o acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

151
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de pós-graduação em Comunicação Social - Interações Midiatizadas Giselle Xavier d’Ávila Lucena O ACRE (NÃO) EXISTE: Um estudo sobre identidade, memória e midiatização Belo Horizonte 2014

Upload: doanhuong

Post on 10-Jan-2017

237 views

Category:

Documents


8 download

TRANSCRIPT

Page 1: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de pós-graduação em Comunicação Social - Interações Midiatizadas

Giselle Xavier d’Ávila Lucena

O ACRE (NÃO) EXISTE: Um estudo sobre identidade, memória e midiatização

Belo Horizonte 2014

Page 2: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

 

 

Giselle Xavier d’Ávila Lucena

O ACRE (NÃO) EXISTE: Um estudo sobre identidade, memória e midiatização

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social - Interações Midiatizadas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

Orientador: José Márcio Barros

Belo Horizonte 2014

Page 3: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Lucena, Giselle Xavier d’Ávila

L935a O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e midiatização /

Giselle Xavier d’Ávila Lucena. Belo Horizonte, 2014.

150f.: il.

Orientador: José Márcio Barros

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.

1. Comunicação. 2. Interação social. 3. Identidade. 4. Memória. 5. Mídia

(Propaganda). 6. Acre – História. I. Barros, José Márcio. II. Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social. III. Título.

CDU: 659.3

Page 4: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

 

 

Giselle Xavier d’Ávila Lucena

O ACRE (NÃO) EXISTE: Um estudo sobre identidade, memória e midiatização

3 cm

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social - Interações Midiatizadas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Comunicação.

__________________________________ José Márcio Barros (Orientador) – PUC Minas

____________________________________ Geane Alzamora – UFMG

____________________________________ Eduardo de Jesus – PUC Minas

____________________________________ Julio Pinto – PUC Minas

Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2014

Page 5: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

 

 

Aos meus pais, pelo cuidado, carinho e permissão.

Page 6: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

 

 

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Airton e Marina, pelo apoio e confiança, sempre; ao André

Skores, o irmão da Paraíba que ganhei em Minas Gerais; aos colegas de mestrado que se

tornaram grandes parceiros de ideias, buscas e questionamentos: Ana Cláudia Xavier, Max

Henrique, Polyana Inácio, em especial ao Thiago Pereira, por tanto ir-e-vir; à amiga Pri Paiva,

que se mantém presente em todos os lugares; à amizade de Alicianne Gonçalves, apesar de ter

demorado para chegar em BH; ao Wagner Costa, professor e amigo, pela motivação infinita

para sonhos, aventuras, além da esperança de um mundo/Acre melhor; ao amigo e historiador

Marcos Vinícius Neves, pelas provocações que originaram isso tudo aqui; à banca

examinadora: Geane Alzamora, Eduardo de Jesus, Júlio Pinto, e em especial ao meu

orientador José Marcio Barros, pela valiosa exigência de aprendizado constante e por

compartilhar generosa sabedoria nos momentos de grandes decisões; e também à contribuição

da professora Maria Ângela Mattos (Dedé), e à força da Isana Oliveira, secretária do

programa.

Agradeço à toda equipe do Observatório da Diversidade Cultural (ou Família-ODC),

que, sem dúvida, também delineou essa conquista, em especial ao José de Oliveira Júnior e

Lívia Espírito Santo. Deixo, ainda, um agradecimento aos meus primeiros alunos como

professora da Universidade Federal do Acre: as turmas de Jornalismo dos anos de 2010, 2011

e 2012, em especial ao Thiago Fialho, pelos links preciosos e à Márcia Moreira, pela great

help na reta final. Obrigada!

Page 7: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

 

 

“se quiséssemos realmente deixar que o Acre existisse, então, não deveríamos sequer falar a respeito disso”

(HARVEY, 2006, p. 355).

Page 8: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

 

 

RESUMO

A identidade, a memória e a difusão de narrativas históricas produzem e se alimentam de

representações construídas e atualizadas por diversos usos, manipulações, contextos,

interações e mediações. Com a internet como ambiente potencializador de interações culturais

e comunicacionais, surgem novas modelações para a experiência do contínuo identitário e da

configuração da memória, frutos das novas possibilidades da experiência de pertencimento e

delimitação territorial. Nesse contexto, ao se pensar a história de um lugar - ou de um Estado -

tem-se a disposição as mais diversas representações que circulam nos ambientes midiatizados

da internet. Em meio aos conteúdos que impulsionam e/ou são impulsionados por tais

dinâmicas, uma singular representação sobre o Estado do Acre afirma categoricamente que “o

Acre não existe”. Esta pesquisa analisa como tal representação é reproduzida e atualizada por

meio de processos interativos midiatizados. Último Estado a ser anexado ao Brasil, o Acre

enfrenta, desde sua origem, processos históricos de disputas e conflitos políticos. Assim, é

possível afirmar a existência de uma descontextualização da história do Acre, resultante das

dinâmicas de produção e distribuição de conteúdos no cenário da midiatização.

Palavras-chave: Interações Midiatizadas. Identidade. Memória. História. Memes. Acre.

Page 9: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

 

 

ABSTRACT

The identity, the memory and the diffusion of historical narratives produce and feed on

representations built and updated by various uses, manipulations, contexts, interactions and

mediations. With the internet as a potential place of cultural and communicational

environment interactions, are new to the experience of modeling continuous identity and

memory configuration, result of the new possibilities of the experience of belonging and

territorial delimitation. In this context, when we think about the history of the place or state,

we have available the most various representations that run on the media environments of

internet. Amid the content that drive or are driven by such dynamics, a natural representation

of the state of Acre, categorically affirm that "Acre doesn't exist." This research examines

how such representation is reproduced and updated through the media interactive processes.

The last state to be attached to Brazil, Acre faces, from its origin, historical process of dispute

and political conflicts. So, it's possible to affirm the existence of a decontextualization in the

history of Acre, resulting dynamics production and distribution of content in the media

scenery.

Keywords: Interactions. Media. Identity. Memory. History. Memes. Acre.

Page 10: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

 

 

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................10 2 ENTRELAÇANDO A REDE DE CONCEITOS..............................................................13 2.1 Identidade e memória: margens e correntezas..............................................................13 2.2 Em(n)cena a midiatização e suas reinvenções................................................................18 2.3 ...E fluem os sentidos: textos e descontextos...................................................................25 2.3.1 Memes: ideias e sentidos a mais.....................................................................................30 2.4 A História em busca de um lugar....................................................................................35 3 PASSAGENS HISTÓRICAS E A CONFIGURAÇÃO DE UM LUGAR-ESTADO....43 3.1 Um lugar em busca da História (ou Acre: uma proposta de um delineamento histórico e identitário) ............................................................................................................44 3.2 A terra pertence a quem ocupa. “Se a pátria não nos quer, criamos outra!” ............49 3.3 O Acre é brasileiro(?).......................................................................................................58 3.4 O Acre recente...................................................................................................................64 4 O ACRE NAS TRAMAS DA REDE..................................................................................79 4.1 Revisitando Orkut: um museu de grandes novidades...................................................81 4.1.1 Por dentro das comunidades...........................................................................................84 4.2 Twitter e Facebook: tudo como uma rede só..................................................................90 4.2.1 Uma leitura à luz dos memes........................................................................................100 4.3 O Acre existe? O Yahoo responde! ...............................................................................105 4.4 ...E virou filme (e livro também)....................................................................................113 4.5 N’outras teias...................................................................................................................128 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................131 REFERÊNCIAS....................................................................................................................143

Page 11: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  10  

 

1 INTRODUÇÃO

No cenário cultural e comunicacional, caracterizado pela rápida intensificação da

circulação dos bens, das pessoas e das informações, transformam-se as interações sociais e,

consequentemente, a configuração e reconfiguração das identidades, bem como as dinâmicas

entre o lembrar e o esquecer, posto que muda tanto a experiência com que está à nossa volta,

quanto a relação com o tempo. Na atualidade, passado e presente se tornam experiências

ainda mais singulares, reconfiguradas pela imediaticidade e sobreposição dos tempos.

A identidade, a memória e a difusão de narrativas históricas produzem e se alimentam

de representações construídas e atualizadas por diversos usos, manipulações, contextos,

interações e mediações. Com a internet como ambiente potencializador de interações culturais

e comunicacionais, surgem novas modelações para a experiência do contínuo identitário e da

configuração da memória, fruto das novas possibilidades da experiência de pertencimento e

delimitação territorial.

Nas redes sociais na internet, as conexões entre os usuários e as trocas de informações

atuam também na construção, manutenção e reformulação de imaginários sociais, ou seja, na

consolidação de modos de representação e, portanto, na reconstrução de memórias e

identidades. Nesse contexto, ao se pensar a história de um lugar - ou de um Estado -, tem-se a

disposição, muito além das Histórias, também textos jornalísticos, literários, audiovisuais e as

mais diversas representações que circulam nos ambientes midiatizados da internet, e que

ajudam a configurar e a reinventar imagens e entendimentos de mundo.

Em meio aos conteúdos que impulsionam e/ou são impulsionados pelas dinâmicas das

interações midiatizadas, uma singular representação relacionada a um contínuo territorial e

temporal, sobre o Estado do Acre, afirma categoricamente que “o Acre não existe”. Esta

pesquisa analisa como tal representação é reproduzida e atualizada por meio de processos

interativos midiatizados, que agenciam memes, narrativas históricas e factuais. Último Estado

a ser anexado ao Brasil, o Acre enfrenta, desde sua origem, processos históricos de disputas e

conflitos políticos que produziram representações coletivas e alimentaram um imaginário

marcado por estereótipos muito singulares.

Para dar conta de seu problema central, a atualização de representações relacionadas a

continuidades históricas e identitárias pelas redes sociais, a pesquisa foi realizada com

abordagem qualitativa, etnográfica e interdisciplinar. Ao se pensar o contexto social em que

as interações a respeito do Acre se estabelecem, é preciso considerar uma perspectiva

temporal e histórica, seja das interações, bem como do processo de domínio das memórias

Page 12: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  11  

 

coletivas. Portanto, se fez necessário uma pesquisa bibliográfica e documental sobre a história

do Acre, de modo a contextualizar historicamente seu processo de negação; e outra sobre

midiatização e dinâmicas das redes sociais na internet, que, somada à netnografia, possibilita

entender os contextos em que a negação do Acre é reproduzida. Tal abordagem conduziu a

entrada em campo, a coleta de dados e complementa os demais métodos adotados. É

importante dizer que não nos atemos à arquitetura programática de funcionamento dos sites

das redes sociais na internet, ou seja, às relações quanto ao software que oferece as várias

formas de compartilhamento de conteúdos, seja em vídeo, imagem ou texto. Isso quer dizer

que focamos no espaço intersubjetivo da interação: o estranhamento identitário, o campo das

ideias que o permeia, independente das possibilidades de formas de uso técnico.

Em relação às interações localizadas, foram priorizadas aquelas que se dão em torno

de representações que dialogam com fenômenos históricos e acontecimentos midiáticos que

acontecerem ao longo da pesquisa, ou seja: o recorte da busca por “Acre” foi dado por

representações referentes ao lugar geográfico, não considerando representações ligadas a

agremiações, religiosidades, movimentos artísticos, turismo, entre outros. Nesse sentido e

conforme proposta de pesquisa qualitativa, a definição do corpus foi feita de forma

intencional e induzida, em busca de amostras com máxima heterogeneidade, visando a uma

compreensão aprofundada dos fenômenos de estudo, reconhecendo seu caráter dinâmico. Por

isso, a coleta de dados não foi realizada com foco num único e específico site de rede social,

uma vez que, com a amostragem qualitativa, busca-se selecionar os elementos mais

significativos para o problema da pesquisa e, portanto, se constitui de forma tipicamente

intencional, cuja lógica reside na seleção de casos informacionalmente ricos para o estudo.

Afinal, as redes sociais na internet se constituem como um espaço de investigação difícil de

recortar, dada a sua heterogeneidade e dinamismo, além de abrigar informações em diversos

formatos. Os conteúdos das interações localizadas e recortadas foram tipificadas e submetidas

à análise de conteúdo com o propósito de identificar lógicas e padrões conforme sinalizam os

operadores conceituais que guiam a pesquisa, referentes aos jogos identitários e dinâmicas da

memória e das redes sociais, com o propósito de entender como tal representação é tão

presente nos contextos em torno deste Estado, sendo frequentemente reproduzida e

reinventada, além de alimentar muitas outras. Assim, a análise de conteúdo se justifica devido

à percepção de que um mesmo conteúdo aciona uma cadeia de sentidos que extrapolam

contextos e recontextos históricos.  

O resultado é aqui apresentado e organizado num percurso que se inicia com um

estudo sobre as dinâmicas relacionadas aos processos de construção identitária, os valores da

Page 13: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  12  

 

memória, e, ainda, sobre as dinâmicas das interações midiatizadas vividas nas redes sociais na

internet, que reinventam as formas de produzir, acessar e compartilhar conteúdos - entre eles,

os discursos históricos.

Na segunda parte, trilha-se o histórico da configuração territorial e ocupação

geográfica do Estado do Acre, numa busca por compreender, de forma pertinente, a

construção de representações que se ancoram na negação de sua existência, sendo esta tão

antiga quanto a sua própria história. Além disso, se a pesquisa se ancora nas problemáticas da

midiatização, tal discurso histórico é construído tendo como referências diferentes

possibilidades de narrativas e discursos, ou seja, não apenas a documentos históricos, mas

também literários, acadêmicos, jornalísticos, televisivos, entre outros.

Para a terceira e última parte do trabalho, apresenta-se um mapeamento com uma

descrição, densa e diversificada e uma análise dos conteúdos presentes nas interações sociais

em torno das representações a respeito do Acre, localizadas na internet, em plataformas das

redes sociais: Orkut, Facebook, Twitter, o serviço Yahoo! Respostas, do Yahoo!, e o

Youtube. Assim, faz-se um cruzamento de conceitos e processos: uma vivência/construção

histórica e uma configuração identitária que migram para as redes sociais e se somam às

dinâmicas do cenário de superabundância de informações e compartilhamento de conteúdos

que reconstroem e potencializam tensioamentos identitários, atuando na desconstrução e

reconstrução de narrativas históricas.

Desse modo, é possível afirmar a existência de uma espécie de descontexto e/ou

recontexto da história do Acre, resultante das dinâmicas de acesso, produção e distribuição de

conteúdos no cenário da midiatização. De um lado, há uma negação que não é metafórica e

que se refere ao processo histórico de anexação da região ao Estado Brasileiro; de outro, há

uma metáfora da negação, que se atualiza conforme os jogos de interação que acontecem nas

redes sociais, o que demanda uma análise atenta e criteriosa de seus conteúdos. Ou seja, tem-

se a história - bem como a problemática da construção da historiografia e a (re)criação de

representações -, e o próprio contexto de movimentos característicos das interações

midiatizadas características das redes sociais da internet. Em outras palavras, dois pontos

distintos se cruzam aqui: de um lado a negação histórica vivida pelo Acre, que corresponde ao

conteúdo presente naquelas narrativas; de outro, a dinâmica das redes sociais que contribuem

para recontextualizar aquela negação vivida no passado e agregar outros sentidos. O conteúdo

(a representação que nega o Acre), como também o contexto (as dinâmicas das redes sociais

na internet), são aqui objetos de estudo.

Page 14: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  13  

 

2 ENTRELAÇANDO A REDE DE CONCEITOS

Para se pensar sobre a negação do Estado do Acre observada nas redes sociais na

internet, propõe-se, inicialmente, um estudo sobre os conceitos de história, identidade e

identidade nacional, memória e memória coletiva. E, ainda, sobre as dinâmicas das interações

midiatizadas vividas nas redes sociais na internet, que reinventam as formas de produzir,

acessar e compartilhar conteúdos.

Tal estudo colabora na localização de alguns fatores, no cenário midiatizado, que

atuam na reprodução e descontextualização de sentidos nas redes sociais na internet. Afinal,

tratamos aqui de uma negação que é constantemente lembrada e acionada no ambiente

interativo e descontextualizador do universo online.

O conteúdo tensiona questões identitárias de um lugar que, conforme a sua

configuração é caracterizado pelo pertencimento territorial. Assim, se contribui para que a

construção de representações que partem da negação do histórico - “o Acre não existe”,

oportunize e acione um outro lado: “o Acre existe sim”. Tem-se, dessa forma, ativada uma

dinâmica de embate e conflito, fatores estes que mantêm em movimento as redes sociais.

2.1 Identidade e memória: margens e correntezas

Unidade física e pertencimento a um grupo; continuidade dentro do tempo; e

coerência - são estes os três elementos essenciais para a formação e atualização das

identidades, apontados por Pollak (1992). Juntos, eles oferecem o sentimento de se estar

protegido e incluído dentro de fronteiras físicas - seja quanto ao corpo da pessoa, como

também a fronteiras subjetivas de pertencimento -, compartilhando a vida em sociedade e em

coerência temporal, onde os elementos, mesmo que diferentes, são efetivamente unificados.

Nesta dinâmica, a memória se insere como âncora que ajuda a compor estes sentimentos de

completude de uma pessoa, ou de um grupo, em seu processo de construção e projeção de si,

ao mesmo tempo em que ela própria - a memória - está sujeita à atualização identitária.

Mas, o que vem a ser a identidade e a memória? A começar pela memória, podemos

dizer que ela é o que permanece: um diálogo entre o passado e o presente que, por sua vez,

existe em função de uma projeção futura. Memória é o que fica: condução criativa e

imaginária que nos leva a encontrar o passado, de forma mediada pelo presente, em exercícios

ora em negação, ora em afirmação; intercambiando lugares, sujeitos e objetos. Mas, se fica o

que significa, podemos nos perguntar o que há de tão significante a ponto de permanecer em

Page 15: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  14  

 

nós? (CHAUÍ, 2010). Pois fica também o que faz falta, o que é símbolo de desejo e também

de incompreensão. Porém, a força do que significa e a força do significado se alteram com o

tempo, alterando também o conteúdo do que é lembrado, afinal, “lembrar não é reviver, mas

re-fazer. É reflexão, compreensão do agora a partir do passado; é sentimento, reaparição do

feito e do ido, não sua mera repetição” (CHAUÍ, 2010, p. 20).

Neste diálogo entre passado e presente está a dinamicidade da memória. Seja um ato

individual ou coletivo, subjetivo, inconsciente ou ainda vulnerável ao trabalho de

“enquadramento”, lembrar implica refazer, refletir e compreender o presente a partir de um

agora (CHAUÍ, 2010). Tal trabalho de enquadramento é exercido por historiadores e por

ações políticas de um lugar, além do “trabalho da própria memória em si”, onde se aponta que

“cada vez que uma memória está relativamente constituída, ela efetua um trabalho de

manutenção, de coerência, de unidade, de continuidade, da organização” (POLLAK, 1992, p.

206) e passar a trabalhar por si só.

Além disso, deve-se considerar que as memórias - coletivas e individuais - se

constituem por acontecimentos vividos pessoalmente de forma direta ou indireta; por pessoas

e personagens, sejam realmente encontradas ou encontrados pelo Outro; e, também, pelos

lugares de memória, sejam simbólicos ou topográficos. Ou seja, a memória é tanto fundada

em fatos reais e concretos, como também na projeção deles e, por isso, a memória “é, em

parte, herdada, e não se refere apenas à vida física da pessoa. A memória também sofre

flutuações que são funções do momento em que ela é articulada, em que ela está sendo

expressa” (POLLAK, 1992, p. 204).

A memória está imersa em subjetividades, pois é composta pela seleção consciente ou

inconsciente, pela interpretação e subjetivação, cujos princípios variam de grupo para outro,

além de se transformarem com o tempo. Ela é carregada pelo indivíduo que está sempre

compartilhando interações com a sociedade (HALBWACHS apud KESSEL, 2011).

A presença do Outro na produção da memória, ou seja, o seu aspecto coletivo, refere-

se ao seu contínuo compartilhamento em interações com a sociedade, e à necessidade da

presença do Outro como uma testemunha para aquilo que se viveu, o que vai garantir, ainda,

um sentimento de identidade “calcado numa memória compartilhada não só no campo

histórico, do real, mas sobretudo no campo simbólico” (KESSEL, 2011, p. 03).

Nesta construção, se criam e legitimam os esquemas de coerência para a narração e

interpretação dos fatos, são os discursos e significados que oferecem forma e conteúdo para

uma versão consagrada dos acontecimentos.

Page 16: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  15  

 

É preciso reconhecer que muitas de nossas lembranças, ou mesmo de nossas ideias, não são originais: foram inspiradas nas conversas com os outros. Com o correr do tempo, elas passam a ter uma história dentro da gente, acompanham nossa vida e são enriquecidas por experiências e embates. Parecem tão nossas que ficaríamos surpresos se nos dissessem o seu ponto exato de entrada em nossa vida. Elas foram formuladas por outrem, e nós, simplesmente as incorporamos ao nosso cabedal. (BOSI, 2010, p. 407).

Afinal, os fatos que não foram testemunhados tendem a se perder e a se omitir, ao não

se tornarem objetos de conversa, pois há um lastro comunitário do qual nos servimos para

construir a memória. E, imersos nisso, percebemos e executamos o presente, pois a memória,

segundo Bosi (2010), também tem a função de nos fazer reproduzir formas de

comportamento, ou seja, revela-se na repetição de gestos, palavras, escolhas e sentimentos,

tornando-se hábito, que se dá pelas exigências de socialização.

Considera-se, assim, a memória como um fenômeno construído social e

individualmente, sempre em diálogo ao sentimento de identidade que, por sua vez, é

caracterizado como a imagem de si que construímos para nós mesmos, e para apresentar aos

outros também, pois “as identidades são para usar e exibir, não para armazenar e manter”

(BAUMAN, 2005, p. 96). Temos, portanto, a memória e a identidade como valores

negociados e disputados, construídos em confrontos individuais, coletivos e intergrupais, em

que o Outro se configura como uma referência aos critérios de aceitabilidade, admissibilidade

e credibilidade.

Isso nos autoriza dizer que a identidade só pode ser construída “por meio da relação

com o Outro, da relação com aquilo que não é, com precisamente aquilo que falta” (HALL,

2005, p. 110). Tendo o Outro configurado como uma referência aos critérios de

aceitabilidade, admissibilidade e credibilidade, voltamos à memória:

Vale dizer que memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas, e não são fenômenos que devam ser compreendidos como essências de uma pessoa ou de um grupo. Se é possível o confronto entre a memória individual e a memória dos outros, isso mostra que a memória e a identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais, e particularmente em conflitos que opõem grupos políticos diversos (POLLAK, 1992, p. 204-205).

As chances de desentendimento e conflito existem e permanecem pendentes porque

“as identidades flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e

lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as

primeiras em relação às últimas” (BAUMAN, 2005, p. 19). Esse caráter fluido e imerso num

jogo de disputa é enfatizado ainda mais quando consideramos que a identidade se revela

Page 17: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  16  

 

“como algo a ser inventado, e não descoberto, como alvo de um esforço, ‘um objetivo’; como

uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então

lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais” (BAUMAN, 2005, p. 21-22).

Se a memória serve de ancoragem e é resultado da identidade, é preciso - mesmo que

a identidade se construa em sentimentos de oposição e contraste - que as imagens e os

discursos sobre o passado sejam organizados com credibilidade e coerência, e sejam

continuamente ajustados. No entanto, além de social, há uma dimensão política na referência

ao passado.

A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementariedade, mas também as oposições irredutíveis. Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em comum, em que se inclui o território (no caso de Estados), eis as duas funções essenciais da memória comum. Isso significa fornecer um quadro de referências e de pontos de referência. (POLLAK, 1989, p. 09.)

 

A memória coletiva e a identidade nacional alimentam e são alimentadas por

narrativas da nação, de modo a fornecer símbolos, rituais nacionais, panoramas, cenários e

eventos que, além de representarem experiências partilhadas, oferecem “significado e

importância à nossa monótona existência, conectando nossas vidas cotidianas com um destino

nacional que preexiste a nós e continua existindo após nossa morte” (HALL, 2006, p. 52).

Assim como a memória, as identidades são construções híbridas que estão em

constante processo de transformação e movimento, sendo, portanto, dinâmicas e resultado de

suas relações com a diversidade. A identidade expressa a organização social de um grupo ou

de uma sociedade, bem como suas ideias, valores e concepções de mundo, e se organiza

imersa na diversidade e no dinamismo da vida social, conforme as experiências pessoais e os

processos intersubjetivos, diante de ideologias, rivalidades, religiosidades e outras categorias

que classificam sujeitos e grupos, e que interpõem diferenças e agenciam contatos. Mas ela

não é estática, fixa ou imutável, longe disso, além de essencialmente relacional, ela está

sempre em processo de reposicionamento e negociação, gerando confrontos, enfrentamentos,

novas configurações e simbioses (BARROS, 2008), num processo onde as diferenças se

comunicam.

A identidade, portanto, se organiza:

não como continuidade de um passado vivido, reminiscências atualizadas, mas como processo contínuo de construção de um consenso capaz de, em situações específicas, fornecer elementos para que os iguais se reconheçam como iguais, e os

Page 18: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  17  

 

diferentes se localizem como diferentes (BARROS, 2008, p. 12).

A partir da construção e seleção de traços, características e marcas, cada grupo, sujeito

ou sociedade define a imagem ou o olhar que oferece a si próprio ou ao Outro, num fluxo que

se encontra sujeito aos processos de resistência e/ou de extermínio, e outras variáveis

conforme o contexto interativo e condições materiais, sociais e simbólicas. A identidade

estabelece as possibilidades de reconhecimento e localização social, “fazendo-se e refazendo-

se, de acordo com as necessidades de diferenciação e/ou demandas de legitimação”

(BARROS, 2008, p. 15).

Nesse sentido, a dimensão da territorialidade, do tempo e da memória são marcas

importantes na construção seja de continuidade ou de rupturas, tomando o passado como um

ator ideológico que é “problematizado e legitimado na atualidade, tendo como referência a

conceituação e a experiência de organização do tempo vivido no presente” (BARROS, 2008,

p. 16), ressaltando que a lembrança de outro tempo se constrói em associação com a

experiência do tempo vivido no presente. Assim como a memória, a identidade está

vulnerável à constante atualização do passado.

A identidade também se estabelece sendo preenchida pelo que está fora, a partir do

nosso exterior, compondo as formas pelas quais imaginamos ser vistos pelos outros; o que nos

faz ser constantemente perturbados pela diferença (HALL, 2006). Assim, a identidade é

continuamente reformulada no conjunto de representações que nos rodeiam. Em diferentes

momentos, assumimos diferentes identidades, “identidades que não são unificadas ao redor de

um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes

direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas”

(HALL, 2006, p. 13). São narrativas do eu continuamente sendo reescritas e reinterpretadas,

por isso, “em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de

identificação, e vê-la como um processo em andamento” (HALL, 2006, p. 39).

Historicamente, a definição dos campos identitários sempre foi assunto de Estado, na

construção do nacionalismo, com o intuito de se legitimar e produzir a unidade necessária

para a constituição da nação. Na identidade nacional, as histórias e seus símbolos conectam

presente e passado.

A narrativa da nação, tal como é contada e recontada nas histórias e nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular. Essas fornecem uma série de estórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais nacionais que simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à nação. (...) ela dá significado e importância à nossa

Page 19: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  18  

 

monótona existência, conectando nossas vidas cotidianas com um destino nacional que preexiste a nós e continua existindo após nossa morte. (HALL, 2006, p. 52).

Assim, mais uma vez, a memória aparece como um dos elementos balizadores a partir

dos quais podemos nos identificar e nos constituir como uma comunidade unificada. A

memória nacional se faz através de práticas oficiais como a comemoração de datas específicas

e feriados, reconhecimento de hinos, bandeiras, personagens e heróis da pátria que, juntos,

compõem a formação do sentimento de pertencimento ao oferecer códigos de referência para

a identificação de indivíduos, grupos e povos. São recursos para “fazer lembrar” fatos

estratégicos para que a sociedade crie uma identidade com a nação e com sua história. Este

trabalho político da memória nos conduz a restaurar e invocar “os estereótipos oficiais,

necessários à sobrevivência da ideologia da classe dominante” (CHAUÍ, 2010, p. 19).

É importante reconhecer a identidade como conjunto de características

compartilhadas, seja com o semelhante, com o diferente, num processo nunca finalizado ou

esgotado, e, mais: fundada em fantasia, desejo, idealização e projeção, onde “seu objeto tanto

pode ser aquele que é odiado quanto aquele que é adorado” (HALL, 2005, p. 107). Isso nos

permite afirmar que a identidade é sempre ambivalente, pois em seu caráter simbólico,

processual e ideológico, expressa tanto as marcas identificatórias necessárias para a

localização espaço/temporal de sujeitos coletivos, quanto um caráter imaginário e

aprisionador, presentes nos discursos e posicionamentos. A identidade aponta sempre para

permanências e mudanças.

Com as transformações da sociedade e seus movimentos migratórios, se expande e se

intensificam os processos de interação social com o Outro e suas realidades diferentes e

muitas vezes divergentes. Os quadros de realidades antes impostos e manipulados pela

presença de um Estado-nação todo poderoso e autorreferente, passam a ser questionados,

tensionados por novos processos de significação, oferecendo a dúvida, a incerteza e gerando

um momento de crise de identidade. Adentramos no cenário da globalização, da

internacionalização da economia e da cultura, nos apresentando uma tensão entre símbolos

antes consolidados, a diluição das certezas e das fronteiras.

2.2 Em(n)cena a midiatização e suas reinvenções

A presença predominante da mídia sobre uma série de fenômenos e instituições

sociais, bem como a importância cultural e social exercida pelos meios de comunicação nas

Page 20: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  19  

 

mediações e interações da sociedade, é o que chamamos, conforme Hjarvard (2012), de

midiatização. Ela possibilita a produção e distribuição de produtos simbólicos, e insere outros

fluxos de comunicação. É importante considerar que “os meios de comunicação são guiados

por uma espécie de lógica semiótica e sua influência central consiste em que eles submetem

toda comunicação e todo discurso a um único código dominante” (HJARVARD, 2012, p. 61).

Segundo Baudrillard (HJARVARD, 2012), isso significa que nossas percepções e

construções da realidade, bem como nosso comportamento, têm como ponto de partida

representações mediadas e guiadas pelas mediações criadas e ambientadas pelos meios de

comunicação. “O que é midiatizado não é o que sai na imprensa diária, na televisão ou no

rádio: é o que é reinterpretado pela forma do signo, articulado em modelos e administrado

pelo código” (BAUDRILLARD apud HJARVARD, 2012, p. 61). Ao falarmos em

midiatização da sociedade, visualizamos um “processo pelo qual a sociedade, em grau cada

vez maior, está submetida a ou torna-se dependente da mídia e de sua lógica” (HJARVARD,

2012, p. 64).

Midiatização pode ser afirmada, portanto, como um contexto onde relações com o

mundo são primordialmente mediadas pelas mídias, por onde se firmam e se transformam

tanto a percepções de mundo, quanto uma infinidade de problemas que colocam em jogo não

apenas questões globais, como a ecologia, imigração, terrorismo, mas também existenciais,

como crises de identidade, crenças etc (LIPOVETSKY; SERROY, 2011).

Mas como isso se relaciona com as ideias de identidade? Os sistemas de significação e

representação cultural se multiplicaram, nos levando a uma situação de confronto “por uma

multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais

poderíamos nos identificar - ao menos temporariamente” (HALL, 2006, p. 13). O que não é a

internet, senão um catálogo desnorteante que coloca à nossa disposição - em certo grau de

controle - diversas representações como possibilidades para formação e desconstrução de

opinião, contato e encontro com o mundo, imenso e, ao mesmo tempo, fugidio?

Os fluxos culturais, entre as nações, e o consumismo global criam as possibilidades de “identidades partilhadas” - como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens - entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. À medida em que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural. (HALL, 2006, p. 74).

Page 21: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  20  

 

Uma estrutura deslocada é aquela cujo centro não é apenas substituído por outro, mas,

substituído por uma pluralidade de outros centros de poder e articulação e organização. Por

meio da mídia e dos sistemas de comunicação, o mercado global nos apresenta estilos, lugares

e imagens, e assim, as identidades se desvinculam de tempos e lugares específicos. Logo,

“somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos,

ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer

uma escolha” (HALL, 2006, p. 75). Assim, nos deparamos com os excessos de fluxos, pela

falta de limite e, ainda, pela ausência de centros de referências, afinal, temos ampliado o

universo da comunicação e da informação.

A midiatização entra em cena nos convidando a participar de um espetáculo do

consumo abundante de imagens, que conforme Lipovetsky; Serroy (2011), caracteriza-se pela

multiplicação dos canais, das informações e das trocas ao infinito.

Nesse universo caracterizado por um consumo bulímico, pela intensificação da circulação dos bens, das pessoas e das informações, os indivíduos dispõem de mais imagens, referências, modelos, e podem assim encontrar elementos de identificação mais diversificados para construir sua existência. Se a cultura global difunde em toda parte, via mercado e redes, normas e imagens comuns, ela funciona ao mesmo tempo como uma poderosa alavanca de arranque dos limites culturais dos territórios, de desterritorialização generalizada, de individualização dos seres e dos modos de vida. (...) Quanto mais as sociedades se aproximam, mais se desenvolve uma dinâmica de pluralização, de heterogeneização e de subjetivação (LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p. 15-16).

Este contexto altera e em certos casos fragiliza o sentimento de inclusão em

coletividade, bem como vários aspectos da vida: profissionais, afetivos, religiosos, entre

outros. O que nos traz a sensação de isolamento e insegurança interior. “Quanto mais o

individuo é livre e senhor de si, mais aparece vulnerável, frágil, desarmado internamente”

(LIPOVETSKY; SERROY, 2011, p. 55).

Notamos também a “liquefação” das estruturas e instituições sociais, em que não se

mantém formas e estruturas por muito tempo. As estruturas e laços afetivos ganham o risco

do fugidio: autoridades, celebridades, ídolos, tendências, causas e bandeiras. Tudo se desfaz,

os focos de atenção mudam e/ou são esquecidos, para que tudo se refaça novamente. “Em

nosso mundo fluido, comprometer-se com uma única identidade para toda a vida, ou até

menos do que a vida toda, mas por um longo tempo à frente, é um negócio arriscado”

(BAUMAN, 2005, p. 96). Não podemos, no entanto, culpar os recursos eletrônicos ou os

grupos de bate-papo na internet por tais fragilidades. Afinal, podemos pensar também que

Page 22: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  21  

 

temos à nossa disposição estes instrumentos, justamente para torcer e moldar nossas

identidades, sem ser permitido que nos fixemos a uma delas.

O cenário de superabundância de imagens e significados de mundo coloca em dúvida

os pontos referenciais até então coerentes, pois desloca as estruturas e processos centrais da

sociedade e abalam os quadros de referência que, antes, nos ofereciam estabilidade da

coerência e da unidade - assegurada pela memória e que nos ajudavam na configuração

identitária. Deparamo-nos com a incerteza e com o desconhecido, que geram medo e trazem a

sensação de ameaça para este sentimento de pertencimento.

Os quadros de realidades antes impostos e manipulados pela presença de um Estado-

nação todo poderoso e autorreferente, passam a ser questionados e agenciados por outros

processos de significação.

Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito (HALL, 2006, p. 09).

Surge aqui a possibilidade de se falar de crise de identidade, não como perda, mas

como intensificação de trocas, onde nos sentimos ameaçados e fragilizados.

O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas (...). O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático (HALL, 2006, p. 12).

Mas como a midiatização pode se relacionar com as ideias de memória e história? Se

a midiatização desenha um novo regime espaço-temporal, podemos apontar a atuação da

mídia na configuração e transformação dos lugares ou do trabalho de enquadramento da

memória (BONIN, 2010). Aquele catálogo desnorteante de identidades possíveis apresentado

pela internet oferece também referentes de memória midiatizada que agem como pontos de

apoio ou estímulos para a rememoração de acontecimentos. Neste aspecto, Bonin (2006) fala

em múltiplos palimpsestos midiatizados de memória e observa que, ao se referirem ao

passado, as mídias, muitas vezes, o descontextualiza e o reduz a uma citação. Assim, os

eventos históricos são apresentados:

numa sucessão onde cada acontecimento acaba borrando o anterior, dissolvendo-o e impedindo o estabelecimento de verdadeiras relações entre eles (…) o que acaba

Page 23: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  22  

 

sendo uma forma de borrar o passado, de torná-lo difuso, indolor (BONIN, 2006, p. 140).

Assim como a identidade, passado (a história) se fragmenta, e o mesmo também

acontece com a memória.

O passado deixa, então, de ser parte da memória e se converte em ingrediente de pastiche – operação que permite mesclar fatos, sensibilidades, estilos e textos de qualquer época, sem articulação com os contextos e movimentos de fundo de uma época. Deste modo, o passado não pode iluminar o presente nem relativizá-lo, já que não permite tomar distância do que se está vivendo. Assim, as mídias estariam contribuindo para nos instalar num presente sem fundo, sem piso e sem horizonte (BONIN, 2006, p. 139-140).

Com isso, as mídias também podem ser reconhecidas como lugares de memória, ou

lugares de fabricação do presente, mas que contribuem para “debilitar o passado, a

consciência histórica. A aceleração tecnocultural estaria levando à perda da noção do tempo e

à instalação num presente contínuo” (BONIN, 2006, p. 139). Por outro lado, é possível

apontar uma febre de memória que expressa a:

(...) necessidade de ancoragem temporal que sentem as sociedades (e os grupos) cuja temporalidade é sacudida pela revolução tecnológica informacional, que dissolve as coordenadas espaço-temporais do mundo da vida, dimensões que também ancoram a memória (BONIN, 2006, p. 140).

Reconhecemos a internet, portanto, como lugar de interações que, ao configurar

subjetividades e identidades, configura também a memória. Além disso, embora o contexto da

midiatização seja do tempo fugidio e da memória descontrolada, a internet oferece a

possibilidade da permanente disponibilidade dos conteúdos, a memória sem limites. A

questão do tempo fugidio na internet também traz ao debate os agenciamentos de

arquivamento e disponibilidade de conteúdos na rede. O próprio Orkut não seria como um

museu na rede?1

Os dispositivos midiáticos formam hoje lugar privilegiado para os agenciamentos envolvendo a memória coletiva e, sobretudo, o enquadramento da memória. Constituindo-se em pólos de convergência das dinâmicas sociais, as mídias (sobretudo as de caráter jornalístico) armazenam informações que se convertem em fontes para historiografia, como também recuperam acontecimentos pregressos podendo imprimir a eles novos enquadramentos (HENN, 2006, p.179).

                                                                                                               1 Essa questão é melhor desenvolvida no item 2.3, com SCOLARI (2004, 2008); LEMOS; LEVY (2010); e WEISSBERG (2004)

Page 24: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  23  

 

Assim, se transformam as relações com o tempo, com lugares e territórios, ideias

essenciais para a ancoragem da memória e da identidade. Notamos, portanto, o paradoxo de

se viver cada vez mais o embate entre pluralização dos sentidos, fruto das interações mais

intensas e abertas no espaço midiatizado, e a busca de sentidos mais estáveis, de lugares de

memória que ancorem a possibilidade de reconhecimento e identidade. Recursos e estratégias

- sejam individuais ou coletivas, criadas de forma espontânea ou impostas pelo Estado e pelo

mercado -, fazem com que a sociedade se aproprie, se identifique e se sinta protegida e

representada, ao mesmo tempo em que viva a experiência da diluição de fronteiras simbólicas

e identitárias.

Mesmo no cenário caracterizado pela diluição das fronteiras e pela compactação do

tempo, a questão da territorialidade e da identidade não está suprimida. É comum encontrar na

internet, modelos e práticas de afirmação identitária com base na delimitação territorial,

mesmo que simbólica, como uma espécie de retorno ao território em processos de

configuração de uma memória coletiva.

Nos sites das redes sociais na internet, com a dimensão de interatividade privilegiada

do ciberespaço, o pertencimento não é o resultado da coesão entre os participantes, mas

resultado de interações num “local de encontro e de compartilhamento de informações e de

experiências de caráter efêmero e desterritorializado” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 103). É o

compartilhamento midiatizado de emoções e experiências que se mostra fundamentais para

coesão daquele grupo. Assim, nota-se que a territorialidade não se torna um fator de

resistência ou sobrevivência, mas dialoga e se alimenta da desterritorialidade.

O avanço e a transformação das experiências de fronteiras do espaço geográfico

problematizam as configurações da memória e da identidade. Afinal, assim como diversas

instituições atuam independentemente das demarcações nacionais e culturais, com a internet,

também a identidade dispõe de outras fronteiras e outras formas de lugares para realizar a

manutenção, construção e reconstrução da memória2.

Questões simbólicas, como o compartilhamento midiatizado de emoções e

experiências se mostram fundamentais para coesão de determinados grupos. Nesse sentido, a

identidade passa também a se definir pelas comunidades e nações de signos, ou seja, aquelas

que “adotaremos, talvez, depois de ter experimentado várias a fim de escolher a que melhor

nos convém” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 113), como numa espécie de nomadismo no

                                                                                                               2 Falar em “construção” aqui, já é a própria ruína da identidade.

Page 25: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  24  

 

ciberespaço, em que é possível transitar facilmente “de uma tribo a outra fecundando a

inteligência coletiva das comunidades virtuais pela troca e pelo entrelaçamento de seus

membros e de suas ideias” (LEMOS; LÉVY, 2010, p. 113).

Uma das alternativas de organização e interação é oferecida por meio das redes sociais

na internet, que inserem suas dinâmicas específicas de participação, fluxos e trocas de

conteúdos. As redes sociais são interações e relações entre pessoas que atuam em causa

própria, em defesa do outro ou de alguma organização, e configuram um espaço onde se

encontram “inter-relações, associações encadeadas, interações, vínculos não-hierarquizados,

todos envolvendo relações de comunicação e/ou intercâmbio de informação e trocas culturais

ou interculturais” (AGUIAR, 2007, p. 02).

Nesse sentido, uma rede sempre possui uma temática que motiva e aglutina pessoas,

no entanto, no cenário midiatizado da internet, ela se caracteriza pela sua instabilidade,

fluidez e dinâmica não-linear, podendo ganhar variações e unir ou separar os membros de

acordo com interesses específicos, em fluxo contínuo ou descontínuo, “em função de

determinadas circunstâncias que animam, fragmentam ou estancam a intercomunicação”

(AGUIAR, 2007, p. 08).

Nas redes sociais na internet, podemos considerar como fortes motivações de uso,

integração e participação, as possibilidades sociais em virtude da troca e replicação de

determinados conteúdos, que envolvem o compartilhamento de lembranças, valores,

imaginários, que caracterizam as questões identitárias. Daí ser possível afirmar que os modos

como os diferentes setores da sociedade, conforme os seus mais variadores objetivos,

executam e direcionam tais possibilidades de trocas e interações é que caracterizam os

vínculos e perfis construídos (BRAGA, 2007).

Da mesma forma como variam as estruturas e as dinâmicas de cada rede, variam

também os graus de participação que dependem conforme o interesse dos integrantes nas

temáticas e nos conteúdos da rede e daqueles grupos, do fluxo de mensagem que estimulam a

participação e a interação entre os membros, entre outros (AGUIAR, 2007).

A dinamicidade das redes possibilita alguns padrões de organização, seja de forma

cooperativa, competitiva ou geradora de conflito, e assim, revela como variam suas estruturas

e vínculos. Em outras palavras, conforme os conteúdos compartilhados ou o uso que se faz da

rede, são acionados processos de cooperação, competição e conflito que determinam a

manutenção, dinamicidade e vivacidade da rede. (RECUERO, 2005). Portanto, não há

possibilidade de previsão ou de controle das interações que podem surgir ou se desdobrar. A

Page 26: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  25  

 

este respeito, vamos desenvolver melhor no item 2.3.1, a respeito dos memes e capital social

nas redes online.

2.3 ...E fluem os sentidos: textos e descontextos

Nos estudos da comunicação e das interações midiatizadas, Braga (2007, 2011) nos

convida a entender as interações midiatizadas como processos simbólicos e práticos que

organizam trocas entre os seres humanos e viabilizam suas diversas ações e objetivos. A

busca por abrangência geográfica e populacional; por rapidez nas comunicações e maior

permanência3 das mensagens (registro); bem como a busca pela maior diversidade e agilidade

de captura, objetivação, transformação, transmissão e circulação de informações e

comportamentos sociais levam a uma “crescente tendência no sentido de que as interações

sociais se tornem diferidas e difusas, através de desenvolvimento tecnológico” (BRAGA,

2007, p. 146). Assim, são criadas e descontextualizadas múltiplas formas de representações e

registro de objetos e situações, e mais, tais representações são colocadas em circulação, seja

em formas de imagens, sons ou textos, referenciais ou imaginários.

Para que objetivações sociais circulem em âmbito diferido e difuso com pertinência, é preciso que se elaborem com alguns graus de abstração das contingências específicas caracterizadoras dos momentos de elaboração expressiva. (...) Com a mediatização, até as referências mais “personalizadas” tornam-se anônimas e tipificadas, pelo desprendimento estrutural das contingências, que só serão reconstruídas pelo “receptor”. (BRAGA, 2007, p. 152).

Esta interatividade difusa promovida nas redes sociais na internet caracteriza o fato de

as respostas não serem tipicamente imediatas e pontuais, mas, sim, repercussão,

redirecionamento e circulação, pois são ambientes propícios para que as informações,

símbolos e significados passem por “processos de redeterminação como um trabalho de

‘edição’ do material objetivado mediaticamente, pelo usuário que o (re)inscreve em sua

conjuntura, realizando articulações através das mediações que acione” (BRAGA, 2007, p.

153). A este respeito, Recuero (2012) fala em conversação em rede, que, para ela, se define

como práticas que são limitadas por questões técnicas dos espaços on-line, e que constroem

apropriações, sentidos e convenções peculiares. “Essas conversações têm novos formatos e

são constantemente adaptadas e negociadas para acontecer dentro das limitações,

                                                                                                               3 Isso aqui também pode ser frisado ao tratar da problemática do arquivamento para a memória. Uma das características das interações nas redes sociais na internet, é a permanência das interações, “no sentido de que aquilo que foi publicado permanece acessível no site” (RECUERO, 2013, p. 54).

Page 27: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  26  

 

possibilidades e características das ferramentas” (RECUERO, 2012, p. 17). A interação na

rede apresenta uma forma conversacional pública e coletiva ao mobilizar e ser permeada por

pessoas que se conhecem, ou que não se conhecem ou que ainda se conhecerão.

Dada à natureza desta pesquisa, que versa sobre a atualização de narrativas e

identidades no espaço interacional midiatizado, e não sobre as práticas e processos

conversacionais que a interação aciona, o conceito de interações midiatizadas, proposto por

Braga (2007), será priorizado.

Assim são criados e propagados campos simbólicos, usos e interações do vivido, do

revisto, mediado pelas representações já existentes ou oferecendo a elas novos significados.

Dessa forma, compreende-se o que Braga (2007) chama de tendência à descontextualização e

recontextualização, que marca a criação e propagação de campos simbólicos, usos e

interações do vivido, do revisto, mediado pelas representações já existentes ou oferecendo a

elas novos significados.

É a este contexto que se submete, além das identidades, das memórias, as narrativas

históricas. Conforme visto, anteriormente, em Hjarvard (2012), a presença predominante da

mídia sobre uma série de fenômenos e instituições sociais, bem como a importância cultural e

social exercida pelos meios de comunicação nas mediações e interações da sociedade, é o que

caracteriza o cenário da midiatização. Ela possibilita a produção e distribuição de produtos

simbólicos, e insere outros fluxos de comunicação e desempenha um importante papel na

produção e difusão do conhecimento. Ou seja, muito além das transformações das noções de

tempo e de espaço, a midiatização interfere também nas maneiras de se construir saberes.

Considere, por exemplo, o número de pessoas cujo conhecimento sobre as várias fases da história da evolução foi formado não tanto em sala de aula, mas muito mais nos filmes de Steven Spielberg Jurassic Park ou na série de documentários Walking with Dinosaurs (Caminhando com os Dinossauros), da BBC. Além disso, os meios de comunicação também são um espaço para a discussão pública e a legitimação da ciência (HJARVARD, 2012, p. 57).

Percepções, construções da realidade e comportamentos sociais têm como ponto de

partida representações mediadas, guiadas e ambientadas pelos meios de comunicação, pois ao

falar em midiatização da sociedade, visualizamos um “processo pelo qual a sociedade, em

grau cada vez maior, está submetida a ou torna-se dependente da mídia e de sua lógica”

(HJARVARD, 2012, p. 64).

Linguagens e meios se misturam, tempos e interações se sobrepõem como num

processo de colagens, contribuindo para a composição de um cenário que, simultaneamente,

indica mudanças, define adaptações e contextualiza vínculos e processos sociais. Afinal, a

Page 28: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  27  

 

midiatização e as possibilidades tecnológicas de transmissão e consumo de informações,

alteram as mediações cognoscitivas, como a capacidade de percepção, que “está no centro das

transformações presentes e futuras, no âmbito da comunicação, cada vez mais estimulada pela

mediação tecnológica” (OROZCO, 2006, p. 89).

Tal dinâmica, ao estabelecer uma outra relação com o tempo e o espaço, transforma a

maneira de se apreender o passado e, por conseguinte, a história, oferecendo-a, por exemplo,

uma outra sequência de acontecimentos, num desencontro temporal em que o tempo novo,

introduzido midiaticamente, não corresponde aos seus tempos reais e passa a ser percebido

como ficção (OROZCO, 2006). Podemos somar isso ao fato de que as mediações

institucionais e tradicionais, como a escola ou o Estado, perderam força, e a mediação

tecnológica adquiriu “importância talvez desmedida, ao mesmo tempo que outras mediações

quase desaparecem, ou se entrincheiram em fundamentalismos de onde procuram ter alguma

oportunidade no intercâmbio societário em seu conjunto” (OROZCO, 2006, p. 89).

A midiatização, ao diluir a projeção temporal e trazer outras formas de mediação para

a relação com o passado, contribui para a indistinção entre:

(...) observar a realidade transmitida e ver uma novela, um filme ou um “documentário” (ficcionalizado, claro) sobre a vida dos dinossauros no Discovery Channel! Nas telas pode acontecer praticamente tudo, no momento que se quer e o que aconteceu antes ou muito antes (...) E, além disso, com o computador, inclui-se a participação dos próprios usuários através de processos mais interativos (OROZCO, 2006, p. 95).

Nota-se, portanto, que, muito além das máquinas e equipamentos, as transformações

tecnológicas alcançam várias dimensões da vida. Conforme Fausto Neto (2009), os meios já

não apenas existem, mas são elementos constituintes da sociedade, ou seja, a questão

transcende os veículos em si, e envolve a cultura e a lógica das operações sociais, afinal os

dispositivos sócio-técnicos-discursivos definem uma nova ambiência para os procedimentos

de comunicação e dinâmicas de interação.

A midiatização resulta de conversão de processos tecnológicos em meios, em situação de produção e de recepção de mensagens, afetando as relações entre instituições e os atores sociais; redesenhando a plataforma o status dos receptores de mensagens em novas condições, transformando em co-produtores de atividades discursivas midiáticas (FAUSTO NETO, 2009, p. 85).

O espaço interativo da internet possibilita novas formas de acesso, produção e

distribuição de conteúdos. O ciberespaço é um ambiente que é coletivo e interativo, envolve

sociabilidade e técnica (SANTAELLA, 2010). Por um lado, tem-se rastreamento, controle,

Page 29: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  28  

 

monitoramento e vigilância; de outro, formas de busca descentralizadas, imprevisíveis, que

desafiam as estruturas hierárquicas da sociedade. As experiências espaciais de acesso,

consumo, produção e compartilhamento de conteúdos são marcadas, sobretudo, pela

sobreposição de camadas de informação: imagens, textos, sons, vídeos. Tais possibilidades

apresentam novos formatos de subjetivação, devido aos formatos de relações intersubjetivas.

Assim, os consumidores personalizam suas buscas na internet, conforme suas preferências

(FERRARI, 2003).

Ao navegar, o usuário usufrui de maiores opções para buscar e selecionar

informações, e, conforme suas escolhas, cria sua rede de hipertextos. Tal autonomia faz com

que o espaço midiático seja fragmentado. Afinal, na medida em que o conteúdo é consumido,

é também produzido conforme as decisões que os usuários tomam ao longo das leituras,

adicionando e editando páginas, acrescentando comentários etc. Ou seja, o usuário, além de

eleger diferentes conteúdos, pode manipulá-los, reproduzi-los, retransmiti-los e regular

conforme o seu tempo de consumo, caracterizando assim, o consumo de conteúdos na internet

como interativo e não-linear (SCOLARI, 2008). Portanto, temos um contexto onde se cruzam

experiências prévias de recepção e influências socioculturais, afinal, “a informação sempre é

selecionada ou buscada, nunca simplesmente recebida” (SCOLARI, 2008, p. 96, tradução

nossa)4.

Podemos falar, ainda, em hipermediação, que se refere não apenas a um produto ou a

um meio, mas sim, a “processos de intercâmbio, produção e consumo simbólico que se

desenvolvem em um ambiente caracterizado por uma grande quantidade de sujeitos, meios e

linguagens interligados tecnologicamente uns aos outros” (SCOLARI, 2008, p. 113, tradução

nossa)5. Afinal, há uma gramática de interação que guia a relação que criamos com as

interfaces e aparatos técnicos: na leitura de um livro, por exemplo, sabemos por onde começar

e como fazer tal leitura. Porém, no ciberespaço, o leitor:

Salta de um conteúdo a outro, parando em alguns deles quando o parecem interessantes, e aciona dispositivos de navegação - por exemplo, fazendo “subir” a página para rastrear as notícias do dia que se encontram na parte inferior - quando achar necessário (SCOLARI, 2004, p. 212, tradução nossa)6

                                                                                                               4  La información siempre es selecionada o buscada, nunca simplemente recibida.  5  Procesos de intercambio, producción y consumo simbólico que se desarrollan en un entorno caracterizado por una gran cantidad de sujetos, medios y linguajes interconectados tecnológicamente de manera reticular entre sí.  6 Salta de un contenido a otro, deteniéndose en alguno de ellos cuando le parece interessante, y aciona los dispositivos de navegación - por ejemplo, haciendo “subir” la página para rastrear las noticias del día que se encuentram en la parte inferior - cuando lo considera necessário.  

Page 30: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  29  

 

No entanto, mesmo com a navegação intuitiva, é importante considerar que há

moderadores e operadores em tudo, inclusive, há uma espécie de opinião pública em

funcionamento. “Não se pode ter ao mesmo tempo a liberdade de informação e a seleção a

priori das informações” (LEVY, 2009, p. 244). A ausência de ordem global a priori não

impede que as pessoas ou coletivos, neles se orientem e organizem por sua própria conta. Os

indivíduos não estão isolados e perdidos: as comunidades e membros se ajudam a aprender o

que se quer saber. “A produção livre e colaborativa aumenta as possibilidades (a liberdade)

para obter informações a partir das mais diversas fontes, dando ao cidadão a capacidade

crítica de escolhas até então impossíveis” (LEMOS; LEVY, 2010, p. 63).

Nesse sentido, mesmo com a horizontalidade da rede ou com a supressão de

intermediários, são criadas novas camadas novos mecanismos que automatizam a mediação,

afinal, as buscas, além de serem personalizadas conforme escolha do usuário, é personalizada

conforme o seus rastros de navegação. Se falarmos de um conteúdo localizado e reproduzido

nas redes sociais na internet, não podemos descartar a cultura dos bancos de dados. É isso que

faz se diferenciar os resultados de buscas realizadas entre um computador e outro. Segundo

Weissberg (2004) este é outro testemunho das misturas entre as lógicas editoriais

(armazenamento) e de consultas on-line (fluxos).

Como já comentado antes, a internet faz coexistirem vários regimes temporais,

intercalando formas clássicas de leitura com as mais refinadas circulações hipermidiáticas

(WEISSBERG, 2004), e isso se reflete e também inclui, por exemplo, “a temporalidade

diferida típica do uso dos motores de busca, temporalidade que procede a lógica de

acumulação/descarga” (WEISSBERG, 2004, p. 131) de conteúdos. Ou seja, a função

mediadora presente nas práticas de consulta não desaparece, mas, sim, se renova, pois se tem

uma mediação automatizada típicas dos motores de busca.

A automediação - cujo germe já estava nas práticas de consulta de elementos impressos (índices, arquivos de documentos, etc.) - representa, certamente, uma relação social que se distingue claramente das formas profissionais clássicas de mediação (editor, imprensa...). Mas ela desnatura o projeto de uma relação direta, límpida com peças de informações. Pode-se, aliás, pensar que a disponibilidade desses instrumentos vai aumentar a importância das ideias diretrizes que formam a linha de significado de toda pesquisa de informações, e isso de encontro ao que sugere a metáfora do surf soberano e oportunista no oceano informacional. Trata-se, pois, da esfera interpessoal (bilateral e de grupo) ou da comunicação automatizada, a função mediadora renova-se mais que desaparece, inscrevendo-se no contexto geral de uma pretensão de alargamento dos espaços de autonomia individuais e coletivos. (WEISSBERG, 2004, p. 125).

Page 31: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  30  

 

Nesse sentido, temos as redes sociais na internet como ambientes que favorecem

interações que possuem características complexas e ambíguas, que abrem espaço para

distorções e descontextualizações. Em tal ambiente não-linear, depara-se com um cenário

onde as estruturas não apresentam apenas um sentido, mas, sim, múltiplos caminhos, destinos

e finais. Afinal, o espaço digital e as redes sociais estão formadas “por centenas de milhões

de páginas que esperam ansiosas por seu visitante. Ou melhor: milhões de páginas em luta

desesperada para atrair visitas” (SCOLARI, 2004, p. 157, tradução nossa)7 Não apenas

páginas, mas também, grupos que lutam pela entrada de novos membros, postagens que lutam

para serem reproduzidas e curtidas; blogs disputam por comentários; hashtags que disputam

os Trends Topics do Twitter, entre outros.

2.3.1 Memes: ideias e sentidos a mais

A internet, como espaço onde todo usuário é potencialmente um produtor e replicador

de conteúdos, se constitui como ambiente propício para a divulgação e repercussão de

conteúdos e valores culturais que se propagam por meio de emails, correntes e postagens

virais. Conforme visto anteriormente com Aguiar (2007), uma rede sempre possui uma

temática que motiva e aglutina pessoas e, na internet, tal motivação ganha variações, une e/ou

separa os membros de acordo com interesses e circunstâncias específicas.

Nesse contexto, encontramos determinados textos, formatos ou imagens que circulam

com uma característica em comum, e são replicados como uma ideia contagiosa, em constante

transformação, e que se propagam como um vírus. Estes conteúdos, de característica em

comum, permanente e estável, são definidos como memes.

Para Dawkins (1979), um meme pode ser entendido como uma unidade de informação

que se multiplica em diversos formatos como melodias, slogans, modos do vestuário,

desenhos, valores etc. A pergunta central apresentada pelo autor é: qual o valor de

sobrevivência de um meme, a ponto de fazê-lo se replicar? Sua resposta indica que, no caso

do gene, há vantagem biológica de determinados organismos e meios que permitem a

sobrevivência de determinados genes. Já no caso do meme, sua difusão depende do quão

aceitável a ideia é para uma determinada população (DAWKINS, 1979).

Os memes promovem experiências transpositivas que simultaneamente mantém

significados originais e reinventam sentidos, tudo isso em função da dinâmica de sua                                                                                                                7  Por centenares de millones de páginas que esperan ansiosas a su visitante. O mejor: millones de páginas en lucha desesperada por atraer a sus visitantes.  

Page 32: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  31  

 

viralização. Afinal, tais conteúdos acionam processos comunicacionais singulares onde,

simultaneamente, significados originais e sentidos produzidos se alimentam em um processo

de transposição de contextos. É justamente essa capacidade de desencadear uma dinâmica

interacional acionada e suplantada por um mesmo dispositivo a partir de sua disseminação,

apropriação e transformação, que lhe confere o poder viral e a sua potência interativa. Assim,

o meme tem sua potência viral medida não apenas pelo exotismo do agenciamento de

elementos significacionais reunidos deliberadamente por seu autor, mas, especialmente, por

sua capacidade de gerar uma cadeia de reposições, ao mesmo tempo em que permanece o

mesmo.

A Figura 1 ilustra esse entendimento do meme em que determinadas ideias ou textos

circulam com uma característica em comum. Essa característica em comum, permanente e

estável, é reconhecida como o meme, que, quando somada a novas informações conforme seu

recebimento e replicação, gera outras ideias (hipertexto).

FIGURA 1 - “Memes”

Fonte: MEILI, 2011.

Os memes, construídos nas interações mediadas no ambiente virtual das redes sociais,

podem revelar como representações coletivas são criadas, apropriadas e recriadas,

configurando uma cadeia circular de sentidos, fortemente marcada pela subjetivação virótica e

espontânea. Uma espécie de circularidade anônima, aparentemente gratuita e despretensiosa,

dado que os sujeitos acionadores se apropriam, produzem e reproduzem memes sem aparente

motivo ou objetivo claro, e sem mesmo saber onde e como surgiram.

Para compreender como as informações são difundidas através das redes sociais na Internet, é preciso também estudar a natureza dessas informações. E tal estudo tem

Page 33: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  32  

 

sido feito por muitos autores com base na analogia dos memes. (RECUERO, 2010, p. 123).

Dessa forma, os memes nos permitem entender a replicação, a filtragem e a

transformação de certos tipos de informação, como expressão de formas representativas,

complexas e reproduzíveis pelo compartilhamento virótico. Curiosamente, se um meme pode

ser definido como uma ideia contagiosa, que se replica e se propaga como um vírus, ele

possui um ciclo de vitalidade comunicacional próprio que nos desafia a compreender “que

tipo de ideia sobrevive e é passada de pessoa a pessoa e que tipo de ideia desaparece no

ostracismo” (RECUERO, 2010, p. 123).

Memes e genes possuem uma natureza em comum: a capacidade de replicação.

Conforme Dawkins (1979), uma unidade replicadora é uma molécula particularmente notável,

capaz de criar cópias de si mesma, atuando como uma espécie de molde, modelo, ou melhor,

um tipo de estabilidade. Assim como um gene, um meme é um replicador. Entretanto,

enquanto o primeiro é da ordem da natureza, os memes são unidades de transmissão cultural,

que se alimentam da cópia, da reprodução de ideias e de valores sociais. Como tal, pode-se

buscar identificar e interpretar os memes em diversas formas discursivas e narrativas, como

nas que circulam, por exemplo, na internet.

Ou seja, um meme é, assim como um gene, um replicador, uma unidade de

transmissão cultural, de imitação, capaz de gerar cópias, atuando como um modelo ou molde,

que permite a evolução e replicação de ideias. Nesse sentido, a potência de um meme está na

sua capacidade de sobreviver e de se replicar, que depende do quão aceitável a ideia é para

aquela determinada população (DAWKINS, 1979; RECUERO, 2010). Um meme, assim

como um gene, pode ser caracterizado pela sua capacidade de permanência, variação,

mutação, duração e alcance.

A variação corresponde à capacidade do meme de mutação. Uma história nunca é contada exatamente do mesmo modo e essas pequenas variações vão gerando grandes mudanças com o passar do tempo. A seleção é o elemento que faz com que alguns memes chamem mais a atenção do que outros, permanecendo mais e sendo mais copiados, enquanto outros não são lembrados. A retenção ocorre pela permanência do meme no caldo cultural. É comparável à hereditariedade, que faz com que um novo meme tenha, portanto, muito pouco de originalidade, mas que seja produto de variação e recombinação de ideias antigas que permanecem presentes nas ideias presentes (RECUERO, 2010, p. 123-124).

Os memes, utilizando a abordagem de Dawkins (1941) e Recuero (2006, 2010),

podem ser classificados quanto à sua fidelidade de cópia, à sua longevidade, fecundidade, e

Page 34: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  33  

 

quanto ao alcance, o que permite organizar uma tipologia classificatória, cada um deles,

aciona um tipo de capital social, conforme Quadro 1:

QUADRO 1 - “Tipologia classificatória dos Memes” Tipo Característica

Quanto à fidelidade de cópia Replicador São reproduzidos com alta fidelidade à cópia original. Acionam capital

social cognitivo, pois têm a função de informar, por isso, tem baixa variação, ou seja, a informação é apenas repetida.

Metamórfico/Mimético

São totalmente alterados e reinterpretados enquanto passados adiante, ou seja, têm alto poder de mutação e recombinação. Assim, convocam o capital social relacional, pois consiste em estímulo à interação, pois a informação é discutida, recombinada e personalizada.

Quanto à longevidade Persistentes Permanecem sendo replicados por muito tempo. Voláteis Circulam em um curto período ou logo se transformam em outro Quanto à fecundidade Epidêmicos Se propagam amplamente por várias redes, como uma epidemia, entre

pessoas sem referencia entre si. Trafegam entre laços fracos. Fecundo Se espalham em grupos menores, entre laços fortes. Quanto ao alcance Globais Alcançam nós que estão distantes entre si dentro de uma determinada rede

social, entre laços que não possuem uma relação direta. Locais Se registram a uma determinada vizinhança de laços sociais

Fonte: Dados da pesquisa

Uma das formas de se analisar a evidência dos memes é por meio do capital social que

eles processam. Segundo Recuero (2010), as postagens e interações na internet acionam

diferentes valores e intencionalidades, afinal, “há uma conexão entre aquilo que alguém

decide publicar na internet e a visão de como seus amigos ou de sua audiência na rede

perceberá tal informação” (RECUERO, 2010, p. 117).

Conforme as dinâmicas de compartilhamento de determinado tipo de conteúdo na

rede, podemos detectar o tipo de capital e laço social entre os envolvidos. Capital social pode

ser entendido como “um conjunto de recursos de um determinado grupo, obtido através da

comunhão dos recursos individuais, que pode ser usufruído por todos os membros do grupo, e

que está baseado na reciprocidade” (RECUERO, 2006, p. 07). Assim, o capital social está

embutido nas relações ao mesmo tempo em que pode ser construído ou moldado por elas, e,

ainda, ser apropriado de forma individual ou coletiva. O capital social pode ser caracterizado

como relacional, na medida em que se compreende a soma das relações e trocas que conectam

os indivíduos; cognitivo, no que se refere à soma do conhecimento e das informações

Page 35: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  34  

 

colocadas em comum; ou, ainda, de confiança, ao gerar a confiança no comportamento dos

indivíduos em determinado ambiente, entre outros (RECUERO, 2005).

A partir disso, é possível pensar que alguns comportamentos de interação (adicionar

ou compartilhar conteúdos; curtir ou comentar postagens), bem como o formato do conteúdo

reproduzido, revelam estratégias de criação de valores e sentimentos na rede. Que sentimentos

seriam esses? Os valores que podem fortalecer e qualificar os laços sociais, como:

reciprocidade, confiança e intimidade; visibilidade e/ou popularidade; reputação, prestígio

e/ou autoridade, entre outros.

Segundo Recuero (2006), tais questões podem ser apontadas na replicação de memes:

Postagens mais pessoais apelam ao capital social relacional, na medida em que solicitam suporte, apoio, aprofundamento do laço social. Essas postagens buscam a construção e o reforço de laços sociais. Assim, alguns memes são sociais, no sentido de que publicá-los não é “informar” outra pessoa, mas gerar interação e empatia com o leitor. (RECUERO, 2006, p. 07).

No entanto, memes com tais características sociais geram confiança e intimidade, mas

não reputação, pois se relacionam mais diretamente com a rede social local - onde os laços

são mais fortes - e menos com a globalidade de leitores. Segundo Recuero (2006), os memes

que se prestam às funções sociais também costumam ser miméticos/metamórficos, ou seja, ao

oportunizarem a personalização, são reproduzidos sendo totalmente alterados e

reinterpretados,

Portanto, categorizar e caracterizar um meme, permite entender a sua evidência e

repercussão na internet, e perceber os tipos de valores sociais que a difusão das informações

auxilia a construir. Replicar um meme revela uma estratégia de integração e estreitamento de

laços sociais, por meio, por exemplo, da ampliação da intimidade entre os atores na rede; bem

como de fortalecimento do capital social cognitivo, com o apelo informacional de gerar

conhecimento (RECUERO, 2010). No entanto, conforme as transformações dessas

ferramentas sociais, se transformam as maneiras de se pensar as interações, assim como a

natureza e a qualidade dos laços sociais, ou seja, as conexões se complexificam e o capital

social também se diversifica (RECUERO, 2013).

Além disso, ao se falar em capital social em uma rede (seja na internet ou não), é

importante atentar também aos seus efeitos negativos. Afinal, as normas sociais

“recompensam algumas ações, mas constrangem outras, reduzindo, por exemplo, a inovação

individual e a criatividade que trazem benefícios à coletividade” (MATOS, 2009, p. 56).

Assim, o capital social também pode ser excludente, criar desconfiança e levar a efeitos como

Page 36: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  35  

 

a exclusão e marginalização de membros, privando-os do acesso a recursos adquiridos e

beneficiando a distribuição desigual de poder; a existência de exigências excessivas pode

impedir o êxito de iniciativas individuais; a restrição à liberdade individual conforme o

controle social que gera conformidade, normas e exigências de adequação, entre outros. Dessa

forma, as normas sociais de um grupo podem alimentar a corrupção e injustiça, e se atentar a

essas distinções nos “auxilia a evitar uma visão que privilegia uma relação direta entre

confiança, reciprocidade, formação de redes, cooperação e solidariedade e o capital social em

sua forma positiva” (MATOS, 2009, p. 56).

2.4 A História em busca de um lugar

Várias são as questões que compõem a vida e as relações sociais do sujeito, e que

permeiam a busca pelas melhores formas de retratar, descrever e explicar o mundo. São

narrativas que buscam dizer o mundo misturando objetividades e subjetividades. Ítalo Calvino

diz que “a mentira não está no discurso, mas nas coisas” (CALVINO, 2011, p. 60).

Quando se olha para a história, mais importante do que a realidade dos fatos, é como

legitimamos culturalmente os discursos, os documentos e as provas. É esta uma das

inquietações que permeiam este estudo: como contar a história de um lugar num cenário onde

se está imerso numa diversidade de discursos e representações, distribuídos simultaneamente

em diferentes lugares e formatos? Como a história possibilita a reprodução de representações

e cristalização de sentidos ao mesmo tempo em que, ela própria, é um reflexo deles?

O filme imita a vida. Mas há casos, também, em que a vida mais parece um filme. A

realidade, afinal, é constituída em uma teia de sentidos que correspondem a uma busca por

traduzir, experimentar e explicar a realidade, o que nos autoriza a vivê-la. Seja no cinema, no

jornalismo, na literatura e nos mais diversos modos de tentar descrever e retratar a realidade,

nos deparamos diante de diferentes formas de presenciar, experimentar e representar a vida

real e/ou seus efeitos e sensações.

O efeito de real é explicado por Barthes (2004) como algo que o produto ficcional nos

proporciona. Tal efeito pode ser oferecido por meio de técnicas e estratégias, obras e

instituições que nos fornecem fotografias, reportagens, exposições, testemunhas, personagens,

monumentos e lugares históricos. Ao adentrar no contexto da história e de seu materialismo

vivido na atualidade, é preciso tensionar as limitações das narrativas que têm, no “real”,

referências essenciais para a sua construção. Afinal, a História - como supomos - nos relata

aquilo que realmente aconteceu (BARTHES, 2004).

Page 37: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  36  

 

Mas a história, em sua busca de narrar, descrever e apresentar o que aconteceu no

passado, está sujeita a algumas controvérsias: ao mesmo tempo em que é responsável por

construir uma realidade dizendo o que se passou realmente; ela está sujeita às críticas sobre

qual realidade está representando e, também, sobre sua narrativa ancorada em uma

ficcionalidade.

A ficção assumida, por sua vez, dispõe da possibilidade de ser uma criação que pode

ou não se comprovar em coerências. Aqui, encontra-se a tênue linha entre ficção literária e

narrativa histórica. Afinal, ao ser “forçado a pôr em um enredo todo o conjunto de estórias

que compõem sua narrativa, enredo que assume uma forma de estória abrangente ou

arquetípica” (WHITE, 1995, p. 23), os historiadores se utilizam de recursos típicos das

linguagens literárias, como as sátiras, as crônicas, as epopeias, os romances ou dramas, em

seus aspectos cômicos, irônicos, entre outros. Dessa forma, a história passa ser questionada

sobre como a sua narrativa se diferencia da narração imaginária e das demais formas de texto

presentes na literatura (BARTHES apud LE GOFF, 2003).

Portanto, se, dos historiadores, espera-se a descrição daquilo que aconteceu e, da

ficção, aquilo que poderia ter acontecido; os historiadores dedicam-se a apresentar provas e

uma coerência narrativa em que discursos de ficção são acionados para uma função

ornamental. É o que Collingwood (1975) chamou de “imaginação histórica”, pois, além de

selecionar fontes que considera importante, o historiador transcende, de maneira crítica e

construtiva, àquilo que foi dito, para preencher lacunas entre os elementos que são fornecidos,

e dar continuidade à narrativa ou descrição histórica, ornamentando e possibilitando a

imaginação do passado como um objeto de pensamento. Assim, em seus trabalhos, historiador

e romancista narram e descrevem lugares, eventos, situações e pessoas, compondo um quadro

coerente em que cada “personagem e cada situação está tão ligada ao resto que esta

personagem nesta situação só pode agir desta maneira, mas podendo nós imaginá-la a actuar

de maneira diferente” (COLLINGWOOD, 1975, p. 303).

Segundo Rancière (2009), ficcionalizar e transformar o real em um discurso ou ficção

é a maneira que dispomos para compreendê-lo. Logo, podemos entender a história como uma

dessas ficcionalidades que nos traduzem quadros de realidade. No entanto, além de ter que se

organizar para tornar a realidade pensável, o trabalho histórico também tem o desafio de

enfrentar os procedimentos interpretativos, que foram adequados aos modos de compreensão,

engendrados por situações e determinações econômicas, socioculturais e políticas. É também

por isso, que o historiador precisa explicar os episódios que conta, munido de documentos e

provas (BENJAMIN, 2012).

Page 38: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  37  

 

Não cabe aqui pensar sobre a história da história, mas é importante saber que há, neste

contexto, diferentes linhas e escolas, pois ao longo do seu desenvolvimento, a história

reinventa métodos e técnicas, usufruindo, por exemplo, de ferramentas e tecnologias para a

recuperação e acesso a documentos antes não disponíveis. Já que o estudo trata das

representações do Acre, o entendimento sobre a história desse lugar vai considerar a proposta

da Nova História, uma linha que considera a interferência cultural na construção da narrativa

e da realidade social, sujeita a variações no tempo e no espaço. Esta maneira de lidar com

história insere a preocupação com “as opiniões das pessoas comuns e com sua experiência da

mudança social” (BURKE, 1992, p. 13).

A Escola dos Annales (1929) é um dos movimentos por onde se configurou a Nova

História, com o propósito de “saltar os muros, derrubar as divisões que separavam a história

das ciências vizinhas, especialmente da sociologia” (LE GOFF, 2005, p. 39), numa tentativa

de escapar do perigo de ser sistemática e puramente empírica, como a Escola Positivista e

Tradicional, e inserir a preocupação com os “problemas de uma história para o tempo

presente, para nos permitir viver e compreender num mundo em estado de instabilidade

definitiva” (LE GOFF, 2005, p. 45).

Conforme Le Goff (2005), este modo de executar o trabalho histórico se beneficia de

um campo documental ampliado, onde estão disponíveis escritos de todos os tipos,

documentos figurados, produtos de escavações arqueológicas, documentos orais etc. Afinal,

esta linha de pensamento apresenta uma concepção mais crítica dos documentos tradicionais,

pois aponta que “o documento não é inocente, não decorre apenas da escolha do historiador,

ele próprio é parcialmente determinado por sua época e seu meio” (LE GOFF, 2005, p. 76),

pois é no presente onde o historiador está quando constrói as questões que faz e apresenta ao

passado, ou seja, cada época fabrica mentalmente a sua representação do passado histórico.

Considera-se, portanto, a presença do presente na configuração do que se passou8: “por mais

afastados no tempo que pareçam os acontecimentos que trata, na realidade, a história liga-se

às necessidades e às situações presentes nas quais esses acontecimentos têm ressonância”

(CROCE apud LE GOFF, 2003, p. 24).

No entanto, ao atender à dinamicidade e ao interesse do presente, determinadas

imagens do passado são colocadas em risco, por não interessarem ou serem demandadas pelo

presente. Segundo Benjamin (2012), “articular historicamente o passado não significa

                                                                                                               8 Também é possível, aqui, retomar as problematizações da memória e da identidade, conceitos tratados no subcapítulo anterior, a partir de Pollak (1989, 1992), Hall (2005, 2006) e outros.

Page 39: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  38  

 

conhecê-lo ‘tal como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma recordação, como ela

relampeja no momento de um perigo” (BENJAMIN, 2012, p. 243).

Nesse sentido, olhar para o passado implica a revelação de um presente, de um lugar e

de convenções culturais. “Só percebemos o mundo através de uma estrutura de convenções,

esquemas e estereótipos, um entrelaçamento que varia de uma cultura para outra” (BURKE,

1992, p. 15). Os preconceitos que limitam a historiografia são revelados na escolha dos

assuntos e na determinação dos seus objetivos, por isso, “é impossível eliminar do trabalho

histórico as ideologias que nele habitam” (CERTEAU, 2002, p. 40). Há, portanto, uma

necessidade de relativização cultural aplicada à escrita da história.

A História não é científica, se por científico se entender o texto que explicita as regras da sua produção. É uma mistura, é ficção científica, em que a narrativa apenas tem a aparência do raciocínio mas que também não é menos circunscrita por controlos e possibilidades de falsificação. Assim se entendem as citações, as notas, a cronologia, todas as manhas que apelam para a credibilidade ou para as “autoridades”. Estes expedientes permitem suprir, por uma narratividade, o que falta em rigor. Efectivamente, esta mistura liga num mesmo texto a Ciência e a fábula, as duas metades simbólicas e abstractamente distintas da nossa sociedade. Nessa medida, ela representa e articula a modernidade. (CERTEAU, 1991, p. 33).

Cada vez mais os produtos ficcionais e midiatizados convidam o mundo histórico e

social a penetrar e se tornar visível em materialidades, seja em linguagem ou imagens que, ao

circularem, definem novas ficcionalidades, imersas, sobretudo, em jogos políticos e num

fluxo de circulação difuso, diferido e descontextualizado. Ao considerar que a história se

configura num discurso fechado que organiza e inclui um modo de inteligibilidade

(CERTEAU, 2002) - já que cada linguagem/narrativa possui suas limitações - podemos

considerar, também que, na ficção do realismo - e não na historicidade da história - outros

sentidos são propostos, conforme a permissão e/ou autorização das formas de linguagens mais

livres. Assim, temos o romance realista, os diários, as crônicas, os museus, os ensaios

fotográficos, os documentários, entre outros, que reintroduzem realidades que não couberam,

antes, no texto fechado da história. “Parece que não se podendo mais atribuir às palavras uma

relação efetiva com as coisas que designam, elas se tornam tanto mais aptas para formular

sentidos, quanto menos limitadas são por uma adesão real” (CERTEAU, 2002, p. 52).

Portanto, é gerado um deslocamento da referência do real para uma história que Certeau

(2002) chama de vulgarizada.

Se, pois, o relato “daquilo que aconteceu” despareceu da história científica (para, em contrapartida, aparecer na história vulgarizada), ou se a narração toma o aspecto de uma ficção própria de um tipo de discurso, não se poderia concluir daí o

Page 40: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  39  

 

desaparecimento da referência ao real. Esta referência foi, ao invés, deslocada. Ela não é mais imediatamente dada pelos objetos narrados ou “reconstituídos”. Está implicada na criação de “modelos” (destinados a tornar os objetos “pensáveis”) proporcionados às práticas, pela confrontação com o que lhes resiste, o que os limita e exige outros modelos, finalmente, pela elucidação daquilo que tornou possível esta atividade inscrevendo-a numa economia particular (ou histórica), da produção social. (CERTEAU, 2002, p. 53).

Deste modo, é desejável que a informação construída pela narrativa histórica seja

popularizada ou apropriada pela escola e pelos meios de comunicação de massa, de modo que

se corrija a história tradicional falseada (LE GOFF, 2003). Aqui, já temos, portanto, um

apontamento para atuação dos meios de comunicação massivos na história, onde cinema,

rádio e televisão apresentam um avanço considerável para a relação dos homens com a

história, ao se tornarem agente e fonte. Por consequência, a história se expande e se liberta de

ser produzida e reproduzida somente dentro de fronteiras sólidas, fixas e pré-determinadas.

Tal expansão representa também diferentes formas de circulação e apropriação pública,

conforme cenário conectado em rede9 e conforme as linguagens e mídias disponíveis, que se

misturam, se sobrepõem, se complementam e se fragmentam.

Nesse sentido, temos uma realidade socialmente construída inundada de discursos -

sejam produzidos pelo Estado10, pela mídia, pelo mercado, pelos empreendimentos turísticos e

publicitários - que proporcionam a difusão de imaginários midiáticos e enredos ficcionais que,

por sua vez, geram crises de representação (JAGUARIBE, 2007). A este conjunto de

discursos, podemos adicionar, ainda, o jornalismo e as redes sociais na internet, bem como

sites de pesquisa e enciclopédias colaborativas, além dos espaços onde a história encontra-se

“vulgarizada”, como as novelas, filmes, literatura, entre outros já citados anteriormente.

A configuração de lugares e sujeitos ganha outras molduras que ultrapassam aquelas

delineadas pela história e engendram outras narrativas que alimentam ou são alimentadas

pelos discursos historiográficos. O realismo presente nos vários tipos de discursos coexiste

“com fantasias de consumo, desejos publicitários, mundos oníricos subjetivos e domínios

encantatórios coletivos de práticas mágicas” (JAGUARIBE, 2007, p. 99). Temos à nossa

disposição formas culturalmente instituídas para a fabricação da realidade, onde “a realidade

produzida pelas imagens e narrativas midiáticas é uma fonte crucial de constituição de

mundo” (JAGUARIBE, 2007, p. 207).

                                                                                                               9  Conforme visto nos tópicos 2.2 e 2.3, a respeito da midiatização e seus (re)contextos.  10 A chamada Historiografia Oficial.

Page 41: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  40  

 

Com a midiatização e as novas possibilidades tecnológicas e estéticas de produção de

narrativas, as fronteiras entre as narrativas históricas e outros gêneros, tornam-se ainda mais

flexíveis, ou seja: com a midiatização a história de expande.

A história sai da escola e entra nos mass-media porque estes ocupam hoje em dia, em grande parte, o lugar que a História tinha no século XIX. Os mass-media tornam-se uma grande empresa de escolarização nacional. É por seu intermédio que se transmite ao público o relato doutrinal da cultura. (CERTEAU, 1991, p. 12).

Assim como as ferramentas tecnológicas de comunicação assumem um lugar central

nas relações entre as pessoas (como visto no tópico anterior), as funções, os usos e o lugar que

a História ocupa na sociedade, também se alteram. Neste aspecto, Certeau (1991) aponta

alguns fatores ligados ao deslocamento do lugar e das formas de se pensar e fazer história, se

preocupando com a relação que as pessoas passam a ter com a História, bem como com a

distinção entre o espetáculo histórico na televisão e a leitura do livro de História.

O livro de História de há cem ou cinquenta anos tinha sobretudo um papel de identificação (nacional, patriótica, social, religiosa) para o grupo onde circulava. Legitimava, circunscrevia, doutrinava igualmente. Ancorava-se num passado. Dava validade a uma ambição do grupo ou à pretensão de uma elite sobre o todo da sociedade. É hoje em dia a televisão que, em História, privilegia o valor seguro, o relato patente, a vulgata comum. (...) É também certo que as reportagens representam mais uma transgressão, como se, na televisão, a verdadeira história tomasse a forma da actualidade em países longínquos, como se a distância do tempo fosse substituída pela do espaço (CERTEAU, 1991, p. 17).

Tal passagem do livro especializado às linguagens midiatizadas, como o filme e as

demais emissões televisionadas, exige, como sugere Certeau (1991), que se repense as

relações entre o trabalho profissional da investigação - que também se transformou - e a

representação historiográfica. Assim, se propõe indagar:

a respeito da “encenação” da História, no momento em que se multiplicam as suas possibilidades e em que ela se inscreve mais manifestamente como uma variante dentro do campo mais vasto do espetáculo. Em que medida é histórica uma representação literária ou filmada? Como é o discurso histórico é um espectáculo específico? (CERTEAU, 1991, p. 20).

Com a midiatização, não se deslocam apenas o lugar ou os meios em torno da história,

mas também seus próprios componentes como o acontecimento histórico. Nesse contexto,

Nora (1991) convida a pensar a respeito do acontecimento histórico, que se mistura com os

acontecimentos cotidianos.

Page 42: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  41  

 

Hoje em dia, o mais pequeno acontecimento é vivido como sendo já histórico, memorável, inscrevendo-se já na História, quando nem sequer se sabe se ele terá lugar ou se virá a ter alguma importância (...) Promove-se o vivido em histórico, o que muda completamente a natureza do histórico e também do vivido (...). Mas, na verdadeira transformação, é o facto de que um acontecimento histórico só era acontecimento porque os historiadores assim o tinham decidido, em função do que esse acontecimento tinha provocado. Eram os historiadores que faziam ascender este ou aquele acontecimento à dignidade histórica e, de certo modo, toda a História consistia em decidir se isto era ou não um acontecimento, a reavaliar a sua importância. (NORA, 1991, p. 47-48).

Não iremos adentrar aqui, sobre os aspectos do acontecimento. O importante é

atentarmos ao fato de que, no cenário da midiatização, se conjuga o vivido e a criação de

conteúdos a respeito dele, simultaneamente. E isso acontece tanto na construção da História,

como no estudo da História. A própria decisão sobre o que vira histórico e as fontes de onde

iremos acessar um conteúdo Histórico, não é mais pertencente apenas ao historiador (NORA,

1991)

Conforme a invenção e reinvenção dos diversos meios para sua produção, emissão e

difusão, as formas e os impactos da história também se alteram. “Pelo que toca à televisão, o

discurso histórico é essencialmente um discurso tradicional, um discurso que é mais um

discurso próprio de televisão do que um discurso de História para a televisão e pela televisão”

(LE GOFF, 1991, p. 18). A história e o historiador não atuam ou estão presentes apenas na

historiografia, mas também na TV, no ciberespaço e em todo circuito midiatizado e

descontextualizante das redes interativas, o que apresenta outras formas e desafios para a

construção da representação histórica de um lugar.

Se lançarmos um olhar pela imprensa, pelas revistas, pelos livros, pelos mass media como a rádio e a televisão, pelo número de obras históricas publicadas pelas editoras e pelas respectivas vendas, o triunfo da história é inegável; é uma realidade para a qual os próprios interessados não estavam preparados. (LE GOFF, 1999, p. 11)

O cenário midiatizado, ao mesmo tempo que ajuda na desconstrução de centros de

referência - entre eles a própria História; também apresenta motores para que se busque a

História que, agora, é reescrita. Ou seja, os tempos modernos propiciam a reescrita daquela

história que se baseava na compreensão dos Estados-nações.

Vivemos nesse medo de sermos totalmente separados do nosso passado, “dememorizados”, face a uma sociedade que nos parece hoje ainda muito mais tradicional que há vinte anos, sem compreender nada acerca do mundo em que vivemos, e onde cada vez acontecem mais coisas. (...) A massa dos

Page 43: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  42  

 

acontecimentos e a sua repercussão são infinitamente maiores, e sente-se a necessidade de reintegrar o quotidiano numa inteligibilidade provisória, mas tranquilizadora, que a História pode dar. Daí o recurso ao historiador, na esperança de que ele possa fornecer os segredos do nosso tempo. O que ele é totalmente incapaz de fazer (NORA, 1991, p. 51).

Conforme Nora (1991), a história está inundada de informação11. Mas, além disso, está

inundada de diferentes formas de apropriação e linguagens.

É um problema difícil, e esta superabundância de informação obriga a uma tecnologia muito vagarosa, a do registro. Este é, sob muitos pontos de vista, assegurado pela imprensa. É o jornalista o primeiro a joeirar. Aliás, com muita frequência, são os jornalistas os primeiros a transformar-se em historiadores do presente. Há muitos jornalistas que, tendo vivido o acontecimento, voltam a retomá-lo dez anos depois. (...) São os jornalistas que estão no início do desenvolvimento extraordinário desta História imediata. E, aliás, no nascimento do cisma entre a História dos historiadores, tradicional, e esta História selvagem, vivida imediatamente pelas massas, na junção das duas, está esta superabundância de testemunhos anônimos, solicitados de todos os lados, dados ao acaso por pessoas cuja importância só mais tarde se conhecerá. Embrenhados na rede de uma actualidade elevada ao nível de História, sentem todos a necessidade de contar, de testemunhar (NORA, 1991, p. 53-54).

O próprio historiador também se midiatiza e, enquanto Zizek (2003) fala de paixão

pelo real, Le Goff (1991) fala em paixão pela História que “é um dos aspectos da moda retrô,

mas se o quisermos ver em maior profundidade, é um dos aspectos da necessidade de

identidade”. (LE GOFF, 1991, p. 25), e lança as questões: “Penso na moda “retrô”

actualmente em voga. Que vem a ser esta moda? Quer dizer que se redescobrem certas raízes

ou que se requerem esquecer as dificuldades do presente?” (LE GOFF, 1991, p. 21).

Os aparatos tecnológicos da comunicação se tornam ambientes para difusão, uso e

apropriação do discurso histórico. “A história não poderá manter uma qualquer função no

âmbito da ciência e da sociedade se os historiadores não souberem por-se em dia no que se

refere aos novos meios de comunicação de massa”. (LE GOFF, 1999, p.17). Os meios de se

fazer, contar e reproduzir a história contribuem para as reinvenções do próprio discurso

histórico.

A seguir vamos adentrar num breve enredo histórico que permeia a configuração do

Estado acreano, utilizando as mais diversas narrativas disponíveis, na tentativa de entender as

relações que o acreano tem com a sua própria história.

                                                                                                               11 Conforme Benjamin (2012): “A cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão para tal é que todos os fatos já nos chegam impregnados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece é favorável à narrativa, e quase tudo beneficia a informação. Metade da arte narrativa está em, ao comunicar uma história, evitar explicações” (BENJAMIN, 2012, p. 219).

Page 44: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  43  

 

3 PASSAGENS HISTÓRICAS E A CONFIGURAÇÃO DE UM LUGAR-ESTADO

Na segunda parte desse trabalho, encara-se o desafio de escrever sobre a história do

Acre, pensando o lugar que a história ocupa no processo de manutenção identitária, na

configuração da memória e no acionamento de espaços de interação social. Além disso, se o

estudo sobre a negação do Estado do Acre trata do cenário da midiatização, propõe-se situar

as narrativas históricas em tal cenário, onde os processos de construção, a reprodução e o

consumo de conteúdos e circulação de representações tornam-se cada vez mais difusos e

descontextualizados. Afinal, experimentar a realidade (ou, simplesmente, viver a vida),

implica registrar, produzir e compartilhar informações a respeito dela, cada vez mais, e em

tempo real: ao mesmo tempo em que vivem, as pessoas se filmam, se fotografam e adicionam

conteúdos nas redes sociais. Pessoas compartilham o ordinário e o extraordinário do

cotidiano: as roupas que vestem, a cor do esmalte, o que comem, os acidentes de trânsito, os

processos políticos etc. Ou seja, os fatos são narrados no momento em que se realizam, e

mais: a sua narração e a sua circulação é que concebem o seu acontecimento.

A partir disso, por que não pensar que estudar, construir ou narrar a história também

sejam atividades sujeitas a tais questões da midiatização? Ao mesmo tempo em que se estuda

a História, se reproduz comentários, vídeos ficcionais, telenovelas, criam-se comunidades e

memes a respeito dela. Com isso, os conteúdos históricos passam a ser apropriados e

reproduzidos pelas mais diversas formas: em novelas, filmes, histórias em quadrinhos,

reportagens jornalísticas. A própria “história da história” mostra que os documentos oficiais

passam a ser questionados, e as fontes históricas, revitalizadas.

No entanto, a história possui um lugar político, oferecido e mantido pelo Estado-

nação, que contribui para a manutenção identitária e atualização da memória. Ou seja, o que a

história conta atua nos processos identitários - afinal, pode-se pensar que a história é uma

representação que nos é oferecida como um objeto de identificação; ao mesmo tempo que

estes - os processos identitários - convocam dinâmicas de compartilhamento e interações

sociais que, por sua vez, podem oportunizar encontros mediados pelo confronto, pela

afirmação ou negação.

Nesse sentido, a história do Acre será apresentada utilizando tanto textos oficiais,

jornalísticos e literários, além, claro, de narrativas midiatizadas, disponíveis no ciberespaço.

Afinal, com a midiatização, a natureza, a metodologia, os cursos e percursos da história

tornam-se também mais difusos, beneficiando a pluralidade, a multiplicidade de abordagens, e

as sobreposições.

Page 45: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  44  

 

3.1 Um lugar em busca da História (ou Acre: uma proposta de um delineamento

histórico e identitário)

“Terras incontestavelmente bolivianas” ou “tierras no descobiertas”, era assim,

respectivamente, que os governos brasileiro e boliviano se referiam ao Acre. (COSTA, 1973;

BASTOS, 2005)12. E ninguém nunca se preocupou muito com isso até ser descoberta a

presença da matéria-prima oferecida pelas seringueiras encontradas na Amazônia, o Látex -

ou borracha, que, muito tempo depois, iria alimentar indústria da Europa e dos Estados

Unidos.

Em 1870, homens de todo o mundo foram em busca da riqueza do ouro branco e de

novos territórios. A chegada de exploradores àquele lugar até então habitado apenas por

indígenas, gerou os primeiros conflitos na região. Afinal, tão logo descobertos, passaram a ser

vistos como obstáculo para exploração da floresta. Considerados selvagens, feras e pagãos, se

tornaram alvo de estratégias de pacificação e extermínio. Parte dos indígenas se tornou

canoeiros, mateiros, seringueiros etc: “Os mansos ficavam a serviço no invasor. Os rebeldes

transpunham outros rios e afundavam-se em florestas inacessíveis” (BASTOS, 2005, p. 33).

Os que reagiam à exploração fugiam13 ou tinham suas malocas cercadas e queimadas.

Famílias inteiras eram baleadas e massacradas, numa prática que ficou conhecida como

“correrias”, as “expedições armadas feitas com o objetivo de matar as lideranças das aldeias,

aprisionar homens para o trabalho escravo e obter mulheres que seriam vendidas aos

seringueiros”14 (NEVES, 2002a, p. 13-14). As correrias marcam um tempo de terror:

São muitos os relatos de correrias quando, depois de queimadas as malocas e mortos os principais guerreiros, os vencedores se divertiam jogando as crianças para cima e aparando-as com a ponta do punhal numa demonstração cruel de habilidade no manejo das armas (NEVES, 2002a, p. 13-14).

                                                                                                               12 A citação faz parte da introdução escrita por Abguar Bastos para uma das edições da obra “A conquista do deserto ocidental - Subsídios para a História do Território Federal do Acre”, de Craveiro Costa, publicada pela primeira vez em 1924. Aqui, utilizamos a versão publicada em 2005, pelo Senado Federal, na Coleção Documentos Para a História do Acre. Abguar Bastos era paraense, promotor público, jornalística, sociólogo, historiador e político. Tem extensa obra no campo da literatura e da política. É reconhecido como o verdadeiro representante da literatura amazônica. Fundou e presidiu a União Brasileira de Escritores. 13 Até hoje há o registro da presença dos chamados “índios isolados”, aqueles que, por escolha própria, optam por se manter distante: “Até 1988, antes do advento da nova Constituição, a política oficial em relação aos índios “isolados”, que vinha sendo feita pelo antigo SPI (Serviço de Proteção aos Índios), de 1910 até 1966, e depois pela FUNAI, a partir de 1967, era a política de integração do índio à comunhão nacional. Isso foi muito enfatizado no tempo do regime militar. Em 1988, quando foi promulgada a nova Constituição, as pessoas que “amansavam índios arredios”, os sertanistas que trabalhavam com esses povos criaram uma nova postura em relação a eles, que consiste basicamente na proteção” (MORAIS, 2008, p. 147). 14 Marcos Vinícius Neves é popularmente reconhecido como “historiador oficial”. Foi pesquisador e secretário no governo, hoje é assessor político. Mantém colunas sobre história do Acre nos jornais locais.

Page 46: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  45  

 

Ainda no final do século XIX, aqueles territórios se tornaram alvo de cobiça

internacional, uma vez que o mercado externo demandou maior produção da borracha. Foi

quando a questão das fronteiras passou a gerar graves conflitos entre as nacionalidades. Para o

Brasil, a demarcação de suas fronteiras era clara, no entanto, “contrariamente acontecia à

Bolívia. Nas suas reclamações havia indecisão, havia incoerência nas suas pretensões sobre

regiões que mostrava desconhecer” (COSTA, 1973, p. 08).

Mas, com a demanda dada a partir da revolução industrial e a cobiça dos territórios do

Acre, em 1895, surgem as primeiras tentativas bolivianas de posse do Acre. No entanto, os

brasileiros15 já estavam ali situados há pelo menos 15 anos: o povoamento do Acre por parte

dos nordestinos data de 1877 - com seringais estabilizados, enviando produtos para

consumidores na Inglaterra, França, Alemanha, Holanda e Estados Unidos. Era o que, muito

tempo depois, viria a ser chamado de 1o Ciclo da Borracha - datado de 1879 a 1912.

É este, portanto, um dos principais motivos do acirramento da disputa pelo Acre: a

ascensão do preço da borracha no mercado internacional, que se multiplicou rapidamente16 e a

baixa densidade populacional na região, que dificultava o aumento a produção. Segundo

Mayra Juruá Gomes de Oliveira, em dissertação de mestrado “A importância da ciência e

tecnologia no desenvolvimento da Amazônia e o caso do Acre” (2006), a Bolívia não tinha

condições de ocupar o Acre, pois era até então um país predominantemente rural, dedicado à

extração de minério e a agricultura, além disso, não havia mão-de-obra excedente, devido à

mortalidade ocorrida durante a Guerra do Pacífico, na qual a Bolívia perdera o acesso ao mar

(OLIVEIRA, 2006). Foi por isso que o Governo Boliviano não incentivou a ida de

trabalhadores para o Acre, como fez o Brasil, que mobilizou um grande fluxo de mão-de-obra

nordestina, vindos, principalmente, do Ceará. Mas os interesses do governo brasileiro em

enviar aquela população ao Acre serão, mais à frente, vistos com outras interpretações.

Afinal, o cenário vivido pelo Nordeste daquela época era a da crise colocada pelo

enfraquecimento da produção açucareira, agravado pelas secas.

Com isso o empobrecimento de seu povo se somou ao impulso dado pela forte

propaganda governamental à exploração da Amazônica, o que se coloca como uma estratégia

para reduzir a pobreza da região nordestina e atender à demanda internacional da borracha. A

este respeito, Abguar descreve:

                                                                                                               15 Em 1878, mais de 15 mil e, em 1990, já somavam 158 mil migrantes (MORAIS, 2008, p. 60). 16 De 45 libras por tonelada nos anos quarenta, o preço médio de exportação sobe para 118 libras no decênio seguinte, 125 nos anos sessenta e 182 nos setenta (FURTADO, 1970, p.130).

Page 47: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  46  

 

O cearense e o Acre eram dois destinos ainda sem comunicação com a vida: O primeiro a procura duma terra que o recebesse, o segundo a procura dum povo que o tomasse. Ambos pareciam, providencialmente, preparados para encontrar-se um dia. Ambos indesejáveis, soturnos, ásperos, tráficos. Ambos espancando das costas um deserto agressivo. Um carregado de filhos. Outro carregado de rios (BASTOS, 2005, p. 28).

Aqui, pode-se fazer uma referência a Euclides da Cunha17, que logo após publicar Os

Sertões, esteve também na Amazônia a fim de escrever sobre aquelas terras, culturas e

histórias. O livro “À margem da história” é uma obra póstuma, publicada um mês após a

morte do escritor, em 190918.

Nos textos, Euclides da Cunha (1999) nos ajuda a entender os processos políticos e de

povoamento do Acre, afirmando que a preocupação dos poderes públicos era não deixar

aquelas invasões bárbaras infestarem o Brasil, por isso, os enviaram, às pressas, nos vapores

sem nenhuma estrutura, sem agentes oficiais ou médicos, para a Amazônia. Ele escreve:

Mandavam-nos para a Amazônia — vastíssima, despovoada, quase ignota — o que eqüivalia a expatriá-los dentro da própria pátria. (...) Os banidos levavam a missão dolorosíssima e única de desaparecerem... E não desapareceram. Ao contrário, em menos de trinta anos, o Estado que era uma vaga expressão geográfica, um deserto empantanado, a estirar-se, sem lindes, para sudoeste, definiu-se de chofre, avantajando-se aos primeiros pontos do nosso desenvolvimento econômico. (CUNHA, 1999, p. 33-34).

Aos nordestinos, era dada esperança do enriquecimento fácil e do retorno à família

levando melhores condições de vida. Iam para o Acre esperando uma compensação, afinal, as

notícias diziam tratar-se duma terra sem dono, desocupada e livre. “Era só chegar e,

estabelecer-se. Cair no ‘corte’ como garimpeiro na bateia. Depois recolher o látex e o ouro.

Depois enriquecer e voltar. Todo o Acre passou a ser um acampamento” (BASTOS, 2005, p.

29). Assim, os rios foram tomados por vapores que levavam homens e mercadorias nas piores

condições possíveis e sem acompanhamento de oficiais e representantes do governo. Craveiro

Costa também ajuda a compreender este cenário:

                                                                                                               17 Autor de “Os Sertões”, Euclides da Cunha era chefe brasileiro da Comissão Mista de Limites Brasil – Peru. Foi nomeado em agosto de 1904 pelo ministro Barão do Rio Branco, com a missão de subir o rio Purus e fixar os limites fronteiriços entre o Brasil e o Peru. Em 1909, foi assassinado. 18 Em 2009, o Jornal O Estado de São Paulo comemorou o “ano Euclides”, e republicou vários artigos do jornalista, além de enviar o repórter Daniel Piza e o fotógrafo Tiago Queiroz ao Acre, reconstituindo a expedição realizada em 1905, por Euclides. A experiência resultou em livro impresso e no documentário produzido pela TV Estadão, com direção de Felipe Machado. Tais obras se chamam: “A Amazônia de Euclides: Um Paraíso Perdido", disponíveis também em formato de blog na internet: http://www.estadao.com.br/pages/especiais/euclides/.

Page 48: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  47  

 

Levas numerosas de flagelados aportavam a Belém e Manaus, com o organismo combalido pela fome, e eram logo recrutadas pelo comércio e metidas no bojo dos gaiolas [navio de pequena cabotagem], para a longa e torturante jornada da qual muitos nunca mais voltavam a rever as suas serras natais, mortos nos barrancos, ao abandono da mais elementar assistência, pelas endemias reinantes e peculiares às regiões desertas e úmidas. Os comerciantes largavam esses homens seminus e esqueléticos aqui e ali, à margem dos rios navegáveis, com grande cópia de mantimentos, armas e munições, à mercê dos fados incertos, à fabricação da borracha já então ardentemente procurada pelas novas indústrias que surgiam na Europa. (COSTA, 1973, p. 24).

Em 1877, só do Ceará saíram mais de 14 mil pessoas rumo à Amazônia. No ano

seguinte, a corrente emigratória alcançou 54 mil indivíduos. “O Ceará despovoava-se em

benefício da Amazônia. O Amazonas tornou-se o refúgio predileto do cearense acossado pela

seca” (COSTA, 1973, p. 25). Povoadores do Piauí, do Maranhão, do Rio Grande do Norte, da

Paraíba, de Alagoas e de Pernambuco também cobiçaram a floresta amazonense, mas o

cearense foi o elemento preponderante.

E, apenas o sol começava a causticar a terra cearense, enchiam-se as proas dos navios e milhares de indivíduos, abandonando o lar e abandonando a prole, buscavam o caminho da terra acreana, em busca da vida que a terra natal lhes negava impiedosamente (COSTA, 1973, p. 26).

No entanto, a melhoria de vida na Amazônia logo se transformou numa promessa que

não vingou. Nas palavras de Abguar (2005), “a terra livre era um feudo”. Além do latifúndio,

havia o contato com o “inferno verde”, a mata desconhecida armada com suas febres. O

cearense se deparou com o fuzil das ameaças e o chumbo da tributação boliviana e brasileira.

Ele já chegava ao Acre com saldo negativo: era responsável pelo custeio da viagem, pelos

utensílios de trabalho, além de roupas e mantimentos. Mas os que chegavam, tinham a vida

como saldo. “Duma leva de cem homens, feitas todas as despesas, apenas sessenta chegavam

ao seringal. Quarenta adoeciam, morriam ou arribavam em Belém ou Manaus” (BASTOS,

2005, p. 31).

O Governo Federal fazia a propaganda de incentivo à migração, mas não dava nenhum

suporte estrutural ou político, com assessores, médicos, guias. Afinal, naquela época, o solo

acreano fazia parte de “terras incontestavelmente bolivianas” como se expressavam as

autoridades brasileiras. Aqui, podemos, mais uma vez, voltar em Euclides da Cunha:

Não se conhece na História exemplo mais golpeante de emigração tão anárquica, tão precipitada e tão violadora dos mais vulgares preceitos de aclimamento, quanto o da que desde 1879 até hoje atirou, em sucessivas levas, as populações sertanejas do território entre a Paraíba e o Ceará, para aquele recanto da Amazônia. Acompanhando-a, mesmo de relance, põe-se de manifesto que lhe faltou desde o

Page 49: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  48  

 

princípio, não só a marcha lenta e progressiva das migrações seguras, como os mais ordinários resguardos administrativos. O povoamento do Acre é um caso histórico inteiramente fortuito, fora da diretriz do nosso progresso (CUNHA, 1999, p. 33).

Para Euclides da Cunha (1999), a fuga dos nordestinos não gerou o crescimento e o

progresso comuns aos que marcham fugindo da miséria, em busca do desenvolvimento, mas

sim, “a escassez da vida e a derrota completa ante as calamidades naturais” (CUNHA, 1999,

p. 33). O nordestino que desembarcava no Acre levava a esperança do salvamento. A fixação

daquelas pessoas no solo acreano foi feita à revelia oficial. E, nos momentos de crise da

borracha, outras culturas da terra foram sendo desenvolvidas, consolidando o apego àquele

lugar que, antes, era apenas um acampamento, um lugar de passagem.

A terra é boa e fértil e a gente trabalhadora. Um pouco de boa vontade oficial, e o Acre seria celeiro inesgotável. A Bolívia não ignorava a verdadeira situação do território, por isso mesmo o cobiçava. Desconhecia-o, porém, o governo brasileiro. Desconhecia-o, confessadamente, do ponto de vista de suas condições materiais e sociais, ainda em 1904! (COSTA, 1973, p. 29).

Tem-se, assim, um lugar que é povoado imerso a controvérsias de jogos e

(des)interesses políticos e econômicos. A Bolívia, que se referia ao Acre como “terras no

descobiertas”, ao notar a riqueza que saía dali, decide tomar posse da região. Os brasileiros

que viviam ali não aceitaram as medidas alfandegárias colocadas pelo governo boliviano, e

contestaram a administração estrangeira daquele território povoado por brasileiros. Dava-se

início uma série de conflitos entre brasileiros e bolivianos.

Nesse sentido, já é importante atentar aqui, à forma como essa escrita da história ou a

relação que se criou com a conquista de um lugar, configura as relações identitárias da região.

Um lugar que, antes, era configurado como um lugar de passagem, para fixação temporária,

um acampamento, e logo se tornou objeto de luta que, por sua vez, contribuiu para forjar uma

configuração identitária. Conforme Maria de Jesus Morais (2008), em sua tese de doutorado

intitulada “Acreanidade: invenção e reinvenção da identidade acreana” a identidade acreana

é relacionada a eventos históricos que marcam a defesa e a conquista territorial.

Assim como a história do Acre começa com o extrativismo da borracha, o discurso identitário que inventa o Acre e os acreanos advém dessa relação da “sociedade da borracha” com o território. A disputa entre “brasileiros do Acre” e bolivianos foi uma disputa por território, tanto no sentido econômico, quanto no político; o dos recursos econômicos, as árvores de seringa e a terra de onde nascia a “árvore do leite” e, também, nas argumentações dos “revolucionários do Acre”, em virtude do fato do território ser ocupado majoritariamente por brasileiros do Rio Acre. O território em disputa pelos brasileiros do Acre e o governo boliviano é acionado como estruturador da identidade acreana. O território dos seringais foi ocupado,

Page 50: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  49  

 

explorado e defendido durante quatro anos, sem que o governo brasileiro tomasse partido dos revolucionários. O território, nesse sentido, é o “lugar fundador” da identidade, mas ele só se torna fundador porque o discurso identitário o investe desse papel. (MORAIS, 2008, p. 27).

Os quatro anos aos quais a Morais (2008) se refere dizem respeito ao período de 1988

e 1903, que ficou conhecido como o momento da Revolução Acreana, marcado pela criação

do Estado Independente do Acre (que vamos retomar mais à frente). Além desse, o processo

de configuração do Estado do Acre pode ser dividido e contado a partir de outros dois

momentos: o Movimento Autonomista (1957 - 1962), que se refere à luta pela criação do

Estado do Acre, após a anexação do Acre ao Brasil, como Território Federal - para o qual era

mandado os fracassados na política nacional; e os Movimentos Sociais de 1970 - 1980, que

configuraram uma reafirmação ou reconstrução identitária local.

3.2 A terra pertence a quem ocupa. “Se a pátria não nos quer, criamos outra!”

Com o reconhecimento de que o Rio Acre era um dos mais ricos da região, os

interesses econômicos na área motivaram a Bolívia. O país resolve tomar posse oficial e

lembrar ao Brasil de antigos acordos que negociam as fronteiras, que datam de 1750. Porém,

ainda era necessário realizar pesquisas demarcatórias, e muitos tratados não contemplavam os

interesses de todos os poderes envolvidos.

O Tratado de Ayacucho, por exemplo, assinado em 1867, reconhecia que aquelas

terras eram do país andino. Porém, o Tratado de Madri (1750), trazia o princípio “Utis

Possidetis”, ou seja, “a terra pertence a quem ocupa”. Era como considerar boliviana uma área

ocupada por brasileiros, afinal, “o território do Acre já contava com a presença de milhares de

seringueiros brasileiros que sobreviviam da extração da borracha, da coleta de castanha e

outros produtos da floresta” (SILVA, 2010, p. 75).

Os conflitos começam a acontecer em 1898, com a instalação de uma aduana

boliviana que faria o recolhimento de impostos e fiscalização da produção e exportação da

borracha acreana. As normas ditadas pelo governo boliviano geraram revolta nos seringueiros

e seringalistas, mesmo com o envio de tropas bolivianas, os “brasileiros do Acre” os

expulsaram dali. O ministro plenipotenciário boliviano Dom José Paravicini propunha, entre

outros:

(...) o polêmico ato de abertura dos rios amazônicos ao comércio internacional, que

feria profundamente a soberania brasileira. Além disso, passou a arrecadar grandes somas com os impostos sobre a borracha, a exigir a imediata demarcação dos

Page 51: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  50  

 

seringais e a consequente regularização das propriedades até então registradas no estado do Amazonas, causando temor aos habitantes dos altos rios acreanos (ACRE, 2002, p. 08).

Ao verem seus direitos e interesses econômicos ameaçados, seringueiros e

seringalistas começaram a se unir para confrontar a Bolívia. Os Estados Unidos também

cobiçavam a região e, por isso, passou a apoiar secretamente o país boliviano. A aliança entre

os dois países foi descoberta e denunciada por Luiz Galvez, um jornalista espanhol que vivia

no Pará. Ele foi convidado a traduzir um documento sigiloso que determinava o apoio militar

norte-americano à Bolívia em caso de guerra com o Brasil, em virtude daqueles territórios

hoje acreanos. “Os problemas internacionais suscitados pela questão acreana ocupavam as

páginas da imprensa brasileira e as tribunas políticas desde 1895, despertando manifestações

de vários intelectuais identificados com diferentes concepções ideológicas” (ACRE, 2002, p.

14).

Galvez foi um desses intelectuais e hoje é uma representação constante nas narrativas

que contam a história do Acre. Como exemplo de tais narrativas, temos a minissérie

produzida e exibida pela Rede Globo em 2007: “Amazônia, de Galvez a Chico Mendes”19,

escrita pela acreana Glória Perez. No site da emissora, o personagem é descrito:

(...) estudou ciências jurídicas e ocupou cargos diplomáticos pela Europa. Era um homem de maneiras refinadas e cultura vasta, falava fluentemente cinco idiomas e dominava com maestria a arte da espada. Envolvia-se em inúmeros duelos, ao se meter com mulheres casadas. Típico “Don Juan”, decide vir para o Brasil em busca da fortuna fácil prometida pelo Eldorado da Amazônia. Vai a Manaus escrever para o jornal “Comércio do Amazonas”. Chegando lá, reencontra uma antiga amante, Lola, com quem abre um cabaré. Ao traduzir um documento boliviano, se dá conta do grande momento histórico que está por vir. Decide conquistar o território acreano, acompanhado por uma companhia de zarzuela. Se apaixona pela prima-dona Maria Alonso (REDE GLOBO, 2013).

Há também a publicação “Galvez e a República do Acre - Revista do 1o Centenário do

Estado Independente do Acre”, produzida pelo Governo do Estado do Acre, em 2002

(FIGURA 2); e a obra de histórias em quadrinhos: “Galvez, Imperador do Acre”, uma

adaptação da obra de Márcio Souza, produzida por meio da Secretaria de Cultura do Pará

(FIGURA 3)

                                                                                                               19 Perfil de personagens, capítulos e curiosidades dos bastidores estão disponíveis no site: http://amazonia.globo.com/. O site conta ainda com uma enquete que pergunta: “Você já conhecia a história do Acre?”. Em julho de 2013, o resultado disponível apresenta um total de 1570 votos, entre eles: 13% para “Sim, estou apenas revendo o que já tinha aprendido”, e 87% para “Não! A minissérie me ensinou muita coisa”.

Page 52: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  51  

 

Figura 2 - Capa da publicação “Galvez e a República do Acre”

Fonte: ACRE, 2002

Figura 3 - Trecho da Obra “Galvez - Imperador do Acre”

Fonte: SOUZA, 2004

Page 53: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  52  

 

A imagem de Galvez se destaca pela liderança que o é atribuída nos movimentos

revolucionários que resultaram na criação do Estado Independente do Acre. “Seu governo,

sujeito a diferentes e contraditórias descrições, se revelou hábil ao aglutinar com clareza de

objetivos os mais diversos tipos de homens. Seus discursos empolgavam seringalistas,

advogados, comerciantes e seringueiros” (ACRE, 2002, p. 15). Galvez foi para o Acre,

juntou-se aos movimentos de resistência que lá havia e determinou: “se a pátria não nos quer,

criamos outra!”, e fundou a República de Galvez. Em 14 de julho de 1899, foi criado, então, o

Estado Independente do Acre.

Foram oito meses de governo do Presidente Galvez. Meses nos quais se tentou organizar a sociedade: escolas, estabelecer normas de saúde, legislação de exploração racional da borracha adaptada às condições ambientais locais. Oito meses de ordem em uma região que nunca havia conhecido a mínima organização política ou administrativa. Um Estado Independente cujo maior objetivo era se libertar do domínio boliviano para ser anexado ao Brasil. (NEVES, 2003, p.14).

Este episódio está fortemente registrado na história do Acre e na urbanidade da capital

acreana e, por isso, se mantém longe do esquecimento. Exemplo disso está apresentado na

Figura 4, que mostra um Monumento em homenagem a Luiz Galvez, localizado em frente à

Assembleia Legislativa, no Centro de Rio Branco. Na bandeira, está grafada a frase creditada

ao líder, que contribui para evidenciar a recusa brasileira em relação ao Acre.

Figura 4 - Monumento em homenagem a Galvez

Fonte: foto de Giselle Lucena

Page 54: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  53  

 

No Governo de Galvez, foram nomeados ministros, organizadas secretarias,

repartições; a bandeira do Acre foi criada, bem como validada a língua e a moeda oficial,

entre outros (ACRE, 2002). A ordem que começava a ser colocada ali continuava a ameaçar

os interesses bolivianos e dos que usufruíam da rica matéria-prima da região. “Os ‘sucessos

do Acre’ alcançavam as páginas de jornais argentinos, norte-americanos e europeus. O

capitalismo monopolista internacional começava a se impacientar com a possibilidade de

diminuição no fornecimento da borracha” (ACRE, 2002, p. 21).

O governo brasileiro exigia o fim dos conflitos com o país vizinho, mas não estava

preocupado em assumir o Acre que, por sua vez, já estava povoado por brasileiros. Campos

Sales, presidente do Brasil, mais preocupado com a oligarquia cafeeira do que com os

brasileiros mais distantes, enviou a marinha brasileira para prender Galvez e devolver aquelas

terras à Bolívia. Mas, mesmo com o apoio do Brasil, o exército boliviano foi incapaz de

vencer o confronto com os seringueiros e seringalistas acreanos.

Estados Unidos e Bolívia traçaram nova estratégia para a tomada do Acre, e armaram

uma atitude mais radical: decidiram arrendar o Acre para uma empresa de capital privado

internacional, como num modelo implantado nas colônias europeias, existentes na África e na

Ásia. Era o Bolivian Syndicate (syndicate, em inglês, tem o sentido de cartel e não de

sindicato, como no Brasil), criado em 1901, era um conglomerado anglo-americano sediado

na cidade de Nova York, que arrendava o Acre pelo prazo de 20 anos com amplos poderes

territoriais, militares e alfandegários.

O acordo implicava, também, a livre navegação internacional dos rios amazônicos. Tal

acordo fragilizava a soberania brasileira e, por isso, gerou uma reação muito grande no Brasil.

Sem aguardar nenhuma solução diplomática, em 1902, houve um “novo levante no Acre,

desta vez, liderado por um gaúcho, Plácido de Castro20, morador de Manaus, demarcador de

seringais” (OLIVEIRA, 2006, p. 15). No dia 7 de agosto daquele ano, o Acre foi, novamente,

proclamado Estado Independente, dessa vez por Plácido de Castro. A forte mobilização

popular impulsionou o Governo Brasileiro a posicionar-se mais fortemente em relação ao

Acre. O Governo decide então suspender o trânsito livre de mercadorias com destino aos

portos bolivianos, através do rio Amazonas, e das que fossem despachadas no mesmo para o

estrangeiro (TOCANTINS, 1961). A medida, mais uma vez, contrariava os interesses das

                                                                                                               20 Plácido de Castro: Gaúcho, militar com experiência acumulada desde a revolução federalista no sul. Chegou ao Acre em 1899. Cerca de três anos depois tomou parte como um dos líderes da chamada Revolução Acreana. Após o fim dos conflitos tornou-se um grande seringalista e proprietário de terras no Brasil e na Bolívia. Foi assassinado em 1909 em uma emboscada nas imediações do Seringal Capatará, de sua propriedade.

Page 55: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  54  

 

grandes empresas dos Estados Unidos e Europa, que enviaram duras notas à Chancelaria

brasileira, reclamando os prejuízos causados pela decisão do Governo.

No final de 1902, no governo do presidente Rodrigues Alves, Barão do Rio Branco foi

nomeado Ministro das Relações Exteriores. Era necessário que o Brasil tomasse providências

com a preocupação da sua imagem externa, pois grave atrito que se verificava no Acre,

envolvendo Brasil e Bolívia, incluía vários países. “A guerra na zona de maior produção de

borracha no mundo preocupa o capitalismo industrial e é manchete nos jornais de Londres,

Nova Iorque e Buenos Aires” (MORAIS, 2008, p. 49). Barão do Rio Branco traçou,

definitivamente, o enredo das lutas acreanas, ele “assinalava na histórica diplomacia nacional

uma nítida separação com o passado. A política exterior do país tomaria novos rumos,

adaptando-se ao estilo das nações mais cultas do mundo” (TOCANTINS, 1961, p. 568-569).

Era uma postura diferente da assumida pelos ministros antecessores que apenas revelavam

descaso político com o caso do Acre:

Os antecessores de Rio Branco não revelaram qualidades de espírito para dirimir o embate de armas entre seringueiros nacionais e bolivianos. Faltou-lhes ímpeto político (...) Isolaram-se da opinião pública, quando teria sido exequível, ao sabor das correntes do pensamento nacional, reconhecer como justa ou pelo menos irremediável a atitude daqueles que se levantaram no Acre para a continuação de vida em solo brasileiro (TOCANTINS, 1961, p. 569).

Em nota de rodapé no parágrafo acima, Tocantins21 complementa:

O ex-ministro Dionísio de Cerqueira chegou a declarar na Câmara dos Deputados que “a questão do Acre não existe, porque ela só pode existir entre os Governos e para eles não existe esta questão que só é questão lá fora”. Sempre taxativo neste ponto, repetia: “Essa questão do Acre, questão não, porque não existe, é um caso liquidado”. (...) Estes são trechos do discurso pronunciado pelo General Dionísio de Cerqueira em 19 de setembro de 1900. (TOCANTINS, 1961, p. 56).

O Barão do Rio Branco, por sua vez, declarava o interesse pelo Acre em virtude,

unicamente, pela população brasileira que ocupava a região, ou seja, pelo bem-estar dos

“brasileiros do Acre”, como se referia em documentos e telegramas trocados com as

autoridades envolvidas, enquanto que, nos documentos bolivianos, a população que vivia no

                                                                                                               21 Leandro Tocantins, em sua obra “Formação Histórica do Acre” (Rio de Janeiro, 1961), que se divide em 3 volumes e que somam 12 partes. Geógrafo e historiador escreveu a obra consultando consultou do Arquivo Histórico do Itamarati, que inclui matérias jornalísticas, telegramas trocadas entre as autoridades brasileiras e bolivianas, relatórios dos tratados e acordos entre os países, discursos feitos na Câmara dos Deputados, entre outros.

Page 56: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  55  

 

Acre era chamada de “filibusteros”, qualificação dada aos piratas do século XVII, que

significava aventureiros ladrões e trapaceiros.

A proposta para resolver, definitivamente, a questão do Acre era o Brasil pagar pela

indenização da Bolívia, pelo distrato ao Bolivian Syndicate, já que a economia da Bolívia

estava extremamente enfraquecida. Chegava ao Acre a notícia do acordo para o fim do

Syndicate, e as forças bolivianas que se mantinham em guerra com os brasileiros liderados

por Plácido de Castro, se renderam. O exército boliviano entrincheirou o Acre, mas o exército

de seringalistas e seringueiros organizados por Plácido de Castro se mantivera firme.

Os brasileiros do Acre mais uma vez haviam expulsado os bolivianos e proclamado o Estado Independente do Acre como forma de obrigar o governo federal a considerar a região como litigiosa. E tamanha foi a pressão nacional que Rodrigues Alves, recém instalado no cargo de presidente, teve que reverter a posição oficial brasileira estabelecendo negociações que culminaram com a assinatura do Tratado de Petrópolis e anexaram o Acre ao Brasil em novembro de 1903 (NEVES, 2003, p. 15).

O Tratado de Petrópolis estabelecia a permuta: o Brasil efetua o pagamento de dois

milhões de libras esterlinas à Bolívia e constrói a estrada de ferro Madeira-Mamoré para

facilitar o escoamento da produção boliviana. No entanto, a imprensa brasileira era contrária

às atitudes do Barão. Aquele período, aliás, compunha as grandes notícias nacionais do

momento. Jamais uma região do País fora tão citada no meio do povo, tão discutida no Parlamento e, sobretudo, na imprensa. As coleções de jornais e revistas da época, dando a lume artigos, entrevistas, notas, editoriais, telegramas, caricaturas, atestam o interesse vivo e permanente pelo drama que se desenrolava naqueles chãos (TOCANTINS, 1961, p. 684).

O Jornal Correio da Manhã foi o que mais se posicionou contra o Barão, publicando

editorais e artigos que reprovavam suas reinvindicações. Conforme Tocatins (1961), em uma

edição de dezembro de 1903, o jornal comentou que “o Tratado do Acre seria uma ‘mancha

negra em nossa História””. Em sua defesa, Barão do Rio Branco escrevia artigos para o

Jornal do Comércio, assinando sob o pseudônimo de Kent. Numa edição daquele mesmo

mês, Barão escreveu na tentativa de justificar o acordo que integraria o Acre ao solo

brasileiro:

O Acre, até pouco tempo era, para os acusadores do Governo transacto, a região mais maravilhosamente rica da América do Sul, um território cobiçado pelos americanos-do-norte e pelas grandes potencias comerciais da Europa. Era preciso a todo custo que o Acre fosse incorporado ao Brasil (...). A questão do Acre não é

Page 57: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  56  

 

uma questão amazônica, é uma questão brasileira (...). O Acre, que há tanto tempo desafia o interesse das nações que vivem da guerra, que é objeto de cogitações das nações conquistadoras, é exclusivamente criação dos brasileiros. Aquele solo fertilíssimo foram cidadãos brasileiros que o trabalharam” (Jornal do Comércio, dezembro de 1903). (TOCANTINS, 1961, p. 653).

Segundo Tocantins (1961), em defesa do Tratado que consideraria o Acre brasileiro,

Rio Branco lembrou que as riquezas do Acre eram reconhecidas e exploradas por brasileiros,

entretanto, o Governo do Brasil insistia em considerar o território boliviano, e dar à Bolívia as

possíveis facilidades para o utilizar. Somente quando a segurança do continente brasileiro foi

ameaçada, é que se criou o interesse em conservar as boas relações. O Tratado que passou a

considerar o Acre brasileiro foi aprovado no senado com uma votação expressiva: 27 votos a

favor e 4 contra, estando ausentes 13 senadores. As divergências no senado também eram

vistas entre a imprensa e o povo. Conforme descreve Tocantins (1961), o editorial do Correio

da Manhã de 13 de fevereiro de 1904, lamentava que tal Tratado representava um grande

desastre. Dizia o Editorial:

(...) a estas horas o mundo civilizado é sabedor do grande desastre que enluta esta pobre Pátria, assinalando com a cruz negra da desventura o dia que ontem passou (...) O tratado do Acre foi aprovado. Isso, porém, longe de representar uma vitória, testemunha o grau de decadência a que infelizmente chegamos (TOCANTINS, 1961, p. 666).

Conforme as explicações de Tocantins (1961), é possível notar que, embora não

tivesse apoio da imprensa, Barão do Rio Branco era aclamado pelo povo. Na ocasião em que

aquele tratado foi assinado, “o Palácio do Itamarati foi pequeno para abrigar a massa de gente

que desejava aplaudir o Barão” (TOCANTINS, 1961, 667). O poeta Olavo Bilac interpretou e

expressou os sentimentos do povo:

Paranhos de Rio Branco, abençoado seja o teu cérebro porque tua inteligência resistiu ao Brasil os brasileiros que estavam sem Pátria! Abençoada seja a tua mão, porque ela teve a fortuna de assinar três vezes os tratados que salvaram e mantiveram a integridade do solo brasileiro! (TOCANTINS, 1961, p. 667).

No que se refere a este acordo assinado em 1903, quando Brasil comprou o Acre e se

comprometeu a construir a ferrovia Madeira-Mamoré como parte do negócio, foi quando,

segundo o jornalista Leandro Narloch (2009), surgiu a expressão “ir para o Acre” como

sinônimo de morrer22, encontrada no dicionário Aurélio (1996): o verbete “morrer” traz, entre

                                                                                                               22 Outros episódios da história da ocupação do território acreano evidenciam a ideia do ir para o Acre no sinônimo de morrer, que veremos mais à frente.

Page 58: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  57  

 

suas definições, a expressão “ir para o Acre”, assim como “ir para o beleléu” ou “ir para a

cucuia”.

Em seu livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, que se propõe a

ser uma provocação à “historiografia politicamente correta”, Narloch (2009) explica que dos

22 mil operários envolvidos na construção da ferrovia, 2 mil morreram. Tal explicação está

no capítulo chamado “ACRE - Quanto custa o Acre?”, que começa com a seguinte afirmação:

“Apesar de sobrarem suspeitas sobre sua existência, o Acre é frequentemente objeto de

polêmicas” (NARLOCH, 2009, p. 201). É interessante lembrar é que a ferrovia nunca passou

pelo Acre e nem foi finalizada. Para o jornalista:

Talvez o governo brasileiro da virada do século previsse que o Acre seria um mau negócio. Até adquirir a área definitivamente, em 1903, o Brasil tinha tentado, por três vezes, empurrá-la para os bolivianos. Só aceitou ficar com a região depois da insistência de seringueiros teimosos, militares clandestinos patriotas e até um visionário espanhol 23 que sonhava em fazer do Acre uma sociedade perfeita. (NARLOCH, 2009, p. 202).

Para Silva (2010), a expressão surgiu em associação às características geográficas da

região acreana: seu clima, suas doenças, e as dificuldades de acesso como uma ida sem volta,

o que se somava com o envio de pessoas para o Acre como uma forma de punição, ou seja,

derivava daí uma morte simbólica, pois quem ia para o Acre, “geralmente entrava para o rol

daqueles de quem não se tinha mais notícias no lugar de onde partira. Isso porque ao ‘ir para o

Acre’ perdiam-se, muitas vezes por completo, os laços dos que partiam com aqueles que

ficavam” (SILVA, 2010, p. 221). Tal imagem se propagou na/pela imprensa no/pelo

imaginário das pessoas nas grandes cidades do país.

Se o Acre era genericamente visto assim desde sua formação, — um deserto, um vazio, uma sociedade desorganizada, uma vaga geográfica e lugar de morte —, nada mais adequado no imaginário de muitas autoridades da época que mandar pessoas com predicados e características consideradas também negativas, para que ali vivessem longe da capital da república imaginada e sonhada pelas elites e autoridades. Desta forma foi que embarcaram em navios-prisões grupos heterogêneos de homens e mulheres para uma viagem sem volta, para um destino pungente, onde o horizonte que se apresentava era o da morte e o do isolamento na Sibéria tropical, uma terra desconhecida e estranha para todos eles acostumados com outros espaços sócio-geográficos e outras formas de sociabilidades (SILVA, 2010, p. 224).

Outra representação que reforça a questão da negação, refere-se à divulgada por Diogo

Mainardi. Articulista do programa Manhattan Connection, apresentado pela GNT, e também

                                                                                                               23 O “visionário espanhol” comentado por Narloch é Luiz Galvez.

Page 59: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  58  

 

colunista da revista Veja, Mainardi comentou no programa de TV, a frase de Evo Morales, de

que a Bolívia havia cedido o Acre em troca de um cavalo. Mainardi disse que aceitaria o

cavalo de volta. Segundo ele, o Acre não vale um pangaré24.

Os comentários são reflexos de uma história desconhecida e mal contada. Segundo

Neves (2006), era a Guerra do Paraguai e interessava ao Brasil descartar qualquer

possibilidade de a Bolívia firmar união com o país paraguaio. Por isso, o governo brasileiro

tratou de rever o Tratado de Madri (1750), que até então definia a fronteira entre o Brasil e a

Bolívia. Foi então que o cônsul brasileiro na Bolívia, Regino Correa, sabendo da paixão do

presidente boliviano, Mariano Melgarejo, por cavalos, condecorou-o como uma medalha e o

presenteou com um casal de cavalos brancos. Melgarejo ficou tão feliz que deu de presente,

ao Brasil, dois dedos de terra marcados no mapa, uma vez que se tratavam de terras

despovoadas. Entretanto, essas terras não pertencem ao Acre, mas hoje fazem parte do

território do Estado do Amazonas (NEVES, 2006).

Encerramos, nesta parte, o trajeto histórico que determina as fronteiras acreanas como

territórios brasileiros. Histórico este que é chamado de “Revolução Acreana”, processo já bem

caracterizado pelos constantes momentos de negação política, que ajudaram a construir as

representações de negação encontradas em diversas narrativas hoje. Um fator interessante é

que, com a Revolução Acreana, os “brasileiros do Acre” poderiam se chamar de brasileiros.

E, mesmo anexado ao país, os acreanos ainda enfrentariam um longo processo até serem

reconhecidos como um Estado brasileiro, com os amplos direitos civis, políticos e

governamentais como os outros da república. Ou seja, o processo histórico de negação do

Acre ainda continuava a se desdobrar. Questão que abordaremos a seguir.

3.3 O Acre é brasileiro (?)

A Revolução Acreana é tida, para muitos autores e pesquisadores, como o mito

fundador do Acre e dos acreanos, “construído em torno da discussão da conquista do território

que pertencia de fato aos bolivianos e peruanos e que foram ocupados e conquistados por

nordestinos na passagem do século XIX para o XX” (MORAIS, 2008, p. 56). Além disso, tal

conquista se deu a partir de:

                                                                                                               24 O fato aconteceu em maio 2006 e provocou várias reações da sociedade acreana: processos, atos de repúdio de parlamentares etc. Coincidência ou não, foi em 2006 o ano em que mais comunidades a respeito do Acre foram criadas no Orkut, a rede social mais popular no Brasil naquela época.

Page 60: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  59  

 

(...) esforços e recursos próprios, ou seja, o exército de seringueiros venceu os militares bolivianos e peruanos, sem a aquiescência do Governo brasileiro. Assim, no final da Revolução, os brasileiros do Acre conquistaram o direito de se autodenominarem acreanos. (MORAIS, 2008, p. 56).

A pesquisadora Morais (2008) atenta ao fato de que, antes da Revolução Acreana, não

havia acreanos, mas tão-somente brasileiros do Rio Acre. Isso quer dizer que a “primeira

geração de acreanos não foi constituída por pessoas que aqui nasceram, mas por pessoas que

pelo Acre deram suas vidas” (CALIXTO apud MORAIS, 2008, p. 57).

Após a Revolução Acreana, o Acre se tornara, enfim, brasileiro. É chegado o

momento, portanto, de organizar o território administrativamente, como unidade já integrada

à comunhão nacional. A partir disso, duas correntes surgiram no congresso: “uma a de

defender o princípio de que o Acre deveria ser um Território Federal, ponto de vista do

oficialismo, e a outra a pugnar por sua incorporação ao Estado do Amazonas” (TOCANTINS,

1961, p. 688). Acreditava-se, afinal, que o “acreano estava moralmente incapacitado de

governar-se por si mesmo e só um regime de ‘estado de sítio permanente’ poderia resolver o

seu problema de cultura e de ordem. Isto negava a possibilidade duma civilização acreana, por

evolução própria” (BASTOS, 2005, p. 54-55).

Então, com a assinatura do Tratado de Petrópolis em novembro de 1903, o Acre foi

anexado ao Brasil e, no início de 1904, o primeiro Território Federal do Brasil, um tipo de

sistema político-administrativo não previsto na Constituição, que estabelecia que o Acre seria

administrado diretamente pela Presidência da Republica, a quem caberia nomear seus

governantes e arrecadar impostos. Como justificativa, tinha-se que o governo federal

precisaria recuperar o capital utilizado na “compra do Acre”.

Em nove anos de administração federal, o Acre pagou todas as despesas decorrentes

do Tratado de Petrópolis com a venda do látex. No entanto, o Acre permaneceu território

federal durante 60 anos. Isso significava que os prefeitos e governadores eram indicados pelo

presidente do Brasil, e toda a arrecadação de impostos sobre a borracha acreana pertencia aos

cofres da União. Mesmo assim, as somas recolhidas sobre a exportação de borracha e sobre a

importação de mercadorias para abastecer os seringais, não era investida no território onde

ainda não havia escolas, hospitais ou quaisquer outras estruturas públicas. E, ainda assim, o

governo brasileiro continuava com a ocupação do Acre de maneira anárquica, como

descreveu Euclides da Cunha.

Depois dos nordestinos atingidos pela seca e pela miséria, eram enviados para o Acre

líderes políticos presos, como os da Revolta da Vacina; e, mais à frente, na época da ditadura

Page 61: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  60  

 

militar, os fracassados políticos eram nomeados para administrar o Acre. Afinal, enviar

aquelas pessoas ao Acre, “equivalia a expatriá-los dentro da própria pátria. (...) Os banidos

levavam a missão dolorosíssima e única de desaparecerem” (CUNHA, 1999, p. 34).

No site Guia do Estudante, da Editora Abril, um texto sobre a Revolta da Vacina, que

aconteceu em 1904, no Rio de Janeiro, fala sobre um dos revoltosos presos, o capoeirista

conhecido como Prata Preta, que comandou mais de 2 mil pessoas na barricada de Porto

Arthur. No site, lemos que “Prata Preta parou de circular pelas ruas do Rio no fim de 1904,

quando foi deportado para o Acre, ‘o fim do mundo’, e nunca mais se ouviu falar dele”

(MIRANDA, 2004).

Ainda nesse sentido, em uma tese de doutorado sobre prisões e desterros25 para a

região do Acre, em 1904 e 1910, Francisco Bento da Silva (2010) apresenta diversas charges

de jornais que ilustram tais momentos históricos. A seguir, apresentamos duas delas (Figuras

5 e 6), a primeira, publicada no Jornal do Brasil, em 1904, considera o Acre a Sibéria do

Brasil26. Dessa forma, é possível compreender que o Acre, em sua origem, era visto como

“um deserto, um vazio, uma sociedade desorganizada, uma vaga geográfica e lugar de morte.

(…) Todos foram então condenados a viver — e morrer — no Acre” (SILVA, 2010, p. 224).27

FIGURA 5 - Charge “Geographia Política”

                                                                                                               25A este respeito: “Diferentemente dos degredos lusitanos para o Novo Mundo, os desterros republicanos de forma geral foram práticas eventuais, consequências de revoltas sociais e crises políticas agudas que propiciaram ao Estado a oportunidade de se desfazer de seus indigitados como desclassificados sociais para os locais mais recônditos do território brasileiro. Esses desterrados, e esses desterros, também não figuravam na perspectiva militar de somar braços armados de defesa da fronteira nacional, se considerarmos que foram enviados para um área ainda tensionada pelos conflitos entre brasileiros com peruanos e bolivianos. (...) no Acre existia uma fronteira de fricção muito acentuada cuja presença desses desterrados não teve nenhum impacto de caráter militar ou bélico nas querelas de fronteira internacional ainda em aberto ou latente”. (SILVA, 2010, p. 217). 26 O termo faz alusão a uma região que existiu na Rússia, para onde eram enviados os opositores para exílio forçado, nos tempos de Stálin. 27 É importante destacar o termo “vaga geográfica”. A metáfora abre algumas possibilidades de reflexão: o que seria uma vaga, um vácuo ou um vazio geográfico além de um espaço simbólico e subjetivo disponível para ser preenchido de sentidos?

Page 62: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  61  

 

212

PARTE – III

CENAS E CENÁRIOS: OS DESTERRADOS NA AMAZÔNIA –

ACRE E ALTO MADEIRA

Fonte: JORNAL DO BRASIL. Geographia política, ano XIII, nº 334, 29/11/1904, p. 01. Acervo da FBN.

Fonte: JORNAL DO BRASIL apud SILVA, 2010, p. 212

FIGURA 6 - Charge “A separação na Ilha das Cobras”

129

Charge 02 - O MALHO. A Separação na Ilha das Cobras. 03/12/1904, anno III, nº 116, p. 24. Acervo da FBN.

Outra dessas visitas também foi tratada de forma alegórica e sarcástica, em

uma charge (charge 02, acima) publicada n’ O Malho. No traço do chargista, o chefe

de polícia impávido e solene está cercado por mulheres negras, aludidas esposas de

prisioneiros e que suplicam diante daquela autoridade pelos seus maridos recolhidos

pela polícia. Estes, ao fundo do desenho, se perfilam diante do displicente e

despreocupado corpo de guarda e das demais autoridades contritos, alguns de

cabeça baixa.

O diálogo travado é o seguinte:

— Mulheres do pessoal: sinhô doutô, chefe, pelo amô de Deus! Não embarque os nossos home no vapô que vai pó Acre. Nosso sinhô que le ajude si nos fizè esta esmola. — Chefe de Polícia: Está bom! Fiquem socegadas. Vou escolher e separar com muito cuidado. Só irão os que tiverem crimes... Os seus homens são inocentes? — Mulheres: Devem sê, sinhô doutô! Mas se houvé baruio outra veiz, por essa luz que está nos alumiando, nóis amarramo esses malucos, como se fosse cachorro na corrente....

Fonte: JORNAL O MALHO apud SILVA, 2010, p. 212

Page 63: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  62  

 

A segunda (FIGURA 6), publicada no jornal O Malho, também em 1904, é

acompanhada do seguinte diálogo:

- Mulheres do pessoal: sinhô doutô, chefe, pelo amô de Deus! Não embarque os nossos home no vapô que vai pó Acre. Nosso sinhô que le ajude si nos fizè esta esmola. - Chefe de Polícia: Está bom! Fiquem socegadas. Vou escolher e separar com muito cuidado. Só irão os que tiverem crimes... Os seus homens são inocentes? - Mulheres: Devem sê, sinhô doutô! Mas se houvé baruio outra veiz, por essa luz que está nos alumiando, nóis amarramo esses malucos, como se fosse cachorro na corrente.... (JORNAL O MALHO apud SILVA, 2010, p. 212)

Além dos criminosos, eram enviados para o Acre, também, fracassados políticos.

Afinal, como Território Federal, os acreanos não tinham o direito de eleger seus

representantes. A princípio, o Acre foi dividido em departamentos, cada um era administrado

por prefeitos, e não havia interação entre eles. Apenas em 1920 aconteceu a unificação

administrativa, assim, o Território Federal do Acre passou a ser administrado por um

governador geral, também nomeado pelo Presidente da República. De 1920 a 1962, passaram

pelo Acre 41 governadores:

Nesse intervalo de 42 anos passou pela cadeira do executivo acreano 41 governadores, sendo 16 efetivos, 18 substitutos, 05 interventores e 02 provisórios, como podemos ver no quadro 02. Em média, cada governador ficava 01 ano, exceção a Epaminondas Martins (1937-1941) e José Guiomard dos Santos (1946-1950) que ficaram por um tempo mais longo. (MORAIS, 2008, p. 89).

Conforme explica Morais (2008), os prefeitos e governadores enviados para

administrar o Acre não tinham o menor compromisso com a região:

(...) tanto os prefeitos quanto os governadores mandados para o Acre eram considerados “aves de arribação”, pois chegavam e na primeira oportunidade iam embora. Eles “subiam e desciam as escadas do Palácio Rio Branco praticamente sem ter tido tempo de abrir suas malas” (Varadouro, dez. de 1977). Os nomeados, muitas vezes, eram pessoas que perdiam eleições e vinham fazer a vida financeira e política no Acre até conseguirem encontrar coisa melhor. (MORAIS, 2008, p. 91)

A configuração do Acre como Território do Federal gerava várias insatisfações e

alimentava revoltas e resistências sociais. Havia a ausência de democracia representativa, uma

vez que os prefeitos departamentais e depois governadores eram indicados pelo governo

federal, e eram pessoas de fora do Acre, nunca aqueles que lutaram ou defenderam a sua

anexação ao Brasil. Em seu trabalho, Morais (2008) aponta para a situação como uma questão

Page 64: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  63  

 

de penalização para o Acre. Além disso, havia também a questão econômica: “Até a década

de 1920, o imposto pela exportação da borracha saída do Acre era taxado em 23% e em

contrapartida as prefeituras recebiam uma cota fixa em 300 contos de réis anuais” (MORAIS,

2008, p. 91) . O dinheiro da exportação da borracha ia para os cofres da União.

Foi quando o Acre começou uma nova luta. Agora, contra o próprio país: começavam

as Revoltas Autonomistas, com o objetivo de transformar o Acre em Estado e dar aos

acreanos os direitos comuns aos demais Estados brasileiros, como o de eleger seus próprios

representantes. “E para lutar por esta causa começaram a ser fundados clubes políticos e

organizações de proprietários e/ou de trabalhadores em diversas cidades como Sena

Madureira, Rio Branco e Cruzeiro do Sul” (NEVES, 2003, p. 17). O Acre da época ainda não

tinha estrada e todo o carregamento que chegava e circulava dentro da região era transportado

por via fluvial. A partir de 1930, o transporte de produtos de outros lugares se torna um pouco

mais fácil com a chegada dos aviões - mas que, além de serem inconstantes, levavam quatro

dias para sair do Rio de Janeiro e aterrissar em solo acreano.

O período entre 1939 e 1945, da 2a Guerra Mundial, que marca um novo impulso nos

seringais, ou seja, mais uma leva de nordestinos embarca para “a Batalha da Borracha”. “A

insatisfação com a situação do Acre Território foi realimentada por quase 60 anos”

(MORAIS, 2008, p. 93). As lutas para a elevação do Acre à categoria de Estado só

começaram a ganhar corpo em 1950, com a atuação do deputado federal eleito pelo Acre e

ex-governador efetivo José Guiomard dos Santos28, que, em 1954, apresentou a proposta de

criação do Estado do Acre, por meio do Projeto de Lei n° 2654, e assumiu publicamente a luta

pela emancipação política do Acre. Em discurso proferido na sessão da Câmara Federal em

novembro de 1953, Guiomard manifestou:

Correram cinqüenta anos sobre o Tratado de Petrópolis. E o Acre! Com supressa dos revolucionários, foi criada uma forma de governo desconhecida até então entre nós .... Custa a crer que a partir de 1904 se tenha dividido a população do Brasil em duas categorias – a dos habitantes dos estados, no uso pleno e no gozo de todas as características de cidadania, e a dos habitantes do Acre. Estes não tinham, como ainda não tem, direitos políticos integrais. É em tal sentido ... que apresentarei projeto a Câmara pleiteando para o Acre um estatuto de Estado (BEZERRA, 1992, p. 43-50).

  Guiomard engendra o slogan: “O Acre para os acreanos”. Mas sua proposta não era

consenso. Havia pessoas contra e a favor da nova configuração do Acre. Tanto seringueiros

quanto seringalistas. Uma parte acreditava que o novo cenário iria beneficiar o                                                                                                                28 A título de curiosidade: José Guiomard dos Santos era mineiro da cidade de Perdigão.

Page 65: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  64  

 

desenvolvimento do Estado, já outra, temia por perder autonomias políticas que tinham dentro

do território.

Os comerciantes e seringalistas, tanto do vale do Acre quanto do Juruá tinham um receio em comum, que fazia sua grande maioria ser contra ou ver com certa desconfiança a possibilidade do Acre ser elevado a categoria de Estado (MORAIS, 2008, p. 102).

Infelizmente, não cabe aqui contar e descrever todo o processo. Mas é importante

considerar as controvérsias em torno da questão do Acre, tendo, até hoje, os reais interesses

políticos e econômicos ainda escusos. Depois de acirradas discussões e modificações, foi

aprovado e sancionado em 15 de junho de 1962 (MORAIS, 2008). Em 1962, o Território foi

transformado em Estado, mas logo em 1964 houve o Golpe Militar, a mudança política

interfere na ocupação e desenvolvimento do Acre: passa a ser impulsionada a expansão da

pecuária no Acre, o que gerou uma crise generalizada na região.

O contato com o mundo afora era difícil. O Acre ficava afastado dos grandes centros,

não havia universidade e os tradicionais meios de comunicação ainda estavam por ser

popularizados. A Universidade do Acre foi criada em 1971 e se tornou entidade federal em

1974. Até então, muitos jovens eram enviados para estudar fora - a maioria no Rio de Janeiro

ou Brasília, e, em suas idas e vindas, voltavam com as malas cheias de jornais, livros e

revistas importadas de outras regiões brasileiras. Foi em 1974, também, que chegou a TV no

Acre, ainda a ser popularizada muito tempo depois. A respeito dos veículos de comunicação,

o que mais se popularizou foi o rádio, por meio d’A Voz das Selvas, como ficou conhecida a

Rádio Difusora Acreana, criada em 1944 e existente até hoje. O primeiro jornal diário da

região surgiu em 1969, o jornal O Rio Branco, pelos Diários Associados de Assis

Chateaubriand. Tais questões enfatizam ainda mais, a “distância” do Acre em relação aos

grandes centros do país.

3.4 O Acre recente

Nos anos 1970, as terras do Acre passaram a ser vendidas descontroladamente para

grandes empresas com interesses e projetos agropecuários. Devido ao abandono oficial do

país nos períodos anteriores, em que toda a renda arrecadada no Território pertencia aos

cofres da união, a maioria da população não sabia ler nem escrever. Não havia escolas,

sistemas de saúde ou qualquer estrutura urbana. Em virtude disso, o descaso, o abandono e a

Page 66: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  65  

 

miséria marcaram o surgimento dos primeiros bairros populares da capital do Acre. Conforme

explica Oliveira:

No que se refere às principais obras e ações do Governo Federal para a Amazônia ao longo do século XX, o Acre foi parcamente contemplado. Nenhuma das grandes estradas abertas na floresta procurava alcançá-lo. Nenhuma grande obra foi realizada visando integrar a região pela qual tanto se recorreu a fóruns internacionais nos séculos anteriores. O Acre não esteve contemplado no Programa Nacional de Integração (PIN), o Acre não é área de influência da chamada Calha Norte da Amazônia. O Acre não foi palco de nenhum dos grandes planos nacionais para a Amazônia ate ́ o vislumbrar do século XX. Talvez por isso seja comum ainda hoje a brincadeira de que o Acre não existe, é apenas uma lenda (OLIVEIRA, 2006, p. 63-64)

Neste momento, podemos fazer um paralelo com o que era toda a Amazônia daquela

época. No regime militar, o emblema era: “uma terra sem homens (Região Norte) para

homens sem terra (Região Nordeste) (...), como se fosse uma nova ‘terra de oportunidades’

exposta apenas à ousadia e determinação de aventureiros”29 (ARBEX JÚNIOR, 2005, p. 37).

A ordem de desenvolvimento para o país e para a Amazônia brasileira, a partir de

1970, enviava fazendeiros, com seus jagunços e grileiros, com a proposta de ocupar a

Amazônia para criar gado e produzir grãos. Conforme Arbex Júnior (2005), discutia-se a

internacionalização da Amazônia e a incompetência do Brasil, e países vizinhos, em preservar

uma região de interesse de todo o planeta. É importante atentar ao fato de que a riqueza da

biodiversidade da “selva amazônica” possuía (e ainda possui) um outro lado: o do

narcotráfico, da biopirataria, do comércio e exploração ilegal de madeiras, entre outros.

Com o processo de ocupação predatória da Amazônia, foram multiplicadas, nos anos

1980, várias imagens da região na mídia nacional e internacional. “Predominavam tanto as

imagens que realçam as maravilhas do ‘paraíso’ quanto as cenas de destruição por queimadas

e atividades predatórias, junto a reflexões sobre o futuro do “pulmão do mundo” (ARBEX

JUNIOR, 2005, p. 38).

O cinema e as mais diversas formas de literatura apresentavam seus personagens - os

heróis - em aventuras na “selva amazônica”:

O Homem-Aranha, numa revista em quadrinhos, já organizou sua turma e lutou, claro que vencendo, contra posseiros, fazendeiros e o governo do Brasil. O Super-Homem, também em quadrinhos, em vez de voltar para Kripton, dedicou-se numa

                                                                                                               29 Sintomaticamente, repete-se o lema adotado pelo movimento sionista internacional, no final do século 19, para justificar a pretensão de instalar um Estado judeu na Palestina. A suposta “terra sem povos” a que se referiam os sionistas abrigava, de fato, uma população árabe (e um pequeno percentual de judeus) que ali vivia havia milênios” (ARBEX JUNIOR, 2005, p. 36-37).

Page 67: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  66  

 

aventura inteira a enfrentar os madeireiros que destruíram a Amazônia. O Robocop, esse assassino de metal, em episódio transmitido pela televisão, levou os dez minutos desaparecido. Ao chegar, perguntaram onde estava, respondeu: “Na guerrilha da Amazônia” (CHAGAS, 2002, online).

Podemos notar que o processo de construção de representações e narrativas da

Amazônia, bem como os métodos empregados para sua ocupação, obedeceu à lógica do

colonizador, no contexto histórico específico que marcou a própria formação da nacionalidade

brasileira, ancorada na ideia de uma natureza descoberta pelos portugueses e depois

apropriada pelos brasileiros, conforme Arbex Junior (2005). “O problema básico reside no

fato de a elite brasileira (aqui entendida como governo, mídia, empresários, intelectuais), em

geral, olhar para a Amazônia sob a mesma perspectiva com que, antes, a corte de Lisboa

olhava para o Brasil" (ARBEX JUNIOR, 2005, p. 62).

Mesmo antes da proposta de internacionalização da Amazônia, o Acre foi alvo de

disputa que envolvia o interesse de vários países. Mesmo já sendo Estado brasileiro no

contexto da Ditatura Militar, a proposta de desenvolvimento, novamente, era colocada indo

contra a cultura ali consolidada, de seringais e florestas. Agora, a nova ordem de

desenvolvimento no Acre oferecia terra barata e incentivos ficais para a criação de pastos de

boi. Com o novo movimento, os chamados povos da floresta - indígenas, seringueiros,

ribeirinhos - são expulsos de suas terras - e migram para as cidades, o que faz com que elas

inchem de forma acelerada, dando origem a bairros periféricos completamente

desestruturados30.

Tal processo impulsionou, novamente, os conflitos pela posse de terra no Acre e

marcou o surgimento de novas organizações em defesa daqueles territórios.

Os movimentos sociais que emergiram a partir da década de 1970 no Acre estão relacionados, simultaneamente, à resistência da destruição do modelo anterior (seringal empresa), à contestação do novo (a pecuarização), e à busca de soluções que contemplassem as especificidades do modo de vida de índios e seringueiros. (...) a venda dos seringais para os paulistas levou à expulsão de muitos seringueiros autônomos para a periferia das cidades e países vizinhos, Bolívia e Peru (MORAIS, 2008, p. 112).

Segundo Morais (2008), o movimento de resistência à expropriação territorial

identificou os desmatamentos para a instalação de fazendas de criação de animais e para

exploração madeireira como o fato gerador de conflitos, constatando-se que “a destruição da

                                                                                                               30 Conforme pesquisa de Mauro Rocha da Silva (2011), em 1970, a população rural do Acre era de 155.860 habitantes. Apenas 59.439 viviam na zona urbana; a taxa de urbanização era de 27,61%. Na década seguinte, a população rural era de 169.134 e a urbana, de 132.169. A taxa de urbanização passa a ser de 43,79%.

Page 68: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  67  

 

floresta levava à eliminação definitiva do meio de vida desses grupos sociais” (MORAIS,

2008, p. 112). As terras acreanas passaram, pouco a pouco, a ser entregues a agropecuaristas.

A propaganda governamental, aliada ao endividamento dos seringalistas (uma vez que o monopólio da borracha tinha sido extinto), aos novos incentivos fiscais para a diversificação de atividades produtivas e, os baixos preços da terra, foi motivação suficiente para que as terras acreanas pouco a pouco fossem transferidas a agropecuaristas do Centro-Sul. (...) chegaram uma considerável parcela de pequenos e médios proprietários do Centro-Sul, atraídos pelo preço diferencial da terra entre o Sul e o Acre. Vieram também trabalhadores rurais sem terra que foram expropriados de suas áreas, no Centro-Sul do país, como os atingidos pela construção da hidrelétrica de Itaipu (MORAIS, 2008, p. 113).

Os conflitos pela posse de terra colocavam em confronto os “novos proprietários do

Acre” contra seringueiros, barranqueiros e índios que tradicionalmente habitavam e

trabalhavam nos antigos seringais. A partir daí, grande parte dos seringais saiu das mãos dos

antigos seringalistas para os empresários do Centro-Sul, comprados no período de 1971 a

1979 (MORAIS, 2008, p. 114).

Nesse cenário, a mediação de algumas instituições foi fundamental para organização

do movimento de resistência, como as Comunidades Eclesiais de Base, sindicatos, ONGs,

imprensa, movimentos artísticos etc. Surge, por exemplo, a figura de Chico Mendes, líder

seringueiro que ficou internacionalmente conhecido por tentar impedir, pacificamente, o

desmatamento.

Nós, seringueiros, também temos uma proposta para produzir. Os seringueiros e os índios sempre produziram a sua cultura de subsistência, mas nunca ameaçaram a floresta amazônica. Quem ameaça a floresta são os grandes fazendeiros para colocar o boi ou, muitas vezes, para fortalecer uma política de especulação de terra. (....) A floresta Amazônica representava o único meio de sustento para os seringueiros e índios que nela viviam CHICO MENDES, 2004, apud SILVA, 2011, p. 154)

O seringueiro, entre tantos outros, foi assassinado por defender o que achava de mais

promissor para o desenvolvimento local: a floresta. A respeito de Chico Mendes, entre várias

obras disponíveis sobre os movimentos por ele mobilizados, bem como os usos e

desdobramentos de sua imagem, temos o livro reportagem “Chico Mendes - Crime e Castigo”

(2003), do jornalista Zuenir Ventura31, apresentada e descrita na capa do livro: “Quinze anos

                                                                                                               31 Durante o Café Literário realizado como parte da programação da Bienal do Livro de Minas Gerais, em maio de 2012, ao ser perguntando sobre qual a obra teria marcado sua profissão, Zuenir rapidamente respondeu: a de Chico Mendes. Ele contou que passou 40 anos ensinando que o jornalista não pode interferir no acontecimento. No entanto, quando cobriu a morte de Chico Mendes, ele acabou levando “o acontecimento” para dentro de casa: o escritor foi solicitado a adotar o Genísio, um menino de 13 anos que era a principal testemunha da morte do líder seringueiro.

Page 69: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  68  

 

depois, o autor volta ao Acre para concluir a mais premiada reportagem sobre o herói dos

povos da floresta”.

O livro reúne reportagens feitas para o Jornal do Brasil, em 1989, após o assassinato

do seringueiro; bem como reportagens feitas em 1990, durante a segunda e terceira viagens do

repórter ao Acre, para cobrir o julgamento dos assassinos; além de textos escritos em 2003, 15

anos depois do assassinato, quando Zuenir revisita lugares e personagens envolvidos.

- Chico Mendes hoje está sendo beatificado; amanhã será santificado - nos havia dito ironicamente o empresário Luís Tavares em Rio Branco. Está sendo mais rápido do que ele pensa. Nas paredes de muitos bares de Xapuri ainda há um cartaz com a imagem de São Sebastião anunciando os festejos do padroeiro da cidade, que divide com o Rio de Janeiro esse privilégio. Como legenda duas frases de Chico Mendes: “Lutarei até as últimas consequências para defender a floresta” e “Quero viver para defender a Amazônia”. Embaixo: “Pague sua promessa, faça sua devoção”. Falar com a viúva do novo mártir sozinha é muito difícil. Não tanto pelo segurança que a protege 24 horas por dia. Pela porta sempre aberta das seis da manha até as nove horas da noite, passam vizinhos, seringueiros, jornalistas, ambientalistas, produtores e diretores de cinema. (VENTURA, 2003, p. 42)

Naquela época, ainda nos anos 1970 e ao longo dos anos 1980, na cidade, formaram-

se os grupos de intelectuais, pesquisadores, os grupos de teatro, os sindicatos, nem tão

distante da resistência que havia dentro da mata. Começam a se destacar, também, as

lideranças que marcam a construção da política do Partido dos Trabalhadores - PT no Acre:

Marina Silva (ex-candidata à presidência do país), Jorge Viana (ex-governador do Acre, hoje

é Senador pelo PT) e Tião Viana (atual governador do Acre).

Se a consciência e atenção nacional em relação ao Acre parecem ter se exaurido no processo de sua anexação ao Brasil e no aproveitamento econômico do Ciclo da Borracha, a consciência do Acre, da população acreana, em relação a si mesma e ao restante da Amazônia (para não dizer do Brasil) não parece ser pequena. O mesmo povo heróico que lutou na Revolução Acreana, liderada por Plácido de Castro, pelo pertencimento à nação de que julgava fazer parte, luta há algumas décadas contra o destino de abandono político e esgarçamento social e ambiental que lhe parecia ser traçado. A figura quase mitológica de Chico Mendes e o movimento seringueiro criado por ele parecem refletir os anseios e compromissos do povo acreano consigo e com o Brasil (OLIVEIRA, 2006, p. 64).

Com os conflitos de terra, tornam-se frequentes manifestações de diversas naturezas

tanto na cidade quanto na floresta. Os “empates”, como ficaram conhecidos no linguajar

amazônico, eram ações coletivas promovidas por indígenas, seringueiros e suas famílias, que

se organizaram diante das árvores e enfrentavam os posseiros. O objetivo era empatar as

derrubadas e impedir os desmatamentos, de maneira pacífica. A iniciativa resultou da

Page 70: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  69  

 

organização do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia e de seringueiros que tinham

consciência dos seus direitos de posse assegurados pelo Estatuto da Terra.

Com os empates, os seringueiros tinham descoberto um espaço específico de pressão em relação aos fazendeiros. Por meio dele houve a diminuição das expulsões dos seringueiros e foi estabelecido um espaço de negociação com o governo. (MORAIS, 2008, p. 120).

Enquanto isso, na cidade, bancários e professores faziam greve, e os artistas também

organizavam manifestos em apoio aos acontecimentos na floresta. Num contexto nacional, as

décadas de 1970 e 80 foram marcadas também pelos festivais de música que ajudaram a

constituir um espaço-evento de legitimidade social e cultural. Cenário semelhante também

ecoou no Acre: as insatisfações de cunho político e social impulsionaram produções artísticas

comprometida com as questões locais e originaram os primeiros festivais locais de música.

Assim, os anos 1970, 1980 e 1990 são marcados pelo surgimento e organização de sindicatos,

movimentos ambientalistas, grupos sociais e políticos que contam apoio da igreja e de

jornalistas.

Com este breve histórico do Acre, é possível notar que a configuração da identidade

do acreano vai sendo forjada ao mesmo tempo em que ocorre a configuração de um território

que foi sendo descoberto, ocupado e defendido diante longos e conflituosos processos de

negação histórica: ao mesmo tempo em que a territorialidade acontecia, se desenvolvia

também um apego, uma relação afetiva com o lugar, de defesa diante de um longo processo

de negação nacional.

 Durante todo o tempo de existência da primeira República do Acre, os revolucionários sempre fizeram questão de deixar claro que almejavam, sobretudo, o direito de ser brasileiros. Mas o país pelo qual lutavam não soube reconhecer seus ideais, renegando-os por diversas vezes até chegar ao cúmulo de devolver o poder ao inimigo - o estrangeiro que os dominava implantando leis, línguas e costumes estranhos a todo o povo do Acre. O Acre era o Brasil que o Brasil não queria. (NEVES, 2002b, p. 12).

Conforme apresentado aqui, os primeiros exploradores e migrantes chegaram à região

acreana sem conhecer ou desconsiderando os limites fronteiriços do Brasil com a Bolívia e

Peru.

Os brasileiros passam então, gradativamente, a ocupar um território que legalmente não era pátrio — pois o Brasil reconhecia-o como boliviano — e aos poucos, estes brasileiros vão se constituindo em maioria nas plagas estendidas pela expansão de áreas produtoras de borracha na Amazônia ocidental. De forma concomitante e

Page 71: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  70  

 

gradual eles territorializam essa região com suas marcas ao ponto de ela ser, de fato, mais brasileira do que boliviana ou peruana no tocante a sua ocupação ao fim do último quartel do século XIX. (SILVA, 2010, p. 221)

O Brasil parece ainda permanecer com um imaginário a respeito do Acre como uma

terra desconhecida, exótica e misteriosa. Assim como em todos os lugares, há, a respeito do

Acre, várias histórias, memórias e representações possíveis, cada uma com suas

peculiaridades que aguçam ora curiosidade, ora preconceito; ora orgulho, ora negacão.

Há o Acre dos geoglifos - grandes sítios com formas geométricas, como círculos e

quadrados; há o Acre dos indígenas e seus rituais religiosos e curas para quaisquer

enfermidades, como a vacina do Sapo Kampô, o rapé e o chá da ayahuasca. Quanto ao chá da

ayahuasca, aliás, os seringueiros aprenderam e, um deles, o Mestre Irineu Serra, vindo do

Maranhão, fundou, no início dos anos 30, a doutrina do Santo Daime, religião enraizada na

tradição mítica do Acre. Mesmo no meio da guerra e com o abandono político, os brasileiros

do Acre forjavam modos de viver.

O manifesto de Galvez reproduziu-se ao infinito: “A pátria nos abandona, criamos outra”. Se o Estado nos abandona, criamos uma ONG. A Igreja não nos quer, fundamos uma religião. Demarcamos uma reserva. Ocupamos um rio. Invadimos um terreno. No limite, criamos uma tribo nova, com nome antigo. Mil pátrias teremos, em nossa sede de pertencimento. Seremos economicamente viáveis, nosso projeto é cientificamente elaborado. Ecologicamente sustentáveis, os ambientalistas do mundo inteiro ficarão boquiabertos. Politicamente corretos, daremos lição de cidadania. Aprenderemos a linguagem da mídia, da informática, do mercado. Faremos qualquer coisa, menos desistir. (ALVES, 2004, p. 17).

Há o Acre cuja urbanidade da capital espalha bandeiras por vários lugares, esquinas e

quintais, como num lema de afirmação territorial. Seja em espaços públicos, turísticos ou

instituições privadas, a bandeira é encontrada facilmente por quem circula na cidade,

conforme Figuras 7, 8, 9 e 10.

Page 72: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  71  

 

Figura 7 - Mastro da bandeira

Fonte: Foto de Assis Lima (2012)

Figura 8 - Bandeira estendida no varal

Fonte: Foto de Giselle Lucena (2012)

Page 73: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  72  

 

Figura 9 - Bandeiras - Biblioteca Pública (esquerda) e Memorial dos Autonomistas (direita)

Fonte: Fotos de Giselle Lucena (2012)

Figura 10 - Miniaturas na Concessionária Honda (esquerda) e Loc-Maq (direita)

Fonte: Fotos de Giselle Lucena (2012)

A distribuição destas bandeiras em espaços públicos teve início em 2002, durante a

gestão de Jorge Viana, da Frente Popular do Acre - FPA, liderada pelo Partido dos

Trabalhadores - PT. Jorge Viana governou de 1999 a 2006; o terceiro mandato da FPA,

continuou de 2007 a 2011, com o Binho Marques; e prossegue agora com Tião Viana, até

2014. Os governadores que vieram na sequência da política que iniciou a distribuição das

bandeiras tomaram como logomarca da gestão, a própria bandeira (FIGURA 11). Ou seja,

além de estar presente nas repartições e espaços públicos e privados, a bandeira do Acre

também está em placas, em fardas de escolas, carros oficiais, cartazes, outdoors e em todas as

sinalizações das ações do governo.

Page 74: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  73  

 

Figura 11 - Logomarca do Governo do Estado do Acre – Gestão 2007-2011 (esquerda) e gestão atual (2012- 20.../direita)

Fonte: ACRE, 2014

Além disso, em Rio Branco, se tornou moda uma blusa com nome “Acre” estampado.

É possível encontrá-la para venda em vários locais da cidade: no shopping, no mercado, em

loja de artesanato, mas, principalmente, em malharias - pois é uma confecção local -, em

diversas cores e variações. Além de ser usada rotineiramente pelos acreanos, ela é também

presente (ou souvenir) para quem visita o Estado.

Uma das explicações para origem desta camisa é que, em 2002, o Governo do Acre,

em uma ação do Patrimônio Histórico, preparou uma exposição para comemorar o centenário

da Revolução Acreana - aquela comandada que levou o Acre à vitória contra a dominação

estrangeira e a ameaça do grande capital internacional. A exposição circulou em vários

lugares, chegando até ao Senado Federal. Um dos componentes da exposição foi uma camisa

da cor preta, com o nome do Estado grafado em letras prateadas e garrafais. Há quem lembre

que Jorge Viana, o então governador e hoje senador, presenteou pessoas muito importantes

para o Estado, com esta camisa. Logo, por estes dois motivos, alguns valores simbólicos

foram somados à vestimenta. Em poucos dias, as camisas poderiam ser encontradas em várias

malharias do Estado. Atualmente, vários produtos são produzidos com o tema “Acre” (Figura

12).

Page 75: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  74  

 

Figura 12 - Artigos diversos com o tema “Acre”

Fonte: Fotos de Giselle Lucena (2012)

As lutas e contradições entre a sociedade e o poder político local e nacional persistem.

Uma delas foi em relação ao fuso horário acreano, que gerou polêmica durante cinco anos. O

fuso foi alterado sem consulta pública depois que entrou em vigor uma portaria do Ministério

da Justiça determinando, a pedido do Ministério Público Federal, que as emissoras de TV

adaptassem suas transmissões aos diferentes fusos horários vigentes no país em função da

classificação indicativa dos programas. As emissoras reclamaram do alto custo da adequação,

além dos prejuízos gerados com a queda de anunciantes.

Conforme explica o jornalista acreano Altino Machado (2011), em sua coluna “Blog

da Amazônia”, no Terra Magazine, “a pedido da Rede Globo e da Rede Amazônica de

Televisão, sem consultar a população, Tião Viana32 extinguiu o quarto fuso horário brasileiro”

(MACHADO, 2011, online). Assim, em 2008, a mudança reduziu de duas para uma hora de

diferença em relação a Brasília:

(...) sob o argumento que a população local sofria prejuízos econômicos, sociais e culturais, principalmente na vigência do horário de verão, quando a diferença passava a ser de três horas. Mas, na época ocorreu uma grande polêmica, porque não houve consulta prévia aos habitantes da região atingida. (AGÊNCIA SENADO, 2013)

                                                                                                               32 Na época, Tião Viana era senador (PT-AC). Hoje é governador do Acre.

Page 76: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  75  

 

Divulgada pela propaganda do governo com o slogan: “O Acre mais próximo do

Brasil”, a mudança gerou diversas manifestações no Estado. Em 2010, no segundo turno da

eleição presidencial, foi realizado um referendo sobre o tema, e a população do Acre

manifestou-se a favor do retorno à hora antiga. Ainda assim, os acreanos tiveram que viver

com o horário que não aprovaram durante três anos, pois somente em 2013 é que uma nova

legislação foi feita conforme os resultados da consulta pública e o horário antigo voltou a

vigorar.

Em 2009, o novo acordo ortográfico da Língua Portuguesa alterou o gentílico

“acreano” para “acriano”, o que também gerou uma forte reação na população do Estado.

Conforme Machado:

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em vigor desde o dia 1º de janeiro, fez surgir no Acre um movimento de políticos e intelectuais em defesa do gentílico acreano para continuar designando quem nasce no Estado. A reação ao “acriano” como a única grafia correta para quem é natural do Acre, como sugere o Acordo Ortográfico, mexeu com o brio daqueles que se orgulham como os únicos que são brasileiros por opção. (MACHADO, 2009, online)

Em favor à manifestação popular, houve atos em defesa do termo “acreano” pela

Assembleia Legislativa do Acre - Aleac e Academia Acreana de Letras - AAL. A pedido da

Aleac, a AAL fez um estudo e uma resolução em defesa da preservação do “acreano” e o

apresentou em ato solene na Casa. Em tal documento, o presidente Clodomir Monteiro da

Silva escreveu:

ACREANO é legítimo patrimônio cultural, rico como signo e metáfora de sua formação multicultural e nas obras de seus artistas dos gestos, da fala, da escrita, da música etc. (...) O GENTILICO ACREANO traduz a liberdade expressiva de uma comunidade, 129 anos de história. E que essa liberdade de escolha possui uma razão universal, que é a finalidade expressiva dos falantes acreanos, no uso de tradições e costumes. A importância de ser acreano se confunde com a própria importância do mundo em que se vive. Assim, mais que um ecossistema, região ou bioma, mais que a porção mais verdejante do planeta, o Acre é um poema. Ser acreano é uma epopeia brasileira. Sendo imperioso preservar as duas formas, a histórica e a lingüística, pois ambas são vertentes do conhecimento humano. A primeira tem maior possibilidade de retratar o Acre e sua gente, da forma mais completa possível, porque está plena, recheada da identidade regional. NENHUM ACORDO pode toldar preceitos constitucionais que sustentam a construção da subjetividade, da identidade das gerações que estão construindo o patrimônio cultural, os bens de natureza material e imaterial, com que foram construídas. (SILVA, 2009, online).

Page 77: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  76  

 

Na ocasião, Edvaldo Magalhães (PC do B), o presidente da Aleac, anunciou resolução

que determina que todos os documentos e publicações oficiais utilizem gentílico “acreano”.

Assim, em textos, jornais, blogs etc, os acreanos dividem opiniões, e, com isso, é possível

encontrar trabalhos com a grafia antiga, embora ortograficamente incorreta - como neste aqui.

Na fronteira com Peru e a Bolívia, o Acre, assim como toda a Amazônia, é muito

pouco conhecido pelo Brasil. Último Estado anexado ao Brasil, o Acre corresponde a 1,92%

do território nacional, tem 22 municípios e completou, em 2012, 50 anos de Estado brasileiro.

Localizado no sudoeste da Região Norte, é o 15º em extensão territorial, com uma superfície

de 164.221,36 Km², onde somam quase 750 mil habitantes33.

Alguma coisa que alcançou o seu destino e ali está, harmonioso e belo, porque harmonioso e belo é o destino do homem que amou uma terra até o ponto de descarnar-se por ela e depois, sobre ela reaparecer, dominando-a. Sim, ali está o patriarca do Acre. Mas para conseguir este milagre teve que derreter-se todo, ficar uma lama só. Sofrimentos, lutas, desigualdades, convulsões, o sacudiram e depois plasmaram. Mas o grande plasma não é ele: são os filhos; a geração do novo Acre, todos os que nasceram já integrados e desenvolvidos na nova ordem. Daquela nuvem de gafanhotos que caiu no Acre surgiu um exército de homens, religiosos, mas não fanáticos; bravos, mas não colérico; crentes, mas não idólatras; supersticiosos, mas não intolerantes. O futuro social do Acre revelará um povo bastante forte e solidário. Forte por via das lutas, sofrimentos e vicissitudes que atravessou a fim de conseguir a sua integração no vale longínquo. Solidário porque cresceu e consolidou-se entre recursos, métodos e sacrifícios, comuns a todos os grupos entre si. (BASTOS, 2005, p. 60).

Assim, acreanos e brasileiros fazem, escrevem e transformam a história do Acre. Em

meio a controvérsias, contradições e muitos conflitos sociais, políticos, rurais e urbanos, são

produzidos e disponibilizados sentidos e representações, sejam estes virtuais ou não.

O desenvolvimento e expansão do Acre se consolidou, sobretudo, conforme os

interesses na exploração da borracha, afinal, exportação da borracha em toda a Amazônia

alimentava o desenvolvimento tecnológico e a revolução industrial nas maiores potências no

mundo. Mas, além dela, o Acre produz mandioca, arroz, feijão, milho, castanha, óleo de

copaíba, farinha e outros. Os povos do Acre – nativos e exploradores forasteiros – viveram

confrontos entre si, com o Brasil, com os países vizinhos, além dos grandes desafios com a

natureza. Os espanhóis chegaram pelo Pacífico e os portugueses pelo Atlântico. Depois,

vieram bolivianos, peruanos, os árabes, os seringueiros nordestinos, os paulistas, gaúchos,

cariocas. Ou seja, a imigração34 não era apenas de Nordestinos, mas também de gente de

                                                                                                               33 GOVERNO DO ESTADO DO ACRE, Portal de Notícias (2011). 34 Desde janeiro de 2010, o Acre se transformou em porta de entrada para a imigração haitiana no Brasil, após um terremoto no país caribenho provocar a morte de mais de 300 mil pessoas e deixar cerca de 300 mil desabrigados. O governo declarou situação insustentável: em janeiro de 2014, 1,2 mil haitianos ficaram

Page 78: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  77  

 

várias partes do Brasil e de outros países, que delinearam um século de guerras que ajudaram

a construir, desconstruir e transformar vidas, culturas e histórias. Mas, no início - e por muito

tempo – o Acre foi tido e tratado como terras sem donos pelo Brasil, e tido como terras não

descobertas pela Bolívia.

Depois dos combates ocasionados com a chegada e a exploração do não-indígena;

depois das batalhas territoriais entre seringueiros e bolivianos; posteriormente, as oscilações

entre os auges e as decadências da exploração da borracha; mais à frente, os “brasileiros do

Acre” lutaram contra o próprio Brasil para se tornar estado brasileiro.

Tem-se, assim, o Acre que era habitado por diferentes povos nativos que tinham sua

própria história, modos de vida, religião e sabedoria; o mesmo Acre que foi seringal, meio da

Bolívia, meio do Brasil, meio independente, até se tornar, enfim, Estado brasileiro e substituir

a cultura da seringa para abrir terreno para a pecuária. É o Acre cuja história é marcada por

intensos períodos de encontros, desencontros e, acima de tudo, de conflitos e controversas que

atravessam a escrita e repercussão de sua história.

Conforme vimos no capítulo anterior, com a midiatização, se deslocam as noções de

tempo, de espaço e, também, a natureza do acontecimento histórico que, agora, se mistura

com os acontecimentos cotidianos. Os meios de comunicação se tornaram ambientes para

difusão, uso e apropriação do discurso histórico. Além disso, se olhar para o passado implica

a revelação de um presente, é importante dizer que a construção histórica aqui apresentada

tem como objetivo entender o conteúdo da negação do Estado do Acre na internet. E, como

afirmou Benjamin (2012), “articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘tal

como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma recordação, como ela relampeja no

momento de um perigo” (BENJAMIN, 2012, p. 243).

Nos tempos de midiatização, a história de um lugar pode ser descrita, ilustrada,

apropriada e entendida em várias formas. Cada uma delas expressa modos e jeitos de olhar

para aquele lugar, dentro de suas singularidades e universalidades, seja na História, na

literatura, no jornalismo, na telenovela e nos diversos conteúdos compartilhados nas redes

sociais na internet.

Na atualidade, em tempos de interações fortemente mediadas por processos

midiatizados, especialmente com a internet e as redes sociais, encontramos uma constante

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                         abrigados em um alojamento onde cabiam, no máximo 300 pessoas. Mesmo assim, o fluxo já chamou atenção de outros estrangeiros: já passaram pela região imigrantes de Senegal, República Dominicana, Tanzânia, Colômbia, África do Sul, Nigéria, Libéria, Zimbábue e Bangladesh. Ao todo, segundo o governo do Estado, cerca de 15 mil estrangeiros entraram pela fronteira do Peru com o Estado. Tal imigração tem sido objeto de estudo de pesquisadores das Ciências Sociais.

Page 79: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  78  

 

forma de atualização e expansão da história aqui apresentada, é aquela que afirma

categoricamente que “o Acre não existe”. A partir dessa, muitas outras representações,

impressões e manifestações de tom jocoso ou não, circulam no espaço online, onde o Acre é

inserido num circuito interativo de ressignificações.

São essas questões relativas à atualização das representações sobre o Acre nas redes

sociais na internet que o próximo capítulo irá tratar, considerando conteúdos de diversos

formatos, e que circularam no Orkut, Facebook, Twitter, Yahoo! Respostas e no Youtube.

Page 80: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  79  

 

4 O ACRE NAS TRAMAS DA REDE

Nos vários ambientes virtuais e plataformas de redes sociais na internet, é possível

encontrar uma representação que assegura, categoricamente, que “o Acre não existe”. Diante

do que foi apresentado sobre identidade, memória, história, dinâmicas das interações sociais

no espaço online e midiatização, optamos por investigar a ocorrência dessa negação por meio

de análise de conteúdo. Tal escolha se justifica por identificarmos um conteúdo sujeito a uma

frequente redeterminação, reapropriação e descontextualização, ou seja, a circularidade de um

conteúdo retroalimenta sentidos, revelando outros recontextos da história de um lugar,

envoltos pelas dinâmicas da memória, da identidade e da midiatização e que, por isso, parece

extrapolar os próprios discursos históricos.

A metodologia nos leva a considerar tanto a negação em si, que reflete a história do

Acre e seus processos políticos de ocupação e definição geográfica; como também o contexto

em que tal representação circula, promovendo espaços interativos em que o Acre se torna

objeto para acionar e misturar sentidos e temas diversos, onde a negação se apresenta num

contínuo processo de atualização.

Para problematizar tais ocorrências e apresentar o objeto empírico aqui pesquisado,

mapeamos tais representações nas seguintes redes sociais: Orkut, Facebook, Twitter, Yahoo e

Youtube. A escolha por navegar entre estes cinco sites se justifica pela busca de

heterogeneidade e horizontalidade, uma vez que a definição do corpus foi feita de forma

intencional e induzida, em busca de amostras com o propósito de selecionar os elementos

mais significativos e ricos para o problema de pesquisa.

Além disso, o recorte da busca por “Acre” foi dado por representações referentes ao

lugar geográfico, não considerando representações ligadas a agremiações esportivas,

fenômenos e instituições religiosas, movimentos artísticos, turismo, entre outros 35 . A

definição para tal recorte foi inspirada em pesquisa sobre representações de lugares

geográficos na internet, realizada por Fragoso; Recuero; Amaral (2011), entre 2007 e 2009,

tendo como base o Orkut. As pesquisadoras usaram como palavras-chaves expressões ligadas

as questões identitárias, como “brasileiro”, “carioca”, “gaúcho” etc. E analisaram

comunidades como “Eu amo ser brasileiro”, “Ser carioca é...”, entre outras.

Essa experiência confirmou as dificuldades desse tipo de pesquisa na internet, geradas

pela heterogeneidade, pelas palavras-chaves que não se referem somente ao lugar geográfico

                                                                                                               35 Considerando que, sem tal delineamento, a pesquisa iria se expandir demasiadamente.

Page 81: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  80  

 

da mesma denominação, além da falta de condições para analisar todas as comunidades

encontradas nas buscas. Depois de experimentar vários caminhos diferentes para realizar as

interpretações, as pesquisadoras optaram por selecionar e analisar as comunidades mais

populosas.

Assim, é importante dizer que foram priorizadas interações em torno de

representações que dialogam com fenômenos históricos e acontecimentos midiáticos que

aconteceram anteriormente e ao longo da pesquisa. Nesse sentido, a coleta de material que

compõe o objeto empírico se efetivou por meio: 1) de sistemas de busca próprio dos sites das

redes sociais - Orkut, Facebook, Twitter, Yahoo e Youtube, com expressões chaves como:

“Acre não existe”; “Acre existe sim”; “Acre é uma lenda” etc; 2) do Alerta Google, uma

ferramenta do Google que mapeia e envia por e-mail atualizações que permitem acompanhar

informações sobre um tópico específico; 3) da rede pessoal da pesquisadora, em que os

usuários interligados também reproduzem, enviam e envolvem a pesquisadora em torno de

tais representações, o que enfatiza o caráter etnográfico da pesquisa.

Este mapeamento é aqui apresentado tendo como início o Orkut, suas comunidades e

algumas interações encontradas no interior delas, mostrando ocorrências que datam desde

2004. A pesquisa segue pelo Twitter e Facebook, aqui tratados, apesar de suas peculiaridades,

em item único, sem prejuízos à análise, uma vez que notamos, entre nestas redes, um diálogo

diferente dos demais ambientes pesquisados. Além disso, é aqui onde encontramos casos mais

recentes de reprodução da representação aqui estudada. Também neste tópico, escolhemos

fazer a leitura da negação do Acre como um meme. Na sequência, apresentamos as perguntas

no Yahoo! Respostas que envolvem a representação acreana, e prosseguimos com os vídeos

no Youtube. Encerramos com uma breve passagem pelo Google, por onde se localizam

alguns blogs e a Desciclopédia. Tal finalização visa a reforçar a dinamicidade do objeto

estudado. Apesar das peculiaridades de cada ambiente midiático, sabemos que eles não

funcionam de maneira isolada, e que os conteúdos trafegam entre rede e outra, gerando uma

outra rede que independe das fronteiras e limites dos sites.

O arranjo aqui proposto se deu por motivos de organização para visualização e

apresentação do objeto pesquisado, não necessariamente por características específicas do

funcionamento de cada rede. Em todos estes ambientes, analisamos tanto os conteúdos das

postagens, como os comentários realizados em torno deles.

Page 82: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  81  

 

4.1 Revisitando Orkut: um museu de grandes novidades

Criado em 2001, o Orkut se popularizou no Brasil em 2004 e, do mesmo modo, na

Índia, em 2006. O Orkut é considerado a porta de entrada dos brasileiros para as redes sociais

na internet (IBOPE MÍDIA, 2011). Além disso, em 2011, quase 90% das páginas visitadas no

Orkut, eram por usuários brasileiros, assim, o Brasil representava quase 2/3 do total de

usuários cadastrados no mundo. Líder absoluto na preferência dos usuários, o Orkut perdeu

seu espaço36 e hoje representa apenas 3% do mercado (LANDIM, 2013). Independente do seu

atual grau de sua popularidade, é importante considerar que o Orkut ainda está disponível

para acesso e manutenção de perfis37. Ou seja, mesmo desprovido de atualização, suas páginas

e seus conteúdos se configuram como rastros de comportamentos nas redes sociais na

internet.

No que se refere à sua dinâmica de funcionamento, além da possibilidade de trocar

recados, depoimentos e interagir com outros membros, um dos recursos do Orkut é a criação e

a participação em comunidades, onde os usuários podem participar de fóruns e

pesquisas/enquetes.

Em busca realizada em 2011, a comunidade mais populosa encontrada foi a de título

“Acre”, com 23.389 membros38, criada em junho de 2004. Há outras, como “Eu sou do

ACRE”, com 2.214 membros, criada em fevereiro de 2005; “10 motivos para morar no Acre”,

criada de julho de 2010, reúne 35 membros; ou, ainda, “ACRE-Lutou para ser brasileiro”,

com 589 membros, criada em maio de 2005. E, assim, seguem as comunidades que estão

ligadas à história, à cultura e temas regionais referentes ao estado.

Conforme a proposta de focar em representações que fazem referência ao Estado de

forma peculiar, foram consideradas comunidades que revelam alguma relação de negação

com o Acre. Agrupamos, deste modo, comunidades cujos títulos e descrições contribuem para

a construção de um imaginário de negação a respeito do estado do Acre.

Neste sentido, em busca realizada entre junho e julho de 2011, foram encontradas 105

comunidades ligadas ao tema. Embora o número não seja representativo diante da quantidade

                                                                                                               36 Mas deixou saudades: “A empresa R18, especializada em análise de dados sociais, acompanhou entre abril e maio tudo aquilo que os usuários do Facebook e do Twitter falam sobre o Orkut. Apesar da sua baixa popularidade, a frase "sdds Orkut" (abreviação de "saudades Orkut") foi citada por 23% daqueles que insistem em relembrar as glórias do passado” (LANDIM, 2013). 37 No Facebook, é comum encontrar pessoas publicando fotos antigas, acompanhadas de comentários como: “revisitando o Orkut”, como se não quisessem deixá-lo esquecido, o que parece ser uma forma de revitalizar suas memórias pessoais. 38 Todos os dados citados foram atualizados numa revisita às comunidades, entre dezembro de 2013 e janeiro de 2014.

Page 83: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  82  

 

de comunidades no Orkut, a representação criada a respeito do estado não é infame. A partir

dos títulos das comunidades, são detectadas algumas característica em comum, revelando

conteúdos tratados no interior delas.

Uma mostra destas comunidades, com sua quantidade de membros e ano de criação,

pode ser verificada no Quadro 2, que mostra o nome da comunidade, número de membros e

ano de criação.

QUADRO 2 - Comunidades no Orkut

Nome Ano de criação

Membros

Visita 139 Visita 240

Acre is a Lie 2004 5.990 4752

Acre... verdade ou mentira? 2004 266 214

Não conheço ninguém do Acre 2004 338 262

Vc conhece um acreano? 2004 675 553

Odeio quem fala mal do Acre 2005 6.366 5.645

MoçoDoTempo, Tira a kbç do AC 2005 4.833 3940

O Acre Ñ é lenda, eu nasci lá 2005 2.488 2.132

Acre nao existe 2005 4.861 1.020

Me prova que o Acre não existe 2005 844 704

Taxistas são do Acre (você nunca sabe onde ele mora, ou sabe?) 2006 37 29

Lost foi filmado no Acre 2006 88 74

O Acre existe Sim seus Burros! 2006 1.217 1.100

O Acre é invejado!!! 2006 281 257

Teoria do Acre 2008 1.220 962

O Acre existe sim, porra!!! 2011 95 96 Fonte: Dados da pesquisa elaborados pelo autor.

As comunidades mapeadas foram criadas entre 2004 e 2011. Conforme amostragem

aqui apresentada, a quantidade de membros variou entre 29 e 6.366. A partir do título de tais

comunidades, podemos classificá-las como:

                                                                                                               39 Realizada no período de junho e julho de 2011, durante construção de pré-projeto de pesquisa. 40 Realizada em dezembro de 2013, para finalização da pesquisa.

Page 84: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  83  

 

a) Comunidades que afirmam categoricamente que o Acre não existe ou que o Acre

é uma mentira, como “Acre is a Lie”, criada em abril de 2004 e que chegou a reunir,

em 2011, quase 6 mil pessoas.

b) Comunidades que sugerem a dúvida, a suspeita, teorias a respeito do Acre, como

“Teoria do Acre”, criada em 2008, e que soma 962 membros; “Taxistas são do Acre”,

que se descreve como: Você nunca sabe onde ele mora, ou sabe?, criada em dezembro

de 2006, com 29 membros;

c) Há aquelas comunidades que ligam a alguma personalidade pública ou produto

e/ou personagem midiático (artista, apresentador de TV, filme, político etc), como:

“Lost foi filmado no Acre”, com 74 membros, criada em fevereiro de 2006; ou, ainda,

a “MoçoDoTempo, Tira a kbç do AC”, que chegou a ter mais de 4.800 membros,

criada em agosto de 2005.

d) Comunidades que questionam quem conhece alguém do Acre. Ou seja, sugerem

uma negação, pressupondo que ninguém conhece algum um acreano e, portanto, o

Acre não existe. Entre elas a “Vc conhece um acreano?”, com 553, criada em

novembro de 2004.

e) Outros tipos de comunidades alimentam os imaginários a respeito do Acre e se

caracterizam por serem uma espécie de reação às comunidades que negam o estado.

Ou seja, afirmam a existência do Acre a partir da negação: “O Acre não é lenda, eu

nasci lá”, que reuniu mais de 2.400 membros, criada em março de 2005. Ainda neste

sentido, são criadas comunidades que reprimem ou expressam sentimento negativo às

pessoas que manifestam alguma forma de preconceito ou negação em relação ao Acre.

A mais populosa é a “Odeio quem fala mal do Acre!!” com 5.645 membros, criada

em abril de 2005.

Numa volta ao Orkut, realizada em janeiro de 2014, procuramos revisitar duas

comunidades: uma é a mais populosa e mais antiga delas, a “Acre is a Lie”; a outra é a que

faz um contraponto: “Odeio quem fala mal do Acre”. Tal revisita será tratada no tópico a

seguir.

Page 85: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  84  

 

4.1.1 Por dentro das comunidades

No interior das comunidades no Orkut, é possível criar fóruns de discussão e fazer

enquetes. A quantidade de fóruns e pesquisas e a última atualização delas podem mostrar o

seu grau de vitalidade e atualidade. Nas comunidades mapeadas, estes números, bem como a

data da última atualização, variam de forma relevante. Algumas não têm nenhum fórum ou

enquete, portanto, não foram nunca atualizadas. Já outras, fizeram/fazem uso frequente das

possibilidades de discussões e pesquisas, somando mais de 250 tópicos de fóruns. No entanto,

é importante se perguntar: o que faz uma pessoa entrar em uma comunidade? O fato de a

comunidade existir e possibilitar e entrada e saída de sujeitos, já configura uma dinâmica

possível no Orkut. Se a comunidade está atualizada e possui movimentos de fóruns e

pesquisas, é outro processo de análise.

Pensar a vivacidade do Orkut na atualidade não interessa a esta pesquisa. Mas é

importante saber que os usuários podem acessar as comunidades por interesses diversos: em

busca de trocar de informações, experiências, notícias, conhecer pessoas com preferências e

vidas em comuns etc. Por outro, entrar em uma comunidade pode significar, apenas, uma

forma de compor o seu “perfil” na grande rede. Afinal, nos perfis pessoais dos membros do

Orkut, fica disponível, além de nome, idade, profissão etc, a lista das comunidades que a

pessoa faz parte, ajudando a revelar suas crenças, costumes e hábitos em geral. Sendo, neste

caso, mais importante “mostrar” que se faz parte de uma comunidade do que,

necessariamente, interagir no interior dela.

A seguir, vamos apresentar especialmente duas comunidades revisitadas e que

simbolizam dois lados importantes dessa pesquisa: a negação e a afirmação da existência do

Acre. A começar pela “Acre is a Lie”, ela se descreve da seguinte forma:

O Acre NÃO existe. Esta é a máxima deste grupo, destinado a todos que questionam de alguma forma a existência de tal parcela do território brasileiro. A teoria da não existência do Acre se baseia em diferentes correntes. Desde invenção do governo, até conspiração interplanetária. E não odiamos o Acre. Não temos ódio de algo que não existe. Como seria egoísmo saber disso e não ajudar o próximo, oferecemos tratamento a todos os que estiverem dispostos a se curar dessa neurose. Dentro dessa confusão toda, só emana uma certeza. Cadê o Acre? Ninguém sabe, ninguém viu. SUMIU! (se é que um dia existiu!)

Page 86: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  85  

 

Figura 13 - Ilustração da comunidade "Acre is a Lie"

Fonte: Orkut, 2014

Nesta comunidade, encontramos aproximadamente 250 fóruns 41 que apresentam

grande diversidade de temas, desde assuntos diretamente ligados ao Acre, acontecimentos

como morte ou aparecimento no cenário político do país de algum acreano, como Armando

Nogueira42, João Donato43 ou Marina Silva44; a divulgação de eventos no/do Acre, bem como

reproduções de afirmações jocosas a respeito do Acre. E, ainda, postagens de pessoas que se

demonstram ofendidas com a existência da comunidade. Eis alguns exemplos no Quadro 3:

QUADRO 3 - Fóruns da comunidade “Acre is a Lie”

Tópico Ano de criação Número

de respostas

Ultima atualização

1 Personalidades acreanas Julho, 2004 39 Outubro, 2009

2 Excursão ao Acre Maio, 2004 38 Agosto, 2010

3 Provas da existência do Acre Agosto, 2005 175 Junho, 2009

4 O Acre existe sim Dezembro, 2008 265 Agosto, 2009

5 Aos conformistas, ou separatistas, o Acre existe? Julho, 2008 131 Agosto, 2009

6 Aos conformistas, ou separatistas, o Acre resiste Fevereiro, 2009 124 Setembro, 2009

7 Sinceramente, aki soh tem fracassado Dezembro, 2009 95 Março, 2010

                                                                                                               41 No interior das comunidades, não há disponível a quantidade de fóruns. Por isso, é preciso contá-los, o que torna esse número relativamente incerto. 42 Acreano de Xapuri. Foi cronista esportivo e também pioneiro do telejornalismo brasileiro, sendo um dos responsáveis pela implantação do jornalismo na Rede Globo, com destaque para a criação do Jornal Nacional. 43 Acreano de Rio Branco. É músico e foi amigo de todos os expoentes da Bossa Nova. É reconhecido pela sua criatividade e fusões musicais de jazz, música latina e outros. 44 Marina Silva é ambientalista e política brasileira, recentemente filiada ao Partido Socialista Brasileiro (PSB). Foi senadora em 1994, sendo reeleita em 2002. Nomeada Ministra do Meio Ambiente no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, ficou no cargo até 2008. Em 2010, foi candidata à Presidência da República, pelo Partido Verde (PV), obtendo a terceira colocação no primeiro turno, com mais de 19 milhões de votos.

Page 87: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  86  

 

8 106 anos do tratado de Petrópolis Novembro, 2009 105 Dezembro, 2010

9 2010 presidente Acreana? Agosto, 2009 36 Setembro, 2009

10 O que é o ACRE? Julho, 2009 109 Setembro, 2009

11 O Acre é... Janeiro, 2010 64 Janeiro, 2010

12 Vcs pensam q o Acre não existe ou são idiotas msm? Janeiro, 2010 79 Janeiro, 2010

13 Alguém por aí? Setembro, 2012 7 Julho, 2013 Fonte: Dados da pesquisa elaborados pelo autor.

Optamos por não adentrar nos fóruns e analisar suas respostas, por notar o quanto os

conteúdos que movem e impulsionam as interações se apresentam suficientes para

problematizar a questão aqui estudada e, como veremos futuramente, os conteúdos se

apresentam também, de forma repetitiva nas demais redes. Os números das quantidades de

respostas revelam determinado grau de interação que a pergunta mobilizou no interior da

comunidade.

Nesse sentido, podemos apontar um dos tópicos com maior quantidade de respostas,

que é aquele que diz: “O Acre existe sim” e, ainda, o “Provas da existência do Acre”. Vemos

nesses tópicos o movimento de negação-afirmação. O que nos leva a pensar que uma coisa

alimenta a outra. Afinal, conforme as dinâmicas das redes sociais, movidas por jogos de

disputas, uma não faria sentido sem a outra. Além disso, é importante observar a data de

criação dos fóruns, que mostram o grau de vitalidade da rede: temos fóruns criados desde

2009 até o segundo semestre de 2013.

Além dos fóruns, é possível criar pesquisas e enquetes no interior das comunidades.

Na “Acre is a Lie”, existem mais de 30 enquetes. Qualquer membro pode criar (escrever as

perguntas e as alternativas de respostas) e participar (responder). Abaixo, seguem algumas das

perguntas, com as respostas, acompanhadas da quantidade de votos que receberam:

Em março de 2007, 688 votos:

Professor Tibúrcio pergunta: Quem deve ser considerado Cidadão Honorário Acreano? a) Lion Man, general das Tropas de Infantaria Acreana 19% 129 votes b) Falkor, que revolucionou os meios de transporte 25% 171 votes c) Mestre dos Magos, pequeno sábio das montanhas 40% 274 votes. d) Balrog, campeão unificado de boxe em Mordor-AC 17% 114 votes.

Page 88: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  87  

 

Em julho de 2007, 279 votos:

Acreanos são.... a) 1 acreano=super homem 5% 13 votes. b) 2 acreanos=Batman e Robin 2% 5 votes. c) 3 acreanos=os três mosqueteiros 1% 3 votes. d) 4 acreanos=quarteto fantástico 0% No votes. e) 5 acreanos= power ranger 12% 33 votes. f) 6 acreanos = ah, peraí, não existe tanta gente no Acre 81% 225 votes.

Em agosto de 2008, 291 votos:

onde foi parar o padre dos balões?45 a) no Acre 32% 94 votes. b) na ilha do lost 9% 25 votes. c) mas as 2 opções a cima naum sao u besmo luga?! =P 59% 172 votes.

Em julho de 2009, com 196 votos: Existe vida no Acre??? a) Sim (sou um pseudoacriano) 7% 13 votes. b) Sim, Elvis e Michael Jackson estão lá 34% 66 votes. c) Não, pois o Acre é uma crendice popular 31% 61 votes. d) Talvez, pois não foi confirmada a sua existência 29% 56 votes.

Em março de 2011, 34 votos: Motivos para terem criado a Lenda do Acre a) Tentativa do governo de ocultar 1 centro de Aliens 26% 9 votes. b) Uma falha construção de 'brasília' por lá 3% 1 vote. c) Há dinossauros clonados lá 0% No votes d) Chuck Norris mora lá e não quer ser perturbado 38% 13 votes. e) o rato radioativo escapou e habita akela região 3% 1 votes f) existe um buraco gigante por lá com +- 72 virgens 3% 1 vote. g) Lá é o Centro de treinamento dos X-Man 15% 5 votes. h) Eike Batista comprou akelas terras 12% 4 votes.

Com as enquetes, observamos que a negação do Acre envolve expressões de

criatividade, bom humor, tom jocoso e referências diversas: do Professor Tibúrcio,

personagem do Castelo Rá Tim Bum à X-Man e Eike Batista. E, ainda, a quantidade de

pessoas mobilizadas: de 34 a mais de 600.

A repercussão e interação entre os membros dessa comunidade foi tamanha que foi

produzido um e-book sobre a história dela, em 2010. A obra, disponível para acesso

                                                                                                               45 Adelir Antônio de Carli ficou conhecido como “o padre dos balões” quando, em abril de 2008, desapareceu ao realizar um voo amarrado a balões de gás hélio. Seu corpo foi encontrado quase três meses depois. O padre foi condecorado com o Prêmio Darwin, pela forma como se envolveu no acidente com os balões. Este é um prêmio irônico e simbólico, que comemora pessoas que tiveram mortes acidentais inusitadas.

Page 89: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  88  

 

gratuito46, tem como título: “Os Treze do Orkut”, é assinada por Henderson Bariani, e se

apresenta como: “Fábula sobre o início, apogeu e queda de uma comunidade do Orkut que

negava a existência do Acre. Intriga, mistério, e um final surpreendente. Baseado em fatos

reais por uma testemunha ocular dos fatos” (BARIANI, 2010).

Os fundadores e mais ativos participantes (não-acreanos e acreanos), se tornaram

amigos, já realizaram encontros presenciais e hoje mantém contato por meio de um grupo

fechado no Facebook, chamado “A Cúpula”. A acreana Nattércia Damasceno participou de

um dos encontros presenciais que aconteceu em São Paulo, em 2009. Ela diz: “Eu só fui

aceita no grupo depois que assumi que estava curada e não acreditava na existência do Acre.

Hahahah” (DAMASCENO, 2014)47.

Outra comunidade visitada foi a “Odeio quem fala mal do Acre!!”. Descrita da

seguinte forma:

Essa é uma comunidade para quem odeia aqueles que falam mal do Acre!! Quem não sabe onde o Acre fica, é pq nunca estudou geografia!! *Comunidade criada por Rodrigo Souto e que eu "tomo conta" *Existe um tópico exclusivo para anunciar comunidades. Os que forem feitos fora dela serão excluídos. *A comunidade é moderada para evitar tópicos com anúncios. A mensagem de aprovação é enviada pelo orkut automaticamente e não precisa ser respondida.

Apesar da quantidade de membros (5.645, em 2014) e do ano de criação (2005), esta

comunidade, apresenta apenas 12 fóruns (o mais ativo com 9 respostas) e uma pesquisa (com

apenas 4 participantes). O fórum mais movimentado é o apresentado abaixo, criado em julho

de 2005, recebeu nove respostas, mas destas, apenas duas estão disponíveis:

Qual foi a pior coisa que você já... e ai gente me diz qual foi a pior coisa que você já ouviu falarem ou perguntarem sobre o Acre? Certa vez em Brasilia um individuo me fez relatar todo o historico do nosso estado, tudo isso para desfazer o engano da cabeça dele que continha várias informações erradas sobre a nossa cidade.

Respostas48:

Usuário a) Acredito ser tudo uma questão de postura da nossa parte. Piadas iremos ouvir sempre. Mas isso ocorre com gaúchos (homossexualismo), cearenses (cabeça

                                                                                                               46 O link é: http://www.bookess.com/read/3487-os-treze-do-orkut/. 47 Conversa via InBox - Facebook, 2014. 48 Apesar de aparecer “9 replies”, apenas 2 estão disponíveis.

Page 90: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  89  

 

chata), goianos (sertanejo) etc... Contudo, não podemos deixar que a coisa descambe pro outro lado da chacota, humilhação, como acontece muitas vezes. E aí é culpa nossa mesmo, daqueles acreanos que já chegam em congressos, encontros, abaixando a cabeça pros sulistas e não levam o orgulho de ser acreano. Sei que de repente o comentário ficou um pouco sério e distoou dos demais, então vou responder a pergunta: Uma vez ouvi uns paranaenes falando que iriam pegar a Rodovia Transamazônica pra chegar ao Acre (rsrs). Iam parar bem longe. Um abraço! Usuário b) Só asneiras... Uma certa vez, em Florianópolis, perguntaram-me qual o tipo de transporte que usavamos. Antes que o cidadão fizesse a piada, eu o cortei dizendo que andavamos de cipó; caso perdessemos o cipó das 11, só pegariamos no outro dia pela manhã!!! Porém não o respondi em tom de brincadeira e sim, sério, com uma cara nada amigavel. Agora, santa ignorância... uma outra vez, uma colega do 3º colegial, também em Florianópolis, me perguntou se as praias do Acre eram bonitas, já que ela uma vez havia ido ao RN e havia achado lindo o litoral nordestino. Respondi que a praia da Base era o point da capital e que na próxima viagem dela ao nordeste, podesse ela fazer uma visita a nossa capital!!! Será que eles entendem de Geografia?!?!

Nessas respostas, as pessoas parecem querer manifestar o incômodo diante da negação

do Acre. Porém, notamos que há mais movimento na comunidade que nega o Acre, pois ela

reúne, inclusive, os próprios defensores do “O Acre existe sim”, revoltosos declarados ou não.

Os títulos destas comunidades, os fóruns e as pesquisas/enquetes enfatizam duas

questões:

a) A negação do Acre mistura conteúdos, convoca e possibilita vários tipos de

referências, ou seja, a construção dos comentários envolve criatividade e

conhecimento ao fazer menções à músicas, filmes, novelas, e até à própria

desconstrução de fatos históricos etc. E isso é importante quando pensarmos a questão

do capital social que mobilizam as interações na rede;

b) A negação envolve várias posturas de relacionamento: pessoas dizendo que o Acre

não existe; outras dizendo que o Acre existe sim; aquelas que se propõem a explicar

que é apenas uma piada; gente que parece suspeitar que os outros realmente acham

que o Acre não existe etc. Neste caso, podemos pensar que tal mobilização aciona as

questões identitárias.

Algumas percepções se repetem nas análises das outras interações e serão

aprofundadas nas considerações finais. A seguir, vamos passar para outras redes sociais da

internet: o Twitter e o Facebook, e fazer uma leitura a partir dos estudos dos memes.

Page 91: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  90  

 

4.2 Facebook e Twitter: tudo como uma rede só

O Facebook foi fundado em 2004, por Mark Zuckerberg, e conquistou a preferência

brasileira entre as redes sociais, em janeiro de 2012. A liderança ainda é mantida: no final de

2013, a rede teve a preferência de 67% dos internautas do Brasil (DAQUINO, 2014),

somando um total de 76 milhões de usuários brasileiros. Como nas demais redes sociais, cada

pessoa tem um perfil onde pode disponibilizar seus dados pessoais, montar álbum de fotos,

compartilhar textos, vídeos, links etc, e interagir com demais membros, visitando perfis,

comentando, curtindo e/ou compartilhando as postagens dos seus amigos, trocando

mensagens diretamente com eles etc. Além dos perfis, os usuários podem montar páginas de

eventos e/ou institucionais, bem como construir grupos públicos ou privados.

O Twitter, criado em março de 2006, também está entre as redes sociais mais

utilizadas pelos brasileiros, mas com popularidade bem inferior que a do Facebook. Em

dezembro de 2013, a preferência pelo Twitter esteve em 1.77%. Mesmo assim, O Brasil é o

segundo país do mundo com mais contas no Twitter: são 33 milhões de usuários (IG, 2013).

O Twitter é um sistema de micro-blog integrado com uma rede social. Cada usuário

tem sua própria página e exibe seus posts impulsionado pela pergunta: “O que você está

fazendo?”. O post pode ter, no máximo, 140 caracteres. Cada membro pode “seguir” e ser

seguido por outros usuários, além de acompanhar o que eles escrevem. É possível responder

diretamente numa postagem, retuitar (compartilhar) ou favoritar a postagem de alguém que

você segue. Os Trending Topics (TT) compõem a lista dos assuntos mais falados e

comentados no Twitter naquele momento.

Propomos pensar os dois, juntamente, apesar de suas particularidades, por encontrar

evidências que transitam nas duas redes, tanto em termos de conteúdos que repercutiram a

partir de notícias jornalísticas, como também, conteúdos produzidos e reproduzidos por perfis

que estão presentes em ambas as redes.

Nesse sentido, podemos começar pela repercussão gerada quando o primeiro shopping

do Estado do Acre foi inaugurado, em dezembro de 2011. O Portal de Notícias da Rede Globo

- G1 veiculou, simultaneamente, duas matérias produzidas pela repórter Gabriela Gasparin:

Uma com o título “Acrianos viajam até 700 km para conhecer 1º shopping do estado” e

subtítulos: “Idosa de 73 anos vira fã de centro de consumo. Ar-condicionado e entretenimento

são atrativos, segundo a população”. E a segunda, intitulada “Primeiro shopping muda hábitos

da população do Acre”, acompanhada dos subtítulos: “Apenas duas capitais brasileiras

Page 92: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  91  

 

seguem sem shopping, segundo Abrasce. Grandes redes chegaram ao estado e comércio de

rua teme disputa”.

Os links para as matérias foram, juntos, tuitados mais de 4 mil vezes, o que, somada a

outras manifestações no Twitter, fez com que a palavra “Acre” fosse repetida o suficiente

para ocupar o primeiro lugar no “Trending Topics Brazil” (FIGURA 14). O que, além de

despertar a atenção dos usuários para aquela notícia, alimentou a produção e circulação de

conteúdos que reproduzem uma representação que nega a existência do Estado, conforme os

tuites expostos a seguir:  

Usuário a): Depois falam que o Acre não é importante. Eles inauguram um shopping e vão para nos TT’s. Usuário b): O primeiro shopping imaginário do mundo: [link para notícia no G1] Usuário c): Gente achando legal contar que o Acre não existe como se fosse a maior novidade do sistema solar. Acho culto. Usuário d): Mais uma prova que o #Acre existe! [link para notícia no G1]

Figura 14 - Trends Brazil - “Acre” em destaque49

Fonte: Twitter, 2011

As notícias veiculadas pelo G1 foram recomendadas mais de 15 mil vezes no

Facebook50 e, juntas, receberam no site mais de 400 comentários. No Quadro 4, é possível

conferir alguns dos comentários publicados no site do G1, reproduzidos aqui originalmente e

                                                                                                               49 O mundo esquizofrênico: Em primeiro lugar, o Acre; na sequência, Kings Of Convenience, uma banda de música eletrônica de Londres; em 3º a grife Louis Vuitton. 50 Estes dados são relativos. As notícias podem ser propagadas nas redes de várias formas. Uma delas é o usuário clicar, no site da notícia, no link disponível para migrá-la para o Twitter ou Facebook; ou pode, em seu perfil pessoal na rede, disponibilizar o link para a notícia. No entanto, o site registra apenas os compartilhamentos feitos com a primeira opção.

Page 93: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  92  

 

integralmente, sem identificação do autor.

Quadro 4 - Comentários em notícias veiculadas pelo G1 Notícia 1: “Acrianos viajam até 700 km para conhecer 1º shopping do estado” 1 Uma teoria diz que o Acre foi criado pelos americanos para esconder a entrada da terra do nunca e outros

mundos magicos perdidos, para isso os estadunidenses recrutaram pessoas para se dizerem acreanas e pagaram professores de geografia do Brasil INTEIRO para convencer seus alunos de que o Acre existe.

2 Nossa, pra quem mora em outros estados é praticamente impossível imaginar a vida sem shopping... que bom que o progresso tá chegando por lá!

3 Nossa ! AR CONDICIONADO é atrativo do público ????? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk só o Acre pode nos proporcionar algo tão engraçado assim kkkkkkk mas vem cá . . . o Acre existe mesmo ou é só lenda?

4 Um dia em minha vida gostaria de ouvir coisas boas do Acre. Morei em uma das maiores capitais do nosso país, e um professor de geografia me perguntou com espanto se no Acre falávamos português” que absurdo” isso num é coisa pra nem um ser perguntar muito menos um professor de tal disciplina. Gente nos temos que nos conscientizar que devemos dar valor pro que é nosso, o Acre e do Brasil também, que tem um povo batalhador e solidário. Tem seu lado ruim? Tem, como todo estado do Brasil e do mundo tem. Mas que pelo visto o Acre não tem o que os outros estados tem RESPEITO!

Notícia 2: “Primeiro shopping muda hábitos da população do Acre”  1 piadas sobre o acre em 3, 2, 1...  2 Que maravilha, esse shopping é uma benção de DEUS, aleluia e que DEUS ilumine todo o povo do Acre,

que embora ninguem acredita que exista, ele existe sim. ALELUIAAAAAAAAA  3 Imagina quando chegar luz lá... kkkk meu Deus como vcs do Acre conseguiam viver sem shopping??????  4 O Acre ainda continua no TTs .. Nós estamos famosos, msm com tanta gente ignorante falando mal do

estado!  5 KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK isso com certeza é uma falsa reportagem do governo para

acreditarmos q o acre existe! Fonte: Dados da pesquisa coletados pelo autor.

O portal do Observatório da Imprensa - OI também repercutiu a cobertura do G1, em

comentário de título “Pauta Acriana - O Brasil não conhece o Brasil”, explicando que “a

reportagem deu curso a uma sucessão de manifestações preconceituosas contra as populações

do norte e do nordeste do país, revelando que o brasileiro não conhece o Brasil” (COSTA,

2011) e definindo que a matéria, mesmo que extensa e ilustrada por mapas e infográficos

sobre os números de shopping do país, acabou sendo apenas uma curiosidade. O texto do OI

registra 46 compartilhamentos no Facebook, 24 tuítes e seis comentários. Ele ainda foi

reproduzido integralmente no blog do jornalista acreano Altino Machado, que também é

responsável pelo blog da Amazônia, da Terra Magazine. No blog acreano, 10 pessoas

comentaram.

Mesmo sem fazer uma análise crítica ou comparativa dos conteúdos das matérias ou

dos comentários dos leitores, temos aqui um caso em que a repercussão de uma notícia sobre

um acontecimento no Acre foi descontextualizada. Com os comentários, podemos notar que a

“piada” já era prevista, anunciada ou esperada: “Piadas sobre o Acre em 3, 2, 1...”

(comentário no G1), ao mesmo tempo em que era reprimida: “Gente achando legal contar que

o Acre não existe como se fosse a maior novidade do sistema solar” (no Twitter). Além disso,

Page 94: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  93  

 

notamos que se cria uma relação entre a inauguração de um shopping (que é o primeiro), com

a ideia de que o lugar esteja se modernizando ou, de fato, não existe, pela difícil ideia de

imaginar um Estado ainda sem shopping. Também é importante dizer que, nos comentários

das notícias do G1, encontram-se mais evidências de manifestações jocosas a respeito do

Estado do Acre. Já no OI e no blog de Altino Machado, os comentários se pautam por

questões mais críticas quanto aos conteúdos dos textos, bem como às questões políticas do

Acre, sem remeter à representação que nega o Estado.

Essa não foi a primeira vez que o Acre ficou em destaque nos TTs do Twitter, a partir

de uma notícia jornalística que foi descontextualizada e apropriada de forma a alimentar

interações em torno da negação do Estado. Em setembro de 2011, o Superior Tribunal de

Justiça Desportiva (STJD) anunciou a eliminação do Rio Branco Futebol Clube da Série C do

Campeonato Brasileiro. Com isso, os jogos do time ficaram suspensos. A notícia passou a ser

comentada em grande escala no Twitter, o que fez com que “Rio Branco” entrasse para a lista

dos TTs (FIGURA 15), oportunizando diversos comentários a respeito não apenas do time de

futebol, mas, também, do Estado acreano.

Usuário a) Rio Branco no TTs. Acre provando que existe =* Usuário b) Rio Branco nos TT’S o Que Aconteceu nasceu alguem lá? Usuário c) Rio Branco é um time de futebol de um estado que não existe, logo não poderá disuputar a série C do campeonato brasileiro. Usuário d) Depois de não conseguir localizar o Acre no mapa do Brasil, relator resolve excluir o Rio Branco da Série C.

Figura 15 Trends Brazil - “Rio Branco” em destaque

Fonte: Twitter, 2011

Page 95: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  94  

 

Os comentários no Twitter relacionam o cancelamento do jogo com a inexistência do

Estado: “Depois de não conseguir localizar o Acre no mapa do Brasil, relator resolve excluir o

Rio Branco da Série C”. Ao mesmo tempo em que comentam/estranham a presença do nome

da capital na lista: Rio Branco nos TT’S o Que Aconteceu nasceu alguem lá?”.

No Facebook, podemos citar como exemplo - também a partir de um acontecimento

esportivo - a ida do time do Cruzeiro (Minas Gerais) ao Acre, para jogar contra o Rio Branco,

em março de 201251. Na ocasião, o programa de esportes da 98 FM de Minas Gerais - 98

Futebol Clube lançou no Facebook a pergunta: “Qual vai ser a maior dificuldade do Cruzeiro

lá no Acre?”. O post foi curtido 36 vezes, foi compartilhado 1 vez, recebeu 193 respostas que,

mais uma vez, utilizam da representação de que nega a existência do Estado:

Usuário a): Encontra o Acre ja é difícil suficiente.(2 curtidas) Usuário b): a maior dificuldade vai ser achar o caminho de volta pra casa, porque no mapa, o Acre Non Ecziste! (1 curtida) Usuário c): A maior dificuldade do Cruzeiro vai ser a malária! E o Acre já foi homenageado por Sandy & Júnior: "Era uma vez, um lugarzinho no meio do nada..." (1 curtida) Usuário d): Vai ser atravessar o secreto portal mágico que existe para entrar no Acre, já que o Acre nao existe pq nao conseguem o encontrar.(0 curtidas)

Em fevereiro de 2012, o Acre sofreu uma das maiores enchentes do Rio Acre, nesse

sentido, várias notícias foram veiculadas pelos grandes canais jornalísticos e o governo

declarou estado de calamidade. Uma das repercussões geradas no Facebook foi em torno da

imagem retratada na Figura 16, onde aparecem os dois personagens principais do filme

“Piratas do Caribe”, e um deles está acompanhado de um balão que sugere a fala “Tem

certeza que Rio Branco é por aqui?”. A imagem foi adicionada no Facebook pelo perfil de

David Souza, no dia 24 de fevereiro. Em seis dias, ela foi compartilhada mais de 650 vezes52.

                                                                                                               51 A propósito: o resultado do jogo foi de 0 x 6 para o time mineiro. “O Cruzeiro não jogou, deu aula”, dizem. 52 Infelizmente não foi possível reencontrar esta postagem para atualização dos dados.

Page 96: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  95  

 

Figura 16 - Sem título

Fonte: SOUZA, 2012

Essas representações não dependem, entretanto, exclusivamente de acontecimentos

extraordinários. No interior das redes sociais na internet, o nome do Estado acreano também é

convocado a simbolizar algo inexistente. Como mostra a Figura 17, é oferecido ao Acre o

título da versão brasileira para o seriado Lost.

Lost é uma premiada série de televisão americana, de drama e ficção científica, que

seguiu a vida dos sobreviventes de um acidente aéreo numa misteriosa ilha tropical. A

imagem pode ser encontrada na página do site de entretenimento “Não Salvo”, por onde foi

curtida mais de 6 mil vezes e compartilhada quase 16 mil vezes, em 15 dias. O perfil “Não

Salvo” é uma celebridade da internet, criado por Maurício Cid. Possui mais de 380 mil

admiradores no Twitter e mais de 1 milhão no Facebook.

Page 97: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  96  

 

FIGURA 17 - “E se as séries mais famosas do mundo fossem feitas no Brasil?”

Fonte: Página “Não Salvo” - Facebook, 2012

Entre os mais de 800 comentários:

Usuário a) Engasguei no ACRE hahahuauhauhauhauauhauhuhauha (1 curtida) Usuário b) Confesso que só achei graça na parte do ACRE kkkkkkkkkkkkkkkkk (3 curtidas) Usuário c) Teus seguidores do Acre vão ti boicotar!! Vai perder 30 visitas mensais!! (14 curtidas) Usuário d) kkkkkkk CHOREI NO ACRE (3 curtidas) Usuário e) Acre? É de comer? (nenhuma curtida) Usuário f) Não, não é de comer, mas sua mãe sim! (15 curtidas) Usuário g) Eita povo fresco! Não podem ver uma piadinha com o Acre, mas são os primeiros a fazerem piadas com paulistas ou gaúchos. .-. (14 curtidas) Usuário h) Acreanos são gente boa, porém estressadinhos demais. Nos 9 meses que morei em Rio Branco, qualquer brincadeira referente ao estado era motivo de xilique. Tenho parentes que são de lá, tenho amigos, mas isso é uma piada, fiquem na sua. (8 curtidas)

Page 98: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  97  

 

Usuário i) O Acre é mesmo distante, mas o grau de mal informados que não conhecem nem o próprio mapa do Brasil me surpreende mais do que a distancia entre os estados kkkkkkkkkkkkkkkkkk vão estudar seus burros..... (5 curtidas)

Conforme os comentários acima, percebemos que é acionado um conflito: de um lado

pessoas reproduzindo o suposto desconhecimento do Acre: “Acre? É de comer? De outro,

usuários que ficam revoltados com os comentários: “Não, não é de comer, mas sua mãe sim”;

entre eles, gente que quer que o acreano entenda que tais manifestações são “apenas piada”:

“Acreanos são gente boa, porém estressadinhos demais (…) mas isso é uma piada, fiquem na

sua”; e, ainda, aqueles que parecem acreditar que os demais realmente desconhecem o Acre:

“(…) o grau de mal informados que não conhecem nem o próprio mapa do Brasil me

surpreende mais do que a distancia entre os estados. Vão estudar seus burros...”

Assim, notamos que tanto o jornalismo, quanto as interações mediadas pelas redes

sociais, reproduzem e alimentam uma cadeia representacional singular sobre o Acre. Outro

exemplo deste segundo caso é o da Figura 18, que mostra uma imagem de Paul Mccartney,

ex-Beatles, com o texto: “De volta ao Acre” e postada com a legenda “Paulinho adora ir para

lugares que não existem”. Em quatro dias, a imagem foi compartilhada mais de 130 vezes, e

mais de 660 pessoas a curtiram53. A imagem foi postada em 10 de dezembro de 2012. Em 13

de janeiro de 2014, somava 180 compartilhamentos e 794 curtidas e 32 comentários. Parte

significante dos comentários era apenas risadas ou marcações de outras pessoas.

FIGURA 18 - “Paulinho adora ir para lugares que não existem”

                                                                                                               53 No Facebook, é difícil calcular a quantidade de vezes que a imagem é compartilhada, curtida ou de comentários que recebe. Aqui são apresentados os números em que a imagem foi compartilhada ou curtida a partir de uma postagem específica. No entanto, cada vez que ela é compartilhada, ela pode receber outras curtidas e outros comentários, por meio de outras páginas.

Page 99: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  98  

 

Fonte: Página “João Lennon” - Facebook, 2012

A página “João Lennon” tem mais de 130 mil curtidores e é descrita como: “E se John

Lennon e os Beatles fossem brasileiros? Seria mais ou menos assim.”. Entre os comentários

para esta postagem estão:

Usuário a) única que eu não consegui entender, que música é essa? (3 curtidas) Usuário b) hahahaha back in the U.S.S.R.! hahahaha (31 curtidas) Usuário c) U.S.S.R = Não existe mais / Acre = nunca existiu (27 curtidas) Usuário d) só pros muito fortes! Uma das melhores! Hahah (7 curtidas) Usuário e) o ACRE EXISTE! CALABOK (1 curtida)

Conforme os comentários, a frase que acompanha a imagem faz um paralelo com a

música “Back in the USSR”: União das Repúblicas Socialistas Soviéticas foi um estado

socialista que existiu entre 1922 e 1991. Além disso, um dos comentários diz: “só para os

fortes”, o que sugere uma piada que poucos entenderão, ou seja, é uma piada, no mínimo,

inteligente, o que envolve determinado capital social cognitivo, característico de laços fortes,

como visto no item 2.3.1 e que ainda será melhor explorado no capítulo 4.2.1 deste trabalho.

Outro exemplo importante de ser citado é a postagem do humorista Danilo Gentili54,

                                                                                                               54 Danilo Gentili Júnior é humorista, escritor, cartunista, repórter, empresário e apresentador brasileiro. Faz parte da considerada “nova geração de humor” e é um dos precursores do movimento de stand-up comedy no Brasil. Ganhou projeção nacional como integrante do programa de humor jornalístico Custe o Que Custar (CQC), da Rede Bandeirantes e foi criador e apresentador do talk-show “Agora é Tarde”, da emissora Band até dezembro de 2013. Sua página, no Facebook, já alcançou quase 4 milhões de curtidas.

Page 100: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  99  

 

ex-participante do programa Custe o Que Custar - CQC. Na virada de 2013 para 2014, o

apresentador postou em seu perfil no Facebook uma foto sua diante de fogos de artifício

(FIGURA 19), com a descrição: “O Ano Novo acabou de começar aqui onde estou. Feliz

2012 Acre!”.

FIGURA 19 - O Ano Novo acabou de começar aqui onde estou. Feliz 2012 Acre!

Fonte: GENTILI, 2014

A postagem recebeu quase 123 mil curtidas, foi compartilhada mais de 1.500 vezes e

recebeu 5.500 comentários55, eis alguns deles, acompanhados, do número de curtidas entre

parênteses:

Usuário a) Suas definições de processos foram atualizadas. (174 curtidas) Usuário b) fake, não tem capivara tomando espumante, logo não é o acre (3.162 curtidas) Usuário c) Sou do acre, e não gostei dessa piada ! Vou mandar meu T- Rex te pegar ... (794 curtidas) Usuário d) E onde tá a comédia nessa legenda hein ?? Que decepção hein Gentili. Sinto pena de você que menospreza um dos estados mais dignos e lindos desse país de corruptos e com muitos hipócritas que nem você foi nessa proferida ''piada''!! (84 curtidas)

                                                                                                               55 Dados de 13 de janeiro de 2014.

Page 101: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  100  

 

Usuário e) Quem ta falando mal do Acre, que em 2014 estude mais Geografia. _]_ (32 curtidas) Usuário f) Com essa piada acho que você deveria ser humorista do Casseta e Planeta. Beijos vou alimentar minha onça (28) curtidas) Usuário g) pq tanta revolta? Eu sou do acre e fico feliz qd me deparo com esse tipo de piada, assim reafirmo minha certeza que faço parte da minoria inteligente desse país. (8 curtidas)

Com os comentários revoltosos, Danilo Gentili se manifestou novamente e postou: “A

PIADA ERA SOBRE O FUSO-HORÄRIO - SOBRE O ACRE SER DISTANTE/LONGE.

NÃO SOBRE O LUGAR SER OU NÃO ATRASADO! Mas eu prometo que a próxima piada

será como o povo é analfabeto funcional”56 (GENTILI, 2014). Por um lado, o humorista se

revolta por achar que algumas pessoas não entendem que é apenas uma piada. Por outro,

Gentili parece não saber que a revolta dos acreanos é acionada por uma manifestação

identitária e que a questão do fuso-horário despertou uma briga real entre sociedade civil e

poder político local e nacional, durante três anos57. Dos casos citados nesta pesquisa, o Danilo

Gentili, é o caso mais recente.

4.2.1 Uma leitura à luz dos Memes

Uma das formas de se observar os conteúdos compartilhados nas redes sociais na

internet, é através do estudo dos memes, conforme explorado no item 2.3.1 deste trabalho.

Memes são conteúdos de característica em comum, permanente e estável, que circulam em

formato de textos, vídeos ou imagens, replicados como uma ideia contagiosa e se propagando

como um vírus. Ou seja, memes podem ser entendidos como uma unidade de informação que

se multiplica em diversos formatos que, por mais que se diferenciem, carregam uma

característica em comum. Esta informação que não se altera e apenas de adapta, é reconhecida

como o meme, que, quando somada a novas informações conforme seu recebimento e

replicação, gera outras ideias.

O estudo dos memes nos parece oportunizar uma abordagem interdisciplinar das

dinâmicas das relações sociais. Conforme o capital social envolvido e os contextos em que os

memes circulam, eles se mostram potentes deflagradores virais de sentidos que assumem um

lugar importante na funcionamento das redes. Parece-nos que neste enquadramento, os

memes se configuram como uma alternativa para analisar e entender conteúdos e interações                                                                                                                56 Reproduzimos os trechos em caixa alta, tal qual o autor o escreveu. 57 Esta questão do fuso-horário do Acre foi tratada no item 3.4 do trabalho.

Page 102: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  101  

 

vividas e observadas na internet. Os memes estão presentes em diversas redes sociais, seja na

internet ou fora dela. Aqui, optamos por analisar sua ocorrência no Facebook e no Twitter.

Conforme as evidências de uma forma de representação do Acre no ambiente online,

que nega a existência do estado, acreditamos estar diante de um meme cuja ideia principal é a

representação do Acre como um mito ou uma lenda histórica, acionada seja por fatos

jornalísticos ou por dinâmicas aleatórias nas redes. Assim, podemos entender esta evidência

como um meme com as seguintes características:

Quanto à fidelidade de cópia: Metamórfico/Mimético, pois na medida em que cada

pessoa o replica, também o altera, afinal, a informação (de que o Acre não existe) é discutida,

recombinada e reinterpretada conforme passada adiante: ao encontramos imersa em

contextualizações históricas, filosóficas, científicas etc, ou seja, dependendo do contexto em

que uma notícia ou piada acontece, a ideia de que “o Acre não existe” é facilmente inserida.

Quanto à longevidade: Persistente, uma vez que o encontramos em registros que datam desde

2003 até a virada de 2013 para 2014. Ou seja, o meme é reproduzido há mais de 10 anos. Isso

se não contarmos com a representação da negação do Acre vivida nos jornais de 1904.

Quanto à fecundidade e ao alcance: Epidêmico e Global, pois ele é encontrado nos

mais diversos ambientes virtuais: Orkut, Facebook, Twitter, Youtube, ou seja, trafega em

laços fracos, alcançando nós que estão distantes entre si dentro de uma determinada rede

social, em outras palavras, entre laços que não possuem uma relação direta.

Estas informações nos permitem entender que este meme, ao circular, principalmente,

entre laços sociais fracos, convoca a um capital social relacional, pois estimula a interação ao

possibilitar a frequente recombinação e adaptação entre diversos contextos e conteúdos. Tal

replicação, portanto, pode se configurar como estratégia de visibilidade e/ou popularidade;

além de solicitar suporte, apoio, aprofundamento do laço social. Ou seja, uma postagem com

a replicação deste conteúdo não busca gerar informação, conhecimento ou intimidade, e sim,

a construção e o reforço de laços sociais com o propósito de gerar interação e empatia com o

leitor, ao ser engraçado. Por outro lado, é importante observar que, no caso da comunidade

“Acre is a Lie”, a interação entre os participantes gerou um laço social forte, uma vez que

oportunizou encontros presenciais e a atualização ou migração do grupo para o Facebook.

Se é possível pensar a negação do Acre como um meme, podemos também apontar

para casos de sobreposição de memes. Um exemplo é o meme “Willy Wonka Irônico”: Trata-

se de uma cena do ator Gene Wilder, que faz o papel de Willy Wonka, no musical de 1971, A

Fantástica Fábrica de Chocolate. Nela, o personagem pergunta para as crianças se elas

gostariam de conhecer a nova máquina de sua fábrica e faz uma expressão irônica. As Figuras

Page 103: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  102  

 

20 e 21 demonstram o meme. Já a Figura 22 apresenta a versão em que se relaciona com a

ideia de que o Acre não existe.

FIGURA 20 - Meme “Willy Wonka Irônico”

Fonte: Youpix, 2013

FIGURA 21 - Meme “Willy Wonka Irônico”

Fonte: Youpix, 2013

FIGURA 22 - Mistura de memes: Willy Wonka Irônico e “o Acre não existe”

Page 104: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  103  

 

Fonte: André Silva - Facebook, 2013

A relação entre dizer que o Acre não existe e a redação do ENEM refere-se ao fato de

que o tema do exame, em 2012, foi “o movimento imigratório para o Brasil no século XXI”.

Entre os textos de apoio, um tratava do grande número de haitianos que se dirigiram ao Acre

depois do terremoto em 2010; outro mostrava os destinos mais procurados pelos imigrantes

bolivianos - entre eles, o Brasil; um terceiro texto tratava da imigração para o Brasil nos

séculos XIX e XX.

A imagem foi postada em 4 de novembro de 2012. Numa visita em janeiro de 2014,

somavam os seguintes números: 3.147 compartilhamentos, 157 curtidas, mais de 30

comentários, entre eles:

Usuário a) O povo das outras regiões criticando o tema.. No mínimo são sabiam o que escrever!! Rs (21 curtidas) Usuário b) tomei um susto quando vi o tema. pensei ate que tava errado .-. (2 curtidas) Usuário c) To orando por você que acha que o tema da redação era a imigração dos haitianos para o Acre. (10 curtidas) Usuário d) Não citei o Acre na minha redação! Mas só o fato de o Acre ter protagonizado o tema da redação já me deixou empolgado e tanto! #EuAmooAcre E tenho orgulho de ser Acriano! (1 curtida)

Tal sobreposição de memes também pode ser apontada em um caso no Twitter. Uma

das dinâmicas de funcionamento dessa rede é o uso das TAG. As TAGs, além de mostrarem

os conteúdos mais comentados naquele momento, pautam os posts, jogos etc. Para Recuero

(2013), a hashtag amarra uma “determinada conversação, que pode ser seguida por outros

atores que, a qualquer momento, podem tomar um turno e adicionar participação”

Page 105: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  104  

 

(RECUERO, 2013, p. 56). Aqui, o meme se torna, deliberadamente, um jogo que aciona

interações entre os laços fracos. Um deles repercutiu em setembro de 2009: o #TuiteUmFilme

que, segundo o site Tuiteumfilme.com.br, foi criado por @jululi, depois da postagem: “O

maior navio de todos afunda na primeira viagem por causa de um iceberg #tuiteumfilme”

postado em setembro de 2009”. O meme foi utilizado num concurso do @cinemenu, em

outubro de 2009 e, até em 2013, continuou repercutindo:

Usuário a) status de relacionamento :: não vendo graça nenhuma na reedição do meme #TuiteUmFilmeCom... :/ (novembro de 2013). Usuário b) Tudo pra vcs vira: #TuiteUmFilmeCom (Insira aqui o assunto babaca do momento), ia colocar dia, mas as vzs rola vários assuntos no mesmo dia! (novembro de 2012). Usuário c) Sinceramente é tenso ser brasileiro, principalmente quando a #Tag que está em primeiro lugar no seu país é #TuiteUmFilmeCom ... (agosto de 2011). Usuário d) No dia em q tiver uma tag: #TuiteUmFilmeCom coisa tal, e nos primeiros resultados não aparecer algum mencionando Harry Potter. Cabô o mundo. (dezembro de 2011).

A negação do Acre foi inserida neste meme em janeiro de 2012, por meio da TAG:

#TuiteUmFilmeComAcre, que foi seguido da #TuiteUmFilmeComMadonna, o que exalta o

quanto a convocação do Acre nas interações online é descontextualizada, difusa e diferida.

Abaixo, alguns tuites com o Acre:

Usuário a) #TuiteUmFilmeComAcre Brilho Eterno de Um Acre Sem Lembranças Usuário b) SÓ OS FORTES PERCEBERIAM ISSO RT" @1981_2009: #TuiteUmFilmeComAcre O Mass(acre) da serra elétrica58" Usuário c) prefiro #TuiteUmFilmeComAcre do que com Madonna ¬¬¬ Usuário e) Independence Acre #TuiteUmFilmeComAcre Usuário f) #TuiteUmFilmeComAcre Os Homens que não amavam o Acre Usuário g) Os Caçadores do Acre Perdido #TuiteUmFilmeComAcre Usuário h) #TuiteUmFilmeComAcre Acre, filho do Brasil KKKKKKK (Lula filho

                                                                                                               58 Das memórias que o Acre não gosta de guardar: Eis aqui, possivelmente, uma relação com o episódio que ficou conhecido como “crime da motossera”, que envolveu Hildebrando Pascoal, ex-deputado federal e ex-Coronel da Polícia Militar do Estado do Acre, o popularmente chamado “Deputado da Motosserra”. Hildebrando liderou grupo de extermínio no Acre, caracterizado por crimes de extrema crueldade, e também chefiava esquema de crime organizado. Foi condenado a mais de 100 anos de prisão.

Page 106: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  105  

 

do Brasil) Usuário i) #TuiteUmFilmeComAcre Esqueceram de mim Usuário j) Procurando Acre #TuiteUmFilmeComAcre Usuário l) #TuiteUmFilmeComAcre Arquivo X Usuário m) #TuiteUmFilmeComAcre Os esquecidos Usuário n) Onze Acrianos e um segredo. #TuiteUmFilmeComAcre Usuário o) #TuiteUmFilmeComAcre Harry Potter e o Enigma do Acre -q" Usuário p) #TuiteUmFilmeComAcre Onde está o Acre? Usuário q) #TuiteUmFilmeComAcre Ocorreu um erro ! Usuário r) #TuiteUmFilmeComAcre >> LOST!

Com tais exemplos, notamos o quanto a negação do Acre mobiliza interações em

diversas redes na internet. Em diferentes espaços e épocas, tal representação aciona jogos e

dinâmicas características da midiatização: a descontextualização, as misturas de temas e

diferentes manifestações: seja em tom jocoso, munidos de criatividade, interdisciplinaridade e

bom humor; seja providos de revolta ou, ainda, de frustração pela “repetição da velha piada”.

De todo modo, é importante comentar que tal diversidade de comentários ou interconexões

parece não ser tão ampla assim: as referências migram de uma rede a outra e se tornam

repetitivas, como a relação com o seriado Lost, com o estádio do Corinthians59, a ligação com

ETs ou com Chuck Norris.

4.3 O Acre existe? O Yahoo responde!

Outro ambiente onde se localiza tais representações a respeito do Acre, é no “Yahoo!

Respostas”. O Yahoo! Respostas é um serviço do Yahoo, uma empresa norte-americana que

opera portais e vários serviços como e-mails, jogos, bate-papos, entre outros. No Brasil, o

Yahoo está disponível desde junho de 199960.

O Yahoo! Respostas é uma rede aberta para visualização, mas para fazer ou responder

                                                                                                               59 Dos 4 maiores times de São Paulo, o Corinthians é o único que não tem estádio. Usa um estádio municipal como casa, o Pacaembu. O estádio do Corinthians está sendo construído em Itaquera, Zona Leste de São Paulo, e deve ser finalizado até o início da Copa do Mundo de 2014. Ao longo da pesquisa, outras referências ao time aparecem. 60 O Yahoo declara ter 700 milhões de usuários ativos em 60 países, mas não separa quantos são dos Estados Unidos. (MINERS, 2013).

Page 107: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  106  

 

perguntas é preciso estar registrado. Neste ambiente, as pessoas fazem perguntas sobre

qualquer tema e recebem respostas de outros usuários, que compartilham fatos, opiniões e

experiências pessoais. Com essa proposta, o Yahoo tem como objetivo ser uma base de

“dados de conhecimento gerado pelos usuários, construída por pessoas como você.

Provavelmente alguém precisa de algo que você sabe, da sua opinião ou experiência

pessoal” (YAHOO, 2013).

As respostas que podem ser votadas, contestadas etc. As perguntas podem receber

informações adicionais posteriormente e as respostas recebem votos e comentários diretos. As

perguntas e respostas ficam disponíveis por tempo indeterminado, e, para facilitar sua

localização, podem ser categorizadas conforme suas características.

Em uma busca por “Acre”, realizado em dezembro de 2013, aparecem mais de 8 mil

resultados em categorias diversas, como: “Ajuda para lição de casa”, “Ciências da Terra”,

“Astronomia e Espaço”, “Conhecimentos Gerais”, entre outras. É possível encontrar

perguntas, respostas e comentários de curiosos, turistas, acreanos e não acreanos sobre o

Estado, sua geografia, clima, relevo, lendas, estilo musical etc. Conforme a representação aqui

estudada, a reprodução da negação do Acre também é facilmente localizada em perguntas

como: “Por que falam que o Acre não existe?”; “O Estado do Acre existe?”; “No tempo que

você estudava, o Acre era Território Federal ou já era Estado?” ou ainda: “Coisas para você

acreditar que o Acre não existe”.

Não é possível localizar a pergunta mais antiga, mas, uma feita em 2006 já

questionava a existência da representação aqui estudada. A pergunta recebeu seis respostas,

conforme apresentado abaixo:

Da onde (ou quando) surgiu a brincadeira do Acre não existir? Por aí a fora, vivem dizendo que o Acre não existe coisa e tal. Mas porque e quando começaram essa brincadeira "babaca"?? Melhor resposta - Escolhida por votação Usuário a) O Acre existe??? "O Brasil não conhece o Brasil" Eliz Regina. "BRASIL MOSTRA SUA CARA QUERO VER QUEM PAGA PRA GENTE FICAR ASSIM...QUAL O NOME DO TEUS SÓCIO, CONFIA EM MIM" Cazuza. QUANDO PASSOU A SER ESTADO? Até o início do século XX o Acre pertencia à Bolívia. Porém, desde o princípio do século XIX, grande parte de sua população era de brasileiros que exploravam seringais e que, na prática, acabaram criando um território independente.(...). Há mais quase cerca de 30 anos se cantava essa letra nas rádios e nos programas de auditório da TV com Censura. Éramos o País do Futuro e vivíamos nos trilhos.

Page 108: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  107  

 

Jamais havia qualquer corrupção de Cantor de Ópera, e desfrutávamos do paráiso do País do Futebol, onde quem dava as ordens no Terreiro era Pelé. Estamos na Era Colonialista Norte-Americana após consolidado o Expansionismo e a Luta Contra as Drogras e o Narcotráfico BRASILEIRO CONHECE TUDO ISSO. De cor e salteado, inclusive sobre detalhes da Torre Eifell, da Disneylândia, do Caminho de Santiago de Compostela, fez até livro em seu louvor, gosta de ópera de Pavarotii, e consome vinhos franceses, porém saber onde fica o ACRE, sabe não. Talvez não saiba que é proprietário em consórcio de 8.511.965Km2, ganhos ainda com a ajuda dos militares. Grande Caxias! Tempo bom que não volta mais. Rio Branco! ESFORÇO DE LEITURA O Acre é uma das 27 unidades federativas do Brasil. Está situado no sudoeste da região Norte e tem como limites o Amazonas a norte, Rondônia a leste, a Bolívia a sudeste e o Peru ao sul e oeste. Ocupa uma área de 152.581,4 km2, sendo pouco menor que a Tunísia. Sua capital é a cidade de Rio Branco. (...) DETALHES DO CONSÓRCIO Durante a segunda guerra mundial, os seringais da Indochina foram tomados pelos japoneses, e o Acre dessa forma representou um grande marco na história Ocidental e Mundial, mudando o curso da guerra a favor dos Aliados e graças aos soldados da borracha oriundos principalmente do sertão do Ceará (Ver: Segundo ciclo da borracha). E foi sem dúvida graças ao Acre e sua contribuição decisiva na vitória dos Aliados, que o Brasil conseguiu recursos norte-americanos para construir a Companhia Siderúrgica Nacional, e assim alavancar a industrialização até então estagnada do Centro-sul, que não possuía ainda indústrias pesadas de base (Ver: ACORDOS de Washington). (...) Usuário b) O Acre, assim como quase toda a região Norte, é desconhecido do País, mas o mais irönico é que boz parte de nossas riquezas naturais vêm de lá. E para quem, antes da minissérie, achava que acreano famoso havia sido só Chico Mendes, o Armando Nogueira, ícone do jornalismo esportivo nacional é acreano.

Usuário c) O acre existe. Porém, Roraima é virtual, alguém já viu carro de Roraima? Conhece alguem que nasceu/morreu em Roraima? Time de futebol de Roraima disputando campeonato brasileira? Usuário d) Isso é fofoca do Evo Morales. Acho que ele anda dizendo que o que o Brasil chama de Acre é território da Bolívia, porque a venda para o Brasil "a preço de bananas" não foi aprovada pelo congresso. hahaha Usuário e) quanto a esta brincadeira eu não sei, mas o Norte do Brasil é riquíssimo, muito importante prá nós, mas está abandonado pelos nossos políticos incompetentes e irresponsáveis. Só vamos despertar prá isto quando perdermos tudo para outros países.

Nota-se que, além de comentários com propostas risíveis, há aqueles que se

preocupam em tecer uma crítica à questão política-histórica que envolve a definição do Acre

como Estado brasileiro. Ou seja, encontramos aqui uma interação que nos parece ser mais

qualificada no que diz respeito aos conteúdos trocados. A seguir, dispomos outras perguntas,

apresentadas conforme o ano em que foram feitas. Elas estão seguidas das suas respectivas

respostas, selecionadas aleatoriamente, com o propósito de apresentar a diversidade de

Page 109: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  108  

 

contextos e descontextos em torno da negação do Acre.

A pergunta abaixo foi feita em 200861 e 13 pessoas responderam. Na sequência, está

uma parte da resposta escolhida pelo autor da pergunta, que faz referência ao conteúdo da

Desciclopédia, criando uma ficção em tom jocoso, com base na história do Acre:

O que é Acre? alguem poderia me dizer o que é isso? gostaria de saber o que eh acre, uma vez por ano mais ou menos eu ouço falar disso, mais nao sei se eh um cantor ou pessoa do passado, um carro, ou sei la o q. Detalhes Adicionais aoo cambadaa!! to zuando..hsauhsauhs... eh pq o acre eh mto longe... pra entende melhor entra ae www.cortocabeloepinto.com ...e procura os posts do acre : P Melhor resposta - Escolhida pelo autor da pergunta O Acre, também conhecido como a "bundinha do Brasil", é o que todos os brasileiros desinformados acreditam ser um pedaço de terra a oeste com capital em Rio Branco, E QUE AINDA NAO CHEGOU COCA COLA LÁ (mas chegou Fandangos), mas na verdade é um estado rebelde criado pelos "mapinguaris" que fundaram sua verdadeira capital em uma cidade ao norte que chamaram de "Cruzeiro do Sul" apesar da cidade ser ao norte só para demostrar como são do contra. O que todos não sabem é a conspiração russa e americana para fazê-los acreditar nisso. Na verdade, o Acre é dividido entre Bolívia e Peru, mas estes dois países fazem questão que o Brasil pense que é dele, pois não existe mesmo. (...) O Brasil "comprou" o Acre tem um tempão, custou cerca de um jumento, uma bala 7 Belo e um pacotinho de Bala Soft. Na verdade foram dois milhões (dois milhoes bem grandes) de libras esterlinas, e o presidente da Bolivia, ao visitar a capital brasileira, notou que o DNA de nossos eqüinos era superior ao dos bolivianos (leia-se nascidos na Bolívia, não eqüinos) e ganhou 3 garanhões de presente para retirar o esperma manualmente, uma vez que a tecnologia deles não permitia através de técnicas de laboratório, apesar do presidente Evo Morales afirmar que aquilo era um cavalo. Assume-se que o atual presidente é um dos revolucionários bolivianos que recusaram-se a retirar o esperma manualmente dos garanhões brasileiros. É importante se lembrar que o Acre, com seus extraterrestres e sua inexistência sempre foi muito importante para o governo, principalmente durante os períodos de governos totalitaristas. Durante a ditadura militar o jeito mais simples de se sumir com um opositor ao regime era enviá-lo ao Acre, já que o estado nunca existiu. (...) O último europeu a ter visto as Amazonas teria sido o espanhol Juan Galvez que, no apagar das luzes do século XIX, e aproveitando-se da penumbra, invadiu o Acre com um bando de poeteiros desesperados atrás das Amazonas, mas as gloriosas Forças Armadas Brasileiras não deixaram de cumprir o seu papel nessa hora gravíssima da vida política nacional: Calvez foi expulso do Acre, e desde então a existência das Amazonas boasudas teria sido encoberta no Brasil com o intuito de impedir a migração em massa para o estado e a consequente destruição de suas belezas naturais. Por esse motivo todas as imagens que temos do Acre nos noticiários são na realidade imagens de Tocantins, afinal, quem se interessaria por viver em um estado onde só tem índias de teta caída e bóias frias? Seguindo essa linha, todos os mapas da América do Sul foram alterados, no ímpeto de esconder o litoral do Acre (haveria um mar separando o Acre e o Peru, porque é que vocês acham que os Incas nunca chegaram até o Amazonas?).

                                                                                                               61 Não é possível localizar a data certa da pergunta. É apenas divulgado há quanto tempo a pergunta foi feita.

Page 110: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  109  

 

A principal atividade económica no Acre seria a masturbação, já que são pouquíssimos os homens existentes no Acre, quando esses ficam exaustos de tanta atividade sexual cobram exorbitantes quantias para que as lindas mulheres guerreiras possam extrair seu semen enquanto eles dormem, para satisfazer suas necessidades de reprodução. Daí a informação equivocada que temos sobre a extração de leite de pau, habilmente contornada pela Rede Globo com o papo furado de extrativismo seringueiro. Também vem daí a ironia com o nome da capital do estado Rio Branco. (...)

Uma das características das interações no Yahoo já pode ser apontada aqui: o número

de pessoas que se mobilizam para responder às perguntas é menor, no entanto, as respostas

são mais longas.

A pergunta a seguir recebeu respostas que repetem descontextualizações encontradas

em outras redes, como a ideia de que o estádio do Corinthians fica no Acre, mas, ao mesmo

tempo, recebe também uma resposta de alguém que aparenta nunca ter ouvido a piada, ou

ainda, de um usuário que não hesita em manifestar um comentário preconceituoso. A

pergunta foi feita em 2009 e recebeu 4 respostas:

O Acre para voce existe? Por favor, contem história sobre o porque que o Acre realmente pode não existir Usuário a) Sim! O estádio do Corinthians fica lá! (Melhor resposta - Escolhida pelo autor da pergunta) Usuário b) Claro que o Acre existe. Nunca ouvi falar disso. Usuário c) pra mim a região norte e nordeste nem pertence ao brasil.

O autor da pergunta a seguir, também feita em 2009, busca compreender o porquê do

preconceito com o Acre, para um trabalho. A pergunta recebeu 6 respostas que, assim como

outras perguntas já citadas, apresenta determinado grau de qualidade ao propor uma reflexão

sobre a história e a política brasileira para o Acre, sem aprofundamento, mas também, sem o

tom pilhérico comumente encontrado em evidência nas outras redes, embora o último

comentário reproduzido, apresente o tal preconceito.

Porq preconceito contra o Acre ? Presiso desenvolver um Trabalho para justifacar o preconceito contra o acre vcs podem postar foto e entre outasr coisa obrigado valew Usuário a) cara um estado que foi trocado com a bolivia, em troca de um cavalo, ai vc ve a situação, é um estado esquecido dos outro, é quente, poucos habitantes, poucos municipios, sem mts avanços, longe de todos os polos, isso gera o preconceito, mas é uma coisa natural, é so vc perguntar, quem conhece o acre, pode

Page 111: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  110  

 

existir, uma sala com 1000 pessoas, se apenas uma levantar o dedo, ja esta no lucro, afinal o cara vai p o Acre pra que, so se tiver familia la, ou interesses narcoticos. Mas la nasceram até pessoas bem conhecidas como: Chico Mendes, Gloria Perez, Armando Nogueira. boa sorte! (Melhor resposta - Escolhida por votação)

Usuário b) Cara eu moro aqui no Acre e tudo o que dizem são mentiras é verdade que o Acre foi comprado da Bolivia mas foi por 2 milhoes de libras esterlinas é também mentira que o Acre é um lugar atrasado temos os mesmos problemas de uma cidade grande como transito violencia etc, temos internet até mesmo em algumas aldeias indígenas. bem o preconceito é pela localização geográfica e porque o estado é novo e pequeno mas tem vantagens o Acre fica perto da Bolivia e laá as coisas são muito baratas é como ir no paraguai o real la vale muito e da pra comprar playstation computadores por menos da metade do preço do brasil Usuário c) Bom, preconceito eu não tenho, só que creio que muitos tem preconceito, pois, o Acre é um estado relativamente novo e por que foi comprado de outro país, da Bolívia. Porém, aqui no Espírito Santo, não só o Acre, mas o Amazonas e o Pará também, é muito bem visto por abrenger muitas riquezas, como a floresta amazonica. Usuário d): Eu, se tivesse oportunidade com certeza viajaria para o Acre. Usuário e) O Acre já foi um Estado abandonado, hoje após inúmeras reformas políticas e administrativas. Hoje nosso Estado está organizado, tem escolas boas, faculdades, bons lugares de laser, e esse preconceito vem de pessoas que não conhecem, que julgam antes de conhecer meu Estado, a naturesa viva, as matas e seringais, venha conhecer o Acre. Usuário f) Eu acho que não somente o Acre, mas tb o nosso nordeste em todo, vivem a desigualdade entre nosso povo brasileiro, que sofre com secas em quase todo o ano, só de vez em quando tem alguma chuva para acalmar o calor...Tb acho que todos os estados brasileiros tem algum preconceito ! Usuário g) nao era pra ser brasil

Como podemos notar, as pessoas se apropriam de determinadas características

históricas e geográficas para enfatizar a negação do Acre: Foi trocado por um cavalo; foi

abandonado; é longe, quente e tem poucos habitantes.

A pergunta a seguir foi feita em 2010 e recebeu 27 respostas. Esta não faz referência

ao Acre, mas o Estado é o sujeito da resposta escolhida:

Se VCs pudessem jogar uma bomba atomica no BRASIL q fosse capaz de destruir um unico estado qual escolheria? se eu pudesse fazer isso eu destruiria o rio de janeiro pra ver se consiga acabar de vez com o funk!!!! Usuário a) Resposta escolhida: O ACRE. NINGUEM FALA DO ACRE ! NENHUMA NOVELA SE PASSA NO ACRE! NINGUEM PLANEJA UMA VIAJEM PRO ACRE! NINGUEM FALA QUE TEM CULTURA NO ACRE!

Page 112: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  111  

 

NAO TEM NADA NO ACREE !!! Comentário do autor da pergunta: é vc tem razao, mas o q é acre?

Identificamos, nesta pergunta, um exemplo de quando a representação do Acre é

inserida num contexto aleatório.

A pergunta a seguir, realizada por alguém que já se apresenta como acreana. Foi feita

em março de 2013, recebeu onze respostas e já traz em si uma resposta que busca, de todas as

formas, evidenciar a existência do Acre, citando importantes figuras das artes e da política:

O ACRE EXISTE? KKKKK... 10PTS? Sou Acriana (: Ele existe sim. Inclusive... temos poetas, senadores, até candidatas à presidência... isso tudo enquanto vocês dizem que ele não existe. Ai eu penso, será que existe inteligência em vocês? "Eu no entanto confesso-me vencido -não posso assim viver, de horror transido Com um cadáver de amor pregado às costas" *Poeta: JUVENAL ANTUNES *Vice presidente do Senado: Jorge Viana (últimas notícias: Projeto de Jorge Viana para criação de faixas exclusivas para motos é aprovado ) *Candidata à presidência: Marina Silva. Últimas notícias (Partido de Marina Silva lança rede de sustentabilidade ) Vocês sabiam que nós somos obrigados a estudar e saber pelo ao menos a capital de cada estado do Brasil? e vejam só! não excluímos nenhum por achar que ''não existe''

Respostas:

Usuário a): Até que fim uma acriana neste site.. Olá querida, conheço o Acre que terra maravilhosa hein?? Ô povo receptivo.. não liga não para essa cambada de analfabeto que não estudam história do Brasil.. e continuam burros e ignorantes.. Tudo que você falou é verdade, só não gostei de vc ter citado os Vianas.. ô povo que não larga o osso hein?? Esqueceu da Glória Perez (escritora de novelas) e o Jornalista Armando Nogueira.. Mas siim, o trânsito no Acre é um caos mesmo.. como é que isso vai tah daqii uns 10 anos... Ah e você esqueceu de citar que o Acre é uma terra de oportunidades.. é tanto que tem gente de todo Brasil.. os coitados não conseguem passar em concurso público no seu Estado.. e se manda para o Acre, pra conseguir emprego.. Fora aqueles que vão fazer Medicina.. Tem mais gente de fora do que acriano.. no Curso.. Abs, Usuário b): eu amava ir ae.. no Acre.. é o que tenho a dizer.. paraisos perdidos!! Usuário c): Só acredito vendo! Usuário d): o Acre e um dos estados mais legais que se tem no brasil, pq e o unico

Page 113: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  112  

 

estado que tem a forma de uma bunda. Desculpa aos Acreanos por esse comentario ridículo.

Para encerrar o mapeamento no Yahoo! Respostas, apresentamos aqui uma pergunta

postada no dia 25 de dezembro de 2013. Recebeu 15 respostas em apenas três dias.

Afinal, o Acre existe ou não? Melhor resposta - Escolhida pelo autor da pergunta Sim! O papai noel mora lá, o coelinho da pascoa, os politicos honestos, lá tem carro voador, tem aeroporto pra alienigena, é muito visitado por eles, todas as conspirações da CIA são feitas lá, os iluminat mora tudo lá, Lá voce encontra uma mulher virgem de verdade, tem dinossauro no zoologico estadual do Acre, as pessoas vivem de plantar dinheiro, todo o dinheiro que circula no Brasil é plantado no Acre, tem varios hectares de arvores de dinheiro, se ainda existem pessoas boas, estão todas no Acre, as mulheres de lá não sao interesseiras, no Acre não tem bandido nem traficante, praque plantar maconha se dá pra plantar dinheiro ?

Outras respostas:

Usuário a) O Acre é um dos territórios do nosso país (Brasil é claro, eu sou brasileiro! ) é lá é muito bom de se viver. Usuário b) Sim, o único modo de chegar no Acre é pelo misterioso Triângulo das Bermudas, o Acre faz fronteira com Hogwarts e Nárnia! Usuário c) Claro que existe se eu moro nessa ***** e saiba que aq e muito legal seus retardados coisa mais retardada fazer essa pergunta va estuda um pouco entao ***** vc e um ***** Usuário d) Num futuro bem distante porém existe! Usuário e) Google sobre Acre - Você quis dizer: Acne

O Yahoo! Respostas nos apresenta, portanto, tanto manifestações preconceituosas,

como também conteúdos criativos e mais qualificados no sentido de realmente tentar entender

ou explicar os processos de definição histórica e geográfica do Acre. Comentários e perguntas

de pessoas que revelam que estão fazendo um trabalho da escola evidenciam, ainda, como que

o acesso ao conhecimento ou aos conteúdos históricos sai da escola, dos livros e ganha o

universo midiatizado das redes.

Na sequência, vamos tratar dos conteúdos encontrados no Youtube e sobre o filme e

livro publicado no final de 2013, chamado: “o Acre existe”.

Page 114: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  113  

 

4.4 ...E virou filme (e livro também)

O Youtube é um site (ou plataforma) que permite distribuir, visualizar e baixar vídeos.

Fundado em 2005, hospeda uma grande variedade de vídeos de diversas naturezas: filmes,

videoclipes, materiais profissionais ou caseiros. O material encontrado no YouTube pode ser

disponibilizado em blogs, sites e nas redes sociais aqui citadas62. Para acessá-los ou baixá-

los, não é necessário ter cadastro, mas, para compartilhar, escrever comentários, clicar nos

botões “Like” e/ou “Dislike”, é preciso fazer o login (via Google). De tal modo, o Youtube

forma também um fórum de discussão a respeito do vídeo: as pessoas escrevem comentários e

podem comentar/responder outros comentários já deixados. Segundo a comScore, o Youtube

é o principal canal para acesso e compartilhamento de vídeos no Brasil. Sob sua liderança, em

2012, o consumo de vídeo online no Brasil cresceu 18%. A segunda maior preferência

brasileira está pelo VEVO63

Ao se buscar “Acre” no Youtube, em dezembro de 2013, apareceram mais de 1 milhão

de resultados. Quando se busca “Acre não existe”, o número cai para 205. Para “Acre existe”,

o número é de 5.270. Para “Acre é uma lenda”: 891. Os números não são determinantes na

pesquisa qualitativa, além disso, em todas as expressões de busca, é possível encontrar a

representação aqui estudada, ou seja, os vídeos que reproduzem a negação ou a afirmação do

Acre se repetem em todas as buscas. Optamos, então, por buscar e citar vídeos usando o filtro

de maiores visualizações.

Um dos primeiros resultados para os vídeos mais visualizados (entre todas as buscas)

é o vídeo do canal de humor “Pathy Que Pariu”, ligado ao Canal Galo Frito64. O vídeo, de

título “Pathy que te Pariu 34 - Desafio da Canela em Pó / Acre Existe? #PQTP”, foi

disponibilizado em agosto de 2012 e, em dezembro de 2013, havia sido visualizado quase 850

mil vezes. Recebeu aproximadamente 37 mil likes e 872 dislikes65. É também o primeiro

resultado para a busca: “Acre existe”.

No vídeo, a Pathy responde a e-mails dos seguidores do canal, com perguntas

diversas, como: “você já fez o desafio da canela?”, “se você fosse presa por qual crime, que

                                                                                                               62  Assim como as demais redes, o Youtube apresenta determinadas peculiaridades que, dependendo da metodologia e forma de abordagem, podem ser pesquisadas de maneira específica. Afinal, a experiência com um vídeo no Youtube não se esgota nele próprio, mas se expande aos vídeos relacionados, cujas conexões o fazem escorregar para outras redes, onde ganham outras mobilizações e recontextualizações.  63 http://www.vevo.com/ 64 O canal existe no Youtube desde outubro de 2007. Também tem página no Twitter e no Facebook. No Youtube possui quase 5 milhões de seguidores e a visualização de todos os seus vídeos soma mais de 400 milhões de vezes. 65 No Youtube, os usuários podem clicar em “like”, que é o mesmo que curtir, ou “dislike”, o inverso.

Page 115: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  114  

 

crime seria”, “como faço para descobrir meus melhores amigos?”, entre outras. As perguntas

são todas respondidas com humor, ironia e sarcasmo. A última pergunta é: “Eu queria saber o

que falar pros cornos que ficam me tirando quando falo que moro no Acre. Pow, eu sou do

Acre, não um ET!”. A Pathy responde: “Olha, estou cansada das pessoas que tiram sarro

dizendo que o Acre não existe. Claro que existe! Eu tirei o visto semana passada e fiz uma

viagem internacional pro Acre. E eu tenho imagens para comprovar que existe, quer ver?” E

apresenta imagens falsas toscamente editadas, conforme Figuras 23, 24 e 25:

Figura 23 - “Esta sou eu na estrada do Acre. Você pode perceber que é um lugar lindo, arejado, com muita-muita arquitetura”

Fonte: FRITO, 2012

Figura 24 - “Como você pode ver, nesta outra foto, existe uma igreja universal do reino de Deus no acre. E esta, claro, sou eu, indo pagar o meu dízimo pro Edir Macedo, né?”

Fonte: FRITO, 2012

Figura 25: “Esta outra aqui, sou eu com uma família de acreanos. Todos lindos e simpáticos. Cheirosos também”.

Page 116: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  115  

 

Fonte: FRITO, 2012

O vídeo termina com ela dizendo: “Visite o Acre você também! Eu recomendo!”. O

vídeo recebeu 4.230 comentários, eis alguns deles:

Usurário a) Agora fiquei com medo do Acre... (em novembro de 2013) Usuário b) não curti a parte do acre. sou acriano e sim existe. e e um lugar mt bom mas. enfim (em novembro de 2013) Usuário c) caramba me decepicionei com vc path eu sou do acre e aqui e muito bom, pelomenos nos somos jente legal,engraçados ,bonitos e etc . nos somos jentes simples mais pelomenos nao somos falsos (2 meses) Usuário d) A viagem ao acre foi ilario....kkkkkkk (outubro 2013) Usuário e) o paty o acre a estrada nao e assim nao eh nem as pessoas blz nao curti muiito este vídeo (outubro 2013) Usuário f) kkkkkkkkkkkkkkkkk acre (dezembro de 2013) Usuário f) olha Pathy,sou acriana e o acre não tem nenhum ET,vc estar muiito equivocada nunca nem veio aqui no acre e fica falando besteiras aii.. você nunca estudou geografia não foii?? (setembro 2013)

Como se pode notar, parte dos comentários aprova e exalta a parte da referência ao

Acre, mas, outra parte, manifesta decepção com a apresentadora.

Outro vídeo disponível para a busca “Acre” é o “Maísa e o Acre” (FIGURA 26)

apresentadora do programa Sábado Animado, do SBT. A apresentadora, na época com cinco

anos de idade, é famosa pela espontaneidade e, como o programa é ao vivo, seu

comportamento é imprevisível. Seus vídeos no Youtube já foram vistos mais de 1 milhão de

vezes. Um deles é de quando uma telespectadora, pelo telefone, disse que era do Acre, Maísa

perguntou: “Acre? Que Estado é Acre? Acre? Nunca ouvi falar, mas tudo bem”. O vídeo foi

Page 117: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  116  

 

disponibilizado no youtube em março de 2008, e, até dezembro de 2013, foi visualizado mais

de 177 mil vezes66. Recebeu 447 comentários. O caso também ganhou comunidade no Orkut.

Figura 26 - “Maísa e o Acre”

Fonte: FRAGA, 2008

Comentários:

Usuário a) Pra quem nunca estudou ou nunca conseguiu aprender quais são os estados Brasileiros, vai aí uma ajudinha: O Acre é uma das 27 unidades federativas do Brasil. Está situado no sudoeste da região Norte e tem como limites os estados do Amazonas a norte, Rondônia a leste, a Bolívia a sudeste e o Peru ao sul e oeste. Ocupa uma área de 152.581,4 km², sendo pouco menor que a Tunísia. Sua capital é a cidade de Rio Branco. ;* (5 anos) Usuário b) Acre so o nome ja da vontade de rir ! (3 anos) Usuário c) a galeria não conhece o acre mais quando não são burros e não tem capacidade tambem tentam vestibular aqui bando de trocha... idiotas e burros isso sim vão procurar o que fazer no tempo em que ficam falando mal do acre vem conhecer e ver que aqui tem humanidade e irmandade todos aqui ainda nos comprimentamos nas ruas damos boa noite ao contrario de vcs que são um bando de incopetente ... valeu (3 anos) Usuário d) O Acre deveria se separar do Brasil. A vida iria melhorar lá, assim como melhorou a vida da Atlântida, quando se separou dos Estados Unidos e a de Shangri-lá, quando se separou da China. KKKKKKKKKKKKKK (10 meses) Usuário e) O Acre foi um Estado criado pelos polítocos p/ desviarem dinheiro? Minha gente, pq isso se eles desviam dinheiro de qualquer jeito? Vcs acham que eles teriam o trabalho de criar um Estado só pra roubarem o dinheiro dos contribuintes? FAÇAM-ME O FAVOR DE PARAR DE CONTAR BESTEIRA!! Com amor: Wanessa :* (3 anos) Usuário f) UAHUAHUASHUASHUAS Isso prova mais uma vez que o Acre não existe XD (5 anos) Usuáriog) essa menina e burra nunca estudou geografia do brasil kkkkkkkkkkkkkkk ACRE existe e um estada belo (1 ano)

                                                                                                               66 Visualizações: 177.399. Likes: 199. Dislikes: 33

Page 118: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  117  

 

Usuário h) parem de falar mau do acre _|_ vcs nao moram lá pra saber como é, entao calem a boca *: eu digo isso pq eu sou acreana, e com orgulho. vcs falam mau do acre mas eu tenho certeza qe a cidade de vcs nao é o paraiso. entao se toqem idiotas. --' (5 anos) Usuário i) o acre foi comprado por um preço de um cavalo. como disse diogo Mainardi certa vez: "queremos o cavalo d volta". Aaahauhauhuahuah (3 anos) Usuário j) aposto que ninguém sabe que o Acre é o lugar mais preservado do mundo em termos de natureza 98% de das florestas de lá estão intactas. vocês são é muito idiotas isso sim (5 anos) Usuário l) PELOAMORDEDEUS MINHA GENTE! voces estão levando isso a serio demais e se esquecem que ela tem CINCO ANOS (5 anos) Usuário m) O mais engraçado é ver os Acreanos pegando ar e se irritando aqui. KKKKKKKKK Chamar baiano de preguiçoso e gaucho de viado é piada, mas zuar o Acre não né? vlw. (8 meses) Usuário n) O Acre é um dos estados brasileiros com história mais nobre e sua anexação ao território brasileiro é uma das glórias nacionais e razão de grande orgulho para o país ,do Acre saíram pessoas ilustres como Dr Adibi Jatene ,Glória Péres e O Dr Enéias. No solo acreano estão grandes reservas de petróleo e gaz natural ainda não explorados. O comercio no estado do Acre é pujante e o custo de vida é muito acessível. (3 meses)

Outro vídeo interessante de ser citado é o “Conspiração Acre no RJ TV” (FIGURAS

27 e 28), disponibilizado no Youtube em fevereiro de 2008, tem 6 minutos de duração e é

descrito como: “Com desculpa de falar sobre um show, a rede globo tenta manter a farsa de

que o acre existe”. O vídeo consiste em um trecho do jornal RJ TV (da Rede Globo), de uma

edição que recebe Fernando Caruso e Fábio Porchat para falar sobre “stand up comedy”.

Durante a entrevista, a apresentadora pergunta sobre qual das apresentações feitas naquela

edição do jornal, poderia virar algum material para uma piada. Os entrevistados começam a

falar sobre a mudança do horário de verão. Caruso comenta sobre a Bahia, que não tem

horário de verão e diz que é inevitável pensar que não tem pela preguiça que eles devem ter

de mudar o relógio. Já Porchat, comenta sobre quando esteve no Acre:

Eu fui ao Acre agora, eu passei o ano novo no Acre - e, o Acre existe -, e lá são três horas de diferença; com o nosso horário de verão são três horas a menos lá. E é muito! O Bom Dia Brasil, por exemplo, passa lá às 4 da manhã! Então o Bom Dia Brasil lá deveria ser: ‘Bom Dia Brasil, menos o Acre, que pode continuar dormindo. Vocês têm um tempo ainda para dormir”. (PORCHAT, 2008).

O vídeo foi visualizado 10.490 vezes. Recebeu 17 likes, contra 14 dislikes.

Comentários:

Page 119: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  118  

 

Usuário a) O ACRE NAO EXISTE.....PROJACRE EXISTE GALERA......e a galera que comenta que nao gosto é os que dao trela que nem os gauchos.....ses tem que entender que brasileiro so para quando nao da bola enhuma pra ele.....ou melhor se vcs aceitam a brincadeira e particpam fica muito melhor....ou seja quando perguntam pra mim e o pao de queijo mineiro? da proxima vez eu trago.....Levem na boa (3 anos) Usuário b) ahahhahahahahhahahaha mentira total todo mundo sabe q O ACRE NÃO EXISTE nas escolas do brasil o "ACRE" não é ensinado como um estado e sim uma área preenchida por vácuo localizada entra a paraíba e o texas a + ou - 150 km do inferno não provoquemos esses seres afinal não sabemos q tipo d criaturas vivem no suposto "ACRE" dizem q lá é ond se localiza a HIGHWAY TO HELL e a fazenda de CHUCK NORRIS (4 anos) Usuário c) o acre existe sim e é um grande estado,o acre tem salario de professor 37%maior que um professor de são paulo,o nosso policial militar ganha mais que o dobro que o soldado de sp,foi o 1°estado a ter uma governadora mulher, O ACRE É O CARA (4 anos) Usuário e) Eu ACREdito e sempre vou ACREditar pois ele é MARAVILHOSO e LINDO. Em Junho e Julho faz até 15, 17 graus. Rio Branco, a Capital, é bela, muito bonita. Tem um governador chamado Binho que fez história e ensinou como é e o que é GESTÃO PÚBLICA. Agora meus amigos para quem não ACREdita, só tenho a dizer: VOCÊ É DOIDO. (2 anos) Usuário f) é tão dificil de acreditar que existe um estado calmo, bonito, interessante....???? pois é....esse estado existe e é o ACRE! (3 anos) Usuário g) Se porventura algum dia você encontrar algum acreano, pode ter certeza que ele fala com S e R puxados e o bairro onde ele nasceu chama-se PROJAC. O Acre é uma espécie de distrito localizado no coração do Rio de Janeiro, onde o Acre somente acontece como unidade federativa nas mini-séries de Glória Perez. Pra você ter uma idéia, Galvez não proclamou a república do Acre coisíssima nenhuma, ele era apenas um contra-regra do Domingão do Faustão oportunista (4 anos) Usuário h) UM IDIOTA DESSE AINDA SE ACHA COMEDIANTE!!! NUNCA VI COISA MAS ENGRÇADO DO QUE ISSO "IDIOTA" (2 anos)

Figura 27 - “Conspiração Acre no RJ TV”

Fonte: TESTE, 2008

Page 120: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  119  

 

Figura 28 - “Conspiração Acre no RJ TV”

Fonte: TESTE, 2008

Outro vídeo que apresenta a reprodução da negação do Acre é o “Como estão as

eleições no Acre?”. De apenas 35 segundos, mostra um trecho do jornal da Globo News,

durante apuração dos votos da eleição para governador em 2010. O casal de apresentadores

(Monica e Sidney) está diante de uma televisão touch-screem, que possibilita verificar os

dados clicando nos Estados do mapa (FIGURA 29).

A apresentadora sugere conferir os dados do Acre, mas não consegue abrir as

informações, ela clica no Estado do Acre no mapa, mas sempre aparece o Estado do

Amazonas. Eles tentam, durante cerca de 30 segundos, até desistirem. O vídeo foi postado em

outubro de 2010; visualizado 49.650 vezes. Likes 67; Dislikes: 7. Recebeu 107 comentários. É

descrito: “Durante a apuração dos votos, a Globo News estava tentando mostrar como estava

no Acre, porém, a tela touch não estava colaborando... Será que o Acre existe?”

Figura 29 - “Como estão as eleições no Acre?”

Fonte: MATTEI, 2010

Page 121: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  120  

 

Comentários:

Usuário a) O acre não existe nem na telinha da Globo News (3 anos) Usuário b) onde ela ta tentando apertar ? oque que e acre ? esse video nao explica nada. acre deve ser a cor do esmalte dela ne ? (3 anos) Usuário c) Essa piadinha do Acre já está manjada, pior que a do paulista que só tem praia no Tietê, do mineiro que só come queijo, do carioca que atencioso com os turistas: te leva a bagagem, a pulseira, o relógio, a carteira... Sabe de uma coisa, melhor morar longe onde a violência ainda não reina, do que sair na rua e levar um tiro. FDPS (3 anos) Usuário d) Mano eu so do acre.... sempre me sinto excluido , fazemos até torcida... "gritamos HUUULAAA " quando o acre sai na tv.. mas infelizmente aqui nunca aparece na midia.. e quando apareçe é por essas palhaçada ae - VIVAA O ACRE!! \o/ (3 anos) Usuário e) Alguém ainda dúvida que o Acre não existe? Hehe (3 anos) Usuário f) Vi isso ao vivo e quase rolei de rir. O pior é que não é defeito do aparelho nem erro da mulher, ele só não reconhece o que NÃO EXISTE!!! Huahuahuahuahuahuahuah (3 anos)

Nos vídeos citados até então, o Acre e a negação aparecem imersa n’outros conteúdos

alheios à representação. Mas existem também os vídeos feitos exclusivamente em torno de tal

representação. Um deles é o do músico Marco Antônio Migoranca, que toca e canta a música:

“O Acre não existe - A Musica mais bonita do limbo”. O vídeo foi postado em julho de 2011,

tem duração de 3 minutos e foi visualizado 3.196 vezes. Recebeu 45 likes e 41 dislikes. O

autor não liberou o vídeo para comentários. A letra da música conta a história de um rapaz

que procurou uma parceira no bate-papo da UOL e se apaixonou por uma mulher do Acre, diz

a música:

(...) Mas veio a desilusão e derramou todo meu pranto, quando ela então me falou que morava em Rio Branco. Como eu poderei ir lá, se o Acre não existe? Como eu poderei beijá-la se o Acre não existe? Meu Deus, por favor me ajude, mande um disco voador me leve então para o Acre para eu ver meu amor... (MIGORANCA, 2011).

Na descrição do vídeo, está “Entenda os motivos”:

Você nunca foi ao Acre. Você não conhece ninguém que tenha ido ao Acre. Mesmo indo, ninguém NUNCA voltou do Acre. Nunca nenhum avião da TAM caiu no Acre. Você nunca viu uma foto do Acre. Você nunca viu um vídeo do Acre.

Page 122: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  121  

 

Você não sabe qual é a capital do Acre. Se você for culto o suficiente pra saber qual a capital do Acre, não sabe o nome de qualquer outra cidade. Você não sabe quem é o governador do Acre. Você não conhece nenhum transporte com destino ao Acre. Elizeu Drummond não nasceu no Acre. Você nunca viu a previsão do tempo para o Acre. Você nunca viu questões de origem da UFAC (Universidade Federal do Acre). Você nunca ouviu falar de comidas, pessoas, festas, políticos, prostitutas e time de futebol acreanos. Lula disse que o Acre é um estado livre de corrupção. Você provavelmente vai morrer sem conhecer, ir, ver, conhecer o governador, nem conhecer nenhum transporte pra lá! Rubens Barrichello supostamente venceu uma corrida no Acre. O Corinthians tem um estádio no Acre. A Globo lançou uma mini-série sobre o Acre, mas esta foi gravada no Amazonas e em parte no Rio de Janeiro. Se você acha que nasceu no Acre, você esta enganado, não existe Acre. Você nunca comeu uma acreana. A Colômbia diz que o Acre fazia parte de seu território, mas estes sequer tem fronteira. No Acre se cria os supostos Chesters Anões quando morrem vão para o Acre O comercial de Jamel não cita o Acre No início de 2007, saiu na televisão que o governador (que governador?) do Acre iria reduzir o salário de todos os deputados e inclusive o próprio salário, para economizar verbas e construir mais escolas e hospitais. Só mesmo em um lugar fictício que isso poderia acontecer. É a terra do My Little Pony. O Acre não existe porque Chuck Norris quis assim. Ponto final. Você perdeu uma caneta e nunca mais a encontrou? Ela foi pro Acre! Sabe o pote de ouro no fim do arco-íris que ninguém nunca encontrou? Pq o fim do arco-íris é no Acre. E se alguém, por um acaso, já chegou no pote, não conseguiu voltar porque virou duende! Aqueles clips que todo mundo um dia perde, sabe o acontece? Eles viram duendes no Acre para cuidar do pote de ouro!

Outro vídeo com conteúdo semelhante é o “O Acre existe?”, da “Ninjamango

produções” (FIGURA 30), de apenas 1 minuto, disponibilizado na rede em maio de 2007. Foi

visualizado 28.641 vezes, tem 33 likes e 100 dislikes. Recebeu 192 comentários. É descrito

como: “O Acre existe... Ou não?”. O vídeo mostra um apresentador que comenta a

comunidade do Orkut “Acre is a Lie”, e que resolve fazer um vídeo para provar que os

membros daquela comunidade estão errados, e provar que o Acre existe sim. O apresentar se

mostra em frente ao aeroporto de Rio Branco, mas logo, uma falha técnica (ensaiada) mostra

que ele, na verdade, estava usando o efeito do cromo. Segue comentários:

Usuário a) eu me lembro, vagamente, quando eu era beeem pequena eu tinha comido um acre.....hum... não... o nome não era esse, acho que nunca ouvi falar mesmo! acre é de comer neh?! (há 3 anos) Usuário b) Eu sou do ACRE com maior orgulho e ja viajei em muitos estados brasileiros tenho certeza que voce e merda que cheio de preconceitos que deve falar

Page 123: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  122  

 

mal dos nordestinos tambem Mais quero vER se voce nao sente Inveja nenhum que fala mal dos outros e porque tem inveja amigo eu respiro ar puro e voce repira a poluição (2 anos) Usuário c) Meu Deus o Brasil ainda tem que melhora muito na educação ainda existe muitas pessoas que nem geografia estuda não sabe dos estados do propio pais que mora, acho que esses idiotas não sabem nem em que continente o Brasil fica... (5 meses) Usuário d) hahahahahahahahahahahahahaha. Muito idiota uma pessoa dessa, idiota e burro, né? Não estudou animal???? Se não, trata logo de procurar livros de geografia ou até mesmo no google. Uma pessoa não saber se o Acre existe ou nãoo tem que ser muito alienada, burraaaa, e ainda por cima brasileira, SE EU FOSSE EU ME MATAVA. (3 anos) Usuário e) O mais hilário é ver os acreanos(?) todos fulos da vida, fulos da vida com as brincadeiras, vão entender nunca que quanto mais raiva eles ficam mais vão ser sacaneados! Quanto mais merda vem falar mais a galera ri do outro lado do PC, isso se chama TROLL, sacanear os outros só pra rachar de rir das respostas furiosas que ficam mandando. Só uma palavra: NERVOSOS!=D (2 anos) Usuário f) Acre é como o ponto G. Não achamos ele de cara, mas continuamos procurando... (4 anos)

Figura 30 - O Acre existe?

Fonte: GTMM, 2007

Outro vídeo que reproduz a representação aqui estudada é o “O Acre existe..!!”

(FIGURA 31) apresentado por Pedro Coutinho, é um desabafo de um acreano. O vídeo tem

duração de 3 minutos. Foi postado em maio de 2011 e visualizado 25.178 vezes. Com 295

likes e 83 dislikes. O vídeo é descrito como: “Esse vídeo foi feito por quem não tem nada pra

fazer.. rsrs”. Recebeu 500 comentários. O garoto conta de algumas vezes em que foi

estranhado por dizer que é do Acre, como de quando foi no interior da Bahia e estava

conversando com uma vendedora de lanche:

(...) Eu fui comprar um crepe. Eu lá e tal com fome do caralho. Aí eu conversando

Page 124: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  123  

 

com a tiazinha. Batendo um papo cabeça. Pô, gente fina do caralho a tia. Aí ela me pergunta: “maluco, tu é da onde?”, e eu digo: “Rapaz, eu sou do Acre”. Então, ela olhou pra mim assim... ‘Mas você fala português!’ Caralho, velho, aquilo doeu lá dentro! Meu sangue ferveu! (...)” (COUTINHO, 2011).

Alguns dos comentários: Usuário a) CARA SERIA FODA SE VC MOSTRASSE SEU DINOSSAURO DE ESTIMAÇÃO ! (1 mês) Usuário a) Cara, eu assisti o seu vídeo para ver se o pessoal do Acre fala português mesmo, kkk. (3 meses) Usuário a) nossa um habitante do Acre q conseguiu se civilizar,cara você é um prodígio primeiro habitante do Acre que vejo que não é um Índio. Ou você é Índio? (3 meses) Usuário a) Falar que o Acre existe é fácil, difícil é chegar lá. (9 meses) Usuário a) olha, eles tem internet '-' upou esse vídeo como ? tem telefone aí pra começar ? (1 ano) Usuário a) O ACRE Existe mais esse video ta um lixo (2 anos) Usuário a) cara ri muito do seu vídeo sou do ACRE e não vou esquentar com essa zuera com o meu Estado e você não pensa que me engana você não é do Acre pois o seu sotaque não tem nada a ver com um acreano mas valeu pelo vídeo desculpe se votei negativo para o vídeo mas foi realmente ilário cara puta que pariu faz mas um pragente ver parabéns. (2 anos) Usuário a) gnt vamos ser racional.... ne gnt eu moro no acre e aki e muito legal ... nao estou querendo fica do lado de niguem so que eu acho que do msm gnt que tem gnt que comenta besteira que o acre nao existe .. eu acho que nos acreanos tambem podemos fala mal de quem fica falando so merda ne ... #direitosinguais (1 ano) Usuário a) Quem ñ conhece o acre não tem o direito de critícar.O q acontece é q a mídia,quando fala ou mostra algo do acre só é sobre índios ,mata etc.Mais ñ é bm assim o acre é um lugar como outro qualquer.Eu sou acreana porém to no estado do Espirito Santo,Já me perguntaram qe lingua falava deu vontad de dar uma resposta bm dada mais em vez disso respondi civilizadamente e esclarecí,até pq nem é a intenção e sim a informação qe eles tem sobre os acreanos. (1 ano) Usuário a) Para os idiotas que dizem que o Acre não existe, que ele não está no mapa, que isso e aquilo... digo uma coisa: Nunca estudou geografia?' o Acre existe e está localizado na região Norte, temos otimos hospitais e escolas, nos preocupamos com o meio ambiente e vivemos numa cidade habitada que diferente da de vocês não é poluida, somos um povo acolhedor que se importa com o proximo, e que vem se desenvolvendo e crescendo a cada dia para calar a boca de muitos babacas qe nao sabem o que dizem ;].(1 ano) Usuário a) Eu não moro no ACRE e tbm não gostei desse video,mas olhei,na boa quem vem aqui nos comentarios e diz que o ACRE não existe,sinceramente é muito burrice e idiotice,eita povo burro,se bem que pessoas BURRAS é o que mais tem por ai,aqueles que são BURROS tenho a dizer a vcs que o ACRE é um estado brasileiro,procurem no GOOGLE e depois Wikipédia, a enciclopédia livre,e pra aqueles que estão de zuação,tenho a dizer que estamos no ano de 2012,então

Page 125: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  124  

 

preconceito e discriminação e coisa de babaca. (1 ano) Usuário a) meu deus ,so tem gente que comenta besteira dezendo que o acre nao exizte,o cu de quem falo pq o acre existe e nao tem idio ta,tem gente normal e nao e sirigueiro iguais pessoas que comenta merda sem saber .....eu moro no acre e me orgulho de mora aquii ,pra quem nunca veio aqui e muito legal ta,e nao tem violecia iguis cidades por ai que tem favela e tudo :p bando de otarios que nao nada pra fazer :P pra alerta , (1 ano) Usuário a) É engraçado que tem gente que fala mal do Acre, mas quando precisa vem pra cá, né?! Muita gente de fora vem fazer vestibular aqui, faz em concurso pra cá pq não tem capacidade de passar ai no estado de vocês. Já que vocês são tão bons, porque não ficam ai no estado de vocês? Vocês só atrapalham a vida da gente, pensando por esse lado, preferiria que fôssemos bolivianos mesmos, rsrsrs... Vão se fuder! Odeio ser Brasileira por causa de gente estúpida assim _)_ (2 anos) Usuário a) Entaummm EU GOSTEI DO VIDEOOO !! SOU ACREANA E MORO EM SAO PAULO !!! SO QUE O ACRE EXISTE MESMOOO !! MS A IDEIA QUE ELES FAZEM DO NOSSO ESTADO É ESSA !! DE MATA , DE ANIMAIS MISTURADO COM AS PESSOAS NA RUA .............. MSSS TBM O GOVERNO QUE É DA FLORESTA , A ARENA DA FLORESTA , A RADIO CHAMA-SE ALDEIA FM ................... O NINHO DO PAPAGAIO ..KKKKKKKKKKKKKKKKKKKK COM NAUM TER IDEIA DE QUE O ACRE É UMA MATA SO , SE TODAS OS ADJETIVOSSS REMETEM A FLORESTA !!!! (2 anos) Usuário a) kkk- Esse Cara é louco, mais nao esta errado ! Para essas pessoas que acham q Acre é um fim de Mundo, Fiken sabendo q Aki nos temos uma vida mais Saudavel, Aki nos respiramos um AR de verdade, Aki nao tem esse ar PODRE, SUJO, que mal tem Oxigenio,ah e os carros aki andan, Eu sinceramente espero q esses babacas q falam mal daki NUNCA venham aki, Tenha toda certeza vc nao vai fazer nehuma diferença, ao contario, estara fazendo um favor, Não leva a mal mais é que eu não quero VERMES no meu estado (2 anos) Usuário a) eu sou do acre, mais o que o cara disse ali é verdade! ACRE É UM MERDA MESMO! e é por causa de lixos como o autor desse video que é uma merda maior ainda! não adianta nem eu qrer argumentar e defender q não tem como. Você morar em uma lugar que não tem nada e que pede miséria para os outros! Não tem Shopping, não tem cinema, não tem praia, não tem balneários , só tem mata, drogados, povo maioria burro, não tem educação de qualidade, NÃO TEM NADA! ANTES ESSAS MERDA AQUI NÃO EXISTISSE MESMO! (2 anos)

Figura 31 - O Acre existe!!

Fonte: Coutinho, 2011

Page 126: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  125  

 

Em tais comentários, podemos visualizar diversas características tanto das dinâmicas

das redes sociais na internet, como da própria identidade: os confrontos e as concordâncias;

alguns se insultam para defender a própria identidade; alguns comentários foram feitos há 1

mês e outros há 2 anos; as revoltas se misturam com o tom engraçado, entre outros.

Há também vídeos mais longos e com produção relativamente de melhor qualidade e

repercussão mais qualificada, como o documentário “A farsa do Acre” (FIGURAS 32 e 33),

produzido em 2003, que é apresentado no site “Porta Curtas” com a seguinte sinopse:

“Documentário histórico didático que prova que o estado do Acre não existe” (PORTA

CURTAS, 2012).

A produção está vinculada à Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São

Paulo. A obra recebeu Menção Honrosa ABD&C no Festival Brasileiro de Cinema

Universitário em 2003, e o Prêmio de Pesquisa de Linguagem no Festival Brasileiro de

Cinema Universitário no mesmo ano. O vídeo tem 15 minutos e está disponível no Youtube,

desde outubro de 2010, por onde já foi visualizado mais de 1.100 vezes67 e recebeu 14

comentários. No Youtube, ele é descrito como: “Documentário que prova que o Acre não

existe. Da série clássicos do Curso Superior do Audiovisual Turma de 2000”. O vídeo começa

como um documentário histórico a respeito do Acre, com fotos históricas e uma voz em off

falando de alguns episódios da Revolução Acreana.

FIGURA 32 - “A farsa do Acre”

Fonte: Cheida, 2010

                                                                                                               67 Visualizações: 1,110. Likes: 20. Dislikes: 1.

Page 127: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  126  

 

No entanto, o conteúdo do vídeo se mistura com uma ficção jocosa. Apresenta, nesse

sentido, algumas falas de especialistas fictícios, técnico em monitoramento de satélite, que

explica que não é possível identificar se há terra naquela região do mapa. O documentário

apresenta uma série de contestações sobre a história do Acre, afirmando, por exemplo, que a

história do Acre é conhecida, em grande parte, por meio do jornalismo (que de fato é), no

entanto, os jornalistas que escreveram as matérias sobre o Acre, têm passado misterioso.

Apresentando, inclusive, Luiz Galvez como um pseudônimo de Assis Brasil, como uma

figura lendária, chegando à conclusão de que o Acre é uma farsa, um segredo mantido pelas

forças armadas, sugerindo que até Chico Mendes é um mito criado com base em personagens

bíblicos e lendas cristãs.

FIGURA 33 - “A farsa do Acre”

Fonte: Cheida, 2010

A obra é finalizada com uma frase de Worson Welles: “O documentarista é o porta-

voz da verdade. Mesmo quando mente”. Vejamos alguns comentários deixados por quem

assistiu:

Usuário a) MEU DEUS. Ou é uma comédia ou foi uma farra de dinheiro público perdido por "estudantes" de SP que não sabem da existência de nenhum estado da federação, exceto o próprio estado. (7 meses) Usuário b) assisti este documentário acho que em 2006 no CCBB do Rio e nunca mais me esqueci dele! Ainda bem que vocês subiram no youtube. Beijo (1 ano)

Page 128: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  127  

 

Usuário c) e o Acre não existe, eu moro aonde então bando de FILHOS DUMA PUTA???? (1 ano) Usuário d) Cara isso é uma idiotice pura, o Brasil todo então é contra a existencia do Acre, primeiro vá até o Acre e você não vai ver ninguém falando o espanhol e não vai ver sequer nenhum boliviano se estamos apenas convencidos, porque quem governa o Acre é o governo brasileiro, quem é senadora do Acre é Marina Silva, não é nenhum boliviano -_-' É o mesmo que dizer que o Alasca pertence AINDA a Russia e não aos EUA. (2 meses)

No conjunto dos conteúdos e dos comentários nos vídeos aqui apresentados, podemos

evidenciar os exemplos de diferentes manifestações em torno do tema: aqueles que querem

situar o Acre de maneira história e geográfica, como se as pessoas realmente desconhecessem

o Acre (e podem ser que desconhecem mesmo); outros que se divertem com o “acreano

revoltado”; outros que fazem relações cômicas com a história do Acre etc.

Em dezembro de 2011, quase 10 anos depois do último vídeo aqui citado, um grupo

de dois cineastas e dois jornalistas de São Paulo lançou o projeto “O Acre existe”, um

documentário com o objetivo de “retratar uma incursão antropológica no Brasil, e mostrar os

acreanos e suas histórias, como vivem e o que pensam” (O ACRE EXISTE, 2011).

O projeto teve início com divulgação na internet para financiamento colaborativo da

produção. Eles não conseguiram o recurso solicitado, mesmo assim, resolveram ir ao Acre e

se aventurar na produção, alcançando uma repercussão que não era esperada.

E um site chamado AC24horas estampou uma foto montagem com nossos quatro rostos, imagens tiradas do vídeo em que a gente apresentava o projeto e explicava o porquê da grana. Paulistas querem 30 mil pra descobrir o Acre, dizia a chamada da capa, com trocentos comentários detonando a ideia dos caras que se achavam bonitões o bastante pra, olha só, quem são eles pra descobrir o Acre mesmo? Ali caímos na real pra entender que a coisa tinha ficado séria, uma entrevista pra estatal, matérias nos principais sites locais e informações e telefones e vídeos e blogs distribuídos por aqui e por ali. Virei à direita e tinha uma câmera mirando pra gente. (SILVA JUNIOR, 2013, p. 51).

Mesmo entre diversas manifestações polêmicas, a Secretaria de Turismo do Acre

aprovou a ideia: “tem tudo a ver com a nossa intenção de fortalecer nossa identidade,

convidar as pessoas pro nosso estado, sabe, vocês talvez podem não imaginar ainda, mas o

Acre tem um potencial turístico e tanto...” (SILVA JUNIOR, 2013, p. 57) e garantiu

transporte e estadia por toda a viagem no interior do Acre.

A viagem, que começou em 16 de dezembro de 2011 quando os rapazes saíram de São

Paulo, foi registrada em fotos, textos e vídeos disponíveis no site do projeto. A proposta

inicial era produzir um road movie, usando o “mote da piada pra falar do estado, da região,

Page 129: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  128  

 

das pessoas, da cultura, do modo de vida, da viagem, da nossa experiência e de tudo que

aparecesse durante uns dois meses, entre ida, estadia nas cidades acreanas e volta” (SILVA

JUNIOR, 2013, p. 27). No entanto, com a temporada de aproximadamente um mês68 em solo

acreano, segundo eles, o Acre e os acreanos ganharam a câmera, a narrativa, tomaram a frente

e viraram protagonistas.

O documentário foi lançado em Rio Branco, no dia 22 de novembro de 2013, durante

a 4a Edição do Festival Internacional Pachamama - Cinema de Fronteira69. A sessão foi

gratuita, mas os lugares eram limitados e exigia a retirada de convites com antecedência. Uma

hora antes da sessão e os convites já se esgotaram. Como havia um grande número de pessoas

interessadas em assistir ao documentário, foram programadas mais duas sessões extras na

programação festival. E, uma outra, quando o festival acabou. Ou seja, para atender a

demanda, foram necessárias quatro sessões de exibição. A estimativa da produção é que 400

pessoas tenham assistido ao filme no Acre. A equipe também produziu um livro “O Acre

existe”, lançado junto com o filme. Até final de dezembro de 2013, o livro já estava com

quase 300 exemplares vendidos. (SILVA JUNIOR, 2013).

 

3.5 N’outras teias

Quando se digita “Acre” no site de busca Google70, entre os resultados que variam das

descrições do termo como uma unidade de medida e o site do Governo do Estado, está o

glossário da Desciclopédia, cuja definição para “Acre” começa com: “Você quis dizer: nada”.

                                                                                                               68 “Deu tempo de entender o tamanho da Revolução Acreana e os motivos que fazem do cidadão local um exímio defensor de suas terras que tanto lutaram até fazê-las brasileiras; conhecer a histórica migração dos cearenses no Ciclo da Borracha, fato que faz do Acre um ponto praticamente nordestino na Amazônia; estar num aniversário de morte de Chico Mendes em Xapuri, cidade em que o mais famoso líder no combate contra o desmatamento na região nasceu, viveu e morreu há um quarto de século; passar um Natal com os haitianos que buscam reiniciar a vida após o terremoto que devastou o país e começam essa caminhada na pequena Brasiléia, mínima na estrutura, elástica no coração; conviver nas cidades de fronteira, tão próximas e tão distantes dos povos vizinhos de língua espanhola; acompanhar uma festa de virada de ano do lugar mais improvável que qualquer um poderia imaginar, o céu de Rio Branco; mergulhar na cultura da ayahuasca, o chá sagrado que move aquele povo tão sensível; morar por alguns dias numa tribo indígena, ou passar uma tarde numa comunidade ribeirinha, ou ainda visitar o mais ocidental dos moradores do país, ou também estar numa cidade onde só se chega com uma viagem de barco de uma semana ou num voo de teco-teco; tudo isso passando por arte, música, poesia, análise crítica, projeto social, política, choros, beijos, alegria” (SILVA JUNIOR, 2013, p. 29). 69 Este Festival já é consagrado como um importante espaço para a exibição de filmes de produção dos países vizinhos (Peru e Bolívia) e também do Brasil, acompanhados de seus respectivos realizadores, para um diálogo interfronteiriço. 70 É importante considerar que, além da busca personalizada, baseada nas informações do usuário, o Google também conta com uma análise mais “matemática”, utilizando mais de 200 sinais para decidir quais das milhões de páginas e conteúdos são mais e menos relevantes para cada busca, como: sinônimos para as palavras-chave da pesquisa, grau de atualização do site, quantidade de outros sites que contêm links para o site etc. (PATRÍCIO, 2013).

Page 130: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  129  

 

Criada em 2005, a Desciclopédia é uma versão brasileira da Uncyclopedia, ou seja, uma wi-ki

paródia da Wikipédia.

A rede de construção colaborativa de conteúdos possui mais de 51.500 membros-

colaboradores e aproximadamente 45 mil artigos que simulam um formato científico, mas são

dotados de humor e sarcasmo. Entre os 170 verbetes destacados como “Melhores Artigos”,

está a página que define “Acre”. Nela, as definições para “Acre” seguem com uma série de

afirmações falsas a respeito da história, geografia, economia, religião, clima, biodiversidade,

culinária, entre outros tópicos que enfatizam determinada ilusão, fantasia ou conspiração do

Estado. O verbete, criado em março de 2006 e atualizado pela última vez em julho de 2013,

registra quase 350 mil acessos. A página reúne, ainda, “motivos para não acreditar na

existência do Acre”, “piadinhas que você ainda vai ouvir sobre o Acre (mas que no fundo até

faz sentido)”, e tantas versões a respeito do Estado, como:

Lula sobre o Acre: Eu não sei de nada. Maluf sobre o Acre: Fui EU que fiz! Belchior quando encontrou o Acre (Ninguém sabe como): Encontrei o esconderijo perfeito. Padre Quevedo sobre o Acre: Isso non ecziste!!! Reversal Russa sobre o Acre: Na União Soviética, o Acre inventa você!! Marilyn Manson sobre o Acre: É lá que coisas mais bizarras que eu acontecem Internet Explorer sobre Acre: 404 Not Found. Atlas Universitário sobre o Acre: Fronteiras do Acre: El Dorado ao norte, Atlântida a oeste, Sodoma e Gomorra ao sul, Camelot a leste. Maísa sobre o Acre: Nunca ouvi falar, maaaaaaas tudo bem! Curupira sobre Acre: Acre? Isso é lenda População de Atlântida sobre Acre: Recebemos mais turistas por ano que eles Alguém sobre Acre: Que Acre nada! O que não existe mesmo é Roraima! Ninguém fala dela! Zeca Pagodinho sobre Acre: Nunca vi nem comi eu só ouço falar! Presidente do Corinthians sobre Acre: O novo estádio do Corinthians será construído lá. James Bond: Se eu te contar onde o Acre está, terei que te matar depois. Sócrates sobre o Acre: Só sei que nada sei. (...) (DESCICLOPEDIA, 2014)

A página da Desciclopédia aponta para as demais manifestações burlescas a respeito

da negação do Acre que estão presentes em sites, blogs, páginas e perfis em diversas redes

sociais. Tais representações misturam humor, produtos e personagens midiáticos, faz

referências à história, ciência, filosofia, entre outros.

É importante considerar que os conteúdos são criados e reproduzidos também por

veículos acreanos, como quando o Google Street View começou a mapear algumas cidades do

Acre e os carros do Google viraram notícia nos jornais locais. Um deles, o portal jornalístico

“AC 24horas”, dizia: “O Acre existe! Google Street View vai mostrar que sim”.

Page 131: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  130  

 

A representação pode, também, ser reproduzida por quem está bem distante disso:

Durante a 27a Bienal de Artes de São Paulo, o Acre foi tema de um dos seminários. Na

ocasião, se reuniram o sertanista brasileiro José Carlos Meirelles, o geógrafo David Harvey, o

professor Francisco Foot Hardman, Marina Silva, entre outros. Em seu texto de apresentação,

David Harvey comentou que “se quiséssemos realmente deixar que o Acre existisse, então

não deveríamos sequer falar a respeito disso (HARVEY, 2006, p. 355). Ironicamente ou não,

ele começa seu artigo com a pergunta: “O que é e onde está o Acre?”. E segue falando de

Chico Mendes e do significado relacional que o Acre envia para o mundo, sobre a luta em

relação ao aquecimento global, à biodiversidade e à preservação de antigos modos de vida. O

geógrafo escreve que “a resistência existe em todos os lugares, mas é fragmentada, dividida,

desconectada, algumas vezes tomada de nostalgia por algum passado mítico” (HARVEY,

2006, p. 364).

O artigo de Harvey não circulou pela internet, e nem trata do assunto aqui pesquisado,

mas reproduz e testemunha o deslocamento da representação aqui discutida. Tal como ele, há

outros casos de matérias e produtos que circulam fora das redes sociais online e servem como

ilustração desse trabalho, como a matéria sobre música no Acre, produzida e publicada na

primeira edição brasileira da Revista Rolling Stone. A matéria foi intitulada “Acre’n’roll”, e

começou com a exclamação: “Pois é, existe!”.

Nos weblogs, a negação também se encontra reproduzida de maneira

descontextualizada e aleatória, como a postagem “Medidas cabíveis para um país melhor”

(LIMA, 2012), do blog Insoonia, hospedado na categoria de Humor, da seção de

Entretenimento do Portal R7. A postagem sugere 15 passos para um Brasil melhor, como:

“Qualquer decisão do Senado deve ser aprovada pelo povo” e “Filhos de políticos são

obrigados a estudar em escola pública e só podem usar o plano de saúde que o governo

oferece ao povo, o SUS”. A lista encerra com: “Lei do respeito: o Acre existe e merece ser

respeitado”. O post foi publicado também no blog Caixa Preta, vinculado à MTV.

Tais passagens, conteúdos e interações encontradas identificam a riqueza e

complexidade do material aqui analisado. Nas considerações finais, vamos emergir do

empírico de forma a pensar suas evidências à luz dos problemas conceituais que inauguraram

a pesquisa.    

 

 

 

Page 132: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  131  

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os sentidos para o termo “Acre” são vários, como várias as representações que aciona.

Em sua grafia original, Aquiry ou Uaquiri significa “Rio dos Jacarés” ou “Rio de Muitas

Águas”, na língua dos índios Apurinã. Mas Acre é também aquilo que é “ríspido, amargo e

doloroso”, conforme os dicionários da Língua Portuguesa. De “Terras incontestavelmente

bolivianas” ou “tierras no descobiertas”, como os governos brasileiro e boliviano se referiam,

respectivamente, ao Acre; aqueles territórios passaram a ser, no final do século XIX, alvo de

cobiça internacional, uma vez que o mercado externo demandou maior produção da borracha,

ocasionando graves conflitos entre as nacionalidades. De um destino para onde eram enviados

aqueles condenados ao “expatriamento”, o Acre, depois de independente, passou a ser “o

Estado que lutou para ser brasileiro”, como ensinam alguns livros da historiografia local.

Como vimos ao longo desse estudo, a ocupação do Acre por brasileiros e estrangeiros

em busca da exploração do látex, data de 1877. Mas, oficialmente, o lugar só se tornou Estado

pertencente ao Brasil, em 1962, ou seja, o Acre é Estado brasileiro há, apenas, 52 anos. Ao

longo desse processo, Brasil e outros países criaram diferentes formas de se relacionar no/com

o Acre. Momentos de descaso e abandono político, o trato da região como um lugar de

passagem (ou um acampamento), a cobiça internacional pela borracha (as duas Grandes

Guerras Mundiais, afinal, marcam os impulsos para os dois grandes ciclos da borracha, o que

fez com que, no Acre, se vivesse a “Batalha da Borracha”), e tantos momentos que

configuram o processo de ocupação e definição geográfica no Acre sempre estiveram

acompanhados de um complexo processo de construção e reconstrução de narrativas

históricas controversas e representações das mais curiosas.

Nesta pesquisa, não fomos em busca “do que se passou realmente”, tarefa mais afeita

aos historiadores, mas, buscamos compreender a história, suas narrativas e os processos de

construção de representações territoriais e identitárias, como um procedimento

comunicacional. Ou seja, um processo de criação e circulação de sentidos. Exploramos aqui,

tanto a história produzida a partir dos documentos oficiais e destinada a atender aos interesses

de um presente - neste caso, se inclui, por exemplo, os interesses de se construir a história, a

memória e a identidade de um Estado-Nação; quanto as narrativas criadas e dinamizadas nos

espaços midiatizados.

Tais conteúdos, de forma vulgarizada e descontextualizada, produzidos por jornalistas,

romancistas, documentaristas, novelistas, e cidadãos comuns, parecem alimentar a produção e

reprodução de outros discursos tão fechados e institucionalizados dentro de seus preconceitos,

Page 133: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  132  

 

disputas e jogos de poder, quanto o da historiografia tradicional. O singular é que este

processo tanto tem como protagonista o não-acreano, quanto aqueles que ali nasceram e

viveram, o que confirma a dimensão relacional e a característica processual das

representações.

Na atualidade, quando vamos em busca de pensar a História de um lugar, temos à

nossa disposição, para além das narrativas historiográficas tradicionais, textos jornalísticos,

literários e audiovisuais e, as representações que circulam nas redes sociais na internet. São

formas discursivas que revelam enredos e imagens de um lugar, criando e recriando

representações, sejam alimentadas pelos formatos estéticos das narrativas ou pelas dinâmicas

das interações midiatizadas.

Aqui, já iniciamos um ponto de convergência entre os conceitos trabalhados na

pesquisa: História e Midiatização. Consideramos como midiatização, o contexto onde as

relações com o mundo são primordialmente mediadas por dispositivos sócio-técnicos, aqui

denominados pelas mídias. A midiatização, ao possibilitar a produção e distribuição de

produtos simbólicos de maneira potencializada, contribui para a reconfiguração de dinâmicas

culturais e sociais. No que se refere à história, temos, cada vez mais, produtos midiatizados

que nos convidam a adentrar no mundo histórico por meio de materialidades, seja em

linguagem ou imagens que, ao circularem, definem novas ficcionalidades, imersas, sobretudo,

em jogos políticos e num fluxo de circulação difuso, diferido e descontextualizado.

Nos referimos a isso como “expansão histórica”. A história ultrapassa os campos

institucionais convencionais e atravessa a mídia (ou vice-versa). Isso representa diferentes

formas de circulação e apropriação pública das narrativas historiográficas, conforme cenário

conectado em rede e conforme linguagens e mídias disponíveis, onde os episódios e casos

históricos se misturam, se sobrepõem, se complementam e/ou se fragmentam. Nesse sentido,

temos uma realidade socialmente construída inundada de discursos - sejam produzidos pelo

Estado ou pela mídia - que proporcionam a difusão de imaginários midiáticos e enredos

ficcionais.

A este conjunto, podemos adicionar as redes sociais na internet, bem como sites de

pesquisa e enciclopédias colaborativas, além dos espaços onde a história encontra-se reescrita

e ressemantizada, como as novelas, filmes, literatura, entre outros já citados. Assim, a

configuração de lugares e sujeitos ganha outras molduras que ultrapassam aquelas delineadas

pela historiografia e engendram outras narrativas que alimentam ou são alimentadas pelo

imaginário e pelos textos oficiais. Com a midiatização e as novas possibilidades tecnológicas

e estéticas de produção de narrativas, as fronteiras entre as narrativas históricas e outros

Page 134: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  133  

 

gêneros, tornam-se ainda mais flexíveis, ou seja: com a midiatização a história se expande.

Afinal, podemos acessar a história do Acre a partir dos vídeos do Youtube, tirar dúvidas por

meio do Yahoo! Respostas ou nos fóruns no interior das comunidades do Orkut, e, ainda,

reproduzir, nos memes no Facebook e no Twitter, as curiosidades que a apropriação de tais

fatos históricos nos possibilitaram a ter. Mas podemos, também, consultar os livros, sejam

eles didáticos, de histórias em quadrinhos ou romances.

A partir de tais formas de consumo, apropriação, produção e compartilhamento de

conteúdos referentes à história de um lugar, nos propusemos a pensar as dinâmicas de

identidade e de memória. Temos a identidade e a memória como valores negociados e

disputados, construídos em confrontos individuais, coletivos e intergrupais. Consideramos a

memória como um fenômeno construído social e individualmente, sempre em diálogo ao

sentimento de identidade que, por sua vez, é caracterizado como a imagem de si que

construímos para nós mesmos e para apresentar aos outros. A presença do Outro na produção

da memória expressa a necessidade de uma testemunha para aquilo que se viveu, o que vai

garantir, ainda, um sentimento de identidade calcado no que é compartilhado histórica e

simbolicamente.

Seja de maneira individual ou coletiva, a memória é sempre carregada e compartilhada

por meio das interações sociais. A memória é o que permanece com e no diálogo entre o

passado e o presente. É uma condução criativa e imaginária que nos leva a encontrar o

passado, de forma mediada pelo presente. Lembrar é como uma visita: aquele que volta/vai, já

não é mais o mesmo que estava lá. Ou seja, num ato individual ou coletivo, subjetivo,

inconsciente ou ainda vulnerável ao trabalho de “enquadramento”, lembrar implica refazer,

refletir e compreender o presente a partir de um agora.

A identidade, por sua vez, também não é estática, fixa ou imutável, longe disso, além

de essencialmente relacional, ela está sempre em processo de reposicionamento e negociação,

diante confrontos e enfrentamentos, num processo onde as diferenças se comunicam. Logo,

temos a identidade como algo a ser inventado por meio da relação com o Outro, diante das

chances de desentendimentos e conflitos. A identidade, portanto, também se estabelece sendo

preenchida pelo que está fora, a partir do nosso exterior, compondo as formas pelas quais

imaginamos ser vistos pelos outros; o que nos faz ser constantemente perturbados pela

diferença.

Abraçando tais ideias de identidade e memória, temos a narrativa da nação, contada e

recontada nas histórias e na literatura, na mídia, fornecendo panoramas, símbolos e rituais

nacionais que representam as experiências partilhadas, sejam conquistas ou perdas, mas que

Page 135: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  134  

 

dão sentido à nação. Ou seja, conectam nossas vidas com um destino nacional que preexiste a

nós e continua existindo após nossa morte. Aqui, encontramos a memória que foi reformulada

pelo Outro e incorporada ou moldada em nós. Isso pode acontecer, por exemplo, por meio dos

trabalhos de enquadramento da memória, em que a referência ao passado serve, justamente,

para manter a coesão interna dos grupos e motivá-los a defender as fronteiras daquilo que têm

em comum.

No que se refere à memória e à identidade acreana, lidamos com valores preciosos na

condução histórica. Se os primeiros que se autodenominaram acreanos não foram pessoas que

nasceram lá, mas sim, aqueles que atuaram na configuração do Acre como Estado brasileiro,

temos aqui uma identidade que se configura, primordialmente, no mito fundador que é a

Revolução Acreana. E mais: tanto na história apresentada por historiadores, quanto nas

representações midiatizadas sobre o Acre, há uma tensão entre o vivido e o imaginado, o

simbólico e o imaginário. E, se, por muito tempo, o Acre foi tratado como um lugar para onde

iam os punidos socialmente, é de se considerar que a história produzida pelo Estado do Acre é

preenchida de narrativas que atuam na autoestima, na identidade e nas auto representações do

acreano (o que por si só, já foi tema de outras pesquisas acadêmicas, como aquelas às quais

nos referenciamos aqui). Não é difícil encontrar estratégias políticas que publicizam a história

do Acre por todo o Estado, sejam em bandeiras a cada esquina, em monumentos ou, ainda,

nos protestos contra ações políticas nacionais, como a reforma da Língua Portuguesa e a

alteração do fuso horário local.

Se o lugar ou a relação com o lugar tem tal importância na configuração identitária do

acreano, podemos considerar que tratamos de uma identidade que é, sobretudo,

territorialmente referenciada. Temos, afinal, um mito fundador que é configurado numa

conquista do território, que, logo, pode implicar sua defesa territorial. Além disso, conforme

visualizado nos comentários em postagens na internet, notamos que o acreano, ora afirma, ora

nega a si mesmo, numa sutil reprodução ou atualização do preconceito vivido anteriormente.

Ao mesmo tempo, se torna possível pensar que o jeito acreano de ser é a própria afirmação da

identidade. Ou seja: a negação do Acre, ao oportunizar a sua afirmação, oportuniza também a

reprodução/repetição do “jeito acreano de ser” - aquele que defende e luta pelo território

conquistado.

Aqui, já adentramos no cenário das interações nas redes sociais na internet. Iniciamos

o diálogo entre memória, identidade, história e midiatização. Se a midiatização desenha um

novo regime espaço-temporal, podemos apontar a atuação da mídia na configuração e

transformação dos lugares ou do trabalho de enquadramento da memória. Aquele catálogo

Page 136: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  135  

 

desnorteante de identidades possíveis apresentado pela internet, oferece também referentes de

memória midiatizada que agem como pontos de apoio ou estímulos para a rememoração de

acontecimentos. Como múltiplos palimpsestos midiatizados que, ao se referirem ao passado,

tanto contextualizam quanto descontextualizam ao adaptá-lo e dispô-lo em diferentes

linguagens e narrativas.

No interior das redes sociais na internet, detectamos uma interatividade difusa

caracterizada pelo fato de as respostas não serem tipicamente imediatas e pontuais, mas sim,

repercussão, redirecionamento e circulação, pois são ambientes propícios para que as

informações, símbolos e significados passem por processos de redeterminação e novas

reedições. Assim, as conexões entre os usuários e a troca de informações atuam nesta

construção, manutenção e reformulação de imaginários sociais, na propagação de mitos e

imaginários que ninguém sabe ao certo de onde veio ou como surgiu. Ao considerar os

aspectos das interações no interior de tais redes, as interações midiatizadas realizam uma

operação de descontextualização e recontextualização das representações identitárias e

territoriais.

É neste contexto que compreendemos o processo de atualização midiática do que

chamamos de “negação do Acre”. No Orkut, rede social que se popularizou no Brasil em

2004, encontramos comunidades que reproduzem a representação aqui estudada no período de

2004 até 2011. Entre as mais de 105 comunidades encontradas, a maior delas é a “Acre is a

Lie”, que chegou a mobilizar quase 6 mil pessoas. A história da comunidade virou tema de

livro e, hoje, seus membros interagem em outro grupo, agora no Facebook. No interior das

comunidades, encontramos os fóruns e as enquetes/pesquisas de temas diversos.

Tanto no Facebook, como no Twitter, encontramos o que tem sido mais usual chamar

de memes: composição de imagens e textos que convocam o Acre para um contexto aleatório

e descontextualizado, como para uma referência ao seriado norte-americano Lost. Nestes

ambientes, também encontramos a reprodução da negação do Acre na repercussão de alguma

notícia jornalística ligada ao Estado, como a da inauguração do primeiro shopping no Acre,

sobre alguma enchente ou, ainda, sobre a ida do time do Cruzeiro para um jogo contra o time

do Rio Branco.

No Yahoo! Respostas, encontramos aqueles que usam a rede, de maneira deliberada,

como fonte para trabalhos escolares. Nota-se que, além de comentários com propostas

jocosas, há aqueles que se preocupam em tecer uma crítica à questão política-histórica que

envolve a definição do Acre como Estado brasileiro.

Page 137: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  136  

 

No Youtube, também encontramos vídeos de naturezas diversas. Nos vídeos

apresentados, o Acre e tal negação aparecem imersos n’outros conteúdos alheios à

representação, como nos comentários sobre o vídeo da Maísa ou entrevistas em telejornais.

Mas existem também os vídeos feitos exclusivamente em torno de tal representação: alguns

produzidos e compartilhamentos com o tema único de provar que o Acre não existe ou que

existe sim.

Em todos esses ambientes, algumas características se tornam comuns. A primeira

delas é notar que, tanto nas postagens, como nos comentários que elas recebem, a negação do

Acre oportuniza a mistura de conteúdos, convoca e possibilita vários tipos de referências, ou

seja, essa repercussão envolve criatividade e conhecimento ao fazer menções a músicas,

filmes, novelas, e até à própria desconstrução de fatos históricos. Afinal, observamos que a

negação do Acre envolve expressões de criatividade, bom humor, tom jocoso e referências

diversificadas: do Professor Tibúrcio, personagem do Castelo Rá Tim Bum à X-Man e Eike

Batista. E isso é importante quando pensarmos a questão do capital social que mobilizam as

interações na rede.

Também notamos que as pessoas se apropriam de determinadas características

históricas e geográficas para enfatizar a negação do Acre: foi trocado por um cavalo; foi

abandonado; é longe, quente e tem poucos habitantes. Percebemos, portanto, tanto

manifestações preconceituosas, como também conteúdos criativos e mais qualificados no

sentido de realmente tentar entender ou explicar os processos de definição histórica e

geográfica do Acre. Comentários e perguntas de pessoas que revelam que estão fazendo um

trabalho da escola evidenciam, ainda, como que o acesso ao conhecimento ou aos conteúdos

históricos saem da escola, dos livros e ganham o universo midiatizado das redes.

Outro aspecto é que a negação alimenta calorosos embates: pessoas dizendo que o

Acre não existe; outras dizendo que o Acre existe sim; aquelas que se propõem a explicar que

é apenas uma piada; gente que parece suspeitar que os outros realmente acham que o Acre

não existe etc. Neste caso, podemos pensar que tal mobilização aciona, sobretudo, as questões

identitárias.

Também se evidencia o fato de que tanto o jornalismo, quanto as interações mediadas

pelas redes sociais, reproduzem e alimentam uma cadeia representacional singular sobre o

Acre. Ou seja, a reprodução da negação do Acre é localizada tanto quando o Acre é notícia,

diante de algum acontecimento extraordinário no Estado que repercute na rede; como

também, quando o assunto acionador de alguma interação tem como tema algo obscuro,

Page 138: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  137  

 

inexistente, controverso, abandonado etc. Neste momento, o nome do Estado acreano é

convocado para ilustrar, exemplificar, enfatizar ser sinônimo.

Dessa forma, notamos o quanto a negação do Acre mobiliza diferentes interações em

redes na internet. Em diferentes espaços e épocas, a representação aciona jogos e dinâmicas

característicos da midiatização: a descontextualização que, a partir das misturas de temas, de

encontros entre diferentes manifestações e contextos, pode ser entendida também como uma

contínua recontextualização. Isso acontece seja em tom jocoso, munidos de criatividade,

interdisciplinaridade e bom humor; seja providos de revolta ou, ainda, de frustração pela

“repetição da velha piada”. De todo modo, é importante ressaltar que os comentários

inauguram uma cadeia de interconexões que migram de uma rede a outra, num ciclo de

repetições e reverberações, como a relação com o seriado Lost, com o estádio do Corinthians,

a ligação com ETs ou com Chuck Norris.

Tudo isso permite pensar que a história e o processo de ocupação e definição espacial

dos territórios acreanos se somaram aos processos midiatizados e cristalizaram uma

experiência de negação. Afinal, as narrativas que delineiam a história do Acre nos fazem

imaginar a recusa, o descaso e a irresponsabilidade com que o governo brasileiro o tratou em

muitas e diferentes ocasiões.

Pensar as interações midiatizadas em volta da negação deste Estado implica em

pensar, portanto, a História deste Estado. Como não relacionar, por exemplo, a ideia de que “o

Acre não existe”, presente nas redes sociais na internet, com o fato de que, no passado, os

enviados ao “fim do mundo”, levavam a missão de desaparecer, como comentou Euclides da

Cunha? Em 1904, charges que circularam em grandes jornais nacionais, ilustravam o Acre

como a Sibéria do Brasil, afinal, os condenados eram enviados para viver - e morrer - no Acre

- naquela vaga geográfica. Além disso, um fato curioso de se pensar é como essas referências

não se fazem tão recorrentes em relação às outras regiões ainda mais ou tão distantes dos

grandes centros de país, como Roraima ou Amapá, ambos no extremo norte brasileiro. Mas se

a História trata do que se passou lá, a partir de um aqui e agora, nos deparamos com a

controvérsia de se pensar a história do Acre.

Portanto, podemos falar em uma radical ruptura com a predominância de uma

experiência temporal ancorada na experiência da permanência e da unidade. Passamos a viver

a possibilidade de tensionar esta experiência do contínuo identitário, advinda de uma

experiência de delimitação territorial e fronteiriça, com uma nova forma de se representar

identidades e se produzir memória através da reinvenção do espaço - que agora é

Page 139: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  138  

 

reconfigurado com ciberespaço. Temos, assim, outras formas de atualizar e revitalizar nossas

identidades e memórias. E mais: os lugares de memória se transformam.

Embora o contexto da midiatização seja do tempo fugidio e da memória

descontrolada, a internet oferece a possibilidade da permanente disponibilidade dos

conteúdos, a memória sem limites. O que foi publicado permanece acessível nos sites, seja

para contínuo acesso e/ou reedições. Não poderíamos, portanto, pensar as redes sociais, as

postagens que vão deixando rastros do vívido e do compartilhado, como lugares de memória?

Afinal, os conteúdos das postagens (e de suas respostas) se revelam como rastros de uma

memória e de uma história. Assim, a memória também se (re)configura em tais interstícios: os

posts são como ambientes disponíveis para serem revisitados e editados, além de

atravessarem, aleatoriamente, caminhos de navegação e pesquisa. Dentro de um jogo da

memória e de um discurso histórico, parece ser então criado um circuito para que o Acre seja

continuamente afirmado. Tal afirmação passa pela ideia de não esquecer que o Acre foi

negado. É onde o Acre existe: dentro da sua não existência.

Pensamos a História como uma ideia fortemente vinculada ao processo identitário e às

dinâmicas da memória, processos culturais que produzem e se alimentam de representações

imersas nas dinâmicas do lembrar e esquecer, construídas e revitalizadas de maneira ora

consciente ora inconsciente, e vulnerável a diversos usos, manipulações, contextos, interações

e mediações.

Dispomos de lugares de memória e centros de referências para ancorar nossas

impressões e certezas do mundo e elaborar nossas narrativas do ‘eu’ e do ‘nós’. Mas, com

proliferação dos aparatos técnicos comunicacionais e todas as possibilidades e

desafios apresentados pelo cenário da globalização e da midiatização, reinventamos as formas

de experimentar os espaços e os lugares, e experimentamos uma intensificação do encontro

com o Outro e com as diferenças, mesclando continuidades, consensos, controvérsias e

descontinuidades.

Aqui, pensamos a negação do Acre, por meio da midiatização da memória, da história,

dos confrontos identitários. Notamos que tal representação se transforma conforme as

dinâmicas de interação, compartilhamento de conteúdos e participação na rede online, e pode

ser localizada em contextos diversos e aleatórios, seja numa negação territorial daquele lugar

ou num uso figurado e metafórico, como um adjetivo que identifica algo inexistente.

Estes conteúdos e as narrativas históricas midiatizadas estão sujeitos a uma

redeterminação, reapropriação e descontextualização. Ao se compreender a negação histórica

e a construção de ficções a este respeito, percebemos a cristalização e a atualização desta

Page 140: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  139  

 

representação conforme as dinâmicas das redes sociais na internet e suas possibilidades de

produção e compartilhamento de conteúdos.

A partir disso, notamos que certos padrões se cristalizaram no processo de construção

de representações, construídas e reencenadas pelas novas ferramentas midiáticas; possibilitada

pelas contínuas atualizações dos encontros e desencontros vividos na história de um lugar.

De um lado, temos algo que é dito a respeito do Acre, e que gera interação nas redes

sociais e, de tanto repercutido, se distancia do que é afirmado, efetivamente, a respeito do

território acreano. Ou seja, não é necessariamente uma crença de que o Acre não exista, mas,

uma estratégia de interação, a partir da questão simbólica de tomar o Estado como algo

desconhecido, exótico e envolto de mistério. Por outro lado, não podemos ignorar a negação

política vivida pelo Estado do Acre durante todo o seu processo histórico de ocupação e

definição geográfica, e, ainda, a repercussão deste meme pelos acreanos. Afinal, uma vez

acionada uma questão identitária, se impulsiona outro processo de interação, quem sabe, um

novo meme, aquele que afirma: “o Acre existe sim”.

Percebemos a configuração de uma memória midiatizada em torno da negação do

Acre: junto com a História, o conflito identitário também migrou para a internet e se mantém,

mesmo que descontextualizado. Ou seja, aquilo que vem da ordem do histórico é enfatizado

de forma descontextualizada na internet, por esses lugares na internet. E a tal negação acaba

sempre revitalizando a memória do acreano, pois o lembra que ele foi negado e convoca a

revitalização de sua história, fazendo com o que o mito fundador acreano continue presente.

Esse jogo identitário é o jeito acreano de ser. Logo, é possível afirmar a existência de um

processo de descontextualização e recontextualização da história e das representações do Acre

por meio das interações no Facebook, Twitter, Orkut e sites de notícias, imerso sob

dinâmicas, jogos e disputas variados e sutis da memória e da identidade, alimentam e são

alimentados pelos fluxos dos conteúdos no universo midiatizado.

A história reverbera com e na midiatização e entrelaçando as tramas históricas, tramas

identitárias e as tramas das redes. É o diacrônico com o sincrônico e que, de certa forma, dá

continuidade ao histórico. É como se, em sua história, a identidade do acreano fosse

construída num constante convite ao desafio da afirmação e da defesa territorial. Portanto, a

afirmação de que “o Acre existe sim” é a oportunidade da atualização de uma singularidade,

um jeito acreano de ser. Na tensão entre o sim e o não; entre afirmação e negação, está a

identidade do acreano. Como se a própria negação oportunizasse o exposição e exibição

identitária, ou seja, o seu fortalecimento, a sua manutenção.

Page 141: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  140  

 

Reconhecemos a internet, portanto, como lugar de interações que, ao configurar

subjetividades e identidades, configura também a memória. Nesse sentido, a dimensão da

territorialidade, do tempo e da memória, aqui tomados como referenciais, são marcas

importantes na construção seja de continuidade ou de rupturas.

A dinamicidade das redes possibilita a experiência de padrões de interação

cooperativa, competitiva ou geradora de conflito, e assim revelam como variam suas

estruturas, organização e vínculos. Podemos abordar as motivações de envolvimento e

participação nas redes sociais na internet, no que se refere à produção e replicação de

conteúdos.

Ao equacionar tais referenciais ao processo de atualização midiática do que chamamos

de “negação do Acre”, notamos que a internet atualiza os processos de negação e afirmação

característicos da histórica e da cultura daquele Estado. O que singulariza é que tais interações

não demandam e nem se alimentam de historicidade, e são alimentados pela imediaticidade e

abundância de trocas, marcadas pela superficialidade. Ou seja, são trocas alimentadas não por

embates políticos, simbólicos e econômicos, mas pela dinamicidade das redes sociais, onde se

configura, por exemplo, a lógica dos memes, em que se replicam determinadas ideias em

busca de popularidade, fortalecimento de laços, interação, entre outros.

Tais representações produzem quadros de realidades e de memórias que

simultaneamente são novos e tradicionais. O estudo dos memes nos parece oportunizar a

abordagem interdisciplinar tanto das dinâmicas das redes sociais quanto de questões da vida

contemporânea. Conforme o capital social envolvido e os contextos em que os memes

circulam, eles se mostram potentes deflagradores virais de sentidos que assumem um lugar

muito importante na dinâmica social das redes. Parece-nos que neste enquadramento, os

memes se configuram como uma alternativa para analisar e entender conteúdos e interações

vividas e observadas na internet.

Com as evidências de uma forma de representação do Acre no ambiente online, que

nega a existência do estado, acreditamos estar diante de um meme, cuja ideia principal é a

representação do Acre como um mito ou uma lenda histórica, que é acionada seja por fatos

jornalísticos ou por dinâmicas aleatórias nas redes. Conforme suas características peculiares,

notamos que o meme referente à negação do Acre ultrapassa várias tipologias e categorias. O

estudo dos memes nos permite entender que este meme circula em laços fracos, e convoca a

um capital social relacional, pois estimula a interação ao possibilitar a frequente

recombinação e adaptação entre diversos contextos e conteúdos. Tal replicação, portanto,

pode se configurar como estratégia de visibilidade e/ou popularidade; além de solicitar

Page 142: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  141  

 

suporte, apoio, aprofundamento do laço social. Ou seja, uma postagem com a replicação deste

conteúdo não busca gerar informação e conhecimento ou intimidade, mas, sim, a construção e

o reforço de laços sociais com o propósito de gerar interação e empatia com o leitor, ao ser

engraçado. Mas também, ao ser relacionado com outros conteúdos e compor uma piada que

faz referências a filmes, seriados, músicas etc, podemos pensar que o laço interativo é o forte,

pois se torna uma “piada para poucos”.

Além disso, é importante observar que, no caso da comunidade “Acre is a Lie”, a

interação entre os participantes gerou um laço social forte, uma vez que oportunizou

encontros presenciais e, mais: a atualização ou migração do grupo para o Facebook. Por isso,

se na internet, existem territórios simbólicos, o capital social que envolve aquele meme se

altera conforme a referência territorial onde ele é reproduzido. Diante disso, é possível

identificar uma rede de relações que se delineiam independente das fronteiras dos sites das

redes sociais. É possível, ainda, intensificar a problemática a respeito da metáfora do vírus na

rede, afinal, onde, realmente, estará a potência de sua propagação: no meme/ideia (o vírus) ou

em seu contexto (o organismo hospedeiro)? Ou melhor: o poder está no meme ou na

fragilidade do contexto em que circula? Contamos, assim, com a possibilidade de a virulência,

simplesmente, falhar.

Percebemos que a memória é refeita, atualizada e repetida em seus mitos, pelas

interações midiatizadas. São reterritórios da memória encontrados na narrativa dinâmica da

rede: as diferenças e distâncias entre as datas de postagens e comentários mostram o quão as

interações são assíncronas e atemporais.

Nota-se que, além de comentários com propostas jocosas, há aqueles que se

preocupam em tecer uma crítica à questão política-histórica que envolve a definição do Acre

como Estado brasileiro. Ou seja, encontramos também diversos níveis no que se refere à

qualidade dos conteúdos envolvidos nas interações.

Ao longo da pesquisa, outros caminhos se apresentam como possíveis campos para

desdobramentos de análises ou formas de leitura. Conforme as redes se complexificam, os

laços sociais se alteram, os capitais sociais se tornam mais diversos e novas dinâmicas

surgem. Por exemplo, poderíamos falar do “trolling” ou “trolagem”, em que o troll é aquele

que busca desestabilizar ou ridicularizar uma identidade (ou indivíduos, classes) alheia,

praticando a “trolagem”, gerando o conflito na rede. Mesmo caracterizado pela agressividade,

o “trolling” pode estar associado ao humor, que, por sua vez, tem uma evidente presença nos

conteúdos das redes sociais na internet. A reprodução de conteúdos que se pautam pelo humor

Page 143: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  142  

 

e pela chacota, e que gera o riso generalizado na rede, pela natureza agregadora da piada e

marcam importante mediação nas interações midiatizadas.

Outra descoberta curiosa que os enredos finais da pesquisa possibilitaram, foi saber

que, apesar de toda a especificidade histórica no caso do Acre, a negação de um Estado (ou de

uma cidade) por parte de um país não é exclusividade. A Alemanha e os Estados Unidos

parecem ter seus próprios Acres. Bielefeld e Dakota Norte parecem ser, respectivamente, o

Acre da Alemanha e o dos Estados Unidos. Em um blog norte-americano, o “Pun-Intended71”

encontramos: “Você já conheceu alguém de Dakota do Norte? Já visitou o lugar? Se você

respondeu sim a uma dessas perguntas, você está mentindo ou delirante. Dakota do Norte não

é real”.

Na Wikipédia, lemos sobre a “Conspiração de Bielefeld”72, um meme satírico

cunhado em 1994, popular entre os usuários da internet na Alemanha e consiste em defender a

inexistência da cidade propondo as perguntas: 1 - Você conhece alguém que vem de

Bielefeld?; 2 - Alguma vez você já esteve lá? 3 - Você conhece alguém que já esteve em

Bielefeld?. Na sequência das perguntas, a constatação: "O fato de que, possivelmente, a

maioria das pessoas responda negativamente, ‘prova’ a ausência de tal localidade”.

No encontro com o outro, aqui, especificamente, por meio das redes sociais na

internet, acreanos e não-acreanos são sujeitos de um processo de agenciamento de diferentes

percepções e rivalidades. Ambos equacionam sentidos para signos criados em diferentes

contextos culturais, numa constante reiteração e reinterpretação. Afinal, redes sociais são

espaços de geração de conflito e agregação, seja pela propagação de expressões jocosas,

preconceituosas e/ou estereotipadas, seja pela defesa de uma identidade.

                                                                                                               71 Que pode ser traduzido como: “sem ironia” ou “jogo de palavras”. Eis o link: http://punintended.com/north-dakota-doesnt-exist/ 72 Aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Bielefeld_Conspiracy

Page 144: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  143  

 

REFERÊNCIAS

AC 24 HORAS. O Acre existe? Google Street View vai mostrar que sim. Disponível em: <http://www.ac24horas.com/2012/04/30/o-acre-existe-google-street-view-vai-mostrar-que-sim/>. Acesso em jul. 2013. ACRE. Galvez e a República do Acre - Revista do 1o Centenário do Estado Independente do Acre. Rio Branco, 2002. AGUIAR, Sonia. Redes sociais na internet: desafios à pesquisa. In: XXX CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2007. Santos, SP. Anais... Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Disponível em: < http://www.sitedaescola.com/downloads/portal_aluno/Maio/Redes%20sociais%20na%20internet-%20desafios%20%E0%20pesquisa.pdf>. Acesso em ago. 2011. ALVES, Antonio. Arqueologia do Recente - Livro Três. Artigos em geral. Rio Branco: Valcir, 2004. ARBEX JUNIOR, José. Terra sem povo, crime sem castigo - Pouco ou nada sabemos de concreto sobre a Amazônia. In: TORRES, Maurício (Org). Amazônia Revelada: os descaminhos da BR 163. CNPQ, 2005. BASTOS, Abguar. Introdução. In: COSTA, João Craveiro. A conquista do deserto ocidental: subsídios para a história do Território do Acre. Brasília: Senado Federal, Gabinete do Senador Geraldo Mesquita Júnior, 2005. (Documentos para a história do Acre). BARIANI, HENDERSON. Os Treze do Orkut, 2010. Disponível em: <http://www.bookess.com/read/3487-os-treze-do-orkut/>. Acesso em jan. 2014. BARROS, José Márcio. Velhas e novas questões sobre a cultura e a identidade. Disponível em: <http://www.ufjf.br/ppgace/files/2008/12/_________________________________apostila-jose-marcio-por-regina-kopke-20081.doc>, acesso em: ago. 2011. BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 2012. BEZERRA, Maria José (org). (1992). Dossiê-Acervo: Guiomard Santos (Acre). Elevação do Acre a Estado. Rio Branco: Globo. BONIN, Jiani Adriana. Investigando memórias midiatizadas - questões metodológicas, pistas e constatações. In: XIX Encontro da Compós, 2010. Rio de Janeiro - RJ. Anais, 2010. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Recepção, Usos e Consumo Midiáticos”, do XIX Encontro da Compós, na PUC-RJ, Rio de Janeiro, em junho de 2010.

Page 145: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  144  

 

BONIN, Jiani Adriana. Mídia e memórias: delineamentos para investigar palimpsestos midiatizados de memoria étnica na recepção. In: Fronteiras – estudos midiáticos VIII. Unisinos, São Leopoldo. Vol. VIII, nº 2, p. 133-143, 2006. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade - Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. BRAGA, José Luiz. Mediatização como processo interacional de referência. In: MÉDOLA, Ana Sílvia Lopes Davi; ARAUJO, Denise Correa; BRUNO, Fernanda (Orgs.). Imagem, Visibilidade e Cultura Midiática. Livro da XV Compós. Porto Alegre: Sulina, 2007. p. 141-147. BRAGA, José Luiz. Constituição do Campo da Comunicação. In: Verso e Reverso – Revista da Comunicação. Unisinos, São Leopoldo. Ano XXV, nº 58, p. 62-77, 2011. BRASIL. Sancionada lei que retoma antigo fuso horário do Acre, 2013. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/10/31/sancionada-lei-que-retoma-antigo-fuso-horario-do-acre>. Acesso em jan. 2014. BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. CAIXA PRETA. Por um Brasil melhor. Disponível em: <http://www.caixapretta.com.br/2012/01/por-um-brasil-melhor/> Acesso em jun. 2012. CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das letras, 1990. CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. CERTEAU, Michel de. A história - uma paixão nova. [depoimentos - mesa redonda]. In: A nova história. LE GOFF, Jacques et al. Edições 70 - Lisboa - Portugal, 1991. CHAGAS, Carlos. O Planalto se rende e entrega a Amazônia, 2002. Disponível em: <http://www.consciencia.net/ecologia/arquivo01/chagas2.html>. Acesso em: 01 de jun. 2013. CHAUÍ, Marilena. Os trabalhos da memória (apresentação). In: BOSI, Ecléa. Memória e sociedade - Lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 17-33. CHEIDA, Samir. A farsa do Acre, 2010. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=5KdQvtT2NEQ>. Acesso em jan. 2014. COLLINGWOOD, R. G. A ideia de história. Portugal: Editorial Presença, 1975. COSTA, João Craveiro. A conquista do deserto ocidental: subsídios para a história do Território do Acre. 2. Ed. São Paulo, Editora Nacional; Brasília, 1973. (Brasiliana, v. 191). COSTA. Luciano Martins. Pauta Acriana: O Brasil não conhece o Brasil. Observatório da Imprensa. São Paulo, dez. 2011. Seção Imprensa em questão. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_brasil_nao_conhece_o_brasil_1>. Acesso em jun. 2012.

Page 146: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  145  

 

COUTINHO, Pedro. O Acre existe..!!, 2011. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=43FIqmWjPqM>. Acesso em jan. 2014. CUNHA, Euclides da. À margem da história. São Paulo: Martins Fontes, 1999. DAMASCENO, Nattércia. Mensagem pessoal in box Facebook. Jan. 2014. DAQUINO, Fernando. Facebook termina 2013 com 67,96% dos acessos a redes sociais no Brasil, 2014. Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/facebook/49328-facebook-termina-2013-com-67-96-dos-acessos-a-redes-sociais-no-brasil.htm>. Acesso em jan. 2014. DAWKINS, Richard. O Gene Egoísta. Tradução Geraldo H. M. Florsheim. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1979. DESCICLOPÉDIA, a enciclopédia livre de conteúdo. Acre. Disponível em: < http://desciclopedia.ws/wiki/Acre>, Acesso em: out. 2012. FACEBOOK. Disponível em: <www.facebook.com>. Acesso em jan. 2014. FAUSTO NETO, Antônio. Epistemologia do zigue zague. In: REDE PROCAD de pesquisa. I Seminário de Epistemologia e Pesquisa em Comunicação. São Leopoldo: CNPq/Unisinos, 2009. p. 79-93. Disponível em: <http://projeto.unisinos.br/midiaticom/conteudo/artigos/2009/Seminario_sl_Procad_2009.pdf>. Acesso em 8 de jan. de 2013. FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. São Paulo: Contexto, 2003. FLUSSER, Vilém. O mundo codificado - Por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007. FRAGA, Daniel. Maisa e o Acre, 2008. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=xQVF1ldDLAU>, Acesso em: ago. 2011. FRITO, Galo. Pathy que te Pariu 34 - Desafio da Canela em Pó / Acre Existe? #PQTP, 2012. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=zeNSLe_XttA>, Acesso em: jan. 2014. GASPARIN, Gabriela. Acreanos viajam até 700 km para conhecer 1º shopping do estado. G1. São Paulo, dez. 2011. Seção Economia/Negócios. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2011/12/acreanos-viajam-ate-700-km-para-conhecer-1-shopping-do-estado.html>. Acesso em jun. 2012. GASPARIN, Gabriela. Primeiro shopping muda hábitos da população do Acre. G1. São Paulo, dez. 2011. Seção Economia/Negócios. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2011/12/primeiro-shopping-muda-habitos-da-populacao-do-acre.html>. Acesso em jun 2012. GENTILI, Danilo. O Ano Novo acabou de começar aqui onde estou. Feliz 2012 Acre!, 2014. Disponível em:

Page 147: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  146  

 

<https://www.facebook.com/photo.php?fbid=575130099230215&set=a.254705481272680.59148.137547819655114&type=1&theater>. Acesso em jan. 2014. GTMM. O Acre existe?, 2007. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=-P1RTwQ4-k4>. Acesso em jan. 2014. HALL, Stuart. Quem Precisa de Identidade?. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2005. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. HARVEY, David. O Acre numa perspectiva global. In: BIENAL DE ARTES DE SÃO PAULO (27: 2006) - SEMINÁRIOS. Rio de Janeiro: Cobogó, 2008. HENN, Ronaldo. Direito a memória na semiosfera midiatizada. In: In: Fronteiras – estudos midiáticos VIII. Unisinos, São Leopoldo. Vol. VIII, nº 3, p. 177-184, 2006. HJARVARD, Stig. Teorizando a mídia como agente de mudança social e cultural. Revista Matrizes. São Paulo, ano 5, n. 2, p. 53-91, jan./jun. 2012. IBOPE MÍDIA. O Fenômeno das Redes Sociais no Brasil. Disponível em <http://www.slideshare.net/ricardodepaula/o-fenmeno-das-redes-sociais-no-brasil>, Acesso em: ago. 2011 JAGUARIBE, Beatriz. O choque do real: estética, mídia e cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. JOÃO LENNON. Paulinho adora ir para lugares que não existem. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=141962269287123&set=pb.133975066752510.-2207520000.1376255995.&type=3&theater>. Acesso em jul. 2013. KESSEL, Zilda. Memória e Memória Coletiva. Disponível em: <http://www.museudapessoa.net/oquee/biblioteca/zilda_kessel_memoria_e_memoria_coletiva.pdf>, Acesso em: set. 2011. LANDIM, Wikerson. Por que o Orkut deixou saudades? 2013. Disponível em: <http://www.tecmundo.com.br/infografico/41071-por-que-o-orkut-deixou-saudades-infografico-.htm#ixzz2s6SM9w3N>. Acesso em jan. 2014. LE GOFF, Jacques. A história - uma paixão nova. [depoimentos - mesa redonda]. In: A nova história. LE GOFF, Jacques et al. Edições 70 - Lisboa - Portugal, 1991. LE GOFF, Jacques. Reflexões sobre a história. Edições 70 - Lisboa - Portugal, 1999. LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003. LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 2005. LEÃO, Lucia. O labirinto da hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço. São Paulo: FAPESP, 2001.

Page 148: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  147  

 

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2009. LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet - em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010. LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo - resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. LIMA, Gislaine. Por um Brasil melhor. INSONIA. Disponível em: < http://www.insoonia.com/por-um-brasil-melhor/>. Acesso em jun. 2012. MACHADO, Altino. O Brasil não conhece o Brasil. Disponível em: <http://altino.blogspot.com.br/search?q=o+brasil+n%C3%A3o+conhece+o+brasil>. Acesso em jun. 2012. MACHADO, Altino. Globo tenta impedir fuso horário escolhido em referendo no Acre, 2011. Disponível em: <http://terramagazine.terra.com.br/blogdaamazonia/blog/2011/02/18/globo-tenta-impedir-fuso-horario-escolhido-em-referendo-no-acre/>. Acesso em 01 de jun. de 2013. MATOS, Heloiza. O lado escuro do capital social: implicações sociais e políticas In: Líbero. São Paulo – v. 12, n. 23, p. 53-62, jun. de 2009. Disponível em: <http://www.facasper.com.br/rep_arquivos/2010/03/16/1268758057.pdf>. Acesso em 7 de jan. de 2013. MATTEI, Luiz Gustavo. Como estão as eleições no Acre?, 2010. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=OLcVP0kLITY>. Acesso em jan. de 2014. MEILI, Angela Maria. “A Banda Mais Bonita da Cidade”- Espalhamento na Rede e o Meme enquanto Intertexto. In: XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2011, Recife, PE. Anais, 2011 MIGORANCA, Marco Antônio. O Acre não existe - A Musica mais bonita do limbo, 2011. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=8AAr_W2kkqI>, Acesso em jan. 2014. MINERS, Zach. Yahoo libera relatório de transparência. Brasil pediu dados sobre 385 pessoas. In: IDGNow! Tecnologia em primeiro lugar. Disponível em: <http://idgnow.com.br/internet/2013/09/06/yahoo-libera-seu-relatorio-de-transparencia-sobre-pedidos-de-dados-dos-governos/>. Acesso em dez. 2013. MIRANDA, Celso. Rio: Cidade Doente. A revolta da vacina, 2004. Disponível em: < http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/historia/rio-cidade-doente-revolta-vacina-433836.shtml>, Acesso em outubro, 2012.

MORAIS, Maria de Jesus. “Acreanidade”: invenção e reinvenção da identidade acreana. 2008. 301f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense - UFF. Programa de pós-graduação em Geografia, Niterói.

Page 149: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  148  

 

MORAIS, Tammer. Viagem de Fábio Porchat ao Acre, 2008. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=_wpRgFAX78M&feature=related>, Acesso em: ago. 2011. NÃO SALVO. Sem título. In: Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10150877553017989&set=a.470456762988.249799.204520732988&type=1&ref=nf>. Acesso em jun. 2012. NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. São Paulo: Leya, 2009 NEVES, Marcos Vinícius. Uma breve história da luta acreana. In: ACRE. Comitê Chico Mendes. Caderno Povos da Floresta. Rio Branco, 2003. NEVES, Marcos Vinícius. História Nativa do Acre. In: ACRE. Fundação Elias Mansour. História Indígena da Amazônia Ocidental. Rio Branco: Fundação Elias Mansour, 2002a. NEVES, Marcos Vinícius. Acreanos e Jacobinos. In: ACRE. Governo do Estado do Acre. Galvez e a República do Acre - Revista do 1o Centenário do Estado Independente do Acre. (2002b). NEVES, Marcos Vinícius. O Acre por um cavalo branco, 2006. Disponível em: <http://altino.blogspot.com/2006/05/o-acre-por-um-cavalo-branco.html>. Acesso em: ago. 2011. NORA, Pierre. O acontecimento e o historiador do presente [Entrevista realizada por Jean-Jacques Brochier]. In: A nova história. LE GOFF, Jacques et al. Edições 70 - Lisboa - Portugal, 1991. O ACRE EXISTE. Disponível em: <http://oacreexiste.com/index/>. Acesso em: jun. 2012 OLIVEIRA, Mayra Juruá Gomes de. A importância da ciência e tecnologia no desenvolvimento da Amazônia e o caso do Acre. Dissertação Mestrado. Universidade Nacional de Brasília. Mestrado em Ciências Sociais, 2008. ORKUT. Disponível em: <www.orkut.com>, Acesso em dez. 2013. OROZCO GOMEZ, G. Comunicação Social e mudança tecnológica: um cenário de múltiplos desordenamentos. In: MORAES, Dênis de (org). A sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. p. 81-98. PATRÍCIO, Lucas. Como funciona uma busca personalizada no Google? Revista Mundo Estranho. Dezembro, 2013. Edição 147. Editora Abril. São Paulo, SP. POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silencio. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15. POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992. p. 200-212. PORTA CURTAS. A farsa do Acre. Disponível em: <http://portacurtas.org.br/filme/?name=a_farsa_do_acre>. Acesso em: jun. 2012.

Page 150: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  149  

 

RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível - Estética e política. São Paulo: Exo Experimental, 2005. RECUERO, Raquel. Comunidades Virtuais em Redes Sociais na Internet: Uma proposta de estudo. Ecompos, Internet, v. 4, n. Dez 2005. RECUERO, Raquel. Memes em weblogs: proposta de uma taxinomia. In: XVI Encontro Anual da Compós, 2006. Bauru – SP. Anais, 2006. RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2010. RECUERO, Raquel. A conversação em rede - Comunicação mediada pelo computador e redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2012. RECUERO, Raquel. Atos de Ameaça à Face e à Conversação em Redes Sociais na Internet. In: PRIMO, Alex (org). A internet em rede. Porto Alegre: Sulina, 2013. SANTAELLA, L. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus, 2010. SILVA, Francisco Bento da. Acre, a “Pátria dos Proscritos”: prisões e desterros para as regiões do Acre em 1904 e 1910. 2010. 363f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Paraná - UFPR, Programa de Pós-Graduação em História, Curitiba. SILVA, Mauro César Rocha da. Razões da sustentabilidade do Governo da Floresta: uma releitura do processo de desenvolvimento do Estado do Acre. 2011. 350f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Seropédica. SILVA, Clodomir Monteiro da. (2009). Resolução da Academia Acreana de Letras N º 001 – 2009. Disponível em: <http://altino.blogspot.com.br/2009/07/gentilico-acreano.html>. Acesso em 1 de jun. de 2013. SILVA, André. Meme - Willy Wonka Irônico - Enem e Acre. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=538766052807376&set=a.215971921753459.66650.100000219578409&type=1&theater>. Acesso em jul. 2013. SCOLARI, Carlos. Hacer Clic - Hacia una sociosemiótica de las interaciones digitales. Barcelona: Editorial Gedisa, S.A, 2004. SCOLARI, Carlos. Hipermediaciones - Elementos para una Teoría de la Comunicación Digital Interativa. Barcelona: Editorial Gedisa, 2008. SOUZA, Márcio. Galvez, Imperador do Acre / Adaptação da obra de Márcio Souza: Ilustrações de Miguel Imbiriba; Roteiro de Domingos Demasi. Belém: SECULT, 2004. SOUZA, David. Sem título. In: Facebook. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=185253791577917&set=a.185253788244584.25619.100002798935651&type=1&theater>. Acesso em fev. 2012.

Page 151: O Acre (não) existe: um estudo sobre identidade, memória e

  150  

 

TESTE, Away. Conspiração Acre no RJ TV, 2008. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ESxkT8q7Ex8> . Acesso em jan. 2014. TOCANTINS, Leandro. Formação Histórica do Acre. 3o Volume. Conquista: Rio de Janeiro, 1961. Coleção Temas Brasileiros. TWITTER. Disponível em: <http://www.twitter.com>. Acesso em jan. 2012. Twitter tem 200 milhões de usuários, mas 40% não publicam mensagens. Disponível em: <http://tecnologia.ig.com.br/2013-03-22/twitter-tem-200-milhoes-de-usuarios-mas-40-nao-publicam-mensagens.html>. Acesso em jan. 2014. VIEIRA, André. Acre’n’roll. Rolling Stone Brasil. São Paulo, n. 01, p. 119, out. 2006. WEISSBERG, Jean-Louis. Paradoxos da teleinformática. In: PARENTE, André (Org.). Tramas da rede: novas dimensões filosóficas, estéticas e políticas da comunicação. Porto Alegre: Sulina, 2004. WHITE, Hayden. Meta-história - A imaginação histórica do século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. Wikipédia, a enciclopédia livre. Desciclopédia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Desciclop%C3%A9dia#cite_note-folha-1, acesso em: ago. 2011 YOUPIX. A origem e o melhor do Willy Wonka Ironico. Disponível em: <http://youpix.com.br/memepedia/a-origem-e-o-melhor-do-willy-wonka-ironico/>. Acesso em jul. 2013. YAHOO! Respostas. Disponível em: <http://br.answers.yahoo.com/>. Acesso em jul. 2013. 98 FUTEBOL CLUBE. In: Facebook: <http://www.facebook.com/98futebolclube/posts/270249946385123>. Acesso em jun. 2012