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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO O ALCANCE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ANA PAULA FURTADO Itajaí, junho de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O ALCANCE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

ANA PAULA FURTADO

Itajaí, junho de 2010

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

O ALCANCE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

ANA PAULA FURTADO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Mestre Alexandre Macedo Tavares

Itajaí, junho de 2010

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a Deus por me dar

forças, ânimo e coragem para chegar até aqui.

Agradeço, em especial, a meus pais, a quem amo

incondicionalmente, por tudo o que sempre

fizeram por mim e por todo o amor dedicado.

Agradeço às minhas irmãs, Amanda e Alícia, pela

paciência e alegria que sempre me proporcionam

e por iluminarem a minha vida.

Agradeço ao meu noivo Augusto, aquele que

sempre esteve ao meu lado, meu porto seguro,

meu amor e anjo da guarda, por todo o seu amor.

. Agradeço ao meu orientador, prof°. MSc.

Alexandre Tavares, por toda dedicação e

sabedoria a mim transmitidas com toda a

paciência e alegria.

Agradeço a todos os meus verdadeiros amigos,

pelo carinho e incentivo sempre demonstrados.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, que me ensinaram o que é amor

verdadeiro.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2010

Ana Paula Furtado Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Ana Paula Furtado, sob o título O

Alcance do Princípio da Legalidade em Matéria Tributária, foi submetida em 08 de

junho de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:

Alexandre Macedo Tavares (avaliador) e Emerson de Morais Granado

(examinador), e aprovada com a nota

Itajaí, junho de 2010

Professor MSc. Alexandre Macedo Tavares Orientador e Presidente da Banca

Professor MSc. Emerson de Morais Granado Coordenação da Monografia

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ROL DE CATEGORIAS

Garantia individual:

“(...) meios, instrumentos, procedimentos e instituições destinados a assegurar o

respeito, a efetividade, o gozo e a exigibilidade dos direitos individuais, aos quais

se encontram ligados estes entre os incisos do art. 5°”. 1

Legalidade formal:

“O princípio da legalidade só pode ser formal na exigência de que a lei seja

concebida como formal no sentido de ser feita pelos órgãos de representação

popular, não tem abstração ao seu conteúdo e à finalidade da ordem jurídica”. 2

Legalidade material:

“Instituir ou regular um tributo de forma válida, em obediência ao art. 150, I, da

Constituição, supõe a edição de lei, como ato formalmente emanado do Poder

Legislativo da pessoa constitucionalmente competente (União, Estados, Distrito

Federal ou Municípios), que em seu conteúdo, determine:

a) a hipótese da norma tributária em todos os seus aspectos ou critérios (material-

pessoal, espacial, temporal);

b) os aspectos da conseqüência que prescrevem uma relação jurídico-tributária

(sujeito passivo – contribuinte e responsável – alíquota, base de cálculo, reduções

e adições modificativas do quantum a pagar, prazo de pagamento);

c) as desonerações tributárias como isenções, reduções, abatimentos, deduções

de créditos presumidos, devolução de tributo pago e remissões;

d) as sanções pecuniárias, multas e penalidades, assim como anistia;

e) as obrigações acessórias em seu núcleo substancial;

f) as hipóteses de suspensão, exclusão e extinção do crédito tributário;

1 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 419.

2 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 424.

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g) a instituição e a extinção da correção monetária do débito tributário”. 3

Lei ordinária:

“Ato legislativo típico, é aquela que estabelece dispositivo da legislação ordinária

comum. Sua iniciativa cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos

Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da

República, ao STF, aos Tribunais Superiores, ao Procurador Geral da República e

aos cidadãos”. 4

Lei complementar:

“(...) leis especiais vocacionadas à disciplina de campos especificamente

reservados pela Constituição, sujeitas a aprovação da maioria absoluta dos

integrantes (não simplesmente dos presentes) da(s) casa(s) legislativa(s)”. 5

Princípio:

“Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de

ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do

Direito. (...) Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque

servem de base ao Direito são tidos como preceitos fundamentais para a prática

do Direito e proteção aos direitos”. 6

Princípio da Legalidade:

3 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro:

Forense, 1997, p. 118.

4 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 482.

5 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 107.

6 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, p. 639.

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Art. 5°. Todos são iguais perante, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à

propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei.

(...)7

Princípio da Legalidade Tributária:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado

à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

(...)8

Tributo:

“Tributos são as prestações pecuniárias que o Estado, ou um ente público,

autorizado por ele, em virtude de sua soberania territorial, exige dos sujeitos

econômicos submetidos à mesma” (Conceitos de direito tributário, cit., p. 19). 9

7 Constituição Federal de 1988.

8 Constituição Federal de 1988.

9 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito financeiro e de direito tributário. São Paulo:

Saraiva, 1991, p. 141.

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SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................... XII

INTRODUÇÃO ................................................................................. 13

CAPÍTULO 1 .................................................................................... 16

A CONSTITUIÇÃO DE 1988 COMO NORMA VEICULADORA DE REGRAS E PRINCÍPIOS .................................................................. 16

1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO ................................................................... 16

1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO ........................................................ 17

1.2.1 Quanto ao conteúdo: materiais (substanciais) e formais ....................... 17

1.2.2 Quanto à forma: escritas e não escritas .................................................. 19 1.2.3 Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e históricas ..................... 20

1.2.4 Quanto à origem: promulgadas e outorgadas ......................................... 21 1.2.5 Quanto à estabilidade: imutáveis, rígidas, semi-rígidas e flexíveis ...... 22 1.2.6 Quanto à sua extensão e finalidade: analíticas e sintéticas .................. 24

1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES .......................................... 25

1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO ............................................................... 26

1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE REGRAS E PRINCÍPIOS ...................................................................................... 28

1.5.1 Noção de Princípio ..................................................................................... 28 1.5.2 Função dos Princípios ............................................................................... 29 1.5.3 Colisão entre Princípios ............................................................................ 30

1.5.4 Distinção entre Princípios e Preceitos ..................................................... 31

1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO .......................................................... 33

1.6.1 A supremacia como princípio constitucional .......................................... 33 1.6.2 A Supremacia material e formal ................................................................ 33 1.6.3 A Supremacia da Constituição Federal Brasileira de 1988 .................... 33

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 35

LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR ..... 35

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2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS ............... 35

2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TITULARIDADE 36

2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.............................. 38

2.3.1 Privatividade ............................................................................................... 38 2.3.2 Indelegabilidade ......................................................................................... 39 2.3.3 Incaducabilidade ........................................................................................ 40

2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM .................................................................... 40

2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR ..................................................... 41

2.5.1 Imunidades Tributárias .............................................................................. 41 2.5.2 Princípios Constitucionais Tributários .................................................... 42 2.5.2.1 Princípio da Capacidade Contributiva ............................................................. 42 2.5.2.2 Princípio da Anterioridade ................................................................................ 44 2.5.2.3 Princípio da Irretroatividade ............................................................................. 46 2.5.2.4 Princípio da Isonomia ....................................................................................... 48 2.5.2.5 Princípio do Não-Confisco ................................................................................ 50 2.5.2.6 Princípio da Liberdade de Tráfego de Pessoas e Bens .................................. 52 2.5.2.7 Princípio da Uniformidade Geográfica ............................................................. 53 2.5.2.8 Princípio da Não-Cumulatividade e Seletividade ............................................ 54 2.5.2.9 Princípio da Proporcionalidade e Progressividade ........................................ 55 2.5.2.10 Princípio da Não-Discriminação em Razão da Procedência ou Destino ..... 56 2.5.2.11 Princípio da Legalidade Tributária ................................................................. 56

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 60

O SENTIDO E O ALCANCE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ................................................................... 60

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3.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DECORRENTE DO ESTADO DE DIREITO .............................................................................................................................. 60

3.1.1 Estado de Direito, Estado Democrático e Estado Democrático de Direito. .................................................................................................................. 61 3.1.2 Estado Constitucional ............................................................................... 65

3.2 A FUNÇÃO DA LEI NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ................. 67

3.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE: CONCEITOS E FUNÇÕES .......................... 68

3.4 A LEGALIDADE GENÉRICA E A LEGALIDADE ESPECÍFICA .................... 69

3.5 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE COMO LIMITAÇÃO AO PODER TRIBUTANTE DO ESTADO ................................................................................. 71

3.6 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE COMO GARANTIA INDIVIDUAL DO CONTRIBUINTE ................................................................................................... 72

3.6.1 O Princípio da Legalidade como Segurança Jurídica na Criação e na Cobrança de Tributo ........................................................................................... 74

3.6.2 Princípio da Legalidade e sua Conotação Teleológica no Âmbito Tributário ............................................................................................................. 75 3.6.3 O Significado da Expressão “Lei” ............................................................ 76

3.6.4 O Art. 97 do CTN e o Campo Material de Incidência da Reserva Legal . 77 3.6.4.1 Reserva Relativa ou Reserva Absoluta ............................................................ 79

3.7 ATOS NORMATIVOS MATERIALIZADORES DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ....................................................................................................... 80

3.7.1 As Medidas Provisórias e o Princípio da Legalidade.............................. 80

3.7.2 Lei Complementar e o Princípio da Legalidade ....................................... 82 3.7.3 Lei Ordinária e o Princípio da Legalidade ................................................ 84

3.8 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE MAJORAÇÃO DE TRIBUTOS ............................................................................................................ 86

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 88

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 92

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RESUMO

Atrelado ao contexto das limitações ao poder de tributar,

nota-se a importância do Princípio da Legalidade Tributária, capitulado no art.

150, inciso I, da Constituição de 1988, que se apresenta como garantia individual

do cidadão e tem por finalidade prover ao contribuinte a almejada segurança

contra as invertidas arbitrárias do Estado. Mediante a utilização do método

indutivo objetivou-se analisar as características, o sentido e o alcance do princípio

da legalidade no Direito Tributário Brasileiro. Através da pesquisa, obtiveram-se

os seguintes entendimentos: a) os princípios exercem papel decisivo no sistema,

pois servem de fundamento de validade de toda norma jurídica; b) o principio da

legalidade configura uma limitação ao poder de tributar, e como uma típica

garantia individual dos contribuintes, qualifica-se como uma clausula pétrea; c) o

princípio da legalidade em matéria tributária pressupõe não só a previa existência

de lei criadora de uma obrigação fiscal, mas sobretudo que esta lei descreva

pormenorizadamente todos os elementos indispensáveis a formação da relação

jurídico-tributária (aspecto material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo); d)

que o princípio da legalidade em matéria tributária em regra se exterioriza através

da edição de leis ordinárias; e) de acordo com a jurisprudência sedimentada do

Supremo Tribunal Federal, as medidas provisórias constituem instrumentos

normativos aptos a criar ou majorar tributos.

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INTRODUÇÃO

O núcleo da presente monografia é a investigação dos

aspectos fundamentais do Princípio da Legalidade no Direito Tributário, assim

como seu alcance e efeitos jurídicos, à luz da Constituição de 1988, do Código

Tributário Nacional, da doutrina nacional e da jurisprudência.

O estudo desse tema é de extrema significância na ordem

tributária atual, justificando uma pesquisa aprofundada, não somente pele sua

importância prática, mas pela falta de consenso entre a doutrina e jurisprudência,

no que se refere ao seu alcance e pressupostos de admissibilidade.

Esta pesquisa tem como objetivos: institucional, produzir

monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do

Vale do Itajaí – Univali; geral, investigar o conteúdo e alcance do Princípio da

Legalidade, genuinamente aplicável à matéria tributaria.; específicos, 1) Identificar

a diferença entre normas e princípios; 2) Identificar a diferença entre legalidade

formal e legalidade material; e, 3) Investigar qual o ato normativo genericamente

reclamado constitucionalmente para materializar o Principio da Legalidade.

Para a investigação do objeto e alcance dos objetivos

propostos, adotou-se o método indutivo10, operacionalizado com as técnicas11 do

referente12, da categoria13, dos conceitos operacionais14 e da pesquisa

10

O método indutivo consiste em „pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral‟. [Pasold, 2001, p. 87].

11 “Técnica é um conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma

instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas, sob o comando de uma ou mais bases lógicas investigatórias”. [Pasold, 2001, p. 88].

12 Referente “é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o seu

alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especial-mente para uma pesquisa”. [Pasold, 2001, p. 63].

13 Categoria “é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”.

[Pasold, 2001, p. 37].

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14

bibliográfica, em conjunto com as técnicas propostas por Colzani15, dividindo-se o

relatório final em três capítulos.

A pesquisa foi desenvolvida tendo como base os seguintes

problemas:

1ª Os princípios têm a mesma hierarquia das leis?

2ª O princípio da legalidade constitui uma limitação

constitucional ao poder de tributar?

3ª O princípio da legalidade pressupõe a prévia aprovação

de uma lei complementar para criar ou majorar tributos?

Diretamente relacionadas a cada problema formulado, foram

levantadas as seguintes hipóteses:

a) Os princípios são os marcos orientadores das normas e

como fundamento de validade das criações das leis, estão acima delas.

b) Nenhum tributo pode ser criado sem lei anterior que o

defina, em razão disso, o princípio da legalidade limita a ação estatal evitando

investidas arbitrárias;

c) Por se tratar de princípio constitucional, em observância

ao disposto na Constituição, deve ser editada lei complementar para criar ou

majorar tributos.

Para uma melhor abordagem das questões que norteiam o

Princípio da Legalidade Tributária, o trabalho foi dividido em três capítulos.

14 Conceito Operacional é a “definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal

definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. [Pasold, 2001, p. 51].

15

COLZANI, Valdir Francisco. Guia para elaboração do trabalho científico.

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15

No primeiro capítulo far-se-á um estudo a respeito da

Constituição Federal vigente, tratando de seu conceito, objeto, classificação,

elementos inerentes a sua estrutura, bem como sua supremacia no ordenamento

jurídico pátrio e característica como principal veiculadora de regras e princípios.

No segundo capítulo, investigar-se-á as limitações ao poder

de tributar, abordando-se a importância da Constituição no ordenamento tributário

brasileiro e trazendo os princípios presentes no corpo de seu texto responsáveis

por limitar a ação do Estado em matéria tributária.

No terceiro e último capítulo, discorrer-se-á acerca do

princípio da legalidade, seu alcance e seu sentido no âmbito do Direito Tributário

brasileiro, trazendo sua finalidade e função na sociedade, bem como as normas

materializadoras deste princípio e suas exceções.

O presente relatório da pesquisa se encerra com as

considerações finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

estabelecendo-se breve síntese de cada capítulo e demonstração sobre as

hipóteses básicas da pesquisa, verificando se as mesmas restaram ou não

confirmadas.

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CAPÍTULO 1

A CONSTITUIÇÃO DE 1988 COMO NORMA VEICULADORA DE

REGRAS E PRINCÍPIOS

1.1 CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO

No século XIX, com a vitória do constitucionalismo, surge a

idéia de Constituição ideal, com Carl Schmitt. Explica André Ramos Tavares que

“seu conceito está atrelado à ideologia político-liberal, considerando-se essencial:

a garantia das liberdades, com a participação política; a divisão dos poderes; a

Constituição como documento escrito”. 16

A palavra Constituição possui diversos significados, desde o

mais amplo – contemplado nos dicionários de Língua Portuguesa – até os

conceitos jurídicos dados por doutrinadores, dentre eles Alexandre de Moraes,

que explica:

Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e

suprema de um Estado, que contém normas referentes à

estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma

de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de

competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. 17

A origem do texto constitucional se encontra na sociedade,

ou seja, dados concretos da realidade social foram transformados em documento

formal com força normativa – a Constituição da República Federativa do Brasil.

16

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 61.

17 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 06.

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17

Neste sentido, diz Ceneviva que Constituição “corresponde à síntese do interesse

comum (genérico, da sociedade), expresso no ordenamento do direito”. 18

Como explica Ferreira Filho, “data da Antigüidade a

percepção de que, entre as leis, algumas há que organizam o próprio poder. São

leis que fixam seus órgãos, estabelecem as suas atribuições, numa palavra,

definem a sua Constituição”. 19

Nas palavras de Bastos, a Constituição “é um conjunto de

regras ou princípios que têm por objeto a estruturação do Estado, a organização

de seus órgãos supremos e a definição de suas competências”. 20

Discorre Azambuja que Constituição, em sentido geral, “é a

própria organização do Estado, são as instituições políticas e jurídicas que o

formam e lhe caracterizam a estrutura” 21; em sentido estrito, “Constituição é o

conjunto de preceitos jurídicos, geralmente reunidos em um código, que

discrimina os órgãos do poder público, fixa-lhes a competência, declara a forma

de governo, proclama e assegura os direitos individuais”. 22

1.2 CLASSIFICAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

1.2.1 Quanto ao conteúdo: materiais (substanciais) e formais

Constituição material é o conjunto de normas referentes à

formação, funcionamento, organização política do Estado, bem como aos direitos

individuais e sociais de seus cidadãos. Citando Bonavides, tem-se que “a

18

CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 14-15.

19 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 32. ed. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 3.

20 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São

Paulo: Saraiva, 1998. 1 v. p. 274.

21 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 44. ed. São Paulo: Globo, 2005. p. 169.

22 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, p. 169.

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18

Constituição, em seu aspecto material, diz respeito ao conteúdo, mas tão-

somente ao conteúdo das determinações mais importantes, únicas merecedoras,

segundo o entendimento dominante, de serem designadas rigorosamente como

matéria Constitucional”. 23

Em sentido estrito, a Constituição material designa as

normas constitucionais escritas ou costumeiras, inseridas ou não em um

documento escrito e que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus

órgãos e os direitos fundamentais. 24

Constituição formal é aquela apresentada em sua forma

escrita, é a lei propriamente dita. No conceito de José Afonso da Silva, “é o

peculiar modo de existir do Estado, reduzido, sob forma escrita, a um documento

solenemente estabelecido pelo poder constituinte e somente modificável por

processos e formalidades especiais nela própria estabelecidos”. 25

Não raro, figuram no texto constitucional matérias sem a

essência necessária, porém assim chamadas, apenas, por estarem inseridas no

corpo normativo constitucional e não porque vislumbram matéria referente à

organização política do Estado.

Como explana Bonavides:

Disposições de teor aparentemente constitucional penetram por

sua vez na Constituição, mas apenas de modo impróprio,

formalmente, e não materialmente, visto que não se reportam aos

pontos cardeais da existência política, a saber, à forma de Estado,

à natureza do regime, à moldura e competência do poder, à

defesa, conservação e exercício da liberdade. 26

23

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 80-81.

24 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 26. ed. São Paulo:

Malheiros, 2006. p. 40.

25 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo, p. 41.

26 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitutional, p. 82.

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19

Explica Ferreira Filho que a inclusão destas regras formais

no corpo da Constituição “visa especialmente a sublinhar sua importância. E,

quando esta Constituição é rígida, a fazê-la gozar da estabilidade que a referida

Constituição rígida confere a todas as suas normas”. 27

1.2.2 Quanto à forma: escritas e não escritas

Quanto à forma, a Constituição pode ser escrita ou não

escrita.

Segundo Tavares:

Em sentido formal, a Constituição somente pode ser identificada

como texto escrito, como documento positivado. Constituições

escritas são fruto do processo de codificação do Direito Público,

ocorrendo onde o Direito Constitucional se encontra sistematizado

em um único corpo textual. É a Constituição-lei, que Canotilho

prefere designar como „Constituição instrumental. 28

Portanto, considera-se escrita o conjunto de regras

codificado e sistematizado em um único texto, trazendo as normas fundamentais

de um Estado.

Salienta Moraes que:

A Constituição escrita, portanto, é o mais alto estatuto jurídico de

determinada comunidade, caracterizando-se por ser a lei

fundamental de uma sociedade. A isso corresponde o conceito de

constituição legal, como resultado da elaboração de uma Carta

escrita fundamental, colocada no ápice da pirâmide normativa e

datada de coercibilidade. 29

Constituição não escrita é aquela cujas normas referentes à

organização fundamental de um Estado não se encontram reunidas em um único

27

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, p. 12.

28 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 66.

29 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 4.

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20

texto formal, mas são baseadas em regras consuetudinárias, em leis esparsas e

na jurisprudência, sendo principal exemplo a Constituição Inglesa.

Até meados do século XVIII as Constituições eram

costumeiras ou consuetudinárias. “Compunham-se de praxe, tradições, costumes

e às vezes uma ou outra lei ou documento, como por exemplo a Magna Carta” 30,

sendo estes apenas de conhecimento de juristas e legistas das cortes.

Porém, no século XVIII, deu-se a necessidade de uma

Constituição escrita, devido aos seguintes motivos, enumerados por Azambuja:

a) tendo o Estado, por origem, um contrato, a Constituição seria a

expressão e a renovação desse pacto primitivo;

b) a clareza, a firmeza da lei escrita sobre a lei costumeira, que é

sujeita as deformações;

c) a Constituição escrita é mais solene, tem mais garantias, não

pode ser alterada e é muito mais fácil de ser conhecida por todos;

d) é um meio de educação política para o povo, que pela sua

leitura adquire consciência mais nítida de seus deveres e direitos. 31

1.2.3 Quanto ao modo de elaboração: dogmáticas e históricas

Os conceitos de Constituição dogmática e histórica fundem-

se, respectivamente, com os de Constituição escrita e não escrita.

A Constituição dogmática, sempre escrita, é elaborada e

sistematizada pelo órgão constituinte que insere no corpo do seu texto os dogmas

ou idéias e princípios fundamentais da política e do direito dominantes à época.

Explana Silva que:

30

AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, p. 170.

31 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, p. 170.

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Constituição histórica ou costumeira, não escrita, é, ao contrário, a

resultante de lenta formação histórica, do lento evoluir das

tradições, dos fatos sócio-políticos, que se cristalizam como

normas fundamentais da organização de determinado Estado, e o

exemplo ainda vivo é o da Constituição inglesa.32

No mesmo norte, explica Ferreira Filho:

Como a Constituição escrita é sempre o fruto da aplicação

consciente de certos princípios ou dogmas, enquanto a não-

escrita é produto de lenta síntese histórica, levando-se em conta a

sua fonte de inspiração, as primeiras são também ditas

Constituições dogmáticas, e as últimas, Constituições históricas. 33

1.2.4 Quanto à origem: promulgadas e outorgadas

Enquanto as Constituições promulgadas, também

chamadas de populares ou democráticas, são aquelas originadas de um poder

constituinte formado por representantes do povo, eleitos para este fim, tendo

como exemplo as Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e a atual, de

1988.

Nas palavras de Tavares:

As Constituições promulgadas são fruto de uma Assembléia

Constituinte eleita para tanto. (...). Sua origem encontra-se em

uma Assembléia Geral Constituinte, eleita pelo povo para fazer-se

representar na feitura de seu futuro documento fundamental.

Exemplo histórico foi a primeira Constituição da Europa, originada

da supremacia dos representantes da Nação Francesa, na

Assembléia Constituinte, em 1791. 34

32

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo, p. 41.

33 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, p. 13.

34 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 68.

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As outorgadas, ao contrário, são aquelas impostas pelo

poder dominante da época, sem qualquer participação popular – Constituições

brasileiras de 1824, 1937, 1967 e 1969 (EC n. 01/1969).

Há, ainda, Constituições que, embora outorgadas,

dependem da aprovação popular por meio de referendo. 35 Adverte Silva que “a

participação popular, nesses casos, não é democrática, pois visa apenas ratificar

a vontade do detentor do poder”. 36

1.2.5 Quanto à estabilidade: imutáveis, rígidas, semi-rígidas e flexíveis

Imutável é a Constituição onde são proibidos quaisquer

tipos de alteração. Conforme assevera Silva:

A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode

significar imutabilidade. Não há constituição imutável diante da

realidade social cambiante, pois não é ela apenas um instrumento

de ordem, mas deverá sê-lo, também, de progresso social. Deve-

se assegurar certa estabilidade constitucional, certa permanência

e durabilidade das instituições, mas sem prejuízo da constante,

tanto quanto possível, perfeita adaptação das constituições às

exigências do progresso, da evolução e do bem-estar social. 37

Há doutrinadores que defendem que a atual Constituição

brasileira (CRFB/1988) seria super-rígida, em razão da existência das cláusulas

pétreas, previstas no art. 60, §4º, em seu corpo, que não podem ser alteradas.

Nesse sentido, pondera Tavares que “a Constituição

brasileira de 1988 seria exemplo de Constituição super-rígida,

concomitantemente”. 38

35

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 5.

36 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo, p. 42.

37 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo, p. 42.

38 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 70-71.

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São rígidas as constituições que dependem de um processo

legislativo mais solene, e, deveras, mais dificultoso dos que as demais espécies

normativas, para sua alteração, sendo exemplo a Constituição brasileira de 1988.

Já flexível é a constituição que pode ser alterada seguindo o mesmo

procedimento da legislação ordinária.

Acerca do assunto, trata Tavares:

Geralmente, e principalmente no caso brasileiro, esse processo

mais trabalhoso se resume a uma iniciativa reduzida, a um

quorum de aprovação maior e, por fim, „a não-participação do

Poder Executivo (por meio da exclusão do veto ou da sanção). A

emenda constitucional é exercício do poder constituinte derivado e

cabe apenas ao Poder Legislativo, não havendo a chamada fase

da deliberação executiva (na qual o Presidente veta ou sanciona a

alteração). As Constituições rígidas são sempre escritas (...). 39

Explica Azambuja que:

A razão da rigidez constitucional é que, sendo ela uma lei

fundamental que organiza o Estado, não deve ser reformada ou

alterada constantemente, mas apenas quando imperiosas

necessidades o exijam. Por isso a aprovação de suas emendas

demanda mais tempo e requer maiorias grandes nos proponentes,

a fim de que paixões de momento e interesses passageiros não

prevaleçam. 40

Já flexível é a Constituição que pode ser alterada seguindo o

mesmo procedimento da legislação ordinária.

Neste norte, explana Tavares:

A Constituição flexível prevê, para sua alteração, processo

legislativo idêntico ao da lei ordinária. Esta, por ser posterior,

revoga a Constituição Federal que lhe seja contrária. Assim, o

processo da emenda constitucional é igual ao da feitura das leis

39

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 70.

40 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado, p. 172.

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ordinárias. Não há, em síntese, maiores formalidades na alteração

da Constituição do que para a alteração das leis. 41

Intermediária àquelas, há as constituições semi-rígidas, que

são parcialmente flexíveis e parcialmente rígidas, ou seja, “cujas regras, em parte,

podem ser modificadas pelo processo legislativo ordinário (em parte são

flexíveis), em parte que ela própria determina só podem ser alteradas por

processo especial (em parte são rígidas)”. 42 E, para tanto, como aponta Tavares,

“exige-se, geralmente, um quorum de alteração diferenciado e um poder limitado.

Para outras normas constitucionais, o processo legislativo seria o mesmo da lei

ordinária”. 43

1.2.6 Quanto à sua extensão e finalidade: analíticas e sintéticas

Chama-se de analítica a Constituição que traz em seu corpo

todos os assuntos considerados relevantes à formação e organização de um

Estado, embora em muita das vezes figurem matéria que não possuem natureza

constitucional.

As razões apontadas para o surgimento da Constituição

analítica, discorre Tavares, são:

A indiferença, que se tem transformado em desconfiança, quanto

ao legislador ordinário; a estrutura de certos direitos subjetivos,

que estão a merecer proteção juridicamente diferenciada; a

imposição de certos deveres, especialmente aos governantes,

evitando-se o desvio de poder e arbitrariedade; a necessidade de

que certos institutos sejam perenes, garantindo, assim, um

sentimento de segurança jurídica decorrente da rigidez

constitucional. 44

41

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 69.

42 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, p. 14.

43 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito constitucional, p. 70.

44 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 72.

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Trata-se de Constituição sintética aquela “que abrange

apenas princípios gerais ou enuncia regras básicas de organização e

funcionamento do sistema jurídico estatal, deixando a parte de pormenorização à

legislação complementar ou orgânica”. 45

Sobre as Constituições sintéticas, explica Tavares:

As Constituições sintéticas, também denominadas breves,

recentes ou básicas, sucintas ou concisas, são aquelas que se

restringem apenas aos elementos substancialmente

constitucionais, emitindo, especialmente, princípios, organizando e

limitando o poder. O exemplo clássico é o da Constituição norte-

americana. 46

Acrescenta, ainda, o doutrinador acima referido que, “nesses

modelos jurídicos há ampla potencialidade de manutenção, que em geral se

perpetuam por longos períodos, como é de desejar”. Isso se dá em razão da

facilidade de adaptação desta espécie de Constituição à realidade concreta e

suas mudanças, visto que se dedica aos princípios mais amplos, sem que haja

necessidade de alteração de seu texto escrito.

1.3 OBJETO E CONTEÚDO DAS CONSTITUIÇÕES

Atualmente as Constituições possuem um amplo objeto.

Entretanto, verifica-se que isto se deu no decorrer da história, uma vez que,

gradativamente, os textos constitucionais vêm sendo incorporados com algo novo.

Nas palavras de Silva:

As constituições têm por objeto estabelecer a estrutura do Estado,

a organização de seus órgãos, o modo de aquisição do poder e a

forma de seu exercício, limites de sua atuação, assegurar os

direitos e garantias individuais, fixar o regime político e disciplinar

45

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 91.

46 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 72.

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26

os fins sócio-econômicos do Estado, bem como os fundamentos

dos direitos econômicos, sociais e culturais. 47

São estes, pois, os objetos das Constituições, que se

fundem aos elementos constitutivos do Estado e, consequentemente, ao novo

conceito de Direito Constitucional, mais amplo e adaptado aos tempos atuais.

Logo, “perde substância a doutrina que pretende diferenciar constituição material

e constituição formal e, pois, direito constitucional material e direito constitucional

formal”. 48

1.4 ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO

Os elementos referem-se a estrutura normativa da

Constituição, dividida em títulos, capítulos e seções, cujo conteúdo específico

encontra-se sistematizado e organizado de forma coerente.

Em sua obra, Silva define cinco categorias de elementos, a

saber:

1. Elementos orgânicos, referente às normas de

regulamentação e estruturação do Estado e do poder. Na CRFB/88 concentram-

se nos Títulos III (Da organização do Estado), IV (Da Organização dos Poderes e

do Sistema de Governo), Capítulos II e III do Título V (Das Forças Armadas e da

Segurança Pública) e VI (Da Tributação e do Orçamento).49

2. Elementos limitativos são aqueles que limitam a ação dos

poderes do Estado, manifestando-se nas normas que integram os direitos e

garantias fundamentais, quais sejam: direitos individuais e suas garantias, direitos

de nacionalidade e direitos políticos e democráticos – Título II (Dos Direitos e

47

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 43.

48 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 43.

49 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 44.

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27

Garantias Fundamentais) da CRFB/88, com exceção do Capítulo II, que trata dos

Direitos Sociais. 50

3. Elementos sócio-ideológicos, cuja substância encontra-se

nas normas sócio-ideológicas, que revelam o compromisso entre o Estado

individualista e o Estado Social, intervencionista, como as do Capítulo II (Dos

Direitos Sociais) do Título II, e as dos Títulos VII (Da Ordem Econômica e

Financeira) e VIII (Da Ordem Social). 51

4. Elementos de estabilização constitucional,

consubstanciados nas normas destinadas a assegurar a solução de conflitos

constitucionais, a defesa da constituição, do Estado e das instituições

democráticas, inibindo os meios e técnicas contra sua alteração e infringência e

são encontrados no art. 102, I, a (ação de inconstitucionalidade), nos arts. 34 e 36

(Das Intervenções nos Estados e Municípios), 59, I, e 60 (Processo de Emendas

à Constituição), 102 e 103 (Jurisdição Constitucional) e Título V (Da Defesa do

Estado e das Instituições Democráticas), especialmente em seu Capítulo I.52

5. Elementos formais de aplicabilidade são aqueles que se

manifestam nas normas que estatuem regras de aplicação das constituições,

desta maneira, tem como principal fonte o preâmbulo, o dispositivo que contém as

cláusulas de promulgação e as disposições constitucionais transitórias, como

também no art. 5º, § 1º, segundo o qual as normas definidoras dos direitos e

garantias fundamentais têm aplicação imediata.53

50

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 44.

51 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 44-45.

52SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 45.

53 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 45.

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1.5 A CONSTITUIÇÃO COMO ORDEM NORMATIVA VEICULADORA DE REGRAS E PRINCÍPIOS

1.5.1 Noção de Princípio

Embora a palavra “princípio” possua vários significados, há

de se concordar que um deles define competentemente o citado vocábulo:

princípio é ponto de partida, como define Cretella Jr.:

Princípios de uma ciência são as proposições básicas,

fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturações

subseqüentes. Princípios, neste sentido, são os alicerces, os

fundamentos da ciência. 54

Os princípios são os alicerces, a base do ordenamento

jurídico, são as vigas mestras, como diz Parente da Silva.

Em seu trabalho, Parente da Silva cita o jurista Luíz Diez

Picazo, que define:

„A idéia de princípio deriva da linguagem de geometria, onde

designa as verdades primeiras. ‟ (...). Como princípios de um

determinado Direito Positivo, prossegue Picazo, têm os princípios,

de um lado, servido de critério de inspiração às leis ou normas

concretas desse Direito Positivo, e doutro, de normas obtidas

„mediante um processo de generalização e decantação dessas

leis‟. 55

Em sentido jurídico, conceitua Carrazza:

Segundo nos parece, princípio jurídico é um enunciado lógico,

implícito ou explícito, que por sua grande generalidade, ocupa

posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por

54

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. 1 v.

55 SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional.

In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: LTr, 2001. p. 192.

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29

isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a

aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. 56

Por tanto, sem sobra de dúvidas, pode-se dizer que os

princípios são a base das leis, devendo sempre ser observado quando da edição

daquelas.

1.5.2 Função dos Princípios

As funções dos princípios são explicadas por vários

doutrinadores. Acerca da função dos princípios, sustenta Bastos, que os

princípios possuem a função ordenadora, especialmente em momentos

revolucionários.

Por vezes – ainda segundo o mesmo autor – os princípios

exercem uma ação imediata na medida em que tenham condições para serem

auto-executáveis, quando ficam à mercê de uma legislação integradora que lhes

dê eficácia.

Quanto à função prospectiva, quando exercem ação no

plano interativo, construtivo, bem como em um plano prospectivo, uma vez que

não possuem condições de uma aplicação imediata, assevera Bastos:

(...) na sua função prospectiva, os princípios procuram ganhar

uma aplicabilidade cada vez maior, destilando o seu conteúdo por

diversos setores da vida social. Exemplo destes últimos seria o

princípio democrático cuja maior conformação da vida social pode

ir sendo adquirida na medida em que se for fazendo dele

aplicação. 57

Já de acordo com Parente da Silva, seguindo a classificação

de Paulo Bonavides, os princípios possuem três funções de extrema importância

no ordenamento jurídico: fundamentadora, interpretativa e supletiva.

56

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 39.

57 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São

Paulo: Saraiva, 1988. 1 v.

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30

Acerca da função fundamentadora, explana Parente da

Silva:

Os princípios revestem-se de eficácia derrogatória e diretiva, ou

seja, as normas que contravierem à orientação normativa

professada pelos princípios, perderão sua vigência (no caso de

eficácia derrogatória) e/ou sua validade (na hipótese da eficácia

diretiva). 58

Ainda nas palavras de Parente da Silva, tem-se a definição

da função interpretativa, que segue:

Pela função interpretativa os princípios desempenham o papel de

orientarem as soluções jurídicas a serem aplicadas diante dos

casos submetidos à apresentação do intérprete. Cumprem,

portanto, função balizadora do labor interpretativo, através dos

núcleos de sentidos deduzíveis dos princípios. 59

Pela função supletiva, explica Parente da Silva, “processa-se

a tarefa integradora da ordem jurídica, colmatando lacunas constatadas nos

vazios regulatórios do Direito”. 60

1.5.3 Colisão entre Princípios

Parente da Silva explica que “ocorre a colisão de princípios

quando num sistema jurídico vários princípios concorrem diante de uma certa

situação, cada qual reivindicando aplicações de per si”. 61

58

SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional. In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides, p. 196.

59 SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional.

In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides, p. 196.

60 SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional.

In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides, p. 196.

61 SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional.

In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides, p. 196.

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31

Nesses casos, nenhum princípio é excluído da ordem

jurídica. Quando ocorre o conflito, o aplicador do Direito decide por um dos

princípios sem que o outro tenha que sair do sistema.

Ensina Parente da Silva:

Afastado, pois, um princípio conflitante, diante de certo caso, não

implica isso que, em outras circunstâncias, não venha o princípio

afastado a ser requisitado e aplicado. „Isso significa que, em cada

caso, armam-se diversos jogos de princípios, de sorte que

diversas soluções e decisões, em diversos casos, poder ser

alcançadas, uma privilegiando a decisividade de certos princípios,

outras a recusando‟. 62

1.5.4 Distinção entre Princípios e Preceitos63

A primeira diferença entre princípios e preceitos encontra-se

no fato de que os primeiros, via de regra, estão implícitos no ordenamento

jurídico, ao passo que os últimos estão sempre explícitos no ordenamento

jurídico.

Outra diferença se dá no fato de que preceitos não admitem

exceções que não possam ser completamente enunciados. Explica Grau:

É que as regras jurídicas não comportam exceções. Isso é

afirmado no seguinte sentido: se há circunstâncias que

excepcionem uma regra jurídica, a enunciação dela, sem que

todas essas exceções sejam também enunciadas, será inexata e

incompleta. (...). Se a regra – exemplifica Dworkin – define que um

testamento não é válido senão quando assinado por três

testemunhas, não é possível tomar-se como válido um testamento

firmado por apenas duas testemunhas. 64

62

SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional. In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides, p. 196.

63 Para os fins do presente trabalho, neste subitem, o vocábulo preceito está sendo utilizado como

sinônimo de regra.

64 SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional.

In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem

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32

Continua Grau: “quanto aos princípios a circunstâncias de

serem próprios a um determinado Direito não significa que esse Direito jamais

autoriza a sua desconsideração”. 65

Aponta Parente da Silva que a terceira causa da diferença

entre preceitos e princípios jurídicos “reside na dimensão do peso ou importância

gozada por estes últimos” 66, vez que as regras não possuem tal dimensão.

Acerca da quarta diferença entre princípios jurídicos e

preceitos, discorre Parente da Silva:

Uma quarta diferença repousa em que não há entre princípios e

regra jurídica apenas uma desigualdade de peso, porém, mais do

que isso, existe uma diferença de natureza, visto que a

generalidade da regra jurídica é diversa da generalidade de um

princípio jurídico. Neste sentido Grau distingue princípios de

regras: „os primeiros se caracterizam pela sua maior generalidade,

em relação às últimas; o preceito contido no princípio geral

compreende não uma só hipótese determinada, mas uma série

indeterminada de hipóteses, (...); por outro lado, desde o critério

funcional, os princípios são as normas – escritas e não escritas –

das quais logicamente derivam as normas particulares (...). Assim,

o critério – estrutural – da generalidade não é senão conseqüência

necessária da consideração do critério funcional. (...). 67

a Paulo Bonavides, p. 196.

65 SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional.

In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides, p. 196.

66 SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional.

In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides, p. 194.

67 SILVA, José Antônio Parented da. O significado dos princípios na interpretação constitucional.

In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides, p. 195.

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33

1.6 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

1.6.1 A supremacia como princípio constitucional

O princípio da supremacia constitucional deriva,

especialmente, da rigidez da Constituição, ou seja, a Constituição, ante sua difícil

mutabilidade, encontra-se no ápice do sistema legislativo de um país, mesmo

porque decorre dela o reconhecimento e estruturação das demais normas e

demais órgãos.

Corrobora Bonavides ao dizer que das Constituições rígidas

“resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a

lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder inferior, de competência

limitada pela Constituição mesma”. 68

1.6.2 A Supremacia material e formal

Há a distinção entre a supremacia material e a formal. A

primeira refere-se ao conteúdo da norma, tendo um teor mais “político”. A

supremacia material é reconhecida, inclusive, nas constituições costumeiras e nas

flexíveis.

A supremacia formal possui cunho jurídico que se ergue no

fundamento da rigidez da Constituição. Explana Silva, citando Burdeau, que “é

somente no caso de rigidez constitucional que se pode falar em supremacia

formal da constituição”. 69

1.6.3 A Supremacia da Constituição Federal Brasileira de 1988

A Constituição brasileira é rígida, sendo, portanto a lei

suprema do país. É nela que estão fundamentados os poderes e competências do

governo. Todos os poderes e entes são limitados pelas normas inseridas na

Constituição. Do mesmo modo, todas as normas do ordenamento jurídico

68

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional, p. 296.

69 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 46.

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34

brasileiro só terão validade se estiverem de acordo com as normas

constitucionais. 70

70

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo, p. 46.

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CAPÍTULO 2

LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR

2.1 A CRFB/88 COMO CARTA DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS

A Competência Legislativa, como conceitua Carvalho, “é a

aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas,

inovando o ordenamento jurídico”. 71

Acerca do assunto, explica Amaro:

“Numa Federação, especialmente na brasileira, em que mesmo os

Municípios tem sua esfera própria de atribuições exercidas com

autonomia, a Constituição preocupa-se com prover de recursos os

vários entes políticos – União, Estados, Distrito Federal e

Municípios – a fim de que cada qual possa atender aos seus

respectivos dispêndios”. 72

Dentre as várias competências das pessoas políticas,

destaca-se a competência tributária, uma competência originária, que vem a ser,

como assevera Carrazza, “a faculdade de editar leis que criem, in abstracto,

tributos” 73, encontrando seu fundamento no próprio texto constitucional.

Por tratar das diretrizes básicas dos tributos, a

Constituição de 1988 é considerada a lei tributária fundamental.

71

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 217.

72 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 91.

73 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 21. ed. São Paulo:

Malheiros, 2005. p. 466.

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Algumas normas constitucionais disciplinam a produção de

normas de nível legal e infralegal. Essas são chamadas “normas de estruturas”,

as quais pertencem as que tratam da competência tributária,

Acerca das normas estruturais constitucionais tributárias,

divaga Carrazza:

Tais normas autorizam os Legislativos da União, dos Estados, dos

Municípios e do Distrito Federal a criarem, in abstracto, tributos,

bem como a estabelecerem o modo de lançá-los e arrecadá-los,

impondo a observância de vários postulados que garantem os

direitos dos contribuintes. 74

Assim sendo, tem-se que os entes políticos – União,

Estados, Distrito Federal e Municípios – têm o poder de criar tributos e deliberar

sobre seu alcance, desde que respeitada a divisão de competências

constitucional.

2.2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: CONCEITO, EXERCÍCIO, TITULARIDADE

A Competência Tributária, citando Oliveira, possui o seguinte

conceito:

Pode ser definida como a faculdade ou outorga de poder que a

Constituição Federal confere às demais pessoas políticas

integrantes da Federação Brasileira, no sentido de que estas

venham a instituir (criar) os seus respectivos tributos. 75

Na legislação brasileira, por conta do princípio da legalidade,

os tributos são criados abstratamente por lei, que deve expor todos os elementos

essenciais da norma tributária, quais sejam: a hipótese de incidência, o sujeitos

do tributo, a base de cálculo e a alíquota, que só podem ser veiculados por meio

de lei.

74

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 466 – 467.

75 OLIVEIRA, Vicente Kleber de Melo. Direito Tributário: Sistema Tributário Nacional. Belo

Horizonte: Del Rey, 2001. p.

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Em outras palavras, Carrazza conceitua:

A competência tributária é a habilitação ou, se preferirmos, a

faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas

pessoas (as pessoas jurídicas de direito interno público interno)

para que, por meio de lei, tributem. 76

Uma vez que a definição de competência tributária é criar

tributos por meio de lei, exercitá-la é dar nascimento ao referido tributo. Explica

Carrazza que “a competência tributária esgota-se na lei” 77, em razão disto, cessa-

se seu exercício com a edição da lei instituidora do imposto criado.

Depois de exercitada a competência tributária deixa de

existir, dando lugar à capacidade tributária ativa, conforme explica Tavares:

O exercício da competência tributária encerra-se juntamente com

a edição da lei, isto é, após regularmente editada, a competência

tributária cede lugar à denominada capacidade tributária ativa,

relacionada com as atividades da administração, arrecadação e

fiscalização do tributo originariamente instituído. 78

Cumpre ressaltar que um ente titular de uma competência

tributária, ao deixar de exercitá-la, não estará abrindo espaço para que outro

poder tributante o faça, como expressa o artigo 8º do Código Tributário Nacional:

Art. 8º. O não exercício da competência tributária não a defere a

pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a

Constituição a tenha atribuído.

A Constituição de 1988 outorga competência tributária e

exige que a instituição do tributo se faça pelo único meio hábil: a lei. Assim sendo,

a competência tributária implica na competência para legislar, como prevê o

próprio Código Tributário Nacional, em seu artigo 6º:

76

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 469.

77 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 471.

78 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 51.

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Art. 6º. A atribuição constitucional de competência tributária

compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as

limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos

Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos

Municípios, e observado o disposto nesta Lei.

Deste modo, a titularidade da competência tributária fica a

cargo das pessoas políticas, quais sejam, a União, os Estados, o Distrito Federal

e os Municípios, pela simples razão de que estes “possuem poder legislativo com

representação própria” 79, e como sabido, apenas o Poder Legislativo está

autorizado a criar tributos.

2.3 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Institui Carrazza que a competência tributária possui as

seguintes características: a) privatividade; b) indelegabilidade; c)

incaducabilidade; d) inalterabilidade; e) irrenunciabilidade; e f) facultatividade do

exercício.

2.3.1 Privatividade

A privatividade, nesta matéria, é sinônima de exclusividade,

ou seja, a Constituição atribui, exclusivamente, a cada pessoa política a

competência de criar determinado tributo.

As regras constitucionais que versam sobre competências

tributárias são de duplo comando, uma vez que, ao tempo em que autorizam a

pessoa política a criar certo tributo – e apenas àquela pessoa –, proíbem as

demais de instituí-lo.

Diz Carraza:

Efetivamente, a outorga de competência tributária importa, a

contrario sensu, interdição, que resguarda a eficácia de sua

singularidade. Ao mesmo tempo em que afirma a competência de

uma pessoa política, nega a das demais. É cláusula vedatória

79

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 51.

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implícita, de endereço erga omnes, salvo, é claro, o próprio

destinatário da prerrogativa. 80

Cumpre ressaltar que a competência tributária, como as

demais, é de ordem pública. Desta maneira, o ente político não pode invadir a

competência alheia, nem concordar que sua competência seja utilizada por outra

pessoa política.

A criação de um tributo por uma pessoa política

incompetente, gera ato de nulidade absoluta, uma vez que, por ser uma violação

constitucional, é um erro não sanável.

Portanto, conclui Carrazza, “a falta de competência da

pessoa política que, fazendo rosto à Constituição, „cria‟ tributos alheios, acarreta a

nulidade do ato por ofensa a princípio básico da ordem jurídica”. 81

2.3.2 Indelegabilidade

Como o próprio título sugere, as competências tributárias

são indelegáveis. Ou seja, o titular de uma competência não poderá transferi-la a

terceiro; poderá até deixar de exercitá-la, mas nunca permitir que outra pessoa o

faça em seu lugar.

Em sua obra, utilizando-se das palavras de Francesco

D‟Allesio, dispõe Carrazza:

Cada exercício do poder político pressupõe, sempre, um interesse

coletivo a satisfazer, que transcende aos interesses particulares;

e, se isto é verdadeiro, como não se pode duvidar, a

inderrogabilidade da competência aparece plenamente justificada. 82

80

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 483.

81 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito tributário constitucional, p. 484.

82 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito tributário constitucional, p. 616.

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A indelegabilidade da competência é uma característica

prevista na Lei que regulamenta as normas gerais de Direito Tributário no Brasil,

encontrando-se disposta no caput do art. 7º, do Código Tributário Nacional, nos

seguintes termos:

Art. 7°. A competência tributária é indelegável, salvo atribuição

das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar

leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria

tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a

outra, nos termos do § 3° do art. 18 da Constituição.

Se cada pessoa política pudesse dispor livremente de sua

competência, a Constituição nada mais seria que uma carta de recomendações

que poderiam ou não ser acatadas por seus destinatários, retirando, desta

maneira, toda força e prestígio de nossa Lei Superior.

2.3.3 Incaducabilidade

Como visto, a autoridade competente poderá deixar de

exercitar a competência tributária que lhe foi atribuída, porém, seu não exercício,

ainda que prolongado, não impede posteriormente que a pessoa política venha a

criar os tributos que lhe foram deferidos por meio do texto constitucional.

2.4 BITRIBUTAÇÃO X BIS IN IDEM

Apesar de muitas vezes serem tratados como idênticos,

estes dois institutos jurídicos são diferentes, especialmente no que se refere a

legislação pátria.

Vejamos, bis in idem ocorre quando o mesmo ente tributante

institui um tributo de idêntica natureza a outro preexistente, ou seja, com a mesma

hipótese de incidência ou base de cálculo a uma lei fiscal por ela já editada e em

plena vigência.

Já a bitributação se dá quando duas ou mais pessoas

políticas legislam sobre tributo com uma mesma hipótese de incidência ou base

de cálculo. Nestes casos, o que ocorre é a invasão de competência.

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Acerca da diferença entre ambas, assevera Tavares:

Eis o traço diferencial entre uma e outra. No bis in idem o encargo

adicional é criado pela mesma pessoa jurídica de direito público

interno, o que inocorre na bitributação, que pressupõe a instituição

de um mesmo tributo por pessoas distintas.

No que concerne a legislação, cumpre ressaltar que a figura

do bis in idem não se encontra proibida em nosso ordenamento jurídico, e,

portanto o legislador está autorizado a utilizá-la, desde que haja expressa

recepção no texto constitucional.

Já a bitributação, por se tratar de invasão de competência,

via de regra, encontra-se proibida na Constituição, em razão, justamente, da

rígida repartição de competência nela prevista.

2.5 LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR

2.5.1 Imunidades Tributárias

Ao conferir aos entes políticos competência para instituir

tributos, quis também a Constituição assegurar que determinadas situações,

pessoas, bens ou serviços ficassem fora do alcance dos tributos, gerando, assim,

a imunidade tributária.

Diz Tavares, “assim como os princípios constitucionais que

regem o Sistema Tributário Nacional, a imunidade tributária aparece como uma

limitação ao poder de tributar”. 83

Acerca da imunidade tributária, conceitua Oliveira:

É a vedação constitucional ao poder de tributar. Emerge da

Constituição e as pessoas ou bens imunes tornam-se inatingíveis

pelas leis tributárias, ou seja, não chega a ocorrer o fato gerador

da obrigação tributária. 84

83

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 41.

84 OLIVEIRA, Vicente Kleber de Melo. Direito tributário: sistema tributário nacional. Belo

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As imunidades tributárias são absolutas, ou seja, por serem

matéria constitucional anulam qualquer pretensão estatal neste sentido.

Diz Carraza que “as normas constitucionais que tratam das

imunidades tributárias fixam a incompetência das pessoas políticas para fazerem

incidir a tributação sobre determinadas pessoas (...)” 85, e encontram seu

fundamento na própria Constituição, como assevera Amaro:

O fundamento das imunidades tributárias é a preservação de

valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas

entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a

liberdade de expressão etc.), que faz com que se ignore a

eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa

(ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente

da existência dessa capacidade, a não-tributalidade das pessoas

ou situações imunes. 86

A imunidade é, simplesmente, um meio instituído pela

Constituição de 1988 que permite ao constituinte excluir do campo tributário

certas situações que devem ser isentadas do gravame fiscal, de alguma maneira.

2.5.2 Princípios Constitucionais Tributários

2.5.2.1 Princípio da Capacidade Contributiva

O Princípio da Capacidade Contributiva, que desapareceu

com a Constituição de 1967, ressurgiu no Texto Constitucional em 1988 e

encontra-se previsto no art. 145, §1°:

Art.145. (...).

§1°. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e

serão graduados segundo a capacidade econômica do

contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente

para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados

Horizonte: Del Rey, 2001. p. 155.

85 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 678.

86 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 151.

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os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os

rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

O conteúdo do §1° do art. 145, disposto na Constituição de

1988 é programático, tendo como foco do seu texto o legislador e consagra-se

como um princípio de individualidade, uma vez que visa atingir o indivíduo por si

mesmo e não levando em consideração o grupo social em que vive.

O princípio da capacidade contributiva é baseado na

verdadeira riqueza do contribuinte e não incide sobre as riquezas presumidas, vez

que se encontra intimamente ligado a real capacidade dos contribuintes.

Este princípio, como diz Amaro, “baseia-se na ordem natural

das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir impostos, do mesmo modo

que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água”. 87 Mas o princípio em

questão não visa à preservação da eficácia da tributação, mas tem também como

foco preservar o contribuinte, evitando que a tributação excessiva comprometa os

seus meios de subsistência, sua profissão, etc.

Quanto à expressão “sempre que possível”, presente no §1°

do artigo 145 da Constituição de 1988, tem-se que não versa sobre a

facultatividade do legislador em vincular o tributo a possibilidade econômica do

contribuinte e sim se refere a natureza do tributo, como assevera Carrazza:

(...) se for da índole constitucional do imposto, ele deverá

obrigatoriamente ter caráter pessoal e ser graduado de acordo

com a capacidade econômica do contribuinte. Ou, melhor: se a

regra-matriz do imposto (traçada na Constituição Federal) permitir,

ele deverá necessariamente obedecer ao princípio da capacidade

contributiva. 88

Ainda sobre a expressão sempre que possível que inicia o §

1° do art. 145, expõe Melo:

87

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 138.

88 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 100.

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A expressão sempre que possível deve significar o ingente

exaustivo esforço a ser pautado pelo legislador, para disciplinar o

ônus tributário, com a maior segurança (possível), e com a menor

margem de engano (também possível), a fim de que o contribuinte

participe das necessidades coletivas (interesse público), com

suportável parcela do seu patrimônio. 89

Em resumo, acerca do princípio em tela, explica Tavares:

Enfim, entremostra-se o princípio da capacidade contributiva, pois,

num enunciado de valor real e não aparente, voltado a proteger o

mínimo vital. Resulta do princípio fundamental da dignidade da

pessoa humana e do Estado Democrático de Direito. Impõe ao

Fisco o acurado exame do substrato econômico sobre o qual

incide o tributo, na busca da riqueza efetiva do contribuinte, sem

apelo a presunções juris tantum. 90

2.5.2.2 Princípio da Anterioridade

O princípio da anterioridade encontra-se regulado pelo artigo

150, inciso III, alíneas “b” e “c”, do Texto Constitucional, a seguir:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

(...)

III – cobrar tributos:

(...)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei

que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido

publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto

na alínea b.

Exercício financeiro, segundo Amaro “é o período de tempo

para o qual a lei orçamentária aprova a receita e a despesa pública”. 91 Em nosso

89

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito constitucional tributário. 6. ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 33.

90 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 34.

91 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 121.

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país, o exercício financeiro coincide com o ano civil, ou seja, vai de 1° de janeiro a

31 de dezembro de cada ano.

Por força deste princípio, a lei que crie ou aumente tributos,

se publicada até 31/12 de determinado ano, não poderá produzir efeitos no

mesmo ano-calendário. O Texto Constitucional, na alínea c, do inciso III, do art.

150, exige, ainda, que seja observada a antecedência mínima de noventa dias

entre a data da publicação da lei que instituiu ou aumentou o tributo e a data em

que será aplicado.

Este postulado evita a tributação de surpresa, uma vez que

a lei impõe obstáculo duplo para que a norma fiscal adquira eficácia.

Conclui Tavares:

Portanto, percebe-se claramente que as alíneas b e c do inc. III do

art. 150 da CF/88 devem ser observadas cumulativamente pelo

aplicador da lei fiscal, não bastando a só fluência do prazo

nonagesimal ou o transporte do ano-calendário. É preciso mais! É

preciso que os noventa dias não transcorram ainda no mesmo

exercício ou que a passagem de um exercício financeiro para o

outro ocorra durante a vacatio legis de noventa dias que, uma vez

observada, torna a lei fiscal sistematicamente apta a produzir os

seus efeitos. (...). 92

Alguns tributos escapam à aplicação do princípio da

anterioridade. A própria CRFB/88 elenca os tributos que não devem obediência

aos comandos desta limitação ao poder de tributar.

Por força do artigo 150, §1°, da Constituição de 1988, estão

livres total e/ou parcialmente do cumprimento do princípio da anterioridade:

O imposto sobre a importação de produtos estrangeiros (II) –

exceção as alíneas b e c;

92

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 24.

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46

O imposto sobre a exportação, para o exterior, de produtos

nacionais ou nacionalizados (IE) – exceção às alíneas b e c;

O imposto sobre produtos industrializados (IPI) – exceção à

alínea b;

O imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou

relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF) – exceção às alíneas b e c;

Os impostos extraordinários, instituídos por motivo de guerra

externa ou por sua iminência, de supressão gradativa tão logo cessadas as suas

causas motivadoras (previsto no art. 154, II, da CF) – exceção às alíneas b e c;

Os empréstimos compulsórios instituídos para atender

despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa

ou sua iminência (CF/88, art. 148) – exceção às alíneas b e c.

Este rol não é exaustivo e, embora não conste no artigo 150,

§1°, do texto constitucional, escapam também ao princípio da anterioridade a

contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE), relativa às atividades

de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e

seus derivados e álcool combustível.

Ainda, a vedação nonagesimal de incidência tributária não

se aplica à fixação da base de cálculo do IPVA (art. 155, III, CRFB/88) e do IPTU

(art. 156, I, CRFB/88).

2.5.2.3 Princípio da Irretroatividade

A diretriz jurídica tradicional estabelece, no art. 6°, da Lei de

Introdução ao Código Civil, que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral,

respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

A Constituição de 1988, da mesma maneira, em seu art. 5°,

inciso XXXVI, proíbe o lançamento de leis que possam prejudicar os direitos e

interesses dos cidadãos.

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O presente postulado encontra amparo no art. 150, inciso III,

alínea a, que segue:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

(...)

III – cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da

vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Diz Melo, acerca do princípio da irretroatividade:

A lei tributária, como regra, só pode incidir, gravar, onerar os fatos

futuros, mantendo íntima vinculação com o apontado princípio da

anterioridade, com o escopo de permitir segurança e certeza às

situações tributárias concernentes às suas atividades e interesses. 93

O princípio da irretroatividade visa proteger o direito

adquirido e a coisa julgada e além de ter como foco o aplicador da lei, é também

dirigido ao legislador, “a quem fica vedado ditar regra para tributar fato passado

ou para majorar o tributo que, segundo a lei da época, gravou esse fato”. 94

Discorre Baleeiro:

A Constituição Federal brasileira, por meio da irretroatividade

protege tanto os efeitos irradiados pelo fato, como o próprio fato, o

que está de acordo não apenas com a lógica jurídica, mas,

sobretudo com os valores que o princípio abriga. O art. 5°, XXXVI,

por tradição histórica, refere os efeitos, mas o art. 150, III, a,

destaca o fato jurídico, vedando a retroação da lei. Em um ou

outro caso, as conseqüências são as mesmas, porque se

alterando os efeitos jurídicos já desencadeados, a lei nova terá

modificado fato pretérito. 95

93

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito constitucional tributário, p. 28.

94 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 119.

95 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro:

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Pode a lei tributária reduzir ou dispensar o pagamento de

tributos referentes a fatos passados, dispensando-os dos efeitos gerados pela lei

vigente à época, desde que o faça de forma expressa. O que não pode ocorrer é

o aplicador da lei permitir a dispensa ou redução do gravame fiscal, utilizando

como justificativa a lei nova que tenha feito a exclusão ou redução do tributo

previsto em lei anterior.

No que diz respeito à criação ou majoração de um tributo,

não há exceções ao princípio da irretroatividade, ou seja, a lei não pode retroagir,

devendo dirigir-se somente a fatos futuros, isto é, posteriores ao momento da

entrada em vigor da nova lei de incidência tributária.

2.5.2.4 Princípio da Isonomia

O capítulo de direitos e deveres individuais e coletivos do

texto constitucional brasileiro é iniciado pelo princípio da igualdade que diz que

“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (art. 5°,

caput, CF/88). Em matéria tributária o referido princípio é evidenciado pelo art.

150, inciso II, da CRFB/88, que prescreve:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao

contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e

aos Municípios:

(...)

II – instituir tratamento desigual aos contribuintes que se

encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção

em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,

independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,

títulos ou direitos;

Este princípio implica que toda e qualquer pessoa que se

enquadre na hipótese legalmente descrita em determinada lei fiscal, estará sujeita

ao mandamento legal. Desta maneira, o princípio em tela encontra-se dirigido ao

Forense, 2003. p. 196.

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aplicador da lei, que não poderá diferenciar as pessoas, ora submetendo-as, ora

não ao texto legal, de acordo com suas vontades ou interesses.

No que se refere ao legislador, este também deverá fazer jus

ao princípio da isonomia quando da edição da lei, sendo a ele vedado o

tratamento diverso para situações iguais ou equivalentes.

É a finalidade do princípio a garantia do indivíduo, evitando

perseguições e favoritismos. Acerca disto, pondera Tavares:

O conteúdo político-ideológico, encampado por esse princípio, é

claro: a lei não pode servir de fonte de privilégios ou perseguições

fiscais. Pela via do postulado da isonomia o sistema inviabiliza o

patrocínio de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Revela-

se inadmissível, portanto, à luz do principio da isonomia fiscal, a

tributação discriminada de contribuintes que se encontrem em

situação equivalente. 96

O princípio da isonomia possui estreitos laços com os

princípios da capacidade contributiva e do não-confisco. Como diz Amaro, “hão de

ser tratados, pois, com igualdade aqueles que tiverem igual capacidade

contributiva, e com desigualdade os que revelem riquezas diferentes (...)”. 97

Desta maneira, o contribuinte desprovido de capacidade

contributiva deverá ter tratamento diferenciado, sob pena de o respectivo encargo

assumir feição confiscatória.

Acerca da correlação entre os princípios da isonomia, da

capacidade contributiva e do não-confisco, conclui Baleeiro:

De fato, a capacidade econômica é pressuposto do princípio que

veda utilizar tributo com efeito de confisco, de sentido amplo,

vazado em termos absolutos e garantidor do direito de

96

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 28/29.

97 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 136.

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50

propriedade e de seus acréscimos, inclusive por ordem

sucessória. Mas distinto da justiça material ou da isonomia. 98

Com base no exposto, torna-se totalmente adequada a

utilização do imposto progressivo, visto que aquele que possui maior capacidade

contributiva deve pagar imposto maior.

A polêmica que cerca este princípio se dá em torno da

questão de saber se o legislador pode estabelecer hipóteses discriminatórias e

qual critério a ser utilizado nessas situações.

Para resolver esta problemática, a doutrina predominante

formula que deve haver nexo de causalidade entre o critério de discriminação e a

finalidade da norma. Diz Amaro, citando Celso Antônio Bandeira de Melo:

Celso Antônio Bandeira de Melo, além de sublinhar a necessidade

de uma correlação lógica entre o fator de discriminação e a

desequiparação pretendida, registra ser imperioso que a razão

invocada para dessemelhar seja pertinente com os valores

resguardados pela Constituição. 99

Assim como não é permitido que o tributo atinja somente um

ou alguns contribuintes, também é vedado às pessoas políticas que concedam,

arbitrariamente, isenções tributárias a contribuintes levando em consideração

suas profissões, sexo, filiação partidária, etc. Em suma, a discriminação tributária

poderá ocorrer, desde que expressamente prevista no texto constitucional.

2.5.2.5 Princípio do Não-Confisco

Como diz Amaro, “confiscar é tomar para o Fisco,

desapossar alguém de seus bens em proveito do Estado” 100. A Constituição de

1988 protege a propriedade, em seus arts. 5°, XXII, e 170, II, e coíbe o confisco,

98

BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 537.

99 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 136.

100 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 144.

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51

ao determinar a prévia e justa indenização nos casos de desapropriação (art. 5°,

XXIV; art. 182, §§ 3° e 4°; art. 184).

Em matéria tributária, o princípio constitucional que veda o

confisco está previsto no art. 150, IV, da CRFB/88, e encontra-se intimamente

ligado ao princípio da capacidade contributiva, “positivando-se sempre que o

tributo absorva parcela expressiva da renda, ou propriedade dos contribuintes,

sendo constatado, principalmente, pelo exame da alíquota, da base de cálculo, e

mesmo da singularidade dos negócios e atividades realizadas”. 101

É de extrema dificuldade delimitar quando o tributo passa a

assumir caráter confiscatória, uma vez que não há limites estipulados na lei,

sendo complicado saber até onde o tributo poderá avançar sobre o patrimônio do

contribuinte, sem configurar o confisco, o que leva a um problema na

aplicabilidade deste princípio, como explica Tavares:

A falta de precisa delimitação do ponto, a partir do qual um tributo

assume feição confiscatória, tem conduzido a uma inaplicabilidade

prática desse princípio. As linhas demarcatórias da

confiscatoriedade, no âmbito da tributação, apresentam-se

nebulosas, para não dizer completamente apagadas, implicando

soluções fortemente marcadas pelo subjetivismo, extremamente

prejudicial à lógica do sistema. 102

Divaga Amaro, acerca da problemática supracitada:

Algumas situações são expressivas na caracterização do confisco;

por exemplo, imposto que absorvesse toda a renda do contribuinte

sem dúvida seria confiscatório; do mesmo modo, o tributo que

tomasse parcela substancial do patrimônio do indivíduo. Mas qual

seria o percentual a partir de que o imposto passa a ser

confiscatório? Isto não está dito na Constituição. Haverá

hipóteses, por outro lado, em que uma tributação severa se

101

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito constitucional tributário, p. 34.

102 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 34.

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justifica, por razões de política fiscal (como se dá com os tributos

de fins extrafiscais). 103

Como solução à falta de limites legais sobre o caráter

confiscatório dos tributos, Machado diz que “cabe ao Judiciário dizer quando um

tributo é confiscatório” 104. E diz mais:

(...). A regra constitucional, no mínimo, deu ao Judiciário mais um

instrumento de controle da voracidade fiscal do Governo, cuja

utilidade certamente fica a depender da provocação dos

interessados e da independência e coragem dos magistrados,

especialmente dos que integram o Supremo Tribunal Federal. 105

O princípio do não-confisco é “um critério informador da

atividade do legislador” 106, mas cabe ao intérprete e ao julgador, em análise a

situação concreta, verificar se o tributo está ou não assumindo caráter

confiscatório.

2.5.2.6 Princípio da Liberdade de Tráfego de Pessoas e Bens

O art. 150, inciso V, da Constituição Federal de 1988, proíbe

às pessoas jurídicas de Direito Público “estabelecer limitações ao tráfego de

pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais,

ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder

Público”.

Esta limitação ao poder de tributar vai de encontro ao

princípio federativo e estabelece parâmetros para a atividade tributária, como diz

Melo: “este princípio constitui reafirmação do princípio federativo, coibindo a

103

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 145.

104 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. São Paulo:

Malheiros, 2006. p. 64.

105 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito constitucional tributário, p. 64.

106 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 145.

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exigência de gravames tributários que acarretem o impedimento da livre

circulação entre os Estados e os Municípios, (...)”. 107

O presente princípio destina-se ao impedimento de criações

de barreiras fiscais que coíbam a livre movimentação física de pessoas e bens.

Ainda, acerca do alvo deste preceito, discorre Amaro:

O que a Constituição veda é o tributo que onere o tráfego

interestadual ou intermunicipal de pessoas ou bens; o gravame

tributário seria uma forma de limitar esse tráfego. Em última

análise, o que está em causa é a liberdade de locomoção (de

pessoas ou bens), mais do que a não-discriminação de bens ou

pessoas, a pretexto de irem para outra localidade ou de lá virem;

ademais, prestigiam-se a liberdade de comércio e o princípio

federativo. 108

Finalmente, cumpre ressaltar que se encontra

expressamente em nossa Constituição, como ressalva à presente limitação ao

poder de tributar, a cobrança do pedágio. Ressalva esta que, na opinião de

Machado, “poderia ser considerada desnecessária especialmente pelos que

consideram não ser o pedágio um tributo, tem a virtude de afastar as

controvérsias a respeito da natureza jurídica do pedágio”. 109

2.5.2.7 Princípio da Uniformidade Geográfica

O princípio da uniformidade geográfica decorre do princípio

da isonomia tributária, e encontra-se previsto no art. 151, inciso I, da CRFB/88,

que segue:

Art. 151. É vedado à União:

I – Instituir tributo que não seja uniforme em todo o território

nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a

Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de

107

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito constitucional tributário, p .36.

108 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 146/147.

109 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito constitucional tributário, p. 67.

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outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a

promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre

as diferentes regiões do país.

Em suma, o presente princípio se traduz em uma norma

imperativa que determina que os tributos federais sejam uniformes em todo o

território nacional, sem qualquer distinção entre Estados, Distrito Federal e

Municípios.

Tavares discorre sobre o presente postulado:

Trata-se de mais um princípio ratificador do postulado federativo e

da autonomia municipal, na medida em que o constituinte proibiu

eventual distinção ou privilégio em relação a um Estado, ao

Distrito Federal ou a um Município, em prejuízo dos demais. 110

A ressalva presente no artigo, que permite os incentivos

fiscais regionais visando o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico nas

diversas regiões do País, vai diretamente ao encontro da antiga premissa de

tratar desigualmente os desiguais, posto que, como diz Amaro, “situações

desuniformes não podem ser tratadas de modo uniforme”. 111

2.5.2.8 Princípio da Não-Cumulatividade e Seletividade

O princípio da não-cumulatividade se aplica ao Imposto

sobre Produtos Industrializados (IPI) – art. 153, § 3°, II – e ao Imposto sobre

Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de

Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações (ICMS)

– art. 155, § 2°, I; bem como aos impostos da competência residual da União –

art. 154, I – e a certas contribuições sociais – art. 195, § 4°, c/c o art. 154, I, e art.

195, §§ 12 e 13, na redação da EC n. 42/2003.

O princípio da não-cumulatividade, de acordo com o Melo,

possui o seguinte conceito:

110

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 35.

111 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 137.

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A não-cumulatividade implica a compensação de „créditos‟ com

„débitos‟ dos mencionados impostos, gerados num determinado

período de tempo (usualmente mensal), mediante a utilização de

uma autêntica conta-corrente fiscal, em razão do que esta mesma

sistemática deverá ser observada relativamente aos impostos que

venham a ser criados com fundamento na competência residual

da União (art. 154, I). 112

Já o princípio da seletividade dispõe que a tributação deve

levar em consideração a essencialidade do produto e é afeto ao IPI e ao ICMS.

Diz Tavares:

É por força do princípio da seletividade que se impõe a aplicação

de alíquotas menos onerosas aos produtos de primeira

necessidade, assim como a faculdade da tributação gravosa de

produtos supérfluos, tais como cigarros e bebidas. 113

Importa informar que a CRFB/88 dispõe em seu art. 153, §

3°, I, que o IPI deve ser seletivo, dando, então caráter obrigatório a este imposto;

enquanto o art. 155, § 2°, III, do texto constitucional dispões que o ICMS pode ser

seletivo, figurando como mera norma indutora de conduta (de caráter facultativo).

2.5.2.9 Princípio da Proporcionalidade e Progressividade

A proporcionalidade se dá pelo emprego de alíquota fixa e

base de cálculo variável, ao passo que a progressividade implica a variação da

alíquota em função da base de cálculo, isto é, “quanto mais intenso o estereótipo

objetivo de riqueza apresentado por uma pessoa, mais elevada será a alíquota

incidente sobre a base de cálculo legalmente eleita”. 114

O princípio da progressividade encontra-se intimamente

ligado aos princípios da capacidade contributiva e da isonomia fiscal na busca da

tributação justa e ideal, como divaga Tavares:

112

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito constitucional tributário, p. 39.

113 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 36.

114 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 36.

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(...) tem-se que três princípios, umbilicalmente interligados entre

si, sobrelevam-se por sua difusão e aceitação nas Constituições

atuais como ferramentas de fomento da justiça distributiva no

campo da tributação: o princípio da generalidade, o princípio da

igualdade e, como catalisador da generalidade e igualdade nesse

fértil campo, o princípio da capacidade contributiva, que, por sua

vez, reclama a progressividade de certos tributos como meio de

se alcançar um sistema tributário progressivo. 115

2.5.2.10 Princípio da Não-Discriminação em Razão da Procedência ou Destino

Este postulado, em consonância com o art. 152, da

CRFB/1988, dispõe que é vedado às pessoas políticas tributar de maneira

diferenciada bens e serviços, seja qual for sua natureza, em razão de sua

procedência ou destino.

Assim, tem-se que simples procedência ou destino de bens

ou serviços, por si mesmo, não podem servir de critério para tributação, ou

“manipulação das alíquotas e da base de cálculo pelos legisladores da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (...)”. 116

2.5.2.11 Princípio da Legalidade Tributária

O princípio da legalidade encontra-se consagrado no art. 5°

da CRFB/88 e é o pilar do direito tributário brasileiro, como dispõe Carrazza: “(...)

A raiz de todo administrativo tributário deve encontrar-se numa norma legal, nos

termos expressos do art. 5°, II, da Constituição da República”. 117

Apenas este dispositivo que vislumbra os direitos e deveres

individuais e coletivos dos cidadãos bastaria para assegurar a correta aplicação

do Direito Tributário, mas o legislador constituinte, no intuito de proteger os

contribuintes, gravou em mais um dispositivo a garantia da legalidade tributária,

115

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 37.

116 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 38.

117 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 241.

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qual seja o art. 150, I, da CRFB/88, que veda às pessoas jurídicas de Direito

Pública a criação ou aumento de qualquer tributo sem lei que assim estabeleça.

Expressa Carvalho:

Em outras palavras, qualquer das pessoas políticas de direito

constitucional interno somente poderá instituir tributos, isto é,

descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar os existentes,

majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante a expedição

da lei. 118

O presente princípio, como assevera Amaro, “é informado

pelos ideais de justiça e de segurança jurídica, valores que poderiam ser

solapados, se à administração pública fosse permitido, livremente, decidir quando,

como e de quem cobrar tributos”. 119

Desta maneira, tem-se que qualquer cobrança por parte da

Fazenda Pública só poderá ser feita se houver lei que a autorize, desta maneira, o

princípio da legalidade torna-se uma delimitação clara à atuação do Fisco.

Carrazza acrescenta que “o princípio da legalidade garante,

decisivamente, a segurança das pessoas, diante da tributação”. 120

Mais do que prévia lei que estabeleça o tributo, requer-se

que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador,

necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que

venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei, surgindo, assim a estrita

legalidade tributária.

A não observância do princípio da estrita legalidade tributária

acarreta na inaplicabilidade do tributo, como explica Tavares:

118

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 158.

119 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 111.

120 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 242.

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Sempre que a norma jurídico-fiscal se mostrar incompleta, ou

seja, sempre que deixar de descrever pormenorizadamente todos

os elementos essenciais do tributo (aspecto material, espacial,

temporal, pessoal e quantitativo), o mesmo não poderá ser

exigido, em razão da irremediável insuficiência da norma jurídico-

tributária, que, além de abortar o seu surgimento, configura vício

não-suprível pela superveniência de regulamentos praeter legem. 121

Tem-se, então, que a “obrigação tributária é uma

decorrência necessária da incidência da norma sobre o fato concreto, cuja

existência é suficiente para o nascimento daquela obrigação (CTN, art. 114)”. 122

Diz, ainda, Amaro:

O conceito de fato gerador (CTN, art. 114) não deixa dúvida

quanto ao que se expôs. É que, para ser possível a concreção do

dever tributário com a só ocorrência do fato gerador, há de estar já

na própria norma legal a completa descrição dos fatos à vista de

cuja realização ter-se-á, como decorrência necessária, o

nascimento da obrigação tributária, no montante apurável

segundo os critérios de medida definidos em lei. 123

Porém, como exceção a este postulado, a Carta Magna

vigente concedeu ao Poder Executivo a faculdade de graduar as alíquotas de

alguns tributos, dentro dos limites legalmente estabelecidos, qual sejam: a)

imposto sobre importação; b) imposto sobre exportação; c) imposto sobre

produtos industrializados; d) imposto sobre operações de crédito, câmbio,

seguros, títulos e valores mobiliários (art. 153, § 1°); e) empréstimos

compulsórios, instituídos em caso de guerra e calamidade (art. 148).

Derradeiramente cumpre informar que a lei exigida pela

CRFB/88 para a criação do tributo é a lei ordinária, e, de forma excepcional, a lei

121

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 17.

122 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 112.

123 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 112.

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complementar para alguns tributos, como os impostos criados pela União no

exercício da competência residual.

A legalidade é o princípio basilar do ordenamento jurídico

brasileiro, sendo um dos mais importantes, se não de maior importância, do

direito tributário deste país e será tratado de forma aprofundada no próximo

capítulo.

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CAPÍTULO 3

O SENTIDO E O ALCANCE DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE EM

MATÉRIA TRIBUTÁRIA

3.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DECORRENTE DO ESTADO DE DIREITO

Inicialmente convém lembrar que o Estado de Direito é um

Estado regido por leis, e, por assim, dizer, submisso ao Direito. Segundo

Carrazza, “o Estado de Direito assegura o império da lei, como expressão da

vontade popular”. 124

O princípio da legalidade, no sentido genérico, prevê que

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude

de lei”, e encontra-se previsto no inciso II do art. 5º da CRFB/88. Pondera Ichihara

que o princípio da legalidade “no Estado de direito, não só submete os indivíduos

à lei, como também o próprio Estado, limitando sua ação e submetendo-o”. 125

O conceito de Estado de Direito, historicamente, surge a

partir da luta da burguesia para derrubar o poder arbitrário e absoluto presente no

sistema monárquico.

As limitações aos poderes do Estado estão atreladas aos

primeiros traços condicionados ao poder tributário do Estado, dando início, em

razão disto, à primeira idéia do princípio da legalidade, que faz nascer o Direito

Tributário, bem como se constitui como base do Direito Constitucional, que por

sua vez caracteriza-se como a base do Estado de Direito.

124

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 237.

125 ICHIHARA, Yoshiaki. Princípios da legalidade tributária na Constituição de 1988. São

Paulo: Atlas, 1994. p. 53.

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Tem-se, portanto, que o princípio da legalidade decorre do

Estado de Direito. Não há que se falar em Estado de Direito sem lei.

Neste sentido explana Coêlho:

Estado de Direito e legalidade na tributação são termos

equivalentes. Onde houver Estado de Direito haverá respeito ao

princípio da reserva de lei em matéria tributária. Onde prevalecer

o arbítrio tributário certamente inexistirá Estado de Direito. E, pois,

liberdade e segurança tampouco existirão. 126

O Estado, para caracterizar-se como Estado de Direito, não

basta apenas ser regido por leis, ou submisso à lei, estas leis devem

obrigatoriamente refletir a justiça, ou seja, o Estado de Direito deve acolher a

justiça no bojo da lei.

3.1.1 Estado de Direito, Estado Democrático e Estado Democrático de Direito.

A expressão Estado de Direito provém do verbete alemão

Rechtsstaat, onde se desenvolveu seu primeiro conceito, ficando, assim,

sedimentado com maior rigor.

Estado de Direito significa aquele submetido ao direito, ou

seja, à vontade da lei. Nas palavras de Pinto Ferreira: “significa o Estado,

subordinado ou submetido à legalidade constitucional, ao regime

Constitucional”.127

Acerca da história do Estado de Direito, assevera Bastos:

O Estado de Direito, mais do que um conceito jurídico, é um

conceito político que vem à tona no final do século XVIII, início do

século XIX. Ele é fruto dos movimentos burgueses

revolucionários, que àquele momento se opunham ao

126

COÊLHO. Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 277.

127 FERREIRA, Luís Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989, p.

32.

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62

absolutismo, ao Estado de Polícia. Surge como idéia força de um

movimento que tinha por objetivo subjugar os governantes à

vontade legal, porém, não de qualquer lei. 128

No Estado de Direito nenhum indivíduo, desde o presidente

aos cidadãos “comuns”, está acima da lei. Os governos democráticos exercem a

autoridade através da lei e se encontra, eles mesmos, submissos aos

constrangimentos impostos pela lei.

A idéia de Estado de Direito implica na submissão de todos

ao império da Lei, na previsão da separação de poderes e na consagração de

direitos e garantias individuais, enquanto o Estado Democrático agrega o princípio

da soberania popular, com efetiva participação do povo na gestão da coisa

pública.

Finalmente, diz Xavier:

O Estado de direito foi, ao menos inicialmente, concebido como

aquele que tem por fim o Direito e atua segundo o Direito; isto é,

aquele que tem a justiça por fim e a lei como meio da sua

realização. 129

Passando ao Estado Democrático, cabe primeiramente

conceituar democracia, que nas palavras de Friede possui o seguinte conceito:

Democracia (do grego demokratia) se traduz, em termos amplos,

pelas expressões governo do povo, soberania popular e

democratismo, podendo ainda ser entendida como a doutrina ou

regime político baseado nos princípios da soberania popular e da

distribuição eqüitativa do poder (regime de governo que se

caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela

128

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora, 2002, p. 246.

129 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1978, p. 8.

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divisão dos poderes e pelo controle da autoridade) (...). 130 (grifos

do autor).

Acerca do Estado Democrático, conceitua Brancato: “diz-se

que um Estado é democrático quando se subordina ao direito e se enquadra nos

princípios que regem o regime democrático”. 131

Assevera Cruz acerca do princípio democrático:

A efetivação do princípio democrático pressupõe que as decisões

públicas devem ser adotadas através da participação, direta ou

indireta, dos cidadãos, e que, por isto, podem ser também

modificadas ou revogadas pela vontade deles. (...). 132

Ainda, nas palavras de Brancato, tem-se que os princípios

básicos da democracia são os seguintes:

a) a subordinação do Estado às leis que ele próprio edita;

b) divisão de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e

dependência dos seu exercício, guardada a harmonia entre si;

c) temporariedade das funções de governo;

d) igual oportunidade para todos;

e) prevalência da vontade da maioria sem que se despreze a

manifestação da minoria;

f) filosofia de vida própria. 133

130

FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 183.

131 BRANCATO, Ricardo Teixeira. Instituições de direito público e de direito privado. 9. ed.

São Paulo: Saraiva, 1995, p. 60.

132 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 159.

133 BRANCATO, Ricardo Teixeira. Instituições de direito público e de direito privado, p. 60-61.

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Ao início do século XX o formal Estado de Direito foi

transformado em Estado Democrático, buscando-se, além da mera submissão do

Estado à lei, a submissão deste à vontade do povo e aos propósitos dos

cidadãos.

Trazendo para si os conceitos dos dois estados

anteriormente citados e em busca do Estado ideal, a Constituição de 1988, em

seu artigo 1°, dispôs que “a República Federativa do Brasil (...) constitui-se em

Estado Democrático de Direito (...)”.

Voltando à história, ensina Friede:

(...) o fato de o Estado passar a se submeter à lei lato sensu

pareceu, em momento subseqüente, não ser suficiente para a

plena caracterização do regime democrático, posto que não

restaria garantida à necessária submissão do Estado (e,

sobretudo de seus governantes) à vontade popular e aos fins

propostos pelos cidadãos, fazendo surgir, em resposta, logo no

início do século XX, a concepção última do denominado Estado

Democrático de Direito. 134 (grifo do autor).

O conceito de Estado Democrático encontra-se intimamente

ligado ao do Estado de Direito, formando, assim, o Estado Democrático de Direito,

como salientam Bastos e Martins:

A componente do Estado de Direito e a componente do Estado

Democrático – não podem ser separadas uma da outra. O Estado

de Direito é democrático e só sendo-o é que é Estado de Direito; o

Estado Democrático é Estado de Direito e só sendo-o é que é

democrático. 135

Assim, torna-se evidente que o Estado Democrático não

pode afastar-se do Estado de Direito, pois o sentido de um está condicionado ao

do outro.

134

FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional, p. 186.

135 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São

Paulo: Saraiva, 1988, p. 420.

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65

A Constituição de 1988, ao referir-se ao Estado brasileiro

como Estado Democrático de Direito, nada mais fez que unir, em uma mesma

expressão, dois princípios, formando, desta maneira, um novo perfil de Estado,

como expressa Silva:

O Estado Democrático de Direito reúne os princípios do Estado

Democrático e do Estado de Direito, não como simples reunião

formal dos respectivos elementos, porque, em verdade, revela um

conceito novo que os supera, na medida em que incorpora um

componente revolucionário de transformação do status quo. 136

Desta maneira, o Estado Democrático de Direito surge como

uma modalidade mais aperfeiçoada do Estado de Direito, trazendo à tona, ainda,

o Estado Social de Direito, antecessor do democrático, fazendo figurar a

participação dos cidadãos como a essência do Estado, a fim de realizar seus

objetivos.

3.1.2 Estado Constitucional

Estado Constitucional é aquele construído a partir de uma

Constituição: Lei Maior do Estado e onde restam assentadas suas leis

fundamentais.

O Estado Constitucional, como a própria denominação

sugere, é intimamente ligado à idéia de Constituição, razão pela qual se faz

necessário trazer seu conceito.

Constituição, no sentido político, é a norma responsável pela

instituição da natureza do Estado. Diz Strapasson, citando Manoel Gonçalves

Ferreira Filho: “aplicado ao Estado, o termo „Constituição‟, em sua acepção geral

pode designar a sua organização fundamental total, quer social, quer política,

quer jurídica, quer econômica”. 137

136

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 113.

137 STRAPASSON, Maria das Graças. Princípio constitucional da legalidade tributária, p. 59.

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66

Já no sentido jurídico, a Constituição se define como a regra

geral responsável pela organização do Estado, como explica Friede:

Constituição, em termos efetivos, representa a organização

jurídico-política fundamental do Estado concernente a um conjunto

de regras relativas à forma de Estado (no caso brasileiro, o

federalismo), à forma de governo, - incluindo o sistema de

governo (no caso brasileiro a república) e o regime de governo

(no caso brasileiro o presidencialismo) –, ao regime político (no

caso brasileiro a democracia indireta representativa), à

aquisição e ao exercício do poder, ao estabelecimento dos

órgãos para o efetivo exercício do poder (Executivo, Legislativo

e Judiciário) e aos limites de sua ação (competências e

restrições ao exercício do poder estatal). 138 (grifo do autor)

O Estado Constitucional é regido e limitado pelos princípios

e regras fundamentais inseridos em sua Constituição, onde estarão delimitados,

através destes, os poderes do Estado.

Para Canotilho, a presença do Estado de Direito e do Estado

Democrático é essencial à concepção do Estado Constitucional:

O Estado constitucional não é nem deve ser apenas um Estado de

direito. Se o princípio do Estado de direito se revelou como um a

“linha Maginot” entre “Estados que têm uma constituição” e

“Estados que não têm uma constituição”, isso não significa que o

Estado Constitucional moderno possa limitar-se a ser apenas um

Estado de direito. Ele tem de estruturar-se como Estado de

direito democrático, isto é, como uma ordem de domínio

legitimada pelo povo. A articulação do “direito” e do “poder” no

Estado constitucional significa, assim, que o poder do Estado deve

organizar-se e exercer-se em termos democráticos. O princípio da

soberania popular é, pois, uma das traves mestras do Estado

constitucional. O poder político deriva do “poder dos cidadãos”. 139

138

FRIEDE, Reis. Curso analítico de direito constitucional e de teoria do Estado, p. 09.

139 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003,

p. 97-98.

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Assim, tem-se que para que o Estado seja de fato um

Estado Constitucional, não basta apenas ter uma Constituição, é preciso que ele

seja regido por leis e seja submetido a elas e, ainda, que a vontade do povo seja

a diretriz dessas leis.

3.2 A FUNÇÃO DA LEI NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

No Estado Democrático de Direito há o império da lei, mas

não qualquer lei, e sim aquela proveniente da vontade popular. Ou seja, esta lei

deve advir da vontade do povo e manifestar os anseios da sociedade para que se

caracterize o princípio democrático, elemento inseparável do Estado de Direito.

Torna-se evidente que a função da lei no Estado

Democrático de Direito é mais ampla do que no Estado de Direito.

Acerca do assunto, trata Silva:

É precisamente no Estado Democrático de Direito que se ressalta

a relevância da lei, pois ele não pode ficar limitado a um conceito

de lei, como o que imperou no Estado de Direito Clássico. Pois ele

tem que estar em condições de realizar, mediante lei,

intervenções que impliquem diretamente uma alteração na

situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa

esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de

arbitragem, pois precisa influir na realidade social. E se a

Constituição se abre para as transformações políticas,

econômicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se

elevará de importância, na medida em que, sendo fundamental

expressão do direito positivo, caracteriza-se como desdobramento

necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função

transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais

democráticas, ainda que possa continuar a desempenhar uma

função conservadora, garantindo a sobrevivência de valores

socialmente aceitos. 140

Tem-se, então, que o princípio da legalidade é um dos

elementos basilares do Estado Democrático de Direito, assim como também o é

140

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 122.

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no Estado de Direito clássico. Porém, é de suma importância salientar que a lei

que guia este Estado é aquela que expressa os anseios da coletividade e

emanada do povo, para que possa, sobretudo, estar caracterizada a democracia

neste Estado.

Importa salientar que a lei deve ser geral e abstrata, e deve,

ainda, ser igual para todos os indivíduos que estejam em uma situação jurídica

equivalente. Desta maneira, faz-se necessário que a lei, de forma abstrata, seja

homogênea quando dispor de relações de uma mesma natureza, sem qualquer

distinção, fazendo-se valer a todos os indivíduos que se encontrem nas condições

previstas.

A lei no Estado de Direito, possui como principal função ser

o instrumento de justiça e de segurança.

3.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE: CONCEITOS E FUNÇÕES

De maneira geral, o princípio da legalidade figura na

Constituição de 1988 em seu artigo 5º, inciso II, prevendo que “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O princípio da legalidade possui aplicação tanto no direito

público quanto no privado, porém, no primeiro, este princípio possui especial

relevância, uma vez que os atos da Administração Pública, em regra, dependem

de prévia autorização legal.

Já no direito privado, nas relações particulares, o princípio

se apresenta de maneira literal, ou seja, aos indivíduos é permitido fazer tudo o

que a lei não proíbe ou obriga.

Segundo Bastos:

O princípio da legalidade mais se aproxima de uma garantia

constitucional do que um direito individual, já que ele não tutela,

especificamente, um bem da vida, mas assegura, ao particular, a

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prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por

uma ou outra via que não seja a lei. 141

O princípio da legalidade é responsável por impor limites ao

Estado nas relações entre a Administração Pública e o particular. Nas palavras de

Strapasson: “esse princípio vem impedir os arbítrios e prepotências de todos os

matizes, daquele que detém o poder, tutelando dessa forma os direitos e

garantias do cidadão”. 142

Em suma, o princípio da legalidade acautela os direitos dos

cidadãos e provém a segurança jurídica nas relações entre Estado e particular.

Nas palavras de Carrazza:

O princípio da legalidade garante, decisivamente, a segurança das

pessoas, diante da tributação. De fato, de pouco valeria a

Constituição haver protegido a propriedade privada (arts. 5°, XXII,

e 170, II) se inexistisse a garantia cabal e solene de que os

tributos não seriam fixados ou alterados pelo Poder Executivo,

mas só pela lei. 143

O princípio da legalidade, além de uma garantia ao

indivíduo, tem como propósito maior o alcance da segurança jurídica, sendo ele

mesmo parte deste preceito decorrente do Estado de Direito.

3.4 A LEGALIDADE GENÉRICA E A LEGALIDADE ESPECÍFICA

Em sentido genérico, o princípio da legalidade, que encontra

previsão no artigo 5°, II, da CRFB/88, é a própria expressão do Estado de Direito,

e se configura, por sua natureza, como instrumento garantidor dos direitos e

deveres individuais e coletivos.

141

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 186.

142 STRAPASSON, Maria das Graças. Princípio constitucional da legalidade tributária.

Curitiba: Juruá, 2009, p. 67.

143 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 242-243.

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Tal princípio pode, ainda, ser considerado como forma de

proteção da liberdade, uma vez que impede as investidas arbitrárias do Estado,

ou seja, intervenções não previstas em lei.

O sistema constitucional trouxe à baila o que já configurava

na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que em seu art. 6°

prescreve:

A liberdade consiste no poder de fazer tudo o que não ofende

outrem; assim o exercício dos direitos naturais de cada homem

não tem outros limites além daqueles que asseguram aos outros

membros da sociedade o gozo destes mesmos direitos. Estes

limites não podem ser estabelecidos senão pela lei.

Diz-se ser genérico o princípio da legalidade constante no

artigo 5°, da CRFB/88, em razão da sua atuação em todos os ramos do direito,

sendo abrangente e geral, no sentido de valer para todos, especialmente para o

Estado.

Não bastasse sua previsão genérica, no artigo 5°, II, a

Constituição de 1988 prescreveu também a legalidade específica em matéria

tributária. Como assevera Carrazza:

Muito bem. Bastaria este dispositivo constitucional para que

tranqüilamente pudéssemos afirmar que, no Brasil, ninguém pode

ser obrigado a pagar um tributo ou a cumprir um dever

instrumental tributário que não tenham sido criados por meio de

lei, da pessoa política competente, é óbvio. Dito de outro modo, do

princípio expresso da legalidade poderíamos extratar o princípio

implícito da legalidade tributária. 144

Com base neste enunciado é que nasce o princípio da

legalidade específica, no âmbito tributário, que expressa que apenas a lei, de

forma absoluta, poderá definir os tipos tributários.

144

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 242.

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Assim, a legalidade específica é, nas palavras de Amaro,

“um princípio informado pelos ideais de justiça e de segurança jurídica, valores

que poderiam ser solapados se à administração pública fosse permitido,

livremente, decidir quando, como e de quem cobrar tributos”. 145 Desta maneira tal

princípio se caracteriza como “limite intransponível à autuação do Fisco” 146,

caracterizando-se, portanto, como uma garantia constitucional ao contribuinte.

3.5 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE COMO LIMITAÇÃO AO PODER TRIBUTANTE DO ESTADO

Todo Estado possui soberania e é desta que decorre o

poder de tributar, também conhecido como soberania fiscal.

Este poder, inerente ao Estado, decorre da Constituição e

somente pode ser exercido através de lei e por delegação popular, logo, o povo

tributa a si mesmo, através de seus representantes.

Ao mesmo tempo em que confere o poder ao ente estatal, a

Constituição também limita este poder, na maioria das vezes por meio dos

princípios inseridos no corpo de seu texto, a fim de evitar abusos e

arbitrariedades.

Nas relações tributárias, tanto o contribuinte – ao ter que

obedecer ao disposto legal –, quanto o Estado – que tem suas ações limitadas à

vontade da lei – estão vinculados à lei. Desta maneira, a lei é responsável por

equilibrar a relação tributária, por meio do princípio da legalidade, transformando

o que seria uma relação de poder – por parte do Estado – em uma relação de

direito.

Prescreve a Constituição de 1988 (art. 150, I), que os

tributos só poderão ser criados por meio de lei.

145

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 109.

146 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 242.

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Cumpre ressaltar que esta lei, além de descrever

pormenorizadamente todos os aspectos da norma tributária, deve, ainda, conter

critérios para suprimir qualquer arbitrariedade do Fisco, como assevera Carrazza:

(...) Tais critérios devem necessariamente apontar: a) os

destinatários do tributo (os contribuintes), porquanto não se

admite fique relegada ao arbítrio da Fazenda Pública a inclusão

ou a exclusão de determinadas categorias de contribuintes; e b)

os pressupostos do tributo, isto é, a coisa, o ato, o fato, a situação

ou a qualidade da pessoa que constitui o pressuposto objetivo da

tributação, e, também a relação em que se deve achar o sujeito

passivo da prestação. 147

Não só por estar presente no capítulo referente às limitações

ao poder de tributar é que o principio da legalidade adquire esta conotação, mas

também por exigir as formalidades da lei tributária, não permitindo, assim,

qualquer discricionariedade ao Estado. Logo, o princípio da legalidade se

configura, de fato, como um limitador ao poder de tributar, conferindo segurança

ao contribuinte em razão das arbitrariedades estatais e exteriorizando-se assim

como uma garantia do indivíduo.

3.6 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE COMO GARANTIA INDIVIDUAL DO CONTRIBUINTE

A tributação, como conceitua Strapasson, “é a retirada

compulsória de parcela do patrimônio do indivíduo, ferindo, dessa forma, seus

privilégios pessoais”. 148 Porém esta „violação‟ ao patrimônio individual se explica

pelas necessidades sociais, uma vez que a arrecadação de tributos é feita para o

alcance do bem comum.

O poder de tributar encontra limites constitucionais que

decorrem do modelo exaustivo e do perfil da Constituição vigente; dos princípios

constitucionais e dos direitos e garantias fundamentais; das imunidades e das

147

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 256.

148 STRAPASSON, Maria das Graças. Princípio constitucional da legalidade tributária, p. 117.

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proibições constitucionais e das restrições decorrentes de regras impostas para o

exercício da competência tributária. 149

Daí se conclui que as garantias e os direitos individuais

constituem-se em limitação ao poder tributante do Estado.

Elenca a Constituição, em seu artigo 5°, os direitos à vida, à

liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade como sendo fundamentais e,

portanto, invioláveis. Mas de nada adianta reconhecer os direitos sem poder

garanti-los, razão pela qual a Carta constitucional trouxe também as garantias

para que estes direitos não sejam violados.

Assim sendo, os direitos e garantias individuais restam

caracterizados como limitações a vários poderes do Estado, dentre eles, o de

tributar.

Ora, o tributo é uma intervenção do Estado na propriedade e

na liberdade do indivíduo, razão pela qual o constituinte adotou a lei como

garantia de proteção destes direitos, no que se refere à matéria tributária.

Os princípios, como garantias individuais que o são,

configuram-se também como cláusulas pétreas, uma vez que os direitos e

garantias individuais não poderão ser objetos de reforma constitucional. Quanto a

isso, expõe o Min. Celso de Mello em voto dado no Supremo Tribunal Federal

acerca da EC n. 42/2003, que prorrogou a CPMF:

(...) entendo que a EC nº 42/2003 transgride frontalmente, a

garantia constitucional da anterioridade tributária, que se

qualifica – como já proclamou esta Suprema Corte – como

prerrogativa fundamental dos contribuintes em geral (RTJ 151

755/756), achando-se protegida, por isso mesmo, pelas

149

ICHIHARA, Yoshiaki. Princípios da legalidade tributária na Constituição de 1988, p. 37.

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cláusulas que limitam o exercício, pelo Congresso Nacional,

de seu poder reformador. 150 (grifo do original)

Seguindo o mesmo preceito educacional, é de clara

compreensão que o princípio da legalidade, pilar principal do sistema

constitucional brasileiro e mais importante princípio disposto no ordenamento

jurídico, também se qualifica como uma garantia individual e, portanto, clausula

pétrea de nossa Constituição.

Diante disto, cabe mais uma vez expor que o princípio da

legalidade surge como garantia de proteção dos direitos fundamentais do

contribuinte, e como tal figura entre as cláusulas pétreas encontradas na

Constituição de 1988.

3.6.1 O Princípio da Legalidade como Segurança Jurídica na Criação e na Cobrança de Tributo

Dentre todos os ramos do Direito, é no Direito Tributário que

a segurança jurídica se apresenta mais evidente, razão pela qual o legislador

conferiu-lhe um dispositivo específico, uma reserva absoluta de lei.

O princípio da legalidade, como garantia individual,

encontra-se intimamente ligado ao princípio da segurança.

Acerca do princípio da segurança jurídica, leciona Canotilho:

O princípio da segurança jurídica não é apenas um elemento

essencial do princípio do estado de direito relativamente a actos

normativos. As idéias nucleares da segurança jurídica

desenvolvem-se em torno de dois conceitos: (1) estabilidade ou

eficácia ex post da segurança jurídica dado que as decisões dos

poderes públicos uma vez adoptadas, na forma e procedimento

legalmente exigidos, não devem poder ser arbitrariamente

modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas

quando ocorram pressupostos materiais particularmente

relevantes; (2) previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da

150

BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n° 566.032-0. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginador/paginador.jsp?docTP=AC&docID=604697. Acesso em 07 de maio de 2010.

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segurança jurídica que, fundamentalmente, se reconduz à

exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em

relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos. 151

A lei cria in abstracto o tributo, trazendo uma situação

hipotética, que, quando e se concretizada, gerará a obrigação tributária. Desta

maneira, visando à segurança jurídica e afastando qualquer possibilidade de

discricionariedade por parte do Estado, a lei criadora do tributo deve descrever,

pormenorizadamente, todos os elementos essenciais da norma jurídica tributária.

A segurança jurídica tributária nada mais é, então, que o

conhecimento prévio, que se dará por meio da lei, dos encargos tributários,

sendo, portanto, uma garantia à sociedade contra a arbitrariedade estatal.

3.6.2 Princípio da Legalidade e sua Conotação Teleológica152 no Âmbito Tributário

O princípio da legalidade, como já referido, é o alicerce de

todo o sistema tributário brasileiro.

No tocante ao Estado, o princípio da legalidade tem como

função a limitação ao poder de tributar.

Já quanto ao contribuinte, o princípio ora tratado tem como

principal finalidade a proteção do patrimônio, utilizando a lei como escudo contra

a arbitrariedade estatal.

Diz Strapasson:

O princípio da legalidade encontra sua conotação teleológica no

campo tributário sobre os mais variados aspectos, dentre eles,

ressalta-se aquele considerado o mais importante de todos, que é

151

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional, p. 264.

152 Para fins do presente trabalho, o verbete conotação possui o significado de compreensão. Já o

verbete teleologia significa o estudo da finalidade. Logo, a conotação teleológica do princípio da legalidade no âmbito tributário traduz-se como o sentido, a finalidade deste princípio no Direito Tributário. FERREIRA, Aurélio Buarque De Holanda. Novo dicionário Aurélio. Disponível em: <http://aurelio.ig.com.br/dicaureliopos/home.asp>. Acesso em: 17 jun. 2010.

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a proteção dos direitos individuais dos cidadãos contribuintes,

trazendo assim em evidência a segurança e estabilidade nas

relações jurídico-tributárias, culminando então na certeza da

obrigação de pagar tributos, e, por outro lado, na certeza do direito

de não pagá-los. 153

Cumpre informar que conotação teleológica é ...

Conclui-se, portanto, que o princípio da legalidade tem por

finalidade a proteção do patrimônio do contribuinte, mostrando-se como

instrumento de impedimento de investidas arbitrárias do Fisco ao patrimônio do

contribuinte.

3.6.3 O Significado da Expressão “Lei”

O artigo 96, do Código Tributário Nacional, dispõe que “a

„legislação tributária‟ compreende as leis, os tratados e as convenções

internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou

em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”.

A instituição ou alteração dos tributos, por sua vez, somente

pode ser feita por meio de lei, como exige o artigo 150, I, da CRFB/88.

Citando Ichihara:

A noção de legislação tributária, como fonte primária ou principal,

para a instituição e majoração de tributos, inclui, pelo menos: a lei

ordinária, a lei complementar, a lei delegada e as medidas

provisórias. 154

Cumpre ressaltar que a lei a que se refere o artigo

supracitado, é tanto a lei em sentido formal quanto em sentido material.

153

STRAPASSON, Maria das Graças. Princípio constitucional da legalidade tributária, p. 95.

154 ICHIHARA, Yoshiaki. Princípios da legalidade tributária na Constituição de 1988, p. 73.

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A lei formal é aquela que obedece aos requisitos da forma,

que em matéria tributária, deve ser oriunda do poder legislativo competente, nos

conformes da Constituição.

No sentido material, a lei tributária deve ser genérica,

abstrata, hipotética e coercitiva.

Assevera Carrazza:

A vida social não é possível sem certas restrições à atividade

individual. Estas restrições, porém, unicamente podem ser

estabelecidas pela lei, que deve ter um caráter geral e igualitário.

Sobremais, deve ser elaborada por mandatários do povo,

obedecidos o processo legislativo que a Constituição traça e o

próprio princípio republicano. 155

Para que a lei possa figurar no âmbito tributário e fazer-se

valer, deverá estar revestida pelo sentido formal e material concomitantemente,

atendendo todo o processo legislativo e trazendo todos os elementos obrigatórios

à criação de um tributo, para que possa fazer valer o princípio da legalidade.

3.6.4 O Art. 97 do CTN e o Campo Material de Incidência da Reserva Legal

Dispõe o artigo 97 do Código Tributário Nacional:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto

nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal,

ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu

sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo,

ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões

contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela

definidas;

155

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 239.

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VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos

tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua

base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto

no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da

respectiva base de cálculo.

Comentando o supracitado artigo, leciona Tavares:

Visto sob ótica diversa, o art. 97 do CTN consagra o princípio da

tipicidade cerrada, que, em matéria tributária, é exauriente,

tornando imprestável qualquer pretensa edição de norma tributária

em branco. Equivale a dizer: no Brasil, máxime em matéria

tributária, não se admite a edição de regulamentos praeter legem,

isto é, criados com o propósito de suprir a lacuna da lei. 156

O referido artigo consagra também o princípio da reserva

legal, que se difere do princípio da legalidade, como explica Silva:

A doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o

princípio da legalidade e o da reserva de lei. O primeiro significa a

submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera

estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que

a regulamentação de determinada matéria há de fazer-se

necessariamente por lei formal. 157

Enfim, o artigo 97 do CTN traz em seu texto as matérias que

devem ser tratadas, exclusivamente, por meio de lei.

Acerca da reserva legal, assevera Ichihara:

Evidentemente, em matéria tributária, a lei somente será válida se

retirar o conteúdo de validade da norma superior, que no nosso

caso é a própria Constituição. A Lei deve ser elaborada conforme

as regras formais previstas na norma superior; seu conteúdo

material deve conformar-se com o modelo previsto na norma

156

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 16.

157 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, p. 422.

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superior e deve ser editado pelo legislativo competente; o

conteúdo material da lei tributária deve ser aquele a que a

Constituição outorgou competência, existindo vedações

expressas, como é o caso das imunidades.

Por fim, conclui-se que o artigo 97 do CTN, ao elencar as

matérias que hão de se fazer exclusivamente por lei, explicita o chamado campo

material de incidência do Princípio da Legalidade Tributária.

3.6.4.1 Reserva Relativa ou Reserva Absoluta

A reserva de lei, de maneira sucinta, é o instrumento de

proteção e garantia dos cidadãos.

Acerca da reserva absoluta, conceitua Tavares:

A reserva absoluta de lei, no campo da tributação, traduz a

necessidade constitucional de a lei conter em seu bojo, não só o

fundamento da conduta da Administração, como a própria matriz

decisória do órgão aplicador do Direito no caso concreto. 158

Ou seja, haverá reserva absoluta quando a Constituição

ordenar a edição de lei formal para a sua regulamentação, exigindo, para tanto,

que esta lei seja editada em consonância com o processo legislativo

constitucional e emanada pelo poder legiferante.

Já no tocante a reserva relativa, leciona Strapasson:

A reserva relativa, por sua vez, abre a possibilidade de utilização

da oportunidade e conveniência, por parte da autoridade

administrativa e, ao poder judiciário em resolver os conflitos

tributários com base na analogia, ocasionando dessa forma a

incerteza e a insegurança, no que toca ao exato conteúdo da

obrigação tributária. 159

158

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 20.

159 STRAPASSON, Maria das Graças. Princípio constitucional da legalidade tributária, p. 101.

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Em outras palavras, a reserva legal relativa vai estar

presente quando a Constituição de 1988, apesar de exigir a edição da lei em

sentido formal, permita que a mesma estabeleça somente parâmetros de atuação

ao Poder Executivo, podendo este complementá-la por ato infralegal que, por sua

vez, deverá estar adstrito ao preconizado na lei em sentido formal.

A reserva relativa, cumpre informar, oportuniza uma certa

divisão de competência legislativa entre a lei e o regulamento, enquanto a reserva

absoluta aponta apenas a lei, que se estrutura no poder legislativo, como forma

de inovar o ordenamento jurídico.

Em conclusão, salienta-se que o Princípio da Legalidade

Tributária traduz-se em reserva absoluta de lei, uma vez que a matéria tributária

deve vir, obrigatoriamente, tratada em lei, e cabe a esta dizer tudo sobre o tributo

e aos atos administrativos a este pertinentes, não dando margem a qualquer

forma de discricionariedade ou analogia.

3.7 ATOS NORMATIVOS MATERIALIZADORES DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O princípio da legalidade se materializa pela criação das

seguintes: a) Medidas Provisórias; b) Lei complementar; c) Lei ordinária.

3.7.1 As Medidas Provisórias e o Princípio da Legalidade

As medidas provisórias foram criadas como substitutas do

Decreto-Lei, e passaram a figurar no ordenamento jurídico brasileiro a partir da

publicação da Constituição de 1988, com previsão no caput do artigo 62, a seguir:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da

República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei,

devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

As medidas provisórias são instrumentos postos a

disposição do chefe do executivo quando presentes os requisitos da relevância e

urgência. Cumpre ressaltar que é imprescindível que haja a relevância e a

urgência conjuntamente, não bastando à presença de apenas um dos requisitos.

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Importa salientar que após emitidas, as medidas provisórias

deverão ser convertidas em lei no prazo de sessenta dias a contar da data de sua

publicação, podendo este prazo ser prorrogado por igual período de tempo, ou

perderão sua eficácia desde sua edição.

Registra-se, ainda, que a vigência da medida provisória que,

passados sessenta dias da data da publicação, não tiver sua votação encerrada

nas duas casas do Congresso Nacional, será prorrogada pelo mesmo período de

tempo por apenas uma vez, conforme prevê o artigo 62, §3°, da Constituição de

1988.

Caso não ocorra a conversão da medida provisória em lei

dentro do prazo legal, ainda nos termos do §3° do artigo 62, da CRFB/88, caberá

ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes por meio

de decreto legislativo.

Mister salientar que anteriormente, caso o Congresso

Nacional deixasse de disciplinar as relações jurídicas decorrentes da medida

provisória quando de sua vigência, voltavam a vigorar as normas por ela

revogadas. Porém, por força da Emenda Constitucional n. 32, de 11 de setembro

de 2001, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados

durante a vigência da medida provisória permanecerão sendo regidas por ela,

caso o competente decreto legislativo não seja editado até sessenta dias após

sua rejeição ou perda de sua eficácia.

A EC n° 32/2001 trouxe à luz do texto constitucional

limitações materiais expressa à edição de medidas provisórias, ou seja,

determinadas matérias que não podem ser objeto de medidas provisórias.

Utilizando-se da interpretação a contrario sensu, tem-se que

as matérias que não constam no rol de restrições trazido pela referida Emenda

Constitucional, podem ser disciplinadas por meio de medida provisória. Admitida

tal interpretação, é de se entender que matérias referentes a tributos podem ser

objeto de medida provisória, sendo resguardadas apenas aquelas que a

Constituição exija serem tratadas por lei complementar.

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Embora muitos doutrinadores defendam que as medidas

provisórias não seriam meios válidos para instituir ou majorar tributos, o

entendimento do Supremo Tribunal Federal se deu no sentido inverso, firmando

que “a medida provisória, tendo força de lei, é instrumento idôneo para instituir e

modificar tributos e contribuições sociais” (AGRAG 236.976; RE 138.284).

Desta maneira, torna-se clara a possibilidade de instituição

ou alteração de tributos por meio de medida provisória, ressalvadas as matérias

cuja disciplina cabe à lei complementar.

3.7.2 Lei Complementar e o Princípio da Legalidade

A lei complementar é aquela prevista no artigo 59, inciso II,

da Constituição de 1988, e que se difere da lei ordinária tanto no aspecto material,

quanto no formal. A lei materialmente complementar é aquela que versa sobre

assunto a ela reservado pela Constituição, enquanto do ponto de vista formal a

diferença encontra-se no quorum qualificado de aprovação, que na lei

complementar é por maioria absoluta.

Leis complementares, nas palavras de Tavares são “as leis

especiais vocacionadas à disciplina de campos especificamente reservados pela

Constituição, sujeitas a aprovação da maioria absoluta dos integrantes (não

simplesmente dos presentes) da(s) casa(s) legislativa(s)”. 160

De maneira geral, as leis complementares possuem como

função “estabelecer normas gerais, fixando limites e definições” 161, como

expressa Ichihara.

Já no âmbito do Direito Tributário, a lei complementar possui

função tricotômica, conforme dispõe o artigo 146, da Constituição Federal:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

160

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 107.

161 ICHIHARA, Yoshiaki. Princípios da legalidade tributária na Constituição de 1988, p. 86.

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I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária,

entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,

especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em

relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos

respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência

tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado

pelas sociedades cooperativas.

d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as

microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive

regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no

art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13,

e da contribuição a que se refere o art. 239.

A Constituição confere à lei complementar a função

exclusiva de instituir, excepcionalmente, determinados tributos, como por exemplo

os empréstimos compulsórios (art. 148, CF) e os impostos de natureza residual

da União (art. 154, I, CF). No que diz respeito a esta matéria, a Constituição

conferiu exclusivamente à lei complementar a regulamentação deste assunto.

Além do artigo 146, a lei complementar é, ainda, referida na

Constituição de 1988 nos artigos 153, inciso VII; 155, §1°, inciso III, e §2°, inciso

XII,; 156, inciso III e §3°.

Acerca do assunto, assevera Ichihara:

As Leis Complementares (...) além de típicas, tem a função de, ao

complementar a Constituição, traçar diretrizes a serem

observadas pelas leis ordinárias, como limites ou molduras dentro

das quais o legislador ordinário deve atuar. São as leis

complementares destinadas a implementar o campo das

chamadas normas gerais do direito tributário, como é o caso do

Código Tributário Nacional. 162

162

ICHIHARA, Yoshiaki. Princípios da legalidade tributária na Constituição de 1988, p. 89.

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Atualmente, o Código Tributário Nacional é a lei

complementar a que se refere o artigo 146, da CRFB/88. Porém, quando de sua

edição, o CTN não restou aprovado como tal, uma vez que a Constituição da

época não previa tal forma normativa. Desta maneira, o CTN só restou

recepcionado como lei complementar pelo texto constitucional de 1967, bem

como pela vigente Constituição, no art. 146, inciso III.

A possível razão pela qual a Constituição reservou para lei

complementar a instituição de determinadas figuras tributárias está presente no

fato de que o processo legislativo da lei complementar é mais representativo que

o da lei ordinária, em razão daquela exigir quorum especial de aprovação.

3.7.3 Lei Ordinária e o Princípio da Legalidade

Conforme preceitua o princípio da legalidade específica, os

tributos só podem ser criados ou majorados por meio de lei.

Diz Tavares, citando Michel Temer:

Em sentido formal, leciona Michel Temer, “lei é o ato normativo

produzido pelo Poder Legislativo segundo forma prescrita na

Constituição, gerando direito e deveres em nível imediatamente

infraconstitucional”. Em sentido material, lei é ato normativo

prescritor de uma situação jurídica hipotética, individualizadora de

um tipo, um modelo, um comando. 163

Via de regra, a lei geradora da obrigação tributária é uma lei

ordinária, que nas palavras de Bastos, “é toda aquela que não traz o adjetivo

„complementar‟ ou „delegada‟ e da qual não se exige a maioria absoluta para a

sua aprovação”. 164

Acerca da lei ordinária em matéria tributária, diz Amaro:

A lei ordinária é, em regra, o veículo legislativo que cria o tributo,

traduzindo, pois, o instrumento formal através do qual se exercita

163

TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de direito tributário, p. 112.

164 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, p. 357.

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a competência tributária, observados os balizamentos postos na

Constituição e nas normas infraconstitucionais que, com apoio

naquela, disciplinam, limitam ou condicionam o exercício do poder

de tributar. 165

Quanto ao quorum de aprovação, a lei ordinária exige para

sua aprovação maioria simples, bem como possui um campo de atuação bem

amplo e está habilitada a tratar qualquer tipo de matéria, desde que não seja de

exclusiva apreciação de lei complementar.

Esta espécie normativa pode ser elaborada pelo Congresso

Nacional, Assembléia Legislativa Estadual ou Câmara de Vereadores Municipal,

devendo os entes dotados do poder de tributar atuarem dentro da esfera de

competência atribuída pela Constituição Federal.

Cabe salientar que a lei ordinária possui íntima relação com

o princípio da legalidade, uma vez que este exige a lei para criar ou alterar

tributos.

Como regra, tem-se que a lei ordinária é o veículo legislativo

adequado para exteriorizar o princípio da legalidade, criando ou alterando tributos,

porém, cumpre lembrar que, de modo excepcional, cabe também a lei

complementar a criação de certos tributos.

Mister salientar que a lei ordinária tributária perfeita deve

conter todos os elementos indispensáveis ao nascimento do tributo, como diz

Tavares:

(...) Se, por acaso, o legislador desenhar um tributo e deixar de

mencionar explicitamente quaisquer de seus dados essenciais

(hipótese de incidência, base de cálculo, alíquota, sujeito passivo

e momento em que se considera consumada a hipótese de

incidência, por exemplo), não criou tributo; só mostrou a intenção

de fazê-lo, mas verdadeiramente ainda não o criou (...). 166

165

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 164.

166 TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos do direito tributário, p. 112.

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Com base no exposto, resta claro que a lei ordinária

concretiza-se como o meio mais apropriado para instituir ou alterar tributos,

sendo, portanto, a forma normativa mais adequada para exteriorizar o princípio da

legalidade.

3.8 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE MAJORAÇÃO DE TRIBUTOS

No tocante às exceções ao Princípio da Legalidade, no que

se refere à majoração de tributos, dispõe o artigo 153, §1°, da Constituição de

1988:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

(...)

§1° - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os

limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos

enumerados nos incisos I, II, IV e V.

Os impostos a que se refere o §1° do art. 153 da CRFB/88

são os de importação de produtos estrangeiros (II), exportação de produtos

nacionais ou nacionalizados (IE), produtos industrializados (IPI) e operações de

crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF).

Segundo o entendimento de Carrazza, não existe qualquer

exceção ao princípio da legalidade, apenas uma amenização do mesmo, uma vez

que é permitido ao Poder Executivo apenas alterar as alíquotas cujos limites já se

encontram previstos em lei.

Assim, é necessário que preexista uma lei que já tenha

instituído um tributo, e que nela estejam ainda previstos limites máximo e mínimo

das alíquotas, para que então possam ser alteradas pelo Poder Executivo, como

explica Carrazza:

A Constituição concede ao legislador a prerrogativa de apontar as

alíquotas mínima e máxima de certos impostos, consentindo,

assim, que o Executivo atue. Donde tudo nos leva a concluir que:

a) os impostos alfandegários, o IPI, e o IOF devem ser criados ou

aumentados por meio de lei; b) tal lei poderá conceder ao Poder

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Executivo a faculdade de alterar as alíquotas destes tributos

(simplesmente estabelecendo seus parâmetros mínimo e

máximo); e c) esta lei poderá, ainda, fixar uma única alíquota, e,

nesta hipótese, cairá por terra o permissivo constitucional, isto é,

nada será facultado ao Poder Executivo no que concerne à

majoração ou mitigação destes impostos. 167

Derradeiramente, cumpre informar que é majoritária a

doutrina contrária à exceção ao princípio da legalidade quando da instituição de

tributos, prevalecendo o entendimento de que só são possíveis no que se refere à

alteração das alíquotas.

167

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário, p. 294.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da

Constituição de 1988, da legislação infraconstitucional, da doutrina e da

jurisprudência, o Princípio da Legalidade no Direito Tributário Brasileiro.

O interesse pelo tema deu-se em razão de sua diversidade,

amplitude e importância, notadamente pelo fato de ser concebido não somente

para beneficiar todo e qualquer contribuinte, mas também para limitar as ações

estatais, dispondo ao ente legiferante sobre o que tributar e qual o ente

competente para fazê-lo, evitando, também, discricionariedades e arbitrariedades

por parte do Estado, assumindo, desta maneira, sua face de garantia individual.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em

três capítulos. No primeiro, viu-se que a Constituição é a norma responsável pela

organização de um Estado, trazendo sua forma e tipo de governo e suas

atribuições.

Verificou-se, ainda, que as Constituições podem ser

materiais ou formais; escritas ou não escritas; dogmáticas ou históricas;

promulgadas ou outorgadas; imutáveis, rígidas, semi-rígidas ou flexíveis; e, ainda,

analíticas ou sintéticas.

No mais, identificou-se que a Constituição de 1988 é uma

norma veiculadora de princípios, que constituem o alicerce do sistema jurídico de

e que possuem, principalmente, função ordenadora.

No segundo capítulo, pesquisou-se acerca da matéria

tributária inserida no texto constitucional, especialmente no que tange as

limitações ao poder de tributar.

Relacionado ao segundo capítulo, também se verificou que a

competência tributária é a outorga dada pela Constituição de 1988 aos entes

políticos para editar leis que criem seus respectivos tributos.

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Ainda no segundo capítulo, se tem que as limitações ao

poder de tributar são constituídas pelas imunidades – instituto torna determinados

bens ou pessoas inatingíveis perante a obrigação tributária – e por vários

princípios constitucionais tributários, quais sejam: o da capacidade contributiva,

da anterioridade, da irretroatividade, da isonomia, do não-confisco, da liberdade

de tráfego de pessoas e bens, da uniformidade geográfica, da não-cumulatividade

e seletividade, da proporcionalidade e progressividade, da não discriminação em

razão da procedência ou destino e, por fim, da legalidade tributária, foco do

presente trabalho.

No terceiro e último capítulo, intensificou-se a pesquisa

sobre o bem delineado contorno jurídico do Princípio da Legalidade no Direito

Tributário, partindo da interpretação de sua regra estruturante, centrada no art.

150, inciso I, da Constituição de 1988.

Como principais resultados da pesquisa, pode-se ressaltar

que o Princípio da Legalidade decorre do Estado de Direito, devendo a lei de que

trata este princípio ser manifestação da vontade do povo para que esteja

caracterizada a democracia neste Estado.

No âmbito tributário, o princípio da legalidade garante que

nenhum tributo poderá ser exigido ou alterado sem que alguma lei anterior assim

determine. Desta maneira, o presente princípio transveste-se de limitação ao

poder de tributar, uma vez que poda as ações estatais no campo da tributação.

Por limitar o poder de tributação conferido ao Estado, o

Princípio da Legalidade Tributária caracteriza-se como uma garantia individual do

contribuinte, figurando, portanto, como típica cláusula pétrea constitucional.

O referido princípio encontra-se, ainda, intimamente ligado

ao princípio da segurança jurídica, uma vez que provém ao cidadão a tão

almejada segurança nas relações com o Estado.

Por fim, o princípio da legalidade deve estar materializado

por lei formal, obedecidos os critérios constitucionais, sendo esta, por via de

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regra, ordinária e, excepcionalmente, complementar – quando assim a

Constituição determinar. Ainda em caráter de exceção, o princípio da legalidade

tributário pode ser materializado por meio de medida provisória, conforme

precedentes do Supremo Tribunal Federal.

No mais, retomam-se os problemas e as hipóteses

levantadas e que impulsionaram a presente pesquisa:

1ª Os princípios têm a mesma hierarquia das leis?

2ª O princípio da legalidade constitui uma limitação

constitucional ao poder de tributar?

3ª O princípio da legalidade pressupõe a prévia aprovação

de uma lei complementar para criar ou majorar tributos?

Diretamente relacionadas a cada problema formulado, foram

levantadas as seguintes hipóteses:

a) Os princípios são os marcos orientadores das normas e

como fundamento de validade das criações das leis, estão acima delas.

b) Nenhum tributo pode ser criado sem lei anterior que o

defina, em razão disso, o princípio da legalidade limita a ação estatal evitando

investidas arbitrárias;

c) Por se tratar de princípio constitucional, em observância

ao disposto na Constituição, deve ser editada lei complementar para criar ou

majorar tributos.

No que toca a primeira hipótese, restou confirmada, pois os

princípios, genericamente conceituados como começo ou base, são também os

alicerces sobre os quais se erguem o ordenamento jurídico brasileiro. A

Constituição de 1988 é um conjunto de regras e princípios, e, ao contrário do que

possa parecer, há dentre estes, diferença sistêmica. Primeiro nascem os

princípios, e em decorrência destes, a lei, e como fundamentos do sistema

jurídico que são, estão acima das leis, tanto é que, a inobservância destes

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quando da criação de uma lei, acarreta ofensa a todo sistema de comando e total

ineficácia a lei editada.

A segunda hipótese restou igualmente confirmada, pois o

princípio da legalidade tributária figura, na Constituição, na Seção destinada às

limitações ao poder de tributar.

Quanto à última hipótese, registra-se que não restou

confirmada, pois a lei a que se refere o artigo 150, inciso I, da CRFB/88, é a lei

ordinária. A lei complementar é exceção à instituição de tributos, sendo apenas

reclamada quando a Constituição expressamente exigir.

Por fim, fica o registro de que o presente trabalho não tem

caráter exaustivo, isto é, com o mesmo não se teve a pretensão de tratar de todas

as questões que norteiam o Princípio da Legalidade Tributária, razão pela qual

deve servir apenas de ponto de partida para o necessário e contínuo

acompanhamento da evolução de entendimento doutrinário e jurisprudencial

acerca desta tão relevante matéria do Direito Tributário.

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