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O ABC DA POLÍTICA COMERCIAL AGRÍCOLA Uma explicação da política comercial para agricultores, legisladores e o público Preparado por Andrew Stoeckel e George Reeves Centre for International Economics Preparado para a Rural Industries Research and Development Corporation Publicação da RIRDC No. 05/161

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O ABC DA POLÍTICA

COMERCIAL AGRÍCOLA

Uma explicação da política comercial para agricultores,

legisladores e o público

Preparado por Andrew Stoeckel e George Reeves Centre for International Economics Preparado para a Rural Industries Research and Development Corporation

Publicação da RIRDC No. 05/161

© Rural Industries Research and Development Corporation e Dr. Andrew Stoeckel, Centre for International Economics 2005

Esta publicação é protegida por direitos autorais. Entretanto, a RIRDC recomenda a ampla divulgação de sua pesquisa, contanto que haja clara referência à instituição. Caso deseje fazer alguma consulta relativa à reprodução do material, contate o Gerente de Publicações da RIRDC.

ISBN 1 74151 224 7 ISSN 1440-6845

Publicação da RIRDC No. 05/161 Projeto da RIRDC No. CIE-22A

Publicado por Rural Industries Research and Development Corporation Level 2, 15 National Circuit Barton ACT 2601

P O Box 4776 Kingston ACT 2604

Telefone +62 2 6272 4819 Fax +61 2 6272 5877 E-mail [email protected] Internet http://www.rirdc.com.au

Centre for International Economics Marcus Clarke Street & Edinburgh Avenue Canberra ACT 2601

GPO Box 2203

Canberra ACT Australia 2601

Telefone +61 2 6248 6699 Fax +61 2 6247 7484 E-mail [email protected] Internet http://www.TheCIE.com.au

Capa projetada pela Cecile Ferguson, RIRDC, Canberra

Impresso na Austrália pela Canberra Publishing and Printing

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PREFÁCIO

A prosperidade da agricultura australiana é altamente condicionada aos mercados mundiais. Contudo, muitos desses mercados para exportação se confrontam com amplas barreiras comerciais por meio de uma combinação de restrições na fronteira e medidas de apoyo internas. Em outros mercados, a agricultura Australiana precisa competir com exportações subsidiadas de outros países.

O problema dessas barreiras é bem conhecido e está bem documentado. Os governos e agricultores australianos realizam campanhas contra essas barreiras há anos, com o esforço mais recente feito por meio da rodada de negociações comerciais de Doha atualmente em curso. Um problema com as negociações agrícolas é a complexidade dos conceitos usados para tratar das diversas formas de subsídio agrícola. Deixar de fora uma área dá margem à substituição do subsídio por meio de outros programas, de modo que tudo tem de ser abrangido. Ademais, todas as diferentes classificações de subsídios e todos os diferentes conceitos usados na redução dos subsídios agrícolas servem para criar uma “língua” própria na OMC.

O objetivo deste livreto sobre política comercial agrícola é explicar os complexos conceitos da política agrícola para agricultores, legisladores e para o público. Com uma melhor compreensão do que está em jogo e do seu porquê, como resultado teremos melhores decisões. Peter O’Brien Diretor de Administração Rural Industries Research and Development Corporation

SUMÁRIO

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SUMÁRIO Prefácio iii agradecimentos ix 1 JUSTIFICATIVA DESTE LIVRETO 1 2 CONCEITOS BÁSICOS DE POLÍTICA

COMERCIAL 3 Por que comércio? 3 Então porque os países restringem o comércio? 5 Como medir os ganhos proporcionados pelo comércio

e qual é a sua magnitude? 5 3 A CIÊNCIA ECONÔMICA DA PROTEÇÃO

AGRÍCOLA 9 Diferenças no apoio agrícola para os países e

commodities 10 A composição dos subsídios 12 Pilares e caixas 13 4 A RODADA URUGUAI, A AGRICULTURA E

SEUS PROBLEMA 20 As conquistas da Rodada Uruguai 23 Problemas com o resultado da Rodada Uruguai 27 Geral 33 5 A RODADA DE DOHA: ESTADO DE

COISAS E QUESTÕES BÁSICAS 34 O que o pacote de julho tem sobre a agricultura 35 6 ECONOMIA POLÍTICA DA REFORMA 41 Quem é a favor da reforma? 42 A mobilização desses outros grupos 44 Derrubando os mitos 46

SUMÁRIO

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7 OUTRAS QUESTÕES DA RODADE DE DOHA 49

Aspectos de direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio (TRIPs) 51

Solução de controvérsias 51 O comércio e o meio ambiente 52 Regras de Origem 54 Salvaguardas 55 Acordo sobre subsídios e medidas compensatórias 55 Tarifas anti-dumping e compensatórias 56 Multifuncionalidade 57 Acordos de Livre Comércio 58 8 MENSAGENS FUNDAMENTAIS 63 GLOSSÁRIO 66

Quadros, gráficos e tabelas 1 Vantagem comparativa 4 2 Como medir os ganhos do comércio 7 3 Níveis de proteção agrícola, OCDE 11 4 PSEs por país 11 5 PSE por commodity 12 6 Composição dos subsídios 13 7 Proteção interna: o semáforo e exemplos 15 8 Relações nos subsídios agrícolas 16 9 Compromissos/redução das medidas de apoyo

internas da OMC 18 10 Objetivos da OMC 21 11 Governança na OMC 21 12 Uma breve lição de história 22 13 Resumo da Lei Final 24 14 Uma cota tarifária 25 15 Compromissos numéricos de cortes nos subsídios

agrícolas da Rodada Uruguai 26

SUMÁRIO

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16 O que há de errado com as medidas de subsídios internos da OMC: Indústria de laticínios dos Estados Unidos 29

17 Extensão da “água na tarifa” 30 18 Sistemas para as formulas de redução de tarifas 39 19 Análise da economia como um todo 45 20 Mitos e realidades da proteção agrícola 47 21 Visão Geral da Agenda de Desenvolvimento de Doha 50 22 A OMC e as práticas comerciais “desleais” 56 23 Acordos de comércio regionais em vigência por data

de entrada em vigor 60 24 Um simples exemplo de desvio de comércio - carros

Honda 61 25 Cota tarifária 75

ix

AGRADECIMENTOS

Este livreto contou com a ajuda de diversas pessoas. Citamos primeiramente os participantes do workshop sobre comércio, realizado nos dias 27 e 28 de outubro de 2004, cujas anotações de curso formam a base do livreto. Os comentários dos participantes sobre o que ficou simples e o que não foi útil.

Valiosos comentários foram apresentados por Jeff Davis, da Rural Industries Research and Development Corporation (Empresa de Pesquisa e Desenvolvimento das Indústrias Rurais), Ben Fargher, da National Farmers Federation (Federação Nacional dos Agricultores) e Hugh Corbet, do Cordell Hull Institute, sediado em Washington. Contribuições editoriais foram feitas por Rebecca Perry e assistência gráfica e de publicação foi prestada por Vanessa Eccles e Anna Bieler.

1

1 JUSTIFICATIVA DESTE LIVRETO

As negociações de política comercial podem facilmente enveredar por um debate sobre abreviaturas e jargão do GATT, com palavras como “modalidades” e “multifuncionalidade” surgindo em discussões e reuniões. Uma consulta ao glossário que aparece ao final deste livreto é prova disso. A “linguagem” especial e os desnecessariamente complicados conceitos e posições adotadas durante as negociações para a redução das distorções ao comércio constituem uma barreira para a ampla compreensão do que é política comercial.

A própria falta de compreensão acerca da política comercial e dos benefícios trazidos pela eliminação das distorções ao comércio em todas as suas variações se tornou uma barreira à maior liberalização do comércio. Em nenhuma área isso fica mais evidente do que na política comercial agrícola. As grandes restrições ao comércio agrícola hoje são um dos principais pontos de impasse na atual rodada de negociações de comércio multilateral para a liberalização do comércio internacional – a rodada de negociações de Doha que, como outro exemplo do argumento apresentado, é chamada de “Agenda de Desenvolvimento de Doha”.

Conceitos usados na política comercial agrícola, como os “três pilares”, “caixas verdes”, “caixas azuis” etc. podem ser claros para os negociadores, mas não o são para um público mais amplo. Pouquíssimas pessoas – referindo-se tanto a agricultores como à população em geral – compreendem o que está em jogo e o que deveria acontecer.

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A premissa básica do comércio e da política comercial é, afinal de contas, bastante simples. As pessoas optam por fazer comércio porque lhes proporciona uma melhor situação, e quando as barreiras comerciais e as medidas que distorcem o comércio são eliminadas a concorrência aumenta e mais pessoais ficam em situação melhor ainda. Os subsídios, seja diretos ou indiretos, podem levar, e em geral levam, ao aumento do comércio. Logo, é necessário frisar que as negociações comerciais têm a ver com a liberalização do comércio, e não com a sua expansão. O porquê de essas meras proposições não serem reconhecidas no caso do comércio agrícola em parte se explica pela falta de compreensão da política comercial e em parte pela falta de critério na atividade política. Esses dois fatores são desmistificados neste livreto.

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2 CONCEITOS BÁSICOS DE POLÍTICA COMERCIAL

Por que comércio?

As pessoas comercializam bens e serviços porque assim melhoram sua condição. O comércio possui dois determinantes. Um deles é a vantagem absoluta ou quem é o produtor de menor custo. O outro é a vantagem comparativa de quem é o produtor de menor custo relativamente à produção de alguma alternativa na economia ou no país.

Se a África puder produzir bananas a custo menor do que a Inglaterra em função de seu clima e de outras condições, então a Inglaterra comprará bananas da África. A África possui uma vantagem absoluta na produção de banana.

A vantagem comparativa é mais sutil, porém mais importante. Ela depende não de quem detém a vantagem absoluta, mas de quem é relativamente mais eficiente na produção de bananas em comparação com as outras opções de produção. Desse modo, um país pode apresentar altos custos na produção de tudo e não ter vantagem absoluta em nada, mas ainda assim pagará para fazer comércio. Como isso acontece? Depende do fato de que os países produzem e consomem mais do que apenas bananas e de que o “custo” real da produção de bananas equivale a quantas outras coisas têm de ser prescindidas. No simples exemplo contido no quadro 1, a África e a América Latina produzem e consomem apenas duas coisas: camisas e bananas.

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1 Vantagem comparativa

Suponhamos que a África produza bananas e artigos têxteis. A América Latina está na mesma situação, exceto pelo fato de que na África os recursos usados para produzir um quilo de bananas em vez de têxteis são diferentes da América Latina. Na África, se as pessoas canalizam os esforços para a produção de 100 quilos extra de bananas, tem de abrir mão de produzir 300 camisas. Na América Latina, para fabricar os mesmo produtos, 100 camisas entram em venda para a produção dos 100 quilos extra de bananas. O jogo de compensações ou “taxa de câmbio” na África é 1:3; na América Latina, 1:1. A África possui uma vantagem comparativa na produção de bananas, ao passo que a América Latina detém uma vantagem comparativa na fabricação de camisas. Se a África produzir todas as bananas e não produzir camisas, e se a América Latina fizer o inverso e os dois continentes realizarem comércio, o mundo como um todo terá um excedente de camisas e bananas. O mundo pagará à América Latina para que venda camisas à África em troca de bananas, algo entre 1:1 e 1:3, 1:2 digamos. Mesmo que a África fosse um produtor competitivo de camisas do ponto de vista absoluto, ela é até melhor produtora, em termos relativos, no cultivo da banana. Logo, a África detém uma vantagem comparativa relativa na banana, e é isso que ela irá exportar em troca de importações.

Fonte: Centre for International Economics

Se alguém está ocupado fabricando camisetas, não pode cultivar bananas simultaneamente. Para produzir mais camisas, precisa desistir de tempo e recursos e produzir menos bananas e vice-versa. Assim, o “custo” de uma camisa corresponde ao número de bananas de que tem de abrir mão. Esse “custo” é a razão entre camisas e bananas ou, por assim dizer, a taxa de câmbio. Como a taxa de câmbio é diferente para a África e para a América Latina, compensa para esta concentrar-se na produção de camisas, para aquela, na de bananas e, para as duas, comercializar e fazer o câmbio usando alguma taxa situada entre as taxas de câmbio internas dos dois continentes. Não importa que a África seja, digamos, melhor do que a América Latina na produção tanto de camisas como de bananas. O que determina o comércio é que elas são relativamente mais eficientes na produção de bananas.

A mensagem fundamental é que sempre existe a vantagem comparativa, já que é um conceito relativo. Ademais, a vantagem comparativa

2 CONCEITOS BÁSICOS DE POLÍTICA COMERCIAL

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sempre indica que compensa fazer comércio. O comércio sempre proporcionará ganhos. Do mesmo modo, a interrupção do comércio através de barreiras na fronteira ou a concessão de medidas de apoyo íinternos irá gerar um custo.

Então porque os países restringem o comércio? Os países restringem o comércio por vários motivos. Defesa nacional, auto-suficiência e segurança alimentar são alguns motivos comuns. Diversos outros motivos podem ser encontrados. Porém, por trás da retórica está a realidade de que a proteção existe para beneficiar algum grupo industrial e os seus interesses. Esses interesses podem ser a proteção a empregos ou ao preço de bens. Mas as restrições comerciais sempre implicam a taxação dos consumidores e a transferência desses recursos para os produtores. Os fatores políticos dessa prática serão explicados mais adiante, e serão discutidas formas de se combatê-la. Contudo, por enquanto o ponto é que a proteção melhora a situação dos produtores às custas dos consumidores. Então porque os consumidores aceitam isso? Basicamente, porque os altos custos e transferências envolvidos são distribuídos de forma modesta para um amplo grupo de consumidores, de tal modo que não compensa se organizarem e fazerem lobby pela mudança. Já para os produtores, como são concentrados e recebem grandes benefícios, compensa se organizarem e reivindicarem proteção por meio de canais políticos. No entanto, a mensagem fundamental aqui é que as restrições comerciais sempre implicam a taxação dos consumidores de uma forma ou de outra; são gerados custos que têm repercussões em toda a economia.

Como medir os ganhos proporcionados pelo comércio e qual é a sua magnitude?

Os ganhos do comércio são enormes. Toda troca de bens e serviços entre pessoas, empresas, cidades ou países constitui comércio. Nesse sentido, a maior parte da atual prosperidade poderia ser considerada como um resultado do comércio. Mas os termos “comércio” e “política comercial”, na acepção em que são usados neste livreto, são formas simplificadas de comércio internacional, isto é, a troca de

O ABC DA POLÍTICA COMERCIAL AGRÍCOLA

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bens e serviços entre os países. Esse comércio em nada difere, em sentido econômico, de qualquer comércio no âmbito de um país, e essa é uma forma útil de se concebê-lo. A diferença é, obviamente, política. Os países que desejam promover seus próprios interesses não estão preocupados com o bem-estar dos outros países. Essa diferença de objetivos faz com que diferentes forças políticas entrem em jogo ao se discutir se o comércio deve sofrer restrições.

Os ganhos do comércio, em termos conceituais, estão representados no quadro 1. Quando produtores voluntariamente trocam bens e serviços com consumidores por pagamento, as duas partes ficam em situação melhor. Do contrário, a troca não aconteceria. O ganho total é o benefício para produtores e consumidores conforme a representação das áreas contidas sob as curvas de demanda e oferta marcadas nos diagramas do quadro 2. A mensagem fundamental, no entanto, é que tanto o exportador como o importador se beneficiam com o comércio. No comércio, os dois lados saem ganhando, e o inverso também é verdadeiro: havendo restrição do comércio, os dois lados perdem.

O ganho proporcionado pelo comércio no quadro 2 se refere a apenas um setor: o tritícola. Em realidade, há vários setores e há repercussões em outros setores quando restrições comerciais são impostas a produtos como o trigo. Por exemplo, a indústria avícola que usa o trigo como ração sofre impacto negativo e o custo de vida sobe com o aumento dos preços do pão quando as importações de trigo sofrem restrições. Organizações como o Banco Mundial periodicamente medem os ganhos que a eliminação de restrições comerciais proporciona à economia mundial. Essas estimativas variam de acordo com as diversas premissas sobre o funcionamento do mundo, mas uma estimativa prevê o ganho para a economia mundial pela retirada das barreiras comerciais de todos os produtos em valor excedente da ordem de US$2,8 trilhões do PIB até 2015..1

1 Banco Mundial 2002, Global Economic Prospects and the Developing Countries (Perspectivas

Econômicas Globais e os Países em Desenvolvimento), Washington DC, p. 176.

2 CONCEITOS BÁSICOS DE POLÍTICA COMERCIAL

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2 Como medir os ganhos do comércio

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Isso significa 320 milhões de pessoas a menos vivendo na pobreza. A agricultura é um componente de peso aqui, e uma análise posterior mais detalhada do Banco Mundial demonstra que 93 por cento dos ganhos em potencial no mundo com a eliminação da proteção agrícola são derivados da remoção de barreiras comerciais na fronteira, e não da remoção de outras formas de proteção por meio do apoio aos agricultores com programas internos ou pelo subsídio às suas exportações.2 Assim, introduz-se a noção das formas e das especificidades da proteção agrícola, que serão abordadas a seguir.

2 Martin, W. “Implicações da Reforma do Comércio para os Países em Desenvolvimento”,

apresentação em Powerpoint feita na ABARE Outlook Conference 2005, Canberra, 2 e 3 de março de 2005. Título da apresentação: Impactos da liberalização sobre os países em desenvolvimento, 2 de março de 2005, 16:00h.

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3 A CIÊNCIA ECONÔMICA DA PROTEÇÃO AGRÍCOLA

As indústrias agrícolas de todo o mundo são protegidas de séria de formas diferentes. Há diferentes maneiras de se medir essas formas de assistência pública e esclarecê-las, mas uma das maneiras mais usadas em relação a países, commodities e tempo é a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), em Paris. A medida usada pela entidade é a estimativa do subsídio ao produtor, ou PSE, do inglês “producer support estimate”. Essa medida representa a transferência monetária total para os produtores que seria necessária para deixá-los na mesma situação favorável se um determinado programa de subsídio fosse extinto.3 Não se trata de uma medida do “custo econômico” ou do prejuízo para a sociedade provocado pela restrição do comércio, conforme a representação das áreas contidas nos gráficos do quadro 2 no capítulo anterior. Trata-se, isso sim, de uma medida do tamanho das transferências para os agricultores. O custo econômico dos programas agrícolas se deve às diferenças de apoio entre países e entre commodities no âmbito de um país. De modo semelhante ao conceito da vantagem comparativa, que depende de fatores relativos,

3 A PSE é definida como “o valor monetário anual das transferências brutas dos

consumidores e contribuintes para os produtores agrícolas, medida em primeira mão, proveniente de medidas de políticas que dão apoio à agricultura, independentemente de sua natureza, objetivos ou impactos sobre a produção ou renda agrícola”. A PSE percentual mede as participação das transferências nas receitas agrícolas brutas. Assim, uma PSE de 32 por cento (era esse o valor em 2003 para os países da OCDE) significa que um terço das receitas obtidas pelos agricultores veio de transferência de consumidores e contribuintes, segundo a medida em primeira mão.

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os custos econômicos dos programas de apoio agrícola dependem de relatividades entre diferentes níveis de apoio para diferentes setores.

Diferenças no apoio agrícola para os países e commodities

O nível geral de subsídios para a agricultura, segundo representação da PSE para os países da OCDE, sofreu ligeira queda entre 1986 e 2003, conforme o gráfico 3. Mas ainda assim é bastante elevado. No caso de 2003, por exemplo, mais de 30 por cento dos retornos brutos para os agricultores dos países da OCDE derivaram de transferências de consumidores e contribuintes.

As flutuações nos auxílios refletem, em parte, movimentos nos preços internacionais das commodities. Quando os preços estão baixos, aumenta o subsídio concedido aos agricultores por meio de certas formas de proteção, como cotas. A PSE total para as economias da OCDE em 2003 foi de US$257 bilhões. A estimativa de subsídio total, ou TSE, do inglês “total support estimate”, corresponde ao valor monetário anual de todas as transferências brutas dos contribuintes e consumidores (receitas líquidas ou orçamentárias) decorrente de medidas de políticas de apoio à agricultura, que inclui os produtores, conforme representação da PSE. A TSE dos países da OCDE em 2003 foi de US$350 bilhões, que foi o que deu origem à expressão “US$1 bilhão ao dia”. Essa cifra representa a transferência total de contribuintes e consumidores para a agricultura nos países da OCDE.

Entretanto, o movimento na média do subsídio total em todas as economias da OCDE é pouco expressivo. São as diferenças ou relatividades e a dispersão que importa para a distorção econômica nos mercados. As diferenças entre os países aparecem no gráfico 4. Os agricultores de alguns países, como os da Suíça, Coréia, e Japão, recebem auxílio bem maior do que seus colegas de outros países, como os da Nova Zelândia e da Austrália. O tamanho absoluto da UE e dos Estados Unidos nos mercados agrícolas mundiais imprime importância aos seus níveis elevados de apoio.

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3 Níveis de proteção agrícola, OCDE

Fonte: Banco de dados da OCDE.

4 PSEs por país

Fonte: Banco de dados da OCDE.

Em termos de commodities, as PSEs apresentam grande variação (gráfico 5). O arroz e o açúcar são altamente protegidos e, de longe, gozam de maior proteção que commodities como a lã. As disparidades provocam a alocação de uma quantidade excessiva de recursos para a produção de arroz, açúcar e laticínios em alguns países, como o Japão, a UE e os Estados Unidos, quando esses recursos poderiam ser mais bem aproveitados em setores mais eficientes de cada economia. Esse “melhor aproveitamento” dos recursos é o ganho com a liberalização do comércio.

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5 PSE por commodity

Fonte: Banco de dados da OCDE.

A composição dos subsídios

Ao medir as PSEs para a agricultura, a OCDE desagrega os diversos subsídios para a agricultura de acordo com o seu grau de distorção dos mercados. Um pagamento para os agricultores baseado na tonelagem, por exemplo, é altamente distorcedor. O subsídio é, na verdade, uma elevação de preço para o agricultor, e há um incentivo ao aumento da produção para que se tenha direito a receber mais subsídios. Em contraste, outro subsídio agrícola pode se dar pela construção de infra-estrutura rural, como rodovias, ou pelo apoio a pesquisa e desenvolvimento(P&D), que não oferece um incentivo direto aos agricultores para que produzam mais de uma determinada cultura. Contudo, ainda assim isso estimula a produção agrícola como um todo. Todos os subsídios agrícolas causam um efeito distorcedor porque estimulam mais produção do que se não existissem, mas algumas políticas são mais distorcedoras do que outras. A distinção se revela importante já que os negociadores vêm tentando reduzir os piores excessos do subsídio agrícola. Os subsídios ao preço de mercado e os pagamentos baseados na produção são os auxílios agrícolas mais distorcedores, que vêm

3 A CIÊNCIA ECONÔMICA DA PROTEÇÃO AGRÍCOLA

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caindo, conforme mostra o gráfico 6. Entretanto, as políticas distorcedoras ainda dominam a proteção agrícola da OCDE.

Pilares e caixas

No início das negociações da Rodada Uruguai, quando, pela primeira vez, um esforço concentrado foi feito para estender o processo de liberalização comercial multilateral para a agricultura4, reconheceu-se que alguns setores eram protegidos por restrições na fronteira (tarifas ou cotas), alguns eram protegidos por uma série de medidas de apoyo internas variados e outros eram auxiliados por subsídios às exportações. (Com grande freqüência, os setores eram protegidos por todas as três formas de apoio.)

6 Composição dos subsídios

Fonte: Banco de dados da OCDE.

4 Para obter um breve histórico, consulte Stoeckel, A. e Corbet, H. 2002, Opportunity of a

Century to Liberalise Farm Trade (Oportunidade do Século para a Liberalização do Comércio Agrícola), Relatório dos Relatores, com uma Declaração do Presidente, por Clayton Yeutter, Reunião do Cordell Hull Institute em Airlie House, Virginia, maio de 2002, Publicação da RIRDC No. 02/126, pp. 1–20.

O ABC DA POLÍTICA COMERCIAL AGRÍCOLA

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Assim, após uma longa contenda, um arcabouço foi criado para tratar do subsídio agrícola em cada um dos três pilares abaixo:

acesso ao mercado

medidas de apoyo internas e

subsídios às exportações.

Foram negociadas reduções nos auxílios em cada um dos pilares. O mesmo arcabouço dos três pilares é usado atualmente e é expresso na rodada de negociações sobre agricultura de Doha.

Em uma tentativa de anular as formas mais distorcedoras de auxílio público, os subsídios agrícolas também foram classificados de acordo com as cores do semáforo (ver quadro 7). As medidas de “Caixa Vermelha” não são relevantes para a agricultura. As medidas de “Caixa Verde” foram consideradas como de efeito distorcedor sem gravidade (embora, na verdade, apresentem certo grau de distorção) e deveriam ser permitidas.

Os subsídios de “Caixa Amarela” de todas as commodities deveriam ser somados e incluídos ao subsídio agrícola “amarelo” geral para se chegar a uma cifra total para a agricultura como um todo: a medida agregada de apoio à produção agrícola (AMS, do inglês “aggregate measurement of support”). Em seguida, tudo isso ficou sujeito a acordos de reduções durante o período de implementação. Um impasse nas negociações sobre a agricultura e sobre o conteúdo da caixa ocorreu no Acordo de “Blair House” pela criação de outra caixa: a “caixa azul”. Trata-se de pagamentos que não eram amarelos nem verdes; subsídios baseados em áreas de produção histórica ou números de animais e, portanto, considerados como geradores de pouco incentivo aos agricultores para o aumento da produção atual. Naturalmente, durante a rodada de Doha, a menção à “atualização desses números de base históricos” vai de encontro ao conceito dos subsídios sem distorções. Os agricultores aumentarão a produção apenas para se habilitar para receber um nível base de subsídio mais elevado.

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7 Proteção interna: o semáforo e exemplos

Caixa vermelha: Proibido (não usado na agricultura).

Caixa amarela: Quaisquer medidas de apoio relativas à atual produção que

estimulem a produção futura. Exemplos seriam preços mínimos garantidos, como taxas de empréstimo dos EUA sobre grãos ou pagamentos por deficiência e empréstimos para comercialização.

Segundo o Acordo sobre Agricultura da Rodada Uruguai, os subsídios enquadrados nesta categoria são permitidos sujeitos a inclusão na Medida Agregada de Apoio à Produção Agrícola (AMS) para toda a produção que, por sua vez, fica sujeita a compromissos de redução de acordo com a OMC.

Caixa verde: Pagamentos de subsídios governamentais não relacionados à

produção. Exemplos seriam o auxílio governamental a P&D ou pagamentos para ajuste estrutural (temporários).

Os pagamentos desta categoria são permitidos e não ficam sujeitos a regras ou compromissos de redução segundo a OMC.

Caixa azul: Pagamentos atrelados a áreas de nível base ou números de

animais e com limites condicionais sobre a produção. Exemplos seriam pagamentos pelo número de cabeças na EU ou o Programa de Reserva de Conservação nos EUA.

Os pagamentos não ficam sujeitos a compromissos de redução via AMS.

Articulações entre os pilares Muito embora os três pilares de subsídios sejam negociados separadamente e recebam tratamentos distintos, é importante observar que eles estão todos interconectados. Mudanças em uma área, como o acesso ao mercado, podem causar repercussões no nível de subsídios às exportações e medidas de apoyo internas. Essas inter-relações são mostradas abaixo, no gráfico 8. No eixo esquerdo está o preço e no canto inferior desse eixo se encontra o preço internacional.

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8 Relações nos subsídios agrícolas

Fonte: Centre for International Economics

Quaisquer tarifas ou cotas tarifárias elevarão o preço do mercado interno de um país para acima do preço internacional proporcionalmente ao valor da tarifa ou seu equivalente no caso de uma cota. Esse aumento do preço interno significa que as exportações não são competitivas, de modo que um subsídio à exportação terá de ser concedido para compensar a diferença, conforme mostrado.

Observe que se as tarifas ou cotas tarifárias fossem eliminadas, não faria sentido conceder subsídios à exportação. A manutenção de tal subsídio seria bastante dispendiosa. Um país como a Austrália poderia simplesmente remeter produtos para o país com o subsídio à exportação e despachá-lo para fora novamente, habilitando-se para receber o subsídio. A extinção de barreiras na fronteira também elimina subsídios à exportação.

3 A CIÊNCIA ECONÔMICA DA PROTEÇÃO AGRÍCOLA

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Observe, também, que o “dumping” é definido (vagamente) como a diferença entre o preço do mercado interno e o preço internacional. Assim, todos os subsídios à exportação agrícola são, por definição, “dumping”, prática abominada por aqueles países que mais fazem uso dos subsídios à exportação!

No gráfico 8, a soma dos pagamentos da caixa amarela, como o subsídio direto por tonelada produzida, proporciona preço eficiente ao produtor e a combinação disso com as barreiras ao acesso ao mercado proporciona a definição da OCDE de subsídio ao preço de mercado. Outros pagamentos de subsídio direto à renda que compõem pagamentos da caixa azul e pagamentos diretos da caixa verde perfazem a receita unitária total recebida pelos produtores. Além disso, os agricultores podem receber subsídios indiretos, como P&D, que são também pagamentos da caixa verde. O cálculo de PSE da OCDE compreende o lote.

O gráfico 8 é uma representação dos vínculos entre os subsídios; outros elementos não aparecem. Por exemplo, também foi negociado, como parte do acordo da Rodada Uruguai, que os primeiros 5 por cento do subsídio da caixa “amarela” deveriam ser excluídos da AMS total para culturas específicas ou no geral. Constatou-se que os primeiros 5 por cento – ou “auxílio de minimis”, como passaram a ser chamados – eram um problema. Eles serão discutidos mais adiante.

Uma conquista essencial das negociações agrícolas da Rodada Uruguai foi o estabelecimento do arcabouço de três pilares, compostos pela melhoria do acesso ao mercado, redução dos subsídios internos e redução dos subsídios à exportação. Houve também um deslocamento da proteção, afastando-se do subsídio distorcedor em direção a menos distorcedor com a criação do conceito de caixas. Originalmente, somente os subsídios da caixa amarela deveriam ficar sujeitos a reduções, conforme mostrado abaixo (gráfico 9).

Observe que a AMS é uma definição negociada, e não constitui um conceito econômico. O AMS de uma commodity possui componentes.

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9 Compromissos/redução das medidas de apoyo internas da OMC

Fonte: Centre for International Economics.

Uma é a diferença entre o preço administrado e o preço de referência limite vezes a quantidade produzida. A outra é o desembolso orçamentário relativo ao valor produzido. A AMS é o somatório dessas duas. Observe, também, que os pagamentos das caixas amarela, azul e verde fazem parte dos cálculos de PSEs da OCDE, que são classificados em diferentes tipos de políticas (distorcedoras), conforme demonstrado anteriormente.

A intenção era a de que os limites sobre a AMS negociados na Rodada Uruguai reduzissem os gastos do pior tipo com a agricultura e resultassem em um mercado agrícola mundial menos distorcido. Os resultados ficaram bastante aquém dessa meta. É importante

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identificar o porquê desse resultado, pois os problemas e pontos de impasse nas negociações agrícolas na Rodada Uruguai ainda são questões a serem resolvidas na rodada de negociações comerciais agrícolas de Doha. As conquistas e problemas com o resultado da Rodada Uruguai serão discutidos a seguir.

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4 A RODADA URUGUAI, A AGRICULTURA E SEUS PROBLEMA

Para avaliar as dificuldades da Rodada Uruguai e da agricultura, e o que ficou provado ser um resultado limitado da liberalização agrícola, é necessário lançar um olhar em perspectiva.

O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) foi negociado ao término da 2ª Guerra Mundial. O arcabouço multilateral de princípios e regras surgiu no período entre-guerras, começando com o nacionalismo econômico virulento da década de 1920, o colapso do comércio mundial na década de 1930 seguindo a Lei Tarifária Smoot-Hawley nos Estados Unidos e a conseqüente Grande Depressão.

Desde o início, tinha-se a intenção de que uma organização fosse estabelecida para administrar as regras de comércio multilateral acordadas. Essa organização, a ser chamada de Organização Internacional do Comércio, nunca foi concretizada por causa da tensão nos Estados Unidos, sobretudo no que tange à agricultura. Em vez disso, uma secretaria sediada em Genebra foi instituída para administrar o GATT, que se tornou uma organização mundial do comércio de facto. Como um dos acordos da Rodada Uruguai, a Organização Mundial do Comércio, ou OMC, foi fundada em 1995. Seus objetivos estão enunciados no quadro 10. O sistema de governança está no gráfico 11.

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10 Objetivos da OMC

Elevar os padrões de vida.

Assegurar o pleno emprego.

Promover o crescimento estável das rendas reais e da demanda efetiva.

Expandir a produção e o comércio de bens e serviços.

Desenvolvimento sustentável e proteção ambiental.

Tratamento especial para os países em desenvolvimento compatível com os níveis de desenvolvimento.

Objetivo preponderante:

– Ajudar o comércio a fluir sem fricções e com liberdade, justiça e previsibilidade.

Fonte: Organização Mundial do Comércio - http://www.wto.org.

11 Governança na OMC

O ABC DA POLÍTICA COMERCIAL AGRÍCOLA

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A OMC administra os diversos acordos, inclusive o GATT, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS), o Acordo sobre Aspectos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPs), o Acordo sobre a Agricultura, bem como o Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais e o Entendimento sobre Solução de Controvérsias.

Desde a formação do GATT, já houve nove rodadas comerciais sucessivas de negociações de comércio com o intuito de diminuir as tarifas (ver quadro 12). No entanto, a agricultura foi “deixada de fora” de negociações passadas até a Rodada Uruguai. Como a agricultura era muito difícil para países como a Comunidade Européia (como era conhecida na época), o Japão e outros, o assunto era simplesmente “retirado da mesa” de modo a não colocar em risco outras negociações sobre produtos industrializados.

Durante a década de 1980, logo após a Rodada de Tóquio, o sistema GATT esteve à beira de um colapso e os excessos da Política Agrícola Comum (CAP) com suas “montanhas de manteiga” e “lagos de vinho” ficaram bastante ostensivas. Uma crise de endividamento do terceiro mundo também ocorreu nessa época. Finalmente, o mundo lançou a Rodada Uruguai de negociações comerciais em 1986 e incluiu a agricultura formalmente nas negociações pela primeira vez.

12 Uma breve lição de história

Rodada Ano Países Comentário Genebra 1947 23 Annecy 1949 29 Torquay 1951 32 Reduções tarifárias modestas Genebra 1956 33 Dillion 1961 39 Kennedy 1967 74 Tarifas, anti-dumping, avaliação aduaneira Tóquio 1979 99 Reduções tarifárias substanciais, medidas

não relativas ao comércio Uruguai 1994 125 Abrangente, agricultura incorporou mais

novas áreas Doha ? 148 Pontos da agenda 21

Fonte: Centre for International Economics.

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Dada a sensibilidade política da agricultura, sua inclusão formal foi um grande feito.

As conquistas da Rodada Uruguai

O resultado da Rodada Uruguai está consubstanciado na Lei Final (Final Act). O documento foi assinado por Ministros do Comércio em Marrakesh em 1994. Um resumo dos componentes da Lei Final está no quadro 13 e o Acordo sobre a Agricultura é apenas uma parte da lei final. Entretanto, outros acordos afetam a agricultura, seja direta ou indiretamente. Por exemplo, com o vencimento da “Cláusula da Paz” em 1º de janeiro de 2004 (uma cláusula eximindo as reclamações contra os subsídios agrícolas), os subsídios agrícolas passaram a ser objeto do Acordo de Subsídios da OMC.

Os elementos fundamentais negociados no Acordo sobre a Agricultura foram a melhoria do acesso ao mercado, a redução dos subsídios à exportação, regras e reduções para os auxílios internos, salvaguardas e tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento.

Um problema em particular foi o que fazer com as cotas agrícolas do acesso ao mercado e o desejo de se tarifar essas cotas. O entendimento obtido no Acordo de “Blair House” foi o das cotas tarifárias (TRQs). Essas TRQs se revelaram um grande retrocesso, de modo que é importante entender sua operação básica. Uma TRQ, como mostra o gráfico 14, possui duas partes.

Há uma tarifa para a quantidade de importações intra-cota permitida e uma tarifa separada, mais alta, para o volume de importações extra-cota. Trinta e sete países possuem cotas tarifárias sobre 1.371 produtos. As cotas tarifárias somente eram permitidas para produtos anteriormente protegidos por cotas e tarifados.

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13 Resumo da Lei Final

Fonte: Centre for International Economics.

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14 Uma cota tarifária

Fonte: Centre for International Economics.

Os compromissos numéricos de cortes nos subsídios agrícolas estão contidos na tabela 15. Foram negociados cortes maiores para os países desenvolvidos do que para os países em desenvolvimento. Ademais, conforme citado no capítulo anterior, o corte de 20 por cento da AMS se baseou no período 1986-88, não cobrindo pagamentos da caixa azul ou verde, que não são regidos por norma alguma, ou os pagamentos de minimis.

A agricultura possui disposições especiais sobre salvaguardas que, para outros bens comercializados, são tratadas pelo Acordo das Salvaguardas. As disposições tratam de circunstâncias especiais, como altas repentinas nas importações. Essas disposições sobre salvaguardas somente podem ser usadas sobre produtos tarifados, que é inferior a 20 por cento dos produtos agrícolas. Somente podem ser usadas se o país tiver reservado o direito de uso na sua Programação apresentada à OMC. Os acionadores da ação da salvaguarda podem ser o preço ou o volume relacionados e as medidas que podem ser tomadas incluem aumentos temporários nas tarifas.

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15 Compromissos numéricos de cortes nos subsídios agrícolas da Rodada Uruguai

Países desenvolvidos 1995-2000

Países em desenvolvimento 1995-2004

% %

Acesso ao mercado: reduções tarifárias

Corte médio para todos os produtos agrícolas -36 -24

Corte mínimo por produto (base 1986-88) -15 -10

Subsídio interno

AMS total para a agricultura (base 1986-88) -20 -13

Subsídios às exportações Corte no valor dos subsídios -36 -24

Corte no valor das quantidades subsidiadas (base 1986-90) -21 -14

Fonte: Organização Mundial do Comércio. http://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/ tif_e/agrm3_e.htm. Avaliação de 8 de dezembro de 2004.

Outro conjunto de disposições especiais do Acordo sobre a Agricultura abrange o tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento. Foram concedidos a esses países períodos de transição maiores (dez anos) e compromissos de redução menos onerosos (tabela 15). O argumento foi que essa proteção para a agricultura dos países em desenvolvimento era necessária para a segurança alimentar, para apoiar camponeses, compensar a falta de capital e impedir o êxodo para as cidades. Apesar das evidências de que a proteção para a agricultura na verdade agrava alguns desses aspectos, os países em desenvolvimento receberam um status especial. Além do mais, os países menos desenvolvidos importadores de alimentos, que tinham preocupações sobre a segurança alimentar e o impacto da elevação dos preços dos alimentos, receberam disposições adicionais. Essas disposições eram primordialmente relativas a assistência técnica e financeira adicional para melhorar a produtividade e infra-estrutura agrícolas.

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Um último aspecto do Acordo sobre a Agricultura é o Artigo 20, que trata de assuntos não comerciais. As negociações têm de levar em consideração preocupações não comerciais legítimas, como o “estilo de vida”, a “paisagem rural” e o desenvolvimento regional. Inicialmente, esses aspectos “multifuncionais” dos subsídios agrícolas eram considerados meras desculpas para a proteção e, de algum modo, uma base para legitimar auxílios ininterruptos para a agricultura. Porém, duas coisas ocorreram desde então. Uma é a consciência de que a maioria dessas preocupações “multifuncionais” pode ser tratada de acordo com as disposições existentes da caixa verde. Em segundo, um relatório da OCDE5 demonstrou claramente que todos esses chamados aspectos multifuncionais da agricultura poderiam ser tratados com maior eficiência pelas políticas focadas na preocupação específica e não para subsidiar a agricultura. Se as “vacas que pastam nas encostas dos morros” fossem importantes, seria bem mais barato subsidiar a atividade das vacas “secas” que pastam nessas encostas, e não a produção leiteira.

Problemas com o resultado da Rodada Uruguai

O Acordo sobre a Agricultura parece bom no papel mas, conforme apontado acima, o resultado em termos da liberalização efetiva dos mercados se mostrou bem mais limitado. Há muitos motivos para isso, e os países do Grupo Cairns6 estão trabalhando duro para superá-los dessa vez.

5 OCDE 2001, Multifunctionality, Towards an Analytical Framework, Agriculture and Food

(Multifuncionalidade, Para um Arcabouço, Agricultura e Alimentos Analíticos), Publicações da OCDE, Paris.

6 O Grupo Cairns foi formado em 1986 antes do início da Rodada Uruguai. Fazem parte dele países exportadores agrícolas sem subsídios, inclusive Austrália (Presidente), Argentina, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia, Paraguai, Filipinas, África do Sul, Tailândia e Uruguai.

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Falta de disciplina na medida agregada de apoio à produção agrícola

A AMS não produziu nenhuma disciplina real sobre os gastos da caixa amarela, por diversos motivos. O primeiro deles é que o cálculo da AMS se baseia na estimativa de uma discrepância de preço, que é diferença entre o “preço administrado” e um “preço externo de referência”. Os dois apresentam problemas. Como o preço administrado é definido pelo governo do país, ele pode ser abolido, que é exatamente o que o governo japonês fez com o arroz. Em um instante, o cálculo da AMS do arroz japonês – a commodity que goza das maiores proteções – evaporou no ar.

Os preços administrados podem diferir – o que de fato ocorre – dos preços efetivos do mercado interno, o que representa um verdadeiro problema para a proteção, juntamente com o preço externo. O problema do preço externo de referência é que o período base selecionado foi o de 1986-88, e não o preço de importação no destino do ano em curso. Como o período base foi um dos preços relativamente baixos, a discrepância de preços foi elevada e inflacionou o equivalente da tarifa base. As reduções de uma base ampla inflacionada resultaram em menos cortes efetivos.

Um exemplo da falta de regramento sobre a AMS é a indústria de laticínios dos EUA. O gráfico 16 mostra como se deu a queda do preço administrado dos laticínios, que levou para baixo o cálculo da AMS. Mas o preço do mercado interno aumentou e a proteção dos laticínios nos Estados Unidos piorou.

Tarifação suja

Outro motivo do resultado ineficaz da agricultura foi a chamada “tarifação suja”. O acordo previa a tarifação de medidas não tarifárias existentes. Mas isso equivale a equiparar a estimativa de uma alíquota de imposto a uma tarifa em termos de efeitos.

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16 O que há de errado com as medidas de subsídios internos da OMC: Indústria de laticínios dos Estados Unidos

Fonte: Departamento de Assuntos Estrangeiros e Comércio, Australian Background Paper, junho de 2002.

Ao estimar esses equivalentes tarifários, muitos países inflacionaram suas estimativas, oferecendo alta proteção e uma base mais ampla para a redução das tarifas.

“Água na tarifa”

Uma questão relacionada é a chamada “água na tarifa”. O GATT e o Acordo sobre a Agricultura são pactos para não aumentar as alíquotas tarifárias de uma alíquota especificada em sua tabela de tarifas. Essas alíquotas são chamadas de alíquotas vinculadas. Mas não há nada que impeça um país de aplicar uma tarifa mais baixa, o que existe na prática. Um exemplo seria a carne japonesa, que possui uma alíquota vinculada de 50 por cento, mas uma alíquota aplicada de 38,5 por cento. Assim, o Japão poderia cortar sua alíquota vinculada sobre a carne em 23 por cento como parte das negociações da rodada de Doha, mas não faria a mínima diferença para as exportações da carne australiana. A diferença nas alíquotas aplicada e vinculada é a “água na tarifa”.

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O problema é que os países em desenvolvimento estipularam tetos vinculativos bastante elevados para as tarifas, que antes não eram vinculadas. As tarifas vinculadas do período base tinham elevação anormal, de modo que reduções substanciais das alíquotas vinculadas (que são as alíquotas objeto de negociação) terão de ser feitas para que haja mais fluxo de comércio. O gráfico 17 mostra a quantidade de água na tarifa em algumas regiões. Em geral, a água na tarifa é pior para os países em desenvolvimento.

De minimis

A isenção de minimis nos cálculos da AMS é generosa demais. Por exemplo, nos Estados Unidos, a AMS foi de US$10,4 bilhões, mas os EUA alegaram US$9,5 bilhões como as isenções de minimis. Todos os pagamentos de subsídios deveriam ficar sujeitos e regras e reduções.

17 Extensão da “água na tarifa”

Fonte: Buetre, B., Nair, R., Che, N. and Podbury, T. 2004, Artigo de Conferência ABARE 04.6, ‘Liberalização do comércio agrícola: Efeitos sobre a produção, renda e comércio dos países em desenvolvimento“, apresentado na 7ª Conferência Anual sobre Análise Econômica, Comércio, Pobreza e Meio Ambiente Globais, Washington DC, 17 a 19 de junho.

Ausência de teto para os pagamentos das caixas azul e verde Os pagamentos da caixa azul e da caixa verde ficaram isentos de quaisquer regras ou compromissos de redução. Mas todas as políticas

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de apoio à agricultura distorcem a oferta de produtos agrícolas em maior ou menor grau. Foi um equívoco a ausência de teto para pagamentos da caixa azul e, em menor grau, deixar os pagamentos da caixa verde sem teto também.

Cortes médios na tarifa Outro truque que limita a liberalização efetiva é o cálculo de médias dos cortes de tarifas. A redução negociada de 36 por cento nas tarifas foi uma redução média. Algumas tarifas poderiam sofrer reduções maiores, outras, menores, contanto que o corte médio totalizasse 36 por cento (24 por cento para os países em desenvolvimento). Observe, contudo, que um corte mínimo de 15 por cento (10 por cento no caso dos países em desenvolvimento) seria feito para cada tarifa.

O problema de um “corte médio de todas as tarifas” é que não é a mesma coisa que um “corte na tarifa média”. A diferença é mais do que semântica, conforme demonstra este exemplo.7 Suponhamos que seja alcançado um acordo de corte médio de 50 por cento nas tarifas. Um país possui duas tarifas agrícolas: uma a 1 por cento e a outra a 100 por cento. Um corte de 100 por cento na tarifa de 1 por cento, e de zero na tarifa de 100 por cento, gera o corte médio de 50 por cento necessário nas tarifas (uma beleza para as manchetes). Mas, em realidade, praticamente nada foi feito. A tarifa média caiu de 50,5 para 50 por cento. Por outro lado, um corte de 50 por cento em cada tarifa abaixaria a tarifa média para 25,25 por cento: uma proveitosa redução.

O problema é que há grandes dispersões de tarifas ao longo de diversos milhares de linhas tarifárias agrícolas. No mundo real, certa análise8 demonstrou que, tomando-se o tabela de tarifas dos EUA como um exemplo, para atingir um corte na tarifa média de 30 por cento para produtos agrícolas e alimentícios, um corte médio de 7 Esse exemplo foi extraído de Banco Mundial 2004, Perspectivas Econômicas Globais,

p. 92.

8 Stoeckel, A. 2004, ‘Market access under the Doha Round’ (Acesso ao mercado conforme a Rodada de Doha), relatório para a Empresa de Pesquisa e Desenvolvimento das Indústrias Rurais, Projeto da RIRDC CIE-13A, maio.

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90 por cento teria de ser negociado! Mesmo com um corte mínimo de 20 por cento em todas as linhas tarifárias, seria necessário um corte médio de 84 por cento para se alcançar a mesma diferença de 30 por cento nas tarifas médias. O acordo relativo a condicionalidades ou proibições reduz a margem de uso de truques. No simples exemplo acima, se duas condições fossem acordadas, cada uma das duas tarifas teria de sofrer o corte acordado de 50 por cento. O problema é a existência de picos tarifários, como ocorre com o açúcar e o arroz.

Subsídios às exportações

Mais uma vez, por causa de baixos preços de commodities (1986-90) os níveis base dos subsídios às exportações sofreram excepcional aumento. Nos casos em que os subsídios haviam subido no período 1986-94, os países puderam usar o intervalo 1991-92 como a base. Quanto maior a base, mais fraco o impacto dos compromissos de redução.

Ademais, não foram negociadas restrições vinculativas sobre o uso dos créditos à exportação, que são, na verdade, uma forma de subsídio à exportação. Todas as formas de subsídios têm de ser incluídas para que haja regras eficientes sobre o corte do total de subsídios à exportação.

Tratamento especial e diferenciado

No que diz respeito a rodadas anteriores de negociações comerciais, os resultados da Rodada Uruguai contêm disposições sobre tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento. Porém, embora o objetivo desses dispositivos especiais possa ser admirável, na prática eles criam outros problemas que não são do interesse nem dos próprios países em desenvolvimento e nem da economia mundial. Algumas das disposições especiais, isto é, a concessão de preferência para o acesso ao comércio como uma forma de auxílio ao desenvolvimento, na verdade deixaram o país beneficiário em pior situação. As

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preferências comerciais têm sido o “beijo da morte” para alguns países de acordo com alguns estudos.9

O cerne do problema é que uma pedra angular do sistema GATT é a cláusula de “nação mais favorecida”, ou princípio da não discriminação, conforme o Artigo I. Porém, o tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento enfraquece esse princípio e o sistema da OMC. Mas o sistema da OMC foi instituído para introduzir um conjunto de regras e disciplinas comerciais a fim de ajudar a proteger os interesses dos pequenos e fracos contra os fortes.10

Geral A Rodada Uruguai não atingiu reduções expressivas na proteção da agricultura em parte pelos motivos acima. Essas questões terão de ser atacadas na rodada de Doha. Mas há outro problema com profundas raízes que explica o fraco resultado: falta de vontade política para empreender reformas. O estado de coisas na rodada de negociações de Doha é abordada a seguir.

9 Stoeckel, A. and Borrell, B. 2001, Bad Aid, Bad Trade: Preferential Trade and Developing Countries

(Auxílio Ruim, Comércio Ruim: O Comércio Preferencial e os Países em Desenvolvimento), preparado para a Reunião dos Líderes Agrícolas do Grupo Cairns , Uruguai.

10 Stoeckel, A. 2004, Termites in the Basement: To Free Up Trade, Fix the WTO’s Foundations (Cupins no Porão: Para Libertar o Comércio, Conserte os Fundamentos da OMC), preparado para a Empresa de Pesquisa e Desenvolvimento das Indústrias Rurais, Publicação No 03/092, Canberra.

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5 A RODADA DE DOHA: ESTADO DE COISAS E QUESTÕES BÁSICAS

Foi bastante difícil conseguir iniciar a Rodada Uruguai de negociações comerciais em 1986, e ficou provado não ser nada fácil conseguir preparar outra rodada de conversações sobre comércio. A Conferência Ministerial da OMC de 1999 – a chamada “batalha de Seattle” – terminou em desordem. A intenção era dar início a uma nova rodada de negociações comerciais naquela reunião. Não foi o caso.

Em vez disso, foi necessária outra reunião, em novembro de 2001, para que fosse lançada a rodada de negociações de Doha – chamada de Agenda de Desenvolvimento de Doha. São duas as significativas características da Conferência Ministerial da OMC em Doha, no Qatar. Primeiro, foi acordo que as negociações seriam uma única tarefa, ou seja, os participantes têm de aderir a todos os acordos feitos, como nas negociações da Rodada Uruguai. Em segundo lugar, havia uma clara missão de negociações sobre a agricultura. Essa missão requer um sistema de comércio justo e voltado para o mercado por meio de um programa de reformas fundamentais a fim de corrigir e impedir restrições e distorções nos mercados agrícolas mundiais. Ela também envolve os governos em negociações abrangentes que visam “melhorias substanciais no acesso ao mercado; reduções de todas as formas de subsídios à exportação, com o intuito de eliminá-las gradualmente; e reduções substanciais dos auxílios internos distorcedores do comércio”.11 A despeito da clara missão de negociações agrícolas e metas ambiciosas, o

11 Declaração Ministerial da OMC, Doha, novembro de 2001.

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desenrolar dos fatos desde Doha tem se mostrado árduo. Primeiro, as “modalidades”, que são o “como” e o “em que medida” para a redução da proteção, seriam decididas até março de 2003. Um texto do Presidente do Comitê Agrícola foi divulgado, o chamado texto de Harbison, mas não houve consenso.

O prazo das modalidades passou com posições bastante distanciadas. O Grupo Cairns de exportadores agrícolas estava pleiteando melhorias consideráveis no acesso e reduções na proteção agrícola, mas outros interesses, em particular na Europa, Estados Unidos, Japão e Coréia, demonstraram pouco interesse em avançar. A próxima reunião ministerial em Cancun, em setembro de 2003, também terminou fracassada, muito embora uma novidade foi o surgimento do grupo de países em desenvolvimento G-20.12

Depois da reunião ministerial de Cancun, um “acordo geral” com modalidades foi elaborado e acordado. Esse acordo geral define os princípios norteadores básicos da rodada de negociações de Doha. O acordo foi firmado no fim de julho, ou melhor, na madrugada de 1º de agosto de 2004 (mas é citado como o “pacote de julho”). O estado de coisas nas negociações da rodada de Doha agora é uma fase técnica para tentar definir as modalidades antes da Conferência Ministerial da OMC em Hong Kong entre 13 e 18 de dezembro de 2005.

O que o pacote de julho tem sobre a agricultura

O Anexo A do arcabouço para o estabelecimento de modalidades na agricultura configura as modalidades que sairão da atual fase de negociações. O arcabouço se baseia nos três pilares de subsídios às exportações, medidas de apoyo internas e acesso ao mercado.

12 Os países-membros do G-20 são: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, China, Cuba, Egito,

Guatemala, Índia, Indonésia, México, Nigéria, Paquistão, Paraguai, Filipinas, África do Sul, Tanzânia, Tailândia, Venezuela e Zimbábue.

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Subsídios às exportações

O acordo geral reconhece explicitamente os subsídios à exportação e concorrência, que abrange todos os subsídios à exportação, garantias e seguro do crédito à exportação, auxílios alimentares, empresas de exportação de negociação estatal, restrições à exportação e impostos. O tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento também deve ser incluído. O acordo geral agora especifica que todas as formas de subsídios à exportação serão eliminadas “até uma data crível”. Todos os tipos de subsídios, inclusive o crédito à exportação, auxílios alimentares sem legitimidade e monopólios de exportação sancionados pelo estado e subsidiados serão simultaneamente eliminados. Contudo, as negociações da questão dos poderes monopolistas de monopólios estatais serão aprofundadas.

Subsídio interno

Sobre as medidas de apoyo internas, o acordo geral especifica que todos os países desenvolvidos deverão fazer reduções substanciais nas medidas de apoyo internas que distorcem o comércio. Aqueles que tiverem níveis mais elevados de subsídios deverão fazer cortes maiores dos níveis “vinculados”. Primeiro, um novo nível base das medidas de apoyo internas distorcedores do comércio deverá ser definidos como:

a AMS total vinculada final existente hoje; mais

o nível de auxílio de minimis permitido; mais

o valor dos pagamentos da caixa azul.

Haverá regras separadas sobre cada um desses componentes, mas esse novo nível base geral será reduzido de acordo com uma fórmula escalonada, que equivalerá a cortes maiores do que os cortes com os mais elevados níveis base de subsídios gerais. No primeiro ano, esse nível base sofrerá um corte de 20 por cento como um mínimo.

5 A RODADA DE DOHA: ESTADO DE COISAS E QUESTÕES BÁSICAS

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A AMS total vinculada final existente hoje sofrerá profundas reduções, por meio, mais uma vez, de um sistema escalonado. Para superar o problema dos cortes médios, AMSs específicas a produtos receberão tetos em seus respectivos níveis médios, conforme um método a ser acordado.

Reduções em subsídios de minimis deverão ser negociadas

Os subsídios da caixa azul não deverão exceder 5 por cento do valor total médio da produção agrícola ao longo de um período histórico a ser negociado.

Por fim, se o somatório dos compromissos de redução de cada elemento exceder o compromisso segundo o novo nível base dos subsídios que distorcem o comércio, o primeiro prevalece. Há uma especificidade bem maior nas reduções de medidas de apoyo internas do que em outras áreas. Porém, ainda há bastante margem para se bagunçar a definição do que faz parte dos pagamentos da caixa azul e da caixa verde. Um dos bons sinais é a ênfase nos auxílios menos distorcedores, mas persiste o problema de que todos os subsídios acabam distorcendo o comércio, mesmo os subsídios da caixa verde.

Acesso ao mercado

O acesso ao mercado tem sido o componente mais difícil das negociações sobre comércio até o momento. Ainda assim, constitui o componente mais determinante para se cumprir o mandato de Doha, de um sistema agrícola mundial voltado para o mercado. Além disso, trata-se do mais valioso componente em termos de ganhos: a conquista do livre acesso ao mercado agrícola supera, e muito, os ganhos de outras áreas de subsídios à exportação e auxílios internos. A pesquisa do Banco Mundial citada no capítulo 2 mostra que 93 por cento dos ganhos mundiais em potencial com a liberalização da agricultura derivam desse pilar da melhoria do acesso ao mercado. Mesmo assim, essa é a área em que houve menos avanço nas negociações até agora.

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O acordo geral obriga os membros a fazer “melhorias substanciais no acesso ao mercado de todos os produtos”. Entretanto, há cláusulas suspensivas no acordo geral, sobretudo no que se refere a como lidar com produtos sensíveis. Mais uma vez, uma das constatações assustadoras da pesquisa do Banco Mundial é que basta a isenção de 2 por cento de tarifas sobre produtos sensíveis para desfazer a maior parte do impacto em potencial da retirada de barreiras na fronteira.13 A fixação de teto para tarifas de produtos sensíveis em, digamos, 200 por cento limita o impacto da isenção desses produtos. O princípio econômico que explica a isenção de produtos sensíveis é que ela exacerba as disparidades entre os auxílios para os setores que, conforme foi visto em capítulos anteriores, é a causa primeira do custo da proteção. Há também a questão da concessão de mais flexibilidade aos países em desenvolvimento para “produtos especiais” e como usar as medidas de “salvaguarda especial”.

O acordo geral sobre o acesso ao mercado prepara o cenário para a próxima fase das negociações. Os princípios fundamentais estabelecidos até agora são os seguintes:

o sistema deve ser único;

o sistema deve ser escalonado e progressivo, com tarifas em escalões mais altos sofrendo cortes maiores;

as reduções de tarifas devem ser de alíquotas “vinculadas”; e

deverá haver tratamento especial para os países em desenvolvimento e produtos sensíveis.

A evolução de propostas sobre o acesso ao mercado está representada no diagrama 18, extraído da OMC.14 O sistema escalonado contido na minuta de proposta de modalidades de março de 2003 é apresentado no painel da esquerda do gráfico 18. O sistema misto proposto na reunião de Cancun aparece no Segundo 13 Martin, W. “Implicações da Reforma do Comércio para os Países em Desenvolvimento”,

apresentação em Powerpoint feita na ABARE Outlook Conference 2005.

14 OMC 2004, Negociações Agrícolas da OMC: As Questões e Onde Estamos Agora, atualizado em 25 de outubro de 2004.

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painel. Ele inclui cortes do tipo da Rodada Uruguai, cortes do tipo da fórmula suíça e um componente de acesso isento de impostos.

Hoje, o pacote de julho reconhece um sistema escalonado com decisões por serem tomadas no nível e números de escalões, o tipo de redução tarifária de cada escalão e se deveria definir formalmente alíquotas tarifárias máximas gerais. Duas questões estão por serem negociadas: que tratamento dispensar a produtos sensíveis e se cada governo pode selecionar o número de produtos sensíveis.

Há, ainda, outras questões de peso por serem decididas, como a eliminação de alíquotas tarifárias intra-cota, a alocação administrativa de cotas e se salvaguardas agrícolas especiais devem sair.

18 Sistemas para as formulas de redução de tarifas

Fonte: OMC 2004, Negociações Agrícolas da OMC: As Questões e Onde Estamos Agora, p. 45.

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Infelizmente, houve pouco avanço em matéria de acesso ao mercado nos últimos quatro anos. O trabalho duro ainda está por vir. No cerne desse problema está a dificuldade de se convencer os países de que eles só têm a ganhar se liberalizarem o comércio. Há uma falta de vontade política contínua para se reformarem mercados agrícolas. Esse problema da falta de vontade política e do que fazer a respeito é abordado a seguir.

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6 ECONOMIA POLÍTICA DA REFORMA

As restrições sobre o comércio agrícola mudaram pouco ao longo dos últimos cinqüenta anos. Essa ausência de reforma reflete um problema político arraigado. Como lobbies limitados que defendem o status quo têm conseguido dominar o interesse nacional, a proteção permanece. No sentido da escolha pública, os benefícios são concentrados, mas os custos são difusos. Assim, não vale a pena para os eleitores aplicar tempo para informar-se por completo sobre os custos da proteção ou os benefícios que a reforma pode trazer. Mas a falta de vontade política para a reforma de questões não é nova.

A vontade política muda e pode ser mudada. Déficits orçamentários persistentes na Europa e nos Estados Unidos nas décadas de 1970s e 1980s foram justificados à época como um problema de escolha pública.15 Ainda assim, de alguma forma essas questões foram tratadas. Ademais, a explicação da opção pública pela falta de liberalização do comércio não coincide com os fatos da liberalização de suas indústrias protegidas automobilísticas e têxteis. Os benefícios eram concentrados, mas os custos eram difusos; ainda assim, de alguma forma, a vontade política foi alterada e a liberalização do comércio ocorreu. Vale a pena observar exatamente como a vontade política pode ser alterada já que um problema político requer uma solução política.

15 Foi alegado que os beneficiários de pagamentos selecionados de governos eram

concentrados, mas os custos eram dispersos sobre todos os contribuintes que dispunham de pouco incentivo para a reforma.

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O segredo para a compreensão da política que está por trás das restrições do comércio agrícola é reconhecer que, embora as coisas não tenham melhorado muito, no geral a situação também não piorou. Os agricultores de mercados protegidos querem continuar com a proteção para manter seus benefícios e manter os elevados preços das terras. Eles gostariam de ter mais. Mas não têm conseguido. Isso ocorre porque há uma série de forças políticas contrárias. A compreensão de onde essas forças se situam e do que as determina é um dos segredos para entender como deslocar o equilíbrio político em favor da reforma.

Quem é a favor da reforma?

Um bom lugar para começar é encontrar os grupos que são a favor da reforma agrícola, perguntando quem arca com o custo das atuais restrições/barreiras à importação. Os contribuintes formam um grupo. Metade de aproximadamente US$1 bilhão por dia transferidos direta e indiretamente para a agricultura nos países ricos vem dos impostos. Quando os orçamentos federais registram largo superávit, como foi o caso dos Estados Unidos durante elaboração do ultimo Projeto de Lei Agrícola de 2002, há menos rigor por parte dos contribuintes. No entanto, hoje os orçamentos na Europa, Japão e Estados Unidos registram forte déficit e os Tesouros, que formulam orçamentos anuais, precisam conter os gastos e manipular reivindicações concorrentes de hospitais e escolas, bem como os auxílios aos agricultores. Haverá pressão financeira ao longo dos próximos dez anos para que os subsídios agrícolas sejam reduzidos. Já estamos vendo isso nos Estados Unidos, onde se fala de cortes nas medidas de apoyo agrícolas internas. Os reformistas do comércio podem se concentrar na redução de barreiras na fronteira para que uma parcela maior dos programas de medidas de apoyo internas seja forçada a entrar nos orçamentos federais.

Os consumidores são o outro grupo que transfere (direta ou indiretamente) a outra metade de US$1 bilhão ao dia para a agricultura. Mas os consumidores são conhecidos pela fraca

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organização em função de seus interesses difusos em melhores resultados. Não lhes compensa organizar-se e fazer campanha em prol da reforma. Os consumidores são uma força importante, mas é improvável que revertam a onda de protecionismo dos agricultores.

Outro grupo que arca com os custos das barreiras à importação é o grupo dos exportadores. A única finalidade da exportação de bens e serviços é pagar pelos valiosos bens e serviços importados que enriquecem o bem-estar. Através de articulações e mecanismos na economia e na taxa de câmbio, o custo da restrição às importações recai, em última análise, sobre os exportadores. Os exportadores constituem um grupo mais organizado do que o dos consumidores e pode exercer influência considerável sobre os círculos de formulação de políticas do governo.

Pode haver vários outros grupos em desvantagem por causa de políticas comerciais agrícolas restritivas. Os países em desenvolvimento – sobretudo os exportadores agrícolas – sofrem um duro impacto. Mas os países em desenvolvimento em busca da reforma do comércio já usaram o argumento de que “somos pobres por causa das suas restrições comerciais, então vocês deveriam eliminar as barreiras, não nós”. Ainda assim, 80 por cento dos ganhos com a reforma do comércio vão para o país que reduz suas próprias barreiras. Os países em desenvolvimento estariam em melhor situação com uma reforma multilateral mas, em sua falta, deveriam reduzir suas próprias barreiras unilateralmente. A dificuldade do atual argumento apresentado pelos países em desenvolvimento é que ele alimenta a campanha em favor de tratamento ainda mais especial e diferenciado para eles. O comércio preferencial estabelece o perverso incentivo para que os países obstruam o progresso rumo ao livre comércio já que corrói o valor de suas preferências. A Ilha Maurício, que recebe acesso preferencial para o açúcar na UE, se opõe ativamente à abertura do Mercado mundial do açúcar, pois perderia vendas para países como Brasil, Austrália e Tailândia.

Outros grupos afetados pelos subsídios agrícolas são mais sutis, como os grupos ecológicos preocupados com a preservação do meio ambiente. Estima-se que algo em torno de 80 por cento de todos os

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subsídios agrícolas sejam perversos pelo fato de não apenas prejudicarem e danificarem a economia, mas também prejudicarem o meio ambiente. Todos esses grupos podem se mobilizar e se eles se unirem em torno do objetivo comum de liberalizar o comércio agrícola mundial, aumentará a probabilidade de haver uma reforma.

A mobilização desses outros grupos

Para vencer as poderosas forças políticas que resistem à reforma do comércio agrícola, forças opostas igualmente poderosas precisam ser mobilizadas. A melhor forma de mobilizar essas forças políticas opostas é identificar os interesses dos outros grupos que arcam com o ônus dos subsídios agrícolas. O ônus que recai sobre contribuintes e consumidores precisa ficar claro. O ônus sobre exportadores e os efeitos sobre os países em desenvolvimento, os “ecológicos” e assim por diante, também precisam ficar claros.

Com grande freqüência, essa transparência de políticas é inexistente. A falta de transparência é parte da razão pela forte confiança no acesso ao mercado como a forma de auxílio que é tão intensamente usada pelos países protecionistas hoje. O caráter insidioso das restrições na fronteira é que ele equivale a uma transferência oculta dos consumidores para os produtores. Se, por exemplo, agricultores protegidos recebessem auxílio orçamentário em vez de restrições sobre bens importados na fronteira, o custo orçamentário para os tesouros nacionais aumentaria extraordinariamente. Isso explica em parte porque as barreiras comerciais são o instrumento preferencial de proteção e porque houve tão pouco avanço na redução das barreiras na fronteira na rodada de Doha.

Para mostrar que os subsídios agrícolas poderiam ser mais bem gastos em outras áreas (na educação ou saúde, ou restituídos aos contribuintes) e para mostrar qual é o verdadeiro ônus sobre os exportadores, como a Boeing Corporation, nos Estados Unidos, é necessária uma análise da economia como um todo. Os principais pontos são destacados no quadro 19.

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19 Análise da economia como um todo

No capítulo 3, foi demonstrado que as PSEs para a agricultura não eram, na verdade, o custo econômico dos subsídios. O cálculo da PSE ou da AMS é um mero exercício de aritmética. Nenhuma delas indica o que acontecerá a uma economia e como o ajuste será distribuído na economia com a mudança das políticas comerciais agrícolas. Para que esse cálculo seja feito, é necessário medir todas as repercussões econômicas em torno da economia quando um subsídio agrícola é eliminado. A análise da economia como um todo implica duas coisas. Ela implica a mensuração de todos os elos em torno da economia. E ela significa medir a resposta dos produtores e consumidores à alteração dos preços quando os subsídios agrícolas são extintos. A análise da economia como um todo explicitamente mede o “invisível” – todos os efeitos ocultos que ocorrem quando os países impõem barreiras ao comércio. A análise da economia como um todo captura todas as interações entre todos os “atores” de uma economia. Tudo que acontece em um setor afeta todos os outros setores. A proteção de automóveis faz com que os custos agrícolas aumentem. Os modelos da economia como um todo capturam formalmente a noção de custos de oportunidade e de que tudo vem de algum lugar e deve ir para algum lugar. Quando se faz a análise de políticas agrícolas, considerando-se a economia como um todo, é possível deduzir os benefícios e custos econômicos da proteção e quem arca com o ônus e quem ganha. Esse conhecimento pode ser de extrema utilidade na identificação das forças políticas opostas que têm interesse na reforma das políticas comerciais agrícolas. Esse conhecimento estimula a formação de coalizões de interesse para fazer lobby pela mudança.

Fonte: Centre for International Economics.

A característica da análise da economia como um todo que é tão valiosa para a alteração da economia política da proteção aos agricultores é a identificação do ônus arcado por outros setores. Mas esse trabalho de nada vale se outros grupos da sociedade que não sejam claramente afetados pelas políticas agrícolas – como a Boeing Corporation – compreendam a análise e se engajem na política comercial agrícola. Por exemplo, um simples cálculo mostra que, em decorrência da reforma global das políticas do açúcar, o Brasil ganharia divisas estrangeiras adicionais suficientes para comprar mais dez jumbos 747 ou vinte 737s da Boeing Corporation. E isso seria por ano!

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O engajamento de outros grupos na política comercial agrícola – como fabricantes e exportadores – requer o chamado “devido processo”. O devido processo é a análise aberta, independente e transparente dos custos e benefícios econômicos da proteção. A análise aberta e independente da economia como um todo tem de ser repetida sistematicamente nas capitais dos países membros. A análise da economia como um todo combinada ao devido processo altera a atitude política da proteção.

A melhor forma de concretizar isso é por meio do Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais (TPRM) da OMC. Com o TPRM, é realizado um exame sistemático das políticas comerciais dos países-membros. O objetivo dos exames é ampliar a transparência das políticas de comércio dos Membros. Os quatro maiores membros são examinados a cada dois anos, os próximos dezesseis são examinados a cada quatro anos e outros, a cada seis anos. Mas esses exames não contêm análises dos benefícios e custos econômicos das políticas declaradas, e nem são realizados com independência dos departamentos de comércio que administram as políticas comerciais restritivas. Portanto, duas alterações fundamentais são necessárias. A primeira é a introdução da análise dos custos e benefícios da política comercial tomando em consideração a economia como um todo. A segunda é tornar a análise independente dos departamentos de comércio que administram a política comercial. Esse trabalho deve ser realizado nas capitais dos países, e não na seda da OMC em Genebra. É recomendável que o TPRM seja o “auditor” da análise feita no país.

Derrubando os mitos

Embora a formação de coalizões pró-reforma seja valiosa, persiste uma necessidade de se enfrentar constantemente muitos dos mitos apresentados em apoio à proteção. Os mitos mais comuns e a resposta apropriada aparecem no quadro 20.

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20 Mitos e realidades da proteção agrícola

Subsídios são necessários para Resposta Assegurar auto-suficiência O maior subsidiador de todos, a

UE, é mais de 100 por cento auto-suficiente. A UE é o segundo maior exportador de açúcar, por exemplo.

Manter a população em áreas rurais Em determinado momento, a Europa perdeu um agricultor por minuto durante 20 anos.

A média de idade dos agricultores em países subsidiados em nada difere da média em países com baixa proteção da agricultura.

Preservar as áreas rurais Terras frágeis foram restituídas à vegetação nativa quando subsídios foram retirados.

É melhor subsidiar cercas-vivas e a manutenção de “pequenos campos verdes” do que a produção de leite.

A primeira melhor política é um subsídio direto para preservar as áreas rurais em combinação com o livre comércio.

Preservar empregos O auxílio a um emprego equivale à taxação sobre outro – para todo emprego poupado, há um emprego perdido.

Propiciar renda agrícola adequada Não funcionou. Muitos agricultores dos mercados mais protegidos ainda lutam. Cerca de 70 por cento dos subsídios da UE vão para 30 por cento dos maiores agricultores.

Preservar o meio ambiente Foi constatado, porém, que 80 por cento dos subsídios são perversos: prejudicam tanto a economia como o meio ambiente.

Assegurar segurança alimentar Os padrões de higiene são mais altos na Nova Zelândia, que não recebe subsídios agrícolas, do que em mercados protegidos. Alguns dos piores sustos relativos à segurança alimentar ocorreram nos mercados mais protegidos.

Fonte: Centre for International Economics.

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Argumentos sobre manutenção da segurança alimentar, preservação das áreas rurais, auxílio à renda agrícola etc. simplesmente não resistem à investigação profissional. Mesmo que um objetivo como a preservação de uma “bela área rural” fosse legítimo, não justifica restringir o comércio. A primeira melhor política deverá ser um programa direto que preserve as áreas rurais em combinação com o livre comércio. Impedir a importação de leite ou açúcar sempre se mostrará uma forma excessivamente dispendiosa para a consecução do objetivo primário de se cuidar do campo ou o que quer que se pretenda. Os mitos não passam disso: mitos. Eles devem constantemente ser desfeitos.16

16 Uma boa síntese de mitos e seu esclarecimento foi feita por Brian Chamberlin em

Stoeckel, A. and Corbet, H. (eds) 1999, Reason versus Emotion: Requirements for a Successful WTO Round (Razão versus Emoção: Requisitos para uma Rodada da OMC Bem Sucedida), Publicação da RIRDC No. 99/167, trabalhos de um seminário realizado pelo Centre for International Economics, de Canberra, e pelo Cordell Hull Institute, de Washington DC, para os Líderes Agrícolas do Grupo Cairns, Hotel Sheraton, Seattle, 2 de dezembro de 1999, pp. 65 a 76.

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7 OUTRAS QUESTÕES DA RODADE DE DOHA

A ampliação do acesso ao mercado é a prioridade número um da agricultura para melhorar o comércio agrícola mundial. No entanto, a Agenda de Desenvolvimento de Doha irá lidar com uma extensa lista de outras questões, de modo que as que são relevantes para a agricultura são discutidas no presente capítulo.

Em termos gerais, a extensa lista de questões da rodada de negociações comerciais de Doha pode ser dividida em quatro áreas: comércio, desenvolvimento, gerenciamento e regras, e novas áreas de negociação. Essas áreas são exibidas no gráfico 21.

São de interesse também as questões relativas à agricultura contidas na agenda da Rodada Uruguai, mas não na agenda de Doha. Essas questões relativas à agricultura abrangem esquemas sanitários e fitossanitários (SPS), regras de origem e salvaguardas. Esses elementos aparecem em questões de implementação na rodada de negociações comerciais de Doha.

Cerca de 100 questões de implementação foram suscitadas antes do início da rodada de negociações de Doha. Tais questões giravam principalmente em torno de problemas de países em desenvolvimento com a implementação de atuais acordos já decididos como parte da Rodada Uruguai. Algumas dessas questões de interesse para a agricultora tratavam de desenvolvimento rural e segurança alimentar, e dos países em desenvolvimento menos desenvolvidos importadores líquidos de alimentos. Entre outras questões, estavam créditos à exportação, garantias e seguros de crédito, e cotas tarifárias.

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21 Visão Geral da Agenda de Desenvolvimento de Doha

Fonte: Centre for International Economics.

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Aspectos de direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio (TRIPs)

Nesta seção, os aspectos de direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio (TRIPs) são “indicações geográficas” de interesse específico para a agricultura. Trata-se da reserve de determinados nomes para determinados produtos ou regiões. Por exemplo, o queijo fetta agora somente pode ser rotulado com esse nome e vendido na União Européia se for proveniente da Grécia. O champanhe precisa vir da região de Champagne na França, etc. Essas indicações geográficas são nomes de lugares associados a produtos com características especiais. Um volume de trabalho considerável está em andamento e já houve acordo sobre o registro multilateral das indicações geográficas de vinhos e bebidas destiladas. Entretanto, há um grande debate sobre a ampliação desses procedimentos a outros produtos.

Os TRIPs também abrangem a patenteabilidade de “invenções" vegetais e animais e de direitos sobre variedades vegetais. Uma análise desses aspectos está em andamento e há uma coincidência entre essas questões e a Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade.

Solução de controvérsias

As questões agrícolas já estiveram e podem estar sujeitas à solução de controvérsias como parte dos processos da OMC. O Acordo da Rodada Uruguai determinou um exame do Entendimento sobre Solução de Controvérsias (ESC) da OMC até janeiro de 1999. Um exame desse processo de solução teve início, mas até o momento não há consenso. A intenção era ter concluído as negociações há bastante tempo, mas não há uma regra definida quanto a isso, pois o exame do ESC não faz parte da cláusula única de entendimento da rodada de negociações comerciais de Doha.

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O comércio e o meio ambiente

Outra questão que afeta a agricultura é a aplicação das regras da OMC aos países-membros que também são signatários de acordos internacionais sobre o meio ambiente. A questão dos subsídios à pesca, que podem prejudicar estoques de pesca, recebe menção e discussão especiais na OMC. Existe uma série de outras questões sobre o comércio e o meio ambiente em relação ao acesso ao mercado, como a pele de animais silvestres e o comércio de espécies ameaçadas de extinção. Outra questão é a rotulagem ambiental e se as regras da OMC atrapalham a “rotulagem ecológica”.

Deve-se destacar que a OMC já permite aos países importadores impor restrições comerciais sobre bens que não obedeçam a padrões locais, contanto que as restrições não sejam discriminatórias e sejam justificadas. Entretanto, é consenso geral que os países não podem restringir o comércio em função de diferenças nos métodos de processamento. Um bom exemplo disso é a disputa entre os Estados Unidos e a União Européia sobre a carne com hormônio.

Acordo SPS

Antes das negociações da Rodada Uruguai, diversas regulamentações relativas a segurança alimentar e saúde vegetal e animal se enquadravam no Código de Padrões. Medidas técnicas com potencial de restrição ao comércio eram permitidas com o legítimo objetivo de proteger a saúde humana, animal e vegetal. O Artigo XX do GATT também especifica isenções de outras disposições do GATT se essas medidas técnicas fossem necessárias para a proteção da saúde humana, animal e vegetal. Mas os países começaram a abusar da definição do que era “necessário” e usavam essas medidas técnicas como barreiras não tarifárias.

Um objetivo-chave do Acordo Sanitário e Fitossanitário (SPS) foi a redução da arbitrariedade de medidas restritivas ao comércio sobre SPS pelo esclarecimento de fatores apropriados a serem levados em consideração ao impor medidas de proteção da saúde. Entende-se por “medidas” aquelas que são tomadas para proteger a vida ou

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saúde humana, animal ou vegetal contra riscos decorrentes de incursões de organismos exóticos que podem causar doenças, riscos de aditivos, contaminantes, toxinas ou organismos patogênicos em importações de gêneros alimentícios e bebidas, ou doenças transmitidas por animais ou vegetais. Um princípio subjacente do Acordo SPS é que quaisquer medidas impostas devem ter uma sólida base científica.

Seguem abaixo as principais características do Acordo SPS.

Harmonização

Recomenda-se que os países baseiem suas regulamentações sobre SPS em padrões internacionais, que é a Comissão do Codex Alimentarius da FAO/OMC (órgão conjunto da Organização para a Agricultura e a Alimentação e a Organização Mundial de Saúde), Organização Internacional de Epizootia (OIE) ou a Comissão Internacional sobre a Proteção Vegetal. Regulamentações que respeitem os padrões definidos por essas entidades podem alegar total conformidade com o Acordo SPS. As regulamentações que não observam os padrões internacionais precisam se basear em avaliações científicas de risco adequadas.

Equivalentes

Nos casos em que possa haver a falta de padrões internacionais, os países-membros podem adotar suas regulamentações mutuamente como equivalentes. O exportador tem por obrigação demonstrar que as regulamentações sanitárias do seu país são, pelo menos, tão boas quanto as do país do importador.

Avaliação de risco

Uma abordagem sistemática e coesa para a avaliação de risco com base em conhecimentos científicos válidos é necessária como parte do Acordo SPS. Todos os aspectos da avaliação de risco devem ficar disponíveis para todos os membros interessados.

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Transparência

É obrigatória a notificação completa das regulamentações. O acordo é bastante específico nesse sentido com o intuito de assegurar a total transparência das constatações do âmbito dos acordos SPS.

Disposição especial para países em desenvolvimento

Os países em desenvolvimento receberam tratamento especial no que se refere à conformidade ao Acordo SPS. A conformidade foi adiada como parte da Rodada Uruguai, mas isso deixou de ser aplicável. No entanto, auxílio é oferecido aos países em desenvolvimento para o fortalecimento de seus sistemas SPS.

Questões de implementação

As questões de implementação incluem a concessão de tempo adicional aos países em desenvolvimento para que cumpram as novas medidas SPS dos outros países. Entre as questões estão: o significado de “equivalentes” e como isso funciona na prática; a participação de países em desenvolvimento na definição de padrões internacionais; um exame do tempo decorrido entre a definição de novas medidas SPS de um país e o momento de sua entrada em vigor; e um exame do atual Acordo SPS.

Regras de Origem

A fim de assegurar que regras de origem não sejam usadas como restrições comerciais ou para fazer discriminação entre países ou entre produtos importados e nacionais, um objetivo é harmonizar as regras de origem de todos os membros da OMC. O termo “origem” agora se refere ao país onde os bens sofreram a última transformação substancial. As Negociações de “Implementação” de Doha visavam a conclusão dessa harmonização e o trato de acordos provisórios.

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Salvaguardas

Conforme o Acordo de Salvaguardas, se um país tem uma disparada nas importações poderá aplicar medidas de salvaguarda. As medidas somente podem ser aplicadas após uma investigação e a publicação de um relatório, e se o país demonstrar que esse aumento nas importações estava causando “prejuízo grave”. A relação entre ondas de importações e outras práticas comerciais “desleais” é mostrada no gráfico 22. Medidas de salvaguarda (taxas quantitativas ou extra) somente são permitidas na medida do necessário a fim de impedir esse prejuízo grave. Contudo, na agricultura há medidas de salvaguarda especiais, contidas no Artigo 5 do Acordo sobre a Agricultura. Essas medidas de salvaguarda especiais se baseiam em fórmulas e níveis de acionamento automático de volume e preço.

Acordo sobre subsídios e medidas compensatórias

Ações compensatórias podem ser impostas com base no Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC. Aqui, a definição de subsídios é específica e eles podem ser proibidos, acionáveis ou não acionáveis. Tarifas de compensação de subsídios somente podem ser aplicadas depois que tenha havido: uma investigação transparente, comprovação de que as importações foram subsidiadas, comprovação de prejuízo para a indústria doméstica e comprovação de um elo causal entre o subsídio e o prejuízo à indústria doméstica.

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22 A OMC e as práticas comerciais “desleais”

Fonte: Centre for International Economics.

Tarifas anti-dumping e compensatórias

As ações anti-dumping são um instrumento comercial jurídico da OMC. Ações anti-dumping podem ser tomadas contanto que sigam as regras e procedimentos da OMC. Trata-se de um método jurídico da OMC para elevar barreiras comerciais. Na verdade, muitos membros de grande porte da OMC, como os Estados Unidos, a União Européia, o Canadá e a Austrália usam o anti-dumping como a arma de política comercial preferencial para barrar importações. Entretanto, desde os acordos da Rodada Uruguai, leis anti-dumping

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foram adotadas por um grande número de outros países, principalmente países em desenvolvimento.

Um direito anti-dumping é uma tarifa como qualquer outro. Isso significa que algumas pessoas são taxadas e outras recebem auxílio. Para que uma ação anti-dumping seja válida perante a OMC, primeiro a existência do dumping precisa ser determinada, sendo o dumping definido como a diferença entre o preço interno – ou “preço normal” – e o preço de exportação e, em segundo lugar, que esse dumping está causando prejuízos. Entretanto, os casos de dumping são todos unilaterais. Eles só zelam pelos interesses do produtor interno, e não pelos do consumidor. Decisões não são baseadas em um teste de interesse nacional e, por conseguinte, o processo é tendencioso em favor do protecionismo.

Multifuncionalidade

Preocupações não comerciais são suscitadas com freqüência na política agrícola. Essas preocupações não comerciais tratam da proteção do modo de vida, das zonas rurais ou de aspectos ambientais mais genéricos. A maioria dessas questões recebe o rótulo de “multifuncional”. A proteção da cultura e do modo de vida rurais pode ser importante em algumas sociedades. Porém, a falácia do argumento da multifuncionalidade é que mesmo que tenha havido certa base para o cuidado de questões como cultura ou modo de vida, não há justificativa para o método da proteção, isto é, o uso de barreiras na fronteira. O problema é que as políticas ou métodos usados para proteger diversos aspectos multifuncionais da agricultura não são prioridade. Há outras políticas mais baratas e eficientes disponíveis, mas não são usadas porque seriam óbvias demais, transparentes demais. A implicação é que essas políticas devem sua existência ao engano do público sobre o verdadeiro custo dessas políticas e o que elas geram em retorno. O problema das preocupações agrícolas não comerciais da Europa e do Japão é que elas são as preocupações comerciais de países como a Austrália e outros países do Grupo Cairns.

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Bem-estar animal e segurança alimentar

O bem-estar animal e a segurança alimentar são exemplos de preocupações não comerciais. A segurança alimentar pode ser tratada pela OMC como parte do GATT atualmente, contanto que as mesmas determinações internas se apliquem aos produtos locais. A rotulagem e as marcas fazem parte disso. O mesmo se aplica ao bem-estar animal. Na Europa, por exemplo, são vendidos “ovos de galinhas criadas soltas” ou até “ovos de galinhas criadas em confinamento”. se os consumidores quiserem tais produtos, vão selecioná-los. Contudo, são necessárias leis de “sinceridade na rotulagem” para que isso funcione.

O princípio da precaução e os OGMs

Um dos debates mais recentes na OMC, sobre o uso do princípio da precaução, tenta impedir o livro comércio de organismos geneticamente modificados (OGMs). Segundo o princípio da precaução, se a segurança de processos ou novidades não for cientificamente provada, então os países podem vetar o produto. A origem do princípio é o debate sobre os gases do efeito estufa. No entanto, a falácia desse princípio é que nunca é possível “provar” alguma coisa cientificamente com certeza. Todas as ações envolvem risco. Até a decisão de não se fazer nada envolve risco. O perigo é que isso poderia obstruir melhorias na produtividade agrícola.

Acordos de Livre Comércio

Muito embora os Acordos de Livre Comércio (ALCs) não façam parte da paisagem de negociações da rodada de conversações sobre comércio de Doha, nenhum tratamento de “outras questões” na política comercial agrícola seria completo sem alguma referência aos ALCs. Os ALCs são negociados bilateralmente entre países ou regiões e implicam a eliminação mútua das barreiras pelos parceiros-membros, mas não contra o restante do mundo. Nesse aspecto, os ALCs são verdadeiros acordos de comércio preferencial já que dão preferência a algum outro país às custas de outros. Como tal, esses

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acordos vão de encontro ao Artigo I do GATT, que expressa o princípio da não descriminação ou tratamento de nação mais favorecida incondicional.

Os ALCs (e uniões aduaneiras) são permitidos de acordo com a OMC e o Artigo XXIV do GATT. Esse artigo permite aos países formar ALCs mediante certas condições. Os acordos precisam ser de alcance e escala significativos, e as tarifas devem ser eliminadas para o comércio fundamentalmente como um todo. O problema é que os termos “fundamentalmente como um todo” e “significativos” não são definidos.

O que é intrigante nos ALCs é sua rápida multiplicação. Isso aparece no gráfico 23. Os motivos desse imenso crescimento nos ALCs são o ritmo de tartaruga e a dificuldade para se atingir um consenso entre quase 150 membros da OMC. Ademais, uma vez iniciado, os países não podem se dar ao luxo de ficar para trás.

O ritmo lento da liberalização do comércio é corroborado pelo fato de que a Rodada Uruguai começou em 1986. O mundo ainda está por ver um acordo sobre modalidades de negociações no esforço de rodadas de Doha à medida que entramos em 2005. Com essa lentidão dos acontecimentos, vários países empreenderam reformas unilaterais ou acordos de comércio regional ou bilateral. Esses últimos são mais fáceis de se negociar do que as discussões multilaterais, mas apresentam, sim, um problema: eles não necessariamente proporcionam benefícios líquidos.

Quando é possível ter a certeza de que o livre comércio é bom, não necessariamente se pode concluir que o livre comércio em bases preferenciais ou discriminatórias para alguns é obrigatoriamente bom. O motivo disso é que as preferências criadas por um ALC induzem dois efeitos.

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23 Acordos de comércio regionais em vigência por data de entrada em vigor

Fonte: Organização Mundial do Comércio 2004, ‘Regional Trade Agreements, facts and figures, how many regional trade agreements’ (Acordos de Comércio Regionais, fatos e cifras, número de acordos de comércio regionais), http://www.wto.org/english/tratop_e/ region_e/region_e.htm. Acessado em 8 de dezembro.

Um é o efeito de criação de comércio pelo qual tarifas mais baixas para outro país aumentam a pressão sobre indústrias internas de alto custo e pode criar comércio e aumentar o bem-estar.

Mas o problema é que a preferência concedida pode induzir um segundo efeito. Pode acabar desviando o comércio de um não membro de baixo custo da área de livre comércio. Em outras palavras: um país pode acabar importando mais – veículos, por exemplo – porém, do ponto de vista do país, esses veículos podem sair a um custo mais elevado do que era antes. O custo dos veículos para o país pode diferir do custo ao consumidor, sendo a diferença a carga tarifária sobre carros importados. Quando essa tarifa é eliminada preferencialmente, o consumidor pode sair beneficiado, mas esse ganho pode ser inferior às receitas tarifárias de que se abriu mão (que se reverteram para a nação), com um prejuízo geral. Isso, por sua vez, reduz o bem-estar. Um simples exemplo de desvio de comércio que diminui o bem-estar nacional é dado na tabela 24. A Austrália pode importar automóveis do Japão ou dos Estados Unidos. Suponhamos que se trate de uma Honda idêntica, só que com o custo de importação dos Estados Unidos mais elevado.

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24 Um simples exemplo de desvio de comércio - carros Honda

Japão EUAApós ALC c/

EUA

Custo no destino - Austrália

30 000 32 000 32 000

Tarifa de 10 por cento 3000 3200 0

Custo para os consumidores australianos

33 000 35 200 (não comprado)

32 000 (já comprado)

Os consumidores ganham US$1.000 por veículo Receitas tarifárias caem US$3.000 Prejuízo líquido de US$2.000

Fonte: Centre for International Economics.

Conforme o novo acordo de livro comércio da Austrália com os Estados Unidos que entrou em vigor recentemente, a Austrália reduziu bilateralmente sua tarifa sobre automóveis (suponhamos que tenha sido em 10 por cento). Assim, automóveis são importados dos Estados Unidos em vez do Japão. O custo dos automóveis para os consumidores é menor, mas, após considerar os efeitos da perda de receitas tarifárias (que se reverte em benefício para a sociedade), a nação fica em pior situação no que diz respeito a automóveis. O desvio de comércio superou a geração de comércio nesse exemplo hipotético. No geral, no caso do acordo de livre comércio com os Estados Unidos, a análise17 mostrou que a geração de comércio superou o seu desvio. O que o exemplo acima mostra é que um ACL pode deixar um país em situação pior.

O efeito líquido da criação de um ALC não é claro e somente pode ser determinado pelo estudo empírico de cada caso. 17 Centre for International Economics, 2004, Economic analysis of AUSFTA: Impact of the

Bilateral Free Trade Agreement with the United States (Análise Econômica do AUSFTA: Impacto do Acordo de Livre Comércio Bilateral com os Estados Unidos), relatório preparado para o Departamento de Assuntos Estrangeiros e Comércio, Canberra, abril.

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Existe extensa literatura sobre a questão dos ALCs e se eles são uma ajuda ou impedimento à liberalização do comércio multilateral. Do lado do impedimento está o argumento de que os países que gozam de preferências desejam retê-las e ter um incentivo instintivo de não dar continuidade à liberalização generalizada sob os auspícios da OMC. Já do lado da ajuda, os proponentes alegam que a derrubada das barreiras ao comércio instala uma dinâmica política e resulta em liberalização multilateral sem que se perceba. É importante observar, contudo, que mesmo se vários países do mundo tivessem acordos de livre comércio, não seria equivalente ao livre comércio multilateral por causa da questão das regras de origem. Uma vez concedida uma preferência ao comércio bilateral, as regras de origem têm de ser definidas. Dito de outra maneira: o que faz com que um veículo americano seja “americano”? Muito já se argumentou que um Honda fabricado em uma montadora Americana é mais americano do que um carro da General Motors fabricado em Detroit! A questão é que os acordos de livre comércio podem ser úteis ou podem ser inúteis na defesa da causa da liberalização global do comércio, e determinar se eles melhoram o bem-estar ou não requer uma avaliação individualizada. Os ALCs são um primo pobre da legítima reforma multilateral do comércio.

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8 MENSAGENS FUNDAMENTAIS

Os acordos da Rodada Uruguai não garantiram muita liberalização efetiva para a agricultura. Entretanto, as negociações estenderam, sim, o processo de liberalização do comércio multilateral para a agricultura pela primeira vez e estabeleceram um arcabouço para a redução de barreiras comerciais, medidas de apoyo internas e subsídios à exportação na rodada de negociações de Doha. A tarefa na atual rodada é assegurar liberalização expressiva. Embora os três pilares sejam tratados separadamente, eles são interligados, de modo que mudanças em uma área afetam as outras.

Pouco progresso na liberalização agrícola foi alcançado nas negociações da Rodada Uruguai por causa de diversos “truques” usados nas fórmulas e definições de subsídios e por causa do ano base escolhido para as reduções negociadas. Nas negociações de Doha, será importante que a Austrália e outros exportadores agrícolas do Grupo Cairns fiquem atentos para esses “truques”. O arcabouço agrícola do pacote de julho, que é o documento “à mesa”, enuncia uma linha de ação sólida e razoavelmente clara para se lidar com os subsídios à exportação: sua eliminação cabal até uma data “crível”. Há o potencial de uma razoável conseqüência sobre as medidas de apoyo internas (tendo-se em mente o comentário sobre os “truques” acima). Contudo, estão adiantados trabalhos substanciais sobre a definição de um arcabouço e modalidades expressivas para a consecução do acesso ao mercado.

O acesso ao mercado é a área prioritária dessas negociações, por diversas razões. Os ganhos em potencial com a garantia de maior acesso ao mercado são bem maiores do que as reduções nos subsídios à exportação ou nos auxílios internos. Uma pesquisa do

O ABC DA POLÍTICA COMERCIAL AGRÍCOLA

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Banco Mundial mostra que mais de 90 por cento dos ganhos em potencial com a reforma completa das políticas agrícolas mundiais vêm da extinção das barreiras ao comércio na fronteira. Um melhor acesso ao mercado também é mais simples de ser acompanhado e menos propenso aos truques administrativos que tornam inexpressivos os resultados negociados. Mas um melhor acesso ao mercado faz mais do que isso: ele força outros programas de subsídios a “se enquadrar no orçamento” e instala uma dinâmica de economia política que ajuda a reduzir os subsídios para os agricultores ao longo do tempo.

Muito embora a liberalização multilateral da agricultura seja difícil, as liberalizações bilaterais são um mau substituto. Os ALCs podem ser um mecanismo para a retirada de barreiras ao comércio mas, na melhor das hipóteses, não são capazes de proporcionar os ganhos que podem ser obtidos com uma genuína reforma do comércio multilateral. O problema é que eles introduzem preferências nas relações comerciais, o que pode deixar um país em pior situação. O seu atrativo é que, em geral, considera-se que sua negociação é mais rápida. Tendo em vista que efeitos tanto positivos como negativos sobre o bem-estar são possíveis, os ALCs deveriam ser avaliados caso a caso.

No final das contas, a reforma do comércio é um problema político. Logicamente, a reforma depende da alteração da atitude política do protecionismo comercial. A melhor forma de mudar a política é por meio da análise aberta, independente e transparente dos custos e benefícios da proteção levando em consideração a economia como um todo. É a combinação da análise da economia como um todo com o “devido processo” que importa. A análise da economia como um todo deixa claro quem está arcando com o ônus da proteção. Quando esse trabalho é realizado de forma independente e aberta por meio de sólidos processos de boa governança, ele estimula a formação de coalizões para que façam lobby em favor da mudança. Está demonstrado que a técnica funciona em alguns países que baixaram unilateralmente suas barreiras comerciais.

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A mudança da paisagem política para aumentar as probabilidades de reforma do comércio agrícola será um desafio. Existem visões e argumentos arraigados que têm atratividade superficial entre o público para a manutenção das políticas agrícolas protecionistas em regiões e países como a União Européia, o Japão e os Estados Unidos. Nenhum desses outros argumentos justifica a proteção. Se tiverem legitimidade, os objetivos de segurança alimentar, modo de vida e “preservação do campo” poderão ser alcançados por meio de políticas menos desperdiçadoras do que as usadas hoje. A primeira melhor política é a combinação entre livre comércio e políticas que tratem diretamente de preocupações “multifuncionais”.

A questão é que sempre compensa fazer comércio por causa da vantagem comparativa. A vantagem comparativa, que é um conceito relativo, é a força motriz do comércio internacional. Por ser um conceito relativo, sempre existe uma vantagem comparativa, portanto sempre compensa fazer comércio. Decorre daí que há sempre um alto custo para a restrição do comércio. A tarefa é convencer governos, e populações em sentido mais amplo, de que vai em seu próprio interesse a reforma de seus próprios mercados agrícolas e a remoção de barreiras ao comércio para o bem de todos.

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GLOSSÁRIO

Medida Agregada de Apoio (AMS)

Trata-se de uma medida acordada do total de medidas de apoyo internas à agricultura. Ela é calculada para cada commodity e depois somada a auxílios agrícolas sem isenção e não específicos a produtos (por exemplo, subsídios a insumos) para se chegar à AMS total da agricultura. Em suma, ela abrange estimativas de subsídios concedidos a agricultores pelo apoio a preço de mercado (principalmente tarifas, cotas e medidas de apoyo internas) e desembolsos do orçamento para auxílios sem isenção para a agricultura em geral. O cálculo da AMS para a agricultura exclui significativos elementos do auxílio total à agricultura, como:

gastos com pesquisa e outros chamados subsídios “ecológicos”;

subsídios baseados no nível base histórico da produção ou número de cabeças de gado – as chamadas medidas “azuis” de auxílio; e

auxílio de minimis – em que para qualquer commodity, o cálculo do subsídio é inferior a 5 por cento do valor bruto de produção.

Os impostos e tarifas pagas pelos agricultores são uma dedução.

Os subsídios ao preço de mercado são medidos como o produto de dois números. O primeiro é a diferença entre um preço externo de referência e o preço administrado. O segundo é quantidade de produção que recebe o auxílio. Pagamentos do orçamento, como custos de armazenagem, não são incluídos. O preço externo de referência é fixado e se baseia no período 1986-88. É tomado como o valor unitário FOB médio para as exportações e o valor unitário CIF médio para as importações.

A AMS é uma definição negociada e não necessariamente corresponde a conceitos econômicos ou às estimativas dos subsídios

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ao produtor publicadas pela OCDE. A medida é descrita no Anexo 3 do Acordo sobre a Agricultura. A intenção era de que fornecesse regras sobre os subsídios concedidos por governos para setores protegidos, mas não se alcançou isso de fato. Parte do motivo é que reduções negociadas nos auxílios internos da AMS se baseiam na AMS total da agricultura, e não na AMS de commodities avulsas.

Caixa amarela

As medidas de subsídios internas não habilitadas para isenção conforme a caixa verde ou azul e que, por conseguinte, são distorcedoras do comércio – com algumas isenções – fazem parte de estimativas da AMS.

Tarifa aplicada

Alíquota tarifária efetiva que é aplicada às importações em uma determinada ocasião. Uma alíquota tarifária ad valorem aplicada se refere a uma alíquota expressa como porcentagem do preço no porto de destino ou internacional do bem antes de sua entrada no país importador. Uma tarifa fixa ou específica em geral é uma tarifa unitária fixada (p. ex., tonelada) da importação.

Acordo de “Blair House”

Trata-se de um acordo firmado entre a União Européia e os Estados Unidos em Blair House, Washington DC, pouco antes da conclusão da Rodada Uruguai, em 1996. Ele suavizava a minuta de acordo sobre a agricultura e as medidas de apoyo internas. O entendimento introduziu o conceito de cotas tarifárias, que foi um retrocesso, já que elas foram transformadas em rendas para alguns grupos e se mostrarão ainda mais difíceis de serem abolidas. O acordo também introduziu o conceito de subsídio interno do tipo “caixa azul”.

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Sistema “misto” para as redução de tarifas

Esse sistema “misto” foi proposto no texto da reunião ministerial fracassada de Cancun em 2003 (conhecidos como o “texto de Derbez”; ver abaixo). O sistema divide todas as linhas tarifárias em três componentes:

1. y por cento de linhas tarifárias ficariam sujeitas a um corte médio de x por cento, com um corte mínimo para cada linha tarifária de z por cento;

2. y por cento das linhas tarifárias ficariam sujeitas a uma fórmula suíça de reduções, com um coeficiente de m por cento; e

3. as linhas tarifárias restantes ficariam isentas de impostos.

No geral, a simples redução da tarifa média não seria de menos do que n por cento. Cada parâmetro ficaria sujeito a negociações.

Caixa azul

O conceito de “caixa azul” foi um arranjo introduzido no fim das negociações da Rodada Uruguai, durante o Acordo de “Blair House”. Segundo o Acordo sobre a Agricultura da OMC, as medidas de subsídios internas pertencentes a programas restritivos da produção ficam isentas de cálculos de AMS e compromissos de redução sob certas condições. As condições são as seguintes: (1) tais pagamentos aos agricultores precisam ser baseados em áreas ou produções históricas fixadas; (2) os pagamentos são feitos sobre 85 por cento ou menos de um nível base de produção; ou (3) os pagamentos relativos ao gado são feitos sobre um número fixo de cabeças.

Alíquota tarifária vinculada

Trata-se da alíquota tarifária mínima que um membro da OMC concorda em aplicar. Ela é um teto: as alíquotas tarifárias aplicadas não podem exceder esse teto, exceto mediante negociação e compensação para os países exportadores envolvidos. Em muitos casos, sobretudo no de países em desenvolvimento, os processos de

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tarifação e negociação resultaram em alíquotas tarifárias vinculadas bem mais elevadas do que as alíquotas tarifárias efetivas. Portanto, um acordo para a redução de tais alíquotas tarifárias vinculadas não tem nenhum efeito real sobre o acesso ao mercado.

CAP

Política Agrícola Comum.

De minimis

Trata-se de uma disposição do Acordo sobre a Agricultura da OMC pela qual auxílios internos que de outro modo não teriam isenção podem ser excluídos do cálculo da AMS total para a agricultura. Se o subsídio em uma base de específica de produto fica abaixo de 5 por cento do valor bruto de produção do produto em questão (10 por cento para os países em desenvolvimento), esse subsídio é excluído dos cálculos da AMS e, logo, dos compromissos de redução.

Texto de Derbez

Esse foi a última minuta de texto sobre todas as áreas de negociação a surgir da fracassada Reunião Ministerial da OMC em Cancun em setembro de 2003. Ela foi lançada pelo presidente da reunião ministerial, o ministro de relações exteriores mexicano Lais Ernesto Derbez. O texto da agricultura precisaria de modificações substanciais antes de ficar alinhado à declaração de Doha ou aceitável para a Austrália e vários outros países com afinidade. Em particular, a proposta de sistema “misto” para as reduções tarifárias não resultaria em ampliações significativas do acesso ao mercado.

“Tarifação suja”

a tarifação suja ocorre quando, no processo de tarifação, os governos escolhem um preço internacional baixo não representativo ou um preço interno artificialmente alto e, portanto, superestimam a quantidade de proteção que concedem a um setor. Eles então podem

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concordar em cortar tarifas que não resultaram em cortes reais. Nessas situações, diz-se que há “água na tarifa”.

Mandato de Doha

A reunião ministerial anterior à de Cancun foi realizada em Doha, no Qatar, em 2001. Os ministros ali presentes atingiram um consenso sobre uma missão para a nova rodada de negociações na OMC. Um componente-chave da missão sobre agricultura foi um compromisso em negociações abrangentes que visam melhorias substanciais no acesso ao mercado; reduções de todas as formas de subsídios à exportação, com o intuito de eliminá-las gradualmente; e reduções substanciais dos auxílios internos distorcedores do comércio. A missão também incluía tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento como parte integrante das negociações.

“Cláusula de habilitação”

Essa cláusula permite que os países desenvolvidos concedam tratamento não recíproco diferencial e mais favorável aos países em desenvolvimento. A União Européia, por exemplo, oferece vários esquemas de comércio preferencial para países em desenvolvimento exportadores em conformidade com essa cláusula (banana, açúcar, carne bovina, etc.).

Créditos à exportação

O fornecimento de um exportador a um importador de financiamento tipo concessão ou condições de pagamento ampliadas para os bens e serviços vendidos ao importador.

Subsídios às exportações

Pagamentos do governo aos exportadores que efetivamente lhes permitem reduzir seu preço de oferta até o valor unitário do subsídio em mercados mundiais.

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Auxílio alimentar

Auxílio a países em desenvolvimento na forma de alimentos. A alimentação pode ser uma concessão ou fornecida em termos de concessão generosos.

GATT

Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio.

GATS Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços.

Indicações geográficas

Produtos caracterizados pela sua origem geográfica peculiar com o nome geográfico – como por exemplo Champanhe – protegidos por regras de propriedade intelectual. Nas atuais negociações de Doha, há uma campanha empreendida por alguns países para estender o conceito a uma ampla gama de outras commodities além de vinho e queijo.

Caixa verde

No Acordo sobre a Agricultura, certas medidas de apoyo internas foram acordadas como distorcedoras mínimas do comércio e colocadas na chamada “caixa verde”. Elas são isentas dos compromissos de redução das medidas de apoyo internas. Os critérios para a inclusão na caixa verde aparecem no Anexo 2 do Acordo mas, resumidamente, inclui gastos orçamentários em pesquisa ou subsídios para preocupações com o bem-estar ambiental ou animal.

Subsídio ao preço de mercado

Para um importador, o conceito normalmente é definido como a diferença entre o preço interno do mercado e o preço internacional

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na fronteira (preço CIF) multiplicado pela quantidade de produção. Para o exportador, é a diferença entre o preço interno e o preço para exportação (FOB). No Acordo sobre a Agricultura da OMC, os subsídios aos preços de mercado têm uma definição acertada especial que não reflete verdadeiramente a definição da norma. A definição da OMC é a diferença entre um preço externo de referência fixo para o período base (1986-88) e o preço de subsídio administrado, multiplicado pela quantidade de produção habilitada a receber a oferta de preço aplicado administrado.

Modalidades

Como as negociações tendem a ser negociadas. Inclui-se aí o arcabouço ou os parâmetros amplos sob negociações que o atrapalham.

Multifuncionalidade da agricultura

Alguns países, principalmente a União Européia e o Japão, dão ênfase à importância da agricultura para coisas que não alimentos ou produção de fibra ou, ainda, a oferta de um meio de subsistência aos agricultores. A multifuncionalidade se refere aos benéficos efeitos colaterais da atividade agrícola, como a manutenção do meio ambiente e dos valores estéticos da zona rural, desenvolvimento regional e estilos de vida, manutenção – ou melhoria – do bem-estar e saúde de animais, segurança alimentar, etc. Esses países defendem que essas questões sejam mais completamente incorporadas nas regras da OMC para justificar a continuidade dos subsídios agrícolas.

Preocupações não comerciais

Alguns países levantaram a possibilidade de que o comércio agrícola não deva se basear somente em considerações comerciais. Eles sugerem que as restrições poderiam ser justificadas por causa das preocupações dos governos com questões ambientais, bem-estar animal, emprego e desenvolvimento rural, e outras questões.

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Cláusula da paz

Trata-se de uma parte do Acordo sobre Agricultura da OMC, que impede efetivamente que os membros questionem algumas formas de subsídios que distorcem o comércio. Com o período de implementação dos compromissos da Rodada Uruguai agora concluídos, a cláusula de paz está vencida. Ela foi projetada como uma medida tradicional para permitir aos países tempo para ajustar sua políticas.

“Questões de Singapura”

Essas questões incluem a relação entre comércio e investimento, a relação entre comércio e política de concorrência, transparência nas compras do governo e facilitação do comércio.

Disposições de salvaguardas agrícolas especiais

Para a agricultura, os importadores que reservaram o direito a fazê-lo nas suas agendas podem aplicar taxas de salvaguarda especiais se os volumes de importação subirem repentinamente acima de certo nível, ou se os preços internacionais de súbito caírem abaixo de um certo nível. Essa disposição somente pode ser usada em produtos que foram tarifados – menos de 20 por cento de todos os produtos agrícolas. Trinta e oito países-membros reservaram para si este direito.

Tratamento especial e diferenciado

Uma disposição-chave da OMC é o reconhecimento de que tratamento diferenciado e mais favorável seja dispensado a países-membros em desenvolvimento, como parte integrante das negociações. No Acordo sobre a Agricultura, os países em desenvolvimento receberam mais tempo (10 anos) para implementar seus compromissos, e as reduções na proteção foram menores. Os

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países-membros menos desenvolvidos não foram obrigados a assumir compromissos de redução.

Eliminação de superávit

As exportações não comerciais de commodities alimentícias por meio de auxílio alimentar ou outros programas de concessão que tenham por finalidade a eliminação das commodities excedentes, e não o atendimento das necessidades genuínas de auxílio humanitário à alimentação ou vendas comerciais.

Fórmula suíça para reduções em tarifas

Há diversas fórmulas propostas para propiciar uma base de reduções acordadas em tarifas. A fórmula suíça estipula um vínculo superior sobre as tarifas e reduz tarifas mais elevadas proporcionalmente mais do que as tarifas inferiores. A fórmula é a seguinte:

Tarifa final = (a x tarifa inicial)

(a + tarifa inicial)

onde o coeficiente “a“ é o vínculo superior sobre todas as tarifas.

Por exemplo, se a = 20, uma alíquota tarifária vinculada inicial de 80 por cento seria reduzida para 16 por cento, mas se a = 40, a alíquota vinculada final seria de 26,7 por cento.

Tarifação

Processo de conversão de todas as barreiras não tarifárias às importações em tarifas ou taxas alfandegárias ordinárias. A tarifação foi acordada no Acordo sobre a Agricultura (Artigo 4) e significa que as barreiras à importação, como cotas, impostos sobre a importação variáveis, preços mínimos de importação, licenciamento de importação discricionário, etc. não são mais permitidas, exceto em condições especiais.

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Escalação tarifária

Situações em que tarifas ou taxas de importação mais elevadas são aplicadas em produtos semiprocessados do que em matérias-primas, e tarifas mais altas ainda são aplicadas a produtos acabados.

Tarifa-alíquota-cota

Também chamada de cota tarifária, é um limite de quantidade sobre as importações abaixo das quais uma tarifa intra-quota ou reduzida é cobrada sobre as importações. Quando as importações excederem a cota tarifária, do nível de importações acima do limite é cobrado uma tarifa mais elevada ou uma tarifa extra-cota (ver gráfico 25).

25 Cota tarifária

Distorção comercial

Diz-se que o comércio está distorcido se os preços e/ou quantidades produzidas compradas e vendidas são maiores ou menores do que normalmente seria o caso em um mercado competitivo.

Classificação do semáforo das medidas de apoyo internas

As várias formas de medidas de apoyo internas foram classificadas de acordo com as cores do semáforo, dependendo da medida em que distorcem o comércio: vermelho é a que mais distorce o comércio

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(nada na agricultura) e verde sendo distorções mínimas do comércio, com a cor amarela no meio.

Durante as negociações na Rodada Uruguai, uma categoria azul foi acrescida.

TRIPs

Aspectos de direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio.