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O ACONTECIMENTO HISTÓRICO ONLINE: A DITADURA MILITAR EM SITES EDUCACIONAIS . Ana Julia Gomes de Oliveira Sonia Maria de Meneses Silva Com o acelerado aumento no acesso a internet que vem ocorrendo no Brasil, assim como no mundo, principalmente como resultado da inserção dos computadores nas casas e nas vidas das pessoas, percebemos que este meio midiático se torna cada vez mais influente, adentrando diversas áreas do conhecimento vindo a assumir também um papel didático, o que não se faz diferente para com a história. Assim o objetivo deste trabalho é discutir alguns elementos presentes em sites educacionais, voltados para como estas narrativas didáticas estão sendo construídas nestes ambientes virtuais. Focando principalmente nas narrativas voltadas para o Regime Militar no Brasil. O presente trabalho faz parte do projeto de pesquisa “Internet, Escrita da História e Ensino: Sites educacionais e os desafios ao ensino de História”, financiado pelo CNPQ. Palavras-chaves: Internet, Ensino e Ditadura Militar. A partir da década de 1990 os computadores adentraram definitivamente as casas e as vidas das famílias como também os ambientes escolares. A popularização dessa ferramenta passa a fazer parte da vida cotidiana dos indivíduos, não só na intimidade e na exposição de suas redes sociais, mas na reprodução do conhecimento, tanto que, a partir dela temos acesso a livros, textos, imagens e conteúdos sobre as mais variadas áreas. Com a internet vemos surgir uma série de blogs e páginas pessoais abordando diversos temas inclusive a ampliação de uma produção voltada para o passado cada vez mais presente em sites destinados ao ensino de história, por tal razão Este artigo é parte de uma pesquisa cujo o título é “Internet, Escrita da História e Ensino: Sites educacionais e os desafios ao ensino de História”, financiado pelo CNPQ. financiado pelo CNPQ. Graduanda do curso de História da universidade regional do cariri URCA, bolsista do cnpq Profa. Dra. Da universidade regional do cariri- URCA/ MHAIS e da rede PROF. HISTÓRIA

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O ACONTECIMENTO HISTÓRICO ONLINE: A DITADURA

MILITAR EM SITES EDUCACIONAIS.

Ana Julia Gomes de Oliveira

Sonia Maria de Meneses Silva

Com o acelerado aumento no acesso a internet que vem ocorrendo no Brasil, assim

como no mundo, principalmente como resultado da inserção dos computadores nas

casas e nas vidas das pessoas, percebemos que este meio midiático se torna cada vez

mais influente, adentrando diversas áreas do conhecimento vindo a assumir também um

papel didático, o que não se faz diferente para com a história. Assim o objetivo deste

trabalho é discutir alguns elementos presentes em sites educacionais, voltados para

como estas narrativas didáticas estão sendo construídas nestes ambientes virtuais.

Focando principalmente nas narrativas voltadas para o Regime Militar no Brasil. O

presente trabalho faz parte do projeto de pesquisa “Internet, Escrita da História e

Ensino: Sites educacionais e os desafios ao ensino de História”, financiado pelo CNPQ.

Palavras-chaves: Internet, Ensino e Ditadura Militar.

A partir da década de 1990 os computadores adentraram definitivamente as

casas e as vidas das famílias como também os ambientes escolares. A popularização

dessa ferramenta passa a fazer parte da vida cotidiana dos indivíduos, não só na

intimidade e na exposição de suas redes sociais, mas na reprodução do conhecimento,

tanto que, a partir dela temos acesso a livros, textos, imagens e conteúdos sobre as mais

variadas áreas. Com a internet vemos surgir uma série de blogs e páginas pessoais

abordando diversos temas inclusive a ampliação de uma produção voltada para o

passado cada vez mais presente em sites destinados ao ensino de história, por tal razão

Este artigo é parte de uma pesquisa cujo o título é “Internet, Escrita da História e Ensino: Sites educacionais e os desafios ao ensino de História”, financiado pelo CNPQ. financiado pelo CNPQ. Graduanda do curso de História da universidade regional do cariri –URCA, bolsista do cnpq Profa. Dra. Da universidade regional do cariri- URCA/ MHAIS e da rede PROF. HISTÓRIA

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estão cada vez mais ligados à produção de consciência histórica dos indivíduos do

momento em que vivemos.

Deste modo, a rede mundial de computadores se tornou um espaço

importante para a produção de suportes pedagógicos. Simultaneamente, a

rede estabeleceu desafios aos historiadores, exigindo deles um olhar atento

sobre o consumo realizado quando o assunto é preparar terrenos no

ciberespaço para o cultivo da consciência histórica. (MAYNARD, 2009: 4)

A internet tem se tornado um ambiente promissor na construção de

narrativas históricas alterando não apenas as formas como o sujeito se apropria do

conhecimento, mas as maneiras como se ensinam e se aprendem história, como também

a maneira como o historiador lida com a história que está sendo narrada. Em um tempo

de veiculação e circulação instantânea de conteúdos e informações vemos surgir um

grande numero de sites que assumem a responsabilidade de narrar fatos históricos e dos

quais muitos realizam também uma função educativa na medida em que voltam suas

produções para um público de alunos que busca por informações e explicações em um

meio que tem se tornado cada dia mais popular.

Ao analisar quatro sites voltados para o ensino de história mais

especificamente, as produções presentes referentes à ditadura militar no Brasil,

percebemos diversos aspectos semelhantes e divergentes entre eles, aos quais

tentaremos explorar de forma introdutória neste artigo. Os sites analisados foram:

“História do Brasil.net”, “Historianet”, “Guia do estudante e “viagem pela história do

Brasil”. A metodologia consistiu em três fases: primeiro uma análise estrutural dos sites

procurando compreender seus elementos constitutivo tais como: imagens, textos,

organização do conteúdo, links disponíveis, propagandas e parcerias. No segundo

momento, procuramos estabelecer uma seleção de conteúdos a serem analisados. Para

isso, optamos por nos determos a uma temática específica, um evento marcante para a

história recente do país, no caso a Ditadura Militar. Na seleção dos textos realizamos a

busca conceitual nos sites a partir de termos de busca, por exemplo: “ditadura militar”,

“golpe militar”, etc. Num terceiro momento, procedemos a análise do material coletado

a partir de elementos conceituais e empíricos.

É relevante ressaltar que essas produções acabam por atingir um grande

público e influenciam comportamentos de maneira significativa. Ao analisarmos o

momento atual no qual vemos tantos jovens saindo às ruas e pedindo por uma

intervenção militar, ficamos mais atentos para como este público está recebendo e

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absorvendo os discursos sobre o passado, nesse sentido, Dilton Cândido Santos

Maynard discute a produção de conteúdos que influenciam a intolerância em sites de

extrema-direita como Metapedia, o qual, reproduz uma versão amenizada ou até

distorcida da imagem de Adolf Hitler. Ao analisar o conteúdo o autor fala sobre a

imagem criada do ditador:

Desta maneira, todo o anti-semitismo, toda a intolerância são apagados.

Hitler é apenas mais um estadista, orador carismático e administrador

admirável por reestruturar a economia germânica. Se há cuidado em lembrar o Tratado de Versalhes (1918) como “vergonhoso”, esquecem-se

todas as acusações elencadas contra o ditador alemão, todos os atos de

violência e desrespeito a judeus, ciganos, homossexuais, portadores de

necessidades especiais, realizados sob a inspiração do Führer. (MAYNARD,

2009: 6)

Tal exemplo, nos chama atenção para o poder de construção narrativas

desses canais. Em nossa investigação, os sites foram analisados levando em

consideração principalmente a forma como são construídos; seus aspectos de escrita,

iconográfica e organização com o objetivo de perceber aspectos relevantes sobre como a

narrativa e o próprio acontecimento são construídos pelos seus autores e como os fatos

são apresentados ao público consumidor de tais ambientes.

O site Historianet é o que está há mais tempo em exercício na rede desde

1999, tem como organizador principal o professor Claudio Barbosa Recco, licenciado

em história que foi professor da rede pública estadual de São Paulo e é professor da rede

particular de ensino e de pré-vestibular desde 1987. Conta ainda, com a colaboração dos

professores, Cristiano Rodrigo Catarin, licenciado em História e leciona na rede pública

estadual de São Paulo e do professor Gabriel Luiz Bandouk, também licenciado em

História, lecionou na rede pública estadual de São Paulo desde 1985 atua em cursos de

pré-vestibular. O site contém textos de diversos autores entre eles professores,

acadêmicos e em poucos casos jornalistas.

O site Aventuras na História, está hospedado no Site Guia do Estudante e

além de temas relacionados à história, aborda diversas outras áreas do conhecimento.

Entre os quatro sites é o que tem os conteúdos expostos de forma mais aleatória, já que

estão organizadas por data de publicação e não por temáticas. Na sua maioria parecem

voltadas para o vestibular ou provas, como por exemplo, O QUIZ, com cinco perguntas

sobre o Período Militar no Brasil, a forma como no término do questionário, as

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respostas certas e erradas são apresentadas e explicadas, em muito lembra as questões

de cursos de pré-vestibular.

O site Históriadobrasil.net, está na rede desde 2005, os textos na sua

maioria são de autoria da própria equipe que o organiza e alimenta, por isso são todos

bem semelhantes entre si e eles são construídos criando uma certa coerência e sequência

de acontecimentos. É voltado para o público estudantil, o que é deixado claro pelos seus

organizadores quando dizem que a reprodução dos conteúdos só é permitida em

trabalhos escolares. Ao ser dividido em tópicos, e mesmo no corpo do texto muitas

vezes está dividido em pontos, que parecem as questões fundamentais de cada assunto.

O Viagem pela História do Brasil conta com apoio cultural de empresas

como Banco BBA, da editora Companhia das Letras e do Ministério da Cultura, o

Website foi criado por Maria Amélia de Azevedo e Flavio de Carvalho e conta com

quatro autores: Jose Caldeira, formado em Ciências Sociais, Mestre e Doutorando em

Ciências Políticas; Flavio Carvalho é formado em arquitetura e física; Sérgio Góes de

Paula Doutor, em economia, foi professor de diversos cursos de Graduação e Pós-

graduação e atualmente atua como pesquisador na casa de Oswaldo Cruz, onde estuda a

História da Ideias no Brasil. O mesmo ainda conta com uma equipe de 20 profissionais,

este site está ligado a uma obra composta por um CD-ROM e um livro, no Página

Virtual apenas o espaço destinado ao que seria o capítulo 1, correspondente à chegada

dos europeus até o ano de 1549 esta com os textos publicados, os demais espaços

encontram-se vazios, assim, nada sobre a Ditadura Militar, tema que nos detemos em

um primeiro momento, foi encontrado.

As narrativas históricas construídas nos sites, mesmo considerando suas

especificidades, partem de prerrogativas tradicionais na elaboração de seus conteúdos.

Acabam por reproduzir modelos já cristalizados na produção do conhecimento

histórico, assim, estabelecem marcos cronológicos, personagens e acontecimentos

projetados como exemplares.

Um exemplo disso, pode ser visto no texto intitulado “Ditadura Militar no

Brasil”1 encontrado no site “História do Brasil.net”. O autor divide a narrativa em

cinco tópicos e já no primeiro deles, intitulado “período”, o evento é projetado entre

datas específicas. O mesmo ocorre no texto “De 31 de março de 1964 (Golpe Militar

1 http://historiadobrasil.net/ditadura/

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que derrubou João Goulart) a 15 de janeiro de 1985 (eleição de Tancredo Neves)”2, no

qual o acontecimento aparece num período fechado entre os anos de 1964 e 1985,

trazendo a ideia de um acontecimento compacto cujo início e fim são perfeitamente

delimitados sem que haja espaço para a própria problemática de estratos de permanência

e mudança sobre o episódio.

Agora vejamos como o texto é construído pelo site:

Período: de 31 de março de 1964 (Golpe Militar que derrubou João Goulart)

a 15 de janeiro de 1985 (eleição de Tancredo Neves).

Fatores que influenciaram (contexto histórico antes do Golpe):-

Instabilidade política durante o governo de João Goulart;- Ocorrências de

greves e manifestações políticas e sociais;- Alto custo de vida enfrentado

pela população;- Promessa de João Goulart em fazer a Reforma de Base

(mudanças radicais na agricultura, economia e educação);- Medo da classe

média de que o socialismo fosse implantado no Brasil;- apoio da Igreja

Católica, setores conservadores, classe média e até dos Estados Unidos aos

militares brasileiros;

Principais características do regime militar no Brasil: Cassação de direitos

políticos de opositores;- Repressão aos movimentos sociais e manifestações

de oposição;- Censura aos meios de comunicação;- Censura aos artistas

(músicos, atores, artistas plásticos);- Aproximação dos Estados Unidos;-

Controle dos sindicatos;- Implantação do bipartidarismo: ARENA (governo)

e MDB (oposição controlada);- Enfrentamento militar dos movimentos de

guerrilha contrários ao regime militar;- Uso de métodos violentos, inclusive

tortura, contra os opositores ao regime; “Milagre econômico”: forte crescimento da economia (entre 1969 a 1973) com altos investimentos em

infraestrutura. Aumento da dívida externa.

Abertura Política e transição para a democracia:- Teve início no governo

Ernesto Geisel e continuou no de Figueiredo;- Abertura lenda, gradual e

segura, conforme prometido por Geisel;- Significativa vitória do MDB nas

eleições parlamentares de 1974;- Fim do AI-5 e restauração do habeas-

corpus em 1978;- Em 1979 volta o sistema pluripartidário;- Em 1984 ocorreu o Movimento das “Diretas Já Porém, a eleição ocorre de forma

indireta com a eleição de Tancredo Neves.

(http://historiadobrasil.net/ditadura/, em 22 de agosto de 2016)

No trecho acima podemos perceber alguns aspectos sobre o tipo de história

produzida pelo site. O primeiro aspecto que nos salta aos olhos é uma versão

esquemática do episódio da Ditadura Militar. Nela, os autores selecionam, em meio a

enorme variedade de elementos constitutivos do acontecimento, apenas aspectos que

consideram relevantes de serem lembrados ou apropriados pelos leitores.

Como já dissemos antes, marcam de maneira mecânica o tempo (1964-

1985) o que conduz uma reflexão simplificadora da temporalidade, que se explicaria

apenas nesse estrato, desconsiderando, por conseguinte, todos os fatores que ajudaram a

2 http://historiadobrasil.net/ditadura/

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produzir o episódio, bem como, seu encerramento. Assim, o tempo é apresentado aos

leitores numa linearidade empobrecida que não estimula a compreensão da pluralidades

e experiências temporais. Portanto, a explicação histórica se distância do leitor a partir

do momento em que oferece um acontecimento pretensamente higienizado e sem

ideologia ilusoriamente alcançada pela forma como sua apresentação é estruturada.

O segundo aspecto é que podemos chamar de estabelecimento de causas,

esse ponto é ainda mais problemático. Da mesma maneira que a compreensão temporal,

as linhas causais que justificaram o episódio têm como base um encadeamento

simplificador, com uma clara perspectiva sobre o mesmo que acaba quase por levar ao

leitor a atribuir ocorrência do período de exceção ao próprio, governo João Goulart pela

escolha dos motivos que o geraram, vejamos alguns: “havia instabilidade política do

governo”; um “alto custo de vida”; a “promessa de João Goulart em fazer a reforma de

base”, (esse aspecto é interessante, pois o texto coloca as reformas no mesmo patamar

das demais causas negativas que geraram o episódio); “o medo da classe média da

implantação do socialismo”.

Embora curto e aparentemente simples o texto é uma reunião de

justificativas conservadores e, em grande parte, fruto de um conjunto de explicações que

já haviam sido apresentadas tanto na época do Golpe, como depois, por grupos políticos

que pretendiam justificar as causas do episódio a inabilidade de João Goulart em

conduzir à crise.

Não se problematiza, por exemplo, o papel dos meios de comunicação no

desgaste de imagem de João Goulart, tampouco, na ferrenha campanha anticomunista

produzidas pelos mesmos com a apoio dos Estados Unidos. Para o leitor desavisado, o

texto reproduz a antiga tese conservadora de que, não havia outro caminho a seguir,

posto que, a tomada de poder pelos militares “salvou” o Brasil do caos.

Como característica do período, o site enumera basicamente três: cassação,

repressão e censura, assim como os demais elementos, esses não são questionados, nem

refletidos, a constatação vulgar das existências de tais fatores, sem problematizar o que

eles significaram no Brasil daquele momento, apresenta um olhar superficial sobre tais

ocorrências que não ajuda ao aluno refletir sobre o passado como elemento de sua

própria história.

A construção do episódio da maneira como é realizada coloca em ação uma

perspectiva histórica linear, sem problematização e superficial. Contudo, isso não

significa que o texto não seja capaz de agenciar uma apropriação específica sobre o

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passado, pelo contrário, ele acaba por direcionar a construção de uma consciência

história difusa e fragmentada, como afirma Rüsen, não podemos esquecer que a

narrativa é uma forma de explicação histórica que ajuda a construir elementos para a

vida prática do aluno, no nosso caso, aquele que tem acesso a esses conteúdos.

O site “Historianet” apresenta outra forma narrativa sobre o episódio, a qual

elege como fatores preponderantes as causas políticas econômicas, no caso, a crise do

populismo, representado no Brasil por Getúlio Vargas e a crise do capitalismo

internacional. Esse modelo, tem como base uma perspectiva de história que aponta para

a uma intenção de síntese histórica, posto que, o texto tenta articular os acontecimentos

desencadeados aqui, a outros que em certo sentido, poderiam explicar a situação no

Brasil. Vejamos um trecho:

A recuperação da economia mundial comandada pelos EUA, privilegiava o

capital monopolista das nações desenvolvidas e a concentração de renda,

amparada no interesse em impedir a expansão do socialismo na Europa e

mesmo na Ásia. Esse comportamento deve reflexos diretos e imediatos sobre

os países latino-americanos, muitos dos quais viviam uma fase de

desenvolvimento industrial, como o Brasil, e que não se encaixavam nas

necessidades da nova ordem pós guerra.

(http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=291, em 22 de

agosto de 2016)

Outro aspecto relevante sobre isso é que diz respeito à configuração

temporal apresentada no texto. Como se percebe o episódio é inscrito em um “antes”

bem mais elástico, pois ao vinculá-lo a uma crise do “populismo” de Getúlio Vargas, a

temporalidade que o marca é distendida para além do tradicional período de 21 anos,

apresentado pelo site anterior. Portanto, torna a apreensão do tempo mais complexa na

medida em procura demonstrar uma variedade de elementos que o explicariam.

Logo de saída, faz uma afirmação contundente sobre o acontecido: houve

um golpe das forças conservadores perpetrado contra João Goulart que resistiam a

manutenção do modelo populista que segundo o texto, o presidente representava. Tal

aspecto, demonstra um posicionamento sobre versão que apresentará o episódio, embora

não diga diretamente a qual concepção historiografia se situe, a partir de alguns

conceitos trabalhados do texto, pode-se inferir que caminhará por uma perspectiva

crítica comum nos anos 90, marcada por exemplo, na obra “História da Sociedade

Brasileira, de Francisco Alencar, que teve livros didáticos dedicados ao ensino médio

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com uma grande aceitação nas escolas daquela década, obra notadamente de influência

marxista.

Outro texto analisado no site Historianet, Intitulado “O Teatro na época da

ditadura”3, o autor Carlos Aparecido dos Santos, bacharelado e licenciado em história e

atuante no ensino médio no estado de São Paulo, leva-nos a aproximá-lo à pesquisas na

área de História social, destacando temas como movimentos culturais de juventude,

movimentos sociais, relações sociais e cultura política, aspectos trabalhados em sua

graduação com uma pesquisa voltada para Arte dramática no Brasil entre 1964 e 1968.

Nesse sentido, aborda algumas informações acerca dos efeitos que a

ditadura exerceu sobre o teatro no período de 1964 a 1968. Trata-se de uma produção

em que o autor reúne uma série de movimentos e processos de repressão e resistências

que o teatro vivenciou durantes este período conturbado da História. Sem perder de

vista o papel crítico desempenhado pelo mesmo frente aos problemas enfrentados no

país fazendo com que este se tornasse um espaço de denúncia e insatisfações frente aos

militares, assim o autor cita;

Independente de toda a sua pujança e liberdade, o teatro como todas as

outras expressões artísticas sofreu um revés que tolheu toda a sua

capacidade criadora e motivadora: a censura. Nesta pesquisa abordaremos

os efeitos que a ditadura exerceu sobre o teatro no período de 1964-1968

(SANTOS, Site Histórianet, acesso em outubro de 2015)

“O texto inicia com uma contextualização acerca da deflagração do golpe

militar em 31 de março de 1964, destacando as densas transformações na organização

política do nação em 01 de abril, quando o congresso nacional declara a vacância da

presidência após o presidente João Goulart fugir e para se refugiar no Uruguai, os

militares assumem o poder seguindo da publicação de atos institucionais como o AI-1,

que cassa mandatos e suspende a imunidade parlamentar”4.

Nesta pequena introdução na qual o autor situa o momento histórico de que

trata a narrativa, são selecionados, uma série de elementos que compõem a rede de fatos

que permeiam o acontecimento que está sendo discutido. Tais elementos são destacados

pelo autor por serem considerados fundamentais para compreensão dos leitores,

destacando-se por exemplo,

3 http://historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=716 4 http://historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=716

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Todos esses acontecimentos acima se deram no histórico ano de 1968. Um

ano que foi marcado pela sucessão de fatos históricos. Segundo Ventura

(1988), a geração de 1968 o chamou de "o ano do novo", pois parecia ser o

início de alguma coisa. Por outro lado esta não pode ser considerada uma

geração falida, porque apesar de ambicionar uma revolução total, não

conseguiu mais do que uma revolução cultural. Porém, para Ventura

(1988:16): "arriscando a vida pela política, ela não sabia, porém, que estava

sendo salva historicamente pela ética".

O conteúdo moral foi a melhor herança que a geração de 1968 deixou para um país cada vez mais governado pela falta de memória e pela ausência de

ética.

(http://historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=716 acesso em

23/08/2016)

Em seu texto, o autor traz mais densidade à reflexão na medida em que

opera com vários conceitos que dão suporte à sua análise sobre o período, como o de

memória, por exemplo. Assim a construção da narrativa abarca diversos elementos que

podem proporcionar ao internauta refletir mesmo sobre o passado, sendo possível por

meio desta apropriação a construção de uma consciência histórica sobre o período capaz

de articula-lo com a sua própria vida.

Sempre foi dedicado à história o papel de ensinar, contudo não mais sendo

um repositório de exemplos ou lições, mesmo assim não perdeu completamente o seu

caráter pedagógico na medida em que os indivíduos podem ser capazes de adquirir o

conhecimento transformando-os em experiências e articulando com sua própria vida e

realidade, assim, ao percebermos estes elementos enquanto formadores de sentido tanto

na construção como na própria interpretação destas narrativas, como de memória

histórica podemos vê-los enquanto objetos de conhecimento. Narrativas como estas nos

fazem perceber que não há um padrão de discursos para as produções vinculadas em

sites, enquanto encontramos narrativas simplificadas e sem um caráter reflexivo,

podemos encontrar textos que tragam elementos capazes de fomentar mesmo que

minimamente alguma reflexão.

Percebemos um papel relevante de blogs e sites no que diz respeito ao

armazenamento e veiculação de materiais a exemplo de textos e registros iconográficos,

que podem ser usados como fontes para futuras pesquisas. Mesmo em sites que não

sejam mantidos por historiadores podemos encontrar conteúdos que podem vir a ser

utilizados por estes como fontes e problemas de pesquisa a serem realizadas.

Embora, ao analisar os sites, tenhamos percebido que eles elegem fatos e

acontecimento que podem se mostrar como principais ou fundamentais em suas

narrativas sobre o passado, estas são produções voltadas para o presente e para muitos

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dos que a consomem é uma forma também de formular uma consciências histórica

sobre seu passado, assim precisamos estamos atentos a esses conteúdos, afinal para o

grande público um relato pode vir a se tornar uma verdade absoluta, mesmo porque,

como expresso por Koselleck, “A ciência histórica atual se encontra, portanto, sob duas

exigências mutuamente excludentes: fazer afirmações verdadeiras e, apesar disso

admitir e considerar a relatividade delas” (KOSELLECK, 2006: 161)

Referencias

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XI encontro estadual de história, Rio Grande – RS, 2012

HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Autentêntica, 2013.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos.

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2006

LUCCHESI, Anita. História e Historiografia Digital: diálogos possíveis em uma nova esfera

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MAYNARD, Dilton Cândido Santos. Aprender história pela Internet. Anpuh – xxv simpósio

nacional de história – fortaleza, 2009.

MENESES,Sonia. INTERNET, ESQUECIMENTO E HISTÓRIA: sobre pensar o

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COMO PRODUTO DA MÍDIA. Tempos históricos, volume 14 • 2º semestre de 2010 • p. 70-

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Acesso em 29/10/2015.

História do Brasil.net, Guerrilha do Araguaia - resumo, o que foi?, história. Disponível em <http://www.historiadobrasil.net/resumos/guerrilha_araguaia.htm>. Acesso em 29/10/2015.

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citado in História da Sociedade Brasileira, pag. 298, de Francisco Alencar, Ed. Ao Livro

Técnico em Histórianet, 31 de Março: o Golpe militar. Disponível em

<http://historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=291>. Acesso em 29/10/2015.

Histórianet, Ditadura militar. Disponível em

<http://historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=941>. Acesso em 29/10/2015.

SANTOS, Carlos Aparecido em histórianet, O Teatro na época da Ditadura. Disponível em

<http://historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=716>.Acesso em 29/10/2015.

Histórianet, 26 de junho, a passeata dos 100 mil. Disponível em

<http://historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=314>. Acesso em 29/10/2015.

Histórianet, A Ditadura Militar. Disponível em

<http://historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=68>. Acesso em 29/10/2015.

Histórianet, Brasil: anos 60. Disponível em

(http://historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=229). Acesso em 29/10/2015.

Histórianet, Cabra marcado para morrer. Disponível em

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