nutriÇÃo e ecologia nutricional de cervÍdeos - alexandreberndt

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  NUTRIÇÃO E ECOLOGIA NUTRICIONAL DE CERVÍDEOS BRASILEIROS EM CATIVEIRO E NO PARQUE NACIONAL DAS EMAS – GOIÁS ALEXANDRE BERNDT Tese apresentada à Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor em Ecologia de Agroecossistemas. P I R A C I C A B A Estado de São Paulo - Brasil Junho - 2005

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NUTRIÇÃO E Ecologia Nutricional de CERVÍDEOS - AlexandreBerndt

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  • NUTRIO E ECOLOGIA NUTRICIONAL DE

    CERVDEOS BRASILEIROS EM CATIVEIRO E NO

    PARQUE NACIONAL DAS EMAS GOIS

    ALEXANDRE BERNDT

    Tese apresentada Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Doutor em Ecologia de Agroecossistemas.

    P I R A C I C A B A

    Estado de So Paulo - Brasil

    Junho - 2005

  • NUTRIO E ECOLOGIA NUTRICIONAL DE

    CERVDEOS BRASILEIROS EM CATIVEIRO E NO

    PARQUE NACIONAL DAS EMAS GOIS

    ALEXANDRE BERNDT

    Engenheiro Agrnomo

    Orientador: Prof. Dr. DANTE PAZZANESE D. LANNA

    Tese apresentada Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Doutor em Ecologia de Agroecossistemas.

    P I R A C I C A B A

    Estado de So Paulo - Brasil

    Junho - 2005

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) DIVISO DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAO - ESALQ/USP

    Berndt, Alexandre Nutrio e ecologia nutricional de cervdeos brasileiros em cativeiro e no

    Parque Nacional das Emas Gois / Alexandre Berndt. - - Piracicaba, 2005. 80 p.

    Tese (doutorado) - - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, 2005. Bibliografia.

    1. Avaliao nutricional e animal 2. Comportamento animal 3. Composto aliftico 4. Comportamento animal 5. Digesto animal 6. Ecologia animal 7. Metabolismo animal 8. Parque nacional 9. Veado I. Ttulo

    CDD 639.9797357

    Permitida a cpia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte O autor

  • DEDICATRIA

    s famlias Berndt e Montewka pelo apoio, amizade e amor:

    Pedro (in memorian), Svetlana, Alexander, Cristina, Marcelo, Andr, Gabriela,

    Michel e Ana Lcia;

    Ricardo, Ftima, Andra e Ana Maria.

    Em especial querida Adriana pelo amor presente em todos os momentos.

  • AGRADECIMENTOS

    Universidade de So Paulo pela oportunidade de ingresso na primeira turma do

    Programa de Ps-Graduao em Ecologia de Agroecossistemas PPGI-EA;

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo FAPESP pela

    concesso de bolsa de estudos e auxlio pesquisa;

    Ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente IBAMA pelo interesse e aprovao

    do projeto no Parque Nacional das Emas, GO;

    Faculdade de Cincias Agrrias e Veterinrias FCAV/UNESP pela

    oportunidade e apoio no experimento com cervdeos em cativeiro;

    Aos doutores Dante Pazzanese Lanna, Jos Maurcio Barbanti Duarte, Marcelo

    Zacharias Moreira e Dimas Estrsulas de Oliveira pela orientao;

    Aos colegas do Laboratrio de Nutrio e Crescimento Animal LNCA pela

    amizade e colaborao;

    Aos tcnicos do IBAMA, IZ, FCAV e ESALQ pela ajuda na conduo dos

    experimentos;

  • SUMRIO

    Pgina RESUMO............................................................................................................... vii

    SUMMARY........................................................................................................... ix

    1 INTRODUO.................................................................................................. 1

    2 REVISO DE LITERATURA........................................................................... 3

    2.1 Cervdeos: aspectos gerais............................................................................... 3

    2.2 Cervdeos brasileiros........................................................................................ 4

    2.3 Parque Nacional das Emas............................................................................... 7

    2.4 Ecologia nutricional......................................................................................... 8

    2.5 Exigncias nutricionais e digestibilidade......................................................... 10

    2.6 Tcnica da gua duplamente marcada............................................................. 11

    2.7 Tcnica de istopos de carbono....................................................................... 14

    2.8 Tcnica de n-alcanos........................................................................................ 16

    3 DETERMINAO DA DEMANDA DE ENERGIA DO VEADO- CATINGUEIRO (MAZAMA GOUAZOUBIRA) EM CATIVEIRO ATRAVS DO MTODO DA GUA DUPLAMENTE MARCADA................................. 213.1 Introduo ....................................................................................................... 22

    3.2 Material e Mtodos.......................................................................................... 24

    3.3 Resultados e Discusso ................................................................................... 30

    3.4 Concluses ...................................................................................................... 41

    4 ECOLOGIA NUTRICIONAL DO VEADO-CAMPEIRO (OZOTOCEROS BEZOARTICUS) NO PARQUE NACIONAL DAS EMAS, GO....................... 43 4.1 Introduo ....................................................................................................... 45

    4.2 Material e Mtodos.......................................................................................... 46

    4.3 Resultados e Discusso ................................................................................... 49

  • 4.4 Concluses ...................................................................................................... 67

    5 CONCLUSES GERAIS .................................................................................. 69

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................. 71

    vi

  • NUTRIO E ECOLOGIA NUTRICIONAL DE CERVDEOS BRASILEIROS

    EM CATIVEIRO E NO PARQUE NACIONAL DAS EMAS GOIS

    Autor: ALEXANDRE BERNDT

    Orientador: Prof. Dr. DANTE PAZZANESE D. LANNA RESUMO

    Existem poucas informaes sobre exigncias de energia de cervdeos

    brasileiros, dificultando o sucesso de manejo e reproduo em cativeiro. O

    conhecimento das exigncias de energia tambm importante para determinar os

    recursos necessrios para sua conservao em parques e reservas. O primeiro

    objetivo deste experimento foi estudar as exigncias nutricionais do veado

    catingueiro (Mazama gouazoubira) em cativeiro. O segundo objetivo foi observar o

    comportamento alimentar do veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus) no Parque

    Nacional das Emas (PNE), descrevendo qualitativamente e quantitativamente as

    principais espcies vegetais utilizadas para o aporte de nutrientes. A determinao

    das exigncias de energia para mantena utilizou 8 veados-catingueiro de ambos os

    sexos em cativeiro e foi desenvolvida atravs de dois mtodos: a)equilbrio de peso

    e b)gua duplamente marcada (2H218). Os animais foram dosados com gua

    duplamente marcada (111,8 mg/kgPV para 2H2O e 163,1 mg/kgPV para H218O) e

    amostras de sangue foram coletadas em intervalos de 3 dias, at que 3 ou 4 meias

    vidas dos istopos tenham decorrido (atingindo o limite de deteco em

    aproximadamente 30 dias aps a dosificao). As curvas de desaparecimento dos

    istopos em funo do tempo foram utilizadas para calcular o turnover de CO2 e

  • H2O. Os resultados obtidos pelos dois mtodos foram semelhantes (111,4 e 112,0

    kcal/kg.75.d) comprovando que a tcnica da gua duplamente marcada pode ser

    utilizada em estudos nutricionais de cervdeos. Informaes de doses (mg/kgPV) e

    intervalo mximo entre aplicao e coleta de sangue (30 dias), permitem o uso desta

    metodologia em estudos futuros em vida livre. No PNE, veados-campeiro j

    monitorados com radio colares, permitiram a observao de seu comportamento

    alimentar. O experimento foi realizado em duas pocas distintas (inverno e vero).

    As espcies foram analisadas quanto composio nutricional, para estimar valores

    energticos assim como consumo de minerais e protena. As contribuies das

    diferentes espcies que compem a dieta dos cervdeos foram estimadas para duas

    populaes em vida livre, uma com acesso apenas a espcies nativas (rea central do

    parque) e outra com acesso s espcies cultivadas na periferia do PNE. Os sinais

    isotpicos do carbono 13 e os perfis de n-alcanos foram utilizados para quantificar a

    contribuio das diferentes espcies ingeridas. Os resultados indicaram que os

    veados-campeiro utilizam uma ampla gama de partes e espcies vegetais. Sua dieta

    composta por aproximadamente 78 tens, divididos em brotos (38,5%), folhas (15,4%),

    flores (17,9%), botes florais (12,8%), frutos e sementes (15,4%); de 55 diferentes

    espcies nativas e 7 culturas agrcolas. H grande diferena no padro de consumo entre

    as populaes no interior do parque e aquelas que tem possibilidade de selecionar

    plantas cultivadas pelo homem. As espcies agrcolas podem contribuir com at 46,9%

    da dieta dos cervdeos da periferia do parque. Este trabalho determinou as exigncias de

    energia de cervdeos brasileiros, validou o uso de uma tcnica indireta para futuros

    estudos em vida livre e descreveu as espcies e partes utilizadas como aporte de

    nutrientes por cervdeos em vida livre.

    Palavras-chave: Exigncias Nutricionais; Cervdeos Brasileiros, Parque Nacional das

    Emas, n- alcanos, gua Duplamente Marcada.

    viii

  • NUTRITION AND NUTRITIONAL ECOLOGY OF BRAZILIAN CERVIDS

    IN CAPTIVITY AND IN THE EMAS NATIONAL PARK - GOIAS

    Author: ALEXANDRE BERNDT

    Adviser: Prof. Dr. DANTE PAZZANESE D. LANNA

    SUMMARY

    There are limited data on energy requirements of brazilian cervids. Thus, it is

    difficult to succeed in their management and reproduction in captivity. Knowing the

    energy requirements is also important to determine the necessary nutritional

    resources for their conservation in parks and reserves. The first objective was to

    study the nutritional requirements of the grey-brocket deer (Mazama gouazoubira)

    in captivity. The second objective was to observe the feeding behavior of the

    pampas-deer (Ozotoceros bezoarticus) in the Emas National Park (ENP), describing

    qualitatively and quantitatively the main vegetal species used to supply these

    animals with nutrients. The determination of energy requirements for maintenance

    used 8 gray-brocket deer of both sexes in captivity and was carried through two

    methods: a)weight equilibrium and b)double-labeled water (2H218O). The animals

    were dosed with double-labeled water (111.8 mg/kgBW for 2H2O and 163.1

    mg/kgBW for H218O) and blood samples were collected with 3 days interval, until 3

    or 4 half lives of isotopes had occurred (reached limit of detection at approximately

    30 days after the dosage). The curves of isotopes disappearance as a function of time

    were used to calculate the turnover of CO2 and H2O. The results obtained from the

    two methods were similar (111.4 and 112.0 kcal/kg.75.d) proving the double-labeled

    water technique may be used in nutritional studies of cervids. Information on doses

  • (mg/kgBW) and maximum interval between injection and blood collection (30days),

    allow the use of this methodology in future studies with free ranging deer. In the

    national park, pampas-deer already monitored with radio colars, facilitated the

    observation of their feeding behavior. The experiment was conducted at two distinct

    seasons (winter and summer). The species were analyzed for the nutritional

    composition, to estimate energy values as well as mineral and protein consumption.

    The contributions of the different species to the diet of the cervids were estimated

    for two free ranging populations of the national park, one with access only to native

    species (central area of the park) and another with access to the crop species

    cultivated in the periphery of the park. The isotopic signals of carbon 13 and profiles

    of n-alkanes were used to quantify the contribution of different species to supply the

    energy demands. The results indicated that pampas-deer feeds on a broad spectrum

    parts and vegetal species. Its diet was composed of approximately 78 different parts,

    divided in sprouts (38.5%), leaves (15.4%), flowers (17.9%), floral buttons (12.8%),

    fruits and seeds (15.4%); from 55 different native species and 7 agricultural cultures.

    There is a great difference in the intake selection patterns between populations in the

    interior of the park and those that have access to cropland and the opportunity to

    choose feeding on native or cultivated plants. The agricultural species can contribute

    with up to 46.9% of deer diet of the park periphery. This work determined the

    requirements of energy of Brazilian cervids, validated the use of one indirect

    technique for use in free ranging animals and described the species and parts used to

    supply nutrients to cervids in the wild.

    Key-words: Nutritional requirements; Brazilian cervids; Emas National Park; n-alkanes;

    double-labeled water

    x

  • 1 INTRODUO

    As espcies de cervdeos existentes no Brasil vm apresentando acentuado

    declnio populacional, principalmente devido alterao e perda de habitat, doenas

    e caa indiscriminada.

    H um crescente interesse em estudar os cervdeos, sobretudo pela

    necessidade de manuteno e preservao de reas naturais para conservao destas

    espcies, bem como a possibilidade de criao em cativeiro. Conhecendo aspectos

    reprodutivos, comportamentais e nutricionais destes animais, especialmente as

    exigncias de nutrientes das diferentes categorias, podemos estimar a quantidade e

    qualidade de habitat que precisamos reservar para preservar o veado-campeiro.

    As tcnicas de alimentao controlada por longo perodo e da gua

    duplamente marcada foram utilizadas no ensaio 1 para determinar as exigncias de

    energia para mantena de veados-catingueiro em cativeiro.

    Para identificar as contribuies parciais das diferentes espcies vegetais

    ingeridas nas dietas dos veados-campeiro no PNE e verificar se os animais utilizam

    culturas agrcolas na sua dieta utilizaram-se duas tcnicas: sinais isotpicos do

    carbono e n-alcanos. O acompanhamento dos grupos de veados-campeiro no PNE

    para a coleta de plantas ingeridas e fezes permitiu a identificao de diferentes

    aspectos relacionados s reas de comportamento nutricional e aporte de nutrientes.

    Este projeto insere-se num amplo estudo da biologia de cervdeos brasileiros

    que pretende auxiliar na compreenso da biometria dos animais, sistemtica,

    citogentica, parasitologia, reproduo, uso de habitat, entre outros. A parceria da

    FCAV/UNESP com a ESALQ e CENA/USP permite a complementaridade entre

    grupos de pesquisa. Estes conhecimentos multidisciplinares de cada grupo so

    fundamentais para uma compreenso mais abrangente de como o comportamento

  • 2

    nutricional importante na vida e na conservao destas espcies. Os resultados

    deste projeto podero ser utilizados diretamente para animais em cativeiro, como

    zoolgicos e criadores conservacionistas, alm de constiturem indicadores para

    estimativas de recursos necessrios nas unidades de conservao destinadas

    manuteno destas espcies.

  • 2 REVISO DE LITERATURA 2.1 Cervdeos: Aspectos Gerais

    Os cervdeos so animais da ordem dos Artiodactyla, que se caracterizam

    pela presena de cascos. Os cervdeos so os ruminantes selvagens mais distribudos

    no mundo, sendo encontrados em quase todos os continentes, exceto na Antrtida

    (Van Soest, 1994). No mundo existem 17 gneros e 45 espcies de cervdeos

    distribudos nas Amricas, Europa, sia e frica (Walker, 1991).

    Na maioria dos cervdeos, os machos apresentam chifres, com exceo dos

    animais do gnero Moschus e da espcie Hydropotes inermis (Eisenberg, 1999). Os

    chifres so formados a partir do osso frontal, sendo estes recobertos por um

    velame durante sua fase de crescimento. O velame tem como funo depositar

    clcio na matriz ssea do chifre durante o perodo de crescimento (Duarte, 1997). A

    deposio de chifres um processo de grande demanda energtica e que gera uma

    necessidade de maior aporte de nutrientes (Geist, 1991).

    Sendo classificados como ruminantes, os cervdeos apresentam estmago

    dividido em quatro compartimentos: rmen, retculo, omaso e abomaso. O alimento

    ingerido primeiramente mastigado, passando do esfago para o rmen e retculo,

    onde existem populaes de microrganismos. Em seguida o alimento pode retornar

    para a cavidade oral onde remastigado e enviado de volta ao rmen e

    subseqentemente para o omaso e abomaso onde sofrer ao de enzimas digestivas

    do hospedeiro (Church, 1993). O principal efeito da microbiota ruminal degradar a

    parede celular dos vegetais, produzindo como resultado desta fermentao os cidos

    graxos volteis, que so absorvidos pela parede do rmen fornecendo energia ao

    animal.

  • 4

    Embora menos numerosos do que os ruminantes domsticos, os ruminantes

    silvestres tambm so importantes para os humanos e para manuteno da

    estabilidade de diferentes ecossistemas. Algumas espcies esto ameaadas e seu

    nmero est sendo drasticamente reduzido principalmente pela perda de habitat,

    doenas e caa ilegal em ambientes fragmentados. Nem todos os ruminantes

    selvagens esto em risco de extino. O veado-de-cauda-branca (Odocoileus

    virginianus) coexiste muito bem com humanos, mesmo em reas suburbanas, e h

    provavelmente mais indivduos desta espcie no leste da Amrica do Norte

    atualmente do que em todos os tempos. Esta espcie se adapta muito bem s

    transformaes do ambiente pelo homem, usando as reas agrcolas como fonte de

    alimento e o mosaico destas reas agrcolas, como fragmentos e reservas de matas,

    para proteo (Verme & Ullrey, 1984; Wemmer, 1982).

    Embora a explorao pela caa regulada tenha aumentado o nmero de

    indivduos desta espcie, outras espcies no se adaptam to bem ocupao

    humana e transformao e antropomorfizao do habitat natural, exigindo proteo

    total para no se extinguirem (Van Soest, 1994).

    2.2 Cervdeos brasileiros 2.2.1 Veado-catingueiro Mazama gouazoubira

    Os veados-catingueiro habitam predominantemente reas de floresta (Pinder,

    1997). A maior parte da dieta destes animais constituda de frutos, uma vez que

    em florestas com muitas espcies esses esto disponveis o ano inteiro. J as flores e

    folhas podem ser eventualmente consumidas (Duarte, 1997). A disponibilidade

    estacional dos diversos tipos de frutos se reflete no consumo das diferentes espcies

    pelo catingueiro. Desta forma, durante a estao seca, o veado-catingueiro se

    alimenta de frutos secos e fibrosos, e na estao mida de frutos suculentos e

    macios. Nas florestas tropicais, as sementes de palmeiras constituem importante

    fonte de energia para estas espcies tipicamente seletoras de alimentos concentrados

    (concentrate selectors) ou browsers (Bodmer, 1989).

  • 5

    No h uma explicao concreta para a funo do rmen para animais

    frugvoros de pequeno porte, tais como os veados-catinqueiro (Mazama

    gouazoubira) e outras espcies do gnero Mazama, pois os ruminantes so menos

    eficientes do que os no ruminantes quando esses se alimentam com dietas de baixas

    fibras como as frutas (Foose, 1982; Demment & Van Soest, 1985; Oliveira &

    Duarte, 2003). Uma das respostas para o uso do rmen nestes animais seria que

    muitas das espcies de frutos consumidos possuem sementes extremamente fortes,

    com seu ponto de quebra atingindo at 150 Kg. Os Mazama engolem as sementes

    inteiras, capacitando assim a microbiota do rmen-retculo para amolecer e digerir

    estas sementes (Bodmer, 1989). Outra funo do rmen para os Mazama seria que,

    na ausncia de frutos durante as estaes mais secas em determinadas regies, eles

    teriam condies de sobreviver substituindo-os por uma dieta de brotos (Branan et

    al, 1985). Outra possibilidade seria a detoxificao de taninos e outros compostos

    (Van Soest, 1994).

    Ao contrrio da alimentao em vida livre, podemos observar que a maioria

    dos veados-catingueiro encontrados em zoolgicos e parques consome uma dieta

    base de gramneas e leguminosas com resultados desanimadores de mortes por

    inanio ou doenas decorrentes. Por serem de tamanho reduzido tm um

    metabolismo mais acelerado e, sendo ruminantes, tm uma limitao anatmica e

    fisiolgica passagem de alimento. Se no conseguem comer muito de alimentos

    pobres e fibrosos para suprir suas exigncias precisam ingerir alimentos densos

    energeticamente e facilmente digestveis que so aproveitados ao mximo. Estas

    particularidades despertaram o interesse de se estudar a capacidade de consumo e

    digesto destes animais nestas condies de forma a suprir suas exigncias

    energticas e contribuir para o sucesso nas criaes em cativeiro.

    2.2.2 Veado-campeiro Ozotoceros bezoarticus

    O veado-campeiro ocupa uma grande diversidade de ambientes e pode ser

    encontrado em ambientes midos e secos, cerrado aberto e fechado, mas no em

    florestas fechadas (Duarte, 1997). Redford (1987), trabalhando com o veado-

  • 6

    campeiro no Parque Nacional das Emas, pde notar a preferncia destes animais por

    campos abertos.

    O peso adulto nesta espcie est entre 28 e 35 kg, dependendo do sexo, da

    subespcie e perodo do ano (Duarte, 1997). Seu tamanho um pouco maior que dos

    veados-mateiro e catingueiro (gnero Mazama), sendo inconfundvel por possuir um

    pelame baio e, assim como o cervo-do-pantanal, lanoso.

    A distribuio original do veado campeiro na Amrica situava-se entre as

    latitudes 5o e 41o S, em reas abertas como campos cerrados. considerada uma espcie

    ameaada principalmente pela perda de habitat e pela caa indiscriminada. Nas ltimas

    dcadas os campos nativos e os cerrados vm sendo destrudos para formao de

    pastagens e agricultura (Braga, 1999). O veado-campeiro est na lista oficial de espcies

    da Fauna Brasileira ameaada de extino, publicada em 1989 (IBAMA, 1989).

    Na Argentina, assim como no Brasil, as populaes restantes de veados-campeiro

    esto fragmentadas (Jackson & Langguth, 1987; Merino & Carpinetti, 1998), devido

    caa e ao desenvolvimento da agricultura e da pecuria. Em 2002 existiam apenas 4

    populaes isoladas de veado-campeiro na Argentina (Pautasso & Pea, 2002).

    A populao de veados-campeiro no Brasil foi estimada em aproximadamente

    20.000 animais em 1994 (Wemmer, 1994). No Parque Nacional das Emas a populao

    foi estimada entre 1000 e 1300 indivduos (Redford, 1987; Rodrigues, 2003).

    O Veado Campeiro foi considerado extinto no estado do Paran at que em 1996

    foi localizada uma populao isolada numa reserva particular. Estudo realizado por

    Braga et al. (2000) identificou grupos isolados no Estado.

    As populaes de veado campeiro que habitam fragmentos preservados de

    campos nativos ou campos cerrados em reas particulares esto associadas a fazendas

    que desenvolvem atividades de agricultura ou pecuria e oferecem uma maior

    disponibilidade de alimento durante praticamente todo o ano. Nestes casos as reas

    preservadas servem de abrigo e local de descanso (Braga, 2002).

    Segundo Rodrigues & Monteiro-Filho (1999) estudando a composio de

    forragem disponvel no PNE, as gramneas constituem o grupo mais abundante nas

    amostragens, seguidas por herbceas e arbustos. Flores foram responsveis pela menor

  • 7

    frao disponvel no perodo. As categorias mais ingeridas foram herbceas e flores,

    seguidos por arbustos e gramneas. Apesar da diversidade de itens disponveis os

    animais ingeriram preferencialmente as partes mais tenras e suculentas, como folhas,

    brotos e flores.

    O veado campeiro prefere flores, folhas e brotos de dicotiledneas ao invs de

    gramneas. Embora as populaes de veado campeiro da Argentina se alimentem

    preferencialmente de gramneas (Jackson & Giulietti, 1988; Merino & Carpinetti, 1998)

    no PNE estas so raramente ingeridas, apesar de sua grande abundncia. O veado

    campeiro no PNE apresenta comportamento caracterstico de browser segundo a

    classificao proposta por Bodmer (1990), ingerindo preferencialmente espcies

    herbceas, buscando as pores mais nutritivas das plantas.

    2.3 Parque Nacional das Emas

    O Parque Nacional das Emas, localizado no municpio de Mineiros, sudoeste do

    Estado de Gois, entre as latitudes 17o50 e 18o23S e longitudes 52o43 e 53o09W,

    Planalto Central do Brasil a maior reserva federal de Cerrado compreendo 131.868

    ha. As propriedades circunvizinhas ao parque so voltadas pecuria e agricultura

    intensiva de soja, milho, algodo e sorgo, intercaladas com milheto, girassol,

    amendoim e outras culturas. O clima caracteriza-se por uma marcante estao seca

    de abril a setembro com registros de baixas temperaturas e eventuais geadas. No

    vero as temperaturas so elevadas assim como a precipitao anual que alcana em

    mdia 1.500mm (Frutuoso, 1999).

    No Parque Nacional das Emas todas fisionomias vegetais do cerrado esto

    representadas sendo que aproximadamente 60% do parque composto por campos

    cerrados (Batalha, 2001; Batalha & Martins, 2002). Incndios naturais so comuns,

    especialmente nas primeiras tempestades com raios aps a estiagem. Em agosto de

    1994 um incndio destruiu mais de 90% da rea do Parque matando animais

    (Silveira et al, 1999) e reduzindo drasticamente a disponibilidade de alimento

    (Rodrigues, 1996c). Aps as queimadas a vegetao do cerrado apresenta intensa

  • 8

    rebrota e as reas recm queimadas atraem os veados-campeiro devido alta

    disponibilidade de alimento. Esta atrao pode persistir por alguns meses aps o fogo

    (Rodrigues, 1996c).

    O Parque servido de vrias estradas internas e perifricas, paralelas aos aceiros,

    que delimitam extensas reas contnuas de vegetao tpica de cerrado. A presena de

    aceiros, constantemente queimados pelos funcionrios do Ibama e Brigada de Incndio

    evita a disperso descontrolada de incndios e facilita significativamente a visualizao

    de grupos de veados pois a intensa rebrota atrai os animais.

    O Parque Nacional das Emas possui uma das maiores populaes de veados-

    campeiro do cerrado e foi estimada em 1994, logo aps o grande incndio, em cerca de

    1300 indivduos (Rodrigues, 2003) pouco acima dos 1000 indivduos estimados por

    Redford (1987).

    2.4 Ecologia Nutricional

    Ecologia nutricional a cincia que relaciona um animal com seu habitat atravs

    de interaes nutricionais (Parker, 2003). As estratgias que os cervdeos usam para

    atender s exigncias nutricionais variam de acordo com a espcie animal e com

    aspectos geogrficos e sazonais do habitat.

    Um esforo considervel foi feito na ltima dcada para quantificar

    especificamente as exigncias de energia de cervdeos buscando compreender as inter-

    relaes entre consumo de forragem, uso de habitat, estaes do ano e balano

    energtico. A maioria dos estudos foi conduzida com espcies de clima temperado onde

    as estaes do ano so acentuadas e as baixas temperaturas so marcantes

    (Adamczewski et al., 1993; Cook et al., 1998; Gotaas et al., 2000a e 2000b; Haggarty et

    al., 1998; Midwood et al., 1993; Parker et al., 1999).

    O consumo de alimentos e o incremento calrico associado fermentao

    ruminal durante o inverno podem reduzir o custo da termoregulao e reduzir o

    catabolismo de tecido corporal em cervdeos de clima temperado (Jensen et al., 1999).

    Para o veado-de-cauda-branca (Odocoileus virginianus) pastando em ambiente natural, o

  • 9

    incremento na produo de calor resultante da ingesto de forragem reduziu a

    temperatura de stress em aproximadamente 10oC. Dietas com alta digestibilidade e

    elevado consumo de matria seca esto relacionadas com maior produo de calor

    (Robbins, 1993). A faixa adequada de termoneutralidade para diferentes espcies de

    cervdeos depende tambm da idade, peso e pelagem. A maioria dos estudos

    desenvolvidos buscou definir o limite crtico inferior de temperatura e no o superior,

    justamente pelo maior esforo de entendimento para as espcies temperadas.

    O impacto de invernos rigorosos no balano energtico das espcies de cervdeos

    de climas temperados marcante mas tambm preciso reconhecer que a abundncia de

    forragem de qualidade no vero fundamental para a reposio e acmulo de reservas

    corporais (Adamczewski et al., 1993; Cook et al., 1998). Nas espcies de cervdeos

    tropicais este fato tambm pode ser inferido, embora de forma mais sutil, entre as

    estaes seca e chuvosa.

    Nas regies tropicais, especialmente nas savanas e no cerrado a grande restrio

    no inverno a escassez de chuvas que determina os ciclos de desenvolvimento das

    espcies vegetais e conseqentemente dos herbvoros relacionados.

    Em qualquer continente, regio ou espcie a forma com que os animais percebem

    seu ambiente e tomam decises de forrageamento so importantes para o entendimento

    das interaes entre animais e plantas (Parker, 2003). O comportamento alimentar das

    espcies dependente da distribuio espacial e da disponibilidade quantitativa e

    qualitativa do alimento. Em ruminantes as principais restries ao consumo de alimento

    so a qualidade da forragem que afeta o tempo de reteno no rmen; e a disponibilidade

    da forragem que determina a velocidade de enchimento do rmen.

    Diversos estudos procuram entender as alteraes no comportamento alimentar e

    a forma com que as espcies determinam o local de pastejo e a biomassa ideal de

    forragem. Duas teorias principais so discutidas: a da maximizao do consumo de

    energia e a da minimizao do tempo de pastejo. Segundo Bergman et al. (2001) estas

    duas teorias no so necessariamente excludentes mas se ajustam a diferentes

    caractersticas do ambiente. O consumo acelerado em ambientes com alta biomassa

    reduz o tempo de pastejo mas tambm reduz a taxa de passagem no rmen pois a

  • 10

    forragem ingerida de baixa qualidade devido falta de seleo. Uma seleo de

    alimentos mais digestveis com maior contedo celular e menos fibra estrutural (parede

    celular) permite um maior aproveitamento da forragem e maior consumo de energia,

    porm demanda maior tempo de pastejo. Bergman et al. (2001) propem que o animal

    pasteja tempo suficiente para suprir as exigncias de energia e utiliza o resto do tempo

    em outras atividades importantes como termoregulao (pastejo deprimido sob stress

    trmico), reproduo, comportamento social (machos dominantes defendem mais o

    territrio e copulam com mais fmeas) e viglia a predadores (animais vigilantes

    levantam mais a cabea e consequentemente pastejam menos).

    A eficincia energtica do comportamento alimentar dos cervdeos, isto , a

    relao entre a energia ingerida e a energia gasta na busca de alimento determina a

    ligao entre a disponibilidade de recursos do habitat e a condio corporal do animal

    (Parker et al. 1996).

    2.5 Exigncias Nutricionais e Digestibilidade

    As exigncias de energia podem ser arbitrariamente divididas em exigncia

    lquida para mantena e exigncia lquida para crescimento (Lofgreen & Garret,

    1968). As exigncias de mantena podem ser definidas como aquelas necessrias

    manuteno dos processos vitais (manuteno dos gradientes das membranas,

    sntese de macromolculas, manuteno da homotermia) e atividade fsica mnima

    necessria sobrevivncia (busca de alimento). As exigncias para crescimento so

    aquelas destinadas s funes de reproduo, lactao, fuga de predadores ou

    crescimento.

    A energia o mais importante elemento em termos nutricionais. Os dois

    fatores determinantes da eficincia de utilizao da energia pelos ruminantes so

    perda nas fezes e produo de calor. A perda nas fezes est relacionada a

    caractersticas de digestibilidade dos alimentos e consumo de alimento. A produo

    de calor, por sua vez, est relacionada exigncia de energia lquida para mantena

  • 11

    e ineficincia dos processos de sntese e deposio de protenas e gordura (Lanna,

    1997).

    A determinao das exigncias de energia para mantena e crescimento de

    cervdeos importante pois a maior parte da energia bruta obtida pelo animal

    utilizada em funes de mantena. Quando um animal est crescendo ou em fase

    reprodutiva, a ingesto de energia precisa ser aumentada para suprir o incremento da

    demanda destes processos. A forma como um animal age para suprir essa demanda

    determina sua estratgia de uso dos recursos do habitat. Para ingerir mais energia o

    animal pode: 1) ingerir maior quantidade de alimento ou 2) ingerir alimentos mais

    densos energeticamente em menor quantidade.

    Os cervdeos por serem ruminantes tm peculiaridades que afetam

    diretamente seu comportamento alimentar. O rmen apresenta vantagens pois

    possibilita a extrao de nutrientes de alimentos fibrosos atravs da associao com

    microrganismos. Por outro lado tambm tem limitaes, principalmente quanto ao

    tempo de reteno e taxas de passagem dos alimentos.

    Se o animal precisa ingerir mais energia e no pode obt-la de alimentos

    excessivamente fibrosos (que tem baixo valor nutricional e baixa taxa de passagem)

    ele buscar alimentos mais digestveis e ricos. Neste caso ele optar por brotos,

    ramos suculentos, frutos ou flores (Rodrigues, 1996a). A estratgias nutricionais e o

    comportamento vo variar em funo da demanda de energia nas diferentes fases da

    vida (crescimento, gestao, lactao, crescimento de chifres, defesa de territrio) e

    da disponibilidade de recursos (estao do ano, diversidade vegetal, gua, abrigo).

    2.6 Tcnica da gua Duplamente Marcada

    A determinao das exigncias de energia de um animal pode ser obtida

    atravs de trs metodologias consideradas bsicas: 1) pela medio da produo de

    calor; 2) atravs de abates comparativos ou 3) alimentar o animal por longos

    perodos de tempo acompanhando peso e composio corporal. A medio da

    produo de calor pode ser diretamente determinada por calorimetria ou

  • 12

    indiretamente com a tcnica da gua duplamente marcada. Este mtodo menos

    invasivo baseia-se no princpio de que animais consomem oxignio para liberar

    energia dos alimentos atravs da oxidao gerando gua e gs carbnico. Medindo-

    se o total de O2 consumido (ou CO2 produzido) determinamos indiretamente o gasto

    de energia (Lifson et al., 1955; Speakman e Racey, 1988). Este quarto mtodo

    mais prtico, principalmente pela relativamente fcil coleta de amostras para

    determinao do contedo de O2 e CO2 . Tambm um mtodo no invasivo de

    amostragem, adequado quando se trabalha com espcies ameaadas de extino

    como os cervdeos. A maior dificuldade no uso desta tcnica o alto preo da gua

    enriquecida com os istopos estveis, especialmente o oxignio 18 18O (US$

    150,00 por grama).

    Para determinar a produo de calor podemos utilizar a produo de CO2

    estimada partir do mtodo da gua duplamente marcada que baseado nas taxas

    relativas de decrscimo nas concentraes de gua enriquecida com oxignio 18

    (H218O) e gua enriquecida com deutrio (2H2O) no total de gua corporal

    (Holleman et al., 1982). O princpio bsico de se enriquecer o total de gua corporal

    com gua duplamente marcada est fundamentado no fato de que a taxa de

    desaparecimento (turnover) do 18O maior que a do 2H porque ambos elementos

    so perdidos do corpo atravs da gua, mas apenas o 18O tambm perdido na

    expirao de CO2 (Torien et al., 1999).

    O O2, no balano respiratrio com o CO2, se equilibra com o O2 da gua

    corporal sob influncia aceleradora da anidrase carbnica. A taxa de

    desaparecimento da H218O da gua relacionada perda combinada de CO2 e de

    gua corporal, enquanto a perda de 2H2O relacionada apenas perda de gua. A

    produo de CO2 calculada pela diferena (dividida por dois) entre as taxas

    fracionais de desaparecimento dos istopos de oxignio e hidrognio (Figura 1) e

    por estimativa do volume total de gua corporal do animal (Nagy, 1980). A

    diferena entre as taxas dos istopos precisa ser dividida ao meio pois dois tomos

    de oxignio de duas molculas de gua se unem para formar uma molcula de gs

    carbnico.

  • 13

    Figura 1 - Alteraes no enriquecimento dos istopos de hidrognio (2H) e oxignio (18O) ao longo do tempo, em um experimento de dosificao com gua duplamente marcada (adaptado de Speakman e Racey, 1988)

    O mtodo de anlise de dois pontos tem sido recomendado mais

    freqentemente em estudos com pequenos animais, sendo particularmente

    apropriado para uso em animais de vida livre, mantidos em seu habitat, onde a

    coleta de numerosas e peridicas amostras seria impraticvel (Midwood et al.,

    1994). O ponto inicial para utilizao da regresso (ti) ocorre aps o equilbrio na

    diluio dos istopos e o ponto final corresponderia de 2 a 4 vidas-mdias dos

    istopos. Dez dias de perodo experimental equivalem a cerca de 3 vidas-mdias

    destes istopos.

    Existem alguns ajustes necessrios para o uso da tcnica da gua duplamente

    marcada em ruminantes pois no correto assumir que 100% do hidrognio e do

    oxignio eliminado exclusivamente atravs da gua (H2O) e do gs carbnico

    (CO2). O hidrognio tambm pode ser seqestrado no tecido adiposo do animal

    quando em crescimento ou lactao (Midwood et al., 1993). Tambm podem ocorrer

    perdas significativas de hidrognio nas fezes (Gotaas, 2000a). A produo de

    metano tem relao direta com a ingesto de forragem e tambm pode remover

    hidrognio do pool de hidrognio corporal (Midwood et al., 1989; Parker, 2003).

    Tempo

    Enriquecimento de 2H e 18O.

    Hidrognio

    Oxignio

    t0 ti ti + 10d

  • 14

    Em algumas pocas do ano o CO2 pode ser seqestrado durante o crescimento de

    ossos e chifres, afetando o turnover do oxignio (Nagy, 1980; Parker, 2003).

    Considerando os adequados fatores de correo a tcnica da gua duplamente

    marcada possibilita o nico mtodo prtico para estimar o gasto de energia de

    animais em vida livre por longos perodos de tempo.

    Apesar de ser considerado o mtodo mais preciso para determinao direta

    dos gastos de energia em animais em vida livre em seus ambientes naturais (Parker,

    2003), este mtodo foi utilizado em apenas 3 espcies de cervdeos: Rangifer

    tarandus (Fancy et al., 1986, Gotaas et al., 2000b), Odocoileus hemionus (Parker et

    al., 1999) e Cervus elaphus (Haggarty et al., 1998).

    Este mtodo tem sido amplamente utilizado em estudos de metabolismo

    energtico tanto em humanos (Schoeller & VanSanten, 1982; Schoeller et al. 1986)

    como em bovinos no Brasil (Lanna, 1985; Leme, 1994) e espcies de animais

    domsticos de pequeno porte semelhante aos utilizados neste projeto (Midwood et

    al., 1994; Speakman e Racey, 1988 e Torien et al., 1999). Este mtodo foi validado

    em ruminantes por Fancy et al. (1986).

    2.7 Tcnica de Istopos de Carbono

    O principal mtodo utilizado para estimar a composio da ingesta em

    ruminantes baseado na anlise botnica ou microhistologia, do contedo ruminal e das

    fezes. O processo de fermentao no rmen durante a digesto e a diversidade de plantas

    ingeridas pelos ruminantes torna difcil determinar uma relao direta entre cada

    componente da dieta e sua contribuio para o atendimento s exigncias nutricionais.

    Alteraes nos nveis de fibra da dieta e conseqentemente na relao entre carboidratos

    estruturais e contedos celulares afetam diretamente a populao microbiana do rmen,

    alterando a quantidade e a qualidade dos produtos finais da fermentao. O aumento no

    consumo de forragens fibrosas normalmente causa depresso da digestibilidade

    enquanto o consumo de pores suculentas como brotos, flores e frutos apresentam

    maior digestibilidade. Estas alteraes de digestibilidade afetam as anlises botnicas do

  • 15

    contedo ruminal e das fezes com o objetivo de caracterizao da dieta, comprometendo

    parcialmente a preciso do mtodo.

    Os istopos estveis funcionam como marcadores naturais que fornecem

    informaes sobre diferentes dietas e locais de alimentao. Animais forrageando e se

    movendo sobre reas diferentes carregam consigo sinais isotpicos distintos das espcies

    e reas previamente pastejadas.

    A estimativa de composio botnica da dieta de ruminantes utilizando a relao

    entre os istopos de carbono 13C e 12C foi inicialmente utilizada por Minson et al. (1975)

    que demonstraram que os sinais isotpicos (13C) do leite o dos plos de vacas pastando

    eram determinados pelo tipo de planta (C3 ou C4) consumido. Este mtodo baseado na

    diferena que existe na concentrao de 13C entre plantas com ciclo fotossinttico C3

    (13C 28) e C4 (13C 11).

    Jones et al. (1979) determinaram as regresses entre os sinais isotpicos do 13C

    de fezes e plantas oferecidas para coelhos, caprinos, ovinos e bovinos. Esses autores

    tambm identificaram que existe pequena contaminao endgena nas fezes, oriunda de

    tecidos marcados com sinais isotpicos de plantas previamente ingeridas, especialmente

    se elas pertencerem ao grupo de ciclo fotossinttico C3, cujo sinal mais negativo. Em

    bovinos que tiveram dietas alteradas de leguminosas para gramneas o novo equilbrio

    foi atingido aps 6 dias de ingesto exclusiva da nova dieta.

    No Brasil, Loureno et al. (1984) estudaram os efeitos de dietas exclusivas de

    gramneas ou consorciadas com leguminosas sobre os sinais isotpicos nas fezes, leite e

    sangue de vacas e identificaram diferentes nveis de consumo de soja perene

    (Neonotonia wightii) em diferentes pocas do ano.

    Os sinais isotpicos das plantas C3 e C4 tambm podem ser utilizados em estudos

    de digestibilidade de diferentes dietas, com nveis distintos de mistura entre gramneas e

    leguminosas, em cativeiro (Bruckental, et al., 1985) ou condies controladas de pastejo.

    Em ambientes naturais onde a diversidade botnica elevada esta metodologia no seria

    adequada para estudos de digestibilidade.

  • 16

    A principal desvantagem deste mtodo que no possvel distinguir o sinal

    isotpico do 13C de diferentes espcies de ciclo C3 ou C4, impossibilitando a segregao

    precisa das plantas ingeridas.

    2.8 Tcnica de n-alcanos

    Um marcador da digesto permite estimar indiretamente o consumo e a

    digestibilidade de um alimento. O marcador ideal deve ser indigestvel,

    completamente recuperado nas fezes, comportar-se no trato digestivo exatamente como

    a mdia da digesta (e.g. mesma taxa de passagem), no prejudicar a digesto ou o animal

    e ser facilmente analisado no laboratrio tanto nas fezes como no alimento. Quando este

    marcador j esta presente na composio do alimento, chamado de marcador natural

    ou marcador interno. Nas ceras das plantas pode-se encontrar marcadores naturais que

    tem grande potencial de utilizao para estudos com ruminantes e outros herbvoros

    selvagens. Marcadores no naturais ou marcadores externos podem ser utilizados

    principalmente para determinao de digestibilidade e consumo (Schneider, 1975).

    Nas ceras das plantas encontram-se substncias que podem ser usadas como

    marcadores, tais como alguns cidos graxos de cadeia longa (Grace & Body, 1981) e

    hidrocarbonetos alifticos saturados, os n-alcanos (Mayes & Lamb, 1984). Os n-alcanos

    so compostos orgnicos que possuem em sua estrutura tomos de carbono e hidrognio.

    Quando apresentam mais de 20 tomos de carbono em sua cadeia podem ser

    classificados como parafinas (Morrison & Boyd, 1972).

    Significativos avanos no estudo dos alcanos ocorreram com o desenvolvimento

    de tcnicas de cromatografia gasosa e anlise do espectro infravermelho, que

    contriburam, para identificar com mais exatido as diferentes molculas. Usando estes

    componentes indigestveis das plantas, tm se vrias vantagens sobre outros mtodos

    para determinar o consumo e a digestibilidade em ruminantes (Mayes et al., 1986).

    Na natureza os alcanos predominantes nas plantas se encontram entre o C25 a C35

    (Hawke et al., 1973). Em estudos recentes Oliveira et al., (1997) encontraram em vrias

    espcies de gramneas n-alcanos de C20 a C37, sendo os C29, C31 e C33 mais abundantes

  • 17

    do que os outros. Esses estudos demonstraram predominncia dos alcanos mpares sobre

    os pares. Em 1965, Or et al., verificaram a similaridade dos alcanos encontrados nas

    fezes de bovinos com os da forragem consumida pelos animais. Nas anlises das fezes,

    esses autores encontraram alcanos de C18 a C35 com predominncia do C29, C31 e C33, e

    verificaram que quanto maior a cadeia de carbono nos alcanos, mais completa era a

    recuperao destes nas fezes. Notaram tambm a grande similaridade entre o perfil de

    alcanos encontrados nas folhas e aqueles observados nas fezes. Isto seria explicado pelo

    fato de que a frao de folhas ingeridas era a mais consumida pelos animais. A partir

    disto, comearam estudos sobre a eficincia de se usar os alcanos para se estimar o

    consumo e a digestibilidade em ruminantes.

    A utilizao dos alcanos como indicadores internos de digestibilidade, tm uma

    relao direta com o nmero de carbonos encontrados em sua cadeia, e quanto maior a

    cadeia, maior a recuperao destes (menor a perda no trato digestivo). Mayes & Lamb

    (1984), trabalhando com ovinos, recebendo dietas de azevm e trevo branco, sugeriram

    que alcanos de cadeia longa poderiam ser usados para determinar a digestibilidade das

    forragens e concluram que quanto maior a cadeia de carbono dos alcanos, maior a sua

    recuperao nas fezes. A utilizao dos alcanos como indicadores para estimar o

    consumo de forragens, requer o uso da tcnica do duplo-alcano, ou seja, usa-se um

    alcano de cadeia mpar, natural da forragem e um alcano de cadeia par, sinttico

    fornecido aos animais (Gedir & Hudson, 2000). Dotriacontano - C32 e hexatriacontano -

    C36 so marcadores externos ideais e podem ser facilmente obtidos na forma pura e so

    encontrados relativamente em pequenas concentraes nas plantas. Uma nica anlise

    cromatogrfica permite observar as concentraes nas fezes e alimentos de todos os

    diferentes alcanos. Portanto, esta tcnica de marcadores tem sido alvo de grande

    interesse para muitos ruminantes domsticos.

    Muitos mtodos de marcadores requerem o seu fornecimento vrias vezes ao dia,

    atravs de cpsulas de gelatina ou pellets de papel, que resultam num trabalho

    intensivo e podem causar uma variao diurna da liberao dos marcadores, bem como

    interferir no comportamento ingestivo dos animais (Dove & Mayes, 1991). Este no o

    caso dos n-alcanos fornecidos via cpsulas.

  • 18

    Trabalhando com girafas em cativeiro, Hatt et al., (1998) concluram que o

    mtodo de alcanos tem a vantagem de ser no invasivo e foi vlido para o estudo da

    cintica da digesta em girafas e, possivelmente, poderia ser com outros herbvoros no

    domsticos. Os resultados obtidos por esses autores para as estimativas da ingesto e da

    digestibilidade foram muito promissores, ainda que no totalmente similares com as

    medidas diretas. Ainda neste mesmo trabalho, as variaes diurnas na concentrao de

    alcanos nas fezes foram um problema devido ao uso de n-alcanos de cadeia par dosados

    com pellets de papel que deveriam ter sido administrados mais vezes durante o dia. Os

    referidos autores, observaram ainda que o uso de alimentos com baixa concentrao de

    alcanos (

  • 19

    (Dove et al., 1996). Se diferentes plantas tm perfis de n-alcanos semelhantes difcil

    distinguir nas fezes as espcies ingeridas (Smith et al., 2001). Espcies com altas

    concentraes de n-alcanos tm uma influncia desproporcional no perfil de alcanos das

    fezes pois ocultam espcies com baixas concentraes (Mayes e Dove, 2000).

    Uma alternativa para distinguir diferentes plantas com perfis semelhantes o

    agrupamento de diferentes espcies com perfis semelhantes, reduzindo entretanto o

    nmero de grupos a serem discriminados (Mayes e Dove, 2000). Outra possibilidade

    combinar a tcnica de n-alcanos com outros mtodos como microhistologia, em busca de

    restringir o nmero de espcies a serem includas nos clculos (Dove et al. 1996). Nesse

    experimento as espcies includas nos clculos foram aquelas efetivamente ingeridas

    pelos animais nos diferentes perodos, cujas partes vegetais foram coletadas

    acompanhando-se os indivduos e simulando o pastejo.

    Smith et al. (2001) demonstraram que diferentes partes da mesma espcie tm

    perfis de alcanos significativamente diferentes e devem ser consideradas separadamente

    nos clculos de composio da dieta.

    Valiente et al. (2003) utilizaram com sucesso a tcnica de n-alcanos para

    determinar as fraes de diferentes partes de aveia (Avena sativa), gros, folhas e hastes,

    fornecidas a ovelhas na forma de rao misturada com diferentes propores de gros e

    forragem verde. As diferenas nos perfis de alcanos das diferentes fraes da mesma

    espcie vegetal permitiram a precisa identificao das propores constituintes das

    dietas.

    Boadi et al. (2002), estudando o perfil de n-alcanos de espcies nativas e

    cultivadas em diferentes regies do Canad determinaram que no houve efeito

    significativo da localidade e da cultivar nas concentraes de n-alcanos das espcies.

    Dove et al. (1996) identificaram que as diferenas entre espcies contribuem muito mais

    para a variao de concentrao dos n-alcanos do que diferentes locais ou pocas do ano.

    As diferenas nas concentraes dos alcanos da mesma espcie em locais diferentes

    podem ser atribudas a diferentes condies climticas, ambientais e de solo (Boadi et

    al., 2002).

  • 20

    Os estudos deste projeto procuraram basicamente usar as metodologias de n-

    alcanos descritas por Mayes & Dove (2000), especificamente para determinar a

    digestibilidade e os tipos de alimentos selecionados pelo animal.

  • 3 DETERMINAO DA DEMANDA DE ENERGIA DO VEADO-

    CATINGUEIRO (MAZAMA GOUAZOUBIRA) EM CATIVEIRO ATRAVS

    DO MTODO DA GUA DUPLAMENTE MARCADA

    Resumo

    Existem poucas informaes sobre exigncias de energia de cervdeos

    brasileiros, dificultando o sucesso de manejo e reproduo em cativeiro. O objetivo

    deste experimento foi estudar as exigncias nutricionais do veado catingueiro

    (Mazama gouazoubira) em cativeiro. A determinao das exigncias de energia para

    mantena utilizou 8 veados-catingueiro de ambos os sexos em cativeiro e foi

    desenvolvida atravs de dois mtodos: a)equilbrio de peso e b)gua duplamente

    marcada (2H218). Os animais foram dosados com gua duplamente marcada (111,8

    mg/kgPV para 2H2O e 163,1 mg/kgPV para H218O) e amostras de sangue foram

    coletadas em intervalos de 3 dias, at que 3 ou 4 meiasvidas dos istopos tenham

    decorrido (atingindo o limite de deteco em aproximadamente 30 dias aps a

    dosificao). As curvas de desaparecimento dos istopos em funo do tempo foram

    utilizadas para calcular o turnover de CO2 e H2O. Os resultados obtidos pelos dois

    mtodos foram semelhantes (111,4 e 112,0 kcal/kg.75.d) comprovando que a tcnica

    da gua duplamente marcada pode ser utilizada em estudos nutricionais de

    cervdeos. Informaes de doses (mg/kgPV) e intervalo mximo entre aplicao e

    coleta de sangue (30 dias), permitem o uso desta metodologia em estudos futuros em

    vida livre. Este trabalho determinou as exigncias de energia do veado-catingueiro em

    cativeiro e validou o uso de uma tcnica indireta para futuros estudos em vida livre.

  • 22

    Summary

    There are limited data on energy requirements of brazilian cervids. Thus, it is

    difficult to succeed in their management and reproduction in captivity. The objective

    of this experiment was to study the nutritional requirements of the grey-brocket deer

    (Mazama gouazoubira) in captivity. The determination of energy requirements for

    maintenance used 8 gray-brocket deer of both sexes in captivity and was carried

    through two methods: a)weight equilibrium and b)double-labeled water (2H218O).

    The animals were dosed with double-labeled water (111.8 mg/kgBW for 2H2O and

    163.1 mg/kgBW for H218O) and blood samples were collected with 3 days interval,

    until 3 or 4 half lives of isotopes had occurred (reached limit of detection at

    approximately 30 days after the dosage). The curves of isotopes disappearance as a

    function of time were used to calculate the turnover of CO2 and H2O. The results

    obtained from the two methods were similar (111.4 and 112.0 kcal/kg.75.d) proving

    the double-labeled water technique may be used in nutritional studies of cervids.

    Information on doses (mg/kgBW) and maximum interval between injection and

    blood collection (30days), allow the use of this methodology in future studies with

    free ranging deer. This work determined the requirements of energy of grey-brocket

    deer in captivity and validated the use of one indirect technique for use in free

    ranging animals.

    3.1 Introduo O experimento em cativeiro foi conduzido na FCAV/UNESP, Jaboticabal,

    em duas etapas: a primeira nos meses de setembro, outubro e novembro de 2001 e a

    segunda em janeiro e fevereiro de 2004. Na primeira etapa foram utilizados 8

    veados-catingueiro (Mazama gouazoubira) adultos de ambos os sexos (4 machos e

    4 fmeas) pertencentes ao rebanho em cativeiro experimental da UNESP

    Jaboticabal. Nenhum dos machos estava sendo utilizado para reproduo e nenhuma

    das fmeas estava gestante ou lactante. Desta forma os animais estariam utilizando

    energia apenas para execuo das funes de manuteno como manuteno dos

  • 23

    gradientes das membranas, sntese de macromolculas, manuteno da homotermia

    e atividade fsica mnima necessria sobrevivncia - busca de alimento e gua.

    Por serem animais sensveis ao manejo, as atividades experimentais do 1o

    ensaio foram conduzidas de forma a no estressar os animais, fato que alteraria seu

    aporte e demanda de energia. As atividades de manejo mais crticas, como pesagens,

    foram sempre acompanhadas por um tcnico responsvel e experiente do Setor de

    Animais Silvestres da FCAV/UNESP. Os animais mostraram-se bastante dceis

    durante a conduo do experimento, se acostumando com nossa presena diria no

    fornecimento de gua e rao.

    A segunda etapa do Ensaio I, o experimento com gua duplamente marcada,

    foi realizada na mesma estao do experimento inicial mas em virtude de atrasos na

    importao do material s foi possvel inici-la em janeiro de 2004, dois meses

    aps o previsto mas ainda sob condies climticas semelhantes de temperatura e

    umidade relativa do ar.

    O rebanho experimental da FCAV/UNESP foi parcialmente alterado neste

    intervalo e estavam disposio para a segunda etapa 9 animais, 2 machos e 7

    fmeas, sendo que 6 destes participaram do experimento inicial. As baias utilizadas

    foram as mesmas de 8 m2 do experimento inicial.

    Apesar dos animais mostrarem certa tolerncia ao manejo intensivo do

    cativeiro, o ensaio com gua duplamente marcada demandaria conteno manual e

    muitas coletas consecutivas de sangue que poderiam estressar os animais. Para

    minimizar o estresse da conteno tanto no momento da aplicao da gua

    duplamente marcada quanto nas coletas de sangue novamente houve

    acompanhamento de um tcnico experiente, responsvel pelo Setor de Animais

    Silvestres da FCAV/UNESP.

    O objetivo deste experimento foi testar a tcnica de gua duplamente

    marcada em pequenos cervdeos, obtendo informaes importante e essenciais para

    um futuro estudo em vida livre com cervdeos de mdio porte.

  • 24

    3.2 Material e Mtodos No havia na literatura nenhuma pesquisa de exigncias nutricionais para

    esta espcie de cervdeo brasileiro. Para balancearmos uma rao que satisfizesse as

    exigncias de manuteno destes animais utilizamos dados obtidos para outras

    espcies de cervdeos (Brown, 1995; Haigh & Hudson, 1993; Holter et al., 1979;

    Ulrey et al., 1967, 1970; Van der Eems et al.,1988) e de ruminantes domsticos de

    pequeno porte: ovinos e caprinos (Nutrient requirement of sheep, 1985; Nutrient

    Requirements of Goats: Angora, Dairy, and Meat Goats in Temperate and Tropical

    Countries, 1981).

    A rao experimental foi formulada com a seguinte composio (Tabelas 1 e 2): Tabela 1. Ingredientes da dieta experimental

    Ingredientes: (%)

    Feno de Alfafa 63,9 Amido de Milho

    16,9

    Levedura desidratada

    14,7

    Melao 2,5

    Suplem. Mineral 1,0 Suplem. Vitamnico

    0,5

    Cloreto de Sdio

    0,5 Tabela 2. Composio nutricional da dieta

    Composio da dieta: (%) Matria Seca 87,9 Matria Orgnica 90,8 Matria Mineral 9,2 Protena Bruta 19,4 Extrato Etreo 1,2 FDN 29,5 Hemicelulose 6,0 Celulose 17,7 Lignina 5,1 Energia Bruta (Mcal/kg) 4,25

  • 25

    A rao deveria conter uma nica fonte de fibra vegetal para evitar diferentes

    origens dos n-alcanos presentes na dieta total. Por este motivo optamos em utilizar

    amido de milho puro como fonte de energia e levedura desidratada como fonte de

    protena.

    Uma batida inicial de rao foi feita enquanto realizaram-se as anlises de

    laboratrio para confirmar a composio nutricional dos ingredientes indicada nos

    rtulos dos produtos. Foram avaliados os teores de Matria Seca (MS), Matria

    Mineral (MM), Protena Bruta (PB), Energia Bruta (EB), Extrato Etreo (EE), Fibra

    em detergente neutro (FDN), Fibra em detergente cido (FDA) segundo

    metodologias descritas por Van Soest (1994). Isto foi necessrio para evitar

    desbalanceamento da rao experimental devido imprecises nas informaes dos

    fornecedores e fabricantes. Depois de verificada a composio real dos ingredientes,

    foram ajustadas as percentagens dos mesmos para a mistura da rao experimental.

    A rao inicial foi utilizada nas duas primeiras semanas de adaptao enquanto a

    rao experimental foi utilizada no perodo final de adaptao e durante todo

    perodo experimental.

    Os animais foram alimentados vontade com esta rao por 54 dias aps um

    perodo de adaptao de 25 dias. Este perodo de adaptao foi essencial para

    permitir que os animais passassem a ingerir apenas a rao experimental, sem outra

    fonte de capim, feno ou rao de eqinos, que normalmente constitua sua dieta. A

    quantidade oferecida foi ajustada a cada dois dias de forma a manter uma sobra de

    5% do oferecido, reduzindo o desperdcio de rao. Os animais tinham acesso

    irrestrito gua.

    Diariamente foram determinados os valores de oferta e sobra de gua e rao.

    Os consumos dirios foram determinados diminuindo-se a quantidade de sobra do

    total oferecido. Os volumes de gua (oferta e sobra) foram determinados com

    proveta plstica de 1.000 mL e os pesos da rao (oferta e sobra) em balana de

    preciso. As amostras de alimento oferecido, sobras e fezes tambm foram

    analisadas para as variveis descritas anteriormente. Para a determinao precisa do

  • 26

    consumo de gua foi considerada a evaporao do perodo, medida atravs de um

    bebedouro referncia.

    Para determinao da digestibilidade da dieta elaborada foi conduzido um

    experimento que comparou valores obtidos atravs de coleta total de fezes e atravs

    de n-alcanos como indicadores (Barbosa, 2003). As coletas de fezes foram

    realizadas durante 24 horas por dia, em 5 dias consecutivos, para determinao da

    digestibilidade da rao atravs da coleta total. As baias foram vistoriadas a cada 30

    minutos para verificar se os animais haviam defecado, pois as fezes deveriam ser

    coletadas o mais breve possvel para evitar pisoteio e contaminao com urina.

    Nestes 5 dias de coleta as baias ficaram sem cama (feno de coast-cross) para evitar

    ingesto e contaminao de n-alcanos externos dieta experimental. A

    digestibilidade estimada foi obtida atravs do mtodo de n-alcanos segundo

    metodologia descrita por Oliveira (2004).

    Por estarem em condio de cativeiro e alojados em baias individuais de 8m2

    julgamos interessante obter alguns parmetros climticos, principalmente

    temperatura e umidade relativa do ar e verificar sua relao com o consumo de gua

    e alimento. Estes parmetros foram determinados diariamente s 15:00hs,

    registrando os valores mximos e mnimos das ltimas 24 horas, com o auxlio de

    um termohigrmetro digital. Foram realizadas regresses simples entre consumo de

    gua e rao com URmed, URmax, URmin, Tmed, Tmax e Tmin utilizando-se o

    procedimento Regr do SAS (SAS, 1999).

    Para verificar a manuteno dos pesos individuais, foram realizadas pesagens

    a cada 21 dias. Os animais eram direcionados a uma caixa de madeira com peso

    previamente determinado e posteriormente pesados numa balana eletrnica. Por ser

    um momento delicado buscamos sempre realiz-las no perodo da manh, com

    temperatura mais amena e sob superviso do responsvel tcnico do Setor de

    Animais Silvestres da FCAV/UNESP. O escore corporal foi observado visualmente

    a cada 7 dias, durante os 54 dias de experimento para verificao da manuteno da

    composio corporal, verificando se o animal estava ganhando ou perdendo massa

    muscular e/ou gordura.

  • 27

    Os resultados de exigncias de energia metabolizvel obtidos no ensaio de

    alimentao controlada por longo perodo de tempo com manuteno do peso e da

    condio corporal dos animais foram comparados com os resultados obtidos atravs

    do mtodo da gua duplamente marcada.

    Como no h na literatura nenhum trabalho realizado utilizando-se a

    metodologia da gua duplamente marcada com esta espcie (Mazama gouazoubira)

    buscamos comparaes com ruminantes domsticos (ovinos) e outros cervdeos de

    espcies diferentes, chegando aos valores de 150mg/kg de peso vivo de H218O e

    100mg/kgPV de 2H2O a serem aplicados nos animais. A quantidade de H218O

    aplicada, material mais caro, deveria ser maior pois o oxignio marcado perdido

    tanto na forma de CO2 quanto de H2O, premissa bsica da metodologia da gua

    duplamente marcada.

    No experimento inicial com n-alcanos, foram realizadas pesagens dos

    animais e estas foram comparadas com pesagens posteriores para determinar a

    quantidade de gua duplamente marcada a ser aplicada por animal. De forma geral

    os pesos foram mantidos pois os machos no estavam reproduzindo, as fmeas no

    estavam prenhes nem lactando e o manejo se manteve bastante homogneo desde o

    experimento inicial. O experimento com gua duplamente marcada foi idealizado

    para ser executado simultaneamente ao experimento com n-alcanos. Devido a

    dificuldades para aquisio deste caro produto, o experimento com a gua

    duplamente marcada foi realizado posteriormente, dois anos depois do experimento

    inicial na mesma poca do ano.

    As coletas de sangue foram programadas de forma a obter uma curva de

    desaparecimento dos istopos bastante clara e precisa, identificando o acentuado

    aumento na concentrao dos istopos no momento inicial e sua queda gradual com

    o desaparecimento. Por este motivo foram realizadas mais coletas nos primeiros dias

    aps a aplicao conforme Figura 2.

  • 28

    Figura 2 - Cronograma de coleta de sangue

    Para controlar de forma bastante precisa a quantidade de gua aplicada por

    animal as seringas foram pesadas vazias e cheias com gua marcada at o volume

    aproximado desejado. Foram utilizadas seringas independentes para aplicao da

    H218O e da 2H2O para maior controle da quantidade injetada. As aplicaes foram

    feitas por injeo direta em na veia jugular com o auxlio de um catter. Para evitar

    que parte da gua marcada ficasse retida no interior do catter foi feita lavagem da

    seringa sugando e reinjetando sangue por trs vezes. Ao final deste processo o

    restante do catter foi lavado injetando-se mais 2 mL de soro fisiolgico.

    Antes da aplicao da gua marcada foi retirada uma amostra de sangue para

    determinao da concentrao basal natural do 18O e do 2H. As coletas subseqentes

    foram estipuladas com base em curvas de desaparecimento destes istopos

    encontradas na literatura (Fancy et al, 1996; Haggarty, 1991; Midwood et al, 1994).

    As coletas de sangue foram feitas utilizando-se tubos de 9ml com vcuo (Vacuette)

    sem anti-coagulante pois as amostras permaneceriam congeladas at o momento da

    No. de coletas/dia

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26dias

    no. d

    e co

    leta

    s

    0, 2, 6, 12 hs aps a aplicao

    24 e 36 hs aps a aplicao

  • 29

    destilao da gua do sangue. As anlises das concentraes dos istopos de

    hidrognio e oxignio foram realizadas na ordem inversa da seqncia de coletas.

    Isto se fez necessrio porque as primeiras amostras de sangue eram muito ricas nos

    istopos e poderiam enriquecer a coluna do cromatgrafo, superestimando a

    concentrao dos istopos nas amostras finais menos concentradas.

    A partir das curvas de desaparecimento do 18O e do 2H calculamos a

    produo de CO2 pois a curva do 2H representa a perda de H atravs da H2O e a

    curva do 18O representa a perda de O atravs da H2O e CO2.

    A produo de calor, equivalente exigncia de energia metabolizvel para

    mantena dos animais foi calculada partir da produo de CO2, utilizando-se a

    equao de Brouwer (1965), descontando 8% de perda de 2H no Metano e 1% na

    urina (Midwood et al., 1989 e 1993). A perda nas fezes no foi considerada

    significativa. Como os animais no estavam crescendo nem engordando as perdas

    hidrognio seqestrado no tecido adiposo tambm foram desconsideradas (Midwood

    et al., 1993). O quociente respiratrio foi considerado 0,80 (Blaxter, 1964).

    PC (kcal) = 3,866 * rCO2/QR + 1,2*rCO2 (0,518*rCH4 + 1,431*N).

    Sendo:

    PC : Produo de Calor (kcal)

    QR : Quociente Respiratrio

    rCO2 : Produo de CO2 (L)

    rCH4 : Produo de CH4 (L)

    N : Nitrognio na urina (L)

  • 30

    3.3 Resultados e Discusso Os resultados dos efeitos das condies climticas no cativeiro sobre os

    consumos de gua e rao esto descritos abaixo. Os valores mdios dos parmetros

    climticos do perodo experimental esto na Tabela 3:

    Tabela 3. Valores mdios de parmetros climticos do perodo

    experimental (54 dias) Parmetro Mdia Desvio

    Padro T 14:00 (o C) 32,0 4,0

    T mx (o C) 34,4 3,0

    T min (o C) 19,6 2,1

    T md (o C) 27,0 1,8

    UR 14:00 (%) 44,4 19,9

    UR mx (%) 95,0 6,1

    UR min (%) 32,6 10,5

    UR md (%) 63,8 7,5

    T: Temperatura (oC), UR Umidade relativa (5) Seria esperado que o consumo de gua fosse maior nos dias mais quentes e

    de menor umidade relativa do ar. Analogamente o consumo de rao poderia ser

    deprimido nos dias mais quentes e midos. Estas relaes no foram observadas

    atravs de regresses lineares (P>0,01) mesmo tendo sido observadas amplas

    variaes de temperatura (14,3 a 38,2 oC) e umidade relativa do ar (17 a 100 %).

    Os resultados mdios dos consumos de gua e rao no perodo experimental

    esto na Tabela 4.

  • 31

    Tabela 4. Mdias dos consumos de rao e gua no perodo experimental

    Animal Rao

    (g MS/kg.75.d)Desvio Padro

    gua (mL/ kg.75.d)

    Desvio Padro

    1 45,5 8,4 134,2 29,3 2 54,4 4,9 150,0 22,3 3 44,7 7,3 106,7 19,3 4 57,1 5,3 186,2 29,0 5 49,4 7,7 144,8 22,0 6 49,9 5,3 134,0 19,1 7 54,2 8,5 160,4 28,6 8 48,5 4,8 127,7 25,0

    Mdia 50,7 3,5 143,5 12,2

    Os valores dirios dos parmetros climticos e de consumo esto

    apresentados graficamente na Figura 3.

    Variao diria

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    80

    90

    100

    1 6 11 16 21 26 31 36 41 46 51

    Dias

    T(o C

    ) e U

    R(%

    )

    0,0

    50,0

    100,0

    150,0

    200,0

    250,0

    300,0

    gu

    a e

    Ra

    o (g

    )

    T(oC) md UR(%) md Cons. rao Cons. H2O

    Figura 3 - Valores dirios dos parmetros climticos e de consumo

  • 32

    Podemos observar que as variaes dirias de umidade relativa (%) e de

    consumo de gua (mL/d) foram mais acentuadas. Nenhuma relao entre parmetros

    climticos e consumo de gua ou rao foi observada. Utilizando-se o procedimento

    Regr do SAS (SAS, 1999), determinamos que nenhuma regresso foi significativa

    (P>0,05). Realizamos tambm regresses mltiplas entre consumo de gua e Tmax

    e URmin mas nenhuma correlao significativa foi observada (P>0,05).

    As regresses simples obtidas esto graficamente representadas nas Figuras 4

    e 5.

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    100 110 120 130 140 150 160 170 180

    Cons gua (mL/kg.75.d)

    Tmax

    , Tm

    in, U

    rmax

    , Urm

    in

    T max T min UR max UR min Figura 4 - Consumo de gua (mL/dia) relacionado aos parmetros climticos: Tmax (oC), Tmin (oC), URmax (%), URmin (%)

  • 33

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    40,0 45,0 50,0 55,0 60,0Cons Rao (g/kg.75.d)

    Tmax

    , Tm

    in, U

    Rm

    ax, U

    Rm

    in

    T max T min UR max UR min

    Figura 5 - Consumo de rao (g/dia) relacionado aos parmetros climticos: Tmax (oC), Tmin (oC), URmax (%), URmin (%) Os animais foram pesados a cada 21 dias conforme procedimento descrito

    anteriormente. Os resultados das pesagens esto na Tabela 5. Podemos observar que

    o animal 3 apresentou ligeira reduo de peso na segunda pesagem. Este fato

    ocorreu devido a uma infeco bacteriana causada por agente desconhecido que

    provocou ligeira depresso de consumo de rao. O animal foi acompanhado por

    veterinrios do Setor de Animais Silvestres da FCAV/UNESP, medicado com

    antibiticos, recuperando-se aps alguns dias e permanecendo no experimento.

  • 34

    Tabela 5. Resultados das pesagens individuais dos animais Pesagens Pesos (kg) Peso metablico

    Animal 1 2 3 Mdia DP (kg 0,75)

    1 17,0 17,0 16,2 16,7 0,45 8,27

    2 19,6 20,0 19,6 19,7 0,20 9,36

    3 17,6 15,6 18,5 17,2 1,48 8,45

    4 16,2 16,3 15,5 16,0 0,42 7,99

    5 19,5 18,3 19,2 19,0 0,65 9,09

    6 18,2 18,8 19,4 18,8 0,63 9,02

    7 15,1 15,4 15,1 15,2 0,14 7,69

    8 14,8 14,5 14,4 14,6 0,22 7,45

    Mdia 17,2 17,0 17,2 17,1 0,16 8,42

    Uma vez determinados o consumo de rao e os pesos dos animais passamos

    a analisar o consumo de energia propriamente dita para satisfazer as exigncias dos

    animais. Os teores de energia bruta (Mcal) do alimento oferecido e das sobras foram

    determinados em bomba calorimtrica no Laboratrio de Bromatologia da

    FCAV/UNESP. Para calcular a energia digestvel disponvel utilizamos o valor de

    digestibilidade da energia obtido atravs da metodologia de coleta total de fezes

    (63%) obtido por Barbosa (2002a). O valor da energia metabolizvel foi estimado,

    considerando-se o fator de 82% de eficincia (Van Soest, 1994).

    ED (kcal/kg)=EB (kcal/kg) * 0,63

    EM (kcal/kg)=ED (kcal/kg) * 0,82

    Com esta forma de clculo chegamos ao consumo de energia metabolizvel

    por dia por animal (Tabela 6). O consumo de energia metabolizvel por dia por

    quilo de peso metablico (kcal/kg0,75.d) outra forma de expressar o consumo e nos

    fornece parmetro para comparao entre diferentes espcies.

  • 35

    Tabela 6. Consumo de energia metabolizvel por animal Consumo (Mcal/dia) Consumo (Mcal/kg0,75.dia)

    Animal Mdia DP Mdia DP

    1 0,827 0,152 0,100 0,018 2 1,118 0,101 0,120 0,011 3 0,830 0,135 0,098 0,016 4 1,002 0,093 0,125 0,012 5 0,987 0,153 0,108 0,017 6 0,989 0,106 0,110 0,012 7 0,916 0,143 0,119 0,019 8 0,794 0,078 0,107 0,010

    Mdia 0,934 0,065 0,111 0,008

    Uma vez que os animais no se encontravam em estgio reprodutivo nem em

    crescimento considerado que toda energia metabolizvel foi utilizada para

    realizao das atividades de manuteno. A mdia dos 8 animais em todo perodo

    experimental foi calculada chegando ao valor da exigncia de energia metabolizvel

    para mantena: 111,4 7,7 kcal/kg 0,75.d.

    Este valor determinado atravs da alimentao controlada por longo perodo

    de tempo e manuteno de peso e condio corporal pode ser comparado

    metodologia da gua duplamente marcada, cujos resultados esto descritos abaixo.

    Nas Tabelas 7 e 8 podemos observar os pesos dos animais e das seringas,

    permitindo a precisa determinao da quantidade de gua injetada por animal.

    Para a 2H2O seriam necessrios 100,0 mg/kg de peso vivo e foram injetados em

    mdia 111,8 mg/kg. Analogamente foram injetados 163,1 mg/kg de H218O enquanto o

    necessrio eram 150,0 mg/kg.

  • 36

    Tabela 7. Peso dos animais, das seringas e quantidade de gua marcada (2H2O) injetada por animal 2H2O (100 mg/kg de peso vivo)

    Animal Peso da Seringa Injetado no. Peso Vazia Cheia g mg/kg 1 17 3,09 4,97 1,88 110,6 2 16 3,06 4,87 1,81 113,1 3 18 3,17 5,18 2,01 111,7 4 15 3,09 4,71 1,62 108,0 5 18 3,06 5,17 2,11 117,2 6 15 3,15 4,8 1,65 110,0 7 16 3,05 4,85 1,8 112,5 8 18 3,12 5,14 2,02 112,2 9 18 3,06 5,06 2 111,1

    Mdia 16,8 3,1 5,0 1,9 111,8

    Tabela 8. Peso dos animais, das seringas e quantidade de gua marcada (H218O) injetada por animal

    H218O (150 mg/kg de peso vivo) Animal Peso da Seringa Injetado

    no. Peso Vazia Cheia g mg/kg 1 17 3,13 5,83 2,7 158,8 2 16 3,11 5,65 2,54 158,8 3 18 3,1 5,93 2,83 157,2 4 15 3,1 5,53 2,43 162,0 5 18 3,15 6,02 2,87 159,4 6 15 3,06 5,54 2,48 165,3 7 16 3,09 5,76 2,67 166,9 8 18 3,07 6,09 3,02 167,8 9 18 3,11 6,17 3,06 170,0

    Mdia 16,8 3,1 5,8 2,7 163,1

    As coletas de sangue foram programadas de forma a obter uma curva de

    desaparecimento dos istopos bastante clara e precisa, identificando o acentuado

    aumento na concentrao dos istopos no momento inicial e sua queda gradual com

    o desaparecimento. Por este motivo foram realizadas mais coletas nos primeiros dias

    aps a aplicao da gua duplamente marcada.

  • 37

    Estabelecer precisamente a curva de desaparecimento dos istopos para esta

    espcie contribuir significativamente para o planejamento de um futuro

    experimento em vida livre, quando sero realizadas apenas duas coletas devido

    dificuldade de recaptura dos animais. A determinao dos melhores pontos para

    coleta do experimento em vida livre ser feita com base do grfico obtido neste

    ensaio em cativeiro.

    Os resultados das concentraes dos istopos estveis, ajustados para a

    frao da concentrao inicial (100%) esto apresentados nas Tabelas 9 e 10. O

    animal n 04 foi excludo do experimento por ser um ponto outlier na

    determinao do pool size e no consta dos clculos.

    Tabela 9. Fraes (%) da concentrao inicial do oxignio 18 (18O) em funo dos dias do experimento

    Animais dias 1 2 3 5 6 7 8 9 mdia

    0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 0,17 99,2 99,7 99,3 99,2 98,9 98,9 99,6 98,5 99,2 0,5 98,6 97,9 97,9 98,7 97,9 97,6 98,5 97,7 98,1 1,5 95,9 95,5 95,2 96,2 95,4 94,0 95,9 95,3 95,4 4 91,0 91,4 91,1 93,3 91,8 88,9 91,8 91,9 91,4 7 84,2 81,7 81,5 82,5 8 84,6 81,3 77,3 81,2 82,0 81,3 9 79,3 76,8 75,3 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 77,1

    11 77,9 73,9 69,5 72,0 74,3 73,5 15 70,0 65,4 59,4 62,9 64,3 64,4 16 61,2 58,4 56,2 58,6 21 57,5 46,9 37,9 50,0 46,7 47,8 30 39,8 27,4 11,2 0,0 27,0 26,3

  • 38

    Tabela 10. Fraes da concentrao inicial do deutrio (2H) em funo dos dias do experimento

    Animais dias 1 2 3 5 6 7 8 9 mdia

    0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 0,17 99,1 99,6 99,0 99,4 99,5 99,3 100,0 98,4 99,3 0,5 98,7 97,7 97,5 98,8 98,5 98,1 98,8 97,7 98,2 1,5 96,1 96,0 95,3 96,7 96,4 95,5 96,6 95,3 96,0 4 91,8 92,4 91,8 94,5 93,6 90,4 93,2 92,5 92,5 7 85,5 84,1 83,8 84,5 8 87,2 84,5 80,4 84,3 84,0 84,1 9 81,5 80,2 78,6 80,1 11 81,8 78,4 73,6 77,0 77,3 77,6 15 75,1 71,3 64,7 68,6 68,1 69,6 16 64,2 64,6 62,2 63,6 21 65,2 57,3 49,6 59,4 52,8 56,9 30 49,8 41,6 24,5 0,0 32,9 37,2

    As curvas de decaimento dos istopos do oxignio 18 e deutrio para os 8

    animais experimentais esto ilustradas na Figura 6.

    Tabela 11. Produo de CO2 calculada a partir das constantes de decaimento (kd) e do Pool size (N)

    Animais 1 2 3 5 6 7 8 9

    N 728,4 545,5 621,1 625,7 568,6 662,8 703,7 714,6

    kd*N 76,4 62,1 76,1 52,9 55,0 79,3 69,2 77,2

    N(ko-kd)/2.08 6,4 6,6 6,7 7,0 8,9 10,5 10,3 7,5

    rCO2 (L) 5,2 5,7 5,6 6,2 8,0 9,4 9,2 6,3

  • 39

    Curvas de decaimento dos istopos

    y = -2,0996x + 100R2 = 0,9965

    y = -2,4656x + 100R2 = 0,9982

    0

    20

    40

    60

    80

    100

    0 5 10 15 20 25 30 35Dias

    Fra

    o d

    a C

    onc.

    Inic

    ial

    Oxignio 18 Deutrio

    Figura 6 - Curvas de decaimento do 18O e 2H para os 8 animais

    A produo de CO2 foi calculada pela diferena entre as taxas fracionais de

    desaparecimento dos istopos de oxignio e hidrognio e por estimativa do volume

    total de gua corporal do animal (Nagy, 1980). As constantes de decaimento foram

    obtidas a partir das curvas e o pool size foi calculado pelo intercepto destas

    curvas. Os resultados de produo de CO2 dos 8 animais esto apresentados na

    Tabela 11.

    A determinao da demanda de energia (kcal/d) foi obtida a partir da equao

    de Brouwer (1965) considerando que, como os animais estavam sob condio de

    mantena, a produo de calor por dia equivale exigncia de energia para

    mantena (Tabela 12).

  • 40

    Tabela 12. Produo de calor calculada a partir da equao de Brouwer, (1965)

    Animais 1 2 3 5 6 7 8 9 mdia Produo CO2

    rCO2 (L) 117,2 126,7 125,7 140,0 180,0 209,8 206,5 141,9 156,0

    Perdas estimadas

    8% como CH4(L) 9,4 10,1 10,1 11,2 14,4 16,8 16,5 11,4 12,5

    1% como Nurina(L) 1,2 1,3 1,3 1,4 1,8 2,1 2,1 1,4 1,6

    Produo de calor

    HP (kcal/d)* 700,3 757,1 751,2 836,8 1075,9 1253,8 1234,3 848,3 932,2

    Gasto energtico metablico

    En (kcal/d. bw.75) 83,6 94,6 85,9 95,7 141,0 156,6 141,1 97,0 112,0* HP = 3,866 * rCO2/QR + 1,2*rCO2 (0,518*CH4 + 1,431*N), (Brouwer, 1965).

    A mdia dos 8 animais em todo perodo experimental foi calculada chegando

    ao valor da exigncia de energia metabolizvel para mantena: 112,0 29,2

    kcal/kg0,75.d.

    Os resultados da demanda de energia metabolizvel para mantena, obtido

    atravs do mtodo de alimentao controlada por longo perodo (111,4 7,7 kcal/kg 0,75.d) e atravs do mtodo da gua duplamente marcada (112,0 29,2 kcal/kg 0,75.d)

    foram semelhantes.

    Na Tabela 13 esto listados alguns trabalhos que determinaram as exigncias

    de energia para mantena de outras espcies de ruminantes domsticos e selvagens.

    Podemos observar que, apesar das espcies citadas serem predominantemente de

    clima temperado, as exigncias de energia so relativamente semelhantes.

  • 41

    Tabela 13. Exigncias de energia para mantena (kcal/kg.75.d) de outras espcies de ruminantes

    Espcie Nome cientfico Kg Kcal EM/kg.75.d Referncia

    Fallow deer Dama dama 25 155,3 Ru & Glatz, 2004

    Ovinos 45 121 Torien et al, 1999

    Sambar deer Cervus unicolor 45 113,3 Semiadi, 1998

    Black tailed deer Odocoielus hemionus 50 95 Parker et al, 1996

    Black tailed deer Odocoielus hemionus 50 120 Parker et al, 1999

    Caprinos 57 101,4 Torien et al, 1999

    White tailed deer Odocoielus virginianus 70 80,1 Pekins, 1998

    White tailed deer Odocoielus virginianus 80 94 DelGiudice, 2000

    Nos resultados obtidos neste experimento houve maior diferena entre

    indivduos para o mtodo da gua duplamente marcada do que entre animais no

    mtodo da alimentao controlada. Uma justificativa para esta observao pode ser

    a diferena de comportamento entre os animais. O animal 04, excludo dos clculos,

    consumiu mais gua que a mdia, fato que pode ter causado interferncia no

    turnover de gua corporal. O animal 07, que apresentou a maior demanda de

    energia, era o animal mais inquieto e arisco, sempre causando transtornos nos

    momentos de coleta de sangue.

    O experimento com alimentao controlada por longo perodo estressou

    menos os animais pois apenas uma vez ao dia a rao e a gua eram trocados.

    Nenhuma interveno mais intensa, exceto 3 pesagens, foi realizada. No

    experimento com gua duplamente marcada todos os animais eram contidos

    manualmente pela equipe durante as freqentes coletas de sangue.

    Apesar desta variao entre indivduos a tcnica da gua duplamente

    marcada pode ser utilizada para determinar a demanda de energia de animais em

    vida livre. Acreditamos inclusive que as diferenas das variaes entre animais

    sero menores pois o ambiente livre condiciona os animais a um estado constante de

  • 42

    viglia e busca de alimento que equilibra a demanda de energia pelo nvel mais alto.

    As diferenas neste caso sofrero mais influncia de outros fatores como

    comportamento social, perodo reprodutivo, poca do ano ou disponibilidade de

    alimento.

    3.4 Concluses

    A dieta peletizada desenvolvida para o experimento em cativeiro atendeu s

    exigncias nutricionais do veado-catingueiro (Mazama gouazoubira) e pode ser

    utilizada para manuteno desta espcie em cativeiro.

    A exigncia de energia para mantena do veado catingueiro em cativeiro foi

    determinada atravs do mtodo da gua duplamente marcada, obtendo valor mdio

    de 112,0 29,2 kcal/kg 0,75.d. Este valor estimado foi validado atravs da medio

    nos mesmos animais pelo mtodo padro (de equilbrio de peso). Apesar da variao

    entre indivduos a tcnica da gua duplamente marcada um mtodo no invasivo

    com grande potencial para determinar a demanda de energia de animais em vida

    livre. Com enriquecimento semelhante ao do experimento em cativeiro, 111,8

    mg/kgPV de 2H2O e 163,1 mg/kgPV de H218O, a coleta de sangue final poder ser

    realizada at 30 dias aps a aplicao, permitindo o uso em vida livre.

  • 4 ECOLOGIA NUTRICIONAL DO VEADO-CAMPEIRO (OZOTOCEROS BEZOARTICUS) NO PARQUE NACIONAL DAS EMAS, GO

    Resumo

    Existem poucas informaes sobre exigncias de energia de cervdeos

    brasileiros. O conhecimento das exigncias de energia tambm importante para

    determinar os recursos necessrios para sua conservao em parques e reservas. O

    objetivo deste experimento foi observar o comportamento alimentar do veado-

    campeiro (Ozotoceros bezoarticus) no Parque Nacional das Emas (PNE),

    descrevendo qualitativamente e quantitativamente as principais espcies vegetais

    utilizadas para o aporte de nutrientes. No PNE, veados-campeiro j monitorados

    com radio colares, permitiram a observao de seu comportamento alimentar. O

    experimento foi realizado em duas pocas distintas (inverno e vero). As espcies

    foram analisadas quanto composio nutricional, para estimar valores energticos

    assim como consumo de minerais e protena. As contribuies das diferentes

    espcies que compem a dieta dos cervdeos foram estimadas para duas populaes

    em vida livre, uma com acesso apenas a espcies nativas (rea central do parque) e

    outra com acesso s espcies cultivadas na periferia do PNE. Os sinais isotpicos do

    carbono 13 e os perfis de n-alcanos foram utilizados para quantificar a contribuio

    das diferentes espcies ingeridas. Os resultados indicaram que os veados-campeiro

    utilizam uma ampla gama de partes e espcies vegetais. Sua dieta composta por

    aproximadamente 78 tens, divididos em brotos (38,5%), folhas (15,4%), flores (17,9%),

    botes florais (12,8%), frutos e sementes (15,4%); de 55 diferentes espcies nativas e 7

    culturas agrcolas. H grande diferena no padro de consumo entre as populaes no

    interior do parque e aquelas que tem possibilidade de selecionar plantas cultivadas pelo

  • 44

    homem. As espcies agrcolas podem contribuir com at 46,9% da dieta dos cervdeos

    da periferia do parque. Este trabalho descreveu as espcies e partes utilizadas como

    aporte de nutrientes por cervdeos em vida livre.

    Summary

    There are limited data on energy requirements of brazilian cervids. Knowing

    the energy requirements is also important to determine the necessary nutritional

    resources for their conservation in parks and reserves. The objective of this

    experiment was to observe the feeding behavior of the pampas-deer (Ozotoceros

    bezoarticus) in the Emas National Park (ENP), describing qualitatively and

    quantitatively the main vegetal species used to supply these animals with nutrients.

    In the national park, pampas-deer already monitored with radio colars, facilitated the

    observation of their feeding behavior. The experiment was conducted at two distinct

    seasons (winter and summer). The species were analyzed for the nutritional

    composition, to estimate energy values as well as mineral and protein consumption.

    The contributions of the different species to the diet of the cervids were estimated

    for two free ranging populations of the national park, one with access only to native

    species (central area of the park) and another with access to the crop species

    cultivated in the periphery of the park. The isotopic signals of carbon 13 and profiles

    of n-alkanes were use