322). Estudos recentes do autor têm sinalizado o sistema social interativo

como um lugar privilegiado:

[...] cujo funcionamento deve ser compreendido em referência a um ambiente social mais amplo, [...] conferem um lugar privilegiado às significações referentes às

34

situações pedagógicas para compreender o que se passa. Dai o fato de se fazerem articulações com as representações sociais, seja porque estas últimas aparecem diretamente envolvidas, seja porque as significações em questão têm com elas estreitas relações (GILLY, 2001, p. 331).

Neste sentido, compreende-se que a perspectiva de pesquisa em representações sociais

assinala que os sistemas organizados de significações são úteis para compreender o que ocorre

em sala de aula ao longo da interação educativa.

A educação é um amplo processo dialético onde se insere família, escola, associações,

igrejas etc., e as representações sociais caracterizam-se como espaço de trocas onde é

articulado e organizado um saber acerca do real. Neste sentido, Jodelet (1989) enfatiza a

dimensão relacional e articuladora intrínsecas à representação e pelo qual se torna possível a

comunicação e a conduta.

Nesse processo, Madeira (2005) escreve em seu texto intitulado Representações

Sociais e Educação: importância Teórico-Metodológica de uma Relação que se integram

contradições sociais e também do sujeito como mecanismo de estabilização da pluralidade.

Para a autora, a escola é por excelência lócus do binômio escola e educação e que, muitas

vezes, este é reduzido a ensinar-aprender. Porém, a autora afirma que, como sujeito da

cultura, em todas as interações humanas produz-se “ensinantes” e aprendizes na interlocução

com o outro, e a educação é uma dimensão integrante de toda vida pessoal e social. Portanto,

compreender questões relativas à escola, ao professor, ao aluno, a sala de aula, entre outros,

exige que se encare a pluralidade de relações e vínculos envolvidos. Por esta razão, segundo

Madeira (2005) as representações sociais como espaço de trocas em que se articulam e se

organizam um saber acerca do real caracteriza-se como um esforço superar a fragmentação, o

reducionismo, o a-historicismo que marcaram construções teóricas e que ainda se sente seus

resquícios. Para a autora :

A representação social expressa a construção do conhecimento teórico-prático de determinado grupo humano sobre um dado objeto, vivido e construído em circunstâncias históricas precisas, Apreender esta construção pressupõe considerar os grupos na dinâmica de suas articulações à totalidade social mais ampla, a partir da qual, os contornos de sua especificidade se anunciam como construção simbólica. Supõe uma aproximação do seu cotidiano, de suas relações, práticas, lembranças, necessidades e projetos. (MADEIRA, 2005, p. 128).

Assim, suas reflexões corroboram com os esforços por encontrar caminhos no campo

da educação e das representações sociais, uma vez que esta pressupõe a interlocução com o

outro, suas relações e diálogos.

35

Na perspectiva das representações sociais, o fracasso escolar foi pesquisado por Penin

(1992 apud, ALVES-MAZZOTTI, 1994). O autor ressalta a importância dos educadores

conhecerem suas representações sobre os seus alunos, de refletirem sobre as contradições

entre suas percepções e conhecimentos sobre as condições de vida destes, e a visão que

mantêm quanto à necessidade de assessoramento da família. Pois, muitas vezes podem estar

exigindo aquilo que sabem que elas não podem dar.

Desta forma, o estudo em representações sociais de futuros professores sobre o aluno

bagunceiro evidencia também uma preocupação dominante no campo da educação: o cenário

conflituoso da relação entre professores e alunos no Brasil. Para tanto, evidencia-se a

relevância em abordar o percurso histórico da construção do conceito de infância, criança,

suas imagens e socialização, bem como a questão identitária e a relação eu-outro.

1.3.1 A significação do aluno segundo professores e futuros professores: ênfase nos estudos em representações sociais

A representação social como expressão da construção do conhecimento teórico-prático

sobre um dado objeto, segundo Madeira (2005) no texto: Representações Sociais e Educação:

importância Teórico-Metodológica de uma relação, apreende as diversas construções e

considera a dinâmica e suas articulações em uma totalidade mais ampla, próximas ao

cotidiano das relações. Desta forma, a autora compreende que a reflexão sobre questões da

prática no campo da educação pressupõe a aceitação dos interlocutores, a descoberta do seu

contexto de vida, de relações e de linguagens como condição para o diálogo. Assim, a teoria

das representações sociais, ao estudar questões do campo da educação, permite uma

aproximação desse processo, bem como sua descrição para compreender, interpretar e

explicar.

O conhecimento do professor é construído em consenso de grupos, elaborado,

modificado e transformado historicamente segundo Rouquette & Guimelli (1994 apud

SOUSA; VILLAS BÔAS; NOVAES, 2011), e pesquisadores da área de educação viram na

teoria das representações sociais suporte para a compreensão do processo de construção e

reconstrução de saberes do professor no contexto escolar. Neste sentido, Sousa, Villas Bôas e

36

Novaes (2011), com base nos estudos de Moscovici (1961, 1978) e de Jodelet (1989, 1998)

argumentam que:

A análise das representações sociais dos professores sobre o trabalho docente tem permitido desvelar como esse grupo compreende e explica o sentido de seu trabalho, os fatores que os conduzem a um bom desempenho, os vínculos que mantém com a profissão, como definem sua identidade social e quais as expectativas que tem em relação ao seu futuro profissional. [...] Enquanto instrumento teórico e metodológico, a teoria das representações sociais tem possibilitado o estudo psicossocial da educação permitindo o entendimento dos processos de construção da subjetividade do professor e, sobretudo, das condições de transformação do ensino (SOUSA; VILLAS BÔAS; NOVAES, 2011, p. 628-629).

A teoria proposta por Moscovici abriu possibilidades de compreensão sobre a

significação do trabalho docente de modo dinâmico e a área da educação entendeu sua

importância. Desta forma, estudos e pesquisas como os do Centro de Internacional de Estudos

em representações Sociais e Subjetividade – Educação (CIERS-ed), eventos de atualização e

aperfeiçoamento como o da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

– ANPED –, entre outros, fortalecem a pesquisa na área da educação e vem ocupando

importante lugar no cenário nacional e internacional em virtude da relevante produção

científica de seus membros em defesa dos objetivos da educação no Brasil e com a intenção

de desvelar como o professor articula em seu cotidiano o seu saber e como constrói suas

representações.

No intuito de compreender como se dá as expectativas dos professores em relação aos

alunos no Brasil, Barreto (1981) anuncia em seu estudo intitulado Bons e maus alunos e suas

famílias, vistos pelas professoras do 1° grau, que elas estão condicionadas, tanto pela

condição de classe e de sexo dos professores, quanto por essas mesmas condições dos alunos,

pois dessa interação resultam atitudes diversas. Seu estudo culminou em diferentes

constatações a respeito das características individuais do bom e do mau aluno. Em síntese, a

autora afirma que a presença masculina é mais marcada do ponto de vista da percepção dos

professores, uma vez que estes são grupos majoritários, e que a socialização de meninos e

meninas se processa de modo diverso, o que demonstra uma tendência a levar as crianças a

aceitarem uma diferenciação de papéis sociais. Características físicas, boa aparência,

condições de saúde e participação efetiva em sala de aula, foram apontadas por servirem,

provavelmente, para orientar uma expectativa em relação ao desempenho, desde o primeiro

contato.

O aluno ideal é descrito nos estudos da autora como aquele que participa ativamente

em sala de aula e de modo disciplinado, dentro de regras de comportamento que tornam mais

37

fácil o trabalho do professor. Entretanto, esse aluno ideal ganha mais força à medida que

características pessoais como: alegria, expansividade e facilidade de comunicação estão

associadas, ou seja, quando ele é acima de tudo uma criança simpática.

O mau aluno em contrapartida possui os atributos que dificultam o trabalho do

professor em classe e a dificuldade mais apontada para o manejo em sala de aula foi a

indisciplina. Um aluno indisciplinado é visto como desobediente, que não sabe acatar as

regras, faz o que quer, é irrequieto e quer chamar a atenção, desta forma atrapalha o

andamento da aula. Mas também é, e principalmente, agressivo e afronta a autoridade dos

professores em sala de aula.

Sobre o comportamento indisciplinado dos alunos, Belém (2008) evidencia em seus

estudos em Representações sociais sobre a indisciplina no ensino médio, apenas aspectos

negativos relacionados ao próprio aluno, a família, a idade e ao descompromisso do professor.

O autor anuncia que o campo comum da representação social do grupo estudado retrata a

indisciplina como um comportamento desnecessário, uma falta de submissão, causada

principalmente por uma falta de educação e entendida como a não observância às regras

visualizada por meio: da bagunça, conversa, desatenção e especialmente pela falta de respeito.

Ser bom ou mau aluno para os professores, na análise de Barreto (1981), está

associado à organização familiar de onde provem os alunos e que, por sua vez, refletem as

condições econômicas sociais e culturais em que vive a criança. A família, do ponto de vista

dos professores, deve prover as necessidades básicas da criança e de lhe dar apoio afetivo.

Sendo este considerado básico no aluno ideal e entendido como fruto de uma relação familiar

equilibrada, em que os pais convivem em harmonia. Ainda que, na prática, os professores

reconheçam que esses padrões não são verificados, ainda assim, acabam condenando, como

determinante, os padrões de relacionamento familiar, pois consideram o apoio afetivo ausente

e fortemente associado às condições sociais, quando se trata do mau aluno. A autora sinaliza

que é preciso relativizar esses argumentos uma vez que estes apelam para a desestruturação

das famílias de baixa renda e provavelmente estão carregados de uma visão deturpada do

modelo de vida dessas famílias.

Descrições centradas basicamente no plano afetivo são apontadas como de repercussão

direta no comportamento das crianças. Entretanto, para Barreto (1981) isso é feito de maneira

vaga, sem maiores detalhes na medida em que os requisitos socioculturais da família

considerados importantes para o bom aluno, também são caracterizados da mesma forma.

Para a autora, os requisitos socioculturais comportam duas dimensões: uma genética, que diz

respeito ao ambiente cultural e a outra quanto à escolarização propriamente dita. Quanto ao

38

ambiente, este supõe a existência de abundância ou escassez de oportunidades e experiências

para o aprendizado escolar, em que a ambiência é lembrada como um conjunto de condições

de vida associadas à origem socioeconômica do aluno e como responsável pela sua maneira

peculiar de comportar-se. Quanto à escolarização, o bom aluno tende a ser aquele cujos pais

são detentores de uma “certa cultura” e que lhes permita acompanhar o processo de

aprendizagem na escola, ou seja, que sirva de apoio ao trabalho dos professores, favorecendo

desta forma o aparecimento de comportamentos desejáveis.

A representação de aluno encontrada nos estudos de Luciano (2006), em sua maioria,

destaca a meritocracia e atributos físicos, pessoais e familiares como causa principal do

sucesso escolar. O aluno de hoje foi descrito com características semelhantes às de um aluno

com dificuldade de aprendizagem, em que uma série de adjetivos negativos pareceu à autora

uma denúncia de despreparo dos professores para lidar com esse aluno, tendo em vista que

suas estratégias são percebidas como ineficazes considerando a imposição do sistema

educacional vigente. A predominância da representação para determinado grupo de

professoras é de um aluno-problema, difícil, sem apoio familiar, perdido, sem objetivos,

indisciplinado, violento, desrespeitoso e vítima do sistema. Diante deste entendimento, a

solução apontada parece estar fora das possibilidades práticas dos professores, uma vez que o

encaminhamento para profissionais especializados como psicólogos, pedagogos,

psicopedagogos, médicos, etc. torna-se uma prática recorrente com a finalidade de orientar os

pais e atender o aluno problema.

Nos estudos de Luciano e Andrade (2005) sobre representações de professores do

ensino fundamental sobre o aluno, os autores fizeram um levantamento das representações

sociais de professores quanto ao “bom aluno” e “mau aluno” e anunciaram resultados de

estudos como os de Castorina e Kaplan (1997), Penin (1989), Mollo (1986), Bardelli (1986)

sobre uma tendência dos professores não se reconhecerem no sucesso tampouco no fracasso

de seus alunos. Segundo estudos dos autores, ser “bom aluno” está relacionado a atributos

pessoais tais como: “limpinho”, “esforçado”, “inteligente”, “estudioso”, “atencioso”,

“quietinho”, “que cumpre os seus deveres”, “tem bons relacionamentos”, “interessado”, “bem

comportado” e também aquele que tem bom suporte familiar. Ser “mau aluno”, os atributos

são os apostos ao “bom aluno”, tais como: “indisciplinado”, “insuportável”, “desatento”,

“preguiçoso”, “briguento”, “rebelde”, “desinteressado”, “inquieto” e que não tem suporte

familiar. Em suma, o estudo evidenciou que a trama da relação professor-aluno não está

imbricada no desempenho dos alunos.

39

O estudo de Almeida e Dessandre (2008) sobre concepções de professoras sobre

criança ideal/fácil/difícil analisa práticas de professoras, bem como as crenças e valores delas

sobre a educação infantil e desenvolvimento infantil. A situação apresentada é a de que

crianças “problemas” são consideradas difíceis e o encaminhamento delas ao psicólogo

pressupõe que há algo de “errado” com elas. As crianças foram descritas naquilo que lhes

falta para se tornarem fáceis ou ideais, pois sua agitação atrapalha e perturba a professora. A

criança fácil foi apresentada, na fala das professoras, sob o aspecto cognitivo, de negociação

das regras e que possuem um bom relacionamento com colegas e com a professora. Por fim, a

criança ideal foi descrita como alegre, dócil, calma, tranquila. Características também da

criança fácil. Na análise das autoras, torna-se um problema almejar um cotidiano da educação

infantil pautado em idealizações e o mesmo se aplica para a realidade das outras modalidades

de ensino. O estudo apresentado não está referenciado na Teoria das Representações Sociais,

mas contribui no que diz respeito a crenças e valores de professores sobre suas práticas

educacionais.

Ao analisar conteúdos da representação social de “bom aluno” construída por

professores, Lima (2010) constatou que existe um emaranhado de elementos que concorrem

para a construção simbólica do “bom aluno”, e conclui que os discursos foram repletos de

contradições evidenciando a hipótese de uma “zona muda”3 nessas representações e

recomenda estudos mais aprofundados sobre esses fenômenos representacionais

multifacetados.

Nos estudos de Teibel (2010) sobre o brincar e o bagunçar, com a mesma população –

acadêmicos do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso – foi ressaltado

nos discursos de futuros professores uma tendência a relacionar o brincar e o bagunçar, no

contexto escolar, com a aquisição de aprendizagens. Neste ambiente, segundo a autora, existe

uma divisão que separa o discurso dessa relação, pois ora está voltado para a ação lúdica, ora

especificamente voltado para o papel profissional frente ao comportamento nomeado de

bagunça. De modo geral, foi identificado por Teibel que o brincar se caracteriza por ações

organizadas, dirigidas pelos professores e com função educativa, sendo que para a

representação do bagunçar, esta apareceu como uma ação desorganizada ou que gera

desordem e foge do controle do professor, pois extrapola limites, desvia a atenção do objetivo

de aprender, impede o desenvolvimento do papel profissional e causa mal-estar. Entretanto,

3 Zona Muda: É uma produção não revelada facilmente nos discursos diários, pois é constituída de elementos

contranormativos que, segundo Abric (2005), resulta de pressões normativas que visam conformar um discurso política e socialmente corretos e mantê-las em adequação com seu grupo de pertença.

40

também foi descrita como atividade que pode gerar conhecimento, porém, a autora sinaliza

que a aceitação da bagunça como produtora de conhecimento dependerá da avaliação da ação

pelo professor, percebida como favorecedora ou não do seu papel de ensinar. Neste sentido,

Teibel (2010) considera que a representação do professor sobre o bagunçar pode estar

relacionada com a necessidade de defesa da identidade profissional. Assim, o modo como

cada um negociará os significados acerca do brincar e do bagunçar parece depender do modo

como o profissional compreende seu ofício.

Do ponto de vista sócio-histórico, Aquino (1996) aborda a questão da indisciplina

como o resultado da emergência de um novo sujeito histórico que carrega o manto de

autoridades na luta pela democratização da sociedade brasileira. Para o autor, o processo de

democratização da escola no Brasil ocorreu juntamente com a deteriorização das condições de

ensino, e com ela foram sofisticadas também as estratégias de exclusão, que não eliminaram

características elitistas e militaristas das escolas do passado. Desta forma, compreender a

indisciplina passa pelo viés de que o novo sujeito que frequenta a escola se depara com velhas

formas institucionais cristalizadas, e então o comportamento indisciplinado torna-se uma

força legítima de resistência e de produção de novos significados e funções que ainda não são

percebidos pela instituição escolar.

Em tempos contemporâneos, essas velhas formas institucionais cristalizadas tem se

transformado em impasses vividos no cotidiano escolar brasileiro e vem tomando dimensões

que estão emergindo na concepção de “aluno-problema” como atribuição das causas para tal,

uma vez que a indisciplina destes alunos tem sido a temática constante no meio escolar. Esta é

apontada por Veenman (1984 apud ESTEVES, 1999) como o problema prioritário percebido

pelos professores na atualidade.

Sousa, Villas Bôas e Novaes (2011) ao discorrerem sobre a importância da

compreensão das representações sociais de professores sobre o seu trabalho afirma que

desvelar esse processo possibilita compreender e explicar o sentido da profissão, e que acessar

esse processo renova esperanças de educar o futuro professor, pois considera seus

conhecimentos e as imagens que trazem consigo.

Dados do estudo de Pardal et al (2006) do grupo de pesquisadores do CIERS - ed

(Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade - educação)

sobre Identidade e trabalho docente: representações sociais de futuros professores,

permitiram identificar que as palavras aprendiz, estudante, pessoa e criança foram as mais

evocadas pelos futuros professores como representação de “aluno”. A análise dos dados

mostrou que é reforçada a importância do espaço de sala de aula como palco da autonomia

41

individual do professor, pois as palavras que os futuros professores associaram a aluno

esclarecem sua representação do trabalho do professor, pois consideram o aluno, acima de

tudo, como aprendiz, estudante e, em segundo plano, a dimensão relacional. Sendo assim, os

traços estáveis da identidade do futuro professor, segundo os autores, parecem estar

centralizados no trabalho em sala de aula.

Desse modo, os estudos sobre o aluno em representações sociais de alunos permitem

desvelar rede de significados e auxiliam na compreensão de idealizações desse aluno, das

contradições nos discursos dessa representação, das tensões existentes nesse contexto, dos

encaminhamentos para profissionais especializados, bem como de questões identitárias

presentes nessa interação e que interferem na forma como é construído o conhecimento sobre

o outro, o aluno bagunceiro.

1.4 O aluno como o outro do professor: a construção identitária do professor nos estudos em representações sociais

1.4.1 A identidade docente

A constituição da identidade é entendida por Jodelet (2006, apud Seidmann et al,

2011) a partir do reconhecimento de um outro diferente, a partir da alteridade considerada

ponto de partida para uma reflexão da diversidade entre as pessoas e como um gradiente que

permitirá aproximar-se do diferente ou excluí-lo, pois frente a presença de outros não passivos

reage-se ativamente transformando-se. Para a autora, alteridade convoca a noção de

identidade, pois é objeto de diversos modelos de ligação social úteis para explicar a

construção da diferença.

É nessa multiplicidade de ligações sociais que se produzem tanto o eu como a vida

social, onde são expressos saberes que lhe conferem uma identidade social, uma forma de

enfrentar o cotidiano e uma forma de se relacionar com os objetos que o rodeiam. Desta

forma, Jovchelovitch (1998) expressa que para entender o sistema de diferenças é preciso dar

conta dos significados diferentes na vida social, pois o reconhecimento da alteridade tem

consequências no que fazemos e como fazemos o que fazemos.

42

Sobre a construção da identidade Pardal et al (2006), anunciam que as identidades

sociais não se constituem como inerentes ao indivíduo, mas associadas a um contexto social e

a uma história que não se constitui por atributos imutáveis, mas como entidade dinâmica, em

processo contínuo de reconstrução, que não equivale a instabilidade, mas que apenas exprime

uma dinâmica que envolve o próprio indivíduo como ator das contradições. Portanto, ao citar

Mendes (2002, apud PARDAL et al, 2006), os autores sinalizam que a identidade é ativada

por contingências e que são descobertas e reconstruídas na ação.

Estudos em representações sociais e subjetividade têm contribuído na compreensão de

conhecimentos interiorizados por professores, assim como o da subjetividade coletivamente

construída. Os resultados têm sido evidenciados por meio dos estudos de Sousa, Villas Bôas e

Novaes (2011) que tem permitido o entendimento dos processos de construção da

subjetividade do professor. As autoras sinalizam que é entre os saberes tais como o da

experiência, pedagógicos, ideológicos, curriculares e disciplinares anunciados por Tardif

(2002), realizados por sujeitos concretos, que se definirá uma prática efetiva, e que

descontextualizar essa perspectiva, não será analisada a subjetividade do professor, sendo

parcial qualquer avaliação de suas ações.

Do mesmo modo, Dechamps e Moliner (2009) são citados por Thomé (2011) por

definirem representações identitárias como a que as pessoas constroem por meio de

conhecimentos e crenças que possuem sobre elas mesmas e sobre certos grupos. A autora

anuncia os estudos de Seidmann (2008) como revelador de uma tensão entre a vocação e a

profissão como eixos organizadores da identidade social docente. A autora destaca que a ideia

transmitida por ser professor é um “dom” de características “inatas” e quanto à

profissionalização, há a ideia de “esforço pessoal” como resultado adquirido. Dicotomia

apresentada pela autora como discurso de auto-legitimação em que a projeção de expectativas

sobre o que se quer chegar a ser está de acordo com uma realidade intersubjetiva.

Para Tardif (2005) existem diferentes maneiras de descrever e compreender o trabalho

docente, dentre elas os aspectos relacionados à burocracia, rotina e obrigações formais, e

também aqueles invisíveis e mais informais da atividade. A esses componentes o autor

chamou de polo do trabalho codificado e polo do trabalho não-codificado, respectivamente.

No que diz respeito aos aspectos codificados, a docência para Tardif (2005) é um

trabalho reconhecido socialmente e executado dentro de um quadro organizacional apoiado

em rotinas, tradições e inúmeros aspectos formais com mandato prescrito por autoridades que

os levam a uma rede de obrigações e exigências coletivas. O autor sinaliza que isso confere

43

uma fisionomia particular ao trabalho do professor, pois está sempre submetido a um conjunto

de regras.

Quanto ao aspecto não-codificado, Tardif (2005) discorre sobre os elementos

“informais”, incertos e imprevistos chamados de aspectos “variáveis” e que permitem

manobras ao professor para interpretar e executar sua tarefa. A esta margem de manobra o

autor anuncia como um efeito perverso, devido à falta de codificação ou formalismo e que

parece fazer parte do trabalho do professor, pois de certa forma, ensinar torna-se fazer algo

diferente daquilo que estava previsto pelas regras. Devido a isso, Tardif (2005) conclui que o

professor age em um ambiente complexo, impossível de ser controlado em sua totalidade

devido aos diferentes níveis de realidade que surgem nessa atividade com o aluno, e que se

confrontam muitas vezes com a irredutibilidade dos mesmos em relação às regras e rotinas

coletivas.

Na atualidade uma das tendências da pesquisa sobre docência, na interpretação de

Tardif (2005), consiste em privilegiar os aspectos maleáveis e fluidos do ofício e o trabalho

docente começa a ser analisado como um trabalho contextualizado e marcado por

contingências situacionais em que essa “arte” é aprendida no tato, e o “saber ensinar” aparece

como um recurso da vivência, da experiência pessoal. A afetividade para o autor assume lugar

de destaque, pois é a partir dela que o “eu-profissional” do professor se constrói e se atualiza.

Para Tardif (2005) diferentes ideias descrevem aspectos importantes do trabalho

docente, mas serão incompletas caso se detenha somente uma delas. Para o autor, as análises

devem evitar categorias e pressupostos de outros contextos ou reduções a fenômenos globais

para explicar práticas. O trabalho com pessoas leva, antes de tudo, a relação entre pessoas,

caracterizadas por Goffman (1973, apud TARDIF, 2005) por: negociação, controle,

persuasão, sedução, promessa, entre outros, e evoca atividades como instruir, supervisionar,

servir, ajudar, entreter, divertir, curar, cuidar, controlar e mais. Portanto, levanta também

questões de poder e de conflito de valores em que o objeto do trabalho e a relação do

trabalhador com ele podem se tornar nevrálgicos para a compreensão da atividade

profissional. Para o autor:

[...] trabalhar com seres humanos, portanto, não é um fenômeno insignificante ou periférico na análise da atividade docente. Trata-se, pelo contrário, do âmago das relações interativas entre trabalhadores e os “trabalhados” que irradia sobre todas as outras funções e dimensões do métier (TARDIF, 2005, p. 35).

44

Desse modo, estudar a identidade docente é abordar fontes de significados com base

na forma como eles são vistos, como se veem eles próprios e olhá-lo na relação com todos os

“outros” que o constituem enquanto igualdade e diferença. Neste sentido, estudar as práticas

cotidianas dos professores equivale a estudar o seu potencial de alteridade, pois eles são

atuantes em seu local de trabalho, uma vez que pensam, dão sentido e significado aos seus

atos, constroem conhecimentos e uma cultura própria da profissão. Enfim, é um trabalho de

interação com outras pessoas em que identificar e estudar os fatores que interferem no

trabalho do futuro professor pode permitir a reflexão das características próprias da profissão

e a dinâmica dessa relação professor-aluno.

Para o presente estudo, pensar o trabalho docente abordando aspectos inerentes à

identidade profissional e a essa relação contribui na reflexão do fazer cotidiano, nos sentidos

atribuídos ao trabalho e possíveis ameaças identitárias objetivadas no aluno bagunceiro.

45

2 HISTORICIDADE DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Sobre a importância da historicidade na compreensão das representações sociais,

Marková (2006, apud VILLAS BÔAS, 2010) argumenta que estas são tanto reapropriações de

conteúdos advindos de outros períodos como gerados por novos contextos. Desta forma,

Villas Bôas (2010) pontua que é necessário discuti-las como fenômenos psico-históricos para

a compreensão dos processos de gênese e de estabilidade de conteúdos, pois ao desconsiderar

essa dinâmica corre-se o risco de considerar as representações sociais como um fenômeno

anistórico.

De Lawe e Feuerhahn (2001) anunciam que se torna necessário levar em conta as

variações históricas e culturais das representações da infância, pois a sociedade não vive

isolada e confrontos e misturas entre culturas geram sociedades multiculturais. Desta forma,

os escritos dos autores se inscrevem na perspectiva interacional, definida como dialética de

fenômenos psicossociais que dão estrutura a representação social. Assim, a representação

social se situa na junção do psicológico e do sociológico, pois é ao mesmo tempo, um

mecanismo psíquico e social que permite a comunicação entre os indivíduos e gerações. Desta

forma, a criança é compreendida por meio de sua história pessoal, membro de uma classe

social em função de sua família e do meio social no qual está inserida. Para os autores,

crianças e adultos encontram-se numa relação de categoria dominada e categoria dominante

que imprime poder nas representações das crianças e designa o lugar do sujeito que expressa.

A análise dessa representação deve ser concebida para De Lauwe e Feuerhahn relacionada à

organização dos valores, pois a forma como uma sociedade fala de uma categoria social,

como a percebe, como a define possibilitará compreender seu funcionamento e no processo de

transmissão social, o efeito nas crianças corresponde à etapa final.

2.1 As imagens sociais da infância e da criança

As imagens da criança e da infância para a ciência humana evidenciam uma variação

histórica e cultural como elemento de regularidade em todas as sociedades ocidentais. A

46

variabilidade do conceito por meio da identificação de diferentes concepções de criança e

infância e imagens sociais em diferentes épocas históricas segundo Sarmento (2007),

possibilita encontrar diferentes modos de conceber as relações entre crianças e adultos.

Alguns estudos evidenciam a tentativa da ciência em explicar as diferentes dinâmicas

das crianças, entre eles o dos autores Thomas, Chess e Birch conhecidos pelo

desenvolvimento da teoria das três constelações que resultou de um estudo longitudinal

denominado New York Longitudinal Study (THOMAS & CHESS, 1977, apud, TURECKI, M.

D.; TONNER, L., 1990). Segundo eles, toda criança tem seu próprio temperamento e eles

acreditam ser possível enquadrar 60 a 65% das crianças em três perfis de temperamento: a

criança fácil, a criança difícil e a criança lenta.

• A criança fácil: é descrita como aquela regular em termos fisiológicos (sono,

padrões alimentares e que se adaptam a situações novas de maneira relativamente à vontade).

• A criança difícil: é descrita como biologicamente irregular e que reage

negativamente perante situações novas, demora a adaptar-se as mudanças. Seu humor é

definido como intenso e basicamente negativo.

• A criança de adaptação lenta: é caracterizada por apresentar reações negativas

de maneira moderada quando colocada em novas situações. Embora acabe aceitando-as, após

repetidas exposições.

Nessa perspectiva, os autores parecem assumir uma categoria biologicista para

explicar o comportamento das crianças como fruto de um temperamento inato e não

produzido pelo ambiente. Explicação que parece encontrar terreno fértil na atualidade para

justificar patologias e a medicalização de crianças no contexto educacional, uma vez que os

temperamentos considerados difíceis de algumas delas são interpretados como constituintes

do sujeito. Para a psicóloga Adriana Marcondes, a obediência obtida através de medicamentos

produz o que é conhecido na farmacologia como “efeito Zumbi” e o neurologista Esteven

Strauss, professor do Hospital Franklin Square de Baltimore, em Maryland, aponta a

medicalização como um tipo de controle social que rotula a criança, mas que tem atendido a

demandas que procuram isentar problemas sociais e educacionais.

O estudo de Turecki e Tonner (1990) sobre o temperamento difícil da criança revela

que desde a mais tenra idade, adultos reagem à dinâmica de bebês considerando-os difíceis e

associando-os a exaustão dos pais, tensão matrimonial e familiar. Nestes casos, a maioria dos

pais tem a tendência a acreditar que há algo de errado com o bebê e chegam até a mudar de

pediatra em busca de uma resposta, pois o manejo da criança é difícil para eles. Processo

semelhante ao que se encontra na relação entre professor e aluno caracterizado como difícil.

47

Do ponto de vista histórico, as imagens da criança em determinadas épocas

compreendem que é no cotidiano infantil que se forma a imagem da criança e do seu brincar.

Nesta perspectiva, Kohan (2003) mostra muitos aspectos da antiguidade sobre as formas de se

conceber a infância, que acabam consolidando-se e refinando-se na modernidade. Na visão do

autor, quando a criança é considerada sob um plano em que remete a infância como o outro

desprezado, sendo elas descritas como quem não tem domínio e controle sobre si, torna-se a

figura do desprezo e do excluído.

Desta forma, sob a concepção de uma criança inferiorizada e negativa, a educação

assume a política como sua principal tarefa, pois se vislumbra a criança como objeto de

interesses políticos em que situa a infância como um período de formação e que precisa

adquirir conhecimentos para governar de modo adequado a polis.

Ao propor o desbravamento do campo semântico de criança e infância, Javeau (2005)

anuncia uma tentativa de organizar um domínio em que se manifestam construções sociais da

realidade. Assim, o campo semântico da criança seria de ordem psicológica pautado no

discurso das “fases de desenvolvimento” da criança em que cada uma delas constitui-se uma

etapa na formação da personalidade do indivíduo. O campo semântico da infância para o autor

inscreve-se na perspectiva demográfica, pois é considerada improdutiva no paradigma

econômico e percebida como um investimento.

Ao discorrer sobre a visibilidade social e estudo da infância, Sarmento (2007)

apresenta um panorama da construção histórica das imagens sociais dela e a criação de

sucessivas representações das crianças ao longo da história, onde essas imagens sociais se

sobrepõem e fazem com que se confunda o plano de interpretação, dos mundos das crianças,

bem como seus comportamentos. Nesse sentido, para o autor, buscar conhecimentos

minuciosos que oportunize uma reflexão e desconstrução desses fundamentos, assim como

um saber comprometido com o resgate da infância, torna-se relevante.

Sarmento (2007) cita os sociólogos como James, Jenks e Prout pela identificação das

imagens sociais de crianças historicamente construídas. As mesmas podem ser compreendidas

no diálogo com a classificação atribuída por eles no contexto de estudos orientados pela

Teoria das Representações Sociais, uma vez que corresponde a tipos ideais de simbolizações

históricas e que são disseminadas no quotidiano, apropriadas pelo senso comum e impregnam

as relações entre os adultos e as crianças.

Para os sociólogos, as imagens de crianças se organizam em duas categorias: a pré-

sociológica e a sociológica. As imagens propostas como pré-sociológicas são:

48

• A criança má: baseada na ideia de “pecado original” associada a uma natureza

que precisa ser controlada, pois está dominada por seus instintos potenciais para o mal.

Sarmento sinaliza que na contemporaneidade as crianças assim consideradas, estão associadas

a crianças de classes populares em que suas famílias são referidas como “disfuncionais”.

Desta forma, são vitimizadas e representam “perigos” que necessitam de intervenções

repressivas tais como a redução da idade penal.

• A criança inocente: funda-se no mito romântico da infância em que o

pensamento de Rousseau anuncia a natureza genuinamente boa das crianças contrapondo-se

com a concepção “monstruosa” e de natureza indomável delas. Nesta imagem, a criança está

associada a pureza, inocência, beleza e bondade.

• A criança imanente: parte da ideia de John Locke de um potencial de

desenvolvimento da criança. Ela é uma tabula rasa em que podem ser inscritos vícios e

virtudes. A infância está submetida à modelagem.

• A criança naturalmente desenvolvida: sob a influência de Jean Piaget e da

psicologia do desenvolvimento, parte-se para um novo entendimento das crianças do século

XX. Duas ideias centrais nessa imagem de criança: as crianças são seres naturais antes de

serem sociais e elas sofrem um processo de maturação que se desenvolve por estágios. A

psicologia do desenvolvimento de Piaget torna-se responsável por um conhecimento

científico sobre as crianças.

• A criança inconsciente: esta imagem imputa ao inconsciente o

desenvolvimento do comportamento humano. Esta visão introduz um viés interpretativo que

impede a análise da criança a partir do seu próprio campo.

Essas diferentes imagens das crianças não são estanques para Sarmento (2007), mas

sim dispositivos de interpretação que se revelam na ação de adultos com as crianças.

Dentre as imagens pré-sociológicas a da criança má possivelmente estabelece

conexão, no âmbito do senso comum, com o estudo do aluno bagunceiro, pois este parece

estar sendo relacionado à imagem da criança percebida como difícil e associada a uma

natureza má que precisa ser controlada. Os sociólogos sumarizam que as imagens sociais das

crianças, por mais estranhas e arcaicas que possam parecer, moldam ações e práticas dos

adultos para com as crianças e isso não deve ser negligenciado.

49

2.2 A construção social da infância na Grécia antiga e na Europa

A infância não é um problema filosófico relevante para Platão, segundo Kohan (2005),

mas o filósofo a situa em uma análise educativa com intencionalidades políticas, pois educar a

infância para ele é possibilitar uma pólis mais justa, mais bela, melhor. Para o autor, Platão se

refere às crianças por meio de duas palavras: paîs e néos, sendo a primeira com o sentido de

filho ou filha e a segunda, mais utilizada, para designar literalmente o “novo”, “jovem”,

“recente”. Outras palavras em grego clássico são utilizadas para referir-se às crianças sem

nenhuma exclusividade ou especificidade para alguma etapa ou idade em particular. Para

Kohan (2005), talvez a ausência de uma palavra para marcar essa etapa, possa sugerir uma

totalidade indissociável em detrimento de partes diferenciadas. Contudo, não significa que

Platão não tenha pensado a infância, mas pelo contrário compôs um conceito complexo,

difuso e variado da infância: o primeiro é a ausência de uma marca específica, ou seja, a

presença de uma ausência associada a uma etapa primeira da vida humana, valorizada em seus

efeitos na vida adulta, mas de caráter incompleto, inacabado; a segunda marca é a

inferioridade frente ao homem adulto, é a marca do ser desvalorizado e hierarquicamente

inferior. Em sua obra As Leis, Platão afirma que as crianças são seres impetuosos, incapazes

de ficarem quietos com o corpo e com a voz, sempre pulando e gritando na desordem, sem

ritmo e harmonia, de temperamento arrebatado e que devem ser sempre conduzidas por

adultos; a terceira é a marca do não importante, o supérfluo, portanto o que pode ser excluído

da pólis, o que não tem lugar. Platão, segundo Kohan (2005), não abria espaço para o diálogo

filosófico com jovens, mas propunha impedi-los de entrar em contato com a dialética e

afirmava que desde a infância deveriam ser ensinadas geometria, cálculos e toda educação

propedêutica; finalmente, a infância instaurada pelo poder em que sobre ela, recai o discurso

normativo para afirmar a perspectiva de um futuro melhor. Desta forma, as crianças não são

interessantes pelo que são, mas porque serão adultos que governarão a pólis no futuro.

Portanto, a educação torna-se uma tarefa eminentemente política e determinada.

Enquanto estrutura social e como condição psicológica, a infância surgiu por volta do

século XVI e, segundo Postman (1999), desenvolveu-se intensamente durante 350 anos. Para

o autor cada nação tentou entendê-la e integrá-la à sua cultura, mas afirma que os gregos

prestavam pouca atenção a ela, pois não havia qualquer concepção de desenvolvimento

infantil e de escolarização. Embora os gregos tenham inaugurado a ideia de escola relacionada

ao ócio, não foram eles que criaram a ideia de infância, mas deram o seu prenúncio. Para

50

Postman (1999), foram os romanos que iniciaram essa conexão por meio da noção de

“vergonha”. Este conceito é considerado importante para o autor, pois para proteger as

crianças dos assuntos e segredos dos adultos (como por exemplo, a sexualidade) evoluiu o

conceito de infância e começou a ser estabelecida as diferenças entre faixas etárias.

Com a difusão dos escritos no século XVI pelo surgimento da prensa tipográfica,

aumentou o acesso à escrita e a leitura. Assim, para Postman (1999) as mudanças culturais

advindas do ato de ler contribuíram para a disseminação e hierarquização do conhecimento. O

autor revela que havia uma separação entre os que podiam e os que não podiam ler, e que a

leitura foi estabelecida como coisa de adulto. Para as crianças entrarem no mundo letrado

exigia-se uma educação, desse modo, com a necessidade da alfabetização expandiu-se a ideia

de criação de escolas e assim foi instaurada uma nova concepção de infância baseada na

incompetência da leitura. Para conquistá-la a educação tornou-se indispensável. A civilização

europeia para Postman (1999) reinventou as escolas, pois transformou a infância em

necessidade, sendo o primeiro estágio o de domínio da fala e o segundo o início do

aprendizado da leitura.

No decorrer dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX Postman (1999) afirma que

mudanças foram acontecendo na diferenciação entre crianças e adultos, tais como: vestuário,

linguagem diferenciada entre crianças e adultos, literatura diferenciada para crianças, entre

outras, formando assim a ideia de existência de estágios do desenvolvimento infantil.

Nos estudos sobre a história social da criança desenvolvidos por Ariès (2006), o autor

afirma que o sentimento da infância na sociedade medieval não existia e para explicar esse

sentimento ele diz que este não significa afeição por elas, mas sim a consciência da

particularidade infantil que distingue a criança do adulto. Para Ariès a sociedade via mal a

criança e a duração da infância era reduzida a um período de fragilidade, ou seja, assim que a

criança conseguisse algum desembaraço físico, era misturada aos adultos e tornava-se um

homem jovem. A socialização das crianças segundo ele, não era assegurada e nem controlada

pela família e a aprendizagem delas era garantida pela convivência com os adultos, ou seja, a

criança aprendia o que deveria saber ajudando os adultos a fazê-las. Assim, a passagem da

criança pela família e pela sociedade era breve e insignificante e a arte medieval por volta do

século XII nem tentava representá-la.

Na Idade Média, as “idades da vida” ocuparam lugar importante nos tratados

pseudocientíficos da época segundo Ariès (2006), pois foram empregadas terminologias

como: infância e puerilidade, juventude e adolescência, velhice e senilidade, sendo que cada

51

uma dessas palavras designavam um período diferente da vida. A este estudo coube atentar à

terminologia infância.

As “idades da vida” era um termo considerado erudito que com o tempo tornou-se

familiar, conhecido, repetido e usual, passando assim de um conhecimento científico para a

experiência comum. A idade do homem anuncia Ariès (2006), era uma categoria científica

que pertencia a um sistema de descrição e de explicação física no século VI a.C. que inspirava

livros de vulgarização científica. Modo como os conceitos da ciência tornava-se familiar e

passavam a hábitos mentais e na representação da vida cotidiana, pois traduziam noções que

na época correspondiam ao sentimento popular e comum da vida. Assim, nos textos da Idade

Média a primeira idade é a infância, idade chamada de enfant (criança), que quer dizer não-

falante.

O termo enfant no início do século XVIII, segundo Ariès (2006), foi descrito pelo

dicionário francês Furetière como “termo de amizade utilizado para saudar ou agradar alguém

ou levá-lo a fazer alguma coisa” (ARIÈS, 2006, p. 12). Falava-se em “pequenas almas”,

“pequenos anjos”, expressões que anunciavam sentimentos e seu romantismo. Porém, nos

séculos XIV e XV, final da Idade Média, percebe-se que o termo era empregado na França

tanto para um rapaz, como para uma criança, pois até o século XVIII não havia lugar para a

adolescência. Neste período segundo o autor, esta foi confundida com infância, mas que no

século XVII esse termo tornou-se mais frequente.

A criança, para Ariès (2006), não estava ausente na Idade Média, mas não era

retratada de modo real, pois na iconografia estava relacionada a temas de anjos e infâncias

santas, porém, esta era uma representação que estava caracterizada pelo seu tamanho, nada

além. A descoberta da infância é anunciada por Ariès (2006) no século XIII, entretanto até o

fim deste, as crianças não eram caracterizadas por uma expressão particular, mas já se

encontrava cenas, como na Bíblia de São Luís, de acentos de ternura, raros e limitados ao

Menino Jesus até o século XIV. A partir deste, o autor sinaliza que se verificaram progressos

na consciência coletiva do sentimento de infância, pois os artistas começaram a destacar os

aspectos graciosos, ternos e ingênuos da primeira infância como: a criança buscando o seio da

mãe, brincando ou comendo, entre outros. Neste período, observa-se que traços do realismo

da vida cotidiana eram tratados com mais frequência e a infância religiosa deixava de se

limitar à infância de Jesus. Começou a florescer histórias de crianças nas lendas e contos que

se manteve até o século XVII.

Especial importância é dada por Ariès (2006) ao século XVII, pois a evolução dos

temas da infância se tornou mais comum nesse período e à criança foi dado um lugar

52

privilegiado em cenas de infância de caráter convencional: a lição da leitura, a lição de música

ou grupos de crianças brincando. Assim, o autor afirma que sinais de desenvolvimento

tornaram-se mais significativos a partir do século XVI e durante o século XVII, e que houve

até mesmo mudanças importantes relacionadas à família para com a criança, pois esta

modificou profundamente à medida que modificou suas relações com a criança.

Ao atentar para as transformações e evoluções da iconografia religiosa da infância,

Ariès salienta que a criança se tornou personagem frequente dessas pinturas e inspirou cenas

até o século XIX, mas em geral não como descrição exclusiva da infância. Para o autor, essa

ideia sugere: primeiro, crianças misturadas com adultos; segundo, pintores gostavam de

representar crianças por sua graça. Dessas duas ideias, o autor parte para o que temos hoje:

uma tendência arcaica a separar o mundo das crianças do mundo dos adultos e outra que

anuncia o sentimento moderno da infância.

Em contraponto aos estudos de Ariès (2006), para Heywood (2004) a infância na

Idade Média na Europa não foi ignorada, mas definida de forma imprecisa e, por vezes,

desdenhada, pois a elite instruída preferia mostrar a criança como uma criatura pecadora, “um

pobre animal suspirante”. Heywood (2004) afirma que os autores medievais preferiam falar

sobre os adultos. Contudo, a infância era reconhecida também como um processo, ou seja,

havia uma compreensão da dinâmica do crescimento. Entretanto, segundo o autor, a

peculiaridade da infância medieval europeia resume-se a desestruturação e indefinição, uma

vez que havia a ciência das etapas de desenvolvimento com nivelamento de

responsabilidades, a infância e a adolescência pareciam distintas e especiais naquele período,

mas elas pouco opinavam sobre suas questões. Para os ingleses, o autor anuncia que houve

um silêncio de mil anos com relação às crianças, entre Santo Agostinho e a Reforma, com

raras exceções em poemas e referências autobiográficas, pois quem escrevia a história na

Idade Média, escrevia sobre reis, batalhas e principalmente sobre política.

A figura de destaque no século XVIII na reconstrução da infância para Heywood

(2004) foi Jean-Jacques Rousseau. Para o autor, foi ele quem se opôs mais intensamente à

tradição cristã do pecado original, com o culto da inocência das crianças. Sua obra foi

considerada radical, pois sendo assim consideradas, as crianças correriam o risco de serem

sufocadas por preconceitos, autoridades e instituições a que estão submetidas. Rousseau

argumentou que as crianças “tem formas próprias de ver, pensar, sentir” (1999, apud,

HEYWOOD, 2004, p. 38) e uma forma particular de raciocínio diferente da razão do adulto.

Assim:

53

Não se conhece a infância; no caminho das falsas ideias que se têm, quanto mais se anda, mais se fica perdido. Os mais sábios prendem-se ao que aos homens importa saber, sem considerar o que as crianças estão em condições de aprender. Procuram sempre o homem na criança, sem pensarem no que ela é antes de se tornar homem (ROUSSEAU, 1999, apud HEYWOOD, 2004, p.04).

O autor centrou-se, sobretudo, na incapacidade de se conceber a criança na sua

especificidade, apenas a considerando como um adulto em miniatura. Na perspectiva

rousseauniana a criança deveria ser tratada e compreendida de acordo com a sua subjetividade

e especificidade, uma vez que a mente infantil opera diferentemente da do adulto, ou seja, a

mente infantil não é nem carente, nem insuficiente, mas se estrutura de outra forma. Com ele

nasce uma filosofia da educação onde aparece um forte afeto pela criança.

De forma irrefutável, as concepções de Rousseau foram determinantes para a expansão

e modernização das representações e das práticas da infância, edificando plenamente o

conceito de infância ao ter constatado que a criança deve ser apreendida na sua especificidade.

No final do século XVIII e início do século XIX houve uma mudança na noção

rousseauniana. Ao contrário de Rousseau, a concepção romântica de infância, apresentou as

crianças como “criaturas de profunda sabedoria, sensibilidade estética mais apurada e uma

consciência mais profunda das verdades morais duradouras”, de acordo com o historiador

David Grylls (apud HEYWOOD, 2004, p. 39). Visão que gerou a noção de infância como um

tempo para a educação do self do adulto. Assim, foi redefinida a relação entre adultos e

crianças, de modo que esta agora poderia educar o educador.

Nos Estados Unidos, por volta de 1750, havia menor preocupação das famílias em

apresentar as crianças como adultos em formação, mas sim como imaturas e de atitudes

lúdicas. Heywood (2004) afirma ser possível dizer que a obra de William Wordsworth de

1807 influenciou poderosamente as ideias sobre infância do século XIX quanto Freud para os

dias atuais, pois ficaram evidentes as perdas de qualidades visionárias das crianças como, por

exemplo: “mensageiros do paraíso”. Entretanto, o autor sinaliza que a visão do pecado

original custou a desaparecer, pois a ênfase na inocência das crianças tinha pouca relevância

já que os moralistas concebiam a criança como dotadas de uma natureza má e que os pais

deveriam conter-lhes a paixões perversas.

Ainda na Europa, De Lauwe e Feuerhahn (2001) ponderam sobre o modo como a

criança é compreendida na França, e afirmam que ela é marcada por sua história pessoal, um

sujeito que vive no presente, no meio social no qual está inserido em uma relação de categoria

dominada e categoria dominante. Essa relação para os autores imprime nas representações da

criança uma marca que designa o lugar do sujeito que se expressa. O efeito desse processo nas

54

crianças seria a transmissão social de modos de pensar e de descrever a infância. Os autores

dizem que a passagem de uma linguagem “sobre” a criança a uma linguagem “pela” criança

pode ser traduzida em múltiplos significantes, que são as diferentes imagens das diversas

características dos comportamentos e atitudes. O conjunto desses significados parciais

unifica-se, segundo De Lauwe e Feuerhahn (1991, p. 30), “para constituir um ideal abstrato de

criança”.

Ao discorrer sobre como eram percebidas as crianças ao longo do tempo, De Lauwe e

Feuerhahn (1991) destacam que as representações da infância variaram ao longo da história.

Alguns historiadores afirmaram que a infância era uma descoberta recente. Pois, do século X

ao século XIII a criança era representada como um adulto reduzido. Até o século XVII, era

percebida como desinteressante e a maioria dos autores se referem à infância de maneira

negativa, próxima da animalidade e do pecado. Com a evolução do direito, o modo de pensar

e situar a criança abre caminho para uma nova atitude referente a ela, onde os pais já não são

mais proprietários dos filhos, mas responsáveis por eles. No fim do século XVIII uma tomada

de consciência dos direitos do indivíduo e das categorias mais frágeis inverte o sistema de

valores e a família burguesa passa a considerar mais a criança. Nesse momento o sistema

educacional tenta compreender os seus sentimentos, especificando um novo estatuto para a

criança, o escolar, futuro adulto a ser formado. Na segunda metade do século XIX percebe-se

a idealização da infância, em que a criança mais do que um ser em desenvolvimento, é

investida da projeção de desejos de uma sociedade, que não garante a compreensão das

necessidades reais das crianças, pois são compreendidas irrealisticamente e consequentemente

educadas em função de modelos dos adultos.

Na década de 60 a 70 a criança já não é mais percebida como um ser a ser protegido,

mas sim como pessoa e sujeito autônomo, ator social que participa de decisões que lhe dizem

respeito.

2.3 A construção social da infância no Brasil

No Brasil, Del Priore (2007) anuncia o cotidiano da criança livre entre a Colônia e o

Império como um período em que há poucas palavras para definir a criança, pois este,

55

segundo a autora, é marcado por instabilidade e muita mobilidade populacional devido à

colonização. A infância era vista como um tempo sem maior personalidade, um momento de

transição. Para Del Priore, aos recém-nascidos a ênfase estava nos cuidados e asseios

corporais, assim como à sua alimentação. Já às crianças pequenas a preocupação era de

resguardá-las, pois havia o medo de perdê-las por bruxarias ou por doenças reais e

imaginárias.

A fragilidade do corpo infantil incentivava o sentido de proteção e a expressão “amor

materno”. Na análise de Del Priore (2007) revela corações maternos carregados de apreensão

e temor pelo destino dos seus filhos. Foram criadas então linguagens em que se replicaram as

sílabas tônicas dando encanto as palavras como: dodói, cacá, pipi, bumbum, dindinho, entre

outras. Esses “mimos maternos” em torno da criança eram vistos pelos moralistas, entre eles o

baiano Nuno Marques Pereira, como causa de repúdio, pois fazia mal aos filhos. A boa

educação implicava em castigos físicos e palmadas.

Na concepção de Del Priore (2007), as imagens da infância brasileira no período

colonial à república nos anos 30 eram percebidas pela mentalidade coletiva como um tempo

sem maior personalidade. Miúdos, ingênuos, infantes, expressões à vida social das crianças na

época e que mereciam grande preocupação dos pais em resguardá-las contra assédios e perda

das mesmas, seja por doença ou feitiços. Os mimos em torno da criança eram vistos pelos

moralistas como causa de colocar a perder os filhos e uma boa educação implicava em

castigos físicos, pois “muito mimo” fazia mal aos filhos. A partir da segunda metade do

século XVIII, a palmatória tornou-se o instrumento de correção por excelência como forma de

conservar o respeito por quem ensina. O uso da disciplina por meio da palmatória tinha a

recomendação expressa de que a preguiça era a responsável pelos erros da criança e não a sua

falta de conhecimento. A disciplina era também aplicada em meio às festas, onde os bolos e

beliscões revezavam-se.

O castigo físico para Del Priore (2007) não era novidade no cotidiano colonial, pois

para os padres jesuítas esse tipo de correção era visto como forma de amor. Assim, vícios e

pecados, mesmo cometidos por crianças, deveriam ser combatidos com açoites e castigos

como forma de correção e disciplina.

Na formação da criança brasileira estava presente a preocupação pedagógica que,

segundo Del Priore (2007) tinha por objetivo transformá-la em um indivíduo responsável.

Desde cedo a criança deveria ser valorizada pela aquisição da leitura e escrita que a

permitissem ler a Bíblia. Exigência que não era apenas da igreja, mas da sociedade portuguesa

que esperava dos jovens bons comportamentos.

56

Entre os séculos XVI e XVIII, segundo Del Priore (2007), com a percepção da criança

como algo diferente do adulto e de que convinha uma formação cristã e um amoldar-se a

diferentes tradições culturais e costumes sociais e educativos, surgiu uma preocupação

educativa traduzida em cuidados de ordem psicológica e pedagógica que para a autora, na

atualidade, mostra-se contraditório tendo em vista que a formação social da criança está mais

para a violência explícita ou implícita do que pelo livro, pelo aprendizado e pela educação.

O Brasil do século XIX segundo Kishimoto (1993), ainda estava distante do que já

ocorria na Europa, a descoberta da infância. A autora anuncia que para compreender a

imagem da criança deve-se analisar o papel da educação no período imperial.

Todo o período imperial, segundo a autora, foi marcado por uma educação do tipo

aristocrática, destinada à preparação da elite. Esse contraste entre ausência e refino na

educação estabeleceu o grande abismo entre a massa de analfabetos e a pequena elite que

buscava na Europa seu modelo de formação. Dessa forma, para se aproximar desse modelo, o

regime educativo passou a eliminar a infância das famílias patriarcais vestindo-as como

adultos e obrigando-as a se comportarem como tais. O Brasil, segundo Kishimoto (1993),

mesmo com a descoberta da infância no século XVII, demorou incorporar as inovações que já

aconteciam em relação à ideia de infância.

Segundo os estudos da Kishimoto (1993), a ideia de infância dotada de natureza má

levou o século passado a criar duas representações: menino diabo e menino-homem. A

imagem da criança brasileira diabólica no período colonial manifestava-se nas brincadeiras

infantis e na brutalidade dessas brincadeiras que ocorriam nos espaços lúdicos oferecidos pela

casa-grande como: beliscar, morder, puxar cabelo e orelhas, quebrar vidraças, galhos de

árvores. Assis (1994) também retrata o “menino diabo” na índole perversa de Brás Cubas, um

menino rico, mimado e endiabrado do século XIX no Rio de Janeiro, pois, ao delinear suas

traquinagens revela uma criança travessa, egoísta e inclinada a contemplar injustiças. Chateau

(1987), citada por Kishimoto (1993), argumenta que em diversas culturas no mundo as

crianças adotaram essas práticas. Porém, na atualidade, novas hipóteses se apresentam, como

por exemplo: características do desenvolvimento infantil, egocentrismo, desejos de afirmação,

etc.

Já a imagem de menino-homem, era a de que a criança precisava ser disciplinada como

forma de ser corrigida a sua natureza inata de desvios. Como consequência, essa

representação de menino-homem, foi capaz de prematuramente destruir a expressão lúdica da

criança, pois os espaços do brincar foram diminuídos e as crianças foram obrigadas a se

57

comportarem como cultas a partir dos sete anos de idade, gerando a imagem de um Brasil sem

crianças.

Outros aspectos da infância brasileira foram abordados por Gilberto Freyre (1963)

como as grandes construções para abrigar a família, hóspedes e agregados. O autor abordou,

entre outras coisas, a família brasileira apoiada no regime da escravidão e autoritarismo

paterno tanto sobre os filhos, quanto sobre a esposa, agregados e escravos. Para o autor a

família não era apenas vivência de autoridade e afetividade, mas ao mesmo tempo uma

unidade política, econômica e social com papel fundamental na definição da história do

Brasil. Segundo Freyre, o “gosto pelo mando” exercido nas diversas relações privadas

estende-se ao domínio público com as características de capricho privado que já possuía, e

usualmente se dão nas relações sociais.

Dedicada a resgatar a história da criança no Brasil, Rizzini (2006) se concentrou em

ligar passado e presente, focalizando políticas e práticas atuais, e refletiu sobre suas raízes

históricas. Deste modo, a autora afirma que na passagem do século XIX para o XX a criança

empobrecida foi um instrumento valioso que precisava ser salva para salvar o país. Essa

significação circunscrevia-se na perspectiva de moldá-la de acordo com o projeto que

conduziria o Brasil a um ideal de nação e que transformaria o país em uma nação culta,

moderna e civilizada. Para a autora, esse foco sobre a infância resultou no desenvolvimento

de um complexo aparato jurídico-assistencial liderado pelo Estado e materializado nas

diversas leis e instituições destinadas à proteção e à assistência a infância que não atenuou

desigualdades sociais, ao contrário, vetou-se aos pobres uma educação de qualidade e a

cidadania plena.

O movimento de salvar a criança no Brasil é descrito por Rizzini (2006) como

originado da crença de que fatores hereditários e um meio prejudicial transformavam em

monstros crianças com certas predisposições inatas. Portanto, salvar essa criança ultrapassava

os limites da família e da religião e assumia a dimensão política de controle, sob a justificativa

de que havia de se defender a sociedade em nome da ordem e da paz social, pois a ideia de

infância estava associada à percepção de desordem e ameaça de descontrole. Assim, segundo

a autora, era mais importante moldar para manter do que educar, pois a educação era vista

como arma perigosa. Educar crianças pobres no Brasil nos primeiros anos da República não

era tirá-la da ignorância, mas sim um antídoto à ociosidade e a criminalidade.

Ao abordar as várias categorias e dimensões do conhecimento da infância brasileira,

Sayão (2000) propõe um olhar livre de preconceitos e limitações acerca desta categoria, pois

muitas dimensões do conhecimento dela permanecem obscuras, e torna-se necessário

58

compreendê-las tendo em vista a diversidade social e cultural do país. Como questionamento,

aborda hipóteses da singularidade definidora da infância pela diferenciação etária e coloca

que o que está em questão é se isto basta para compreender e qualificar os trabalhos

desenvolvidos no âmbito das instituições educativas voltadas à infância.

Na contemporaneidade a representação da infância é consequência de múltiplas

transformações produzidas ao longo dos séculos na relação adulto-criança, na qual a criança

passa a ser considerada o centro das atenções. Essa mudança permite o rompimento da ideia

de criança como negatividade, em que se torna crucial o reconhecimento da criança em suas

características específicas, não como um padrão da cultura adulta.

2.4 A disciplinarização da infância

No final do século XIX e início do século XX, segundo Heywood (2004), houve

diversos estudos sobre a construção da infância contemporânea. O autor sinaliza que entre os

norte-americanos, ao estimular a retirada das crianças dos locais de trabalho, houve uma

“sacralização da infância”, com isso, um aumento no valor sentimental em relação às

crianças. A autora Steedman é citada por Heywood (2004) ao detectar uma “reconceituação

da infância” onde os “mistérios” do seu crescimento davam lugar de destaque ao seu

desenvolvimento. A concepção de que a criança viria ao mundo como um papel em branco

começou a ser negada e iniciou-se um questionamento dos seus genes através de testes de QI,

assim elas seriam educadas segundo aquilo que herdassem.

A partir da Renascença, observa-se que os pais esforçavam-se para garantir boas

maneiras aos filhos. Erasmo, citado por Heywood (2004), escreve sobre a civilidade das

crianças da década de 1530 e apresenta descrições detalhadas de um comportamento correto

de crianças bem criadas, pois estas não iriam: limpar seus narizes na manga, ficar de boca

aberta como tolos ou praguejar. Assim, as crianças adquiriam pouco a pouco o recato e o

pudor da sociedade ocidental com o passar dos séculos.

O autor Arnold Van Gennep é citado por Heywood (2004) ao apresentar uma

característica peculiar da educação na França, o fato desta basear-se no medo e na ironia, pois

os pais aterrorizavam as crianças com contos sobrenaturais, criaturas sinistras: fadas e seres

59

imaginários escondidos em poços, lobisomens, monstros, etc. O autor justifica que esse tipo

de educação era uma forma das famílias afastarem as crianças do perigo enquanto eles

estivessem ocupados. Segundo Heywood (2004), o médico de Montpellier no século XIV

descreveu a infância como a “idade da concussão”, pois nesta fase começavam a correr, pular

e bater umas nas outras. Como forma de ironia o autor diz que era fácil debochar de crianças

que reclamavam ou se queixavam de algo e que essas práticas só começaram a ser rejeitadas

na metade do século XIX, com a educação e a psicologia infantil que recomendava aos pais

abandonar a tática do medo, pois poderiam afligir a existência de seus filhos. Então, foi

adotado pelas mães métodos de persuasão mais leves e mais demorados.

O grande desafio dos pais era transmitir valores morais e religiosos aos filhos. Para

Ariès (2006), nas atitudes dos pais também estavam presentes o amor e preocupações com o

bem-estar espiritual das crianças e a forma que eles conseguiram visualizar para dominar

crianças teimosas foi elaborando um conjunto de regras e aplicando-as de forma rigorosa.

Heywood (2004) cita um manual alemão de disciplina, datado de 1519 destinado a instruir

crianças em que as ordens eram vociferadas, e aquelas que quebrassem as regras eram tratadas

de forma rígida como: ser açoitada, obrigadas a chorar baixo, ser repreendidas e mantidas em

estado de sujeição. Estas formas de disciplina eram vistas pelos pais como forma de dominar

os filhos e torná-los obedientes, pois temiam que sua ternura e menor rigor interferissem na

disciplina delas. Mesmo no século XIX quando os manuais recomendavam não castigar

fisicamente, o açoitamento de crianças pelos pais era rotineiro. Havia também, segundo o

autor, uma tradição de questionar esse tratamento de sujeição das crianças desde o século XI,

desenvolvido pelo Santo Anselmo por meio de discussões que apontavam vantagens da

gentileza, do estímulo alegre e da brandura na criação das crianças e na formação do seu

caráter. Para Heywood (2004), raramente a autoridade dos pais era questionada, mas sempre

houve a consciência de que a disciplina excessiva geraria resistências.

O crescente interesse no método de educação dos filhos iniciou no século XVIII, assim

como o declínio de que as crianças eram criaturas pecaminosas e precisavam ser dominadas

como um animal. No início do século XX, segundo Heywood (2004), as crianças no Ocidente

já tinham menos probabilidade de serem abandonadas ou agredidas, comparando com o

passado, tendo em vista um exército de profissionais dedicados ao bem-estar e cuidados às

crianças, tais como: agentes de saúde, trabalhadores de instituições, inspetores escolares,

fiscais de fábricas, polícia, reforma penal, legislação de direitos de maternidade, etc.

A vida escolar das crianças tem uma longa história segundo Heywood (2004), pois as

iniciativas governamentais para forçá-las a frequentar a escola iniciam-se por volta do século

60

XX, quando esta substitui o trabalho como principal ocupação para os que possuem pouca

idade. Muitas famílias não tinham condições ou não estavam dispostas a pensar nesses termos

até então e segundo o autor, muitos foram os obstáculos materiais e culturais, pois as crianças

contribuíam com sua força de trabalho e os pais, muitas vezes, dependiam da renda de seus

filhos. Heywood (2004) argumenta que para Ariès, o período medieval não tinha ideia de

educação, uma vez que as crianças adquiriam conhecimentos elementares e empíricos

prestando serviços a outra família, ou seja, adquiriam conhecimentos com a prática, junto com

os adultos. Contudo, o Norte da Europa é apontado como o primeiro a tornar compulsória a

frequência à escola exigindo em 1619, que todas as crianças entre 06 e 12 anos frequentassem

o ambiente escolar o ano todo. Mas ainda assim, os espaços escolares eram poucos e distantes

uns dos outros. Desta forma, por volta do final da década de 1830, 80% das crianças

prussianas desta faixa etária já estavam na escola, retirando assim, lentamente, as escolas do

domínio das igrejas e tornando-as gratuitas e obrigatórias às crianças.

A sala de aula pode ter significado alívio para muitas crianças que trabalhavam

pesado, mas muitas delas alimentaram ressentimentos pelo tratamento dos seus professores

como anuncia Ludwig Turek:

Um dia, na aula de educação física, o professor me bateu com sua longa vara, até onde ele alcançava, enquanto eu subia a corda. Aquilo realmente me machucou. Ele sabia como eu era bom em ginástica, em termos gerais, e me chamou de mau, preguiçoso e inquieto. Como não tinha camas, eu havia dormido mal e congelado a noite anterior, e estava morrendo de fome. As poucas migalhas de pão que conseguíamos mendigando não eram adequadas para me fortalecer. Por essas razões, estava tão debilitado quanto um rato molhado. A surra realmente me destruiu. (TUREK, apud, HEYWOOD, 2004, p. 215)

Observa-se que a imagem do professor, por séculos, foi de uma pessoa autoritária,

assustadora e de princípios agressivos para o restabelecimento da ordem em sala de aula.

Contudo, na idade média, historiadores sinalizam tentativas à elevada dependência da punição

corporal para esse fim e anunciam que o problema para muitos professores estava no tédio em

sala de aula ou das atividades, pois o método tradicional de ensinar fazia com que as crianças

permanecessem poucos minutos com o professor individualmente, enquanto os outros eram

entregues a anarquia. Assim, os professores sob pressão, batiam nos alunos desobedientes e

inquietos, na tentativa de manter algum controle.

As crianças, como se vê, eram motivadas na escola pelo medo da vara, mas ainda

assim, criavam estratégias para lidar com isso, tais como: pegar no sono e fingir em aula, até

cabular e fazer greve, contudo poucas escapavam desse sistema escolar.

61

Na história da educação e da disciplinarização das crianças no Brasil, Carvalho

(2001), discorre sobre duas modalidades de constituição da infância como objeto de

intervenção disciplinar das primeiras décadas do século XX, a partir de discursos

pedagógicos. A autora trabalha com duas metáforas da disciplina: disciplina como ortopedia e

disciplina como eficiência. Ambas com a leitura de prevenir e corrigir, referidas à imagem de

uma linha reta em que se propõem, como arte da prevenção, regras e uma suposta harmonia

nas cenas infantis, e corrigir como a arte da correção da deformação.

Pizzoli é citado por Carvalho (2001) quando discorre que o campo epistemológico da

pedagogia tem suas raízes nas diferentes ciências que dão suporte a educação e que

convergem para a pedagogia, fazendo emergir dois processos de educação: a educação

normal e a educação emandatória, normal ou corretiva em que suas práticas são voltadas

para criminosos, amorais, idiotas e portadores de alguma deficiência. Portanto, nesta

pedagogia científica, enquadrava-se o indivíduo em índices de normalidade, anormalidade ou

degeneração, e segundo Thompson citado por Carvalho (CARVALHO, 2001), descriminar

crianças normais, das anormais ou degeneradas era tarefa que se instalava no âmago da

pedagogia científica que, segundo o autor, deveria confrontar e distinguir os casos normais

dos anormais a fim de criar classes homogêneas para a maximização de resultados do ensino.

Assim, a pedagogia científica caracterizava-se por uma remissão constante a regras de

normalidade, e é por essa referência que a pedagogia se fazia ortopédica, ou melhor dizendo,

como arte de prevenir ou corrigir uma deformação.

A partir dos anos 20 Carvalho (2001), sinaliza uma mudança no paradigma de

educação com a “escola nova”. A autora anuncia a mudança percebida no meio pedagógico

como otimista, pois abandona as figuras de deformação e controle da anormalidade e aposta

na educabilidade das crianças, no poder disciplinador não mais vinculado à ciência, mas ao

progresso e aos ritmos impostos aos corpos e às mentes pela vida moderna. Para a autora, na

“escola nova” disciplinar não é mais prevenir ou corrigir, é moldar, contar com a plasticidade

da natureza infantil, sua adaptabilidade e capacidade natural de ajustamentos impostos pela

sociedade.

Ao estudar os âmbitos onde se exerce o poder, Foucault (1987) ocupou-se em analisar

um tipo de interferência do Estado na vida privada e também da infância como saber e poder

no jogo das relações, em que a partir do século XVII a criança passa a ser o centro das

atenções dentro da instituição familiar.

A palavra disciplina, na categoria foucaultiana é um tipo de poder exercido em

diversos espaços sociais e instituições e que tem um fim determinado. Para o autor, “a

62

disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’. A disciplina

aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas

forças (em termos políticos de obediência)” (FOUCAULT, 1987, p. 119). Para Foucault o

corpo é objeto e alvo de poder por meio da manipulação, modelagem e treino para obter a

obediência, uma vez que está preso a poderes que impõem limitações, proibições ou

obrigações. Segundo o autor, esses conceitos são diferentes da escravidão, da domesticidade,

pois não se fundamentam na apropriação e dominação constante dos corpos, mas entra em

uma maquinaria de poder que o examina em detalhes, o desarticula e o recompõe. Assim,

Foucault (1987) define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros para que operem

como se quer, segundo a rapidez e eficácia que se determina. Desta forma, Foucault sinaliza a

dissociação que a disciplina faz do poder e do corpo, fazendo dela uma relação de sujeição, ou

seja, de dominação acentuada, mas que não deve ser compreendida como uma descoberta

súbita e sim de processos de origens diferentes que se recordam, se repetem, ou se imitam.

Esse processo, segundo o autor, pode ser encontrado muito cedo também nos colégios do séc.

XVIII, onde o espaço era organizado por “quadros” que classificavam, controlavam,

regularizavam no intuito de obter um instrumento que dominasse o ambiente e lhe conferisse

uma “ordem”. Os alunos eram distribuídos espacialmente segundo o seu nível de avanço,

segundo o valor de cada um, segundo o seu temperamento melhor ou pior, segundo sua maior

ou menor aplicação, segundo sua limpeza, etc.

Em sua essência, todos os sistemas disciplinares para Foucault (1987) funcionam

como um mecanismo penal, em que reprimem um conjunto de comportamentos como:

atrasos, ausências, interrupções das tarefas, desatenção, negligência, falta de zelo, grosseria,

desobediência, tagarelice, insolência, atitudes “incorretas”, indecência, enfim, tudo o que está

no campo da inobservância às regras, ou seja, os desvios.

2.4.1 De criança a aluno

Para o estudo, foi realizado um levantamento sobre a diferença do conceito de infância

e aluno, de criança e crianças e das imagens sociais da infância. Obteve-se na análise a

existência de significados plurais sobre diferentes campos semânticos e imagens de crianças

construídas ao longo da história por discursos sociais de diferentes naturezas onde se

63

identificam discursos religiosos, científicos, jurídicos. A esse fenômeno, Moscovici (1978)

chamou de sistemas cognitivos, sendo que um é operacional onde se faz associações,

inclusões, discriminações e deduções, o outro controla, verifica e seleciona através de regras,

lógicas ou não. Trata-se, segundo Moscovici de um metassistema composto por normas

sociais e que pode variar segundo seus princípios de organização. A esse respeito, Doise

(2011) pontua como tarefa para os psicólogos sociais o estudo das relações entre as normas

sociais e o funcionamento cognitivo, pois a atualização das regulações feitas pelo

metassistema social no sistema cognitivo constitui o estudo das representações sociais. Esta

perspectiva não está contemplada nos objetivos do presente estudo. Porém, contextualizá-la

no debate torna-se relevante tendo em vista a importância da compreensão do funcionamento

do sistema cognitivo como metassistema no estudo das normas sociais.

No levantamento das imagens sociais sobre a infância percebe-se que existem pontos

de ancoragem no decurso da história que possibilitam visualizar e compreender a

incorporação e assimilação de novos elementos integrados em um sistema de valores, e que

pode traduzir a identidade cultural e a mentalidade grupal na produção do sentido da infância.

Sobre o processo de ancoragem Almeida (2011), ao citar Jodelet (1984; 1988; 1989) diz que

ela vincula a ancoragem ao enraizamento social da representação e de seu objeto e que a

representação é utilizada como um sistema de interpretação do mundo.

Para compreender melhor essa incorporação e assimilação de elementos em um

sistema de valores, Javeau (2005) contribui com a análise do campo semântico da criança e da

infância e anuncia que a faixa etária do recém-nascido no senso comum é chamada de

“infância”, e que o campo semântico, construído socialmente, desse momento da vida é o da

improdutividade. Da mesma forma, o autor analisa a imagem do aluno visto como

investimento por um sistema de competências, em que o imperativo econômico aparece

disfarçado pelo imperativo ético do êxito.

Quanto ao campo semântico da criança, esta é considerada um objeto abstrato ao ser

destinada a passar por níveis diversos de aquisição de competências que desconsideram o

contexto concreto do seu desenvolvimento. O autor afirma que se não se nasce criança, vem-

se a sê-la. No campo semântico das crianças, estas são consideradas uma população de plenos

direitos e que não devem ser vistas como uma cópia de adultos em miniatura. Trata-se de um

conceito que coloca em evidência as significações que as crianças atribuem aos estilos de vida

que levam, tanto na perspectiva da cultura, quanto dos processos de socialização em ação que

comporta projetos, ritos e transações espontâneas com o mundo dos adultos. Nesse sentido,

constituem-se como objetos vastos de investigação.

64

A fim de compreender o que se entende por infância educada, obteve-se em Kohan,

(2005) o pensamento de Hannah Arendt e a ligação que a autora faz entre educação e

nascimento, a qual a educação é apresentada pela autora como uma reação à experiência do

nascimento, tendo em vista que este é um início, um começo, uma resposta dos velhos aos

novos. Assim, Kohan afirma que há educação porque é preciso responder a esse nascimento.

Porém, ao questionar para que se educa, o autor anuncia que há rupturas e continuidades de

sentidos, uma vez que se dá o mesmo tratamento à novidade, à diferença. Assim, a educação

como recepção da alteridade, é legislada por uma normatividade que procura a instauração do

mesmo. Nesse sentido, Arendt (1995) discorre que a relação humana com o mundo é mediada

pela educação, mas nunca é dada de antemão, por isso deve ser tecida a cada nascimento, não

como pronto e acabado, mas continuamente repensada em função das transformações do

mundo e dos recém-chegados. A autora revela que justamente pelo fato do mundo estar

continuamente sujeito à novidade e a instabilidade provocada pelos nascituros, deve-se

contribuir para que instituições políticas e leis não sejam transformadas em interesses

privados de poucos. A esse pensamento Arendt (2005) denomina de amor mundi, uma vez

que quem educa não é concebido pela autora como aquele que assume responsabilidades

apenas pelo desenvolvimento da criança, mas também pela continuidade do mundo, pela

responsabilidade com o ele, por sua conservação e continuidade. Para a autora se trata de

apresentar ao jovem um conjunto de estruturas políticas, científicas, racionais, históricas,

linguísticas, sociais e econômicas como constituintes do mundo em que vivem. Desta forma, a

educação possui um papel político de formação para o cultivo e o cuidado com o mundo

comum que pode ser transformado, mas deve estar sujeito também a conservação. Lugar

difícil, instável e talvez paradoxal na concepção da autora, pois ao considerar a educação

como responsável pela capacidade humana de conservar e transformar o mundo, protegendo

as crianças das pressões deste, ao mesmo tempo deve-se preparar a criança para conservá-lo e

transformá-lo futuramente. Para Arendt (2005), essas responsabilidades são conflitantes, pois

ambos necessitam de proteção e por isso considera a tarefa da educação difícil, crítica, sujeita

a crises e um constate repensar.

Na busca pela compreensão de como foi construído o que chamamos hoje de aluno e o

modo como chegamos a representá-lo, Sacristán (2005) revela uma construção social de

adultos, pois estes são os responsáveis pela organização da vida dos não adultos. Ser aluno, na

visão do autor, supõe acumular uma dupla carga semântica, a de ser menor e a de ser

escolarizado em meio a variações culturais na forma de conceber a ambos. Como hipótese da

consolidação da imagem social de aluno, esta deve ter ocorrido simultaneamente à expansão

65

dos sistemas educacionais urbanizados, em que na vida cotidiana, do ponto de vista histórico,

ser aluno nos é equivalente a ser menor, estar na infância. Para Sacristán, ambos os conceitos,

aluno e infância, compartilham um mesmo significado para nós porque foram construídos

simultaneamente. Porém, ser aluno é ser estudante ou aprendiz, categorias que supõem

comportamentos, regras, valores e propósitos que devem ser adquiridos por quem pertence a

essas categorias que proporcionam uma identidade a quem tem essa condição. Já a imagem de

infância o autor acredita ser difícil reconstruir os passos seguidos pela cultura, uma vez que

isso aconteceu num processo de aprendizagem obtido no exercício de práticas relacionadas

com a maneira de tratar os mais novos, e que acumularam ideias, atitudes e sentimentos sobre

ela.

Ser aluno, no âmbito da escola e da sala de aula, tal como é conhecido e representado

atualmente, é para Sacristán (2005) uma invenção tardia e uma maneira de se relacionar com

o mundo dos adultos. Pois, para o autor, existe nessa relação uma ordem regida por padrões

através dos quais estes exercem sua autoridade. Assim, é uma forma de exercício do poder

sobre os menores.

Ao considerar a evolução do papel dos adultos especializados no cuidado e na

educação dos menores, Sacristán (2005, p. 127) considera que “Se aluno é aquele que é

educado e ensinado, a constituição dessa figura deve ocorrer ao mesmo tempo em que a

daqueles que desempenham as funções recíprocas: a de quem o educa e ensina”.

O professor tornou-se a figura que acumulou e assumiu perante a sociedade e com o

seu reconhecimento, a missão de educar e difundir cultura, tendo em vista que foi investido do

papel de pais no cuidado, na moralização dos menores e de especialista na difusão de alguns

saberes. Desta forma, o autor diz que houve um processo de transferência da função de

educar, que antes eram desempenhados pelas famílias e pela igreja. Neste longo processo,

ocorreu um processo ambíguo de relação maternal afetiva e severidade, próprios da mãe, pois

o professor a substituiria ou prolongaria esse modelo de relação, combinando as duas funções.

Assim, o professor assume o papel disciplinador entendido como profissionalismo docente.

66

2.5 As leis brasileiras, criança e seus papeis sociais: o aluno, o menor e o sujeito de direitos

O estudo da legislação sobre a infância e a adolescência no Brasil revela que o

surgimento da infância e da adolescência, enquanto merecedora da atenção do Estado, está

diretamente ligado à construção de políticas de assistência que começaram a adquirir força em

meados do século XIX. A infância sobre a qual se dirige o olhar da sociedade brasileira e que

passa a ser prioritária para a construção do futuro do país é a infância pobre.

No Brasil Império, conforme anuncia Rizzini (1993), as primeiras leis destinadas à

infância e adolescência privilegiavam os casos de crianças órfãs e enjeitadas. Estas eram

recolhidas na Casa dos Expostos, um dos maiores símbolos do pensamento assistencial

brasileiro. À época, a preocupação que esse segmento da população despertava era incipiente.

A exemplo da Europa, até meados do século XIX, o atendimento aos expostos esteve

caracterizado por ações assistencialistas. Pode-se afirmar que, durante quase três séculos e

meio, a iniciativa assistencial em relação à infância pobre no Brasil encontrava-se quase que

totalmente vinculada à Igreja Católica.

As responsabilidades e o papel do adulto em relação à criança surgiram somente a

partir da institucionalização da Declaração Internacional dos Direitos da Criança, em 1959.

Os cuidados dirigidos à infância deixaram de ser apenas manifestações afetivas espontâneas e

arbitrárias e se tornaram uma regra social. Tais comportamentos e atitudes socialmente

construídos adquiriram caráter de lei com a instauração do Estatuto da Criança e do

Adolescente, no Brasil, em 1990.

No Brasil, segundo Nunes (2005), o reconhecimento social da infância se deu, durante

anos, sob a vigência da política da “menoridade”, alvo de proteção oscilante entre vítima da

família, da sociedade e do delinquente como ameaça a ambas. Segundo a autora, é com essas

características que o padrão de proteção foi se legitimando e o termo “menor” foi

impregnando práticas e representações até os anos de 1990 em que: “[...] ‘menor’ convive e se

confunde nas práticas sociais com a criança que começa a ser reconhecida como cidadã,

sobretudo a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente” (NUNES, 2005, p. 75).

Para Nunes (2005), dentro da preocupação de “proteger” os menores está a tônica

intervencionista de tendência à inclusão e exclusão social, uma vez que, em seu conjunto a

questão do “menor” ficou identificada como questão de segurança nacional e passa a ser

tratada a partir da forte presença do Estado no enfrentamento de problemas sociais.

67

O código de menores de 1927 instituiu a infância da menoridade com vistas a regular

o atendimento ao menor e define três categorias, segundo Nunes (2005): o abandonado, o

vadio e o libertino. Todas com fortes características repressivas em que o sistema de proteção

girava em torno da mercantilização da mão de obra infantil e a ética do trabalho, como mérito

de reconhecimento social. Assim, se negou a condição própria da infância, que é o tempo

livre e a improdutividade. Desta forma, segundo a autora, foi aberto o caminho para o

reconhecimento social da infância no Brasil. Onde para os “vadios” e “delinquentes” o

sistema se organizou a partir da criminalização e da penalização, e a categoria dos

abandonados era concebida como vitimizado e culpabilizado pelo abandono. Portanto, a

criança tem seu reconhecimento social construído pela não cidadania e identificada como

aquela que deveria submeter-se a proteção social.

Em 1943, segundo Nunes (2005), surge a proteção trabalhista com a preocupação de

regulamentar o trabalho infantil na Consolidação das Leis de Trabalho – CLT -. A CLT

protegia o trabalho do menor e obrigava a remuneração de meio salário mínimo em troca de

aprendizado de ofício. Este padrão de proteção social, segundo a autora, possibilitou uma

exploração do trabalho infantil diferenciada e abriu possibilidades de legitimação do trabalho

nas ruas. Somente no contexto dos anos 80, em meio a denúncias de violação de direitos

humanos contra crianças e adolescentes, surgem movimentos em prol da modificação do

atendimento à infância e adolescência. Surge então em 13 de julho de 1990 o Estatuto da

Criança e do Adolescente – ECA – em que se preconiza o universalismo das políticas sociais,

segundo os princípios da Constituição Federal de 1988, o que significa que todas as crianças e

adolescentes, não apenas as em “situação irregular”, estão sob a proteção integral da Lei.

Os principais avanços do ECA dizem respeito a regulamentação da atividade jurídica

tanto na aplicação de medidas judiciais, quanto ao controle sobre instituições que prestam

assistência. Mas no geral, propõe mudanças no enfoque sobre a criança e às políticas de

atendimento, como substituição de “penas” por medida de proteção, e para os que cometem

atos infracionais medidas socioeducativas, tais como: prestação de serviços à comunidade,

liberdade assistida, semiliberdade e internação em instituição “educacional”.

O ECA trouxe avanços importantes do ponto de vista da visibilidade da criança no

Brasil, segundo Nunes (2005) e dentre os principais está a responsabilização penal aos que

infringirem os direitos das crianças. Este reconhecimento é uma conquista que transforma a

criança em sujeito de direitos e implica formação continuada de educadores que ainda são

marcados por resquícios de uma cultura autoritária. Para tanto, é necessário compreender e

valorizar a identidade pessoal e coletiva da criança e seu entorno, a fim de que educadores

68

possam proporcionar um trabalho em que se veja a criança como um ser total e indivisível.

Fatores estes indispensáveis para a inserção em uma vida de cidadania plena.

69

3 METODOLOGIA

Neste capítulo pretende-se apresentar o desenho metodológico do estudo segundo a

abordagem estrutural da Teoria das Representações Sociais. Uma breve contextualização da

pesquisa será apresentada para posteriormente apresentar o plano de coleta e de

processamento de dados.

3.1 Contextualização da pesquisa: o curso de Pedagogia na UFMT

Os sujeitos da pesquisa são licenciandos dos quatro anos do curso de Pedagogia da

Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT – campus Cuiabá, investigados no segundo

semestre do ano letivo de 2011.

Segundo Beraldo (2005), a UFMT foi criada em 10 de dezembro de 1970 através da

Lei n.º 5.647, favorecida pela aglutinação da Faculdade de Direito de Mato Grosso e o

Instituto de Filosofia Ciências e Letras de Cuiabá (ICLC). A autora afirma que a proposta

visava promover uma universidade que se constituísse com um caráter dinâmico e integrado à

realidade, sendo que o interesse era de que os produtos dos trabalhos da UFMT fossem

devolvidos à comunidade local, seja na forma de conhecimentos ou de profissionais com

competência para atuar em conformidade com a realidade de Mato Grosso.

O Curso de Pedagogia da UFMT, campus de Cuiabá, tem uma história de quase três

décadas, constituído e construído nas relações estabelecidas com o Sistema de ensino. Em seu

início o curso habilitava os pedagogos para trabalharem nas Séries Iniciais do Ensino

Fundamental e Curso de Magistério de 2º Grau.

No ano de 1988 o curso passou por uma reformulação parcial, devido ao processo de

extinção dos cursos de Magistério, tornando-se um curso voltado para a habilitação para o

Magistério das Matérias de 2º Grau e, simultaneamente, para o Magistério das Séries Iniciais.

Em 2004, o curso de Pedagogia passou pela terceira reformulação justificada pelas

necessidades originadas dentro do curso e, também, devido às mudanças educacionais

ocorridas no país. A instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN – pela

70

Resolução CNE/CP 01/2006, junto com a LDB de 1996, podem ser consideradas fator

decisivo na elaboração da nova proposta.

Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais, o curso de Pedagogia tem o objetivo de

promover:

[...] formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (BRASIL, 2006, apud UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO 2006, p. 16).

A Lei 11.274, de 06 de fevereiro de 2006 que trata sobre a criação do Ensino

Fundamental de 09 anos, resultado da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

também favoreceu essa nova reformulação promulgada em 20 de dezembro de 1996, como

também o Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº 10.172, de 2001.

Essas mudanças estão ligadas com a tendência mundial e latino-americana de

escolarização obrigatória a partir de seis anos, fato que ocasionou a necessidade da revisão do

curso, em especial no referencial curricular.

A recepção da Lei que versa sobre a implantação do Ensino Fundamental de 9 anos é indicadora para a construção desse Projeto Político-Pedagógico, que, mesmo tendo conhecimento das possíveis e urgentes transformações que vêm sendo formuladas pelo MEC, com implicações, inclusive, em revisão e/ou reconstrução de Projetos Político-Pedagógicos já em ação, o presente traz também em seu bojo, em especial na estrutura curricular, a latente necessidade de possibilitarem-se articulações entre os anos ou ciclos da composição do Ensino Fundamental, visando a uma melhor condução do trabalho pedagógico, para a consecução da articulação das aquisições de conhecimentos e aprendizagens (PPP do curso de Pedagogia, UFMT, 2006, p. 17).

Desta forma, a proposta pedagógica atual do curso de Pedagogia da UFMT parece

estar contemplando as recomendações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Infantil (2004, MEC, Parecer, 06/2005), nas quais há a indicação de elementos considerados

importantes para uma revisão, a fim de que a proposta pedagógica procure contemplar a nova

estrutura do Ensino Fundamental, que incorporará crianças de seis anos, antes pertencentes à

Educação Infantil. Assim, a nova proposta pedagógica possibilita ao acadêmico estudar os

mecanismos e propostas didáticas que permitam conhecer recursos que possam suavizar o

processo de ruptura que ocorre entre Educação Infantil e o Ensino Fundamental.

Segundo o Projeto Político Pedagógico-PPP (UFMT, 2006), o convênio 035/94 entre a

UFMT e Agências Contratantes tinha como principal objetivo a melhoria do trabalho

71

pedagógico nas séries iniciais, através da qualificação em nível superior de profissionais que

atuassem nas redes de ensino municipais, estaduais nos municípios de Cuiabá, Várzea Grande

e Santo Antônio do Leverger, num prazo de 10 anos, a contar de 1995.

Atualmente, o PPP propõe promover a formação inicial para o exercício da docência

não apenas nos anos iniciais do Ensino Fundamental, mas também na Educação Infantil e

“Projetos Integradores de Prática Docente” objetivando articular conhecimentos adquiridos

com a prática no contexto educacional. Desta forma, propõe viabilizar:

[...] a elaboração e o desenvolvimento de projetos voltados para as atividades educacionais de investigação, de problematização, de análise e reflexão teórica a partir das realidades vivenciadas; realizar observação, pesquisas, registro e análise de situações contextualizadas, de ensino em sala de aula e de processos de gestão educacional, em ambiente escolar e não-escolar; possibilitar ao aluno, por meio de pesquisas e estudos, a aproximação com realidades mais próximas da profissão; bem como facultar melhor desempenho nos estágios curriculares supervisionados. (PPP do curso de Pedagogia, UFMT, 2006, p. 33).

O curso de Pedagogia da UFMT apresenta-se em regime anual, seriado e modular e a

articulação de conhecimentos adquiridos torna-se possível por meio do Estágio

Supervisionado, compreendido no PPP com a finalidade de desenvolver habilidades,

competências e a permanente articulação com a realidade educacional.

3.2 Plano de coleta e processamento dos dados

A Teoria das Representações Sociais não privilegia nenhum método de pesquisa em

especial, afirma Robert Farr (1993, apud Sá, 1998), pois ela não se vincula obrigatoriamente a

nenhum método, mas faz opções preferenciais por diferentes métodos, de acordo com os

objetivos da pesquisa. Inicialmente busca-se apresentar o plano e a técnica de coleta de dados,

assim como a caracterização dos sujeitos pesquisados a fim de traçar um perfil geral dos

participantes, obtido por meio de questionário sóciodemográfico. Posteriormente, serão

apresentados os processamentos e a discussão dos dados para o termo indutor apresentado. Ao

final do capítulo, serão apresentadas algumas considerações acerca dos resultados

provenientes do entrelaçamento das análises empreendidas.

O plano e a técnica de coleta de dados foram organizados da seguinte forma, conforme

demonstra o quadro 1:

72

Quadro 1: Plano de coleta e técnica de análise dos dados

Coleta Objetivo Etapas da

análise

Técnicas de análise

Ferramentas de processamento

Objetivo

Questionário Coletar dados sócio demográficos

1 Análise por frequência simples e cálculo de percentagem

_____________ Verificar o perfil dos licenciandos, em relação ao trabalho, estudo e preferência de atuação profissional.

Associação Livre

de Palavras

Coletar elementos constitutivos do conteúdo e da estrutura de representações.

1 Análise dos elementos estruturais

EVOC Conhecer o conteúdo e a hipótese da estrutura das representações.

2 Análise de Conteúdo

______________ Categorizar os atributos evocados buscando identificar eixos interpretativos o conteúdo das representações.

3 Análise Hierárquica Coesitiva

CHIC Identificar as relações implicativas entre os vocábulos.

Para o ano de 2011 o curso de pedagogia possuía 334 licenciandos matriculados

regularmente em regime presencial compreendidos entre o período matutino e vespertino.

A metodologia obedece aos limites apresentados pelo objeto de estudo e pela base

teórica que irá guiar a compreensão dos dados. Para tanto, a técnica de coleta utilizada foi a

associação livre de palavras, seguida de hierarquização e semantização da palavra

considerada mais importante. Para o processamento dos dados foram utilizados os softwares

Ensemble de Programmes Permetettant l’Analyse (EVOC) e Classification Hiérarchique

Implicative et Cohésitiv (CHIC).

O plano de coleta e análise de dados se caracteriza pela consulta a 116 licenciandos de

Pedagogia compreendidos entre o 1° e 4° ano. Os mesmos responderam a técnica de

Associação de Palavras para o termo indutor aluno bagunceiro, seguida de hierarquização e

semantização da palavra mais importante (documento anexo). A amostra se definiu pela livre

adesão dos acadêmicos ao estudo.

73

3.2.1 Coleta de dados: associação de palavras

A Técnica da Associação de Palavras foi criada por Jung (1986) com o propósito de

diagnosticar a estrutura de personalidade do sujeito, mas vem sendo utilizada por

pesquisadores em Representações Sociais, segundo Abric (1994, apud OLIVEIRA, 2005),

com o objetivo de acessar o universo semântico do objeto estudado a partir do estímulo

indutor. A aplicação da técnica em pesquisas, segundo Oliveira et al (2005), foi motivada por

duas razoes: a primeira por projetar de modo espontâneo as projeções mentais; a segunda por

obter de maneira rápida o conteúdo semântico.

Segundo Oliveira et al (2005) a técnica de Associação de Palavras consiste em, a

partir de um termo indutor, pedir ao indivíduo que produza todas as palavras que possa

imaginar e depois faça a hierarquização dos termos produzidos. Segundo os autores, a técnica

permite a atualização de elementos implícitos ou latentes que podem ser mascarados nas

produções discursivas.

De Rosa (1988 apud OLIVEIRA et al, 2005) afirma que a Associação de Palavras

faz:

[...] aparecer as dimensões latentes que estruturam o universo semântico, específico das representações estudadas (...) as associações livres permitem o acesso aos núcleos figurativos da representação (...) Elas são capazes de sondar os núcleos estruturais latentes das representações, enquanto as técnicas mais estruturadas, como o questionário, permitiriam captar as dimensões mais periféricas das representações sociais (DE ROSA, 1988, apud OLIVEIRA et al, 2005, p. 31-32).

Assim, a Associação de Palavras pode apreender a percepção da realidade de um

grupo e alcançar o objetivo de estudar os estereótipos sociais partilhados e visualizar também

a dimensão estruturante do universo semântico da representação social.

Neste estudo, a técnica mencionada foi aplicada de forma coletiva, sendo

primeiramente usado um exemplo para familiarização dos sujeitos. A coleta iniciou com o

termo aluno bagunceiro e os sujeitos foram orientados a escrever de maneira sequencial as

cinco palavras que prontamente vinham às suas mentes. Logo após, foi solicitado que

organizassem as palavras por ordem de importância, e em seguida que construíssem uma frase

com a palavra considerada mais importante.

A proposta de Abric (2003 apud, OLIVEIRA et al, 2005) sobre a hierarquização foi

considerada, tendo em vista que o autor sinaliza que as coisas essenciais aparecem após um

período de estabelecimento de confiança ou de redução de mecanismos de defesa.

74

As frases foram utilizadas como auxílio na padronização dos vocábulos para o

processamento dos dados no EVOC e na análise de conteúdo.

3.2.2 Tratamento dos dados – EVOC

Os dados coletados por meio da Associação de Palavras foram submetidos a

processamento no software Ensemble de Programmes Permettant l’Analyse des Evocations

(EVOC) versão 2003, criado por Vergès e colaboradores.

Este recurso segundo Oliveira et al (2005), representa um auxílio na organização dos dados e

na identificação de discrepâncias derivadas da polissemia do material coletado e na

realização dos cálculos das médias – simples e ponderadas – para a construção do quadro de

quatro casas. Os autores anunciam que, a partir da dicionarização de palavras, “o software

calcula e informa a frequência simples de ocorrência de cada palavra evocada e a média das

ordens médias ponderadas do conjunto dos termos evocados” (OLIVEIRA et al, 2005, p.

581). Ao padronizar as palavras, ocorre uma homogeneização do conteúdo e assim, palavras

diferentes com significados muito próximos ficam padronizadas sob a mesma designação.

Desta forma, segundo Oliveira et al (2005), é possível garantir que fique contemplado o

sentido final expresso e ao mesmo tempo, que sejam processadas pelo software como

sinônimas.

De posse dessas informações deve ser definido um ponto de corte para a frequência

mínima a ser considerada. Para tanto, pode-se utilizar a Lei de Zipf, que:

[...] permite identificar três zonas de frequências: aquela onde as palavras são muito pouco numerosas para uma mesma frequência; aquela onde as palavras são pouco numerosas para uma mesma frequência; e a zona onde o número de palavras é muito importante para uma mesma frequência. Essa partição permitirá a escolha dos diferentes pontos de corte utilizados (VERGÈS 1999, apud OLIVEIRA et al 2005, p. 581).

Outra possibilidade de ponto de corte é utilizada pelas pesquisadoras do Centro

Internacional de Estudos em Representações Sociais e Subjetividade – CIERS-ed, na qual o

relatório fornecido pelo rangmot é utilizado como base para formar a ilustração dos elementos

estruturais fornecido pelo tabrgraf, sendo possível construir o quadro de quatro casas. Neste

75

estudo optou-se pelo mesmo procedimento utilizado pelas pesquisadoras do CIERS-ed, para

definir o ponto de corte (Anexo B).

Do ponto de corte então o pesquisador comporá as informações para a construção do

chamado “quadro de quatro casas”, por meio do qual, segundo Oliveira et al (2005), se

discriminam o núcleo central, os elementos intermediários (ou 1ª periferia e elementos de

contraste) e os elementos periféricos da representação (ou 2ª periferia). Após a distribuição

dos termos nos quadrantes, compara-se a frequência e o valor médio da ordem de evocação de

cada termo, com os valores de corte dos quadrantes e então se procede a sua interpretação.

A leitura do quadro de quatro casas é feita conforme a ilustração 2:

Ilustração 2- Quadro de quatro casas

< que >que

Elementos do Núcleo Central

Frequência média

Elementos da 1ª Periferia

>que

das palavras evocadas

Elementos de Contraste

<que

Elementos Periféricos da 2ª Periferia

Para a análise da representação, cada quadrante, segundo Abric (1993, apud

OLIVEIRA et al, 2005), traz uma informação essencial. Assim as palavras que se situam no

quadrante superior esquerdo são os elementos do núcleo central e corresponde àquele que

agrupa os elementos mais frequentes e mais importantes. O autor afirma que “nem tudo o que

se encontra nessa casa é central, mas o núcleo central está nessa casa” (ABRIC, 2003, p. 64,

apud OLIVEIRA et al, 2005, p. 582). Os elementos periféricos mais importantes são

encontrados na 1ª Periferia. Os elementos com baixa frequência, mas considerados

importantes para o sujeito e que podem reforçar as noções presentes na 1ª Periferia ou revelar

um subgrupo minoritário portador de uma representação diferente, estão na Zona de

Contraste. Os elementos menos frequentes e menos importantes estão na 2ª Periferia.

Distribuídos os termos evocados no quadrante torna-se possível a análise do conteúdo

e da estrutura da representação. Assim, segundo Oliveira et al (2005) pode-se descrever a

organização do seu conteúdo: seu provável núcleo central e elementos periféricos.

O processamento do EVOC é efetuado em três formas de análises, a primeira

considera a população pesquisada, o que permite organizar o quadro de elementos estruturais,

76

essa etapa é considerada geral para as demais. A segunda possibilita agrupar as evocações em

categorias. A terceira favorece perceber as palavras que são características específicas ou não

de subgrupos presentes nos dados.

Vale ressaltar que este estudo leva em consideração a Ordem Média das Evocações

(OME) e a Ordem Média de Importância (OMI). Tal procedimento foi adotado com o

propósito de observar o impacto da organização dos atributos, segundo os critérios de OME e

OMI, para o estudo da estrutura das representações sociais.

3.2.3 Tratamento dos dados – CHIC

Esta metodologia consiste em uma organização e análise de dados segundo seu

agrupamento e intersecção que se desenvolve por meio do software CHIC – Classificação

Hierárquica, Implicativa e Coesitiva (ALMOULOUD, 1997, apud PRADO, 2002).

Segundo Almeida (2004), o software CHIC pode ser utilizado, para:

[...] identificar e visualizar semelhanças (dessemelhanças) e classes ou categorias de informações mapeadas em níveis de uma árvore hierárquica. (...) No mapeamento traçado pelo CHIC, o pesquisador desenvolve suas interpretações e significações construídas a partir de oposições ou aproximações, semelhanças, proximidades ou afastamentos, contradições ou repetições que pela sua trajetória ou estrutura revelam as concepções profundas, mais autênticas dos indivíduos (ALMEIDA, 2004, p. 178).

Este software tem por funções essenciais extrair de um conjunto de dados, cruzando

sujeitos e variáveis (ou atributos), regras de associação entre variáveis, fornecer um índice de

qualidade de associação e de representar uma estruturação das variáveis obtida por meio

destas regras. Desta forma, optou-se pelo seu uso por suas funções essenciais de cruzar

sujeitos a partir de um conjunto de dados.

Couturier, Bodin e Gras (2003) esclarecem que esse programa computacional

possibilita a realização de três tratamentos distintos:

Similaridade: efetua a análise das proximidades segundo I. C. LERMAN, e produz uma janela de resultados numéricos (índices, ...) e uma janela apresentando a árvore hierárquica de similaridades. Grafo implicativo: efetua os cálculos dos índices de implicação no sentido da análise implicativa, clássica ou entrópica, segundo a opção escolhida, em seguida apresenta uma janela de resultados numéricos (ocorrências, desvio-padrão, coeficientes de

77

correlação) e, em cima, uma janela apresentando um grafo. Os resultados numéricos aparecerão igualmente com os outros tratamentos. Árvore coesiva: efetua os cálculos dos índices de coesão implicativa no sentido da análise implicativa, depois apresenta uma janela de resultados numéricos e uma janela apresentando uma árvore ascendente segundo o índice decrescente das coesões (COUTURIER; BODIN; GRAS, 2003, p.8).

Assim, por meio do uso do programa computacional CHIC realizou-se, com os dados

referentes às evocações presentes nos quadrantes do EVOC, para a expressão indutora aluno

bagunceiro, uma análise implicativa clássica com base na Lei Binomial.

No processamento dos dados obteve-se um grafo implicativo que reproduz

graficamente uma rede de possíveis relações causais para a expressão indutora aluno

bagunceiro, por meio de setas que indicam, por exemplo, que quando se observa em um

determinado sujeito certa evocação “X”, em geral, observa-se a presença de uma evocação

“Y”. Neste estudo o índice implicativo considerado ficou entre 89% e 75%.

78

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

4.1 Perfil Sociodemográfico

Com o objetivo de conhecer mais especificamente o perfil da amostra, foi aplicado um

questionário sociodemográfico que auxiliou na análise dos dados obtidos.

Do universo de 334 alunos matriculados em 2011 no curso de Pedagogia da UFMT,

116 sujeitos representam 34, 73% daqueles que contribuíram com o estudo. A tabela a seguir

apresenta informações quanto à faixa etária mais frequente no grupo.

Tabela 1- Distribuição por faixa etária

Idade Nº de alunos %

17 a 22 31 26,72

23 a 28 27 23,28

29 a 34 27 23,28

35 a 40 18 15,52

Acima de 40 13 11,20

Total 116 100

Observa-se na tabela 2 que 26,72% dos participantes são compostos por uma

população jovem que está na faixa etária compreendida dos 17 aos 22 anos. Esses dados

quando comparados aos últimos estudos realizados no Grupo de Pesquisa em Psicologia da

Infância, observa-se que esta faixa etária de população jovem permanece estável entre os

licenciandos de Pedagogia.

Tabela 2- Distribuição por sexo na amostra

Sexo N° de alunos %

Masculino 06 5,18

Feminino 110 94,82

Total 116 100

79

No que se refere ao sexo dos estudantes, há a predominância de estudantes do sexo

feminino, sendo 94,82% o correspondente ao total da amostra.

Tabela 3- Distribuição por estado civil

Estado Civil Nº de alunos %

Solteiro 58 50,43

Casado 41 35,65

Divorciado 06 5,22

Outros 10 8,70

Não respondeu 01 0,87

Total 115 100

Do 1º ao 4º ano, os sujeitos solteiros representam 50,43% do total, seguido de 35,35%

de sujeitos casados. Ao constatar que os participantes são em sua maioria constituídos de um

público feminino, solteiro, seguido de uma considerável porcentagem de estudantes casados e

estável quanto à faixa etária, pode-se inferir que as mulheres estão, cada vez mais, buscando

qualificação profissional e provocando mudanças importantes no quadro da demanda pelo

ensino superior, bem como por melhores oportunidades no mercado de trabalho, uma vez que,

segundo Sanches anuncia em seu artigo intitulado As mulheres no mercado de trabalho

brasileiro: desigualdade e mudança na Revista EM do Observatório Social (SANCHES, 2004,

p. 51), que as mulheres ganham menos e perdem o trabalho mais facilmente, mas veem a

melhoria da escolaridade como contrapartida de rendimentos mais elevados.

Tabela 4- Distribuição por trabalho em escola pública ou privada

Trabalho Nº de alunos %

Escola Pública 25 21,74

Escola Privada 18 15,65

Não trabalha 40 34,78

Outro Trabalho 32 27,83

Não respondeu 01 0,87

Total 115 100

Ao observar os dados em que se apresenta, nota-se que a maioria dos sujeitos

encontra-se atuante no mercado de trabalho, seja nas Escolas Públicas ou Privadas, seguido de

sujeitos que exercem outro trabalho. Pode-se ponderar, resgatando dados anteriormente

80

apresentados, que a maioria está na faixa etária dos 17 aos 22 anos e que a população é em

sua maioria solteira. É possível considerar que o curso de pedagogia da UFMT é composto

por alunos que imediatamente à conclusão do 2º Grau ingressaram na Universidade. Dos

sujeitos da pesquisa, é preponderante também a porcentagem de graduandos que exercem

outro trabalho, ou seja, uma atividade diferente da sua formação acadêmica. Dentre os que

exercem a profissão de educador, os dados indicam que a maioria deles estão em escolas

públicas na capital.

Tabela 5- Distribuição quanto ao trabalho ou estágio no ensino fundamental I

Trabalho Nº de alunos % Trabalha 09 8,57 Tempo Nº de alunos %

Há menos de 01 ano

05 55,56

Há mais de 02 anos

----- ------

Há mais de 05 anos

01 11,11

Há mais de 10 anos

03 33,33

Não responderam 04 44,44 Total 09 100

Estagia 14 13,33 N° de alunos %

Sim 14 13,33 Não 91 86,67

Não responderam 11 10,48 Total 105 100

Não trabalha 58 55,24 Nunca teve a experiência

24 22,86

Não responderam

11 10,48

Total 105 100

Observa-se por meio dos dados obtidos que, entre estágio e trabalho, há

predominância de alunos em estágio, sendo que estes representam 12,85% dos licenciandos.

Como dado também predominante, observa-se que 50% do total da amostra não são atuantes

no mercado de trabalho. É possível compreender essa afirmação considerando o que

anteriormente foi apresentado, pois o curso de Pedagogia é composto por licenciandos que

ingressaram na Universidade logo após o término do 2º Grau. Daqueles que trabalham na

educação, há a predominância de 38,46% de licenciandos que atuam há menos de 01 ano.

Desta forma, é possível inferir que, mesmo havendo porcentagens consideráveis de

licenciandos que não trabalham (50%) e que nunca tiveram essa experiência (20,69%), parece

81

estar sendo sinalizada uma busca pela formação acadêmica logo que a experiência de trabalho

na educação é iniciada, assim como pela experiência de estágio, tendo em vista esta

predominância nos dados.

Tabela 6- Distribuição quanto à idade das crianças no trabalho ou no estágio

Quanto à faixa etária em que atuam os licenciandos, observa-se que as apresentadas

(07 aos 10 anos) correspondem aos alunos do Ensino Fundamental I (1ª a 4ª série). Verifica-se

no quadro que há predominância de atuação em outras idades tanto no trabalho (34,62%)

quanto no estágio (57,69). Entretanto, é possível inferir que em ambas as situações de atuação

parece haver certa inclinação dos licenciandos em atuar com faixas etárias mais elevadas.

Contudo, percebe-se que enquanto no estágio há predominância de atuação com faixas etária

maiores (57,69), na prática profissional percebe-se maior abertura às experiências com faixas

etárias menores (7 a 10 anos = 65,38%).

Tabela 7- Distribuição quanto ao interesse em exercer a profissão e qual modalidade

Pretende exercer a profissão

Nº de Alunos % Qual modalidade Nº de Alunos

%

Sim 29 74,36 Educação Infantil Ensino Fundamental Educação Especial EJA Ensino Superior Não decidiu Não responderam

13 11 01 02 01 01 87

44,82 37,93 3,45 6,90 3,45 3,45 87

Não 10 25,64 --- --- --- Não responderam 77 77 --- --- ---

Total 39 100 --- 29 100

No Trabalho

Idade das crianças Nº de Alunos

%

07 anos 04 15,38

08 anos 04 15,39

09 anos 05 19,23

10 anos 04 15,38

Outras 09 34,62

Não responderam 90 77,59

Total 26 100

No estágio

Idade das crianças Nº de Alunos

%

07 anos 06 23,08

08 anos 02 7,69

09 anos 01 3,85

10 anos 02 7,69

Outras 15 57,69

Não responderam 90 77,59

Total 26 100

82

Na amostra dos licenciandos que responderam a essa questão (39 alunos), 74,36%

apresentam interesse em exercer a profissão, sendo que 44,82% dos alunos que contribuíram

com o estudo pretendem atuar na Educação Infantil. Entretanto, esses dados sinalizam uma

contradição entre o interesse e a prática, pois se verifica na tabela 7, em que se analisa a

distribuição da idade das crianças no trabalho ou no estágio, que os licenciandos são mais

atuantes na faixa etária superior a essa modalidade de ensino. Contudo, percebe-se a

existência de certo equilíbrio entre a modalidade de Educação Infantil e o Ensino

Fundamental naqueles que já atuam profissionalmente. Esta contradição pode estar

relacionada à vivência acadêmica, uma vez que as experiências no campo da educação ainda

não estão muito claras e a predominância de licenciandos que estagiam e não trabalham é

maior, considerando os dados da tabela 6 e os que não responderam a questão.

No estudo não foi possível realizar o cruzamento dos dados por ano devido ao

momento de final de ano. Período em que os licenciandos do 4 ͦ ano já não estavam mais em

de sala de aula. Pois, de acordo com a dinâmica do curso de Pedagogia da UFMT, o período

de aulas já havia sido encerrado e eles reuniam-se apenas para supervisão de estágio. Sendo

assim, foi realizado contato por telefone e e-mail para agendamento de um encontro para a

realização da coleta de dados. Desta forma, houve restrição no número de licenciandos que se

disponibilizaram para este fim.

4.2 Análise de saturação

O universo do estudo compreende os 334 licenciandos de Pedagogia da Universidade

Federal de Mato Grosso, campus Cuiabá, sendo a amostra composta por 116 alunos dos

quatro anos da graduação, o que corresponde a 34,73% do universo.

Para maior fidedignidade dos dados, tendo em vista a porcentagem da amostra, foi

realizado um fechamento amostral por saturação. O procedimento proposto, segundo De

Musis (2009), avalia a saturação do padrão de respostas a uma questão aberta, baseada em

evocações livres e infere sobre a suficiência do volume de dados coletados para a população

em estudo. Assim:

[...] A saturação pode ser qualitativamente definida como o tamanho de amostra em que a inclusão de novos participantes apresenta uma redundância tal que, conforme

83

critério definido pelo pesquisador, pouco acrescenta ao material já obtido (DE MUSIS; CARVALHO; NIENOW, 2009, p. 506).

Sendo assim, o objetivo da análise proposta pelos autores foi confirmar se as

informações obtidas atingiram o ponto de saturação. Para isso, segundo De Musis, Carvalho e

Nienow (2009), é utilizado o método Monte Carlo, pois este auxilia na solução de problemas

por aproximações probabilísticas por meio do uso de variáveis aleatórias, uma vez que o

modelo é estatístico e estima o grau de saturação das informações obtidas. Segundo os autores

diversas áreas do conhecimento utilizam esse modelo aplicado à avaliação de saturação por

oferecer um cálculo de intervalo confiável.

Gráfico 1- Fechamento amostral por saturação

Alta variabilidade discursiva Início da curva de saturação Configuração de um patamar

A análise gráfica da curva de saturação sinaliza que esta iniciou com cerca de 27

indivíduos (seta vermelha), ponto que corresponde a alta variabilidade discursiva no corpus

obtido. A partir deste ponto, começou a configurar um patamar com 101 indivíduos (seta

verde), ponto de início de saturação. Desta forma, conclui-se que a amostra utilizada é maior

que o ponto de saturação e pode-se inferir na suficiência da mesma para a análise das

evocações livres.

84

4.3 Análise da centralidade

O corpus do termo indutor aluno bagunceiro apresentou um total de 568 atributos,

dos quais 291 palavras foram diferentes. As frequências mínima e média foram de 8 e 14

respectivamente com ordem média de evocação e de importância. Houve um aproveitamento

de 75% do corpus total.

4.3.1 Do tipo prototípica (OME)

As evocações foram processadas e organizadas segundo o critério de Ordem Média de

Evocação (OME) em que se verifica a possibilidade de avaliar a configuração dos elementos

estruturais. A Ordem média obtida, na evocação espontânea (OME) foi 03 e a frequência

média, aproximadamente 14.

As ilustrações abaixo apresentam de forma esquemática os atributos que compõem a

representação social do aluno bagunceiro. No processamento dos dados foi possível desenhar

os seguintes quadros:

Ilustração 3- Elementos estruturais relativos ao termo indutor aluno bagunceiro por

evocações

OME <<<< 3,0 OME ≤3,0 F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA

≥ 14

Atributos F OME Atributos F OME

Indisciplina Desordem Danado Paciência Inquieto Bagunça

38 19 17 17 15 15

2,474 2,632 2,235 2,529 2,133 2,667

Ativo Trabalho Carente Disciplina Inteligente Esperto

29 25 20 17 14 14

3,138 3,200 3,150 3,294 3,286 3,857

< 14

ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA Atributos F OME Atributos F OME

Problema Família Educação Hiperativo Rebeldia Barulho Briga Atenção

13 12 10 9 9 9 9 9

2,923 2,583 2,200 1,889 2,000 2,222 2,333 2,889

Ajuda Cansaço Desinteresse Raiva Comportamento Carinho Incômodo Limite Conversa Controle

13 13 12 11 11 10 10 9 9 8

3,538 3,615 3,167 3,091 3,636 3,700 3,800 3,000 3,222 4,250

85

As evocações permitiram conhecer as imagens partilhadas entre os licenciandos de

Pedagogia da UFMT sobre o aluno bagunceiro e que propiciam visualizar as relações que

formam a rede de significados sobre essa representação.

Estes vocábulos no núcleo central remetem ao que mais prontamente e frequentemente

foi anunciado pelo sujeito. Segundo Abric (1994, apud SÁ, 2002), formam os elementos

constitutivos do conteúdo da representação. No presente estudo, estas foram as palavras

evocadas pelos licenciandos de Pedagogia da UFMT quando pensaram em aluno bagunceiro.

Assim, estas adquirem maior importância na análise ao considerar que autor sinaliza esses

elementos como aqueles que conferem significado a uma representação. Desta forma, torna-se

importante considerá-las e analisá-las.

É possível verificar no quadro que no núcleo central o vocábulo mais prontamente

evocado foi indisciplina. Assim, possivelmente, sugere-se que ao evocá-lo os futuros

professores podem ter sido remetidos a comportamentos considerados inadequados. Para

Aquino (1996), embora o fenômeno indisciplina seja um velho conhecido, sua relevância

teórica conta com poucas obras dedicadas à problemática, tendo em vista a sua difícil

abordagem. Entretanto, considerando que muitos professores têm testemunhado a questão

disciplinar como uma das questões fundamentais constatadas no trabalho escolar, a

indisciplina tem sido anunciada como a inimiga número um do educador atual.

4.3.2 Do tipo hierárquica (OMI)

As evocações processadas e organizadas segundo o critério de Ordem Média de

Importância (OMI) estão dispostas da seguinte maneira no quadrante:

86

Ilustração 4- Elementos estruturais relativos ao termo indutor aluno bagunceiro, por hierarquização

A comparação entre os resultados obtidos com o processamento dos quadrantes tanto

pela OME, como pela OMI permite identificar que alguns vocábulos, ao serem processados

através da ordem de hierarquização, adquirem maior saliência se comparados com sua ordem

de evocação espontânea e, consequentemente, outros vocábulos perdem importância. Ao

analisar o núcleo central dos quadros, pode-se identificar por meio dessa comparação que os

vocábulos danado, paciência, inquieto e bagunça permaneceram no núcleo Central, mesmo

após a hierarquização, e os vocábulos indisciplina e desordem migraram para a primeira

periferia, perdendo destaque nesse processo.

Na primeira periferia os vocábulos indisciplina e desordem, anunciam aspectos

relacionados ao comportamento e ao que esse aluno causa no ambiente. Observou-se que os

vocábulos disciplina e inteligente permaneceram neste quadrante. Segundo Abric (2003 apud

OLIVEIRA et al, 2005) os elementos agrupados neste quadrante são os mais relevantes e com

maior possibilidade de ingressar no núcleo central. Assim, podem estar sugerindo estratégias

adotadas pelo futuro professor, bem como o reconhecimento, apesar do mal estar que esse

aluno causa, da sua potencialidade.

Na zona de contraste, ora é atribuído à escola o papel de educar, ora à família esse

papel, entendido como estruturante do sujeito. Conforme explica Abric (2003 apud

OLIVEIRA et al, 2005), os elementos deste quadrante são os de menor frequência, mas

OMI <<<< 3,0 OMI ≤3,0

F NÚCLEO CENTRAL PRIMEIRA PERIFERIA

≥ 14

Atributos F OMI Atributos F OMI Ativo Trabalho Carente Danado Inquieto Paciência Esperto Bagunça

29 26 20 17 15 14 14 14

2,586 2,808 2,700 2,941 2,800 2,286 2,643 2,857

Indisciplina Desordem Disciplina Inteligente

38 19 15 14

3,026 3,158 3,333 3,143

< 14

ZONA DE CONTRASTE SEGUNDA PERIFERIA Atributos F OMI Atributos F OMI Família Problema Desinteresse Educação Atenção Rebeldia Hiperativo Conversa

13 13 12 10 9 9 9 9

2,538 2,843 2,583 2,600 2,000 2,333 2,889 2,889

Ajuda Cansaço Comportamento Carinho Incômodo Raiva Barulho Limite Briga Controle

13 13 11 11 11 10 9 9 9 8

3,231 3,769 3,273 3,455 3,455 3,800 3,111 3,556 4,111 3,375

87

considerados relevantes para o sujeito e podem demarcar a existência de um subgrupo

portador de uma representação diferente.

Na segunda periferia percebe-se que o professor fala de si e da sua reação ao aluno

bagunceiro. Os vocábulos: ajuda, carinho, limite e controle apresentam-se inalterados nos

quadrantes, dado que revela certa coerência nessas representações. Para Abric (2003 apud

OLIVEIRA et al, 2005) este quadrante contem os atributos menos frequentes e menos

consensuais e que pode anunciar possivelmente elementos recentes da representação,

associados a um contexto mais imediato.

4.4 Análise de conteúdo temático da representação

A análise do conteúdo temática busca identificar o conteúdo semântico da

representação, sendo efetuada sobre o total de palavras produzidas a partir da expressão

indutora aluno bagunceiro.

Essa análise do universo semântico permitiu agrupar os vocábulos em quatro grandes

blocos de categorias, com suas respectivas sub-categorias. A primeira categoria agrupa as

palavras que nos remetem diretamente ao aluno bagunceiro, às suas características pessoais,

aos comportamentos anunciados e às hipóteses diagnósticas.

O segundo bloco reúne as palavras que remetem ao professor, suas estratégias junto

ao aluno bagunceiro, ao seu mal estar,

O terceiro bloco trata dos demais atores sociais envolvidos e associa-se ao quarto

bloco sobre o espaço, lócus onde se desenrolam as vivências atribuídas a esse aluno

considerado bagunceiro e seus interlocutores.

O resgate do sentido atribuído às palavras foi possível por meio da hierarquização das

mesmas e da construção da frase relativa ao vocábulo considerado mais importante da

representação do aluno bagunceiro, na ocasião da evocação livre.

As categorias e sub-categorias foram definidas considerando as definições que se

apresentam a seguir:

88

Quadro 2- Quadro de definição de categorias para a expressão indutora aluno bagunceiro

Categorias Sub-categorias Sub-categorias Definição Aluno

Esta categoria se constitui dos atributos diretamente associados ao aluno bagunceiro como características, possíveis causas, comportamento típico e modos de nomeação.

Características pessoais do aluno bagunceiro Sub-categoria cujos atributos evidenciam as características pessoais do aluno bagunceiro.

Aspectos associados à civilidade do aluno

Esta sub-categoria abriga atributos que se referem a aspectos considerados positivos pelos futuros professores que anunciam o aluno bagunceiro como um ser humano produtivo e criativo.

Características associadas à agitação

Esta sub-categoria mostra vocábulos que em seu conjunto falam do traço impulsivo do aluno bagunceiro.

Características associadas à indisciplina

Esta sub-categoria mostra vocábulos que em seu conjunto falam do traço indisciplinado do aluno bagunceiro.

Características associadas à falta de atenção

Esta sub-categoria mostra vocábulos que em seu conjunto falam do traço distraído do aluno bagunceiro.

Jargões Esta sub-categoria abriga vocábulos considerados uma forma rotinizada de nomear o aluno considerado bagunceiro.

Hipótese diagnóstica Sub-categoria cujos atributos evidenciam as possíveis causas do comportamento considerado inadequado do aluno bagunceiro.

Dimensão biológica Esta sub-categoria trata de hipóteses diagnósticas associadas a dimensão biológica como distúrbios, déficit entre outros.

Dimensão socioafetiva Esta sub-categoria trata de hipóteses diagnósticas associadas a dimensão socioafetiva como personalidade, qualidade das relações familiares, entre outros.

Dimensão pedagógica Esta sub-categoria trata de hipóteses diagnósticas associadas a dimensão pedagógica tais como questões metodológicas e relação professor-aluno, entre outros.

Dimensão evolutiva Esta sub-categoria trata de hipóteses diagnósticas associadas a dimensão evolutiva atribuída ao próprio desenrolar do desenvolvimento humano, tal como os estágios de desenvolvimento.

Comportamentos anunciados Sub-categoria cujos atributos tratam do comportamento do aluno bagunceiro em suas diversas dimensões

Aspectos do ambiente Esta sub-categoria anuncia o aspecto de desordem do ambiente relacionados com o aluno bagunceiro.

Comportamento indisciplinado

Esta sub-categoria abriga vocábulos que em seu conjunto, trata dos possíveis comportamentos agressivos e de inobservância as regras, apresentados pelo aluno bagunceiro.

Ludicidade Esta sub-categoria trata do aspecto lúdico e descontraído percebidos no comportamento do aluno considerado bagunceiro.

Dimensão intelectual Esta sub-categoria trata dos aspectos valorizados presentes na representação do aluno bagunceiro.

Agitação psicomotora Esta sub-categoria abriga os vocábulos relacionados ao aspecto do movimento corporal do aluno bagunceiro.

Professor A categoria aninha atributos associados ao

Mal estar do professor Nesta sub-categoria encontram-se atributos relativos ao impacto do

Dimensão emocional e afetiva

Sub-categoria que se refere a percepção que os acadêmicos possuem com relação ao desgaste emocional e afetivo que um professor sofre na relação com o aluno bagunceiro.

89

impacto do aluno bagunceiro nas condições biopsicossociais do professor bem como trata das estratégias eleitas pelo professor para lidar com o referido aluno

aluno bagunceiro nas condições biopsicossociais do professor envolvendo as dimensões emocional/afetiva, física e a significação do trabalho.

Dimensão física

Sub-categoria que se refere a percepção que os acadêmicos possuem com relação ao desgaste físico que um professor sofre na relação com o aluno bagunceiro.

Significação do trabalho

Nesta sub-categoria constam atributos que revelam as significações sobre o trabalho docente junto ao aluno bagunceiro.

Estratégias do professor Esta sub-categoria se caracteriza pelo rol de possíveis estratégias elencadas pelos acadêmicos para o manejo pedagógico junto ao aluno bagunceiro.

Estratégias afetivas Sub-categoria que revela as estratégias as afetivas de manejo junto ao aluno bagunceiro.

Dimensão disciplinar Sub-categoria que anuncia as possíveis estratégias disciplinares relacionadas a moralidade como possibilidade de manejo junto ao aluno bagunceiro.

Estratégias pedagógicas Esta sub-categoria trata das possíveis estratégias pedagógicas junto ao aluno bagunceiro anunciadas pelos futuros professores baseada no conhecimento.

Estratégias internas Esta sub-categoria trata de possíveis estratégias de enfrentamento relacionadas ao equilíbrio emocional do futuro professor diante dos comportamentos apresentados pelo aluno bagunceiro.

Dimensão de controle Esta sub-categoria abriga as ocupações e atribuições dadas ao aluno bagunceiro como estratégia de controle pelo futuro professor.

Demais atores envolvidos Esta sub-categoria abriga atributos que fazem referencia aos papeis sociais vinculados ao aluno bagunceiro, seja a partir do critério faixa-etária, geração e interlocutores no contexto familiar e escolar.

Papeis sociais associados à família

Sub-categoria que revela a família e os pais como principais atores sociais vinculados ao aluno bagunceiro.

Papeis sociais associados à escola

Sub-categoria que anuncia os atores vinculados à escola e ao aluno bagunceiro.

Papeis sociais associados ao gênero

Sub-categoria que anuncia o gênero mais citado e que representa o aluno bagunceiro.

Papeis sociais associados à faixa etária

Sub-categoria que abriga a faixa etária anunciada como mais característica do comportamento do aluno bagunceiro.

Espaço Esta sub-categoria faz referencia ao lócus onde se desenrolam as vivências atribuídas ao aluno bagunceiro.

Contexto escolar Esta sub-categoria anuncia o espaço escolar como prioritariamente o lócus das vivências do aluno bagunceiro.

90

O total de palavras evocadas para a expressão indutora aluno bagunceiro foi de 568,

sendo 291 diferentes (Apêndice A).

Inicialmente será realizada uma análise geral da distribuição das categorias, o que

permite visualizar os elementos gerais mais significativos para a expressão indutora aluno

bagunceiro.

Gráfico 2- Distribuição das categorias na representação do aluno bagunceiro

Conforme indica o gráfico 2, a representação do aluno bagunceiro encontra-se

prioritariamente associada ao aluno (58,60%), seguida do professor (36,31%) como ator

associado à expressão indutora, bem como dos demais atores sociais, seus papeis e

interlocutores envolvidos (4,39%), assim como do espaço (0,70%), onde se desenrolam as

vivências com o aluno considerado bagunceiro.

No que refere ao aluno, categoria de maior destaque na representação, pode-se

identificar as subcategorias relacionadas às características pessoais do aluno, hipóteses

diagnósticas, seguida de comportamentos anunciados pelo aluno bagunceiro, conforme indica

o gráfico 3:

91

Gráfico 3- Distribuição das subcategorias relacionadas ao aluno

No gráfico, a subcategoria Características pessoais do aluno bagunceiro corresponde a

maior porcentagem de evocações, 33,51% ao todo, sendo 11,93% correspondente a Hipótese

diagnóstica e 13,16% a comportamentos anunciados. Dado que reafirma a análise

empreendida anteriormente nos dados obtidos pelo processamento do software EVOC, em

que se verificou que os vocábulos que permaneceram no núcleo central, danado e inquieto

também atribuíram tais características. Esses dados remetem aos estudos de Luciano e

Andrade (2005), já citados, sobre representações de professores do ensino fundamental sobre

o aluno, em que os resultados de estudos como os de Castorina e Kaplan (1997), Penin

(1989), Mollo (1986), Bardelli (1986). Nos estudos dos autores, ser “bom aluno” está

relacionado a atributos pessoais tais como: “inteligente”, “quietinho”, “interessado”, “bem

comportado” e também aquele que tem bom suporte familiar. Ser “mau aluno”, os atributos

são os apostos ao “bom aluno”, tais como: “indisciplinado”, “desatento”, “rebelde”,

“desinteressado”, “inquieto” e que não tem suporte familiar. Assim como evidenciado nesta

análise.

No presente estudo, assim como no estudo citado, não se verifica a relação professor-

aluno considerada como um aspecto relevante no desempenho dos alunos. Esta perspectiva

parece silenciada nas evocações e na construção das frases dos futuros professores sobre o

aluno bagunceiro, o que parece sugerir uma zona muda. Pois, ao atribuir às características

pessoais do aluno seu comportamento inadequado, pode-se pensar no indicativo de um

esvaziamento da profissão do professor, uma vez que este se vê inapto a intervir neste

92

comportamento não aceito e que não atinge as expectativas de um “bom aluno”. Desta forma,

percebe-se a abertura para a lógica médica como uma suposta causa orgânica, vinculando o

que não está adequado as normas e expectativas do futuro professor ao adoecimento do aluno.

De maneira mais detalhada é apresentado o gráfico 4 em que se verifica as demais

subcategorias identificadas para as características pessoais do aluno considerado bagunceiro.

Gráfico 4- Distribuição das subcategorias relacionadas às características

pessoais

Conforme indica o gráfico, os aspectos relacionados à civilidade do aluno foram os

mais frequentes e os vocábulos mais anunciados foram inteligente (ƒ=12) e esperto (ƒ=11).

Por meio das frases obteve-se os seguintes significados:

Todo aluno inteligente é bagunceiro (Suj. 7 - 2º Ano Mat.) O Aluno bagunceiro conseguiu realizar a tarefa com muita inteligência (Suj. 1 - 3º Ano Mat.) O Guilherme é o aluno mais esperto da turma (Suj. 15 – 3º Ano Mat.) O aluno esperto chama atenção pelo seu destaque, sempre à frente, seja pela inteligência natural ou desejo em ser visto notado pela educadora (Suj. 1 - 3º Ano Vesp.) Aquele aluno bagunceiro é muito esperto, ele consegue se sair bem em qualquer situação (Suj. 6 - 1º Ano Mat.) Criança esperta, sempre faz tudo rápido (Suj. 6 - 2º Ano Vesp.)

93

As características pessoais mais significativas anunciadas nesta sub-categoria abriga

os atributos considerados positivos pelos futuros professores e anunciam o aluno bagunceiro

como um ser produtivo e criativo.

Para as características associadas à agitação os vocábulos inquieto (ƒ=13), energia

(ƒ=7), Ativo (ƒ=5), impaciente (ƒ=5), hiperativo (ƒ=4) e peralta (ƒ=4) foram os de maior

frequência. Nas frases os sentidos atribuídos foram:

O aluno bagunceiro é inquieto (Suj. 2 - 2º Ano Mat.) Energia acumulada ou excessiva é aquele considerado bagunceiro (Suj. 7 - 3º Ano Mat.) Ativo, vontade própria de estar interagindo ou até mesmo de chamar atenção (Suj. 8 - 3º Ano Vesp.)

As frases anunciam características associadas à impulsividade do aluno bagunceiro.

Na concepção dos acadêmicos, esse aluno possivelmente se sente incomodado com alguma

coisa, tem muita energia acumulada e talvez esses sejam os fatores associados ao seu

comportamento.

Quanto aos Aspectos relacionados à indisciplina os vocábulos rebeldia (ƒ=5), mal

educado (ƒ=4), indisciplinado (ƒ=3), sem limites (ƒ=3) e desregrado (ƒ=3) foram os mais

frequentes.

“O aluno rebelde não é submisso às autoridades” (Suj. 16 - 1º Ano Mat.)

Para os futuros professores o aluno bagunceiro parece estar associado a alguém que

parece fora de controle e que não se submete a regras, pessoas e autoridades.

Entre os jargões mais anunciados foi possível identificar carente, carentes, chato,

mimado e peste, todos com ƒ=2. Nas frases:

Crianças carentes de amor costumam se tornar revoltadas, transformando-se em alunos bagunceiros (Suj. 12 - 1º Ano Mat.). O aluno bagunceiro é muitas vezes carente de amor, e faz bagunça pra chamar atenção (Suj. 20 - 1º Ano Mat.). O aluno dá muito trabalho nas aulas (Suj. 3 - 2º Ano Mat., frase atribuída ao atributo peste).

No sentido atribuído aos vocábulos, o aluno bagunceiro é aquele que lhe falta carinho,

atenção e que exige maior atenção. Possivelmente, devido a isso, torna-se aquele que exige

mais trabalho do professor.

94

Quanto às características associadas à falta de atenção obteve-se os vocábulos

desatento e desinteresse, ambos com ƒ=4.

“O aluno bagunceiro não tem interesse na aula. Esse desinteresse vai prejudicá-lo no

futuro” (Suj. 19 - 1º Ano Mat.).

Desta forma apresentadas e identificadas as subcategorias, a representação dos sujeitos

da pesquisa parece estar indicando que o aluno bagunceiro, apesar de agitado, quando

relacionado aos aspectos da sua civilidade, apresenta-se com um aluno com potencial

intelectual, pois é considerado inteligente. Porém, apesar dos aspectos relacionados à

intelectualidade serem sinalizados como de maior prevalência, o que parece mais evidente são

as características associadas à negatividade na percepção dos futuros professores em relação

ao aluno bagunceiro, pois este parece estar sendo percebido como mal educado, carente e

desatento. Possivelmente fatores que influenciam no manejo da relação em sala de aula e nas

estratégias pedagógicas empreendidas pelo professor.

Para a subcategoria Comportamentos anunciados obteve-se a seguinte distribuição:

Gráfico 5- Distribuição das subcategorias relacionadas aos

comportamentos anunciados pelo aluno bagunceiro

Conforme indica o gráfico, na subcategoria Comportamentos anunciados os aspectos

do ambiente (6,67%) são os de maior destaque na representação dos acadêmicos. Nesta

subcategoria, dentre os vocábulos de maior frequência, estão bagunça (ƒ=9), desordem (ƒ=9),

barulho (ƒ=7) e conversa (ƒ=6). Por meio da construção das frases esses vocábulos foram

anunciados com os seguintes sentidos:

O aluno bagunceiro deixou a sala de aula uma bagunça (Suj. 11 - 3º Ano Mat.).

95

A bagunça transforma a sala barulhenta deixando-a não convidativa (Suj. 15 - 3º Ano Vesp.). Bagunça no sentido de barulho, criança agitada (Suj. 5 - 4º Ano Mat.). A indisciplina do aluno causa muita bagunça na sala de aula (Suj. 19 - 3º Ano Vesp.). A classe estava em desordem por causa da conduta do aluno que bagunçava (Suj. 2 - 3º Ano Mat.). O aluno bagunceiro, causa desordem no andamento de uma aula (Suj. 31 - 3º Ano Vesp.). O aluno bagunceiro causa muito barulho em sala de aula prejudicando o aprendizado dos demais alunos (Suj. 11 - 1º Ano Vesp.).

É possível observar nas frases que os comportamentos anunciados para o aluno

bagunceiro remetem a associação dos rituais de uma aula no contexto da sala de aula e que

não remetem a possibilidades, vislumbradas pelos futuros professores, de um ambiente

propício ao aprendizado, tendo em vista que parecem perceber apenas comportamentos que

mobilizam a desordem e que parecem perturbadores, pois o ambiente parece ser representado

como turbulento para esse ritual. Portanto, não adequado ao desenvolvimento de atividades

pedagógicas.

Quanto ao comportamento indisciplinados o vocábulo indisciplina (ƒ=12) foi o mais

evocado e com o sentido de:

É evidente a indisciplina nas escolas contemporâneas. Alunos bagunceiros são um sintoma de que alguma coisa vai mal na educação (Suj. 8 - 1º Ano Mat.). O aluno mostrou-se indisciplinado, portanto não obedecia as regras da escola (Suj. 7 - 2º Ano Vesp.). A indisciplina na sala de aula é bastante ligada a falta de disciplina em casa (Suj. 13 - 3º Ano Mat.). A indisciplina dos alunos bagunceiros, gera muita violência na escola (Suj. 22 - 3º Ano Vesp.). Os professores não suportam mais aqueles alunos bagunceiros e indisciplinados i (Suj. 23 - 3º Ano Vesp.). Por não se adaptar ao meio, Jorge foi convidado a se retirar da escola i (Suj. 30 - 3º Ano Vesp.).

No resgate do sentido atribuído ao vocábulo, o aluno é percebido como aquele que não

sabe quando parar de falar, não obedece, não tem respeito e nem consciência do termo, só faz

96

o que quer, não se adapta ao ambiente e não tem limites. Deste modo, o vocábulo indisciplina

está diretamente relacionado a não observância às regras estabelecidas na cultura escolar.

Quanto à ludicidade o vocábulo brincadeira (ƒ=3) foi o mais frequente.

Possivelmente, associado aos aspectos mais prazerosos e descontraídos relacionados ao modo

de se comportar do aluno bagunceiro. Não foi produzido frases a esse respeito.

Para as subcategorias Dimensão intelectual e Agitação psicomotora houve a ƒ=1

respectivamente para os vocábulos curiosidade, independência, inteligência, ousadia,

observador e aprendizagem. Da mesma forma para correria e pulação. Igualmente não foram

identificadas frases associadas a esses vocábulos o que revela que os mesmos não foram

hierarquizados como palavras mais importantes.

Percebe-se que os aspectos do ambiente relacionados ao aluno bagunceiro estão

diretamente relacionados à desordem e à indisciplina, pois evidenciam a inobservância às

regras. Conforme anuncia Belém (2008) em seus estudos, essa inobservância é visualizada

pelo meio, através da bagunça e da conversa. Fatores presentes também neste estudo e que

corroboram a análise da autora.

Para a subcategoria Hipótese diagnóstica foram identificadas as seguintes

subcategorias, conforme apresenta o gráfico:

Gráfico 6- Distribuição das subcategorias relacionadas a hipóteses

diagnósticas

A análise permite observar que a dimensão sócioafetiva prevalece em relação às

demais subcategorias, sendo anunciado o vocábulo rebeldia (ƒ=5) e falta de atenção (ƒ=4).

Nas frases obteve-se:

97

O aluno rebelde não é submisso às autoridades (Suj. 17 - 1º Ano Mat.). Devemos ter paciência com o aluno "X", porque ele faz essas bagunças somente para chamar nossa atenção, porque em casa ninguém dá importância para ele (Suj. 16 - 1º Ano Vesp). O adolescente rebelde (Suj. 26 - 3º Ano Vesp.). A falta de atenção desse aluno bagunceiro nada mais é do que falta de importância dada a ele (Suj. 9 - 3º Ano Mat.).

Possivelmente os vocábulos anunciados estão relacionados à personalidade e a

qualidade das relações familiares, pois no sentido atribuído foi possível compreender que na

representação dos futuros professores o aluno bagunceiro é percebido como sem limites, que

não se submete às regras e que pretende chamar a atenção para si devido aos relacionamentos

deficitários com a família e com os atores sociais envolvidos na escola.

Na sub-categoria hipótese diagnóstica o vocábulo hiperatividade e dificuldades são

anunciados como atributos que evidenciam as possíveis causas do comportamento

considerado inadequado. Obtiveram-se nas frases as seguintes significações:

Crianças que apresentam THDA são muitas vezes rotuladas como alunos bagunceiros pelos professores (Suj. 7 - 3º Ano Vesp.). Muitas vezes o professor rotula seus alunos com TDAH, em inúmeros casos, deve-se a falta de compromisso desses (Suj. 4 - 4º Ano Mat.). O aluno bagunceiro terá dificuldades de se concentrar, atrapalhando os outros (Suj. 9 - 2º Ano Mat.).

O vocábulo hiperatividade apresenta, inicialmente, a significação de um problema

apresentado pelo aluno e também como uma possível patologia. Porém, percebe-se que há um

questionamento dos licenciandos quanto ao seu fazer e o seu investimento pedagógico,

traduzido neste estudo em compromisso com esse aluno considerado bagunceiro.

Na dimensão pedagógica o vocábulo desorganização (ƒ=3) não foi apresentado como

mais importante na evocação, mas sugere acompanhado da frase construída e dos demais

vocábulos ƒ=1: falta de limite, monotonia, aula ruim, adaptação, professor largado, não

criativo, falta de organização e reação que: “Uma aula monótona causa desinteresse no

aluno” (Suj. 9 - 1º Ano Vesp.).

Observa-se que esta sub-categoria se refere a questões de ordem pedagógicas

silenciadas, mas que possivelmente estão sendo reconhecidas como pertinentes aos futuros

professores e que podem estar interferindo no comportamento do aluno considerado

bagunceiro em sala de aula.

98

Na dimensão biológica, fatores hereditários podem ter sido referenciados como

transmissores de comportamentos mais ativos. O vocábulo família aparece na Zona de

Contraste no processamento do EVOC revelando possíveis elementos que a caracterizam

como responsável pelo comportamento do aluno bagunceiro. Por meio da frase, foi atribuída

a seguinte significação: “Algo que vem de berço” (Suj.09 - 3º Ano Vespertino).

Na análise do significado atribuído ao vocábulo, a frase remete à família, mas,

sobretudo como uma questão de origem e de tendência familiar. Dado que sugere uma

compreensão do aluno bagunceiro marcada pelo inatismo e que, de certa forma, vai ao

encontro da patologização de crianças que apresentam comportamento mais ativo e se

manifestam de maneira inquieta. Tal significação permite considerar uma possível patologia

que necessita de cuidados que extrapolam as estratégias pedagógicas pertinentes ao espaço

escolar. Desta forma, a medicalização pode encontrar terreno fértil como forma de controle do

comportamento inadequado e perturbador.

Na dimensão evolutiva os vocábulos fase e natural, ambos de ƒ=1, são atribuídos ao

próprio desenrolar do desenvolvimento do aluno bagunceiro. Entretanto, parece haver

contradição entre estas dimensões, pois uma considera o comportamento do aluno bagunceiro

como uma fase natural de desenvolvimento, possivelmente passageira. A outra apresenta a

significação de um problema como patologia associada a questões de personalidade, portanto,

pessoais desse aluno.

Na categoria Professores as seguintes subcategorias foram identificadas:

Gráfico 7- Distribuição das subcategorias relacionadas ao professor

Conforme indica o gráfico, a subcategoria Estratégias adotadas pelos futuros

professores (27,20%) corresponde ao que de maior destaque foi dado pelos sujeitos como

99

forma de manejo direcionado ao aluno bagunceiro, juntamente com os aspectos relacionados

ao Mal estar do professor (9,11%) nessa relação.

Na subcategoria estratégias do professor foram identificadas as seguintes

subcategorias:

Gráfico 8- Distribuição das subcategorias referentes às estratégias do

professor

O gráfico 8 corresponde às subcategorias identificadas como possíveis estratégias de

manejo pedagógico elencadas pelos acadêmicos junto ao aluno bagunceiro. Dentre elas,

destacam-se as estratégias afetivas em que o vocábulo paciência (ƒ=14) sobressai dos demais

sinalizando certa semelhança com os vocábulos anunciados na subcategoria estratégias

internas, em que calma, tempo e equilíbrio são apontados como estratégias na relação com o

aluno bagunceiro. Obteve-se as seguintes frases para os vocábulos:

Nunca desistir de aluno algum, buscando com paciência, entender e conscientizar este aluno (Suj. 2 - 1º Ano Mat.). Haja paciência para lidar com aquele aluno bagunceiro (Suj. 9 - 1º Ano Mat.). Todo professor precisa ter paciência para ensinar, ajudar o aluno bagunceiro (Suj. 10 - 1º Ano Mat.). É necessária muita paciência por parte do educador para lidar com um aluno bagunceiro em sala de aula (Suj. 13 - 1º Ano Mat.). Devemos ter muita paciência com os alunos bagunceiros, se quisermos fazer a diferença na educação da pessoa humana (Suj. 21 - 1º Ano Mat.). O aluno novo que chegou ontem é um aluno bagunceiro, e para não perder a cabeça precisarei ter muita paciência (Suj. 2 - 1º Ano Vesp.).

100

Paciência para o professor deixou de ser uma virtude e sim necessidade (Suj. 4 - 3º Ano Mat.). Paciência faz com que tentemos vários métodos para alcançar o aluno bagunceiro (Suj. 6 - 4º Ano Mat.).

Observa-se que o vocábulo paciência pode estar relacionado à competência exigida do

professor para lidar com esse aluno. Na análise das frases verifica-se que o vocábulo é

valorizado no manejo com o aluno bagunceiro, o que possivelmente pode ser fator

mobilizador de sentimentos negativos em relação a esse aluno.

Da mesma forma, na subcategoria estratégia disciplinar, o vocábulo disciplina (ƒ=12)

foi anunciado em destaque dos demais. Porém, o vocábulo não foi eleito como o mais

importante na evocação de palavras, fato que justifica a ausência de frases a seu respeito, mas

possivelmente está relacionado às estratégias de controle do aluno bagunceiro em sala de

aula.

Na dimensão Estratégias pedagógicas foram construídas frases apenas com os

vocábulos diálogo (ƒ=4) e conhecimento (ƒ=1), eleitos como principais na hierarquização das

palavras. Assim:

O diálogo é a primeira e mais sensata forma de resolver um problema (Suj. 4 - 1º Ano Mat.). O educador precisa ter conhecimento para julgar e auxiliar seu aluno (Suj. 6 - 3º Ano Mat.).

Pode-se observar que os sentidos atribuídos aos vocábulos foram anunciados como

possíveis métodos de intervenção compreendidos por estratégias de solução, e fundamentais

para qualquer forma de julgamento ou de ação dirigida ao aluno bagunceiro. Deste modo,

mesmo que essas estratégias pedagógicas tenham sido sinalizadas de maneira bastante

discreta, é possível verificar que possivelmente os futuros professores se reconhecem como

partícipes nessa relação aluno e professor por meio da relação dialógica e do conhecimento

científico adquirido para lidar com as diversas dinâmicas em sala de aula. Este movimento

pareceu presente também na análise da subcategoria Hipótese diagnóstica, em que foi possível

identificar por meio de uma frase que há o questionamento referente ao papel do futuro

professor, e na sub-categoria Dimensão pedagógica, quando sentidos desta ordem foram

identificados como silenciados, mas reconhecidos como pertinentes ao futuro professor.

Na dimensão de controle o vocábulo de maior frequência foi estratégia (ƒ=3). Obteve-

se na frase:

101

“A estratégia para melhorar o aluno bagunceiro é fazê-lo participar” (Suj. 2 - 2º Ano

Vesp.).

O vocábulo apresentou-se pouco representativo na subcategoria, mas anuncia uma

forma de ação no enfrentamento da questão. Pode-se observar que as estratégias afetivas, as

estratégias disciplinares e as estratégias pedagógicas apresentam-se como possibilidades de

controle do aluno bagunceiro. O vocábulo paciência está presente no Núcleo Central tanto da

OME quanto da OMI quando processados no software EVOC, o que denota certa coerência e

estabilidade da representação quanto à forma de se pensar em formas possíveis de

enfrentamento.

Na análise da subcategoria, verificou-se que não ficou evidenciada nenhuma

intervenção inspirada em orientações científicas adotadas pelo futuro professor na relação

com o aluno bagunceiro. Os recursos anunciados com maior evidência foram os afetivos e os

disciplinares ancorados no espontaneísmo.

Nesta subcategoria Mal estar do professor foram identificadas as seguintes

subcategorias:

Gráfico 9- Distribuição da subcategoria mal estar do professor

Os atributos relativos a esta subcategoria dizem respeito ao impacto do aluno

bagunceiro nas condições biopsicossociais do professor envolvendo a dimensão emocional e

afetiva, bem como a dimensão física.

Na subcategoria dimensão emocional e afetiva pode ser identificado por meio dos

vocábulos anunciados pelos futuros professores, o desgaste emocional que sofre um professor

na relação com o aluno bagunceiro. Raiva (ƒ=8), irritação (ƒ=3), ódio (ƒ=2) e sofrimento

102

(ƒ=2) foram os vocábulos mais anunciados e expressam o quanto os professores se sentem

afetados por esse perfil de aluno..

Na dimensão subjetiva os vocábulos problema (ƒ=6) e incômodo (ƒ=2) foram

anunciados como:

O aluno bagunceiro ao adentrar o ambiente escolar promove e incita o problema para os colegas e professores (Suj. 5 - 2º Ano Mat.). O aluno bagunceiro acaba sendo um problema para o desenvolvimento das aulas, e revela que há problemas maiores (Suj. 11 - 2º Ano Mat.).

O sentido atribuído aos vocábulos foi o de que o aluno bagunceiro apresenta problemas para

o professor e que este, muitas vezes, não sabe como lidar. Possivelmente os “problemas

maiores” anunciados na segunda frase dizem respeito a essa dificuldade de manejo, revelada

no momento em que o futuro professor se percebe sem elementos técnicos orientadores.

A dimensão física contempla os vocábulos cansaço (ƒ=3), stress (ƒ=2), dor de cabeça

(ƒ=1) e exaustão (ƒ=1) referentes à percepção que os acadêmicos possuem em relação ao

desgaste físico que um professor sofre na relação com o aluno bagunceiro.

Dentre os vocábulos anunciados, percebe-se que a representação possivelmente está

associada a sofrimento. Contudo, foi observado na análise algumas referências sobre o

repensar das práticas pedagógicas, metodológicas e concepções de aprendizagem dentre os

futuros professores, mais as mesmas não se mostraram com expressividade quando

comparadas à ordem do discurso que tende a culpabilizar as crianças e suas famílias.

Na subcategoria Demais atores sociais envolvidos foi possível delinear a seguinte

estrutura:

Gráfico 10- Distribuição da subcategoria demais atores envolvidos

103

Conforme indica o gráfico, para esta categoria foram identificadas subcategorias que

abrigam atributos referendando os papéis sociais vinculados ao aluno bagunceiro nos

diversos contextos.

Na subcategoria papéis sociais associados à família percebe-se que esta (ƒ=5) e os pais

(ƒ=3) estão associados ao aluno bagunceiro como reflexo dessa relação.

É na família que começa tudo- valores, disciplina, as outras coisas que se complementam (Suj. 18 - 1º Ano Vesp.). A família é a base da sociedade para que se possa diminuir a indisciplina nas escolas (Suj. 2 - 3º Ano Vesp.). Bons pais, filhos melhores sociedade sadia (Suj. 5 - 2º Ano Vesp.).

Nas frases é possível verificar que o sentido atribuído ao vocábulo é o de que a família

e os pais estruturam o indivíduo e são importantes na construção do respeito e da educação.

Sendo assim, a forma como estão sendo representados os atores sociais associados à família

parece sugerir que o papel desta está voltado para questões morais.

Na sub-categoria papéis associados à escola os vocábulos: direção, diretoria,

educador, professor, professora e colegas, obtiveram ƒ=1 e sugerem que os interlocutores do

aluno bagunceiro estão associados à cena escolar, a figuras de autoridade e aos colegas como

possíveis influenciadores do comportamento desse aluno.

Quanto a sub-categoria papéis associados à gênero, o vocábulo de maior frequência foi

menino (ƒ= 2). Apesar de apresentar frequência inexpressiva, confirmam os estudos de

Barreto (1981) em que a presença masculina é mais marcante na sala de aula, do ponto de

vista da percepção dos professores, uma vez que estes são apontados como grupos

majoritários entre os bons e maus alunos.

Na sub-categoria papéis associados à faixa etária foi possível verificar que ao

vocábulo criança ( ƒ=3) foi atribuído maior frequência. Dado que parece revelar que, para os

futuros professores, as crianças são as que apresentam comportamentos mais característicos

de inquietude e provocam bagunça e desordem nesta fase da vida. Os futuros professores

parecem atribuir as características de bagunça e desordem do ambiente escolar. Para o

vocábulo não foi construída nenhuma frase, pois este não foi eleito como principal na

hierarquização dos mesmos.

Na categoria espaço, os lugares de atuação do aluno bagunceiro estão relacionados à

sala de aula e escola. Esta análise torna-se expressiva e relevante do ponto de vista

qualitativo, sobretudo quando no diálogo com as frases anunciadas para outros vocábulos

104

pertencentes as demais categorias. Na maioria dos casos as frases retratam o ritual da aula

como a cena escolar que circunscreve a atuação do aluno bagunceiro.

Dos licenciandos que anunciaram o vocábulo sala de aula (ƒ=1) e escola (ƒ=1),

pode-se considerar que estes lugares foram sinalizados como espaços de manifestação do

comportamento do aluno bagunceiro. Na análise dos dados pode-se perceber que,

possivelmente, o critério para nomear o aluno de bagunceiro pode não ser o comportamento

em si, mas sim a relação comportamento e lugar onde o mesmo se apresenta. Pois, o papel da

escola está representado como espaço de aprendizagem curricular. Deste modo, a sala de

aula como lugar destinado ao aprender exige disciplina, concentração. Assim, o aluno

bagunceiro fora da sala de aula pode ser apenas uma criança ativa anunciada como

problema por não se comportar da maneira como se espera que se comporte na sala de aula.

Assim, a análise das evocações dos futuros professores da UFMT, para esta categoria,

parecem corroborar com os estudos do grupo do CIERS – ed em que Pardal et al (2006)

anuncia que os traços estáveis da identidade do futuro professor parecem estar centralizados

no trabalho em sala de aula.

4.5 Análise dos elementos estruturais e suas relações implicativas

O grafo implicativo a seguir foi obtido a partir do processamento dos dados no

programa computacional Cohesive Hierarchical Implicative Classification – CHIC. O

programa visa esclarecer relações possíveis entre os diferentes discursos presentes na

representação do aluno bagunceiro. Com base nos atributos constantes nos quadrantes do

EVOC obteve-se os seguintes grafos:

105

Ilustração 5- Grafo implicativo resultante do processamento das evocações sobre o

aluno bagunceiro no software CHIC

indisciplina trabalhocarente disciplina

pacienciabagunca esperto

inteligentedesinteresse

problema

ajuda

rebeldia limite

Graphe implicatif : C:\Users\Carla Adriana\Desktop\sa\s a.csv 89 88 76 75

As cores das setas indicam o índice de implicação entre as evocações: azul - 88%;

verde 76% e cinza 75%. Tais índices informam a probabilidade de quem evocou uma

determinada palavra dizer, em seguida, o termo apontado pela direção da seta.

A análise do grafo implicativo revela blocos que foram denominados: 1. O problema,

a hipótese e a solução para o aluno bagunceiro; 2. Características pessoais e dinâmica

afetiva do aluno; 3. Atitudes do professor diante do aluno bagunceiro; 4. Características

proativas do aluno bagunceiro; 5. Aluno bagunceiro como problema

No que refere ao bloco 1, o problema, a hipótese e a solução para o aluno

bagunceiro, observa-se maior índice de implicação entre as evocações, sendo 88% a

probabilidade de quem evocou o termo limite ter evocado também o termo disciplina. Este

bloco parece revelar que diante do aluno bagunceiro o futuro professor tende a se implicar na

relação com o mesmo assumindo-se como responsável pelo seu controle. Ao mesmo tempo,

os vocábulos podem estar sinalizando que o comportamento desse aluno está relacionado a

falta de limite frente ao qual a disciplina pode estar sendo anunciada como uma possível

solução dada pelos futuros professores.

No contexto dos termos do bloco 1 percebe-se que os vocábulos que obtiveram maior

índice de implicação estão localizados no quadrante do EVOC na primeira e segunda

periferia, tanto nas evocações espontâneas, quanto após a hierarquização, ou seja,

permaneceram inalterados. Vale ressaltar que os elementos periféricos são os considerados

106

importantes para os sujeitos, e a ƒ de ambos no quadro de quatro casas do EVOC foi de 9 e

17, respectivamente. Desta forma, tais frequências podem indicar que para os licenciandos de

pedagogia da UFMT, o limite e a disciplina na relação professor-aluno pode estar sendo

considerada como importante recurso de manejo na relação do docente com o aluno

bagunceiro.

O bloco 2, Características pessoais e dinâmica afetiva do aluno, caracteriza-se por um

conjunto de conexões com índice de implicação de 76% em que o vocábulo rebeldia

centraliza três associações possíveis, a saber: indisciplina, carente e desinteresse; Neste bloco

concentram-se atributos presentes na primeira periferia, núcleo central e zona de contraste,

respectivamente. O discurso deste bloco parece demarcado por atributos negativos sobre o

aluno bagunceiro anunciados como características pessoais e percepção do ambiente, bem

como o aspecto afetivo referenciado como falta de. O vocábulo indisciplina corresponde a

ƒ=38, bagunça ƒ=14, carente ƒ=20 e desinteresse ƒ=12. Desta forma, os aspectos negativos

da representação dos futuros professores sobre o aluno bagunceiro parecem estar mais

presentes no ambiente, nas características pessoais e também relacionado ao aspecto afetivo.

O terceiro bloco denominado Atitudes do professor frente ao aluno bagunceiro,

sustenta o mesmo índice de implicação do bloco 2, ou seja, 76%. Aqui é possível observar

maior índice de abertura relacional com o outro, pois doar-se por meio da paciência, do amor

e do trabalho, pode estar significando uma estratégia pedagógica.

O bloco 4, Características proativas do aluno bagunceiro, anuncia a relação entre os

vocábulos esperto e inteligente. Esta parece sinalizar o reconhecimento de aspectos positivos

do aluno bagunceiro, mas ao mesmo tempo, ambíguo, pois resgatando a análise de conteúdo

para o significado do vocábulo nas frases, percebe-se que esperto está também relacionado a

“se sair bem de qualquer situação”. Entretanto, são mais significativos os aspectos positivos

para esta conexão na representação desse aluno, pois são reconhecidos como inteligentes,

rápidos, à frente dos demais e notados pelo educador.

O quinto bloco, aluno bagunceiro como problema, corresponde ao menor índice de

implicação (75%), mas significativo na amostra, pois nele se identifica as atitudes do futuro

professor e sua representação do aluno bagunceiro, assim como o comportamento do aluno

adquire o significado de um problema, sintoma que anuncia pedido ou necessidade de ajuda.

Assim, conforme o índice de implicação, a significação em foco destaca que o aluno

bagunceiro é quem precisa de ajuda do professor.

Destaca-se no contexto dos dados que os aspectos mais relacionados ao aluno

bagunceiro aparecem no discurso bastante associados à sensação de mal-estar, uma vez que

107

os vocábulos remetem a comportamentos indesejados provavelmente orientados por uma

representação de base ancorada na imagem de aluno ideal. Apesar de o vocábulo inteligente

estar presente na representação, não está relacionado ao indicativo de investimento nas

potencialidades desse aluno, mas ao contrário, a sentimentos de negatividade em que a falta,

seja de disciplina, de limites e a carência afetiva possivelmente são anunciadas como

potencializadores do comportamento indisciplinado desse aluno em sala de aula. Assim,

adquirem o significado de um problema em que o futuro professor parece compreender que

está sob a sua responsabilidade oferecer ajuda. A atitude anunciada como estratégia do futuro

professor no manejo de tais comportamentos sugere a disciplina para obtenção de limites e

controle desse aluno.

Desta forma, é possível pensar que a representação do aluno bagunceiro para os

futuros professores está constituída por meio de dois discursos organizados de forma distinta:

o da autoridade, baseado em modelos que recorrem ao uso do poder disciplinar para obter o

cumprimento de normas, e o do amor organizado pela representação da existência de um

problema, em que é necessário ajudar. Entretanto, no presente estudo ficou evidente que, para

os futuros professores, é o aluno quem necessita de ajuda, pois, na lógica dos acadêmicos, os

docentes parecem não se reconhecer na produção dos comportamentos indesejáveis em sala

de aula e parecem adotar uma postura defensiva na relação com esse aluno considerado

bagunceiro.

A análise dos dados remete ao levantamento sobre a disciplinarização da infância

conforme Ariès (2006), quando o autor anuncia que o amor não estava ausente nas atitudes

dos pais ao transmitir valores morais e religiosos aos filhos, mas que subjacente a atitude

disciplinarizadora para dominar crianças teimosas e torná-las obedientes escondia-se na

verdade o temor de que a ternura interferisse na disciplina. Assim, percebe-se que é possível

pensar que as atitudes anunciadas pelos futuros professores para lidar com o comportamento

do aluno bagunceiro podem estar ancoradas na representação de que disciplinar é dar amor.

Entretanto, este viés parece não esconder que diante do limite e da disciplina anunciados pelos

futuros professores subjaz a tentativa de controle desses alunos.

A reflexão de Carvalho (2001) sobre a constituição da infância como objeto de

intervenção disciplinar no século XX torna-se relevante nesta análise, tendo em vista as duas

metáforas sobre o tema: a disciplina como ortopedia e como eficiência. Ambas com propostas

de corrigir as desarmonias nas cenas infantis por meio da prevenção e instituição de regras,

bem como a correção de supostas deformações. Segundo a autora, nos anos 20 com a “escola

nova” foram abandonados esses paradigmas de deformação e controle e instituída a disciplina

108

como um ato de moldar a plasticidade infantil. Nesse sentido, torna-se necessário refletir

diante dos dados apresentados, os quais sinalizam certa concordância com o paradigma

antigo, ou seja, de controle. Cabe aqui um questionamento: o que se pretende moldar no aluno

considerado bagunceiro, por meio do controle anunciado como atitude possível de manejo a

esse aluno? Seria o molde de um aluno idealizado? Ele é real? A situação é concreta e

complexa, mas pensar sobre o que está em jogo nessa relação conflituosa e carregada de

representações negativas sobre o aluno bagunceiro torna-se necessário.

109

5 ENTRELAÇAMENTO DOS DADOS

O exercício de entrelaçamento dos dados foi organizado em torno de cinco tópicos

assim definidos: o aluno bagunceiro como problema constitutivo, o aluno bagunceiro como

problema social e familiar, o professor como vítima e herói, o silenciamento da categoria

relacional como crivo de leitura da cena escolar: um professor desresponsabilizado e a

produção do bode expiatório, e a hipótese da normalização da aberrância e seu efeito

neutralizador defensivo: da alteridade à identidade do professor.

O esforço interpretativo se deu no sentido de analisar a significação dos acadêmicos de

pedagogia sobre o aluno bagunceiro em um exercício que priorizou identificar a historicidade

das representações sociais bem como a contribuição da noção de alteridade para a

compreensão de aspectos identitários da docência.

5.1 O aluno bagunceiro como problema constitutivo

Para discorrer sobre este tópico destacam-se os dados presentes nas seguintes análises

realizadas: núcleo central do EVOC, especificamente OMI, assim como a análise de conteúdo

dos vocábulos e também o grafo implicativo.

No estudo da representação de futuros professores sobre o aluno bagunceiro foi

possível perceber que esse aluno gera sensações de muito mal-estar na relação pedagógica e

parece estar permeada de idealizações. Como consequência dessa representação ficou

delineado que a atitude de controle por meio do uso de estratégias disciplinares e afetivas a

esse aluno está presente, assim como a percepção de que é somente o aluno quem precisa de

ajuda tendo em vista ser o mesmo a fonte do problema.

Na análise dos vocábulos obtidos por associação de palavras no quadro de quatro

casas, especificamente na hierarquização dos vocábulos (OMI), permaneceram no núcleo

central atributos correspondentes a características pessoais do aluno considerado bagunceiro,

bem como aquilo que ele provoca no ambiente. Danado, paciência, inquieto e bagunça foram

os vocábulos inalterados da representação e sinalizam um ambiente percebido em desordem.

A mesma análise foi observada na análise do sentido atribuído ao vocábulo, acrescida de uma

110

representação de necessidade de controle do futuro professor da situação, relacionado a uma

habilidade exigida dele. A análise implicativa confirma essa representação, uma vez que os

vocábulos com maior probabilidade de serem evocados foram limite e disciplina como

possíveis estratégias de solução do problema. Desta forma, pode-se inferir que esses termos

foram os mais consensuais e mais estáveis na representação do aluno bagunceiro para o grupo

estudado. Assim, sugerem que podem estar determinando a natureza da relação aluno e

professor, uma vez que, ancorado na representação de que para ser bom aluno, este deve ser

aquele que se comporta de modo a não provocar qualquer tipo de desordem em sala de aula.

Entre os futuros professores a representação do aluno bagunceiro parece não se

enquadrar na figura de aluno ideal, ou seja, de obediente e colaborador da ordem como um

fator de ajustamento ao ambiente, pois parece estar sendo representado como inadequado

devido à sua inquietude e oposição a ordem instituída.

A bagunça como manifestação inata do aluno também foi observada na dimensão

biológica (1,23%) da análise de conteúdo temática e na zona de contraste da OMI em que a

hiperatividade (ƒ=9) pode estar associada ao comportamento ativo (ƒ=29), mas como

distúrbio inato. Assim, verificou-se que pode estar presente entre os futuros professores uma

associação do comportamento considerado ativo do aluno bagunceiro com um distúrbio

inscrito como constituição biológica. Dados que corroboram com o estudo de Luciano (2006)

em que o aluno de hoje foi descrito com características semelhantes às de um aluno com

dificuldade de aprendizagem levando-se em conta os adjetivos negativos dados a ele, e

também ao estudo de Thomas, Chess e Birch, denominado Teoria das três constelações, em

que se enquadram crianças como fáceis, difíceis e lentas. O aluno bagunceiro estaria

enquadrado nesta teoria como criança difícil, onde o aspecto biológico irregular teria

influência nas reações consideradas negativas de adaptação. A análise sugere ainda que a

imagem do aluno bagunceiro pode estar ancorada na imagem social da criança má descrita

pelos sociólogos James, Jenks e Prout, citados por Sarmento (2007), em que a ideia está

associada a uma natureza que precisa ser controlada, pois tem instintos potenciais para o mal.

Estruturada desta forma, a representação pode estar orientando ações do futuro professor para

com esse aluno.

111

5.2 O aluno bagunceiro como problema social e familiar

Contribuíram para o debate sobre este tópico as análises empreendidas no quatro de

casas do EVOC, a análise de conteúdo das evocações e das frases, bem como o grafo

implicativo.

A zona de contraste do EVOC, a sub-categoria dimensão biológica, a sub-categoria

Papéis sociais anunciados à família na análise de conteúdo temático e o quinto bloco do grafo

implicativo parecem remeter a justificativas das causas do comportamento do aluno

bagunceiro. A análise dos dados sinaliza novamente a existência de um problema e nos

dados, a família aparece com papel importante na dinâmica do aluno bagunceiro. Nos estudos

de Barreto (1981) a autora discorre que a família, do ponto de vista dos professores, deve

prover as necessidades básicas da criança e lhe dar apoio afetivo. Sendo este considerado

básico no aluno ideal e entendido como fruto de uma relação familiar equilibrada. A autora

complementa ainda que esta visão, mesmo sendo reconhecida como um padrão não verificado

na realidade acaba sendo determinante na relação professor e aluno.

5.3 O professor como vítima e herói

As análises realizadas sobre os elementos estruturais do EVOC, especificamente na

segunda periferia para o termo indutor aluno bagunceiro possibilitam o debate em torno deste

tópico, pois, os discursos associados à dimensão física de cansaço e estresse, parecem

marcados por representações de um professor como herói. Dados que remetem aos estudos de

Brandão (2005), que anuncia essas demandas justificadas por uma sociedade que lhe confere

esse papel por meio da escola. Desta forma, a imagem do professor passa a se relacionar com

aquele que precisa lutar, resolver tudo sozinho e ser um vencedor, apesar de todas as

dificuldades encontradas no dia a dia. Ao descrever algumas características de um herói

Müller (1992, p. 8) argumenta que ele “mostra-nos virtudes e valores humanos mais maduros,

como, por exemplo, a coragem civil e o desinteressado engajamento social, cumprindo uma

tarefa social importante” e ainda complementa que “o herói nos fascina pura e simplesmente

112

porque ele personifica o desejo da figura ideal do ser humano”. Percebe-se nas frases a

presença dessa imagem heroica associada a um ser humano ideal, pois parece sinalizar que

para vencer as adversidades é necessário coragem, enfrentamento para a superação. Desta

forma, a representação do futuro professor sobre o aluno bagunceiro parece estar atrelada a

idealização não só do aluno, mas também e, sobretudo, da idealização de si enquanto

profissional. Assim, tem-se revelado através dos tempos e culturas a relação do professor com

sua profissão e com o aluno, marcada por um discurso de valorização da expectativa de fazer

o bem, e que contribui para a construção da imagem do professor herói. Nesse sentido, nos

estudos de Andrade et al (2006) intitulado Evocações e metáforas sobre o professor:

explorações em torno das representações sociais de licenciandos da Universidade de Mato

Grosso, com o mesmo grupo acadêmico, verificou-se que o maior índice de consensualidade

entre os licenciandos na análise das metáforas do núcleo semântico relacionado a condições

de trabalho associado às categorias relação com a profissão, revela o ato heróico objetivado na

figura do profissional como o salvador e de conduta altruísta. Desta forma, anuncia as autoras

que esta parece ser uma estratégia viável, uma vez que o docente passa de camaleão, ou seja,

aquele que enfrenta e se adapta às ameaças externas, ao status de herói, protagonista de sua

profissão. Ao analisar os dados em que o aluno bagunceiro aparece sendo representado como

antagonista da identidade docente, uma vez que esta parece estar constituída por crenças de

auto-legitimação, observa-se que a representação identitária do futuro professor parece estar

construída sobre a imagem desse herói, pois os dados sugerem que ele chama para si a

responsabilidade do estabelecimento tanto da ordem do ambiente, quanto da solução dos

problemas desse aluno considerado bagunceiro. Dado que parece paradoxal, uma vez que o

problema foi apontado como sendo da ordem do outro, portanto, não se vê inserido como

possível produtor do contexto da desordem. O futuro professor parece se perceber como

aquele que também tem que dar conta de poder ajudar o aluno em suas carências e problemas.

O estudo dos dados permite considerar que diante de tais representações desse aluno

considerado bagunceiro, bem como de si próprio nessa relação conflituosa, os futuros

professores podem estar se vitimizando diante da manifestação da bagunça, pois não foi

observada a sinalização de estratégias de ordem pedagógica como possibilidade de se pensar o

fenômeno desordem, mas sim de estratégias disciplinares e afetivas como formas de

enfrentamento.

113

5.4 O silenciamento da categoria relacional como crivo de leitura da cena escolar: um

professor desresponsabilizado e a produção do bode expiatório

Um dado silenciado neste estudo foi a perspectiva grupal presente na relação

professor-aluno-turma, pois os vocábulos das evocações remeteram as características pessoais

do aluno considerado bagunceiro e apenas à relação professor-aluno no espaço escolar. Fora

deste ambiente ficam alguns questionamentos: como seria a representação desse aluno fora do

espaço da escola? Seria esse aluno considerado uma criança “normal” como qualquer outra no

que diz respeito ao comportamento ativo? Seriam consideradas as mesmas características

negativas atribuídas ao aluno bagunceiro em outros espaços sociais de convivência? Neste

estudo a perspectiva grupal no sentido amplo de sistemas escolares, sociedade e cultura, não

foi observada nos dados das evocações. Diante disso, essa perspectiva pode sugerir, à título de

hipótese, a existência de uma zona muda, pois conforme discorre Abric (2005), ela pode ou

não pode ser expressa ou o indivíduo não quer expressá-la publicamente para que a imagem

positiva sobre si seja mantida, e assim se mantém uma conformidade do discurso adequado

com o grupo de pertença. Desta forma, fica evidenciada uma possibilidade de estudos mais

aprofundados na representação desses alunos.

Foi possível perceber no estudo que os atributos ao aluno bagunceiro estão

referenciados a características pessoais desse aluno e remetem a uma representação de

desordem em que o controle parece estar relacionado a uma habilidade exigida do professor.

Desta forma, os vocábulos analisados parecem caracterizar o quanto os futuros professores se

sentem provocados diante de tal aluno. Porém, seus discursos são marcados por

representações que sugerem uma compreensão de que carinho, ajuda e controle seriam

possíveis estratégias orientadoras da conduta do professor em sala de aula para com esse

aluno. Os dados revelam que os futuros professores parecem não se perceber implicados na

produção do aluno bagunceiro, ou seja, a figura do professor não é anunciada como uma

possível causa de produção da bagunça, mas aparece implicada no cenário como uma figura

altruísta, um herói que assume o aluno bagunceiro e sinaliza os seus recursos afetivos como

solução de controle desse aluno. Percebe-se que nesta dinâmica o futuro professor se defende

da produção da bagunça na medida em que, possivelmente, considera apenas o aluno e não o

contexto complexo de todo um sistema. Assim, o aluno apresenta-se como o “bode

expiatório” na relação professor-aluno, cuja causalidade se inscreve na constituição familiar e

114

biológica do aluno. Diante desses dados, torna-se compreensível o alto índice de

encaminhamentos para médicos, psicólogos, entre outras áreas da saúde, tendo em vista que

algo da ordem das patologias está presente na representação desses alunos considerados mais

ativos e que provocam sensação de mal-estar no professor em ambiente escolar.

5.5 A hipótese da normalização da aberrância e seu efeito neutralizador defensivo: da alteridade à identidade do professor

Na análise da primeira periferia e da categoria professor e subcategoria estratégias do

professor, percebe-se que possivelmente os futuros professores podem estar se sentindo

exigidos como disciplinarizadores em sala de aula, mas ao mesmo tempo, parece estar sendo

admitido o lugar que o aluno bagunceiro pode estar ocupando para o professor, o lugar do

“invisível”. Pois, na análise de conteúdo das frases foi observado que quando o futuro

professor atribui falta de importância dada a esse aluno, é possível que deixe de existir o

investimento docente no aluno considerado bagunceiro.

Interpretação consonante ao que se pensa sobre a falta de atenção e importância dada

ao aluno bagunceiro pode ser encontrada no estudo de Jodelet (2005) sobre a construção da

representação social da doença mental em uma colônia na França. Ao discorrer sobre o

cotidiano do pensamento e do sentimento das pessoas em relação aos loucos a autora anuncia

que muitas vezes eles são banalizados quando se deixa de prestar atenção ao diferente, à

figura da alteridade. Jodelet (2005) chama esse fenômeno de normalização da aberrância

tendo em vista que nesse processo há economia de esforços adaptativos e consequentemente

alívio de tensões diante do diferente, pois a normalização funciona como um neutralizador

defensivo.

Ao tomar esta hipótese no exercício de análise ora empreendido, parte-se da

compreensão sobre a relação professor-aluno muitas vezes caracterizada como conflituosa,

tendo em vista os comportamentos indisciplinados dos alunos e o adoecimento de professores

no ambiente conturbado de sala de aula. Na tentativa de buscar elementos para compreender

o significado da falta de importância dada a esse aluno considerado bagunceiro, Jodelet

(2005) contribui ao anunciar a fachada social possivelmente existente nessa relação, pois a

posição defensiva leva a não “prestar atenção” e até a “não ver mais”. Fenômeno denominado

pela autora de denegação como mecanismo de defesa subjetivo contra a ameaça para a

115

identidade e que abranda a diferença para tornar possível a convivência. Ao que tem sido

chamado de tolerância e paciência nessa relação pode estar significando, muitas vezes, o

esquecimento desse aluno bagunceiro, muito embora haja o reconhecimento da sua

inteligência.

Em última instância, a criança compreendida na sua singularidade passa a ser negada

em nome de um papel social atribuído ao aluno e mais ainda, ao aluno bagunceiro. Neste

sentido, nega-se a alteridade.

No ambiente real de sala de aula é declarado pelos professores o sentimento de

impotência diante de alunos considerados difíceis e indisciplinados. Para compreender essa

dinâmica é necessário considerar e analisar as contradições desse discurso que, possivelmente,

é atravessado pela ativação de sistemas de defesa identitária que culminam na possível

desistência de uso dos recursos científicos na transformação da desordem em recurso

pedagógico.

O trabalho com pessoas, conforme anuncia Goffman (1973, apud TARDIF, 2005) é

caracterizado por uma relação de negociação, controle, persuasão, sedução, promessa, entre

outros e evoca atividades como instruir, supervisionar, servir, ajudar, cuidar, controlar.

Portanto, leva a questões de poder e de conflitos que podem estar na raiz da compreensão da

atividade profissional. Na análise dos dados sobre a representação do futuro professor sobre o

aluno bagunceiro aspectos que dizem respeito à identidade docente parecem emergir dessa

tensão relacional, pois ao mesmo tempo em que o futuro professor se percebe como aquele

que conduz processos pedagógicos por meio da disciplina e do limite, se vê também como

parte desse processo do ponto de vista relacional, uma vez que se posiciona na relação

professor-aluno como aquele que precisa doar-se para ajudar.

Ao posicionar o professor como um humano investido de afeto e desejo altruísta os

acadêmicos fazem referência as contribuições de Thomé (2011) quando a autora anuncia

como relevante a compreensão da forma como se organiza a identidade social do futuro

docente em torno da ideia de “dom” e de “esforço pessoal”. A mesma parece dicotomizar um

discurso de auto-legitimação na medida em que projeta expectativas sobre o que se quer ser.

116

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No contexto da presente pesquisa intentou-se desenvolver um estudo em

representações sociais de acadêmicos do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá, sobre

o aluno considerado bagunceiro, bem como a rede de significados para esse grupo. Neste

sentido, a identidade profissional entendida como associada a um contexto social e histórico,

segundo Pardal et al (2006), contribuiu na identificação de consensos articulados no campo

representacional da infância e a compreensão da dimensão alteritária convida a reflexão dos

diversos modelos de ligação afetiva em sala de aula e seus diferentes significados. Assim,

reconhecer a diferença ou a diversidade entre as pessoas torna-se ponto de partida para se

pensar em transformar a relação entre professor e o aluno considerado bagunceiro.

No percurso metodológico do estudo a utilização de softwares como o Ensemble de

programmes permettant l’analyse des évocations – EVOC – e o Cohesive Hierarchical

Implicative Classification – CHIC – possibilitou a realização de cálculos estatísticos e a

análise dos elementos estruturais da representação, assim como a produção de grafos

implicativos que serviram de base para possíveis redes de relações causais sobre o aluno

bagunceiro. Assim, foi possível verificar que o aluno bagunceiro é representado pelos futuros

professores da UFMT como um aluno inteligente, com características de agitação e inquietude

provocadoras da bagunça e desordem em sala de aula. Foi observado que o comportamento

considerado indisciplinado deste aluno pode estar associado a dimensões socioafetivas

relacionadas a aspectos pessoais, à rebeldia e falta de atenção da família, associado à certa

desorganização pedagógica. Contudo, os comportamentos anunciados para o aluno

bagunceiro não se mostraram isentos de serem diagnosticados como pertencentes à ordem das

patologias, sendo apontada mais frequentemente neste estudo a hiperatividade. Considerando

o oposto dos comportamentos característicos do aluno bagunceiro, torna-se possível

estabelecer um diálogo com os estudos de Almeida e Dessandre (2008) sobre imagens de

crianças consideradas fáceis e difíceis. Nele, as crianças fáceis são apresentadas por

professores por meio de idealizações, tais como: alegre, dócil, calma e tranquila. O que

parece confirmar a imagem do próprio professor, pois para ser bom profissional precisa ter

domínio de sala. As crianças consideradas fáceis parecem possibilitar aos acadêmicos a

confirmação de um ambiente possível de aprendizagem.

117

O estudo evidenciou o ambiente escolar como espaço de troca de vivências entre o

futuro professor e o aluno bagunceiro, em especial a sala de aula, representada como lócus da

aprendizagem. Entretanto há de se analisar que, de modo geral, a representação deste aluno

foi considerada em seus aspectos pessoais associados à negatividade e a hipóteses patológicas.

Portanto, uma representação que parece extrapolar a cena escolar. Desta forma, é possível

considerar que, apesar de evidenciados questionamentos na dimensão hipótese diagnóstica

quanto à desorganização do professor, há também um silenciamento desta ordem, pois as

estratégias pedagógicas anunciadas como mais frequentes foram de ordem afetiva.

No que diz respeito ao comportamento do aluno bagunceiro relacionado à família, os

dados parecem remeter aos estudos de Barreto (1981) sobre o bom e o mau aluno, tendo em

vista que o aluno bagunceiro é, muitas vezes, interpretado como tal. Na perspectiva da autora

constata-se que os fatores pessoais e familiares merecem destaque na compreensão de

professores sobre esses alunos, revelando uma tendência a considerar apenas fatores isolados

e parciais em detrimento de questões sociais mais abrangentes. Neste sentido, foi possível

perceber na análise deste estudo que a família parece estar sendo anunciada também como um

problema, sendo o aluno reflexo de uma possível desestruturação da mesma. Percebe-se que

desta forma, entre os futuros professores, não é questionada a concepção de escola e a

adequação do ensino às diversas condições dos alunos.

Diante da representação desse aluno considerado bagunceiro o futuro professor parece

sentir-se emocionalmente afetado. Pois para os sujeitos do estudo, tais características parecem

representar um problema que, apesar das estratégias pedagógicas de manejo empreendidas

como o diálogo e o conhecimento adquirido, parecem não suscitar possibilidades para os

resultados esperados em um ambiente ideal de aprendizagem. Deste modo, o futuro professor

parece sentir-se fisicamente cansado e emocionalmente irritado, com raiva por perceber seus

esforços como insipientes. Assim, anunciar a paciência como justificadora para ausência de

resultados positivos esperados, torna-se uma estratégia afetiva para seguir nesta relação como

vítima e ao mesmo tempo herói no enfrentamento da desordem anunciada. Sendo assim, os

dados sugerem que os acadêmicos de Pedagogia parecem desresponsabilizar-se da produção

da bagunça em sala de aula justificando-a como características inatas ou socioafetivas da

ordem do outro, e assim tornam-se justificáveis os mais diversos encaminhamentos.

Esses dados permitem a reflexão de que ao considerar o comportamento indisciplinado

em sala de aula como o inimigo número um dos futuros professores da UFMT, associado a

igual equivalência da característica pessoal inteligente do aluno bagunceiro, se está diante de

um problema que talvez extrapole o âmbito pedagógico, pois todo o potencial intelectual,

118

reconhecido desse aluno, parece estar sendo negligenciado. Deste modo, torna-se necessário

ser repensada e ressignificada a forma de se posicionar diante desse outro diferente que se

apresenta nessa relação, pois o que ficou evidenciado na representação do aluno bagunceiro

foi que esta relação conflituosa parece estar permeada de aspectos idealizados sobre a

concepção de aluno e defensivos no que diz respeito aspectos inerentes a identidade

profissional, pois esse aluno considerado bagunceiro parece mobilizar sentimentos

contraditórios no que diz respeito ao dom de educar.

O estudo sobre a representação de futuros professores da UFMT sobre o aluno

bagunceiro pretende provocar a necessidade de se compreender e refletir sobre o lugar que se

ocupa na dinâmica professor-aluno, partindo do pensar anunciado por Arendt (1995) em que

o educar para o pensamento não se resume a transmissão de conhecimento, mas sobretudo à

atrair a experiência pensante e deste modo, promover o repensar e o ressignificar da ação

pedagógica no que diz respeito ao aumento da demanda de encaminhamentos de alunos

considerados indisciplinados para as diversas áreas da saúde. Ação que atualmente vem sendo

denominada de patologização na educação, pois busca-se no outro a doença e não o

questionamento de um sistema social mais amplo, da formação do futuro professor ou das

práticas educativas diante daquele que se apresenta como diferente. Talvez esta análise

promova novos desafios quanto à compreensão da representação de professores sobre a

prática de encaminhamentos e a constituição identitária deste profissional e contribua na

ressignificação do ideal de aluno, tendo em vista que as carências, anunciadas pelos futuros

professores, podem ser das mais diversas ordens e dimensões. Até mesmo a qual parece difícil

aceitar ou admitir.

119

REFERÊNCIAS

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127

APÊNDICE

128

APÊNDICE A: Quadro dos vocábulos anunciados distribuídos em suas categorias Categorias Palavras ƒ Palavras ƒ Palavras ƒ Palavras ƒ % Aluno Inteligente

Esperto Dinâmico

Comportamento Desobediente Brincalhão

Desinteressado Rebelde

Feliz Conversador

Alegre Falante Criativo Popular Pessoa

Engraçado Falador

Comunicativo Interativo Liberdade

Vivo Sapeca

Inquietação Impaciência Autonomia Conduta

Não problemático Dinâmica

Sem condições de ensino Família Origem

Tendência familiar Fase

Natural Bagunça

Desordem Barulho

Conversa Desequilíbrio

Anarquia Tumulto

Conversas Caos

12 11 4 4 4 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 5 1 1 1 1 9 9 7 6 2 1 1 1 1

Inquieto Energia Ativo

Impaciente Hiperativo

Peralta Danado Levado Agitado Atentado Espoleta Traquina Travesso Elétrico Enérgico

Intolerante Impulsividade

Expressão Irrequieto

Muita energia Desatento

Desinteresse Ocioso

Desligado Desorganização Falta de limite

Monotonia Aula ruim Adaptação Professor largado

Não criativo Falta de

organização Reação

Brincadeira Risadas Alegria Sorriso

Curiosidade Independência Inteligência

Conflito Falar alto

13 7 5 5 4 4 3 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 4 4 2 1 3 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 1 1 1 1 1 1 1 1

Rebeldia Mau educado Indisciplinado Sem limites Desregrado Briguento

Brigão Bagunceiro

Sem educação Sem disciplina

Sem juízo Agitação

Sem limite Rebeldia

Falta de atenção Chamar atenção

Carência Descontrole

Cansado Incompreendido Falta de carinho Aparecimento Desmotivação

Carência afetiva Falta de amor

Incompreensão Personalidade

Revolta Ambiente

Criado com vó Pais

despreparados Desleixo

Falta Falta de respeito

Falta de ética Quer atenção

Ousadia Observador

Aprendizagem Correria Pulação Graçinha Encrenca

5 4 3 3 3 2 1 1 1 1 1 1 1 5 4 3 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

Carente Carentes Chato

Mimado Peste

Não agradável Egoísta Imaturo

Manipulador Anjo

Problemático Estímulo negativo

Rotulado Triste

Prepotente Ambicioso Especial Difícil

Resolvido Hiperatividade Dificuldades Dificuldade

Déficit Deficiência

Déficit de atenção Distúrbio Atraso TDAH

Indisciplina Grito

Desrespeito Confusão

Gritos Briga Brigas

Desobediência Discussão Mordidas

Mal comportamento

Violência

2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 2 1 1 1 1 1 1 1 12 3 3 3 2 2 2 1 1 1 1 1

58,60

Professor Paciência Irritação

Ódio Sofrimento

Ira Aflição

Aborrecimento Frustrações Desespero

Desesperança Problema Incômodo Trabalha

Cruz Desconforto Trabalhoso

Loucura Tormento Tedioso

Prejudica Socorro Sorte

Solução Atrapalha

14 8 3 2 2 1 1 1 1 1 6 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

Atenção Cansaço Estresse Stress Estress

Dor de cabeça Exaustão

Ajuda Carinho Apoio

Dedicação Cuidado

Compreensão Auxílio Amor Ajudar Esforço Afeto

Misericórdia Evangelizar

Amar Conquistar Esperança Desafio

9 3 2 2 1 1 1 5 5 4 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 2

Disciplina Respeito Limite Castigo limites

Controle Regras

Autoridade Punição

Controle de sala Correção

Providência Expulsão Palmadas Sermão Silêncio Trabalho

Oportunidade Incentivo

Calma Tempo

Equilíbrio Motivação Relação

12 6 4 4 3 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 2 1

Educação Diálogo

Criatividade Planejamento

Responsabilidade Organização Investigação

Didática Psicologia

Conhecimento Autoavaliação

Análise Acesso

Processo Adaptação Mudança

Experiência Música Proposta Gostar

Atrapalhar

8 4 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

36,31

Demais Família 5 4,39

129

atores envolvidos

Pais Direção Diretoria Educador Professor Professora Colegas Menino Menina Rhenzzo

Eu mesma Criança

Adolescente Causa Ativa

3 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 3 1 1 1

Espaço Sala de aula Escola Sala

2 1 1

0,70

130

ANEXOS

131

ANEXO A: Relatório disponibilizado pelo EVOC, com emprego do subprograma rangmot

acerca da expressão indutora aluno bagunceiro DISTRIBUTION TOTALE : 568 : 116* 116* 116* 111* 109* RANGS 6 ... 15 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 16 ... 25 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 26 ... 30 0* 0* 0* 0* 0* Nombre total de mots differents : 71 Nombre total de mots cites : 568 moyenne generale : 2.97 DISTRIBUTION DES FREQUENCES freq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse 1 * 7 7 1.2 % 568 100.0 % 2 * 8 23 4.0 % 561 98.8 % 3 * 9 50 8.8 % 545 96.0 % 4 * 3 62 10.9 % 518 91.2 % 5 * 7 97 17.1 % 506 89.1 % 6 * 4 121 21.3 % 471 82.9 % 7 * 3 142 25.0 % 447 78.7 % 8 * 1 150 26.4 % 426 75.0 % Ponto de corte 9 * 7 213 37.5 % 418 73.6 % 10 * 3 243 42.8 % 355 62.5 % 11 * 2 265 46.7 % 325 57.2 % 12 * 2 289 50.9 % 303 53.3 % 13 * 3 328 57.7 % 279 49.1 % 14 * 2 356 62.7 % 240 42.3 % 15 * 2 386 68.0 % 212 37.3 % 17 * 3 437 76.9 % 182 32.0 % 19 * 1 456 80.3 % 131 23.1 % 20 * 1 476 83.8 % 112 19.7 % 25 * 1 501 88.2 % 92 16.2 % 29 * 1 530 93.3 % 67 11.8 % 38 * 1 568 100.0 % 38 6.7 % 426/30=14 Frequência Média

132

ANEXO B : Exemplo de como é definido o ponto de corte pelas pesquisadoras do Ciers-ed e também neste estudo.

DISTRIBUTION TOTALE : 940 : 241* 241* 238* 220* 0* RANGS 6 ... 15 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 16 ... 25 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* 0* RANGS 26 ... 30 0* 0* 0* 0* 0*

Nombre total de mots differents : 123

Nombre total de mots cites : 940

moyenne generale : 2.46

DISTRIBUTION DES FREQUENCES

freq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse

1 * 37 37 3.9 % 940 100.0 % 2 * 23 83 8.8 % 903 96.1 % 3 * 12 119 12.7 % 857 91.2 % 4 * 7 147 15.6 % 821 87.3 % 5 * 8 187 19.9 % 793 84.4 % 6 * 7 229 24.4 % 753 80.1 % 7 * 1 236 25.1 % 711 75.6 % 8 * 1 244 26.0 % 704 74.9 % 9 * 6 298 31.7 % 696 74.0 % 10 * 1 308 32.8 % 642 68.3 % 12 * 2 332 35.3 % 632 67.2 % 13 * 2 358 38.1 % 608 64.7 % 14 * 1 372 39.6 % 582 61.9 % 16 * 1 388 41.3 % 568 60.4 % 17 * 1 405 43.1 % 552 58.7 % 20 * 1 425 45.2 % 535 56.9 % 21 * 4 509 54.1 % 515 54.8 % 23 * 1 532 56.6 % 431 45.9 % 24 * 1 556 59.1 % 408 43.4 % 39 * 1 595 63.3 % 384 40.9 % 46 * 1 641 68.2 % 345 36.7 % 51 * 1 692 73.6 % 299 31.8 % 69 * 1 761 81.0 % 248 26.4 % 83 * 1 844 89.8 % 179 19.0 % 96 * 1 940 100.0 % 96 10.2 %

940/123 = 7,6 – ponto de corte frequência mínima >=8 esse determina o corpus que é aproveitado na análise e que corresponde a 74.9% do corpus (então o resultado é o mesmo do que se cortassemos no mais perto de 75% que é o que fazíamos antes) 704/ 28 = 25,14 – ponto de corte frequência média >= 25 este determina a separação entre os quadrantes superiores e inferiores. 40,9% do corpus fica nos quadrantes superiores (agora o resultado também é o mesmo do que se cortássemos no mais perto de 50%).