Ônus da prova e a dispensa discriminatÓria da... · 2017. 12. 21. · 4.2.3 dispensa...

178
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP JORGE DA SILVA WAGNER ÔNUS DA PROVA E A DISPENSA DISCRIMINATÓRIA MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2017

Upload: others

Post on 27-Feb-2021

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

JORGE DA SILVA WAGNER

ÔNUS DA PROVA E A DISPENSA DISCRIMINATÓRIA

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo 2017

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

JORGE DA SILVA WAGNER

ÔNUS DA PROVA E A DISPENSA DISCRIMINATÓRIA

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito (Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho) pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Professora Doutora Carla Teresa Martins Romar.

São Paulo

2017

Catalogação

Wagner, Jorge da Silva. W133 Ônus da prova e dispensa discriminatória/ Jorge da Silva Wagner. – São Paulo: [s.n], 2017.

177p. ; 30 cm Orientador: Carla Teresa Martins Romar.

Dissertação (mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, 2017. 1. Direito Processual do Trabalho – direitos trabalhistas – processo do trabalho -

discriminação – ônus da prova – inversão do ônus da prova. I. Romar, Carla Teresa Martins. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós Graduados em Direito. III. Título. CDD 347.06

ERRATA WAGNER, Jorge da Silva. Ônus da prova e a dispensa discriminatória. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2017 Página Linha Onde se lê Leia-se Comentários

41 5ª Súmula 88 Súmula 338 A preferência por referida terminologia se dá por não se tratar propriamente de inversão, mas de presunção em desfavor de uma das partes, quando presentes determinadas circunstâncias, como ocorre, por exemplo, na falta de apresentação de controle de jornada por parte do empregador, fazendo presumir verdadeira a jornada alegada pelo empregado (Súmula 338 do TST).

43 26ª Arts. 8, parágrafo único e 769, da

CLT

Arts. 8, parágrafo 1º e 769, da CLT

Dessa forma, a regra de inversão do onus probandi presente no Código de Proteção do Consumidor, mantém-se perfeitamente aplicável no processo trabalhista, também, pelos princípios que norteiam o processo trabalhista (arts. 8, parágrafo 1º e 769, da CLT), em especial o princípio de acesso à justiça pelo trabalhador.

171 8ª MARQUE,

Fabíola MARQUES,

Fabíola MARQUES, Fabíola. A discriminação nas relações de trabalho. In: ARRUDA PINTO, Roberto Parahyba de (coord). Direito e o Processo do Trabalho na Sociedade Contemporânea – Homenagem a Francisco Ary Montenegro Castelo. São Paulo: LTr., p. 41-44, 2005.

Banca Examinadora

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

_________________________________________________

Dedico este trabalho a minha esposa, Fátima, companheira de todas as horas, incentivadora maior e torcedora vibrante de todo o meu aprimoramento profissional.

AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiro e sempre, a Deus, pela força de vontade e dedicação concedida, propulsora de mais uma conquista.

A professora doutora Carla Teresa Martins Romar, inicialmente por ter me aceitado orientar durante esses quase dois anos e meio, e a quem admiro muito, por sua humanidade, paciência e sabedoria, bem como pela dedicação na orientação, sem a qual não seria possível a realização deste trabalho.

Aos professores do Programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em especial aos professores Pedro Paulo Teixeira Manus, Fabíola Marques, Renato Rua de Almeida, Suely Ester Gilteman, Cláudio De Cicco, Maria Celeste Cordeiro dos Santos e Paulo Sergio João, pelos valiosos ensinamentos acadêmicos.

A todos os meus amigos que fizeram parte deste momento e sempre me apoiaram, especialmente a professora Eline Garcia, pela disponibilidade e atenção com que fez a revisão deste trabalho.

A minha amada esposa Aparecida Fatima Antunes da Costa Wagner, por toda ajuda ao longo da pesquisa e pela inestimável colaboração.

E finalmente a minha mãe, Dulce da Silva Wagner, ao meu pai, Gildo Wagner, in memoriam, a minha irmã Vania da Silva Wagner e a todos os meus familiares pelo incentivo, carinho e pela paciência ao longo dessa jornada.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo estudar a aplicação da teoria da distribuição

dinâmica do ônus probatório no Direito Processual do Trabalho como instrumento na

prevenção de injustiças decorrentes de discriminação preconceituosa. O preconceito é

exteriorizado a partir de diversos pretextos, como raça, sexo, idade, religião, classe

social, orientação política, orientação sexual, etc. A discriminação negativa é uma das

faces do preconceito, a qual prejudica determinado grupo ou indivíduo pela criação de

situações injustas. Na seara juslaboral, essa vertente do preconceito se dá pela demissão

em razão de ato discriminatório realizado pelo empregador contra seu empregado, e

resulta no dever de reintegração do empregado e, consequentemente, do pagamento das

verbas do período em que permaneceu afastado, e à indenização por danos morais, ou

ainda em conversão ao dobro dos salários. De acordo com os artigos 373 do Código de

Processo Civil e 818 da Consolidação das Leis Trabalhistas, baseados em uma visão

estática, a prova das alegações incumbe à parte que as fizer. Contudo, a teoria dinâmica

do ônus da prova rompe com a concepção estática da distribuição de tal ônus,

considerando o processo em sua concreta realidade, atribuindo-se o ônus da prova à

parte que, pelas circunstâncias fáticas, tiver melhores condições para demonstrar os

acontecimentos do caso específico, independentemente de sua posição. Do estudo,

depreendeu-se que, no âmbito juslaboral, muito embora a Consolidação das Leis do

Trabalho adote a visão estática, admite-se a aplicação da teoria dinâmica do ônus da

prova, em razão do princípio da igualdade, dos poderes instrutórios do juiz, da

colaboração das partes e da boa-fé. Por fim, concluiu-se que a inversão do ônus da

prova poderá ocorrer em momentos diversos, mas que, no entanto, o mais oportuno será

que ocorra na fase de instrução, evitando-se assim surpresas e garantindo o

contraditório. O estudo realizado seguiu a metodologia do tipo bibliográfica, qualitativa,

parcialmente exploratória.

Palavras-Chave: Direito Processual do Trabalho – direitos trabalhistas – processo do

trabalho – discriminação – ônus da prova – inversão do ônus da prova

ABSTRACT

The purpose of this work is to study the application of the theory of dynamic

assignment of the burden of proof on Labour Procedural Law aiming to prevent

injustices arising from prejudiced discrimination. Prejudice is brought to light under

various pretexts such as race, gender, age, religion, social class, political preference,

sexual orientation, etc. Negative discrimination is one of the sides of prejudice,

detrimental to a particular group of people or an individual due to the creation of unfair

situations. Within the scope of the labour law, this aspect of prejudice is associated with

dismissal motivated by a discriminatory behaviour of an employer against his/her

employee, and results in the obligation to reinstate the employee and, consequently, pay

the amounts connected to his/her dismissal period, pain and suffering compensation,

and even the payment of double wages. According to articles 373 of the Code of Civil

Procedure and 818 of the Consolidation of the Brazilian Labour Laws, which has its

grounds on a static view, the evidence of the allegations lies on the party that makes

them. However, the dynamic theory of the burden of proof tears the static conception of

the assignment of such burden, taking into account the process in its tangible reality,

attributing the burden of proof to the party who, due to factual circumstances, has better

conditions to demonstrate the events of the specific case, regardless of his/her/its

position. Based on the study conducted, it was possible to conclude that, in the labour

law context and despite the fact that the Consolidation of the Brazilian Labour Laws

adopts the static view, the dynamic theory of the burden of proof may be applied, in

light of the principle of equality, court’s instructive powers, collaboration of the parties

and good faith. Finally, the shifting of the burden of proof has been proven to occur at

different times, but, nevertheless, the most appropriate time will be during the

evidentiary phase, avoiding surprises and ensuring the right to contest. The study was

conducted in line with the bibliographical, qualitative, and partially exploratory

methodology.

Key words: Labour Procedural Law – labour rights – labour procedure – discrimination

– burden of proof – shifting of the burden of proof

Sumário

Introdução 9

1. Ônus da prova 12

1.1 Contextualização histórica 12

1.2 Conceituação de ônus da prova 21

2. O tratamento do ônus da prova no ordenamento jurídico pátrio 35

2.1 Código de Processo Civil de 1973 35

2.2 Código de Defesa do Consumidor 40

2.3 Código de Processo Civil de 2015 45

2.4 Legislação trabalhista 54

3. Instrumentalidade do ônus da prova 59

3.1 Técnica sobre inversão do Ônus da prova 61

3.1.1 Técnica de julgamento 61

3.1.2 Técnica de instrução 70

3.2 Principais teorias sobre a inversão do ônus da prova 81

3.2.1 Teoria de Chiovenda 81

3.2.2 Teoria de Carnelutti 84

3.2.3 Teoria de Emílio Betti 85

3.2.4 Teoria de Jeremy Bentham 86

3.2.5 Teoria de Jorge W. Peyrano 87

4. Dispensa discriminatória 91

4.1 Conceito 100

4.2 Hipóteses 103

4.2.1 Dispensa discriminatória em razão da idade 106

4.2.2 Dispensa discriminatória em razão de doença grave 112

4.2.3 Dispensa discriminatória em razão de outras doenças 121

4.3 Regramento internacional (Convenção OIT, etc) 125

5. Ônus da Prova e dispensa discriminatória 131

5.1 Inversão do ônus da prova como instrumento de justiça 131

5.2 Ônus da prova e hipossuficiência: a dignidade da pessoa humana 139

5.3 Efetividade da inversão do ônus da prova nas despedidas discriminatórias 147

Conclusão 166

Referências bibliográficas 169

9

Introdução

Prova nada mais é do que a demonstração da existência ou veracidade daquilo

que se alega como fundamento do direito que se defende ou que se contesta, para que,

assim, o julgador consiga proferir decisão com convicção.

Segundo João Monteiro, “prova é uma indução lógica, um meio com que se

estabelece a existência positiva ou negativa do fato probando, e é a própria certeza dessa

existência”. 1

Ao autor cabe provar seu direito postulado, e, ao réu, provar que há um

impedimento ou um ato modificativo ou até extintivo do direito alegado pelo autor.

O instituto da inversão do ônus da prova é um dos mais importantes institutos

criados para facilitar o acesso e a defesa à parte hipossuficiente da relação e a

comprovação de seu direito alegado.

No caso de despedida discriminatória, além da hipossuficiência inerente à figura

do empregado, há a dignidade humana a ser preservada, o que justificaria a inversão do

ônus em detrimento do empregador.

De acordo com essa teoria, desenvolvida inicialmente no Direito argentino, pelo

professor e processualista Jorge Peyrano, relativamente a processos em que se discutia

indenização por erro médico, a carga da prova (ônus da prova) caberia à parte que tem

melhores condições de produzir a prova, seja porque a situação é mais cômoda, seja

porque dispõe à parte dos meios menos onerosos para tal mister.

Dessa forma, afasta-se a regra clássica de que o ônus da prova é de quem alega o

fato.

No direito pátrio, a regra sobre o ônus da prova está estabelecida nos artigos

373, do Código de Processo Civil e 818, da Consolidação das Leis do Trabalho, que

1 Programa do curso de processo civil. 3ª ed. São Paulo: Duprat, 1912, v. II, p. 96 apud Curso de direito

processual civil. 56ª ed. São Paulo: Forense, 2015, v. 1, p. 1.103.

10

dispõem que cabe ao autor o ônus quanto aos fatos constitutivos do seu direito e ao réu

o ônus quanto aos fatos modificativos, impeditivos e extintivos do direito do autor.

Entretanto, existem exceções positivadas: nos artigos 373, parágrafo único, do

CPC, 6º, inciso VIII, do CDC, na Súmula 443, do TST, nas Convenções 111 e 158 da

OIT, na Lei nº 9.029/1995 e por fim no artigo 818, § 1º da CLT.

As modificações trazidas com a reforma trabalhista ao artigo 818 da CLT, dentre

outras, incluiu ao processo trabalhista as disposições do artigo 373 do CPC, tanto em

relação ao ônus estático (inciso I e II), como em relação ao ônus dinâmico (§ 1º).

No âmbito processual trabalhista, e ante a necessidade de se tornar efetivo o

acesso a uma ordem jurídica justa, não inviabilizando a tutela do direito à parte que tem

razão, mesmo não apresentando condições favoráveis na produção das provas

necessárias para demonstrar seu direito, é possível ao Juiz do Trabalho atribuir o

encargo probatório à parte que tem melhores condições de produzir a prova, por meio

de aplicação da teoria do ônus dinâmico da prova.

Significativa parte da doutrina e da jurisprudência, entretanto, permanece

contrária à admissão da presente teoria ao processo civil pátrio, sob o argumento de que

ela amplia demasiadamente os poderes instrutórios do juiz, causando surpresa às partes,

trazendo insegurança jurídica e dificultando o contraditório.

Apesar de tais ponderações, o presente trabalho tem como finalidade demonstrar

o oposto, ou seja, que a tendência do processo civil moderno sinaliza na majoração dos

poderes do juiz na instrução do processo. Tal entendimento, funda-se também, nos

princípios de cooperação e de boa-fé objetiva das partes, pelos quais as partes devem

produzir as provas necessárias à obtenção da verdade. E, ainda, os princípios

constitucionais da isonomia real, livre convicção do magistrado e acesso real à justiça,

os quais impõem ao magistrado a adoção de condutas que possam assegurar equilíbrio

no processo e na produção probatória.

Destaca-se, também, a moderna doutrina, que defende que o ônus da prova, além

de ser regra de julgamento, também se apresenta como regra de instrução processual,

atribuindo ao juiz o dever de analisar os argumentos da petição inicial e da defesa, os

11

fatos e circunstâncias do processo, fixando o ônus da prova à parte que esteja em

melhores condições de produzi-la, antes mesmo de se iniciarem os atos instrutórios.

O presente trabalho tem por objetivo o estudo da teoria do ônus probatório

especificamente por ocasião da discriminação no momento da rescisão contratual,

embora ela possa ocorrer a qualquer momento: na fase pré-contratual, durante o

contrato de trabalho, ou mesmo após o contrato de trabalho.

A discriminação, como fenômeno social com reflexos no mundo jurídico, é tema

extenso e que merece estudo aprofundado, porque pode o tema ser abordado pelos mais

diversos aspectos.

Este trabalho pretende, com o auxílio da jurisprudência e da doutrina, contribuir

para reforçar o tratamento da matéria, buscando-se a fixação de nortes mais seguros,

que permitam identificar as hipóteses de aplicação da teoria das cargas probatórias, bem

como delimitar a postura esperada do Juiz do Trabalho diante das novas exigências do

processo, como forma de garantir um procedimento mais justo e comprometido com a

proteção da dignidade do trabalhador.

Por fim, a pesquisa empreendida se orientou pelo método analítico-dedutivo,

valendo-se substancialmente de pesquisa bibliográfica. Para a coleta de dados, foram

utilizados a doutrina, a jurisprudência e o direito comparado. Foram consultadas leis,

projetos de lei, assim como dissertações e artigos de periódicos. Ademais, foram usadas,

como suporte à visão exposta neste estudo, decisões dos Tribunais Regionais do

Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho.

12

1. Ônus da prova

1.1 Contextualização histórica

A influência do direito romano sobre toda a construção jurídica ocidental é

bastante conhecida, influência essa que se estende de forma evidente, ainda hoje, no

campo processual.

Haja vista a importância do Direito Romano no âmbito do Direito Civil, de

forma ampla e, estritamente, em relação ao nosso ordenamento, prefere a doutrina ter

como ponto de partida justamente o Direito de Roma.

De tal sorte, fixaremos para estudo o período do Direito Romano Clássico, que

vigorou desde o final da República até aproximadamente 284 d.C. e, também, o período

denominado “pós-clássico romano”, que se iniciou com Diocleciano no ano 284 d.C. e

se encerrou com o Direito Justinianeu, entre os anos 527 a 565 d.C.2

Em razão do caráter lendário desse período, e a falta de elementos autênticos que

permitam uma reconstrução histórica certa, não será examinado, propositadamente, o

período do direito arcaico ou pré-clássico.

É de suma importância assinalar os períodos pertinentes ao denominado Direito:

a) período das legis actiones (ações da lei, que vigorou desde a fundação de

Roma – 754 a.C. – até o final da República);

b) período per formulas (processo formular, com início partir do visível declínio

da República, consubstanciado na atividade dos pretores e sem reconhecimento

legislativo, atingindo seu ápice com a edição da Lex Aebutia, em 149 a 126 a. C., sendo

definitivamente oficializado pela Lex Julia Privatorum, em 17 a.C.), mantendo-se até a

época do Imperador Diocleciano (285 a 305 d.C.) e;

2 Dados constantes deste item foram extraídos da leitura das seguintes obras: GRECO FILHO, Vicente.

Direito Processual Civil. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013; TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luiz Carlos de.

Lições de história do processo civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013; e BUZAID, Alfredo. Do agravo de petição no sistema do código de processo civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1956.

13

c) o período da extraordinaria cognitio, vigente a partir do Principado, com o

Imperador Otaviano Augusto (27 a.C.), até os últimos dias do Império Romano do

Ocidente, tendo, contudo, sofrido profundas modificações.

Os períodos legis actiones e per formulas constituem a fase denominada ordo

iudiciorum privatorum, e o período extraordinária cognitio constitui a fase denominada

cognitio extra ordinem.

Todavia, tal delimitação temporal em relação aos períodos mais significativos do

Direito Romano é tão somente convencional, uma vez que não há como precisar o

momento exato em que cada medida se iniciou ou findou, até porque há momentos da

História Romana em que ambas vigeram concomitantemente.

Tanto nas legis actiones quanto no período per formulas, poderia o árbitro não

prolatar a sentença nos casos em que não obtivesse a convicção necessária para decidir,

ainda que todos os meios para tal convicção tivessem sido utilizados, já que se admitia o

sib non liquere, ou seja, o juramento do julgador de que os fatos não estão

suficientemente claros ou provados, situação que o desonerava e transferia a obrigação

de sentenciar a outro juiz pelo pretor.

Cabe destacar que no período das legis actiones, com a fundação de Roma no

ano de 754 a.C., o processo judicial se revestia de caráter quase religioso, seguindo um

ritual semelhante aos ritos sagrados, consagrando procedimentos antigos do chamado

sistema primitivo.

As legis actiones possuíam esse significado em alusão à Lei das XII Tábuas,

concernente ao mais antigo direito.

No início, permitia-se ao particular que fizesse justiça com suas próprias mãos,

prática hoje não tolerada pelos ordenamentos modernos. No caso de ato ou conduta

ilícita, a própria vítima ou prejudicado poderia “praticar a justiça”, ou seja, ignorando

qualquer regra ou norma disciplinadora, poderia exercer a vingança de forma privada.

Posteriormente, a fase da vingança privada passou a ser regulamentada pelo

Estado, o que só ocorreu com o fortalecimento do Estado e das instituições, permitindo

a imposição de regras e sanções para quem as descumprisse.

14

Mais adiante, com a evolução da sociedade, a vingança privada (com ou sem

regulamentação), passa a ser afastada, permitindo-se somente ao Estado a distribuição

da justiça e, consequentemente, a aplicação de sanções.

Existiam duas fases, chamadas de “in juri” e “in juridicium”; na primeira as

partes compareciam perante o magistrado, que concedia ou não a ação. Na segunda fase,

“in juridicium”, as partes compareciam diante de um árbitro, produziam-se as provas e a

sentença era proferida. O procedimento, nesse período, era excessivamente formalista e

solene.

Em tal período destacavam-se os procedimentos probatórios de índole

“ordálica”, ou seja, com provas sobrenaturais, sem qualquer racionalidade, o que

tornava impossível o estabelecimento de regras relativas à atribuição do ônus da prova.

É possível que a transição desse sistema primitivo e ilógico para o sistema

romano, que estabelecia a igualdade das partes perante o julgado, além da plena

independência desse para valoração das provas, tenha ocorrido com a legis actio

sacramento in rem.

Em seguida a essa evolução, que ocorreu durante o período mesmo das legis

actiones, passou o juiz a ter discricionariedade no que tange a estabelecer a qual parte

incumbiria a produção da prova em juízo, fase essa denominada apud iudicem. Detinha

o árbitro privado, assim, amplos poderes não só no tocante às provas, mas também em

relação à própria qualidade moral e social das partes, utilizando para tal valoração as

regras de experiência e equidade. Frise-se que tal situação não foi modificada no

período subsequente aos das legis actiones, que foi o período per formulas.

Nesse segundo período (per formulas), destaca-se a expansão do Império

Romano, o que ocasionou o surgimento de relações jurídicas mais complexas, tornando-

se impossível sua resolução pelos escassos limites das legis actiones.

Destacam-se o crescimento da população, a sofisticação e a ampliação do

comércio, a expansão dos povos, com contato com outros povos de forma mais intensa.

Vale frisar que os procedimentos estabelecidos nas legis actiones e ius civile só

eram aplicáveis aos cidadãos romanos, o que fez surgir a necessidade de novas regras

15

para disciplinar as relações que envolvessem estrangeiros, cada vez mais presentes

dentro do espaço antes exclusivo aos romanos. Tais formulas eram dadas aos

estrangeiros pelo pretor peregrino para que comparecessem perante um juiz. Este, por

sua vez, passaria a conhecer os fatos e proferir uma sentença e, com o tempo, tal sistema

passou a ser também utilizado entre romanos. Ou seja, pouco a pouco o sistema

processual primitivo, sistema das legis actiones, foi substituído pelo sistema per

formulas.

No sistema per formulas, como no procedimento das legis actiones, as fases da

instância são as mesmas: in jure e in judicium. Comparecem as partes diante do pretor e

expõem suas pretensões. Este, porém, não assiste passivamente à controvérsia. Redige a

fórmula, intervém, participa. Em seguida, na segunda fase, in judicium, o juiz prolata a

sentença.

No período per formulas o procedimento era todo oral, com exceção da formula,

que era escrita. A formula é o escrito, redigido pelo magistrado in jure, com a indicação

da questão que deveria ser resolvida.

Não mais há a rigorosidade das solenidades que caracterizavam a fase anterior.

As provas admitidas para o livre convencimento do juiz eram as testemunhas, os

documentos, a confissão e o juramento. A prova incumbia à parte que os alegava. A

obrigatoriedade da sentença não advinha da autoridade do juiz, visto que este não era

funcionário do Estado, mas da convenção entre autor e réu, quando da aceitação da

fórmula, momento esse em que ambos concordavam em cumprir com o que viesse a ser

estabelecido pelo árbitro.

Despiu-se o sistema do rigor anterior, das solenidades características da fase

superada, ganhando destaque a prova documental, que passou a ser, a par da prova

testemunhal, a mais importante.

O procedimento da cognitio extra ordinem ou cognitio vigorou a partir do

Principado, com o Imperador Otaviano Augusto (27 a.C.), até os últimos dias do

Império Romano do Ocidente.

16

Ainda que não fosse desorganizado, o período da cognitio extraordinaria, cuja

característica era não ser pautado pela ordem, norteava-se pela autonomia e

independência dos juristas e da jurisprudência.

Tal sistema teve como resultado a atribuição, pelo Governo Imperial, das

funções judiciárias a funcionários estatais, cuja incumbência era presidir e dirigir a

demanda, após solicitação das partes, conduzindo o feito até a sentença final e

execução.

Não há mais indicação pelas partes de magistrados ou árbitros particulares,

como ocorria na égide do direito antigo. Já há atribuição da tarefa jurisdicional a

agentes do Estado, os quais também possuíam uma hierarquia entre eles.

Algo similar ao que hoje se denomina “identidade física do juiz” já ocorria, visto

que o mesmo juiz deveria conhecer a causa, decidir e executar a sentença, com a

realização dos procedimentos na forma escrita, definindo etapas como: o pedido do

autor, a defesa do réu, a instrução da causa com a produção de provas, a prolação da

sentença e sua posterior execução.

Também havia a previsão de meios de combater a decisão final, com recursos

para a autoridade hierarquicamente superior, havendo a possibilidade de reforma.

Vale destacar alguns aspectos da prova testemunhal produzida no período da

cognition extraordinaria. A primeira diz respeito ao fato de que a fala de uma única

testemunha carecia de valor probatório. A segunda apontava que as declarações feitas

por testemunhas de elevada posição social tinham mais valor do que uma declaração de

testemunhas de classe sociais inferiores. E, por fim, às declarações prestadas por

hereges e judeus nos litígios contra cristão não deveriam ser outorgadas a devida fé.

Ressalta-se, ainda, que era proibido o testemunho de parentes consanguíneos.

No que tange aos documentos, também eram admitidas as espécies: a)

denominadas acta, que eram os documentos produzidos pelos oficiais públicos, com

efeito de prova plena e perpétua; b) os instrumentos públicos, que eram os documentos

propriamente ditos, elaborados por pessoas equiparadas aos notariais em razão da

atividade ou profissão que exerciam; c) os chirographas, uma última categoria de

17

importância, compreendendo os documentos produzidos por particulares, sendo que o

seu valor probante era condicionado ao número de testemunhas que nele intervinham

frequentemente.

Já em relação à prova pericial, havia um agrupamento de técnicos em três

espécies a) os calígrafos; b) os agrimensores; c) os médicos e as parteiras. Cada um

elaborava o seu laudo, e o juiz possuía plena autonomia para valorar cada conteúdo.

Dessa forma, várias discussões surgem sobre a real origem do ônus da prova,

prevalecendo atualmente o pensamento de que se trata de instituto que originou no

período formulário e que foi se desenvolvendo posteriormente, na fase extraordinaria

cognitio. 3

Depois da queda do Império Romano, a influência dessa doutrina voltou a ter

importância e ela voltou a ser estudada a partir do século XI. 4

Com a queda do Império Romano, durante a prevalência do direito germânico, o

magistrado delimitava o que deveria ser provado e quem deveria produzir a prova,

sendo o processo dividido em duas fases: uma relativa à sentença de prova, onde o juiz

declarava a quem cabia o ônus, geralmente o réu, porque o autor não reclamava um

direito seu, mas a injustiça do comportamento do réu; e a segunda, em que a parte

sujeita ao ônus devia produzir a prova, que em geral tinha um caráter formal absoluto,

determinando o prejulgamento da causa. 5

No processo germânico, escreve Giuseppe Chiovenda, “a função do juiz consiste

em estabelecer quem deve fazer a prova e por que meio. Depois disso, limita-se a

3 Sobre o tema: “Além de sustentar a genuinidade de vários textos tidos como violados por outros

autores, PUGLIESE também defende a existência de regras sobre o ônus da prova no processo formular com base na estrutura do processo. Com efeito, afirma que, no processo per formulas¸ prevalece o princípio dispositivo (em que a iniciativa da parte é fundamental para o seu desenvolvimento, especialmente na instrução probatória) enquanto na cognitio predomina o princípio inquisitório-corolário da estrutura publicística que passou a nortear o processo, no qual se reconhecem ampliados poderes instrutórios ao juiz. Então, conclui que o desenvolvimento do princípio do ônus da prova encontraria ambiente mais propício no período formular do que na fase da cognitio”. Apud PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova no direito processual civil. 8. ed. São Paulo : RT, 2011 – 44 v. – Coleção Estudos de Direito do Processo ENRICO TULLIO LIEBMAN, p. 55. 4 Segundo Vicente Greco Filho: “Após o ano 1000, com ressurgimento do Direito Romano, voltam a ser aplicados os

princípios acima aludidos do Direito Romano clássico, com a limitação, porém, da atividade judicial, segundo a regra iudex debet iudicare secundum allegata et probata partium (o juiz deve julgar segundo o alegado e provado pelas partes). In: Direito processual civil brasileiro. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, 2 v. p. 232. 5 Ibid., mesma página.

18

assistir à produção da prova, seja duelo, ou juramento, com ou sem rituais e a verificar-

lhe mecanicamente o resultado.” 6 O triunfo, ou malogro da causa depende unicamente

do bom, ou mau êxito na produção da prova, não entrando o juiz na apreciação do seu

merecimento, mas tão só na verificação se foi, ou não realizada a prova. Esta cisão em

fases distintas vem permitir que o processo germânico se desenvolva intercalado por um

conjunto de sentenças que decidem questões processuais e substanciais, à medida que

surgem. 7

Somente após mil anos, com o renascimento do Direito Romano, é que voltam a

serem aplicados os princípios acima mencionados do Direito Romano Clássico,

entretanto, com as limitações da atividade judicial segundo a regra iudex debet iudicare

secundum allegata et probata partium (o juiz deve julgar segundo o alegado e provado

pelas partes).

As Ordenações Filipinas seguiram as ideias do Direito Romano, porém

limitando os efeitos da regra negativa non sunt probanda, em razão de que as negativas

podem ser provadas quando determinadas quanto a tempo e lugar e, daí, possam

converter-se em afirmativas (Livro III, n. 25, 52 e 10).

No direito comparado, algumas legislações são omissas, como, por exemplo, o

Código de Processo Civil alemão e o austríaco. Os que tratam da matéria, em geral,

seguem a regra de quem afirma deve provar, ou seja, ao autor incumbe provar a

obrigação e ao réu o fato extintivo que alegar. Assim, se dá no direito canônico; o

Código Civil suíço, art. 8º; no art. 2.697 do Código Civil italiano; no direito português

no art. 342 do Código Civil e no art. 516 do Código de Processo Civil, dispondo este

que a dúvida sobre a realidade de um fato resolve-se contra a parte a quem o fato

aproveita. 8

No direito brasileiro, com a edição do Código Comercial, instauraram-se normas

para processamento das causas comerciais por meio do Regulamento 737, o qual não

contém disposições explícitas sobre o ônus da prova. Os códigos estaduais, no entanto,

de uma maneira geral, estabeleceram a competência a cada uma das partes para fornecer

6 Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2009, p. 181.

7 BUZAID, Alfredo. Do agravo de petição no sistema do código de processo civil. 2ª ed. São Paulo:

Saraiva, 1956, p. 21 8 GRECO FILHO, Vicente. op cit.,, p. 233.

19

os elementos de prova das alegações que fizer, a exemplo do Código de Processo Civil

Paulista, art. 262; Distrito Federal, art. 182, Pernambuco, art. 245, Bahia, art. 126; Rio

de Janeiro art. 1.226; Minas Gerais, art. 255; Santa Catarina, art. 686.

O Código de Processo Civil de 1939, na mesma linha, regulou a matéria nos arts.

209 e seguintes.

No direito positivo brasileiro vigente, a teoria de distribuição do ônus da prova

perdeu interesse prático, em razão de o Código de Processo Civil ter atribuído ao autor

o encargo de provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu os fatos modificativos,

impeditivos ou extintivos desse direito, conforme art. 373, I e II (repetindo disposição

do artigo 333 do Código de 1973).

No entanto, as disposições contidas no Código de Processo Civil podem ou não

afetar o Processo do Trabalho, dependendo da corrente seguida.

Há quem defenda que o texto original do art. 818 da CLT era muito enxuto e não

possuia a mesma amplitude do art. 373 do Código de Processo Civil, sendo este mais

explicativo, fazendo-se necessária a sua aplicação subsidiária.

Nesse sentido, afirma Valentin Carrion: “a regra de que o ônus pesa sobre quem

alega é incompleta, simplista em excesso. O empregado que afirme não ter faltado ao

serviço em certo dia terá de prová-lo? Se um outro alegar na petição inicial que celebrou

contrato com empresa e que esta foi representada no ato por preposto capaz e sem

coação, deverá provar as três circunstâncias? É obvio que não: 1. Ao autor cabe o ônus

da prova do fato constitutivo do seu direito; 2. Ao réu, o da existência do fato

impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (CPC, art. 333)”. 9

No mesmo sentido destacamos a visão de Carlos Zangrando: “[...] a única regra

sobre ônus da prova prevista na CLT segue justamente aquela vetusta orientação

individualista romana, determinando, pura e simplesmente, que o ônus da prova das

alegações cabe à parte que as fizer (CLT, art. 818). Essa regra não é adequada ao

9 Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 38ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p, 732.

20

Direito Processual moderno, devendo ser suplementada pelas modernas teorias e pela

muito melhor elaborada regra presente no art. 333 do Código de Processo Civil”. 10

A segunda, em extremo oposto, defende a não aplicação do CPC, por possuir a

CLT regra própria.

Nesse sentido defende Manoel Antonio Teixeira Filho que:

“[...] em virtude da disposição didática do art. 333 do CPC,

que ao intérprete trabalhista desavisado pode impressionar, erigiu-se,

no âmbito da Justiça do Trabalho, a praxe de adotar-se o mesmo

critério estampado naquele dispositivo para resolver o problema

relacionado à distribuição da carga da prova entre os litigantes,

fazendo-se, inclusive, sempre que for o caso, expressa invocação da

mencionada norma civil. Sem pretendermos ser deselegante,

acreditamos, com sinceridade, que tal atitude do intérprete

trabalhista revela um desses hábitos cuja quebra honraria mais do

que a observância – nas palavras do imortal Shakespeare (Hamlet.

São Paulo: Melhoramentos, sem data, trad. de Carlos Alberto Nunes,

p. 42-43). Justifiquemos-nos. A CLT, ao estatuir, no art. 818, que “A

prova das alegações incumbe à parte que as fizer”, demonstra, à

evidência plena, que possui dicção expressa e específica sobre a

matéria, desautorizando, desta maneira, que o intérprete – pretexto de

que o art. 769 do mesmo texto, permite – incursione pelos domínios

do processo civil com a finalidade de perfilhar, em caráter supletivo,

o critério consubstanciado no art. 333 e incs. Não seria equivocado

asseverar-se, portanto, que tais incursões são irrefletidas, pois não se

têm dado conta de que lhes falece o requesito essencial da omissão da

CLT. Com efeito, o art. 769, da CLT, longe de constituir permissivo

para a invocação subsidiária daquela norma processual civil, planta-

se como obstáculo intransponível para admissibilidade desse

procedimento ínvio. Nada obstante esse fato nos pareça incontestável,

10

Processo do Trabalho: processo de conhecimento. São Paulo: LTr, 2009. V. I, p. 735.

21

segue grassando, na prática, o costume sobre o qual estamos a lançar

censura”. 11

Pensamos, todavia, que a orientação legal do citado art. 818 da CLT é

insuficiente para solução de todas as controvérsias, mesmo porque se trata apenas de um

princípio da prova, conhecido desde o Direito Romano, segundo o qual o ônus da prova

incumbe a quem alega o fato.

Referida insuficiência fez com que o legislador ordinário, ao conceber as

alterações na CLT pela Lei nº 13.467, de 13/07/2017, modificasse significativamente a

redação do artigo 818, que passa a contar com dois incisos, os quais repetem a redação

do artigo 373 do CPC.

Importante, ainda, destacar que o texto original do art. 818 da CLT foi

concebido quando vigia o CPC de 1939, o qual não possuía regras objetivas para

atribuição do ônus da prova, o que só veio a ocorrer com o CPC de 1973.

Conclui-se, então, que prevaleceu a tese de omissão no texto consolidado,

fazendo-se necessária a aplicação subsidiária do art. 373 do CPC (que repete as

disposições do artigo 333 do CPC de 1973), até a vigência da alteração legislativa.

1.2 Conceituação de ônus da prova

Antes de adentrar particularmente na conceituação da expressão “ônus da

prova”, mostra-se necessário tecer algumas considerações acerca do que é prova, qual é

o seu objeto, quem é o destinatário.

Tem-se por prova todo elemento trazido ao processo para a formação do

convencimento do Juiz a respeito das alegações relativas aos fatos, cabendo a ele

estabelecer, ao decidir, quais são verdadeiras ou não, ou seja, quais formaram seu

convencimento.

Possui a prova duplo sentido: um subjetivo e outro objetivo, sendo o primeiro o

convencimento de alguém sobre determinada alegação ou fato e, o segundo, justamente

os elementos trazidos ao feito.

11

Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009, 2 v. p. 974.

22

A junção desses dois aspectos permite a compreensão do que seja, para o

processo, a prova.

A prova é a alma do processo de conhecimento. E só através das provas o Juiz

poderá reconstruir os fatos da causa e, com isso, produzir uma decisão que seja correta

para o caso deduzido. 12

A prova é o direito fundamental das partes, que emana do princípio do

contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/1988) e do decorrente direito que

essas possuem de influir no convencimento do Juiz. 13

Provar é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa, ou seja, a

prova tem por objeto (prova de determinado fato), uma finalidade (formação da

convicção de alguém) e um destinatário (aquele que deve ser convencido); e quem se

propõe a provar algo terá de lançar mão dos meios adequados para tanto. 14

Transpostas tais ideias para o âmbito da prova judiciária, tem-se que o seu objeto

são os fatos controvertidos da causa, sua finalidade é a formação da convicção do Juiz e

os seus meios são aqueles adequados à fixação, no processo, dos fatos provados.

Decorre daí, então, que a prova judiciária “é a soma dos fatos produtores da

convicção, apurados no processo”. 15

A prova visa a atestar um ou mais fatos, sendo o objeto da prova um fato

alegado, devendo, também, ser fatos pertinentes e relevantes para a solução da causa.

Vale ressaltar, que nem todos os fatos postos em discussão dependem de prova,

quer por inexistir controvérsia a seu respeito, quer por não se revestirem de qualquer

relevância.

De modo que o fato a ser provado tem que ser controvertido entre as partes, pois,

caso não o seja não será objeto da prova, passando a ser admitido como verdadeiro no

processo. 12

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 224. 13 ARRUDA ALVIM. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: RT, 2016, p. 241. 14

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 23ª ed. São Paulo: Saraiva. 2004. 2 v. p. 337. 15

Ibid p. 339

23

São objeto de prova os fatos controvertidos, ou melhor, as alegações sobre fatos,

ou seja, os fatos que foram alegados por uma parte e contestados pela contrária,

bastando que possam influenciar no convencimento do Juiz, excetuando aqueles

previstos no artigo 374 do CPC ou que a lei dispense determinada prova (notórios,

confessados, incontroversos, ou em favor dos quais milita presunção legal de existência

ou veracidade).

A prova tem como objeto demonstrar a veracidade de alegações sobre fatos que

sejam, controvertidos e relevantes. Veja-se, então, que o objeto da prova não é o fato,

mas a alegação.

Frise-se que as alegações sobre direito dispensam, em princípio, produção de

prova, com exceção do previsto no art. 376 do CPC (direito municipal, estadual,

estrangeiro ou consuetudinário, se assim o Juiz determinar).

Como já mencionado anteriormente, independem de prova, por seu turno, os

fatos notórios, os alegados por um das partes e confessados pela outra, os

incontroversos e aqueles em cujo favor milita a presunção de veracidade.

Notórios são os fatos de conhecimento de uma determinada comunidade ou

determinada região, num determinado lapso de tempo.

Como destaca Adalberto Martins: “o conhecimento notório não se confunde

com o conhecimento pessoal (aquele derivado de observação pessoal), e tampouco

coincide com o conhecimento absoluto, bastando o conhecimento relativo. Contudo,

não se permite ao Juiz julgar com base em fatos de que tenha ciência pessoal e que não

constam dos autos, excepcionando-se aqueles que Couture denomina “fatos evidentes”,

e que ressaltam da experiência pessoal do magistrado”. 16

Os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária são

admitidos como verdadeiros no processo, ainda que alegados pela parte com prejuízo de

seu próprio interesse (art. 389, do CPC); ocorrendo, assim, a confissão, o fato torna-se

incontroverso prescindindo de prova.

16

Manual didático de direito processual do trabalho. 6ª ed. São Paulo: Malheiros. 2014. p. 157.

24

Fatos incontroversos são aqueles que não mais admitem discussão, quer por

reconhecidos como verdadeiros pelas partes, quer por não haverem sido impugnados

por aquela em cujo desproveito atua (art. 344 e 345 do CPC).

Há, ainda, outros fatos que dispensam prova, a saber: os fatos inconcludentes e

irrelevantes para o processo; os fatos intuitivos, porque perceptíveis pela experiência

comum, ao Juiz e aos demais homens; os fatos indeterminados e absolutamente

negativos, entendidos estes últimos como negativas genéricas, sem contextualização no

tempo e no espaço. 17

Há uma celeuma na doutrina sobre quem é o destinatário da prova, se o Juiz ou o

processo.

Ao lecionar sobre a matéria, Cândido Rangel Dinamarco esclarece que o

destinatário da prova é o Juiz. “A natureza processual da prova é intimamente

associada à identificação do Juiz como seu destinatário. A produção da prova não é

prerrogativa inerente à estrutura dos direitos, mas ao exercício da jurisdição, da ação

e da defesa. A ideia do processo como combate, ou jogo (Calamandrei), é apenas uma

bela imagem e não deve distorcer a visão de que todos os atos das partes no processo

são invariavelmente dirigidos ao Juiz: só indiretamente o adversário lhes sentirá os

efeitos, a saber, quando o Juiz decide”. 18

O atual entendimento jurisprudencial é de que o Juiz deve ser considerado como

o único destinatário da prova no processo.

Entretanto, com o devido respeito, ousamos discordar, e pedimos vênia para

ponderar o seguinte: pelo princípio da aquisição processual ou da comunhão da prova,

uma vez produzida, a prova passa a fazer parte do processo, devendo o Juiz

fundamentar sua conclusão por qualquer prova dos autos, sendo irrelevante quem a

tenha produzido (art. 371, do CPC), até mesmo quando produzida por determinação

judicial.

Portanto, não é o Juiz exatamente o destinatário da prova, mas o processo.

17

ARRUDA ALVIM. Manual de direito processual civil 16. Ed.. São Paulo: RT, 2013, n. 195. p. 989, apud ARRUDA ALVIM. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: RT, 2016, p.243 18

Instituições de direito processual civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009, 3 v. p 46.

25

Nesse sentido se pronuncia Arruda Alvim:

“O direito probatório é também informado pelo princípio da

aquisição processual, ou princípio da comunhão da prova. Por este

princípio, deve o Juiz fundamentar a decisão na prova dos autos,

pouco importando quem tenha produzido (art. 371 do CPC/2015); a

prova pertence ao processo e será, pelo seu valor intrínseco,

sopesada pelo Juiz, independentemente de se ter originado da

atividade deste ou daquele litigante, ou mesmo de atividade oficiosa

do Juiz. É a partir dessa diretriz que podemos concluir que, embora

seja o convencimento do Juiz que defina a valoração da prova, não é

ele, o Juiz, o destinatário da prova, mas sim o próprio processo. A

prova não é feita para o Juiz; é produzida para o processo”. 19

Corroborando esse entendimento, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery

dizem:

“Destinatário da prova é o processo. O Juiz deve julgar

segundo o alegado no processo, vale dizer, o instrumento que reúne

elementos objetivos para que o Juiz possa julgar a causa. Portanto, a

parte faz a prova para que seja adquirida pelo processo. Feita a

prova, compete à parte convencer o Juiz da existência do fato e do

conteúdo da prova. Ainda que o magistrado esteja convencido da

existência de um fato, não pode dispensar a prova se o fato for

controvertido, não existirem nos autos prova do referido fato e, ainda,

a parte insistir na prova. Caso indeferida a prova. Nessa

circunstância, haverá cerceamento de defesa. No mesmo sentido:

Sentís. Prueba, p. 20”. 20

Segundo a lição de Cintra, Grinover e Dinamarco, “o processo também, como

complexa ligação jurídica entre os sujeitos que nele desenvolvem atividade, é em si

mesmo uma relação jurídica (relação jurídica processual, a qual, vista em seu

19

Ibid., p. 247/248 20

Comentários ao código de processo civil. Novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2015, p. 984/985.

26

conjunto, apresenta-se composta de inúmeras posições jurídicas ativas e passivas de

cada um de seus sujeitos: poderes, faculdades, deveres, sujeição, ônus”. 21

No processo civil a noção de ônus ganha especial relevância dentre tais posições

jurídicas.

Ocorre que, ao solucionar conflitos não criminais, isto é, aqueles não sujeitos a

sanções penais, o processo civil acaba por dividir o encargo entre os sujeitos da relação

processual (assim entendidos como o autor e o réu), passando-lhes a quase total

incumbência na realização de condutas para atingirem seus objetivos, ou seja, obtenção

de êxito na demanda, o que significaria procedência (autor), consubstanciada em uma

sentença que lhe reconheça determinado direito, concedendo-lhe o bem da vida

almejado.

Também a ele (autor) é dado o custo do insucesso, quer pela má formação

processual (que resultará no “encerramento” do processo sem resolver o mérito) ou,

pior, a improcedência, que equivale a atribuir o direito ao demandado, permanecendo o

réu com o bem da vida almejado pelo autor.

Tal divisão destaca os ônus processuais de cada parte, no entanto, como

mencionado por Carla Teresa Martins Romar, “o fato de não ter produzido a prova que

lhe incumbia, porém, não significa necessariamente um julgamento desfavorável à

parte, tendo em vista que a formação do convencimento do juiz é mais ampla e pode

decorrer das provas produzidas pela parte contrária e até mesmo daquelas produzidas

de ofício”. 22

A doutrina não é unânime sobre a definição de ônus da prova. Há quem entenda

que se trata de uma obrigação processual; outros defendem que é um encargo da parte

demonstrar os fatos que alega em juízo.

De acordo com De Placido e Silva, a palavra do latim ônus (carga, peso,

obrigação), na significação técnico-jurídica, entende-se como todo encargo, dever ou

21

Teoria geral do processo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 282/283. 22

Distribuição Dinâmica do ônus da Prova no Direito Processual do Trabalho. In: DIDIER JR. Fredie. (coord) Direito Probatório. 2ª ed. São Paulo: Juspodium. 2016, p. 1008.

27

obrigação que pesa sobre uma coisa ou uma pessoa, em virtude de estar obrigada a

respeitá-los ou a cumpri-los. 23

Ensina Cândido Rangel Dinamarco que ônus da prova “é o encargo, atribuído

pela lei a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio

interesse para decisões a serem proferidas no processo”. 24

Nas palavras de Guilherme de Souza Nucci, “ônus representa um encargo, uma

responsabilidade, uma incumbência. Possui um sentido negativo, valorando-se como

obrigação da qual não se pode subtrair, sob pena de sofrer as consequências

desfavoráveis ao próprio interesse. É exatamente nesse prisma que se deve captar o

ônus da prova”. 25

Ao discorrer sobre o tema, Mauro Schiavi diz que ônus da prova “é um dever

processual que incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito, e ao réu

quanto aos fatos modificativos, extintos e impeditivos do direito do autor, que, uma vez

não realizado, gera uma situação desfavorável à parte que detinha o ônus e favorável à

parte contrária, na obtenção da pretensão posta em juízo”. 26

Prevalece o entendimento entre os estudiosos do processo de que o conceito de

ônus relaciona-se mais com o exercício de uma faculdade do que com o cumprimento

de uma obrigação.

Como assevera Luiz Eduardo Boaventura Pacífico, “no ônus, o sujeito é livre

para dotar a conduta prescrita pela norma, não estando juridicamente vinculado ao seu

cumprimento em favor de outro, como ocorre na obrigação. O não exercício de um

ônus não configura ato ilícito e não é sancionado, enquanto a violação de uma

obrigação é ilícita e sancionada. A norma estatuidora de um ônus tutela interesse do

próprio onerado, ao passo que a norma portadora de uma obrigação tutela interesse do

titular do direito subjetivo correspondente, que pode exigir o seu cumprimento”. 27

23

Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense. 3 v. p. 282. 24

Ibid., p. 70. 25

NUCCI, Guilherme de Souza. Prova no processo penal. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2009, p. 22, apud SCHIAVI. Mauro. Provas no Processo do Trabalho. 4ª ed. São Paulo. LTr. 2014, p. 82. 26

Ibid.,. p. 83. 27

Ibid., p. 41.

28

Neste contexto, Gian Antonio Micheli, destaca que “há ônus na hipótese em que

determinado comportamento do sujeito seja necessário para alcançar determinado fim

jurídico, sendo, todavia, livre para agir como melhor lhe pareça, eventualmente, até

mesmo em sentido contrário ao previsto na norma. De seu lado, a obrigação

caracteriza-se pelo vínculo jurídico imposto à vontade do obrigado em favor de um

interesse alheio, vínculo cuja violação importa em ato ilícito, porque o desrespeito ao

comando não deixa ao obrigado liberdade de escolha”. 28

É importante ressaltar essa característica do ônus, que é a da liberdade, já que

nos dias de hoje parece estar havendo uma tentativa de desfigurar o ônus aproximando-

o do dever, o que é malquisto e tende a criar um tipo de processo civil autoritário que

não se coaduna com o devido processo legal.

Vale ressaltar que os dois principais ônus a serem desempenhados pelos sujeitos

parciais do processo civil são o ônus de afirmar e o ônus de provar.

Em relação ao “ônus de afirmar”, pode-se dizer que existe em decorrência de

que, em nosso sistema, há desconhecimento dos fatos pelo juiz, além da condição de

que, de forma geral, não lhe é atribuído o poder de iniciativa, não podendo iniciar o

processo sem manifestação das partes.

Assim, cabe ao interessado o encargo de iniciar o processo com o ajuizamento

da ação por meio de uma petição inicial, provocando o juiz. Nessa peça inicial devem

ser descritos os fatos ocorridos (ou que teme que venham a ocorrer), fatos que

constituem o seu direito e que, em seu sentir, são suficientes para que obtenha o bem da

vida pretendido.

De outro lado, atribui-se ao réu o encargo de invocar os fatos que entende lhe

sejam benéficos para desconstituir a pretensão do autor, fatos que impedem, modificam

ou extinguem o direito alegado.

Entretanto, não é suficiente alegar; há necessidade de provar os fatos alegados,

quer sejam constitutivos, extintivos, modificativos ou impeditivos.

28

MICHELI, Gian Antonio. L’onere della prova. 2ª ed. Padova: Cedam. 1966, p. 100-101, apud PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova. 2 ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2011,. p. 41.,

29

Chega-se, assim, ao ônus da prova.

O ônus da prova assume uma posição importante somente quando a instrução do

processo não possibilita um convencimento seguro das questões apresentadas, ou seja,

quando o julgador se depara com um non liquet.

O magistrado diante do dever de julgar a questão haverá de se valer da regra

legal da distribuição do ônus probatório entre as partes, quando constatar que o material

probatório não é suficiente para esclarecer os fatos, situação em que na ausência de

elementos sobre determinado ponto, desfavorecerá a parte que teria o ônus de prová-lo.

Não é um encargo imposto às partes: a legislação impõe certas consequências

em razão da ausência de provas, com resultados nocivos, cabendo ao interessado evitar

a sua ocorrência.

Carla Teresa Martins Romar analisando a questão em comento diz que “o ônus

da prova significa, portanto, esse encargo, que os diversos sistemas processuais

atribuem aos litigantes, de que os mesmos reproduzam nos autos os fatos tais como

aconteceram”. 29

Nesse aspecto, faz necessária a análise da questão sobre dois prismas: o objetivo

e o subjetivo.

Há quem diga que o ônus da prova seria uma regra de conduta direcionada às

partes, que indica quais os fatos a que cada um incumbe provar, conhecido também

como ônus subjetivo de acordo com Barbosa Moreira. Ocorre que é possível que as

provas produzidas sejam escassas para demonstrar o ocorrido.

Tem-se, conforme a redação original do artigo 818 da Consolidação das Leis do

Trabalho, que “o ônus de provas às alegações incumbe à parte que as fizer.” No

entanto, como tal artigo é considerado omisso pela doutrina majoritária, necessária se

fazia a utilização subsidiária do instituto do ônus da prova no processo comum, para que

se pudesse aferir os detalhes e peculiaridades do instituto do ônus da prova no processo

do trabalho.

29

Distribuição dinâmica da prova no direito processual do trabalho. In: DIDIER JR. Fredie. (coord.). Direito Probatório. 2ª ed. Salvador: Juspodium. 2016, p. 1007.

30

Nesse aspecto, cita Carla Teresa Martins Romar que “o art. 818 da CLT não

basta para definição das regras de ônus da prova no Processo do Trabalho, sendo

necessária, por força do ar. 769 da CLT, a utilização subsidiária do Direito Processual

Comum, abrangendo as regras de ônus da prova do Código de Processo Civil (CPC) e

do Código de Defesa do Consumidor (CDC)”. 30

O artigo 373 do atual Código de Processo Civil (com previsão semelhante ao seu

antecessor) atribui ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito. Já ao réu

há a incumbência de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do autor (defesa

indireta de mérito), divergindo a jurisprudência sobre o ônus de provar a inexistência do

fato (defesa direta do mérito).

Discorrendo sobre o tema, Alexandre Câmara destaca que:

“Este é texto normativo muito tradicional no direito

processual civil brasileiro, mas que é claramente insuficiente para

explicar todas as situações. É que de sua leitura ressalta a (falsa)

impressão de que em um processo só poderiam ser discutidos quatro

tipos de fato: constitutivo do direito, impeditivo do direito,

modificativo do direito e extintivo do direito. Assim não é, porém.

Evidentemente, esses quatro tipos de fato são os que mais

frequentemente aparecem nos processos. Sempre haverá a alegação

de um fato constitutivo do direito (isto é, de um fato do qual se origina

o direito), o qual constitui, aliás, a causa de pedir remota da demanda

do autor. Pode, também, ser alegado algum fato impeditivo (ou seja,

um fato contemporâneo ao fato constitutivo, mas que é suficiente para

impedir que o direito efetivamente se constitua, como seria a

incapacidade de um contratante, a impedir a constituição de direitos

resultantes do contrato por ele celebrado), modificativo (isto é, um

fato superveniente e que altere a substância do direito, como seria o

pagamento parcial de uma dívida que esteja sendo cobrada pelo

demandante) ou extintivo (fato superveniente à formação do direito e

que faz com que ele desapareça, como é o pagamento em relação ao

30

Ibid., p. 1008-1009

31

direito de crédito). Além desses quatros tipos, porém outros podem

ser alegados. Imagine-se, por exemplo, um processo no qual o autor

cobra do réu uma dívida resultante de um contrato (sendo o contrato

constitutivo do direito do autor). O réu, então, alega em sua defesa o

pagamento (fato extintivo do direito). Pode ocorrer, então, de o autor,

na réplica, afirmar que o pagamento foi inválido por ter sido feito a

mandatário sem poderes para recebê-lo (fato impeditivo da eficácia

extintiva do pagamento). Pois o texto do art. 373 não dá solução a

uma relevante questão: sobre quem incidirá o ônus da prova acerca

deste último fato alegado (o “fato impeditivo do fato extintivo”)? Daí

porque é multissecular a afirmação de que o ônus da prova incumbe a

quem alega (ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat)”. 31

Dessa forma, o ônus da prova recai a quem alega.

Entretanto, com a reforma trabalhista, a redação do art. 818 da CLT, passa a ser

idêntica à do CPC: “O ônus da prova incumbe: I - ao reclamante, quanto ao fato

constitutivo de seu direito; II - ao reclamado, quanto à existência de fato impeditivo,

modificativo ou extintivo do direito do reclamante.

No entanto, como já citado, há a possibilidade de que as provas produzidas não

sejam suficientes para a demonstração dos fatos ocorridos.

Entretanto, mesmo sem prova, impõe-se ao magistrado o dever de julgar, uma

vez que é vedado o non liquet.

Segundo Barbosa Moreira, o ônus da prova objetivo é uma norma de julgamento

que o magistrado deve observar quando do julgamento, acaso não encontre a prova dos

fatos, que demonstre a qual das partes pesava o encargo de provar determinado fato e

não o fez, suportando uma decisão desfavorável.

Explicando as duas espécies de ônus, Barbosa Moreira destaca: “O desejo de

obter a vitória cria para o litigante a necessidade, antes de mais nada, de pesar os

meios de que se poderá valer no trabalho de persuasão, e de esforçar-se, depois, para

31

Ibid., p. 232-233.

32

que tais meios sejam efetivamente utilizados na instrução da causa. Fala-se, ao

propósito, de ônus da prova, num primeiro sentido (ônus subjetivo ou formal)”. 32

E segue comentando o ônus objetivo: “A circunstância de que, ainda assim, o

litígio deva ser decidido torna imperioso que alguma das partes suporte o risco

inerente ao mau êxito da prova. Cuida então a lei, em geral, de proceder a uma

distribuição de riscos: traça critérios destinados a indicar, conforme o caso, qual dos

litigantes terá de suportá-los, arcando com as consequências desfavoráveis de não se

haver provado o fato que lhe aproveitava. Aqui também se alude ao ônus da prova, mas

num segundo sentido (ônus objetivo ou material)”. 33

Assim, tem-se por ônus subjetivo a regra de conduta para as partes,

questionando qual terá a incumbência de provar determinado fato e, em consequência,

arcar com o risco, em não sendo possível tal prova. Referida vertente ocorre no âmbito

privado e impõe uma sanção de não produção à parte.

Em outro sentido, o ônus objetivo é regra de julgamento a ser aplicada pelo

magistrado em caso de insuficiência nas provas produzidas.

Referido ônus é atributo da função jurisdicional, tratando-se de uma necessidade

do próprio ordenamento, pelo qual não se aceita o já citado non liquet, ou seja, ao juiz

não se admite o “não julgar”, mesmo que não haja provas suficientes ou não se sinta

plenamente convencido. A ele se atribui o dever de julgar de acordo com o que foi

provado nos autos, estipulando as conseqüências para cada parte quando ausentes ou

insuficientes as provas dos fatos alegados.

É possível, assim, dizer-se que a finalidade de referida função é estabelecer o

efeito do não cumprimento do ônus subjetivo pela parte.

Não obstante, parte significativa da doutrina defende entendimento contrário.

Juristas como Manoel Antonio Teixeira Filho,34 por exemplo, não admite o ônus “para o

juiz”, já que há critérios de avaliação utilizados pelo julgador ao decidir determinada

32

MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Julgamento e ônus da prova” Temas de Direito Processual Civil – segunda série. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 74-75 In: DIDIER JR, Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA. Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 10ª ed. Bahia: Jus Podium. 2 v. 2015. p. 107 33

Ibid,. p. 108. 34

Ibid,. p. 972-973.

33

demanda, critérios que são livremente considerados na apreciação das provas, uma vez

que em nosso sistema jurídico adota-se o critério da “persuasão racional ou do livre

convencimento motivado”, tornando-se inaceitável que se diga que há ônus ao juiz.

Apesar de o atual artigo 371 do CPC haver excluído a expressão “o juiz

apreciará livremente a prova”, permanece o entendimento de que ainda persiste “o livre

convencimento motivado”, conforme destacado por Nelson Nery e Rosa Maria de

Andrade Nery: “o juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve

decidir de acordo com o seu convencimento”. 35

Seguem, ainda, defendendo que, em relação à não produção de prova pela parte

a quem incumbe o ônus, esse descumprimento não é relevante, já que não geraria

nenhum efeito, à medida que não importa ao julgador quem produziu a prova; uma vez

produzida, passa a pertencer ao processo, devendo ser analisada segundo seu valor

intrínseco.

Assim, tem-se por ônus uma faculdade da parte, a qual poderá ou não cumpri-la,

sendo que o descumprimento gera consequências tão somente a ela própria, como, por

exemplo, formar a convicção do juiz de forma prejudicial ao seu interesse. Não se

trataria, assim, de sanção judicial.

Portanto, o que se entende por distinção ou distribuição de ônus é atribuir a cada

parte o que a ela compete fazer no processo, podendo o juiz julgar de acordo com seu

convencimento, desde que motivado, podendo determinar a produção de prova que

entende necessária quando aquelas produzidas foram insuficientes ou ausentes. Só não

poderá jamais deixar de julgar por falta ou insuficiência de provas.

Sob esse aspecto é que se discorre sobre o “ônus objetivo”, ou seja, o juiz não se

abstém de julgar ante a inexistência ou insuficiência de provas. Já o ônus das partes, isto

é, o “ônus subjetivo”, consiste no encargo da produção da prova de suas alegações,

provas que têm como meta formar o convencimento do julgador e, caso não cumpram

com tal encargo, ou o cumpram de forma incompleta, as partes poderão vir a ser

prejudicadas na decisão, por falta de respaldo probatório a suas alegações.

35

Ibid,. p. 992

34

Assim, a sentença desfavorável à parte (improcedência para o autor ou

procedência para o réu) é a verdadeira penalidade à parte para a não produção da prova.

35

2. O tratamento do ônus da prova no ordenamento jurídico pátrio

2.1 Código de Processo Civil de 1973

As regras gerais básicas sobre o ônus da prova encontravam-se no artigo 333 do

Código de Processo Civil. O referido artigo adotava a teoria de Carnelutti que, de

acordo com o entendimento de Moacyr Amaral Santos, estava firmada no princípio de

que “quem propõe uma pretensão em julgamento, deve provar os fatos que a

sustentem; e quem opõe por sua parte uma exceção, deve provar os fatos de que

resulta; em outras palavras: quem pretende, deve provar o fato ou fatos constitutivos, e

quem excepciona, o fato ou fatos extintivos ou as condições modificativas”. 36

Assim, ônus da prova incumbia ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu

direito e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do

direito do autor.

Entretanto, devemos ter bem definido o que são fatos constitutivos, impeditivos,

modificativos ou extintivos.

Vicente Greco Filho, lecionando sobre a questão, diz:

“são fatos constitutivos aqueles que, se provados, levam à

consequência jurídica pretendida pelo autor. A relevância ou não de

determinado fato para a produção de certo efeito jurídico é dada pelo

direito material, porque nele estão definidas as relações jurídicas e os

respectivos fatos geradores de direito subjetivos. O autor, na inicial,

afirma certos fatos porque deles pretende determinada consequência

de direito; esses são fatos constitutivos que lhe incumbe provar sob

pena de perder a demanda. A dúvida ou insuficiência de prova quanto

a fato constitutivo milita contra o autor. O juiz julgará o pedido

improcedente se o autor não provar suficientemente o fato

constitutivo de seu direito”. 37

Discorrendo sobre fatos constitutivos, Giuseppe Chiovenda afirma que são

aqueles que dão vida a uma vontade concreta da lei e à expectativa de um bem por parte

36

Primeiras linhas de direito processual. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 2, p. 356. 37

Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva. 1993. v. 2, p. 185.

36

de alguém, e exemplifica fazendo referência ao empréstimo, ao testamento, ao ato ilícito

e ao matrimônio. 38

Portanto, fato constitutivo é aquele que pode constituir um direito, cuja

existência ou realidade é reconhecida ou provada. É o fato jurídico, cujos efeitos não

possam ser obstados, sem que de maior direito ou de maior força seja oposto, tal como a

prescrição, ou outro fato extintivo dele ou impeditivo.

Mais adiante, Vicente Greco Filho afirma que:

“Ao réu incumbe a prova da existência de fato impeditivo,

modificativo ou extintivo do direito do autor, ou seja, o fato que a

despeito da existência do fato constitutivo, tem, no plano do direito

material, o poder de impedir, modificar ou extinguir o direito do

autor – são desse tipo as chamadas exceções materiais, como, por

exemplo, a exceptio non adimplenti contractus. Se o réu não provar

suficientemente o fato extintivo, modificativo ou impeditivo, perde a

demanda. Não existe, no processo civil, o princípio geral do in dúbio

pro reo. No processo civil, in dubio, perde a demanda quem deveria

provar e não conseguiu”. 39

Dessa maneira, o réu pode deduzir três tipos de fatos novos: extintivos,

impeditivos ou modificativos do direito afirmado. E a prova de todos esses fatos novos,

que, de alguma forma, abalam o direito afirmado pelo autor, é encargo do réu.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart entendem que fatos extintivos

são aqueles que “fazem cessar uma vontade concreta de lei e consequentemente

expectativa de um bem (v.g., pagamento)”. 40

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira definem

como fato extintivo “aquele que retira a eficácia do fato constitutivo, fulminando o

direito do autor e a pretensão de vê-lo satisfeito”. 41

38

Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1965, v. 1, p. 7. apud MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova e Convicção de acordo com o CPC de 2015. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 204. 39

Ibid., p. 185 40

Ibid., p. 204.

37

Desse modo, o fato extintivo é aquele capaz de gerar a extinção da relação

jurídica, aquele que tem força de dirimir ou extinguir direito. Em matéria processual, o

fato extintivo constitui matéria de defesa, que pode ser alegada por quaisquer dos

litigantes, para anular a eficácia do fato constitutivo ou do direito pretendido pelo

adversário.

Por sua vez, o fato impeditivo é aquele capaz de impedir ou sustar o exercício de

um direito. Não faz perecer o direito, porque assim seria extintivo. Mas, apenas impede

os efeitos que se quer tirar de outros atos, praticados com apoio em direitos próprios.

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira definem

como fato impeditivo “aquele cuja existência obsta que o fato constitutivo produza

efeitos e o direito, dali, nasça – tal como a incapacidade, o erro, o desequilíbrio

contratual”. 42

Giuseppe Chiovenda,43 afirma que para o nascimento de um direito é necessária

a presença de: a) causas eficientes, que são circunstâncias que tem por função específica

dar nascimento ao direito – compõem o próprio fato constitutivo do direito; e b) causas

concorrentes, que são circunstâncias que devem concorrer para que o fato constitutivo

(causa eficiente) produza seu efeito regular (dar nascimento ao direito) e cuja ausência

obsta sua produção – isto é, são fatos impeditivos do direito.

Por fato modificativo Daniel Amorim Assumpção Neves entende que “é aquele

que altera apenas parcialmente o fato constitutivo, podendo ser tal alteração subjetiva,

ou seja, referente aos sujeitos da relação jurídica (como ocorre, por exemplo, na

cessão de crédito), ou objetiva, ou seja, referente ao conteúdo da relação jurídica como

ocorre, por exemplo, na compensação parcial”. 44

Assim, o fato modificativo é aquele que, sem excluir ou impedir a relação

jurídica, à qual é posterior, busca, tão somente, alterá-la.

41

Ibid.,, 2015, 112 42

Ibid, p. 112. 43

Instituições de direito processual civil. vol. 1 apud DIDIER JR, Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA. Rafael. Curso de direito processual Civil. 2ª ed. Bahia: Jus Podium. 2016, v. 2, p. 112-113. 44

Manual de direito processual civil. 8ª ed. Salvador: Juspodium, 2016, p. 1226.

38

Sob tal perspectiva surgiu a máxima segundo a qual o ônus da prova incumbe a

quem alega. Dito de outro modo, se no momento de proferir a decisão de mérito o juiz

verificasse que alguma alegação não estava suficientemente provada, deveria proferir

decisão contrária a quem a tenha feito.

Nota-se, assim, que o Código de Processo Civil de 1973 não previa,

necessariamente, a obrigação na produção da prova, limitando-se a indicar a quem

caberia o encargo de comprovar os fatos alegados, indicação que surgia de acordo com

a natureza de tais fatos e, também, em relação à posição em que a parte ocupa no

processo, questão que se coaduna com a teoria clássica sobre o tema, ou seja, não

atribuía uma punição à parte inerte, tampouco um prejuízo irremediável ao direito

alegado. As partes tão somente assumiam o risco de não produzir prova do direito

alegado (melhor dizendo, do aspecto fático em que tal direito se funda) e,

consequentemente, lograr uma decisão que lhe fosse favorável.

Na verdade, a própria razão de ser da regra de distribuição do ônus da prova era,

além de uma razão de oportunidade e de experiência, a ideia de equidade resultante da

consideração de que, litigando as partes e devendo conceder-lhes a palavra igualmente

para o ataque e a defesa, é justo não impor só a uma o ônus da prova. 45

A partir de tais conceitos, havia no código revogado regras que se mostravam

suficientes para solucionar a maior parte dos casos, porém havia aqueles para os quais

tais conceitos não se mostravam adequados como, por exemplo, situações mais

complexas, em que há desdobramento de fatos.

A título de exemplo, o código não trazia solução para a alegação de “fato

impeditivo do fato extintivo”.

Alexandre Freitas Câmara discorrendo sobre a questão apontava que:

“Evidentemente, esses quatro tipos de fato são os que mais

frequentemente aparecem nos processos. Sempre haverá a alegação

de um fato constitutivo do direito (isto é, de um fato do qual se origina

o direito), o qual constitui, alias a causa de pedir remota da demanda

45

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros. 2003, p. 351-352.

39

do autor. Pode, também, se alegado algum fato impeditivo (ou seja,

um fato contemporâneo ao fato constitutivo, mas que é suficiente para

impedir que o direito efetivamente se constitua, como seria a

incapacidade de um contratante, a impedir a constituição de direitos

resultantes do contrato por ele celebrado), modificativo (isto é, um

fato superveniente e que altere a substância do direito, como seria o

pagamento parcial de uma dívida que esteja sendo cobrada pelo

demandante) ou extintivo (fato superveniente à formação do direito e

que faz com que ele desapareça, como é o pagamento em relação ao

direito de crédito). Além desses quatro tipos de fatos, porém, outros

podem ser alegados. Imagine-se, por exemplo, um processo no qual o

autor cobra do réu uma dívida resultante de um contrato (sendo o

contrato o fato constitutivo do direito do autor). O réu, então, alega

em sua defesa o pagamento (fato extintivo do direito). Pode ocorrer,

então, de o autor, na réplica, afirmar que o pagamento foi feito a

mandatário sem poderes para recebê-lo (fato impeditivo da eficácia

extintiva do pagamento). Pois o texto do art. 373 não dá solução a

uma relevante questão: sobre quem incidiria o ônus da prova acerca

deste último fato alegado (o “fato impeditivo do fato extintivo”). Daí

por que é multissecular a afirmação de que o ônus da prova incumbe

a quem alega...” 46

Outro aspecto relevante refere-se ao concurso do referido artigo 333 com o

artigo 130 do CPC/1973 (esse último previa que o juiz poderia, “de ofício ou a

requerimento das partes, determinar as provas necessárias à instrução do processo,

indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”), já que a doutrina

costumava referir-se a ambos de forma conjunta, a fim de admitir a intervenção do juiz

somente se em conformidade com as regras de distribuição, não sendo fundamento para

que o juiz substituísse a parte, suprindo sua lacuna na produção da prova que lhe

competia, de tal forma que referidas regras se constituíam em clara limitação aos

poderes do juiz. 47 Em outras palavras, se o conjunto probatório produzido por uma das

partes for insuficiente ou inválido, ao juiz não seria permitido atuar de ofício a fim de 46

O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2016, p. 233. 47

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 128/129.

40

suprir a lacuna da parte, sob pena de violação do seu dever de imparcialidade,

entendimento que tinha, também, como fulcro, o artigo 125, I do CPC/1973 (“O juiz

dirigirá o processo conforme as disposições deste Código”, o chamado “princípio

dispositivo”).

No que tange a citados limites do juiz na produção de provas, há críticas como a

de José Roberto dos Santos Bedaque, segundo o qual “à luz das premissas que

informam a visão instrumentalista e publicista do fenômeno processual, não parece

correta tal conclusão. As normas processuais devem ser interpretadas em conformidade

com a finalidade do processual, qual seja a efetivação de direito substancial e a

pacificação social. Não se pode ver, na iniciativa instrutória do juiz, uma atividade

substitutiva de qualquer das partes, em detrimento da outra”. 48

Mostraram-se, assim, insuficientes as disposições do CPC de 1973 para uma

considerável gama de situações, como nas questões envolvendo matéria ambiental, ou

nas relações em que há clara desigualdade entre as partes, o que fez com que o

legislador introduzisse inovações sobre a distribuição do ônus da prova, com o advento

do Código de Defesa do Consumidor, trazendo ao direito positivo flexibilização no que

diz respeito a atribuição de tal ônus.

2.2 Código de Defesa do Consumidor

Antes de estudarmos o referido diploma, cabe uma pequena digressão relativa a

terminologia utilizada.

A grande maioria dos doutrinadores, e até a própria jurisprudência e o Código de

Defesa do Consumidor, utiliza a expressão “inversão do ônus da prova” para o caso em

que se atribui tal ônus de forma diversa do previsto ordinariamente.

Entretanto, o entendimento mais atual defende a utilização da terminologia

acolhida pelo legislador do vigente CPC, ou seja, “distribuição do ônus da prova”, como

descrito nos artigos 357 III, 373, par. 3º, ambos do CPC ou “atribuição”, como descrito

no artigo 373, par. 1º, do CPC, também repetida no art. 818, par. 1º, da CLT, com a

redação dada pela Lei 13467/2017.

48

Ibid,. p. 129.

41

A preferência por referida terminologia se dá por não se tratar propriamente de

inversão, mas de presunção em desfavor de uma das partes, quando presentes

determinadas circunstâncias, como ocorre, por exemplo, na falta de apresentação de

controle de jornada por parte do empregador, fazendo presumir verdadeira a jornada

alegada pelo empregado (Súmula 88 do TST).

Verifica-se, assim, que o ônus do fato constitutivo continua com a parte autora,

havendo uma presunção que lhe é favorável.

No entanto, como a terminologia mais utilizada ainda é “inversão”, manteremos

neste trabalho tal terminologia.

O artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)

prevê a facilitação na defesa dos direitos do consumidor, inclusive com a inversão do

ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a

alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras de experiência.

A norma em foco não só prevê a facilitação da defesa como também a inversão

do ônus da prova.

No entanto, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor constitui

faculdade conferida ao Juiz e não direito subjetivo do interessado.

Como visto anteriormente, a regra geral de divisão de ônus da prova estabelece

que compete ao autor-reclamante fazer prova do fato constitutivo de seu direito,

enquanto ao réu-reclamado da existência de fato extintivo, modificativo ou impeditivo

ao direito invocado pelo autor (arts. 373 do CPC/2015 e 818 da CLT).

A legislação consumerista facultou ao magistrado inverter o ônus da prova,

contrariando a regra processual civil, dispensando uma das partes conforme a hipótese

da prova de determinados fatos, impondo à parte contrária, em querendo, o dever de

impugná-los.

A inversão do onus probandi ocorre sempre que se verifique a verossimilhança

nas alegações sustentadas pelo consumidor ou sua hipossuficiência, de acordo com os

critérios ordinários de experiência.

42

Frise-se, que as hipóteses acima mencionadas não são cumulativas: sendo

verossímeis as alegações ou hipossuficiente o consumidor, o princípio em análise

poderá ser aplicado.

O vocábulo verossímil é indeterminado; no entanto, isso não impede que da

análise do caso concreto se possa aferir verossimilhança.

Verossimilhança nas alegações existe quando há, desde logo, elementos que

demonstrem a existência do direito sustentado pela parte, de forma que se o processo

fosse julgado naquela oportunidade, certamente o pleito seria acolhido.

O hipossuficiente é aquele que, ao menos na teoria, não reúne condições

adequadas de litigar em igualdade dentro de uma relação jurídico-processual.

A hipossuficiência, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do

Consumidor, deverá ser vista no caso concreto pelo magistrado que, segundo os

critérios comuns de experiência, verificará a existência do necessário equilíbrio entre as

partes da relação processual. Entendendo-o inexistente, surgirá a possibilidade de

inversão do ônus da prova, com base no requisito em estudo.

O Código de Defesa do Consumidor trouxe ao ordenamento jurídico pátrio

importantes avanços, principalmente no que diz respeito ao acesso à Justiça, mediante a

facilitação da prova ao hipossuficiente, cuja aplicação ao Processo do Trabalho carece

de maior reflexão, sobretudo à vista de sua manifesta compatibilidade com o sistema

laboral.

Não havia no texto original da Consolidação das Leis Trabalhistas, previsão de

inversão do ônus da prova. Como examinado anteriormente, o único artigo que tratava

sobre o ônus da prova era o art. 818 da CLT.

A despeito de a CLT não conter regra de inversão do ônus da prova em seu texto

original, o CDC era considerado perfeitamente pertinente no processo trabalhista, em

razão de que, em muitos casos, o empregado encontra-se em estado de hipossuficiência,

que o impede de produzir provas que comprovem as alegações apresentadas em juízo

ou, ainda, a produção provas é muito onerosa, o que acarretaria, em razão desses

fatores, a inviabilização da efetividade do próprio direito pleiteado.

43

Em vista disso, o legislador ordinário, por meio da Lei nº 13.467/2017, não só

modificou o art. 818 da CLT, repetindo o artigo 373 do CPC no que diz respeito à regra

geral de atribuição do ônus da causa, como também repetiu as previsões no que tange à

inversão, adaptando-a ao processo do trabalho.

Assim, passa o art. 818 da CLT a contar, além dos incisos já citados, com os

seguintes parágrafos: § 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da

causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo

nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário,

poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão

fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do

ônus que lhe foi atribuído. § 2o A decisão referida no § 1o deste artigo deverá ser

proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o

adiamento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito

admitido. § 3o A decisão referida no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a

desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

Importante notar que o legislador não repetiu a regra do parágrafo 3º do artigo 373

do CPC, o qual permite a convenção sobre a distribuição do ônus da prova, justamente

em razão da própria desigualdade que existe entre as partes no processo do trabalho, que

muito se aproxima do processo nas relações de consumo.

Defende, também, a doutrina a manutenção da aplicação subsidiária do CDC, a

despeito da alteração legislativa, sob o argumento de que poderá o julgador inverter o

ônus nos casos de verossimilhança da alegação ou de hipossuficiência do trabalhador,

segundo as normas ordinárias de experiência. 49

Dessa forma, a regra de inversão do onus probandi presente no Código de

Proteção do Consumidor, mantém-se perfeitamente aplicável no processo trabalhista,

também, pelos princípios que norteiam o processo trabalhista (arts. 8, parágrafo único e

769, da CLT), em especial o princípio de acesso à justiça pelo trabalhador.

49

HIRATA, Carolina Marzola. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: Comentários à parte processual do PL nº 6.787/2017 (Câmara dos Deputados – PL/2017 (Senado Federal). São Paulo: Revitsa LTr. 81-06/658-671.

44

Entretanto, ao comentar sobre o tema, José Cláudio Monteiro de Brito Filho

manifestou-se sobre a impossibilidade da aplicação do artigo 6º, VIII, do Código de

Defesa do Consumidor ao processo trabalhista: “A norma prescrita no Código de

Proteção do Consumidor, todavia, não pode ser aplicada diretamente no processo

trabalhista, por duas razões básicas. Em primeiro lugar, o art. 6º, VIII, em comento, é

claro ao referir sua aplicação no processo civil; segundo, porque não há omissão na

legislação processual do trabalho que permita a utilização da norma alienígena”. 50

No mesmo diapasão, sustenta Marcelo Moura que:

“Não obstante o processo do trabalho também trate de tentar

diminuir as desigualdades processuais entre os litigantes, não vejo

lugar para aplicação de regra especial que cuida de relações de

consumo, como a do art. 6º, VIII, do CDC. A solução mais

consentânea com a realidade trabalhista foi a proposta, a nosso ver,

por Cleber Lúcio de Almeida, Direito Processual, 2009, p. 583-584. O

autor defende que o Juiz do Trabalho deve estabelecer presunções

favoráveis ao empregado, fundadas nos princípios do direito do

trabalho, na exigência de pré-constituição da prova e em regras de

experiência; além disso, deve o juiz conceder especial valor a prova

favorável ao trabalhador, que se sustenta no princípio de que basta a

prova do início do fato que gera seu direito para que o juiz entenda

superado o encargo probatório”. 51

Corrente contrária, todavia, defende a possibilidade da aplicação da inversão do

onus probandi no processo do trabalho, em face de similitude de situações processuais

em que se encontram o consumidor e o trabalhador. Veja-se a inestimável análise de

Carlos Henrique Bezerra Leite ao tratar sobre tema:

“O CDC consagra expressamente o princípio da inversão do ônus da

prova, como se infere do seu art. 6º, VIII, in verbis: O art. 6º - São

direitos básicos do consumidor: VIII – a facilitação da defesa de seus

direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, ao seu favor, no

50

Discriminação no trabalho. São Paulo: LTr. 2002, p. 95. 51

Consolidação das Leis do Trabalho para concursos. 6ª ed. Salvador: Jus Podivm. 2016, p. 919.

45

processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou

quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de

experiência. Ora, é exatamente o requisito da hipossuficiência

(geralmente econômica) do empregado perante seu empregador que

autoriza o juiz do trabalho a adotar a inversão do onus probandi.

Atualmente, parece-nos não haver mais dúvida sobre o cabimento da

inversão do ônus da prova nos domínios do direito processual do

trabalho, não apenas pela aplicação analógica do art. 6º, VIII, do

CDC, mas também pela autorização contida no art. 852-D da CLT...

Poder-se-ia dizer que tal regra é específica do procedimento

sumaríssimo. Todavia, entendemos que, em matéria de prova, não é o

procedimento que vai impedir o juiz de dirigir o processo em busca da

verdade real, levando em conta as dificuldades naturais que

geralmente o empregado-reclamante enfrenta nas lides trabalhistas”. 52

Como se pode concluir, tal discussão manter-se-á mesmo com a atual redação do

artigo 818 da CLT.

2.3 Código de Processo Civil de 2015

Segundo a teoria do ônus da prova prescrita por Giuseppe Chiovenda e acolhida

pelo legislador de 1973 no art. 333 do Código de Processo Civil revogado, competia ao

autor a prova dos fatos constitutivos do direito que alega ser detentor, e ao réu a prova

dos alegados fatos impeditivos, modificativos, extintivos ou quaisquer outros que

barrassem o direito alegado pelo autor, sob pena de vir a sofrer as consequências por

não o fazer.

Configurava-se em uma regra de distribuição estática do ônus da prova, com as

partes já tendo conhecimento de forma antecipada sobre quais fatos deveriam provar no

processo, tendo por pressuposto a existência de igualdade de condições de produção de

provas pelas partes. Assim, passavam a ser oneradas de maneira equilibrada, no aspecto

formal, sem que houvesse qualquer forma de compensar eventual desequilíbrio

substancial entre elas. 52

Curso de direito processual do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr. 2011, p. 600.

46

Não obstante sua inegável serventia, referida teoria não poderia ser considerada

adequada a todo e qualquer caso, por consistir em forma extremamente rígida, podendo

gerar injustiça na prestação da tutela jurisdicional.

A partir desse desequilíbrio, que foi notado nos casos em que as partes não

possuíam as mesmas condições fáticas na produção da prova, concebeu-se a

possibilidade de inverter tal ônus, inicialmente, no sistema pátrio, com o advento do

Código de Defesa do Consumidor prevê, em seu art. 6º, VIII, trazendo referida inversão

como direito básico do consumidor. Entretanto, dada a sua aplicação específica às

relações entre consumidor e fornecedor, tal previsão não foi suficiente, fazendo surgir,

na prática, um imenso empenho jurisprudencial para aplicar de forma extensiva a

distribuição de carga probatória em outros sistemas, notadamente o ambiental e o do

trabalho.

Entre as novidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, no campo

das provas cíveis, destaca-se a criação da carga dinâmica da prova, que, muito embora

já fosse reconhecida em diversas decisões judiciais, está agora regulamentada.

O advento do atual CPC, instituído pela Lei nº 13.105 e publicado no dia 16 de

março de 2015, traz em seu art. 373, § 1º, a técnica da distribuição dinâmica do ônus da

prova ou “la doctrina de las cargas probatorias dinámicas” idealizada por Jorge W

Peyrano.

Sustenta o doutrinador a necessidade de definição casuística e pontual de qual

parte será onerada, segundo as condições de produzir a prova de cada uma delas e

também pela proximidade da prova.

Roland Arazi, que também já proferiu entendimento acerca do tema da prova,

destaca que “ante la falta de prueba, es importante que el juez valore las circunstancias

particulares de cada caso, apreciando quien se encontraba en mejores condiciones

para acreditar el hecho controvertido, así como las razones por las cuales quien tenía

la carga de la prueba no la produjo, a fin de dar primacía a la verdad jurídica objetiva,

47

de modo que su esclarecimiento no se vea preturbado por um excesivo rigor formal, en

palabras de la Corte Suprema de Justicia de la Nación”. 53

Tal teoria ecoa no CPC, principalmente em três dispositivos:

a) No art. 357, inc. III, que trata do saneamento e organização do processo; 54

b) Nos parágrafos do art. 373, em especial em seus dois primeiros, que se

referem de forma direta à distribuição dinâmica do ônus da prova; e 55

c) No inc. XI do art. 1.015 que trata do cabimento do recurso de agravo de

instrumento. 56

Todavia, é por meio dos §§ 1º e 2º do art. 373, que a chamada teoria dinâmica do

ônus da prova veio a ser introduzida de forma geral ao ordenamento pátrio.

Cabe destacar que, apesar de ser prevista em poucos dispositivos legais, a

modificação sobre o conceito de inversão do ônus da prova, reveste-se de importância

prática e teórica, representando significativa e substancial alteração, como exposto a

seguir.

53

La carga probatória. Disponível em: http://www.apdp.com.ar/archivo/teoprueba.htm. acessado em: 24 abr.2017). 54Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; [...] 55 Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de

saneamento e de organização do processo: I - resolver as questões processuais pendentes, se houver; II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373; [...] Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. § 1

o Nos casos

previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído. § 2

o A decisão prevista no § 1

o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência

do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil. § 3o A distribuição diversa do ônus da

prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4

o A convenção de que

trata o § 3o pode ser celebrada antes ou durante o processo.

56 Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: [...] XI

- redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o; [...]

48

O Código de Processo Civil traz três requisitos a serem observados pelo juiz ao

atribuir o ônus da prova de modo diverso daquele já especificado na norma geral,

requisitos que podem ser definidos como positivos e negativos.

Nesse diapasão, os requisitos positivos de aplicabilidade da teoria dinâmica do

ônus da prova, inserido no § 1º do art. 373, seriam:

a) Impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo rígido da

distribuição do ônus probatório, o qual está disciplinado nos incs. I e II do

referido artigo; e

b) Maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário.

Já o requisito negativo vem previsto no § 2º do art. 373, o qual veda a chamada

prova diabólica reversa, isso é, a dinamização do ônus da prova não pode vir a causar a

desincumbência desse “encargo”, tornando impossível ou excessivamente difícil a

produção da prova pela parte agora onerada.

No que diz respeito à previsão da adoção da teoria da dinâmica do ônus da prova

por consenso das partes, a lei estabelece fatores legais impeditivos, i.e., situações em

que não se há de falar em inversão do ônus por liberalidade das partes:

a) Quando o fato a ser provado consistir em direito indisponível; e

b) Quando o acordo tornar excessivamente difícil o exercício do direito de

provar da respectiva parte (§ 3º, incs. I e II, do art. 373).

Destaca-se que tal convenção das partes pode ocorrer antes ou durante o trâmite

processual.

A chamada doutrina das cargas probatórias dinâmicas pode e deve ser utilizada

pelos tribunais em determinadas situações nas quais não funcionem adequada e

valiosamente as previsões legais que repartem os encargos probatórios. Ela importa em

um deslocamento do onus probandi, segundo forem as circunstâncias do caso, podendo

aquele recair, por exemplo, na cabeça de quem está em melhores condições técnicas,

49

profissionais ou fáticas para produzi-las, para além do seu posicionamento como autor

ou réu, ou de se tratar de fator constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos.57

Destaca-se que a regra geral da distribuição estática, que serve a maior parte dos

casos do direito comum, vem mantida no caput do art. 373, com a mesma previsão que

já havia no CPC de 1973. Entretanto, como regra exceptiva, concebeu o legislador, no

parágrafo 1º do mesmo artigo, a distribuição da carga probatória de forma distinta,

prevendo que, para tal distribuição diversa, há que se observar se as peculiaridades do

caso concreto revelam que a solução extraordinária do citado parágrafo se mostra mais

adequada para a situação discutida no processo do que aquela prevista no caput.

Referida norma se torna um instrumento de suma importância para aplicar a

justiça ao caso concreto, preservando direitos fundamentais protegidos

constitucionalmente, além de estabelecer mecanismos de proteção ao direito de defesa

do onerado, outro direito fundamental também agasalhado pela Constituição.

Inicialmente, há a necessidade de fundamentação na decisão, previsão que

encontra respaldo na Constituição em seu artigo 93, IX.

E, ainda, na aplicação da inversão, deverá o juiz verificar a presença ou não dos

requisitos, positivos e negativos, ou ambos. Em relação a esses últimos, deve se atentar

o juiz para o fato de que não poderá inverter o ônus quando tal inversão tiver como

consequência a prova diabólica reversa, sob pena de violação ao princípio constitucional

da paridade de armas.

Ao estabelecer a atribuição do ônus de forma diversa, caberá ao juiz demonstrar,

de forma clara, quais os elementos dos autos em que se encontra a impossibilidade ou a

excessiva dificuldade de a atribuição seguir a determinação ordinária de ônus

probatório, disciplinada nos incisos I e II do art. 373 e, também, onde se encontra a

maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário pela parte requerida,

explicitando, ainda, as razões pelas quais a distribuição diversa não tornará impossível

ou excessivamente difícil à parte agora incumbida de se desincumbir do encargo.

57

AMBROSIO, Graziella. A Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr. 2013. p. 52.

50

Vale dizer que não basta a simples reprodução do dispositivo de lei, sob pena de

violação do princípio constitucional da motivação das decisões judiciais.

Também estabelece o mencionado artigo em seu § 1º que a distribuição

dinâmica da prova só pode ser implementada se for possível à parte onerada se

desvencilhar de tal ônus, com possibilidade de produção probatória necessária,

objetivando a garantia plena à produção da prova.

Destaca-se o preciso pensamento de Arruda Alvim:

“O CPC/2015 permite também que o juiz modifique a distribuição do

ônus probatório prevista no caput do art. 373 sempre que, no caso

concreto, tal regra geral possa conduzir à dificuldade ou

impossibilidade de uma das partes para se desincumbir do ônus que

lhe tenha sido atribuído legalmente (art. 373, § 1º, do CPC/2015).

Aplica-se, aqui, a chamada teoria dinâmica das cargas probatórias.

Assim, deve o juiz, por decisão fundamentada, atribuir o ônus da

prova de modo diverso do previsto na regra geral, “no caso previsto

em lei ou diante de peculiaridade da causa, relacionada à

impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos

termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do

contrário” (art. 373, § 1º, do CPC). A finalidade do dispositivo é a de

permitir a inversão quando, a depender do caso concreto, restar

demonstrável que a parte a quem incumbe legalmente o ônus de

provar determinado fato tenha dificuldade de fazê-lo, e que a parte

contrária encontre facilidade na comprovação”. 58

Não obstante, a aplicação da distribuição dinâmica do encargo probatório não

serve como preenchimento de lacuna da parte inicialmente onerada, não podendo o

julgador substituir uma parte por outra por inércia daquela, pois o que se pretende é

evitar probatio diabolica, que se dá no caso de ser impossível à parte produzir prova,

quer por lhe ser inacessível, quer por ser hipossuficiente.

58

Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 249.

51

Por outro lado, tal dinamização também não pode resultar em prova diabólica

reversa.

Nesse aspecto, o § 2º do art. 373, do CPC, prevê que a decisão prevista no § 1º

do mesmo artigo “não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela

parte seja impossível ou excessivamente difícil”.

Inova o legislador prevendo a possibilidade de as partes convencionarem sobre a

distribuição do ônus da prova (art. 373, § 3º); entretanto, tal ato de vontade não pode

recair sobre direitos indisponíveis ou fazer com que a desincumbência do ônus

probatório se torne extremamente dificultosa à parte onerada por meio de tal convenção.

Sobre o mesmo tema, há que se destacar que o Código de Processo Civil também trouxe

como inovação a possibilidade de as partes convencionarem antecipadamente ou no

curso do processo.

Essa espécie de convenção possui natureza de negócio jurídico processual típico,

com previsão legislativa expressa, sendo que dificilmente poderá vir a ser aplicável ao

processo do trabalho, haja vista a disparidade de armas entre as partes.

Entretanto, ainda que por convenção das partes, o momento oportuno, e

preclusivo, para se estabelecer quem terá o ônus de provar qual fato, ou seja, a aplicação

da dinâmica do ônus da prova como prevista no Código de Processo Civil, será a fase de

saneamento e organização do processo.

Como exemplo, vem estabelecido no art. 357, caput e inc. II que o juiz deverá,

quando do proferimento de decisão de saneamento e de organização do processo, definir

a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373 do mesmo diploma legal.

Logo, excetuando-se a hipótese de extinção de todo o processo ou de parte dele,

ou de julgamento antecipado de todo o mérito ou de parte dele, o juiz, ao proferir

decisão de saneamento e organização do processo/procedimento, deverá fazer constar se

a atribuição do ônus se dará de forma ordinária ou diversa dos incisos do artigo 373 do

CPC, além de fundamentar tal decisão.

A interpretação que se dá ao art. 357 sob análise, é que se trata de poder-dever

do julgador estabelecer de forma expressa na decisão saneadora, se o ônus da prova será

52

o inflexível previsto nos incs. I e II, ou o dinâmico, estabelecido nos §§ 1º e 2º, todos do

art. 373 do CPC e, também, indicar os elementos que levaram à decisão baseada no

segundo caso.

Importante destacar que o silêncio, tanto pelas partes ao não requerem a fixação

de forma diversa dos incisos I e II do artigo 373 do CPC, como pelo juiz, não

estabelecendo a atribuição diversa de referidos incisos, importará na fixação rígida, ou

seja, da forma como estabelecida em tais incisos, conclusão lógico-jurídica e contextual

com o sistema processual.

Sob tal prisma, é importante frisar que a simples omissão não gera nulidade

processual, já que o processo se norteará pelo já previsto na lei e estabelecido como

regra geral (incs. I e II do art. 373 do CPC). Além disso, o § 1º do mencionado artigo

traz o termo “poderá”, significando que a inversão do ônus da prova é uma faculdade do

juiz e não uma imposição, mesmo porque faz-se necessário analisar o caso concreto,

para concluir se há ou não os elementos que permitem tal inversão.

No entanto, quando houver o requerimento expresso para a dinamização do ônus

da prova, o quadro jurídico modifica-se, surgindo a obrigação para o magistrado de

estudar tal requerimento, sendo que sua omissão resulta em impossibilidade de inversão

futura do ônus da prova sob pena de nulidade insanável por violação de um dos

preceitos constitucionais mais importantes no que tange a garantias processuais, que são

garantias do contraditório e/ou ampla defesa.

Há outro ponto de extrema importância no que diz respeito ao momento da

atribuição da dinâmica do ônus da prova, que é o fato de a lei prever expressamente que

tal momento deve ocorrer antes da fase sentencial, respaldando o argumento de violação

do contraditório e da defesa.

No que tange ao cabimento de recurso de agravo de instrumento contra a decisão

de redistribuir do ônus da prova, o artigo 1.015 do Código de Processo Civil estabelece

de forma expressa tal hipótese, com a possibilidade de a instância ad quem atribuir

efeito suspensivo à decisão a quo.

Assim, no caso de o juiz monocrático optar pela atribuição dinâmica do ônus da

prova, onerando as partes de forma diversa da prevista nos incs. I e II do art. 373, em

53

consonância com o § 1º do referido artigo, sentindo-se prejudicada, poderá a parte

valer-se do agravo de instrumento contra referida decisão, com respaldo no art. 1.019 do

CPC, podendo obter efeito suspensivo junto ao órgão ad quem.

Em tal hipótese, independentemente de ter sido concedido ou não efeito

suspensivo, deverá o juiz, por cautela, aguardar o mérito do agravo de instrumento antes

de iniciar a fase probatória, sob pena de vir a ser necessário repetir referida fase.

Analisemos: Na continuidade do processo, havendo ou não efeito suspensivo, a

produção probatória causará prejuízo processual a ambas as partes, já que restaria a

dúvida objetiva em relação ao respectivo onus probandi.

Na hipótese de provimento do recurso de agravo, citado prejuízo processual é

ainda mais evidente, já que a parte anteriormente desonerada passa a ser a onerada,

surgindo, assim, direito à reabertura da fase probatória.

Conclui-se, dessa forma, que a estabilização da lide só se dará com o julgamento

definitivo do referido agravo de instrumento.

Merece análise, também, outra questão relacionada à interpretação do inc. XI do

art. 1.015 do CPC.

A interpretação literal de referido dispositivo leva à conclusão que somente a

redistribuição do ônus da prova enseja o manejo do agravo de instrumento.

Por tal interpretação, só cabe referido recurso quando o juiz aplicar a atribuição

dinâmica do ônus da prova subjetiva.

Em outras palavras, não há cabimento para a ferramenta processual do agravo

de instrumento quando o ônus for estabelecido nos moldes dos incs. I e II do art. 373 do

CPC, quer quando as partes não requereram expressamente a inversão, quer na hipótese

de indeferimento pelo juiz monocrático.

Nesse aspecto, destaca-se que nos demais incisos do referido art. 1.015, o

legislador trouxe as hipóteses de cabimento de agravo de instrumento nos casos de

decisões concessivas e denegatórias para o mesmo tema. Como exemplo, cite-se o inc.

IX, que trata de hipótese de cabimento decisão de admissão ou não de intervenção de

54

terceiros; inc. VII, trazendo apenas a hipótese de cabimento para decisões concessivas;

inc. III que trata expressamente de rejeição de alegação da parte. Logo, a interpretação

que se deve dar ao inciso XI é restritiva, até porque, no caso de denegação do pedido de

redistribuição do ônus da prova subjetivo, prevê o artigo 357, § 1º, do CPC a

possibilidade de a parte solicitar esclarecimentos ou ajustes.

Sem prejuízo do manejo de tais dispositivos pela parte na fase cognitiva, como

se trata de matéria de ordem pública, a decisão de indeferimento da aplicação da

dinamização do ônus da prova subjetivo, será passível de questionamento em sede de

apelação.

2.4 Legislação trabalhista

A Consolidação das Leis do Trabalho abarca direito material e processual,

destinando somente 13 artigos às provas (art. 818 a 830), quase todos relativos à prova

testemunhal, o que obriga o magistrado à busca subsidiária, admitida pelo artigo 769 da

CLT, ao processo comum.

A Consolidação disciplina a regra de distribuição do ônus no artigo 818, que, até

o advento da Lei 13.467/2017, estabelecia que “a prova das alegações incumbe à parte

que as fizer”.

Mesmo tratando-se de artigo com redação limitada, alguns autores, como

Manoel Antonio Teixeira Filho, defendem que o artigo 818, da CLT, bastava por si

mesmo no Processo do Trabalho.

Leciona esse processualista:

“A CLT ao estatuir, no art. 818, que “a prova das alegações

incumbe à parte que as fizer”, demonstra, à evidência plena, que

possui dicção expressa e específica sobre a matéria, desautorizando,

desta maneira, que o intérprete – a pretexto de que o art. 769 do

mesmo texto, o permite – incursione pelos domínios do processo civil

com a finalidade de perfilhar, em caráter supletivo, o critério

consubstanciado no artigo 373 e incisos. Não seria equivocado

asseverar-se, portanto, que tais incursões são irrefletidas, pois não se

55

tem dado conta de que lhes falece o requisito essencial da omissão da

CLT. Com efeito, o art. 769 da CLT, longe de constituir permissivo

para a invocação subsidiária daquela norma processual civil, se

planta como obstáculo intransponível para a admissibilidade desse

procedimento ínvio. Nada obstante esse fato nos pareça incontestável,

segue grassando, na prática, o costume sobre o qual estamos a lançar

censura. Dir-se-á, provavelmente, que o conteúdo do art. 373 do CPC

não colide com a expressão do art. 818 da CLT, porquanto,

literalidade à parte, em essência um e outro dizem a mesma coisa,

consagram idêntico critério. Ainda que se admita, por apego à

argumentação, que colidência inexista, não se pode negar que, mesmo

assim, subsistirá íntegro o veto legal (CLT, art. 769) à adoção

supletória do art. 373, do diploma processual civil, por não ser a CLT

omissa quanto à matéria, como expusemos. Ademais, se ambos os

textos expressam a mesma coisa, como se tem equivocadamente

suposto, seria, por certo, redundante e tautológica a atração para o

processo do trabalho da norma processual civil referida – cujo fato

tornaria, por isso, no mínimo desaconselhável essa atitude. A colisão,

porém, do dispositivo pertencente ao processo civil com o art. 818 da

CLT, é frontal”. 59

Entretanto, corrente oposta sustenta que o artigo 818 da CLT possuía dicção

muito ampla e vaga, não definindo a contento a disciplina legal do ônus da prova. Por

tal motivo, e com lastro no artigo 769 também da CLT, entendia-se cabível a aplicação

subsidiária das regras do Direito Processual Comum, notadamente o art. 373 do Código

de Processo Civil, ao Direito Processual do Trabalho. Tal se dá porque, como defendido

pela doutrina, o disposto no Direito Processual Civil mostrava-se mais técnico e

didático às partes envolvidas, pois distribui o ônus probatório observando a posição que

cada parte ocupa na relação jurídica processual e, também, a natureza dos fatos

alegados, tendo como premissa o interesse processual, além do estabelecimento de

critérios objetivos de julgamento, nos casos de insuficiência ou inexistência de provas.

59

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Comentários ao novo código de processo civil sob a perspectiva do processo do trabalho: Lei nº 13.501, de 16 de março de 2015. São Paulo: LTr. 2015, p. 499.

56

Há, ainda, uma terceira corrente, que defendia não só a aplicação subsidiária do

CPC, mas de outros sistemas processuais, que se mostravam compatíveis com a

estrutura do Processo do Trabalho.

Nesse sentido, destaca-se a lição de Carla Teresa Martins Romar, ampliando o

rol de regras do direito processual comum a serem aplicáveis: “inegável, portanto, que

o art. 818 da CLT não basta para definição das regras de ônus da prova no Processo

do Trabalho, sendo necessária, por força do art. 769 da CLT, a utilização subsidiária

do Direito Processual Comum, abrangendo as regras da prova do Código de Processo

Civil (CPC) e do Código de Defesa do Consumidor (CDC)”. 60

Outro jurista da mesma linha doutrinária, César P. S. Machado Júnior, destaca:

“entendemos que o texto do art. 818 da CLT, tanto quanto as disposições do art. 333 do

CPC, são insuficientes para a solução do complexo tema do ônus da prova no processo

do trabalho”. 61

Mauro Schiavi afirma que:

“No nosso sentir, o referido art. 818 da CLT não é completo, e

por si só é de difícil interpretação e também aplicabilidade prática,

pois como cada parte tem que comprovar o que alegou, ambas as

partes tem encargo probatório de todos os fatos que declinaram, tanto

na inicial, como na contestação. Além disso, o art. 818 consolidado

não resolve situações de inexistência de prova no processo, ou de

conflito entre as provas produzidas pelas partes. O juiz da atualidade,

diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV,

da CF), não pode se furtar a julgar, alegando falta de prova nos

autos, ou impossibilidade de saber qual foi a melhor prova. Por isso,

a aplicação da regra de ônus da prova como fundamento de decisão é

necessidade do processo contemporâneo”. 62

60

Distribuição dinâmica do ônus da prova no direito processual do trabalho, p. 1009. In: DIDIER JR. Fredie. (coord.). Direito probatório. 2ª ed. São Paulo: Juspodivm. 2016. 61

O ônus da prova no processo do trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr. 2001, p. 67 62

Provas no processo do trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr. 2014. p. 94.

57

A própria CLT consiste em um sistema dinâmico e, levando-se em conta os

princípios que norteiam o Direito do Trabalho e o Processo do Trabalho, não havia

razão para a não adoção de técnicas que levassem à maior efetividade, celeridade e

justiça aos casos submetidos a Justiça do Trabalho.

Logo, considerando a insuficiência do conceito relativo ao ônus da prova

constante no texto consolidado, a corrente que defendia ser aplicável, de forma

subsidiária, ao processo do trabalho a regra do art. 373 do CPC, segundo ao qual

compete ao autor a demonstração dos fatos constitutivos do seu direito, e ao réu, a dos

fatos impeditivos, extintivos ou modificativos, tornou-se majoritária, influenciando o

legislador ordinário na reforma trabalhista.

Nesse diapasão, o saudoso Professor Valentin Carrion afirmava que:

“A regra de que pesa sobre quem alega é incompleta, simplista em excesso. O

empregado que afirme não ter faltado ao serviço em certo dia terá de prová-lo? Se

outro alegar, na petição inicial, que celebrou contrato com a empresa e que esta foi

representada no ato por preposto capaz e sem coação, deverá provar as três

circunstâncias? É obvio que não: 1) ao autor cabe o ônus da prova do fato constitutivo

de seu direito; 2) ao réu, o da existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do

direito do autor (CPC, art. 333)”. 63

O direito brasileiro adotou a teoria de Carnelutti, estabelecida no princípio de

que “quem opõe pretensão em juízo deve provar os fatos que sustenta; quem opõe uma

exceção deve, por seu lado, provar os fatos dos quais resulta”.

Vale frisar que a distribuição dinâmica é excepcional e leva em conta a

hipossuficiência de uma das partes em relação à outra, não podendo ser vista apenas

como uma questão econômica.

Segundo Carla Teresa Martins Romar, “o critério de hipossuficiência deve, a

nosso ver, porém, ser entendido como uma menor capacidade do trabalhador de

produzir prova de suas alegações, abrangendo não só a condição econômica, mas

63

Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 38ª ed. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 732-733.

58

também as condições materiais, técnicas e sociais e a dificuldade de obter alguns tipos

de informações necessárias à produção probatória”. 64

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho encaminha-se no sentido de

relativizar o modelo preconizado no art. 333 do CPC/1973, agora art. 373 do CPC/2015,

e no art. 818 da CLT.

Em conformidade com a característica da lide e o objeto do processo podemos

destacar as seguintes súmulas jurisprudenciais.

Súmula nº 6 do TST – [...] - VIII - É do empregador o ônus da prova do fato

impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial.

Súmula nº 16 do TST - Presume-se recebida a notificação 48 (quarenta e oito)

horas depois de sua postagem. O seu não-recebimento ou a entrega após o decurso desse

prazo constitui ônus de prova do destinatário.

Súmula nº 212 do TST - O ônus de provar o término do contrato de trabalho,

quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o

princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao

empregado.

64

Ibid., p. 1010

59

3. Instrumentalidade do ônus da prova

Não só a doutrina questiona qual o momento adequado para dinamização do

ônus da prova, tema relevante e deveras polêmico, mas a jurisprudência também o faz.

Uma primeira corrente afirma que o momento processual deve ser em audiência, ou em

outro momento, desde que ainda na fase instrutória, enquanto outra corrente, de forma

oposta, defende a inversão do ônus da prova como regra de julgamento e que, portanto,

deve ser analisada pelo juiz após a instrução do processo.

De forma incontestável e sem qualquer discussão, o direito à produção de prova

dos fatos alegados, direito esse pertencente a ambas as partes, é de extrema importância

para que seja prestada a jurisdição de forma adequada, assegurando-se, por todos os

meios, a possibilidade de que a parte possa provar as alegações e os argumentos trazidos

a juízo, tornando efetivo o processo judicial.

A partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, tanto os civilistas

como os processualistas passaram a discutir com maior ênfase tal questão, resultando na

teoria pela qual o ônus da prova deve ser rateado entre as partes do processo, em

detrimento do que vigorava por ocasião do direito romano, no qual o ônus pertencia

sempre ao autor.

Nesse sentido, há o entendimento pacífico doutrinário segundo o qual “ônus da

prova” não possui índole de dever ou obrigação, mas de incumbência para fazer valer o

direito alegado. Assim, há interesse da parte a quem é atribuído tal ônus em se

desincumbir desse ônus de forma satisfatória.

Todavia, mesmo que não o faça, ou seja, mesmo que não consiga provar o

alegado, tal condição não lhe torna imediatamente prejudicada, pois embora o não

cumprimento do “ônus de provar” a coloque inegavelmente em posição de

desvantagem, não há a automática assunção de veracidade dos fatos alegados pela parte

adversa.

Isso se dá porque o processo é um exercício complexo, que sofre influência não

só das partes, mas de terceiros, além de existirem os fatos incontroversos, os fatos sobre

os quais milita a presunção de veracidade, as presunções, os princípios de razoabilidade,

entre outros.

60

O Código de Processo Civil define o ônus da prova em seu artigo 373

(reproduzindo as determinações do revogado Código de Processo Civil de 1973 em seu

artigo 333), e a Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – inovou, com

determinações próprias e singulares, tratando específica e detalhadamente sobre matéria

probatória.

Sem sombra de dúvida o legislador concebeu previsão espetacular ao permitir

que se inverta o ônus da prova, atribuindo ao magistrado condutor do processo o poder-

dever para, estando presentes os requisitos da verossimilhança das alegações, e ante a

hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor, determinar a inversão do

ônus em desfavor desse último, porém não avançou o legislador em relação à

instrumentalização do procedimento de tal medida.

Também no âmbito do Processo do Trabalho, admite-se a inversão do ônus,

porém como regra excepcional.

Nesse aspecto, é importante citar o entendimento de Carla Teresa Martins

Romar, segundo o qual, ainda que se admita a aplicação subsidiária do direito

processual comum ao processo do trabalho no que tange à inversão do ônus, “não se

pode perder de vista que essa inversão é excepcional, supletiva. Portanto, o juiz

somente pode se afastar da regra clássica sobre ônus da prova, invertendo o ônus, após

uma análise criteriosa do caso concreto e a efetiva constatação de que uma das partes

tem uma melhor condição de produzir a prova, razão porque o ônus será à mesma

atribuído”. 65

A partir de então, concebeu a doutrina duas formas de inversão do ônus da

prova: no momento do julgamento, quando o magistrado define quem deveria ter

provado o quê, segundo as características particulares do processo; ou durante a

instrução, antes da fase probatória.

Assim, ante a possibilidade da distribuição dinâmica do ônus da prova, ou seja,

sua inversão ante os fatos e peculiaridades do caso concreto, analisa-se a questão sob a

ótica dos diversos princípios que se aplicam ao processo, como o contraditório e a

ampla defesa, levando à definição do momento em que se dará tal inversão.

65

Distribuição dinâmica do ônus da prova no direito processual do trabalho, p. 1011-1012. In: DIDIER JR. Fredie. (coord.). Direito probatório. 2ª ed. São Paulo: Juspodivm. 2016.

61

Sob tal prisma, o atual Código de Processo Civil prevê que o momento adequado

para a definição do ônus da prova, ou seja, o momento em que o julgador define o ônus

de forma diversa da previsão legal, invertendo-o, será no saneamento do processo, ou

seja, antes do início da fase probatória.

Entretanto, como não há no processo trabalhista referida fase de saneamento do

processo, surge uma lacuna sobre o momento de inversão nessa seara.

Outra dúvida é se há aplicação de referida determinação ao processo do trabalho,

isto é, se também no âmbito processual trabalhista haveria a limitação à inversão na fase

pré-instrutória, ou ainda se haveria espaço para a inversão dinâmica apenas no momento

de decisão.

Com pouco mais de um ano de vigência do citado artigo 373, ainda não há

definição na jurisprudência, sobre a questão.

3.1 Técnicas sobre inversão do ônus da prova

3.1.1 Técnica de julgamento

A regra geral de divisão do onus probandi, na dicção do art. 373 do Código de

Processo Civil, como já mencionado em capítulo anterior, é de que incumbe ao autor

provar os fatos constitutivos do seu direito, e ao réu, a existência de fatos impeditivos,

modificativos e extintivos.

Assim, a distribuição do ônus da prova é produzida segunda a natureza do fato

controverso (constitutivo, modificativo, extintivo e impeditivo) e com a posição na lide

(autor e réu), o que demonstra a imutabilidade das regras previstas nesse dispositivo e a

desconsideração da dificuldade encontrada pela parte na produção da prova do fato que

alega.

Em outras palavras, a regra continua sendo a de que cabe à parte fazer prova do

fato por ela alegado, ou seja, ordinariamente persiste a distribuição estática do ônus da

prova.

Vale dizer que tal destinação é razoável e mesmo necessária, pois eis que seria

de todo inconveniente permitir que quem “acusa” como “irregular/indevida” uma

situação não tenha de demonstrar minimamente a substância de sua afirmativa. Pensar o

62

contrário seria abrir, ainda mais, as portas do Judiciário para um demandismo que tem

sido verificado em nosso país num patamar, aparentemente, além do razoável. 66

Tem-se, assim, a regra geral da distribuição estática do ônus da prova, a qual se

fundamenta no pressuposto de que as partes litigam nos mesmos patamares de

igualdade em relação ao acesso à prova e a comprovação dos fatos por elas alegados, de

tal forma que haveria uma partilha equilibrada do encargo probatório.

Dessa forma, previamente ao surgimento do processo, há a definição do ônus da

prova, ou seja, já se discrimina a quem caberá a sucumbência e será prejudicado caso o

conjunto probatório do feito não seja suficiente para convencer o julgador.

Portanto, em linhas gerais, sucumbe aquele que não trouxe elementos que

comprovassem suas alegações, embora possuísse, por expressa previsão legal, o ônus de

tal comprovação.

Configura-se, assim, a hipótese de que a parte, por não produzir provas a

contento, não consegue obter o convencimento do juiz de forma favorável à sua tese,

hipótese em que o legislador já definiu de antemão a quem caberia tal incumbência.

Importante destacar, ainda, que tal regra foi concebida para que o conflito seja

encerrado, mesmo que não tenham sido produzidas quaisquer provas, ou essas sejam

insuficientes para qualquer convencimento.

Isso se dá porque a prova, uma vez produzida, passa a pertencer ao processo, isto

é, a parte pode – e frequentemente o faz – produzir prova em sentido contrário à sua

tese.

Todavia, quando não há prova em nenhum sentido, ou as provas produzidas não

levam a conclusão alguma, e não podendo o julgador declarar o non liquet, resta-lhe

decidir com base na regra de atribuição do ônus da prova, verificando quem tinha a

incumbência de provas e dela não se desvencilhou.

Com base em tal premissa, discute a doutrina qual seria o momento de inversão

do ônus da prova: se previamente à produção probatória, a fim de assegurar a ampla

66

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 59-60 apud PUOLI, José Carlos Baptista. O ônus da prova e sua distribuição dinâmica no processo civil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. (coord.). O novo código de processo civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015, p.234-235.

63

defesa e o contraditório, ou no momento de decisão, uma vez que, não obstante a regra

de distribuição geral do ônus da prova, já se sabe de antemão qual das partes possui

maior aptidão para a produção da prova e qual é a hipossuficiente no caso concreto,

além da premissa de que a decisão fundada no ônus da prova é exceptiva, ou seja,

apenas ocorrerá quando o conjunto probatório for insuficiente.

José Roberto dos Santos Bedaque preleciona que “as regras referentes à

distribuição do ônus da prova devem ser levadas em conta pelo juiz apenas e tão

somente no momento de decidir. São regras de julgamento, ou seja, destinam-se a

fornecer ao julgador meios de proferir a decisão, quando os fatos não restaram

suficientemente provados. Antes disso, não tem ele de se preocupar com as normas de

distribuição do ônus da prova, podendo e devendo esgotar os meios possíveis, a fim de

proferir julgamento que retrate a realidade fática e represente a atuação da norma à

situação apresentada em juízo”. 67

Neste mesmo contexto, destacamos a visão de Cândido Rangel Dinamarco,

baseado em Barbosa Moreira, que sustenta que “o momento adequado à inversão do

ônus da prova é aquele em que o juiz decide a causa. Antes, nem sequer ele sabe se a

prova será suficiente ou se será necessário valer-se das regras ordinárias sobre esse

ônus, que para ele só são relevantes em caso de insuficiência probatória”. 68

Kazuo Watanabe enfatiza que “a inversão deve ocorrer na sentença em razão

das regras de distribuição do ônus da prova, que são regras de julgamento, a orientar o

juiz quando houver prova do fato ou a prova for dividida, razão pela qual somente após

instrução do feito, no momento da valoração das provas, caberá ao juiz habilitado

afirmar se existe ou não situação de non liquet, sendo caso ou não, consequentemente,

de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que

proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível”. 69

Assim, no que tange à regra geral contida no caput do art. 373, não haverá

qualquer alteração, de maneira que, persistindo incerteza para o juiz até o momento de

sentenciar, pela razão de não ter encontrado nos autos prova bastante para formar seu

67

Poderes instrutórios do juiz. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013, p. 130. 68

Instituições de direito processual civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros. 2009. v. 3 p. 80. 69

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1998. p. 496. apud BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito processual do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr., 2011. p. 601.

64

convencimento (sobre qual das partes detém razão), proferirá sentença prejudicial

àquele que não conseguiu se desincumbir a contento do ônus probatório.

Importante, também, destacar o posicionamento de Pontes de Miranda, que

sustenta a existência tão somente do ônus objetivo da prova:

“O ônus da prova é objetivo, não subjetivo. Como partes,

sujeitos da relação jurídica processual, todos os figurantes hão de

provar, inclusive quanto a negações. Uma vez que todos têm de

provar, não há discriminação subjetiva do ônus da prova. O ônus da

prova, objetivo, regula a consequência de se não haver produzido

prova. Em verdade, as regras sobre as consequências da falta da

prova exaurem a teoria do ônus da prova. Se falta prova, é que se tem

de pensar em se determinar em quem se carga a prova. O problema

da carga ou ônus da prova é, portanto, o de determinar-se a quem

vão as consequências de se não haver provado.” 70

Tem-se, aqui, a concepção do aspecto objetivo do ônus de provar, o qual decorre

diretamente da vedação legal ao non liquet, de forma que, com referida regra,

possibilita-se o encerramento do processo ainda que a prova produzida não traga ao

magistrado a certeza dos fatos, não levando a um convencimento pleno.

Não se admite a possibilidade de aguardar de forma indefinida pela prova

necessária ao referido convencimento do magistrado, de forma que nosso ordenamento

jurídico processual já possibilita à parte a produção da prova que lhe interessa,

permitindo que o juiz determine a realização de referida prova em determinadas

circunstâncias, mas não admite um processo sem fim.

Dessarte, ultrapassada a fase destinada à instrução da causa, passa a incidir,

como diz Fábio Guidi Tabosa Pessoa, o “aspecto objetivo a que antes se aludiu, vale

dizer, a regra de julgamento” 71, que fornecerá ao juiz subsídio para sua decisão, de

70

PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova. 2ª ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2011, p. 158. 71

TABOSA PESSOA, Fabio Guidi. Código de processo civil interpretado. 3ª ed. São Paulo: Atlas. 2008, p. 1058 apud PUOLI, José Carlos Baptista. O ônus da prova e sua distribuição dinâmica no processo civil. In: GRINOVER, Ada Pellegrini. (coord.). O novo código de processo civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015, p.245.

65

forma que poderá produzir uma decisão favorável a essa ou aquela parte com base em

tal ônus objetivo, ou seja, quem deveria ter produzido a prova e não o fez.

Em suma, o ônus da prova, sob a concepção de regra de julgamento, possibilita

ao juiz sentenciar, cujo dever (poder-dever) de decidir não se modifica, ainda que não

haja plena convicção sobre os fatos relevantes e controvertidos do processo.

Entretanto, a regra de julgamento permite apenas a definição do conteúdo da

sentença em qualquer hipótese, o que leva ao objetivo de pacificação social (escopo

social do processo), mas não atinge o objetivo jurídico, já que o que se almeja é a

entrega da Justiça, e essa só ocorre quando a decisão é a mais justa e fiel ao plano

material, o que só se obtém quando a prova produzida for de qualidade.

No direito processual civil argentino, Jorge W. Peyrano defende que a

dinamização do ônus da prova seria regra de julgamento, devendo ser realizada somente

no momento da prolação da sentença.

O processualista argentino refuta o entendimento de que a aplicação de ofício da

“doctrina de la carga probatoria dinamica” possa gerar uma “infausta sorpresa” ou

que acarretaria riscos para a garantia do devido processo, sob dois fundamentos: I)

ciência prévia das partes sobre a possibilidade de incidência da técnica da distribuição

dinâmica e II) o entendimento de que o ônus da prova deve ser aplicado apenas quando

o magistrado não puder valorar da prova, o que ocorre no momento da prolação da

sentença.72

No âmbito do STJ a jurisprudência incorporou expressamente tal entendimento,

como se pode observar em diversos precedentes (REsp 422.788/SP, 3ª T., rel. p/ Min.

Nancy Andrighi, DJ 27.08.2007, RePro, n. 115. P. 277; AgRg nos EDcl no AgIn

77.795/PR, rel. Min. Sidnei Beneti, DJ 13.10.2008; REsp 1.125.621/MG, rel Min.

Nancy Andrighi, DJ 07.02.2011).

72

PEYRANO, Jorge W. La doctrina de las cargas probatórias dinâmicas y la maquina de impedir em matéria jurídica. In: P W. (dir); WHITE, Inés Léspori (coord.). Carga probatória dinâmicas. Buenos Aires: Rubinzal – Culzoni, 2008, p. 88-92. Especificamente o item “Acerca de la infausta sorpresa que puede entrañar la aplicación judicial oficiosa de la doctrina em comentario y de los riesgos que ello puede acarrear para la garantia del debido processo”. apud SANTOS, Welder Queiroz dos. O ônus da prova no CPC de 2015: Teoria estática de Giuseppe Chiovenda à Teoria dinâmica de Jorge W. Peyrano. In ALVIN, Thereza (coord.). O novo código de processo civil brasileiro – Estudos dirigidos: sistematização e procedimento. Rio de Janeiro: Forense. 2015, p.713.

66

Há vasta jurisprudência sobre a inversão do ônus no momento do julgamento:

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FORNECIMENTO DE ÁGUA FRAUDE NO HIDRÔMETRO CORTE DO FORNECIMENTO CABIMENTO AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA INVERSÃO DO ÔNUS ART. 6º, VIII, CDC REGRA DE JULGAMENTO IMPROCEDÊNCIA UTILIZAÇÃO DE CRITÉRIO DE COBRANÇA PELO INDICADOR VERIFICADO NO MOMENTO DA APURAÇÃO DA IRREGULARIDADE APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 41.446/96 RECURSO NÃO PROVIDO. I. .... II. Considerando-se que a inversão do ônus da prova termos do art. 6º, VIII do Código de Defesa do Consumidor é regra de julgamento, permanece inalterada a regra do art. 333 do Código de Processo Civil. Sendo a prova coligida pelo autor insuficiente para demonstrar fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito da ré, de rigor a improcedência do pedido. III. (TJ-SP - APL: 00091514320128260010 SP 0009151-43.2012.8.26.0010, Relator: Paulo Ayrosa, Data de Julgamento: 24/06/2014, 9ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data de Publicação: 25/06/2014)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NULIDADE DO PROCESSO POR CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM MOMENTO ANTERIOR À AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INOCORRÊNCIA. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. ÔNUS DA PROVA. Desprovimento. Diante da ausência de violação dos dispositivos invocados, da não demonstração de divergência jurisprudencial específica e da consonância da v. decisão com a Súmula 338, III, do c. TST, não há como admitir o recurso de revista. Agravo de instrumento desprovido. (TST - AIRR: 2073720125120028 207-37.2012.5.12.0028, Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 16/10/2013, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/10/2013)

No que diz respeito ao processo do trabalho, ainda que, apesar de o atual CPC ter deixado clara a inversão do ônus como técnica de instrução, mantém-se como majoritário o entendimento de que a inversão se dá como técnica de julgamento, quer pela maior aptidão do empregador para a produção da prova, quer pela vasta jurisprudência trabalhista nesse sentido (a exemplo, as súmulas 06, VI, “b”, VIII, 16, 43, 338, III, 460, 461), quer porque, no âmbito do processo do trabalho, não há o despacho saneador, expressamente previsto no artigo 357, III do CPC, cuja redação assim dispõe:

67

Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:

I –[...]

II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;

III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art. 373.

Da inversão do ônus da prova depreende-se da norma contida no artigo 67, da Lei 8.666/93, que a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição, o que inclui o objeto principal do contrato, bem como as obrigações dele derivadas, incluindo as trabalhistas. Diante desse contexto, não há falar em irregular inversão do ônus da prova, tampouco cerceamento de defesa, uma vez que no momento processual oportuno (contestação), deixou o recorrente de demonstrar os elementos probatórios que pudessem fundamentar sua tese defensiva. Rejeito. (...)(TRT-2 - RO: 00011628020135020038 SP 00011628020135020038 A28, Relator: MARTA CASADEI MOMEZZO, Data de Julgamento: 19/05/2015, 4ª TURMA, Data de Publicação: 28/05/2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL REGIONAL POR DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. (...).HORAS EXTRAS. QUALIFICAÇÃO DOS FATOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. A regra acerca do ônus da prova é regra de julgamento e, portanto, deve ser aplicada pelo juiz no momento em que vai proferir sua decisão, não importando quem produziu as provas que, após realizadas, passam a pertencer ao processo - princípio da aquisição processual -, somente tendo relevância caso não existam outras provas nos autos, quando, então, aquele a quem incumbia o encargo de provar poderá sofrer as conseqüências de não ter se desincumbido corretamente desse mister. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional, com base nas provas produzidas nos autos, em especial os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo Reclamante, manteve a condenação ao pagamento de horas extras. Não há, pois, violação

68

dos arts 5º, II e LV, da Constituição Federal, 818 da CLT e 333, I, do CPC e inespecíficos os arestos acostados para exame. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST - AIRR: 621409420035080203 62140-94.2003.5.08.0203, Relator: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 17/09/2008, 1ª Turma, Data de Publicação: DJ 26/09/2008).

Ocorre, entretanto, que o texto da reforma trabalhista, conforme Lei nº 13.467 de

13/07/2017, que passou a vigorar em 11/11/2017, encampa a teoria de instrução do

CPC.

Artigo 818 da CLT:

Art. 818. O ônus da prova incumbe: I – ao reclamante, quanto ao fato

constitutivo de seu direito; II – ao reclamado, quanto à existência de

fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do reclamante.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa

relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir

o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção

da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de

modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em

que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que

lhe foi atribuído. § 2º A decisão referida no § 1º deste artigo deverá

ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da

parte, implicará o adiamento da audiência e possibilitará provar os

fatos por qualquer meio em direito admitido.

§ 3º A decisão referida no § 1º deste artigo não pode gerar situação

em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou

excessivamente difícil.

Tal reforma trabalhista, entretanto, não traz qualquer modificação ao previsto no

artigo 852-D da CLT, que possui a seguinte redação:

Art. 852-D. O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar

as provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada

litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas,

69

impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar

especial valor às regras de experiência comum ou técnica.

É certo que referido artigo faz parte da disciplina do rito sumaríssimo.

Entretanto, com fundamento no artigo 765 da CLT (o qual também não é objeto de

modificação legislativa), poder-se-á aplicá-lo aos demais ritos e, tendo em vista sua

redação aberta, manter-se a inversão como técnica de julgamento.

Causará, por certo, alguma controvérsia a forma como se dará tal decisão, uma

vez que a audiência no processo do trabalho é una, e é apenas no momento da audiência

que o juiz toma conhecimento da demanda.

Conforme o parágrafo 2º, introduzido no art. 818 da CLT pela Lei nº

13.467/2017, antes mesmo da audiência o réu já deverá saber se haverá ou não inversão

do ônus em seu desfavor, o que importará em suspensão ou postergação do processo, a

menos que se criem mecanismos para que o juiz tenha contato com a demanda antes da

audiência, sob pena de se prejudicar um dos principais princípios do processo do

trabalho, que é, justamente, a celeridade (nesse aspecto, e fazendo uma pequena

digressão, todo o projeto de reforma da CLT afronta tal princípio, pois prevê a

suspensão do processo para processamento de exceção de incompetência territorial,

incidente de desconsideração da personalidade jurídica, e suspensão do julgamento em

caso de não comparecimento das partes à audiência).

Tem-se, assim, que toda discussão sobre o momento de inversão do ônus cai por

terra, já que nem na lei processual comum, nem na lei trabalhista, haverá espaço para

relegar a inversão do ônus no momento da decisão.

Uma solução seria, já na notificação inicial, constarem as matérias que poderiam

ensejar a modificação da regra geral, evitando-se, assim, o adiamento da audiência, já

que não poderia o réu alegar surpresa quando houver a inversão do ônus em seu

desfavor.

Frise-se que adiamento da audiência já é uma prática quando há necessidade de

produção de prova mais complexa, como ocorre com a perícia. Nesse caso, a praxe

forense é de recebimento da defesa para que o autor/reclamante apresente réplica e

designação de audiência de instrução, quando se produzirá a prova oral.

70

Poderá o réu/reclamado se insurgir contra tal determinação, sob o argumento de

que a inversão do ônus prejudica sua defesa, pretendendo o adiamento para outra

audiência una ou inicial.

Todavia, sob tal aspecto, é importante destacar que, mesmo no processo comum,

a inversão se dá em momento posterior à apresentação da defesa, já que o despacho

saneador ocorre posteriormente à impugnação do autor, além do fato de que o parágrafo

2º do art. 818 da CLT, refere-se, expressamente, à decisão de inversão “antes” da

instrução.

Logo, qualquer momento anterior à instrução, ainda que posterior ao

oferecimento da defesa estará de acordo com o texto legal.

3.1.2 Técnica de instrução

Ainda que relevantes os fundamentos do entendimento anterior, não significa

que, antes do momento de julgar, a disciplina do ônus da prova seja destituída de

relevância no processo.

Segundo a doutrina de que a inversão deva ser aplicada como técnica de

instrução, é dever do juiz, já na audiência preliminar, informar as partes do ônus que

cada uma tem, advertindo-as das consequências de eventual omissão – sendo uma das

tarefas nessa oportunidade, a organização da prova mediante fixação dos limites de seu

objeto e determinação dos meios probatórios a desencadear. 73

Defensores dessa linha doutrinária afirmam que, no cenário atual constitucional,

com previsão expressa da ampla defesa e do contraditório como direitos fundamentais,

não se pode afastar a necessidade da inversão do ônus ser instrumentalizada de forma a

possibilitar ao onerado a produção da prova devida de forma eficaz.

Como já mencionado, há argumentos contrários, no sentido de que a inversão

seria mera regra de julgamento e não de procedimento, pois mesmo sem as partes terem

certeza previamente de que haverá tal inversão, já sabem de antemão da possibilidade

de tal inversão ocorrer, não havendo, assim, qualquer surpresa, pois deverão agir com

73

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 3, p. 82.

71

cautela e lealdade, e produzirem todas as provas possíveis, sob pena de virem a sofrer

uma decisão desfavorável.

Para os defensores da regra de instrução, esse pensamento, apesar de

aparentemente coerente com o princípio da cooperação e da boa-fé processual, não deve

prevalecer, já que, ainda que seja dever das partes utilizarem todos os meios para

colaborar com a obtenção da melhor decisão possível, não é menos verdade que ao juiz

cabe adotar todas as medidas que outorguem ou possam outorgar mais qualidade à sua

decisão.

Como já afirmado, é garantia constitucional, assim como princípio que rege os

atos processuais, a asseguração do contraditório às partes do litígio judicial. De mais a

mais, o processo justo, que vem garantido pela Constituição ao conceber como direito

fundamental o devido processo legal, somente prevalecerá se houver respeito à ampla

defesa e ao contraditório.

Indagando-se sobre o que seria contraditório, Alexandre Freitas Câmara ensina

ser a garantia que têm as partes de que participarão do procedimento destinado a

produzir decisões que as afetem. Em outras palavras, o resultado do processo deve ser

fruto de intenso debate e da efetiva participação dos interessados, não podendo ser

produzido de forma solitária pelo juiz. Não se admite que o resultado do processo seja

fruto do solipsismo do juiz. Dito de outro modo: não é compatível com o modelo

constitucional do processo que o juiz produza uma decisão que não seja o resultado do

debate efetivo no processo. 74

O contraditório, para Joaquim Canuto Mendes de Almeida, é “a ciência

bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”, podendo ser

identificado quando a cada litigante é dada ciência dos atos praticados pelo contendor. 75

Para Rui Porta Nova, “o princípio da ampla defesa é uma consequência do

contraditório, mas tem características próprias. Alem do direito de tomar conhecimento

de todos os termos do processo (princípio do contraditório), a parte também tem o

74

O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas. 2016, p. 11. 75

A contrariedade na instrução criminal. São Paulo: Saraiva. 1937, p. 104.

72

direito de alegar e provar o que alega e – tal como o direito de ação – tem o direito de

não se defender”. 76

Forçoso concluir, diante dos ensinamentos supramencionados, que a inversão do

ônus da prova somente por ocasião da sentença desrespeitará a constituição e seus

princípios, além das regras e princípios processuais.

Ademais, segundo o art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor

são “direitos básicos do consumidor”, “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive

com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando a critério do

juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras

ordinárias de experiências”.

De acordo com o dispositivo supramencionado, o magistrado pode inverter o

ônus da prova, em benefício do consumidor, quando for verossímil o que alega, ou,

alternativamente, hipossuficiente. O magistrado para inverter o ônus da prova deverá

verificar um desses pressupostos, utilizando das regras ordinárias de experiência.

Vale destacar, a chamada teoria dinâmica do ônus da prova, em que cabe ao juiz

o exame da questão em cada caso concreto, fazendo incidir o ônus da prova sobre a

parte que tem melhores condições, especialmente técnicas, de demonstrar o fato, o que

muitas vezes pode resultar na inversão do ônus probandi.

O art. 373, § 1º, do Código de Processo Civil, presume que, nos casos previstos

em lei, ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à

excessiva dificuldade de cumprir o encargo, disposto no art. 373, caput, do CPC/2015,

ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o

ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em

que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

Assim, há no Código de Processo Civil forma expressa permitindo que o juiz

distribua o onus probandi e abrindo a possibilidade de a legislação esparsa prever outras

hipóteses de aplicação dessa teoria.

76

Princípios do Processo Civil. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

73

Segundo Daniel Amorim Assumpção, “criou-se um sistema misto: existe

abstratamente prevista em lei uma forma de distribuição, que poderá ser no caso

concreto modificada pelo juiz. Diante da inércia do juiz, portanto, as regras de

distribuição do ônus da prova no Novo Código de Processo Civil continuarão a ser as

mesmas do diploma processual revogado”.77

Entretanto, a decisão de inversão do ônus da prova não pode gerar situação em

que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil

(art. 373, § 2º, do CPC).

Assim sendo, a distribuição dinâmica do ônus da prova procura a facilidade para

produção da prova, dependendo do caso concreto, como forma de preservar a boa-fé, a

lealdade, a igualdade, a solidariedade, o devido processo legal e o acesso à justiça,

impedindo comportamentos abusivos por parte daqueles que possuam melhores

condições de provar, os quais poderiam se fundar no dever de cooperação processual,

permanecendo na inércia com amparo das regras rígidas e inflexíveis do atual modelo

probatório.

Como destacado por Humberto Theodoro Junior “a redistribuição não pode

representar surpresa para a parte, de modo que a deliberação deverá ser tomada pelo

juiz, do ônus da prova esclarecedora, a tempo de proporcionar-lhe oportunidade de se

desincumbir a contento do encargo. Não se tolera que o juiz, de surpresa, decida

aplicar a dinamização no momento de sentenciar; o processo justo é aquele que se

desenvolve às claras, segundo os ditames do contraditório e ampla defesa, em

constante cooperação entre as partes e o juiz e, também, entre o juiz e as partes, numa

completa reciprocidade entre todos os sujeitos do processo”. 78

Já para Daniel Amorim Assumpção Neves não se trata de inversão do ônus da

prova, mas sim de mera sinalização “às partes que, no caso de necessidade de

aplicação da regra, o fará de forma invertida, e não conforme previsto como regra

geral em nosso estatuto processual”. 79

Diante disso, o sistema jurídico brasileiro, de acordo com as normas e valores

que emanam da Constituição Federal, dispõe a adoção da teoria das cargas probatórias

77

Manual de direito processual civil. 8ª ed. Salvador: Juspodium, 2016, p. 1226 78

Curso de direito processual civil. 56ª ed. São Paulo: Forense, 2015, v. 1, p. 1137. 79

Ibid., p. 1232.

74

dinâmicas para a excepcional definição de quem são os responsáveis pela demonstração

dos fatos.

A distribuição dinâmica a ser adotada pelo julgador, não poderá acarretar a

impossibilidade ou a excessiva dificuldade de cumprir o encargo à parte excepcionada

(art. 373, § 2º, do CPC). É vedada a técnica da dinamização, quando essa acarretar uma

probatio diabolica reversa.

Como citado por Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de

Oliveira, “a modificação do ônus da prova não poderia ser feita na hipótese em que

tornaria impossível que a outra parte dele se desincumbisse”. 80

No mesmo sentido, orienta Daniel Amorim Assumpção Neves: “A norma é

elogiável porque a técnica de distribuição dinâmica da prova não se presta a tornar

uma das partes vitoriosa por onerar a parte contrária com encargo do qual ela não

terá como se desincumbir. A nova sistemática de distribuição do ônus da prova serve

para facilitar a produção da prova, e não para fixar a priori vencedores e vencidos”. 81

Se essa teoria já vinha sendo utilizada para regular a produção probatória em

casos de erro médico, e, posteriormente, em relações bancárias e securitárias, mister se

faz o alargamento dessa diretriz às mais diversas naturezas de causas, sempre que se

fizer presente a exigência de facilitação da defesa judicial de um direito.

Em relação ao processo do trabalho, até a reforma trabalhista não havia previsão

de inversão do onus probandi na Consolidação das Leis do Trabalho, nem em nenhuma

outra lei trabalhista.

Segundo Mauro Schiavi, é possível a inversão do ônus dinâmica no processo do

trabalho como regra de instrução, mesmo sem previsão legal de despacho saneador, pois

formalmente, o juiz saneia o processo na própria audiência. Em suas palavras “o juiz,

ao sanear o processo na própria audiência, ou em outro momento processual, deve

fundamentar a aplicação do ônus dinâmico da prova, antes do início da instrução

processual”. 82

80

Curso de direito processual civil. 10ª ed. Salvador: Juspodivm. 2015, v. 2, p. 1226. 81

Ibid., p. 1228. 82

Manual de processual do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr., 2015, p. 690.

75

No mesmo sentido, Carla Teresa Martins Romar destaca que se “o juiz entender

pela aplicação da distribuição dinâmica do ônus da prova em relação a fatos alegados

no processo e em relação aos quais não há uma definição prévia pela jurisprudência de

a quem incumbe o ônus, isso ocorrerá na audiência”. 83

Ainda sobre a questão da compatibilidade, a mesma jurista defende que “como o

legislador permite o fracionamento da audiência em mais de uma seção, caso o juiz

entenda necessário em virtude da ocorrência de questões diversas, parece-nos que a

aplicabilidade da carga dinâmica do ônus da prova impõe a definição pelo juiz, com

registro em ata de audiência, das incumbências probatórias de cada parte e, por

consequinte, o fracionamento da audiência, com designação de nova data para a

instrução probatória para que a parte onerada possa se desincumbir do seu encargo. A

celeridade e a concentração de atos não podem se impor às garantias do direito de

defesa, do contraditório e do devido processo legal”. 84

Como já mencionado, o Código de Processo Civil e a Consolidação das Leis do

Trabalho adotaram a distribuição estática do ônus da prova, conforme redação dos

artigos 373 do CPC e 818 da CLT, porém tanto o CPC como a CLT, após a reforma

trabalhista, já prevêem regra de inversão.

No Direito Processual do Trabalho, a teoria da distribuição do onus probandi

tem plena aplicação. A justificativa encontra-se na teoria do Direito Processual Comum

(direito fundamental à prova e princípio da igualdade material no processo), que

também deve ser verificada no processo juslaboral.

Também a jurisprudência trabalhista fixou algumas hipóteses de inversão do

ônus, como se depreende do teor das Súmulas 06, VIII (equiparação), 16 (notificação),

212 (término do contrato), 338, I (jornada de trabalho), 461, I (FGTS), cancelamento da

Súmula 215 (que atribuía o ônus ao empregado em relação ao vale transporte). Todos

esses verbetes invertem a regra geral de que o ônus pertence a quem alega, ao que ao

autor cabe o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito.

Consoante o artigo 357 do CPC, a regra geral é a distribuição do ônus de prova

ocorrer na decisão de saneamento, e de forma que seja dada à parte a oportunidade de se

83

Ibid., p. 1018. 84

Ibid., p. 1018.

76

desincumbir do ônus que lhe foi atribuído, do que se infere a impossibilidade de

inversão no momento da sentença (art. 373 § 1º do CPC).

Não obstante a regra dos artigos 15 do CPC e 769 da CLT e, ainda, a regra

introduzida no processo do trabalho pelo parágrafo 2ª do art. 818 por meio da reforma

trabalhista, torna-se controversa a aplicação do referido artigo 357 do CPC e da inversão

como regra de instrução em relação ao processo do trabalho, uma vez que em tal

procedimento não há despacho saneador, sendo que o primeiro contato que o juiz tem

com o processo é, justamente, na audiência, muitas vezes una.

Sobre referida questão, analisa Carla Teresa Martins Romar: “a inexistência do

despacho saneador [...] nos leva a adoção do entendimento de que as disposições

referentes à distribuição dinâmica do ônus da prova não podem ser, pura e

simplesmente, transplantados para o foro trabalhista, uma vez que a literalidade de

suas disposições não atende integralmente às peculiaridades existentes no Processo do

Trabalho”. 85

Ainda que inexistente o despacho saneador, já há diversas hipóteses sumuladas

de inversão, como, por exemplo, nas Súmulas 212 e 338 do TST, porém, justamente por

tal previsão jurisprudencial, a ausência de referido despacho não importaria,

necessariamente, em cerceamento de defesa ou, como mencionado pela mesma jurista

“permite previamente às partes conhecerem as hipóteses em que a inversão ocorrerá e,

se for o caso concreto em que se encontram, permite que as mesmas se preparem para

produzir a prova necessária para que se desincumbam de seu ônus”. 86

Discute-se, também, sobre a possibilidade de adiamento ou não da audiência

trabalhista, a qual, em geral, é una.

Sobre a questão, Carolina Marzola Hirata assim se manifesta: “Embora a

redação [...] pareça ser enfática no sentido de que a modulação do ônus da prova

ensejará, necessariamente, o adiamento da audiência, desde que haja requerimento da

parte, essa previsão não exclui a possibilidade de o juiz, mediante decisão

fundamentada, indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias. Isso porque o

magistrado, como diretor do feito, tem o dever de controlar as condutas das partes

85

Ibid., p. 1016. 86

Ibid., p. 1016.

77

para que atuem no processo de acordo com os preceitos de probidade e lealdade

processuais, prevenindo condutas tumultuárias do processo e imprimindo celeridade na

tramitação do feito”. 87

Em sentido contrário, há quem defenda que o fracionamento será inevitável,

como mencionado por Carla Teresa Martins Romar: “a aplicabilidade da carga

dinâmica do ônus da prova é incompatível com a adoção de audiência una, já que,

sendo definida a distribuição do ônus da prova na audiência, a parte a quem foi

atribuído o ônus não terá como produzir a prova, ou pelo menos terá grande

dificuldade para tanto, já que não se preparou para tal situação previamente. Isso

ocorrendo, a imposição do ônus da prova transforma-se em verdadeira “armadilha”

para a parte que, não conseguindo provar os fatos, sofrerá as consequências negativas

derivadas de uma sentença desfavorável”.88

Destacam-se, nesse sentido, os princípios norteadores do processo do trabalho,

como o da concentração, da celeridade, da informalidade, lembrando a natureza

alimentar dos créditos trabalhistas, natureza essa que exige uma solução célere, porém,

justamente por tal necessidade de celeridade, não pode adotar condutas que levem à

nulidade da decisão.

Logo, o não adiamento da audiência, quando requerido pela parte onerada, e

existindo justificativa para o adiamento, poderá redundar em nulidade da sentença, o

que, ao contrário de contribuir para uma resposta rápida ao jurisdicionado, em verdade a

retardará.

Ainda discorrendo sobre a inversão no âmbito trabalhista, a doutrina trabalhista

vem sinalizando no sentido de ser efetivamente uma regra de instrução.

Nesse sentido, em artigo científico Edilton Meireles sustenta que:

“O disposto no art. 6º, VIII, do CDC não estabelece uma simples regras de

julgamento, mas, sim, um comando que prevê um procedimento a ser adotado pelo juiz,

vinculado às atividades a serem desenvolvidas pelas partes, especialmente pelo réu-

fornecedor, ao se impor a este um ônus processual que ordinariamente não lhe seria

87

HIRATA, Carolina Marzola. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: Comentários à parte processual do PL nº 6.787/2017 (Câmara dos Deputados – PL/2017 (Senado Federal). São Paulo: Revista LTr. 81-06/658-671. 88

Ibid., p. 1017.

78

exigível. A partir dessa decisão, o juiz estaria autorizado, para compatibilizá-la à

atividade procedimental, a inverter os demais encargos processuais, por exemplo, em

relação ao ônus pecuniário da realização da perícia quando determinada de ofício,

numa verdadeira alteração da regra estabelecida no art. 333, in fine, do CPC, que

impõe ao autor esse encargo. Assim, o juiz estaria, a partir dessa inversão do ônus da

prova, autorizado a adotar todas as providências procedimentais necessárias à

efetivação desse direito do autor-consumidor. Seria, portanto, uma regra de atividade e

não uma regra de julgamento [...] Assim, por exemplo, na reclamação trabalhista onde

seja necessária a realização de prova pericial para comprovar o labor em condições

perigosas, sendo o reclamante hipossuficiente, deve o juiz inverter o ônus da prova,

incumbindo à demandada o ônus de comprovar o fato contrário. Evidentemente o juiz

deve verificar se o fato alegado na inicial é verossímil, pois a não comprovação das

afirmações do réu, em sua defesa, acarretará a presunção de veracidade do aduzido

pelo autor, o que pode conduzir a uma aberração jurídica, que repugna a consciência

comum, em não existindo dita verificação”. 89

Nesse sentido, Mauro Schiavi defende que “a lei não disciplina essa questão.

Entretanto, acreditamos, a fim de resguardar o contraditório e a ampla defesa (art. 5º,

LV, da CF), que a inversão do ônus da prova deve ser levada a efeito pelo Juiz do

Trabalho antes do início da audiência de instrução, em decisão fundamentada (art. 93,

IX, da CF), para que a parte contra a qual o ônus da prova foi invertido não seja pega

de surpresa e produza as provas que entender pertinentes, durante o momento

processual oportuno”. 90

No âmbito do processo do trabalho, já vinham admitindo a doutrina e a

jurisprudência a inversão em casos de doença do trabalho, acidente, cargo de confiança,

já que possui o empregador melhor aptidão para a produção de prova de sua ausência de

culpa.

Com as novas regras sobre inversão do ônus, outras matérias poderão ser objeto

de tal procedimento.

89

MEIRELES, Edilton. Inversão do ônus da prova no processo trabalhista. Revista Juris Plenum [CD-ROM], Caxias do Sul-RS: Plenum, v.2, 2005 apud BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr. 2011. p. 601-602. 90

SCHIAVI, Mauro. Prova no Processo do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr. 2014. p. 93.

79

Isso quer dizer que, em respeito ao contraditório, a parte terá amplo direito à

produção da prova, de maneira que não parece adequado que a inversão ocorra somente

no momento de prolação de sentença, sob pena de ofensa ao princípio da economia

processual.

Nesse sentido, há vasta jurisprudência sobre a inversão do ônus da prova na fase instrutória:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REGRA DE PROCEDIMENTO E NÃO DE JULGAMENTO. INVIABILIDADE DE INVERSÃO TÃO SOMENTE NO MOMENTO DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE VICIO NO JULGADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. UNÂNIME. (Embargos de Declaração Nº 71005144340, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em 14/10/2014). (TJ-RS - ED: 71005144340 RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Data de Julgamento: 14/10/2014, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/10/2014)

APELAÇÃO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EXTRAVIO DE BAGAGEM INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA MOMENTO PROCESSUAL REGRA DE INSTRUÇÃO CERCEAMENTO DE DEFESA. A oportuna inversão do ônus probatório deve ocorrer no momento de saneamento do feito, ou antes, do encerramento da fase instrutória do processo, de forma a atribuir a cada parte seus direitos e obrigações. A aplicação da inversão do ônus da prova como regra de julgamento enseja o cerceamento de defesa da parte que, pega de surpresa, passa a ter atribuição do ônus da prova só no momento do sentenciamento da lide, ocasião na qual, já finda a instrução probatória, fica a mercê das provas até ali produzidas, sem ter condições de comprovar o fato constitutivo de seu direito ou o fato impeditivo, modificativo ou extintivo da pretensão de seu ex adverso. Precedentes do STJ. SENTENÇA ANULADA RECURSO PROVIDO. (TJ-SP - APL: 00036976820128260047 SP 0003697-68.2012.8.26.0047, Relator: Eduardo Siqueira, Data de Julgamento: 22/05/2013, 38ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/05/2013)

Verifica-se que, em tais decisões, privilegiou-se o princípio da ampla defesa e do

contraditório.

80

Outra questão que exige uma postura diferenciada no processo trabalhista é a

existência de um volume excepcional de trabalho, audiências, processos, os quais não

diminuirão mesmo com a reforma, apesar de significativo entendimento em sentido

contrário.

Além da natural controvérsia sobre a interpretação de cada texto da reforma,

novos casos surgirão, e mesmo que haja diminuição, atualmente a estrutura da Justiça

do Trabalho vem se mostrando insuficiente para os casos atuais, haja vista o acúmulo de

audiências e de trabalho para magistrados e servidores.

Vale lembrar que no processo do trabalho o juiz tem contado com o a demanda

no momento da audiência, em geral com pautas de quinze, vinte audiências no dia, o

que impede uma análise mais aprofundada sobre o ônus da prova.

Como destaca Carla Teresa Martins Romar: “parece-nos que dificilmente a

análise sobre a dificuldade de produção probatória, que deve ser cuidadosa e

criteriosa, e a fixação fundamentada da distribuição dinâmica do ônus probatório em

ata de audiência poderão ser feitas, o que poderá levar a situações concretas de

distribuição dinâmica de ônus da prova de forma apressada e descuidada, gerando

insegurança e desrespeito ao devido processo legal”. 91

Uma questão que merecerá um estudo mais criterioso será a definição sobre se o

adiamento ou não da audiência importará em nova audiência una ou audiência de

instrução, já que, no primeiro caso possibilita-se ao réu/reclamado a reformulação de

sua defesa e, no segundo caso, já se abre a defesa à parte autora para impugnação.

A melhor interpretação deve ser o adiamento apenas para instrução, tanto pela

literalidade do parágrafo 2º do artigo 818 da CLT, que faz referência à decisão “antes da

abertura da instrução” e não “antes da apresentação da defesa”, bem como pela própria

sistemática há muito adotada no processo comum, no qual o despacho saneador é

sempre proferido após a contestação e a réplica.

Outra peculiaridade do processo do trabalho, que merece atenção especial, é em

relação à natural cumulação de pedidos, significativamente superior à que existe em

outros ramos do Judiciário.

91

Ibid., p. 1019.

81

Tal cumulação objetiva importará, muitas vezes, na atribuição de ônus de forma

diversa da regra geral para diversos pleitos, o que exigirá do julgador a definição em

relação a cada um.

Discorrendo sobre a hipótese, Carla Teresa Martins Romar assim se manifesta:

“No Processo do Trabalho é comum a cumulação de pedidos nas ações, o que, se de

um lado, inegavelmente evita a proliferação de demandas entre as mesmas partes,

propiciando economia de tempo e de dinheiro, de outro lado, em relação ao tema ora

tratado, revela a imposição ao juiz de uma definição prévia [...] de como a distribuição

do ônus probatório está sendo feita, com individuação em relação a cada um dos

pedidos”. 92

Tais inovações causarão, em um primeiro momento, muitas dúvidas e decisões

díspares, até que se chegue a um entendimento que traga a todos segurança e

possibilidade de ampla defesa.

3.2 Principais teorias sobre a inversão do ônus da prova

3.2.1 Teoria de Chiovenda

Segundo Giuseppe Chiovenda, não há, no processo, um dever de provar, mas tão

somente necessidade ou ônus, e seu descumprimento gera apenas uma situação jurídica

similar ao inadimplemento.

Para Chiovenda, considerando-se que a solução das controvérsias resvala a um

modelo de convicção do juiz, torna-se necessário que a produção das provas se dê de

forma mais perfeita. Conforme o referido autor, a produção da prova se configura em

um encargo, que, em um primeiro momento, é atribuído ao autor por duas razões: I) por

sua condição de iniciador da lide; e II) o seu interesse de tomar para si a prova de seus

argumentos a fim de evitar os argumentos do adversário.93

Em sequência, o autor ressalva o fato de que não são de incumbência do autor

todas as provas para a convicção do Juiz, uma vez que não necessariamente o réu se

limita a negar o direito alegado pelo autor em sua peça inicial. Há vezes em que o réu

92

Ibid., p. 1019. 93

Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 2009, p. 931.

82

admite a existência anterior do direito, mas afirma sua extinção, situação em que chama

a si a responsabilidade pela prova, por se tratar de fato extintivo ou impeditivo do

direito alegado pelo autor.

Destaca-se a crítica do autor em relação à máxima (decorrente da interpretação

medieval das regras de direito romano) affirmati no neganti incumbit probatio, que por

sua vez fez surgir o princípio negativa non sunt probanda. Por tal máxima, não haveria

necessidade de prova de negações, apenas das afirmações. 94

Inicialmente, Chiovenda critica o princípio porque, na maior parte das vezes,

não se consegue distinguir entre o que é negativa ou afirmativa. Aponta o autor que “via

de regra, toda a afirmação é, ao mesmo tempo, uma negação, quando se atribui a uma

coisa um predicado, negam-se todos os predicados contrários ou diversos”. 95

Ressalta, também, que se torna impossível a aplicação da máxima romana nas

situações em que a demanda tem como fundamento fato negativo. Assim, tendo como

pressuposto o entendimento de que sobre o autor recai o ônus da prova dos fatos

constitutivos do seu direito, nos casos em que a pretensão tem por pressuposto um fato

negativo, a este caberia a prova da negativa, distanciando-se, dessa forma, da regra

negativa de que non sunt probanda. Mesma situação se daria em demandas

declaratórias negativas, nas quais o que se pretende é o reconhecimento da inexistência

de um direito ou de um fato.

Com tais considerações, Chiovenda destaca a dificuldade em se chegar “a uma

formulação geral e completa do princípio que preside ao ônus da prova, assim também é

difícil dar-lhe justificação racional, absoluta e real”. 96

O autor defende que, não obstante no caso concreto perceber-se uma

necessidade em atribuir a uma das partes o ônus da prova, é difícil verificar uma razão

geral para fazê-lo. Esclarece que o justo seria ao autor incumbir a produção da prova

94

Ibid., p. 931 95

Ibid., p. 932 96

Ibid., p. 932

83

não só dos fatos constitutivos de seu direito, mas também a inexistência de fatos

impeditivos ou extintivos, porém reconhece que lhe seria impossível tal tarefa.

Dessa forma, segundo seu ponto de vista, a divisão do ônus da prova resulta de

uma razão de oportunidade. Em homenagem aos princípios que regem o processo

comum, notadamente o princípio dispositivo (uma vez que, de modo geral, há vedação

ao juiz de procurar provas não constantes dos autos, assim como substituir as partes no

que tange à produção de tais provas) e o princípio da igualdade das partes, o ônus da

prova deve ser repartido entre tais partes de acordo com os fatos cuja prova seja de seu

interesse (isto é, cada uma das partes deve provar o que for por elas alegado). 97

Nesse aspecto, goza o réu de uma posição relativamente privilegiada em relação

à posição do autor, uma vez que o interesse do réu é a não existência dos fatos alegados

pelo autor. Por isso, uma vez não tendo o autor provado os fatos constitutivos de seu

direito, a consequência é a improcedência de sua pretensão, sem qualquer dependência

da conduta do réu no que tange à produção de provas, podendo este se limitar,

exclusivamente, a negar os fatos alegados pelo autor. 98

Segundo tal linha de pensamento, é incumbência do autor a comprovação dos

fatos constitutivos de seu direito, os quais, estando demonstrados, transferem ao réu o

ônus de provar, ou a inexistência desses fatos, ou a extinção, modificação ou

impedimento do direito do autor. Segundo a visão de Chiovenda, o ônus da prova é uma

questão de oportunidade e de interesse, ficando cada uma das partes onerada a produzir

provas dos fatos que possam ensejar o resultado que lhe seja mais benéfico.

O autor ainda destaca que a divisão do ônus da prova tem relação direta com a

conservação do princípio dispositivo, apontando que, se assim não fosse, ou seja, em

um sistema puramente inquisitivo, não haveria espaço para a repartição do ônus da

prova, já que haveria ampla permissão ao juiz para a busca da verdade. 99

97

Ibid., p. 934 98

Ibid., p.934 99

Ibid., p. 945

84

3.2.2 Teoria de Carnelutti

Segundo Carnelutti, não é suficiente apenas a ideia de interesse como explicação

para a distribuição do ônus da prova, pois há para ele diferença entre o ônus de afirmar e

o ônus de provar, já que o primeiro é unilateral e o segundo é bilateral, ou seja, uma vez

afirmado determinado fato na demanda, a ambas as partes haverá interesse na produção

de em relação a ele, “uma tem interesse de provar sua existência e a outra, sua

inexistência”. 100

Entende o autor que, no aspecto teleológico, deve prevalecer o critério pelo qual

a inexistência de prova venha a prejudicar a parte que possua interesse em contribuir

com a prova positiva (existência do fato) e favorecer aquela cujo interesse seja a prova

negativa (inexistência do fato). Para Carnelutti, apenas dessa forma se poderia obter o

objetivo do processo, “que não é a simples composição, mas a composição justa do

litígio”. 101

Carnelutti resume o instituto do ônus da prova em dois aspectos essenciais: “na

proibição ao juiz de buscar por si só a prova que não tenha sido fornecida pelas partes”;

e “na distribuição entre estas do risco da prova que faltar, ou em outras palavras: da

incerteza dos fatos”. 102

De acordo com o pensamento de Carnelutti, a divisão do risco da prova que

faltar ocorre quando os efeitos de referida falta refletirem sobre esta ou aquela parte,

segundo o fato seja pressuposto de uma pretensão ou de uma exceção.103

Para tal autor, a repartição do ônus não ocorre pelo poder de provar, mas pelo

risco a que a parte corre com a ausência ou insuficiência de prova. Isso porque, se

existirem nos autos fundamentos que comprovem determinado fato, o juiz formará sua

convicção em tais fundamentos; por outro lado, inexistindo qualquer prova, ou essas

sendo insuficientes, o juiz solucionará a demanda baseado nas regras de divisão do ônus

100

A prova civil. Campinas: Bookseller. 2002, p. 257. 101

Ibid., p. 257. 102

Ibid., p. 256. 103

Sistema de direito processual civil. São Paulo: Classicbook, 2000, v. 2, p. 135.

85

da prova, decidindo em desfavor da parte a quem recaiu o encargo de demonstrar o fato

cuja prova não foi produzida a contento.

O autor salienta que, em determinadas situações, a lei pode inverter o ônus da

prova. Isso se verifica por meio de presunções, ocasiões em que certa pretensão ou

exceção não possui a necessidade de ser provada, ficando tal ônus à parte que invoca

uma contrapretensão ou contraexceção.

Esclarece, ainda, que a máxima actore non probante, reus absolvitur não tem

lugar apenas na hipótese de ausência de prova da pretensão, porém também no caso de

não se alcançar o nível de prova necessário para formação da convicção do juiz (cita-se

a obtenção de princípio de prova ou prova não plena).

3.1.3 Teoria de Emílio Betti

Emilio Betti objeta a teoria de Carnelutti, defendendo que o interesse à

afirmação é bilateral, não obstante em menor medida do que o interesse à prova

(Chiovenda). De fato, o réu possui interesse em afirmar a inexistência dos fatos

alegados pelo autor, todavia, enquanto não houver prova pelo autor da sua existência,

não haverá ao réu o ônus de provar a sua afirmação (inexistência do fato). 104

Assim, substituindo o interesse à afirmação, Betti defende que o critério válido

para repartição do ônus da prova repousaria no ônus da afirmação.

Ressalta o jurista que há relação entre o ônus da demanda e da afirmação e,

ainda, a profunda conformação entre o ônus da afirmação e o ônus da prova,

excepcionando apenas os fatos notórios. Além do mais, biparte o ônus da demanda em

ônus da ação, por parte do autor, e ônus da exceção, por parte do réu. 105

Alega ainda que a divergência entre o ônus da ação e o ônus da exceção,

inclusive com efeitos sobre o ônus da prova, pode ser obtida em consonância com dois

104

BETTI, Emilio. Diritto processuale civile italiano. 2ª ed. Roma: Società Editrice de Foro Italiano, 193 apud PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2012. p. 115 105

Ibid., p. 115

86

aspectos: a) o aspecto formal, pelo qual quem tem o ônus da ação também possui o ônus

da afirmação e prova dos fatos que embasam suas razões trazidas a juízo (da mesma

forma, quem possui o ônus da exceção deve afirmar e provar os fatos que fundamentam

sua exceção); b) o aspecto material, consistente no alcance jurídico que o direito

substancial atribui aos fatos ou às circunstâncias afirmadas.

Segundo o mencionado aspecto material, Betti lista a natureza dos fatos ou

circunstâncias em acordo com a sua importância para o surgimento, a transformação ou

o término da relação (ou estado) deduzida em juízo: a) fatos constitutivos são aqueles

pelos quais a norma substancial confere eficácia de dar vida (constituir); b)

circunstâncias impeditivas são as que, em conformidade com o direito material, devem

coexistir com os fatos constitutivos, e sua ausência impede a produção de seus efeitos,

ficando tanto sua afirmação como sua prova como funções do réu; e c) os fatos

modificativos ou extintivos são os que, tendo ocorrido depois da formação da relação

jurídica, por força do direito material, podem vir a extingui-la ou modificá-la, tendo

também o réu a incumbência de sua afirmação e prova.106

Continua Betti, ressaltando que a diferenciação entre o que é fato constitutivo e

fato extintivo – ou entre aquele e o fato modificativo – não importa em dificuldade. Não

é, entretanto, possível dizer o mesmo no que diz respeito à diferenciação entre o que é

fato constitutivo e o que é condição impeditiva. Assim, defende que a melhor forma de

diferenciá-los é considerando como normal a presença de circunstância concorrente

(impeditiva), utilizando, dessa forma, do critério da normalidade. 107

3.1.2 Teoria de Jeremy Bentham

O conceito de distribuição dinâmica do ônus da prova não é recente; surgiu com

o filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham, o qual questionava a distribuição do ônus

como uma regra geral, cabendo, no entanto, destacar que esse jurista jamais citou que a

106

Ibid., p. 116 107

Ibid., p. 116.

87

aplicação da inversão dinâmica poderia ocorrer como forma de correção de injustiças. 108

Segundo o autor, deveria ser definida em cada caso concreto a divisão do ônus

da prova, atribuindo tal ônus à parte que possuísse maior facilidade em produzir as

provas necessárias, ou seja, àquela que sofresse menores despesas, constrangimento ou

que pudesse produzir a prova no menor tempo. Assim, a parte com maior possibilidade

de produzir provas no menor tempo e com o menor gasto, teria a incumbência de fazê-

lo. 109

É clara a índole protecionista ao autor da lide, desconsiderando qualquer

necessidade de que esse tenha que provar os fatos constitutivos do direito que alega

possuir.

Parte-se da presunção de que o autor não intentaria uma demanda sem que

possuísse razão em sua pretensão.

Referida teoria serviu de base para a teoria a seguir estudada, concebida por

Jorge W. Peyrano.

3.1.5 Teoria de Jorge W. Peyrano

Refletindo sobre as limitações de todas as teorias que estipulam a forma estática

para a distribuição do ônus da prova, Jorge W. Peyrano também concebeu uma teoria de

repartição dinâmica do ônus da prova.

Destacando que, inserto no ônus do processo, possui singular importância o ônus

da prova, o qual indica a quem cabe a tarefa de demonstrar dentro da demanda como se

deu determinado fato. No entanto, assevera que esse tema só se reveste de importância

quando ausente prova que seja capaz de formar o convencimento do julgador, situação

108

BENTHAM, Jerémie. Tratado de las pruebas judiciales. Trad. de Manuel Ossorio Florit. Buenos Aires, EJEA, 1971, v. 2, p. 149 apud PIRES, Cristiane Pedroso. Distribuição dinâmica do ônus da prova. Dissertação Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2014, p. 33. 109

Ibid.,. p. 33

88

em que a sentença deve ser prolatada em desfavor daquele que deveria provar e não o

fez. 110

Aponta o autor que a adoção pela doutrina de um ponto de vista exageradamente

estática sobre a questão, acaba estabelecendo regras excessivamente rígidas sobre o

ônus da prova, não dando a devida atenção às circunstâncias peculiares do caso

concreto, as quais, possivelmente, poderiam levar a outro desfecho. 111

Dessa forma, defende o autor ser necessária a repartição do ônus da prova de

maneira mais versátil, dando atenção aos casos em que a fórmula de divisão estática não

se apresente satisfatoriamente apropriada.

Pela teoria do ônus dinâmico da prova, de acordo com as peculiaridades do caso

concreto, há a transferência do ônus de uma para outra parte, empenhando aquela em

que se situam condições de vantagem, sejam técnicas, profissionais ou fáticas, para a

produção da prova de determinado fato, independentemente de se encontrar na posição

de autor ou de réu, ou mesmo de se tratar de fato constitutivo, impeditivo, modificativo

ou extintivo de direitos. 112

A justificativa do autor para a denominação optada é que se trata de teoria que

atribui o ônus da prova àquela parte que, em princípio, a ele não se sujeitava.

Jorge W. Peyrano também sublinha que não há a intenção de que outra regra

rígida de repartição do ônus probatório venha a surgir, objetivando tão somente

propiciar de forma excepcional, um paradigma de distribuição de referidos ônus em

situações singulares, nas quais o modelo tradicional se mostra insatisfatório. 113

Em seu trabalho doutrinário, Jorge W. Peyrano critica a postura de conceber-se

apenas uma norma para atribuição do ônus da prova. Segundo suas palavras, coube à

110

PEYRANO, Jorge W. e CHIAPPINI, Julio. O lineamentos de las cargas probatórias “Dinâmica”. In: Carga Probatorias Dinâmica. Dir. Jorge W Peurano. Coord. Ines Lépori White. Santa Fe: Rubizal Culsoni Editores, 2008, p. 14-15. 111

Ibid., p. 15. 112

Ibid., p. 19-20. 113

Ibid., p. 24.

89

praxis alertar a doutrina sobre a inadequação ou insuficiência das regras estáticas para

tal questão.114

Destaca que, de forma gradual e sob impulso de decisões judiciais, surgiram as

primeiras regras de atribuição dos encargos probatórios de maneira flexível. Acentua a

posição especial dos juízes em ponderar as circunstâncias do caso concreto de forma

adequada, ainda que na falta de norma expressa atribuindo-lhes tal tarefa. 115

Como exemplo de atribuição diversa do ônus da prova, Jorge W. Peyrano cita

presunções com base no conhecimento da pessoa comum, algo como o previsto em

nosso Código de Processo Civil, em seu artigo 375 (O juiz aplicará as regras de

experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e,

ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial).

Em suas palavras “quem sustenta que algo sucedeu ao contrário da ordem normal das

coisas tem o ônus da prova”. 116

Segundo seu entendimento, “no processo se dá uma permanente mutação de

papéis e situações que em um momento dado podem proporcionar a alegria do êxito e,

em um instante, a tristeza do fracasso”. 117

Chega, em seu estudo, a quatro conclusões: em primeiro lugar, a distribuição

dinâmica, apesar de o mais importante, é apenas um dos capítulos relativos à

distribuição do encargo probatório. Lembra, também, a solidariedade e responsabilidade

compartilhada no momento de produção da prova.

Em segundo lugar, enfatiza o aspecto subsidiário e residual de tal procedimento,

que se deve dar apenas em caráter excepcional, quando a aplicação da teoria estática

produzir um resultado indesejado.

Outro ponto de destaque é a possibilidade de redistribuição dinâmica ou

inversão, nos casos em que uma das partes “está em melhores condições profissionais,

114

Ibid., p. 15. 115

Ibid., p. 16. 116

Ibid., p. 16. 117

Ibid., p. 17.

90

técnicas ou fáticas para produzir a prova respectiva”, sem deixar de alertar para o

cuidado que se deve ter na hora de valorar tal prova, haja vista que quem está em tal

condição, também estará em condição de desvirtuá-la ou desnaturá-la. 118

A terceira conclusão é seu entendimento de ser inconveniente a incorporação da

teoria dinâmica no texto legal, de forma taxativa, que leve a uma interpretação

inflexível, impedindo ou dificultando ao intérprete o necessário ajuste em razão das

peculiaridades do caso concreto. 119

Sua quarta conclusão encampa a teoria dinâmica como regra de instrução,

destacando que a invocação apenas no momento de sentenciar pode ocasionar riscos

para o direito de defesa. Defende, portanto, a advertência às partes em audiência

preliminar, a fim de evitar tal risco. 120

118

Ibid., p. 18 119

Ibid., p. 19 120

Ibid., p. 19

91

4. Dispensa discriminatória

Antes de adentrar a análise da dispensa discriminatória, mister se faz analisar o

princípio da igualdade e o da não discriminação.

O art. 5º, inciso I, da Constituição Federal de 1988 dispõe sobre o princípio da

igualdade de direitos prevendo a igualdade de aptidão, igualdade essa de possibilidades

virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm direito de tratamento idêntico pela lei.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade de direito à vida, à liberdade, à

igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos

termos desta Constituição.

Mas não é somente o referido art. 5º, I, que contempla tal princípio da igualdade.

Ele também consta em inúmeras disposições na Constituição Federal, como no

preâmbulo:

“Nós, representantes do provo brasileiro, reunidos em

Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado

Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de

uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na

harmonia social e comprometida, da ordem interna e na ordem

internacional, com a solução pacífica das controvérsias,

promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da

República Federativa do Brasil”.

Igualmente, vêm dispostos na parte final do art. 3º, IV e no art. 7º, incisos XXX,

XXXI, XXXII, ambos da Carta Magna:

92

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República

Federativa do Brasil:

[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além

de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de

funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou

estado civil;

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a

salário e critérios de admissão do trabalhador portador de

deficiência;

XXXII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico

e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

No entanto, o art. 5º, I, da Constituição Federal é o mais importante pilar da

igualdade constitucional.

Ao nos referirmos a isonomia, entretanto, é importante destacar que a igualdade

deve ser considerada sob dois ângulos: igualdade formal, significando a igualdade

perante a legislação, e a igualdade material, garantida por meio de instrumentos

constitucionais, destacadamente os direitos sociais e econômicos, assegurando

igualdade de forma precípua.

Vale destacar que a fixação da igualdade, tanto formal como material, representa

o maior desafio do Estado Democrático de Direito, já que a solidificação de tal princípio

requer, de forma original, a explicitação de quem são os “iguais” e quem são os

“desiguais”.

93

A própria natureza criou o homem de forma desigual em seu exterior, porém

ontologicamente igual, sendo função do direito estabelecer diferenças entre os entes

formalmente diferentes, para aproximá-los.

Assim, a primeira determinação do direito foi, justamente, estabelecer que

somente por meio de lei se poderiam criar diferenciações entre os seres. Entretanto, tal

atribuição ao legislador não era suficiente, pois poderiam ser repetidos erros históricos,

cabendo lembrar que o Holocausto, a escravidão, o apartheid também possuíam

previsão legal. Assim, necessário foi estabelecer critérios e limites ao legislador.

Dessa forma, tem-se por nova conquista o estabelecimento de parâmetros

constitucionais, ou seja, os tratamentos diferenciados, para serem considerados como

juridicamente válidos, devem estar expressos na Constituição Federal ou, ao menos,

serem compatíveis com princípios nela previstos.

Sob tal prisma, a melhor definição para a compatibilidade entre a Constituição e

norma que estabelece como tratar de forma diferenciada foi concebida pelo Professor

Celso Antonio Bandeira de Mello, em sua obra Conteúdo Jurídico do Princípio da

Igualdade, na qual destaca que a característica principal para examinar a

compatibilidade entre uma regra e um princípio isonômico está na existência ou não de

nexo lógico entre o fato destacado e a discriminação legal decidida em função dele.

Cabe frisar que o nexo lógico ou correlação lógica citada por Celso Antonio

Bandeira de Mello, em princípio não é estática, podendo sofrer influências éticas,

culturais, sociais, modificando-se e modulando-se de acordo com o tempo e o espaço.

Como exemplo, a limitação do exercício de determinada profissão aos que

concluíram com êxito o curso correspondente, como ocorre com a profissão de médico

ou engenheiro, pode ser citada como critério de discriminação com correlação lógica

entre a norma infraconstitucional e os valores protegidos pela Lei Maior, já que há o

resguardo de valores como a vida, a saúde e a incolumidade.

Já não haveria tal correlação lógica se a lei limitasse, por exemplo, o exercício

da medicina ou da engenharia a pessoas nascidas em determinada localidade, ou que

tivessem concluído curso em outra área, como direito ou pedagogia. Não há qualquer

correlação ou nexo lógico entre os discrímen e a discriminação legal.

94

Não obstante, há hipóteses para as quais a lei não pode deixar de observar a

vasta desigualdade social e biológica entre os indivíduos. Nesse aspecto, a linha

doutrinária mais contemporânea do Direito Constitucional afirma que, somando-se à

igualdade perante a lei, há a necessidade de igualdade “na lei”.

Tal conceito estabelece uma espécie de regra de modulação do sistema

constitucional, cuja base está em reconhecer a existência de diferenças substanciais

entre os indivíduos.

Conforme destaca Carla Teresa Martins Romar, que:

“[...] nem toda distinção, exclusão ou preferência pode ser considerada como

conduta discriminatória. O ordenamento reconhece que não constitui discriminação o

tratamento desigual que tenha um fundamento juridicamente aceito, como, por

exemplo, no caso do trabalho, a distinção feita entre homens e mulheres em relação aos

empregos que demandam uso da força muscular. O princípio da igualdade, fundamento

da não discriminação, assegura tratamento igual àqueles que têm a mesma condição,

permitindo que se estabeleçam critérios de proteção distintos àquele que têm condição

desigual entre si”. 121

Considera-se como “igualdade na lei” a forma contemporânea de afirmar que

uma regra se coaduna com o princípio da isonomia, não obstante trate os diferentes de

forma diversa, na medida de sua desigualdade (conforme frase célebre de Aristóteles,

citada por Ruy Barbosa em sua “oração aos moços”: A regra da igualdade não consiste

senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam).

Tendo por fundamento tal lógica, o legislador pátrio concebeu tratamento diferenciado

para grupos sociais mais vulneráveis, como mulheres, crianças, adolescentes, idosos,

trabalhadores, consumidores.

Também o Ministro Celso de Mello, ao julgar o Mandado de Injunção n. 58,

afirma que igualdade na lei é uma exigência ao legislador para que, no processo de

formação, não inclua questões discriminatórias, que são as causadoras da ruptura da

ordem isonômica;

121

Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 649.

95

Por outro lado, o conceito de “igualdade perante a lei” traz o pressuposto de que

a lei já existente é imposição a todos, inclusive aos demais poderes estatais, sendo que,

ao aplicar a norma legal, não se pode submetê-la a critérios que resultem em tratamento

diferenciado ou seletivo.

A não discriminação decorre diretamente da isonomia, sendo, desta forma, uma

derivação do princípio da igualdade. Todavia, em razão da importância que desfruta

referido conceito, passa a deter índole de princípio.

Sergio Torres Teixeira declara que:

“A proibição à discriminação, entretanto, se revela peculiar, sendo a

própria essência substancial do postulado da igualdade. É na

imposição da regra de não discriminação que se especifica o

princípio da igualdade. Tanto que a respectiva diretriz

antidiscriminatória é tradicionalmente elevada à categoria de

postulado geral, ou seja, de verdadeiro princípio norteador, ainda

que como fruto do cânone da isonomia. Em virtude da sua relevância,

assim, assume postura de verdadeiro princípio, o postulado da não

discriminação embora vinculado e englobado pelo mais abrangente

princípio da igualdade”. 122

Alice Monteiro de Barros defende que:

“A ideia de pessoa é incompatível com a desigualdade entre elas. A

tutela jurídica do direito à igualdade passará, normalmente, pela

declaração de inconstitucionalidade das normas que a violem no

domínio privado e incluíra à obrigação de indenizar por parte de

quem praticar atos discriminatórios em razão de raça, estado civil,

religião, sexo, orientação sexual, convicção filosófica, política e

social, entre outros. A não discriminação é, provavelmente, a mais

expressiva manifestação do princípio da igualdade, cujo

122 Proteção à relação de emprego. São Paulo: LTr, 1998.p. 371-372 apud RIBAR, Georgia. Os princípio constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e o princípio da não-discriminação na proteção contra a discriminação na relação de emprego. São Paulo: Revista LTr, 2006, p. 1099.

96

reconhecimento, como valor constitucional inspira o ordenamento

jurídico brasileiro no seu conjunto”. 123

Conforme explicita Daniela Lucy Lopes de Sehli, o conceito de não

discriminação representa o âmbito negativo do princípio da igualdade. Isso significa que

este concebe dever de agir de determinada maneira, enquanto o princípio da não

discriminação “assume uma ideia proibitiva, no que tange à diferenciação de fatos

iguais, desde que não exista uma razão lógica para esse tratamento desigual”. 124

Na seara trabalhista, o impositivo constitucional de tratamento igualitário para

situações iguais adquire nuances únicas, já que parte da incontroversa desigualdade

estrutural na relação entre empregado e empregador, e, observando a necessidade de ser

a forma de compensar tal desigualdade, surge o desafio de efetivar os direitos

fundamentais, destacando-se que, entre esses, o preceito constitucional da isonomia é

soberano.

Nas palavras de Adriana Campagnoli, Chayne Oliveira e Silvana Mandolozzo,

ao tratar da discriminação do portador do vírus HIV, o princípio da não discriminação

ganha força sob o prisma do Direito do Trabalho, uma vez que “o Direito do Trabalho é

caracterizado pelo embate em prol da concretização da igualdade entre homens e da

proteção do trabalhador, haja vista seu status de hipossuficiência”. 125

E foi nesse sentido que, apreciando demanda trabalhista em grau de recurso, o

Tribunal Regional do Trabalho da Bahia procurou destacar a relevância do direito

fundamental à igualdade como elemento equalizador do desequilíbrio nas relações de

emprego, conforme se constata no excerto transcrito abaixo:

“[...] Com efeito, a conduta perpetrada deixa clara a

discriminação procedida pela recorrente. Aliás, é preciso dizer que

a matéria é muito cara ao Direito do Trabalho, pois o tema da

igualdade e não discriminação se encontra na sua origem, eis que

123 Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 2005, p. 1064. 124

SHELI, Daniele Lucy Lopes de. A ruptura do contrato de trabalho e as práticas discriminatórias. apud DALLEGRAVE NETO. José Affonso; COUTINHO. Aldacy Rachi; GUNTHER, Luiz Eduardo. (coords). Transformações do direito trabalho.Curitiba: Juruá, 2007, p. 97. 125

Direito a continuidade do contrato de trabalho: empregado portador do vírus HIV. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Vol. 3, n. 27. (jan./fev. 2014). acessado em: 02-02-2017.

97

surge historicamente como elemento compensador das

desigualdades reais existentes entre empregados e empregadores

nas relações de trabalho. É assente a ideia de que o desequilíbrio

estrutural que vige na relação trabalhista, tendo de um lado o

empregador, detentor do poder econômico; e do outro o empregado,

que dispõe apenas de sua força de trabalho, mostra o ambiente

propício e que naturalmente já pode ensejar arbitrariedades que,

quando aliada a um fator discriminatório torna-se mais violenta.

(TRT 5ª R.; RecOrd 0002327-64.2013.5.05.0561; Primeira Turma;

Relª Desª Margareth Rodrigues Costa; DESJTBA 02/06/2015).

Dessa forma, e com o intuito de mitigar tal desequilíbrio, o princípio

isonômico, no âmbito das relações entre empregado e empregador inibe, esse de atuar

de forma discriminatória, valendo-se de tratamento diferenciado desfavorável sem

fundamento lógico, e com base em razões descabidas em face dos seus empregados.

Prestigia-se, assim, o princípio da não discriminação, não obstante se admitam

as denominadas “ações afirmativas”, por meio das quais se tem, como objetivo,

justamente a correção de distorções surgidas por todo um passado de discriminação.

Tais ações, formalmente discriminatórias de forma positiva, na verdade se constituem

em importante instrumento de equilíbrio, de correção de distorções.

Também se destacam as previsões legais que prescrevem tratamento desigual,

com base em fundamentos lógicos, como o artigo 390 da CLT, que impede a

contratação de mulheres para prestar serviços em atividades que demande o emprego de

força física superior a vinte quilos para trabalho contínuo.

Também, deve-se, obedecer ao princípio isonômico durante todo o pacto laboral,

antes mesmo da admissão, já que na seleção não se admite discriminação sem

fundamento lógico-jurídico, até o momento da ruptura contratual, uma vez que qualquer

conduta do empregador ao preferir ou preterir determinado trabalhador sem qualquer

fundamento, ou com fundamento ilegítimo juridicamente, constitui-se em prática

discriminatória. Não obstante, alerta Daniele Lucy Lopes de Sehli que “não contrário

do que ocorre nas fases pré-contratual e contratual propriamente ditas, na dispensa da

98

relação empregatícia é muito mais difícil visualizar o empregado como alvo de

perseguição do empregador”.126

Nesse contexto, importante é lembrar as palavras de Carla Teresa Martins

Romar: “as práticas discriminatórias nem sempre se manifestam de forma clara e

direta, mas sutil e indireta, quando, sob a aparência de neutralidade, nada mais fazem

que criar desigualdades em relação a certos grupos de pessoas com as mesmas

características”. 127

As práticas discriminatórias representam uma das questões mais discutidas no

universo laboral, isso porque, o cotidiano do Poder Judiciário tem revelado uma infeliz

recorrência de ações, noticiando a prática pelo empregador de atos arbitrários, com claro

conteúdo discriminatório em relação ao obreiro.

Qualquer conduta discriminatória é fortemente vedada pelo ordenamento

jurídico, em especial pelo previsto constitucionalmente (Preâmbulo do Texto Máximo;

art. 1º, III; art. 3º, I e IV; art. 5º, caput e inciso I; art. 5º, III, in fine, todos preceitos da

Constituição da República). Detectada prática discriminatória em qualquer fase da

contratação, surge o dever de reparação do dano moral perpetrado (art. 5º, V e X, da

CF/88; art. 186, CCB/2002).

E não só surge o direito à indenização por danos, mas também, por certo, outros

efeitos jurídicos resultantes do ato ilícito perpetrado, como previstos em lei. Destacam-

se as seguintes consequências:

a) a retomada do emprego com a reintegração do trabalhador;

b) a indenização pela rescisão, nos casos de não ser recomendável a reintegração

(nesse aspecto, a Lei nº 9.029/1995, em seu artigo 4º, faculta ao trabalhador lesado optar

pela reintegração ou indenização em dobro da remuneração do período de afastamento);

126

A ruptura do contrato de trabalho e as práticas discriminatórias. In Apud DALLEGRAVE NETO. José Affonso; COUTINHO. Aldacy Rachi; GUNTHER, Luiz Eduardo. (coords). Transformações do direito trabalho. Curitiba: Juruá, 2000, p. 101. 127

Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 651.

99

c) dependendo da forma como se deu a despedida, a possibilidade de sua

conversão em dispensa injusta (por exemplo, quando há irregular dispensa por justa

causa ou coação para pedido de demissão).

Em todas as alternativas poderá haver, concomitantemente, o direito à

indenização por danos morais.

A referida Lei nº 9.029/1995, traz em seu bojo diversas disposições

antidiscriminatórias, estabelecendo critérios para cada hipótese de dispensa, em vista

dos fatores de discriminação que cita (isto é, “sexo, origem, raça, cor, estado civil,

situação familiar ou idade” – art. 1º). Este mesmo texto legal, em seu art, 2º, faz menção

à mulher trabalhadora, citando como razões de discriminação vinculadas à temática da

gestação, natalidade, maternidade e congêneres.

Já o citado art. 4º, por sua vez, prevê que a ruptura do contrato de trabalho “por

ato discriminatório, nos moldes desta lei”, abre ao empregado a faculdade de optar

entre: I – readmissão, com ressarcimento integral de todo o período de afastamento,

mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas

dos juros legais; II – a percepção, em dobro, da remuneração do período de

afastamento, corrigidas monetariamente e acrescidas dos juros legais”.

Portanto, faz jus o empregado à dobra da indenização do período de

afastamento, caso opte por não retornar ao emprego.

No mesmo sentido, dá a jurisprudência efetividade aos princípios e regras

constitucionais e legais que cuidam do combate à discriminação nas relações de

trabalho, como se exemplificam pela Súmula 443, editada pelo TST, em setembro de

2012.

Referido verbete assim dispõe: “presume-se discriminatória a despedida de

empregado portador de vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou

preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.

100

4.1 Conceito

As palavras discriminação e discriminar têm sua etimologia no latim

(dicriminatio, discriminare), sendo discriminação o ato de distinguir ou diferenciar

alguém ou algo, e discriminar, pôr à parte ou separar.

No contexto jurídico, esses vocábulos são usados para indicar toda sorte de

separação que se possa fazer entre várias coisas, entre várias funções ou encargos,

distinguindo-as umas das outras, para que se diferenciem ou possam ser encaradas

consoante a divisão.128

Podendo ocorrer em vários contextos, o que a torna um fenômeno sociológico, a

discriminação que se pretende combater é a que traz injusto prejuízo à pessoa, a partir

de tratamento diferenciado, por motivo injustificável.

Dessa forma, haja vista que pode haver discriminação em benefício do

discriminado, o princípio da não discriminação trata somente daquela que causa

prejuízo à pessoa.

A discriminação revela-se como resultado de fatos históricos, e ganha relevo em

nosso país, cujo passado foi de escravidão de negros e índios, tidos por inferiores aos

brancos, ainda que detivessem superioridade física.

Nem sempre, contudo, a discriminação tem raiz étnica, podendo se estender a

outros fatores da vida e da sociedade, como em razão de credo, estado civil, orientação

sexual, aparência física, condição social. Infelizmente, não há limite para tal conduta.

Qualquer conduta discriminatória destrói ou corrompe os direitos fundamentais

do ser humano, trazendo prejuízos ao indivíduo em seu contexto social, cultural,

político ou econômico.

A forma mais frequente de discriminação é a racial, consistente em excluir,

restringir, isolar a pessoa com base em sua raça, cor, ascendência, etnia e, em nosso

país, até a origem regional.

128 DE PLACIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico. Vol. II, 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1991, p. 99.

101

Há, ainda, a discriminação social e a religiosa, quando a pessoa é tratada de

forma desigual e prejudicial por pertencer a uma classe social diferente ou seguir

determinado credo.

Nos termos do artigo 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos de

1948, "todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual

proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que

viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação".

Desde seu surgimento, a Organização das Nações Unidas tem envidado esforços

para erradicar toda e qualquer discriminação nas sociedades das nações integrantes.

Como resultado da discriminação surgem a segregação e a exclusão social,

consequências gravíssimas, que causam impacto extremamente negativo na sociedade.

O estudo da discriminação não se limita à identificação de suas manifestações,

mas, baseia-se principalmente, nas razões que a faz surgir, podendo ser destacadas: o

ódio, o pensamento de superioridade racial, a antipatia, os preconceitos, a ignorância, o

medo, a intolerância e a política mediata e estabelecida. 129

Em geral, a discriminação nasce de um sentimento de antipatia ou preconceito,

sem que o indivíduo atente para a realidade dos fatos ou se dê conta dos aspectos

racionais, que demonstram exatamente o contrário do que pensa: nessas hipóteses “a

paixão divorcia-se da razão” (Balzac) e leva a condutas emocionais, irracionais e

injustas. 130

O desconhecimento dos fatos e das pessoas, isso é, a ignorância, produz os

mesmos efeitos do preconceito, fazem com que sobrevivam boatos, mitos, lendas,

crenças e falsos conceitos, disseminando-os, sendo que em tais fatores é que se baseiam

os comportamentos.

Importante, assim, distinguir “preconceito” de “discriminação”.

129

Barros, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr. 2005, p. 1066 130

Ibid., p. 1066

102

Segundo Carla Teresa Martins Romar, “etimologicamente, preconceito significa

conceito ou opinião formados antecipadamente, ideia preconcebida, intolerância, ódio

irracional ou aversão a outras raças, convicções, religiões, etc. Discriminação

significa distinguir, diferenciar, segregar, dar preferência”. 131

Assim, nas palavras da jurista, “Preconceito é uma concepção interior.

Discriminação é a exteriorização do preconceito, sendo, por essa razão, objeto de

tratamento pela ordem jurídica”. 132

No âmbito específico do Direito do Trabalho destaca-se o medo da concorrência,

invocado como razão de discriminação com fundamento em raça ou sexo, aliado ao

temor de que a contratação de pessoas de determinada raça ou sexo venham a causar

diminuição de remuneração ou declínio das condições laborais.

Outro fator importante de discriminação reside na intolerância, geralmente

aliada a determinados credos, praticada por pessoas que seguem esta ou aquela religião,

ou, ainda, quando o aspecto religioso exerce importante papel na vida pública e social,

muitas vezes considerada como religião do Estado.

No sentido contrário também pode haver discriminação, ou seja, quando o

Estado é oficialmente hostil às manifestações religiosas. A discriminação religiosa é

flagrante tanto em países nos quais a religião possui papel de destaque como naqueles

em que a política oficial é contrária à religião. Nesses casos, a discriminação é praticada

até pelo próprio Estado.

Nem sempre a discriminação é fruto de atitudes pessoais, podendo resultar de

adoção de políticas criadas com o fito de separar raças protegendo uma delas, fato que

já foi consagrado por meio de leis anti-imigração, regulamentação de emprego, práticas

laborais, programas de formação profissionais, convenções coletivas, estatutos e

regulamentos sindicais.

Como exemplo cite-se o sistema que vigorou até bem pouco tempo na África do

Sul, que, dentre outras formas de discriminação, reservava determinados empregos para

certas raças.

131

Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 649. 132

Ibid., p. 649.

103

Tratava-se claramente de flagrante política de discriminação, a qual,

infelizmente, não desaparece tão somente na derrogação de leis, sendo necessário

erradicar suas causas, o que pressupõe modificação nas atitudes pessoais.

Há que se concluir, dessa forma, que a discriminação reside basicamente em

fatores de cunho psicossocial, educacional ou econômico.

4.2 Hipótese

No âmbito das relações de emprego e trabalho, a discriminação pode ocorrer em

todas as etapas da contratação, desde a seleção, a admissão, no curso do contrato e em

sua ruptura.

Como exemplo, na seleção o empregador poderá praticar ato de discriminação

de forma inequívoca por meio de anúncio de emprego, ou de forma mais velada por

meio de seu departamento de pessoal ou de seleção, que exclui aqueles que não se

encaixam no modelo determinado pela política da empresa.

Mais raramente, há a discriminação por pressão dos próprios empregados, que

não aceitam dividir o espaço de trabalho com determinados indivíduos de certas

características pessoais.

Agrava o problema dos discriminados o fato de que, muitas vezes, não possuem

acesso à educação e formação profissional adequadas o que, por evidência, limita suas

oportunidades e poder de negociação para os cargos de maior qualificação.

Muitas vezes, esses trabalhadores obtêm o emprego, mas lhes são vedadas as

melhores posições, restando-lhes os cargos de menor remuneração, maior desgaste,

recusados pelos demais trabalhadores.

Durante o pacto laboral, são inúmeras as possibilidades de conduta

discriminatória, desde a delegação de tarefas inferiores, que não requeiram qualificação

e preterimento nas promoções, até as práticas mais simples, porém claramente

discriminantes, como o fornecimento de brindes de final de ano e o convite a festas de

confraternização apenas a parte dos empregados.

104

E por fim, no final do contrato poderá ocorrer a discriminação quando o

empregador, alegando necessidade de conter gastos, dispensa apenas os empregados do

sexo feminino e em idade de procriação, ou com idade avançada, com problemas de

alcoolismo, oriundos de determinada região do país ou de determinada orientação

sexual.

Não obstante, há limite ao jus variandi, o qual não poderá servir de respaldo a

dispensas com cunho discriminatório, as quais, quando comprovadas, maculam o ato de

ilicitude e ensejam a reparação pelos meios judiciais.

Como exemplo, o art. 186 do Código Civil determina que “aquele que, por ação

ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a

outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Complementando referido dispositivo legal, o art. 187, também do Código Civil,

determina que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,

excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-

fé ou pelos bons costumes”.

No mesmo diploma encontramos o artigo 932, III, o qual prevê a

responsabilidade do empregador por atos de seus prepostos ou empregados. Tal

responsabilidade se reveste de natureza objetiva e, assim, caso o ato discriminatório

ocorra, por exemplo, por chefe ou encarregado, ao empregador cabe o dever de

indenizar, ainda que não tenha conhecimento da prática, ressalvando-lhe o direito a ação

regressiva contra o real agressor.

Também o art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho pode ser interpretado

como inibidor das práticas discriminatórias ao prever que “serão nulos de pleno direito

os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos

preceitos contidos na presente Consolidação”.

Vale lembrar que todas as normas do Direito do Trabalho que possuam índole

protetiva ao trabalhador são de ordem pública e, assim, imperativa, irrenunciável e

impostergável, excetuando-se as hipóteses previstas expressamente na lei, cuja

interpretação deve ser restritiva.

105

Portanto, toda e qualquer ofensa aos preceitos do Direito do Trabalho estará

eivada de nulidade não produzindo efeitos no contrato de emprego.

Dessa forma, a dispensa do empregado operada por conduta discriminatória é

ato jurídico nulo, já que viola os direitos e garantias constitucionais, disposições da

CLT, inúmeros tratados internacionais, e diversas leis esparsas. Haverá clara afronta a

princípios basilares de Direito, além das normas mencionadas neste trabalho.

Sabe-se que “ato jurídico é o ato de vontade que, por se conformar com os

mandamentos da lei e a vocação do ordenamento jurídico, confere ao agente os efeitos

por ele almejados”. 133

Isso significa que para produzir efeitos desejados e obter proteção do Estado, o

ato jurídico deve emanar de agente capaz, contemplar objeto lícito e submeter-se à

forma prescrita ou não proibida em lei.

Por outro lado, se “o ato vem inquinado de algum defeito, se desatende ao

mandamento legal ou se divorcia da finalidade social que o deve inspirar, deixa de

produzir os efeitos almejados pelas partes, pois ou não adquire validade, ou pode ser

declarado ineficaz”. 134

Somente quando há restrita observância aos preceitos legais haverá garantia da

eficácia jurídica da vontade individual, pelo Direito, ou seja, se o ato jurídico, não

obstante reúna os elementos fundamentais, for praticado violando a lei, de forma

contrária à ordem pública, ou aos bons costumes, ou sem observar a forma legal, torna-

se eivado de “visceral nulidade, recusando-lhe a ordem jurídica os efeitos, que

produziria, se fosse perfeito”. 135

Não há, dessa forma, conclusão diversa senão a de que a ruptura do contrato de

emprego derivada de conduta discriminatória é ato jurídico nulo, não usufruindo de

nenhuma proteção estatal.

Nesse sentido a jurisprudência:

133

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 283. 134

Ibid., p. 283. 135

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 33ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 264

106

DISCRIMINAÇAO. NULIDADE DA DISPENSA. REINTEGRAÇAO.

Comprovado nos autos que a reclamada tinha ciência da doença do

reclamante, resta configurada a discriminação e, por consequência,nula é a

dispensa, motivo pelo qual são devidas a reintegração e a indenização por

danos morais. Recurso a que se dá provimento. (TRT-2 - RO:

413200404602002 SP 00413-2004-046-02-00-2, Relator: SILVIA ALMEIDA

PRADO, Data de Julgamento: 20/04/2010, 8ª TURMA, Data de Publicação:

26/04/2010)

Portanto, como no acórdão citado acima, o poder potestativo do empregador é

limitado e, sendo discriminatória a despedida, nasce ao empregado o direito à

reintegração e à indenização.

4.2.1 Dispensa discriminatória em razão da idade

Não somente mulheres e negros, mas também os trabalhadores com mais idade

sofrem contínuas práticas discriminatórias no mercado de trabalho.

Trabalhadores que, por chegarem à maturidade, não obstante possuírem vigor

físico e intelectual, passam a ser marginalizados, por serem considerados

“ultrapassados”, “obsoletos”, “inadaptáveis às inovações”, ideias equivocadas na

maioria das vezes, já que se põe de lado a experiência no trabalho e na própria vida.

Outro argumento que faz com que tais trabalhadores sejam segregados diz

respeito ao acúmulo de benefícios que adquirem, como no caso de empregado com

longo contrato de trabalho (adicionais por tempo de serviço, multa do FGTS, maior

tempo de aviso prévio, quer por previsão legal ou normativa, etc.).

Por esse prisma, mostra-se mais econômico substituí-los por trabalhadores mais

jovens, não obstante menos experientes. Encontram-se nesse grupo discriminado os

trabalhadores acima dos 40 anos de idade.

Tal discriminação decorre do conceito de uma sociedade que privilegia o novo,

como se velhice fosse desvirtude, não obstante a expressa vedação constitucional, que

destaca, entre outros direitos dos trabalhadores, a “[...] proibição de diferença de

salários, de exercício e funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade,

107

cor ou estado civil” (art. 7º, XXX), e quando adota, como objetivo fundamental (art. 3º,

IV), a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e

quaisquer outras discriminações.

Seguindo o preceito constitucional, surge a Lei nº 9.029, de 1995, que em seu

artigo 1º veda qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à

relação de emprego, ou sua manutenção.

Assim se tem que é expressamente proibida a discriminação por idade na relação

de emprego, inclusive dispensar empregado em razão da idade ou deixar de contratá-lo

por tal motivo.

Em tais casos, a entidade patronal infratora deverá responder pelo ato danoso.

Para ilustrar, destaca-se o julgamento proferido:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA - IDADE -

REINTEGRAÇÃO - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - Não

obstante a reclamada seja integrante da Administração Pública

Indireta da União, estando submetida, por força do disposto no

art. 173, inciso II, § 1º, da Constituição Federal, no regime próprio

das empresas privadas, tem-se como evidente que o direito de

resilição unilateral do contrato de trabalho não é absoluto,

encontrando limites na cláusula geral de tutela da pessoa humana.

Constata-se, da análise dos autos, que o único motivo que foi levado

em consideração para a despedida da autora foi o fato de ser

aposentada, fruto, portanto, de prática discriminatória, vedada pela

Lei 9.029/95. Nesse contexto, é devida a reintegração da reclamante

e seus consectários, na forma decidida pelo juízo de origem. Recurso

a que se nega provimento." (TRT 13ª R. - RO 79700-

51.2011.5.13.0002 - Rel. Des. Edvaldo de Andrade - DJe 04.06.2012

- p. 29).

Verifica-se, assim, que a cláusula geral de tutela da pessoa foi o fator limitador

para o empregador no caso acima. Portanto, ainda que se admita a dispensa imotivada

108

como direito potestativo do empregador, esse direito possui limites, como destacado

na decisão.

Outro não é o posicionamento do TST, como se extrai desses julgados:

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DISPENSA

DISCRIMINATÓRIA MOTIVADA POR IDADE. REINTEGRAÇÃO.

POSSIBILIDADE . 1. O Tribunal Regional, tendo consignado que a

reclamada não poderia dispensar seus empregados imotivadamente,

determinou a reintegração do reclamante porque as provas coligidas

aos autos demonstraram que, entre agosto de 2007 e junho de 2008,

ela teria dispensado dezenas de empregados aposentados com o

intuito de renovar o quadro de pessoal. 2. Nesse contexto, não há

falar em violação do art. 173, § 1º, inc. II, da Constituição da

República, porquanto, ainda que seja possível à reclamada dispensar

imotivadamente seus empregados, o direito de resilição unilateral do

contrato de trabalho não é absoluto, encontrando limites na cláusula

geral de tutela da pessoa humana. 3. Assim, não se trata de negar a

existência do direito de resilição contratual ou de criar

jurisprudencialmente uma nova forma de estabilidade, mas de

proteger os direitos fundamentais. O empregador, ao dispensar seus

empregados movido por razões discriminatórias, exerce seu direito

excedendo manifestamente os limites impostos pelo seu fim social,

ofendendo os princípios constitucionais da proteção da dignidade

humana, da isonomia e da não discriminação (arts. 1º, inc. III, 5º,

caput , e 7º, inc. XXX, da Carta Magna). DISPENSA

DISCRIMINATÓRIA MOTIVADA POR IDADE. DANOS MORAIS.

VIOLAÇÃO AO ART. 37, § 10, DA CONSTITUIÇÃO DA

REPÚBLICA NÃO CONSTATADA. Na hipótese, não se constata

violação ao art. 37, § 10, da Constituição da República, na medida

em que esse preceito não legitima a conduta adotada pela reclamada,

mormente porque, além de não ter sido invocado no momento da

dispensa do reclamante, não alcança as situações em que o custeio

dos proventos de aposentadoria é feito pelo regime geral da

109

Previdência Social. Recurso de Revista de que não se conhece. (TST -

RR: 1141007520095040014 114100-75.2009.5.04.0014, Relator:

João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 14/12/2011, 5ª

Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2011).

RECURSO DE REVISTA - Dispensa discriminatória por

idade. Nulidade. Abuso de direito. Reintegração. Se das premissas

fáticas emergiu que a empresa se utiliza da prática de dispensar

seus funcionários quando estes completam 60 anos, imperioso se

impõe ao julgador coibir tais procedimentos irregulares, efetivados

sob o manto do" poder potestativo ", para que as dispensas não se

efetivem sob a pecha discriminatória da maior idade. Embora o caso

vertente não tivesse à época de sua ocorrência previsão legal

especial (a L. 9.029 que trata da proibição de práticas

discriminatórias foi editada em 13.04.1995 e a dispensa do

reclamante ocorreu anteriormente), cabe ao prolator da decisão o

dever de valer-se dos princípios gerais do direito, da analogia e dos

costumes, para solucionar os conflitos a ele impostos, sendo esse,

aliás, o entendimento consagrado pelo art. 8º, da CLT, que admite

que a aplicação da norma jurídica em cada caso concreto, não

desenvolve apenas o dispositivo imediatamente específico para o

caso, ou o vazio de que se ressente, mas sim, todo o universo de

normas vigentes, os precedentes, a evolução da sociedade, os

princípios, ainda que não haja omissão na norma. Se a realidade do

ordenamento jurídico trabalhista contempla o direito potestativo da

resilição unilateral do contrato de trabalho, é verdade que o

exercício deste direito guarda parâmetros éticos e sociais como

forma de preservar a dignidade do cidadão trabalhador. A

despedida levada a efeito pela reclamada, embora cunhada no seu

direito potestativo de resilição contratual, estava prenhe de mácula

pelo seu conteúdo discriminatório, sendo nula de pleno direito, em

face da expressa disposição do art. 9º da CLT, não gerando

qualquer efeito, tendo como conseqüência jurídica a continuidade

da relação de emprego, que se efetiva através da reintegração.

110

Efetivamente, é a aplicação da regra do § 1º do art. 5º da CF, que

impõe a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e

garantias fundamentais, pois, como apontando pelo v. acórdão, a

prática da dispensa discriminatória por idade confrontou o princípio

da igualdade contemplado no caput do art. 5º da CF. Inocorrência

de vulneração ao princípio da legalidade e não configurada

divergência jurisprudencial." (TST - RR 462.888/1998.0 - 5ª T. - Rel.

Juiz Conv. André Luís Moraes de Oliveira - DJU 26.09.2003).

Entretanto, como se depreende das decisões supra, a discriminação é de difícil

comprovação, já que ela é sempre velada, dissimulada, sendo que, na esfera laboral

essa condição se agrava, já que os atos de ruptura contratual por iniciativa do

empregador têm como fundamento seu direito potestativo, ou jus variandi, não se

exigindo a motivação para o ato de dispensa.

Cabem aqui, no entanto, algumas ponderações, já que essa regra não é absoluta.

A título de exemplo, a dispensa impessoal, isto é, de todos ou de parte significativa de

empregados em condições idênticas, como regra geral, não é discriminatória porque não

há diferença de tratamento, desde que, por óbvio, não se tenha operado tal dispensa por

terem todos os membros do grupo atingido determinada faixa etária, sem qualquer outro

fator determinante (impossibilidade de continuidade das atividades laborais que

demandem força, por exemplo).

Discorrendo sobre o tema, Alice Monteiro de Barros destaca que “a

discriminação estabelece uma comparação com o tratamento atribuído a outra pessoa,

para se verificar se existiu a distinção, exclusão ou preferência a que alude a

Convenção nº 111 da OIT”.136

Segundo tal linha de pensamento, quando há dispensa do empregado ao

completar a idade-limite estabelecida com razoabilidade, e sem privilegiar alguns

apenas, não há distinção, exclusão, nem há ofensa à igualdade de oportunidades ou de

tratamento em matérias de emprego ou profissão.

136

Discriminação no emprego por motivo de sexo. In: VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares (coord.).

Discriminação. São Paulo: LTr, 2010. p. 16.

111

Vale citar que a própria legislação brasileira, aliás, admite procedimentos

semelhantes, como o artigo 40, II, da Constituição Federal, que estipula a aposentadoria

compulsória dos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, aos setenta e

cinco anos de idade.

Segundo a Professora Maria Silvia Zanella Di Pietro, justifica-se a norma uma

vez que a idade de 70 anos cria uma presunção juris et de jure de incapacidade para o

serviço público.137

No mesmo sentido, a empresa privada também pode se valer dessa presunção

legal, já que, de acordo com o artigo 51 da Lei nº 8.213/91, o empregador poderá

rescindir o contrato para aposentadoria compulsória do empregado, desde que o

empregado tenha cumprido o período de carência de 70 (setenta) anos de idade.

Dessa forma, a fixação de idade máxima para aposentadoria compulsória do

idoso não viola seu direito ao trabalho. Na verdade, a intenção foi de preservar o seu

descanso após longo período de trabalho.

Em relação ao ônus da prova, no Direito do Trabalho, há a previsão do art. 818

da CLT, segundo o qual o ônus da prova da discriminação contestada compete a quem

a invoca, no caso, o trabalhador.

Mesmo com a nova redação de referido artigo, mantém-se, em princípio, com o

trabalhador, o ônus da prova, haja vista a previsão do inciso I do art. 818 da CLT, pela

qual o ônus incumbe “ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito”.

Entretanto, em face à dificuldade em se comprovar o tratamento

discriminatório¸ questão que torna inviável a efetividade da tutela constitucional, há

que se entender suficiente que o trabalhador apresente em juízo circunstâncias fáticas

que levem à presunção de tratamento desigual, invertendo-se o ônus, passando a ser

de competência do empregador a prova da razoabilidade de sua conduta, quando essa

não for transparente, mostrando que não violou o princípio da igualdade.

137

Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 651.

112

4.2.2 Dispensa discriminatória em razão de doença grave

O medo, a ignorância, o preconceito fazem surgir outra forma de

discriminação, que é a que ocorre em razão de o empregado ser portador de doença

grave.

De todas as doenças, a que mais causa situações de discriminação é a do

portador do vírus HIV, já que se trata de doença surgida em meados da década de

1980, e ainda sem que se tenha descoberto uma cura ou vacina, sendo seus

tratamentos apenas paliativos, resultando num maior ou menor prazo, no óbito do

paciente.

Agrava a situação o fato de ser uma doença contagiosa, e mesmo que não seja

por contato social, acaba isolando seu portador, pelo medo das pessoas de, apenas pelo

contato, contraírem a doença tão letal.

A discriminação no emprego relacionada com o vírus HIV ocorre

predominantemente nas três situações: “na admissão, no curso da relação de emprego

e na dispensa, quando configurada ofensa à dignidade do trabalhador e ao princípio da

igualdade”. 138

Assim, a discriminação pode ocorrer mesmo antes da contratação. Um

candidato a emprego infectado pelo vírus HIV que revelou o seu estado pode vir a ser

recusado pelo empregador. Da mesma forma, que um empregado pode ser submetido

a um teste de HIV como condição para ascender a um emprego.

Um trabalhador pode, também, ser despedido unicamente por ser portador do

vírus HIV, ou como resultado da percepção de que não pode executar as tarefas do

posto de trabalho, independentemente da sua capacidade real.

Outro fator de agravamento para o portador do vírus HIV é que as formas de

transmissão estão diretamente relacionadas com assuntos delicados, envolvidos em

tabus religiosos e sociais, como o sexo e o uso de drogas injetáveis (além da

138

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 405.

113

contaminação sanguínea por transfusão ou por compartilhamento de seringas, entre

outros).

A situação se agravou pelo fato de que a doença iniciou-se entre homossexuais,

e, não obstante toda a informação disseminada de que a transmissão só ocorre por

meio de relação sexual ou transfusão de sangue, a gravidade da doença gerou um

pânico entre quem precisava conviver socialmente com pessoas com esse mal.

Somam-se, assim, ao preconceito arraigado contra homossexuais, a ignorância

e o medo. Não são poucos os que atribuem a AIDS a um castigo divino a

homossexuais, prostitutas, promíscuos e viciados.

Tal discriminação ultrapassa o âmbito laboral, chegando a escolas, moradias

(inúmeros abrigos para portadores do vírus sofreram protesto de moradores, que não

os queriam em sua vizinhança), e até mesmo os trabalhadores no setor médico

chegaram a recusar atendimento a esses doentes, não obstante possuírem grau de

conhecimento sobre as formas de contágio acima das demais pessoas.

Não raras empresas despedem os empregados portadores desse vírus, e há

recusa na emissão de apólices de seguro para pessoas que simplesmente residam em

local frequentado por homossexuais.

Mesmo atualmente, quando o conhecimento sobre as formas de contágio está

estão mais disseminado, e os tratamentos vêm prolongando a sobrevida dos

portadores, esses abusos ainda persistem, sendo poucos os países cujas leis vedam

expressamente a discriminação fundada na existência do HIV ou da AIDS.

Países como Alemanha no estado da Bavária, Rússia, entre outros, em notórios

exemplos de discriminação, têm exigido o exame anti-HIV de estudantes estrangeiros

que lá queiram estudar.

Nesse aspecto, é importante a distinção entre o portador do vírus HIV e o

doente de AIDS, já que o primeiro porta o vírus, mas, se submetido a exames de

controle da carga viral e de células de defesa (CD4), acaba por não desenvolver a

doença, já que possui uma carga viral baixa, muitas vezes até indetectável pelos

exames rotineiros, pois possui um número de células de defesa do tipo 4 normais

114

segundo os padrões. Por outro lado, o paciente com a doença AIDS em

desenvolvimento, possui uma carga viral alta, um número reduzido de células de

defesa, e passa a desenvolver toda sorte de doenças oportunistas devido à sua baixa

imunologia.

Todavia, o que se entende por AIDS é na realidade, o estágio mais grave e

avançado da doença, pelo qual o sistema imunológico é atacado. A Síndrome da

Imunodeficiência Adquirida (AIDS é a sigla em inglês de “Acquired

Immunodeficiency Syndrome”) é causada pelo vírus HIV.

Tal vírus ataca as células de defesa do corpo humano, tornando o organismo

mais vulnerável e suscetível a diversas doenças, possibilitando que um simples

resfriado se transforme em algo mais grave, como tuberculose ou câncer. Até mesmo

as doenças mais simples passam a ter seus tratamentos dificultados.

No início da epidemia, receber o diagnóstico de AIDS equivalia a uma

sentença de morte. Porém, com o avanço da ciência e da medicina, ainda que não se

tenha a cura ou a vacina contra o mal, já é possível ser soropositivo e viver com

qualidade de vida, desde que mantenha o tratamento médico, tomando a medicação

indicada e seguindo corretamente as recomendações médicas. 139

Como já citado, a AIDS é transmitida precipuamente pelo contato sexual entre

parceiros infectados e sem qualquer proteção (a forma mais comum); pela via

sanguínea, mediante transfusão de sangue ou hemoderivados, ou contato com objetos

corto-perfurantes sem qualquer esterilização (agulhas, alicates); e pela via materno-

filial, por meio da gravidez, parto e amamentação.

Portanto, a grande maioria das profissões e tarefas não traz nenhum risco de

contaminação ou transmissão do vírus HIV, seja de um empregado para outro, seja de

um empregado para um cliente ou de um cliente para um empregado. E, ainda,

mesmo no meio médico ou qualquer outro que tenha ou possa ter contato com sangue

(manicures, tatuadores), os cuidados evitam o contágio, não só do HIV como de

outros vírus (sendo o da hepatite o mais comum).

139

AIDS: Perguntas/Respostas. <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/links-de-interesse/286-aids/9049-o-que-e-aids> Acessado em 02-2-2017

115

Tem-se, assim, que pela delimitação real do contágio pelo vírus HIV, não

subsiste razão para a discriminação, quer pela não contratação, quer pela não

manutenção do soropositivo ou mesmo do doente de AIDS.

Pelo contrário, a continuidade na relação só traz benefício ao trabalhador, pois

além de lhe proporcionar acesso aos sistemas de saúde (mesmo quando o empregador

não possua plano de saúde), também possibilita a garantia da subsistência do

trabalhador e lhe mantém o sentimento de utilidade.

Funda-se a vedação de qualquer prática discriminatória no emprego no inciso

XXX do art. 7 da Constituição Federal, nas Convenções nºs 111 e 117 da OIT, e na

Lei nº 9.029/95.

Não obstante, tais normas não levarem em conta o estado de saúde, é

plenamente possível uma interpretação extensiva ou aplicação analógica, aplicar essa

normatividade “quanto o fator de discriminação é o estado de saúde do

empregado”.140

Haja vista que o trabalhador que enfrenta o problema HIV/AIDS, e até sua

família, sofre com a discriminação, na sociedade de forma geral, e no ambiente de

trabalho de forma específica, o ordenamento pátrio vem enfrentando a situação, com

a possibilidade de anulação da ruptura contratual, propiciando a reintegração, em

havendo presunção de dispensa discriminatória, conforme remansosa jurisprudência

sobre o tema, além da súmula 443 do TST sobre o tema.

São inúmeras as decisões sobre a situação do empregado portador do vírus

HIV, destacando-se que, já no presente século, podem ser reproduzidas algumas bem

esclarecedoras, como a proferida no Tribunal Superior do Trabalho, transcrita a

seguir.

RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO

PORTADOR DO VÍRUS HIV. PRESUNÇÃO DE DISPENSA

DISCRIMINATÓRIA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Presume-se discriminatória a ruptura arbitrária, quando não

140

ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2014, p. 365.

116

comprovado um motivo justificável, em face de circunstancial

debilidade física causada pela grave doença em comento (Síndrome

da Imunodeficiência Adquirida - AIDS) e da realidade que, ainda

nos tempos atuais, se observa no seio da sociedade, no que toca à

discriminação e preconceito do portador do vírus HIV. A AIDS

ainda é uma doença que apresenta repercussões estigmatizantes na

sociedade e, em particular, no mundo do trabalho. Nesse contexto, a

matéria deve ser analisada à luz dos princípios constitucionais

relativos à dignidade da pessoa humana, à não-discriminação e à

função social do trabalho e da propriedade (art. 1º, III, IV, 3º IV,

e 170 da CF/88). Não se olvide, outrossim, que faz parte do

compromisso do Brasil, também na ordem internacional (Convenção

111 da OIT), o rechaçamento a toda forma de discriminação no

âmbito laboral. É, portanto, papel do Judiciário Trabalhista,

considerando a máxima eficiência que se deve extrair dos princípios

constitucionais, a concretização dos direitos fundamentais

relativamente à efetiva tutela antidiscriminatória do trabalhador

portador de doença grave e estigmatizante, como a AIDS. Pesa

ainda mais a presunção de discriminação, no caso concreto, o fato

de a Reclamada cessar o contrato de emprego com base em teste de

produtividade, no qual o Reclamante certamente seria prejudicado

em virtude do debilitado estado de saúde e do tratamento a que se

submetia, ainda que tivesse sido facilitado pela Reclamada. Recurso

de revista conhecido e provido.” (TST-RR-317800-

64.2008.5.12.0054, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, 6ª

Turma, DEJT de 10/6/2011).

Verifica-se na decisão acima que o julgador não deixou de consignar o fator

estigmatizante da doença e o agravamento da conduta do empregador, ao submeter o

empregado a teste de produtividade (teste no qual o empregado fatalmente

sucumbiria, ante sua debilidade física).

117

Faz-se indispensável se ter como conclusão lógica que é uma tragédia, pelo

princípio da dignidade humana, considerar que a AIDS possa ser vista como um

castigo divino.

Nessa esteira, os Tribunais do Trabalho, ao inibirem o preconceito e a

discriminação, anulando as dispensas arbitrárias e sem justa causa, doutrinam a

população segundo o entendimento de que a AIDS não é um mito, mas uma doença

como qualquer outra e que muito embora a medicina não tenha encontrado a cura até

então, não se pode transformar os portadores em marginais e nem condená-los de

antemão à morte.

Observa-se que o individuo portador do HIV é capaz de exercer suas

atribuições como qualquer empregado, e mesmo desenvolver iniciativas.

Dessa forma, torna-se inadmissível alijar tais trabalhadores de suas funções e

dos meios de subsistência, pois mantê-los trabalhando pode favorecer no tratamento,

podendo significar-lhes a vida.

Tanto para o soropositivo como para o doente de AIDS, manter seu emprego

representa não só o incentivo para continuar lutando contra o vírus, “como também

representa o único meio de sobrevivência e custeio para adquirir medicamentos

necessários para o tratamento e manutenção diária de sua carga viral”. 141

Toda a problemática envolvendo esse grupo de trabalhadores foi objeto de

análise da jurista e desembargadora Vólia Bomfim Cassar indicando que o cerne da

questão é a discriminação e não uma suposta estabilidade, “assim, quando o

empregador demite um portador do vírus HIV, segundo o TST, ele deve provar (ônus

do patrão) que o procedimento não foi discriminatório”. 142

141

TELLES, Fábio Luiz de Queiroz. O portador do vírus da síndrome da imunodeficiência adquirida (HIV) como trabalhador e sua relação com a empresa: uma análise sob a perspectiva da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e dos direitos da personalidade. 25.10.2012. Dissertação (mestrado em Direito Empresarial e Cidadania), Centro Universitário Curitiba, Curitiba, 2012. P. 93 In: GUNTHER, Luiz Eduardo. O HIV E A AIDS: Preconceito, discriminação e estigma no trabalho – Aplicação da súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho. Revista Eletrônica do TRTPR v. 4 n. 42. Julho 2015. p. 61. 142

Direito do trabalho. 3ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 357.

118

No entendimento dessa autora, é cabível “a norma coletiva ou interna do

empregador criar este direito aos empregados portadores de AIDS ou outras

doenças”. 143

Sobre o mesmo tema, Sergio Pinto Martins defende que o paciente com

doença associada ao HIV, denominado “doente de AIDS”, seria detentor do direito a

auxílio-doença ou aposentadoria, desde que a doença apresente-se após à filiação à

Previdência Social. Em sentido contrário, enquanto não houver manifestação da

doença, não haveria tal direito. 144

O referido autor fundamenta seu pensamento por haver prejuízo ao

soropositivo pelo fato de a empresa impedi-lo de fazer jus ao benefício

previdenciário.

Porém, não haveria abuso a simples dispensa, mesmo do empregado doente de

AIDS, pois o empregador estaria exercendo o jus variand, pelo qual lhe é permitida a

dispensa com o pagamento das verbas discriminatórias.

Segundo esse autor, a Convenção nº 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, veda

apenas os atos de discriminação no que diz respeito ao acesso à formação

profissional, à admissão no emprego e às condições de trabalho por motivo de raça,

cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social (art. 1º).

Ou seja, não há nada especificando sobre reintegração de empregado em decorrência

de doença, especialmente de AIDS. 145

Ocorre que, como já mencionado, a própria Constituição Federal de 1988

estabeleceu, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a

erradicação de qualquer forma de discriminação e a promoção do bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação (art. 3º, III e IV). E, ainda, em seu art. 5º, XLI, prevê que a lei punirá

qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

143

Ibid., p 357. 144

Direito do trabalho. 28ª ed. São Paulo: Atlas, 2012. P. 455. 145

Ibid., p. 456.

119

Tratando-se de norma de eficácia limitada, a Lei nº 9.029, de 13 de abril de

1995, veda a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeitos de

acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça,

cor, estado civil, situação familiar ou idade (art. 1º), também estabelecendo que o

rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório traz ao empregado a opção

entre o retorno ao posto de trabalho, com ressarcimento integral de todo o período de

afastamento, ou percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento

(art. 4º).

Ainda assim há doutrinadores que defendem a não aplicação dessa lei para o

caso de dispensa discriminatória de empregado portador do vírus HIV, como é o caso

de Sergio Pinto Martins146, quando sustenta que a Lei nº 9.029/1995 limita-se tão

somente a exames relativos à esterilização, a controle de gravidez ou a controle de

natalidade, preceitos que dizem respeito à mulher e não a determinada doença; ou em

relação a sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, em função

do que, essa lei é dirigida à proteção das mulheres e não a doentes.

No mesmo sentido, Alice Monteiro de Barros também negava a aplicabilidade

da Lei nº 9.029/1995 para os casos de dispensa discriminatória de empregado

soropositivo, porém defendia outro fundamento, in verbis:

“Se a Lei Ordinária n. 9.029, de abril de 1995, que proíbe a

adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito

de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, tivesse

incluído o estado de saúde, ao lado dos motivos de sexo, origem,

raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, que relacionou,

não haveria dificuldade na interpretação e consequente deferimento

da reintegração do portador do HIV no emprego, pois essa lei a

prevê, embora com imprecisão técnica faça menção à readmissão,

mas com direito a salários. Não se pode aplicar a Lei n. 9.029 aos

146

Os efeitos do contrato de trabalho do empregado portador do vírus HIV. In: Revista IOB trabalhista e previdenciária, São Paulo, v. 19, n. 220, p. 29-37, out. 2007

120

portadores do HIV, uma vez que ela contém preceito de natureza

penal, insuscetível de interpretação analógica ou extensiva”. 147

Em que pesem tais entendimentos, data máxima vênia, não parecem os mais

acertados, haja vista que a Lei nº 9.029/1995 proíbe qualquer prática discriminatória

quanto à admissão, manutenção ou rompimento do vinculo laboral, por sexo, origem,

raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.

Tem-se que os motivos ora arrolados no art. 1º da Lei supramencionada são

meramente exemplificativos, pelo que pode ser aplicado analogicamente, como

permite o art. 8º da CLT, em outros casos que acarretem formas discriminatórias que

violem o princípio da dignidade e intimidade da pessoa humana, previstos nos art. 1º,

III, e 5º, XLI, da Constituição Federal.

É certo, efetivamente, que a tipificação penal não permite a interpretação

analógica ou extensiva, no entanto, as práticas discriminatórias tipificadas como

crime, na Lei nº 9.029/1995, limitam-se às hipóteses expressamente previstas no art.

2º da referida lei, ou seja, à exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado,

declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de

gravidez (inciso I) e à adoção ou instigamento à esterilização genética (inciso II).

Portanto, não há qualquer impedimento de aplicação das normas não penais

previstas na Lei nº 9.029/1995 para os casos de dispensas discriminatórias de

empregados portadores do vírus HIV.

Sob outro aspecto, não há qualquer dúvida que dispensas discriminatórias,

sejam em razão de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade,

sejam em razão de doença, afrontam os direitos fundamentais da pessoa humana, em

clara violação à Constituição Federal de 1988 (arts. 1º, III, 3º, I e IV; 5º, caput).

Assim, como efeito da dispensa discriminatória, se o empregado portador do

vírus HIV for dispensado por ato discriminatório fará jus a ser reintegrado no emprego

ou optar pela indenização substitutiva prevista na própria lei.

147

Aids no local de trabalho: um enfoque de direito internacional e comparado. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Belo Horizonte, 32 (62): 67-86, jul./dez.2000.

121

4.2.3 Dispensa discriminatória em razão de outras doenças

Outras doenças, atualmente não tão graves quanto a AIDS, ainda são objeto de

dispensa discriminatória, como os portadores de hanseníse (lepra), que sofrem

preconceito e discriminação. Há, ainda, doenças que, embora não sejam contagiosas

nem submetam a pessoa a preconceito por medo, motivam a dispensa em razão dos

longos afastamentos que ocorrerão em razão do tratamento a que se submeterá o

empregado doente, como é o caso do doente de câncer, por exemplo.

Há ainda outras doenças que, embora assim consideradas pela própria OMS,

submetem os portadores a preconceitos e discriminação, como os doentes de

alcoolismo ou os toxicômanos em geral (mesmo que a falta de conhecimento aliada ao

preconceito ainda dê fôlego ao pensamento contrário, são doenças físicas e, pior,

associadas a transtornos mentais, por isso, de gravidade incontestável).

A CLT, em seu artigo 482, “f”, tipifica a embriaguez habitual como uma falta

grave, autorizando a dispensa por justa causa.

O dispositivo consolidado mantém o mesmo pensamento da época de sua

concepção, quando ainda não se sabia da existência da doença “alcoolismo”, razão

pela qual não distingue o trabalhador acometido de tal doença daquele que não o é.

Com base em tal dispositivo consolidado, muitos empregados que sofrem do mal do

alcoolismo são dispensados por justa causa.

Entretanto, tal entendimento não se coaduna com a visão atual sobre o

alcoolista. Em verdade, demonstra uma prática discriminatória do empregador, ainda

hoje muitas vezes causada por desconhecimento, mesmo entre os mais estudados, de

que o trabalhador é portador de uma enfermidade.

Há reconhecimento formal do alcoolismo como doença pela Organização

Mundial da Saúde (OMS), tratando-se de uma enfermidade progressiva, incurável e

fatal, que consta do Código Internacional de Doenças, classificada no código “F 10.2”.

Não há a menor dúvida que o alcoolismo crônico pressupõe dependência por

parte do empregado, questão preocupante, não havendo como atribuir culpa ao

122

trabalhador já fragilizado pelo vício, ante o descumprimento de suas obrigações

contratuais.

Dessa forma, antes de ser dispensado, o empregado deve ser encaminhado para

tratamento médico, já que desenvolve uma patologia física com fundo psiquiátrico,

pelo que, o tipo previsto no art. 482, “f”, da CLT deve ser aplicado com restrições ou

mesmo não aplicado em grande parte dos casos.

Prevalece o entendimento de que a embriaguez habitual do empregado se trata

de uma doença degenerativa, fatal, mas que pode ser controlada, fatos que levam à

suspensão do contrato de trabalho do empregado alcoólatra, para que possa ser

submetido a tratamento médico ou mesmo a sua aposentadoria por invalidez, situações

que afastam a aplicação do art. 482, “f”, da CLT, impedindo a despedida justificada,

fazendo prevalecer os princípios humanitários e sociais.

Nesse sentido, registre-se o entendimento Alice Monteiro de Barros que: “[...]

há uma vertente jurisprudencial que sustenta ser a embriaguez habitual do

empregado doença degenerativa e fatal, logo, o empregado alcoólatra deverá ter seu

contrato suspenso e ser encaminhado à Previdência Social para controle do vício, ou

então aposentado por invalidez, dependendo do quadro clínico, pois ele é acometido

de doença catalogada no CID. Ele é considerado muito mais como um desafortunado

do que como um mau profissional e, por isso mesmo, deverá ser encaminhado ao

serviço de saúde.148

Seguindo essa corrente é lição de Amauri Mascaro Nascimento, para que “[...]

a embriaguez habitual deve ser afastada da lei como justa causa”. 149

Dessa forma tem entendido a jurisprudência, como demonstram os exemplos a

seguir:

RECURSO DE REVISTA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA.

SÍNDROME DE DEPENDÊNCIA ALCOÓLICA. REINTEGRAÇÃO.

Na diretriz da Súmula n.º 443 do TST, - Presume-se discriminatória

a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra

148

Curso de direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 848. 149

Curso de direito do trabalho. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1220.

123

doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o

empregado tem direito à reintegração no emprego-. Desse modo,

sendo o alcoolismo crônico catalogado no Código Internacional de

Doenças - CID da Organização Mundial de Saúde (OMS) como

doença grave, e, ficando evidenciada nos autos a dispensa

discriminatória, o Autor faz jus à reintegração postulada. Recurso

de Revista conhecido e provido. (RR - 156-23.2011.5.02.0001,

Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento:

21/05/2014, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/08/2014).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALTA GRAVE.

ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. 1. O alcoolismo crônico, nos dias

atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização

Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de síndrome

de dependência do álcool, cuja patologia gera compulsão, impele o

alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e

retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. 2. Assim é

que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do

empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para

tratamento, sendo imperativa, naqueles casos em que o órgão

previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção

das providências necessárias à sua aposentadoria. 3. No caso dos

autos, resta incontroversa a condição da dependência da bebida

alcoólica pelo reclamante. Nesse contexto, considerado o

alcoolismo, pela Organização Mundial de Saúde, uma doença, e

adotando a Constituição da República como princípios

fundamentais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do

trabalho, além de objetivar o bem de todos, primando pela proteção

à saúde (artigos 1º, III e IV, 170, 3º, IV, 6º), não há imputar ao

empregado a justa causa como motivo ensejador da ruptura do

liame empregatício. 4. Agravo de instrumento a que se nega

provimento. (AIRR - 1082-75.2010.5.15.0001 , Relator Ministro:

Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 12/03/2014, 1ª Turma,

Data de Publicação: DEJT 14/03/2014).

124

RECURSO DE REVISTA. ALCOOLISMO. DOENÇA

CRÔNICA. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE.

DIREITO À REINTEGRAÇÃO. De acordo com o Tribunal Regional,

o reclamante é dependente químico, apresentando quadro que

associa alcoolismo crônico com o uso de maconha e crack. A

jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de que o

alcoolismo crônico, catalogado no Código Internacional de Doenças

(CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, sob o título de

síndrome de dependência do álcool, é doença que compromete as

funções cognitivas do indivíduo, e não desvio de conduta justificador

da rescisão do contrato de trabalho. Assim, tem-se como

injustificada a dispensa do reclamante, porquanto acometido de

doença grave. Recurso de revista conhecido e provido. (RR -

529000-74.2007.5.12.0004, Relatora Ministra: Delaíde Miranda

Arantes, Data de Julgamento: 05/06/2013, 7ª Turma, Data de

Publicação: DEJT 07/06/2013).

Como se depreende pelas decisões acima, os Tribunais do Trabalho reconhecem

o alcoolismo como doença, não subsistindo o dispositivo consolidado de que seria fator

ensejador de falta grave (art. 482, “f” da CLT).

Portanto, prevalecendo no atual estágio o pensamento de que o alcoolismo é uma

doença, assim também classificado pela Organização Mundial da Saúde, os

trabalhadores que sofrem desse mal devem ser considerados como vítimas e, assim,

tratadas, merecendo respeito, devendo ser tratado pela sociedade, em especial pelo

empregador, sem preconceito e com compreensão.

Se o trabalhador, vítima do alcoolismo, está doente, precisa de tratamento, não

merecendo punição. E, ainda, é necessária uma reforma legislativa, modificando o

teor da alínea “f” do art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho, para que a

embriaguez habitual, detectada como doença, seja afastada da lei como justa causa.

125

4.3 Regramento Internacional (Convenção OIT, etc.)

No âmbito internacional, o princípio da não discriminação vem previsto em

inúmeras normas, declarações, tratados, convenções, etc., e, já em 1948, na Declaração

Universal dos Direitos Humanos, referido princípio vinha assegurado, como se

depreende de seu art. 1º e 2º:

“Art. 1º - Todas pessoas nascem livres e iguais em dignidade e

em direitos. São dotados de razão e de consciência e devem agir em

relação umas às outras com espírito de fraternidade”

Em seguida, o art. 2º da Declaração Universal dos Direitos Humanos prescreve

que:

“Art. 2º - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e

as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de

qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião

política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,

nascimento ou qualquer outra condição”.

Em 1919, a Conferência de Paz aprovou o tratado o Tratado de Versalhes, em

que a Parte XIII dispôs sobre a criação da OIT, tendo o seu campo de atuação ampliado

posteriormente pela Declaração de Filadélfia, em 1944, consagrando o entendimento de

que o trabalho não é mercadoria e de que o progresso econômico, muito embora

importante, não é suficiente para assegurar a justiça social, cabendo aos Estados a

imposição de limites ao poder econômico para fins de preservação da dignidade

humana.

A OIT é composta de três órgãos: a Conferência ou Assembléia Geral, o

Conselho de Administração e a Repartição Internacional do Trabalho.

Na Conferência ou Assembléia Geral, constituída de representantes dos Estados-

membros, são realizadas sessões pelo menos uma vez por ano, em que comparecem as

delegações de tais Estados, que por sua vez são compostas de membros de três

segmentos sociais (do governo, dos empregados e dos empregadores).

126

A Conferência traça as diretrizes básicas a serem observadas no âmbito da OIT

quanto à política social. É na Conferência que são elaboradas as convenções e

recomendações. As recomendações são orientações aos Estados-membros, constituindo

metas a serem atingidas. As convenções visam a criar normas obrigacionais para os

Estados-membros que porventura vierem a ratificá-las.

Entre as principais Convenções da OIT, podemos destacar a de nº 158, que foi

adotada em 22 de junho de 1982 durante a Conferência Internacional da OIT, que tem

como propósito a proteção jurídica à relação de emprego contra dispensa imotivada, e a

de nº 111, adotada em 25 de junho de 1958, que considera qualquer discriminação, em

matéria de emprego ou ocupação, que tenha por fim anular ou alterar a igualdade de

todos os seres humanos no âmbito do trabalho, qualquer que seja a raça, credo ou sexo,

uma violação aos direitos expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Inicialmente, ambas as convenções foram ratificadas pelo Estado brasileiro,

sendo que a primeira delas – Convenção nº 158 – foi assinada em 22 de junho de 1982.

O Congresso Nacional Brasileiro, mediante o Decreto Legislativo nº 68/92, publicado

no DOU de 17-9-1992, aprovou o texto da citada convenção.

A Convenção nº. 158 da OIT possui a característica de generalidade, assim como

as demais convenções do mesmo ente, fazendo remissão em seus dispositivos à

regulamentação por meio da lei de cada país membro, não obstante parte significativa

seja autoaplicável, efeito já reconhecido pelo Estado no Decreto 1.855/96.

Resumidamente, a Convenção nº. 158 veta a despedida de um trabalhador, “a

menos que exista para isso causa justificada, relacionada com sua capacidade ou seu

comportamento, ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa,

estabelecimento ou serviço” (art. 4º). Ainda assim, não permite a ruptura contratual sem

que tenha sido ofertada ao trabalhador oportunidade de se defender das acusações

formuladas contra ele, em claro efeito horizontal dos direitos fundamentais.

Já nas situações de dispensas justificadas por motivos “econômicos,

tecnológicos, estruturais e análogos”, devem ser observados diversos requisitos, desde a

imprescindibilidade de comprovação, pelo empregador, da “justificabilidade” da

dispensa, até a comunicação em tempo hábil, disponibilização de informações

127

pertinentes, possibilidade de negociação com os representantes dos trabalhadores e

notificação prévia à autoridade competente.

A par disso, toda vez que vivenciar a situação de uma dispensa injustificada, o

trabalhador deve poder impugná-la judicialmente ou recorrer à arbitragem contra tal

conduta. Em tais situações, o ônus da prova deve recair ou recai sobre o empregador, ou

a decisão deve ser tomada pelo tribunal do trabalho ou árbitro, levando em consideração

as provas produzidas pelas partes, sendo a escolha de uma dessas possibilidades feitas a

partir da regulamentação da Convenção.

Há, nesse aspecto, três hipóteses diferenciadas no que tange à possibilidade de

término da relação de emprego: a) o término por motivo relacionado ao comportamento

do empregado (o que, no caso do nosso ordenamento, equivale à “justa causa”); b) a

ruptura por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos a serem

previstos na regulamentação da Convenção; c) o término sem justificativa, sem atender

aos quesitos anteriores e que, portanto, levariam à readmissão do empregado ou ao

pagamento de indenização adequada ou reparação que se considerar apropriada.

Nos termos da Constituição Federal, a ratificação de uma convenção

internacional pelo país imprescinde da aprovação de seus dispositivos por seu

Congresso Nacional. Em relação à Convenção 158 da OIT, tal aprovação já ocorreu em

1992, conforme o Decreto Legislativo n. 68, de 17 de setembro daquele ano.

Uma vez aprovada pelo Congresso Nacional, coube ao governo solicitar o

registro da ratificação da Convenção junto ao diretor geral da OIT, o que só veio a

ocorrer na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 5 de janeiro de

1995, data em que passou a contar o prazo de 12 meses para que a Convenção entrasse

em vigor no país.

Na época, no entanto, parte significativa do empresariado nacional e de sua

assessoria jurídica impugnou a entrada em vigor da Convenção 158, sob o argumento de

que sua aplicação dependeria da regulamentação do inciso I do art. 7º da Constituição

Federal.

128

Uma vez instaurada tal discórdia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

expediu o Decreto nº 1.855, de 10 de abril de 1996, determinando que “A Convenção

nº. 158 da OIT deverá ser executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém”.

Entretanto, por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto

ao Supremo Tribunal Federal (STF), a Confederação Nacional dos Transportes (CNT)

em conjunto com a Confederação Nacional de Indústria (CNI), entidade patronal,

contestaram tanto a vigência como a autoaplicabilidade da Convenção nº 158.

Apenas 34 países de um total de 180, ratificaram a Convenção nº 158 da OIT, o

Brasil foi o único a denunciá-la, levando a OIT a entender que este agiu de acordo com

a normativa internacional e aceitando sua denúncia.

Questiona-se tal denúncia com fundamento no fato de que o então Presidente da

República a fez sem qualquer consulta ao Congresso Nacional, procedimento tido por

incorreto, uma vez que sendo a ratificação um ato jurídico complexo, o ato que a

derroga ou revoga deve se revestir dos mesmos requisitos formais.

No que tange aos tratados normativos, o Presidente da República sempre deverá

submeter a denúncia à apreciação do Congresso Nacional e, ainda assim, a denúncia só

pode ser autorizada no caso de violar algum outro direito individual, conforme previsto

no art. 60, § 4º, da CF, uma vez que a Convenção nº 158 da OIT é Tratado Internacional

de Direitos Humanos, tendo ingressado no ordenamento jurídico pátrio no patamar

constitucional.

Houve acolhimento pelo STF (voto 7x4) do pedido de liminar nos autos da ADI-

CNI citada acima, fato que resultou na denúncia brasileira ao tratado, a partir de

novembro de 1997, por meio do Decreto nº 2.100/96, sem qualquer participação do

Congresso Nacional como já mencionado.

Com a denúncia à Convenção, a ADI-CNI perdeu o objeto, tendo sido arquivada

pelo Ministro Celso de Mello sem resolução final de seu mérito, em 27.06.2001.

Por outro lado, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura –

CONTAG ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade, pretendendo justamente a

declaração da inconstitucionalidade do Decreto nº 2.100/96.

129

No Supremo Tribunal Federal, o julgamento da ADI-CONTAG (1625) teve

continuidade no dia 14 de setembro de 2016, com voto-vista do Ministro Teori Zavaski

(pela improcedência do pedido), tendo sido novamente suspenso o julgamento por

pedido de vista do Ministro Dias Toffoli.

Fato é que hoje, enquanto não for finalizado o julgamento da Ação Direita de

Inconstitucionalidade nº 1.625, a Convenção n. 158 não é aplicada, a despeito de que

sua aplicação seria mais um instrumento de defesa para evitar a discriminação.

Já a Convenção nº 111, aprovada pela Organização Internacional do Trabalho

(OIT), em 1958, ratificada pelo Brasil em 25 de novembro de 1965, e promulgada pelo

Decreto nº 62.150, de 19 de janeiro de 1968, tem inúmeras disposições em matéria de

emprego e profissão, tendo como escopo promover a igualdade de oportunidades e de

tratamento, com o fim de eliminar qualquer discriminação, seja qual for a raça, credo,

religião, cor, opinião política, ascendência nacional, origem social ou qualquer outro

motivo especificado por um Estado, garantindo acesso à formação profissional,

admissão no emprego e nas diversas ocupações e condições de trabalho, e assim

conceitua discriminação:

Para os fins da presente Convenção, o termo “discriminação”

compreende; a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na

raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou

origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de

oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

b) Toda e qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por

efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de

tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser

especificado pelo Estado-membro interessado depois de consultadas

as organizações representativas de patrões e trabalhadores, quando

existam, e outros organismos adequados. (2) As distinções, exclusões

ou preferências fundadas em qualificações exigidas para determinado

emprego não são consideradas como discriminação. (3) Para fins da

presente Convenção, as palavras emprego e profissão incluem não só

o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes

profissões, como também as condições de emprego.

130

Yara Maria Pereira Gurgel define que a Convenção nº 111 demonstra

preocupação com todo ser humano e abrange todas as formas de discriminação, não

ficando limitada somente ao aspecto remuneratório. Referida Convenção teria por

objeto, ainda, o combate a todo tipo de discriminação, independentemente do contexto

sociocultural de cada país. 150

A referida autora destaca que a Convenção nº 111 da OIT se constitui em

instrumento de proteção do trabalhador não só em todos os ambientes de trabalho, mas

também em todas as fases da relação laboral – pré-contratual, durante o lapso

contratual, e mesmo após o término da contratação.

O Estado signatário deve se comprometer a aplicar uma política nacional voltada

à igualdade de oportunidades de tratamento em matéria de emprego e profissão,

incluindo, logicamente, a isonomia em razão do sexo, ou seja, entre homens e mulheres.

150

Direitos humanos, princípios da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007, p. 168 ss.

131

5. Ônus da prova e dispensa discriminatória

5.1 Inversão do ônus da prova como instrumento de justiça

A Carta Magna não elege o direito à prova como um direito fundamental, porém,

incontestavelmente, ele está inserido na cláusula do devido processo legal, como

expressão do princípio do acesso à justiça, e do contraditório e da ampla defesa,

previstos no art. 5º da Constituição Federal.

Ademais, o direito à prova ultrapassa o aspecto individual para adquirir caráter

publicista, em razão de não interessar somente aos litigantes do processo, mas também a

toda a sociedade, que os fatos discutidos em juízo sejam esclarecidos.

Dessa forma, o direito à prova não é apenas um direito fundamental processual,

sendo também um direito fundamental de cidadania e da pessoa humana para dar

efetividade aos princípios do devido processo legal, ao acesso à justiça, ao contraditório

e à ampla defesa.

Como bem observa Cleber Lúcio de Almeida:

“Na Constituição da República de 1988, o direito à prova é

reconhecido, de forma expressa e implícita, o que dá no Título II da

Constituição, no qual são disciplinados os “Direitos e Garantias

Fundamentais”, tratando-se, portanto, de um direito fundamental. O

expresso reconhecimento do direito à prova está no art. 5º, LV. Com

efeito, ao reconhecer o direito aos meios inerentes à defesa, a

Constituição faz o mesmo em relação ao direito à prova, na medida

em que a prova é um dos meios inerentes à defesa dos direitos em

juízo (a parte tem o direito de se defender provando). De outro lado, o

reconhecimento do direito à prova é uma consequência necessária do

reconhecimento do direito: a) à dignidade humana, posto que esta

somente se realiza no gozo pleno dos direitos que lhe são inerentes,

para o qual contribui, no processo, a prova; b) de liberdade, vez que

a prova constitui uma exigência e uma dimensão da liberdade das

partes; c) de acesso à justiça, à ampla defesa, ao contraditório, ao

processo justo, à não admissão da prova ilícita, à democracia

132

processual, à justa solução dos conflitos submetidos ao Poder

Judiciário, à efetividade da jurisdição e do processo e ao

procedimento. Acrescente-se que estabelecer, como modelo, o

processo democrático é reconhecer o direito à prova, posto que no

processo verdadeiramente democrático as partes têm o direito de

participar da formação do provimento jurisdicional, e uma das

formas de fazê-lo é fornecer ao juiz os elementos necessários à

formação de sua convicção sobre a ocorrência de tais fatos

controversos”.151

A expressão “acesso à justiça” é definitivamente de difícil conceituação, mas

serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual

as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do

Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve

produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.152

Considerado um direito fundamental, o acesso à justiça está previsto no inciso

XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, que dispõe que “a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Como adverte Mauro Cappelletti e Bryant Garth:

“O enfoque sobre o acesso – o modo pelo qual os direitos se

tornam efetivos – também caracteriza crescentemente estudo do

moderno processo civil. A discussão teórica, por exemplo, das várias

regras do processo civil e de como elas podem ser manipuladas em

várias situações hipotéticas, pode ser instrutiva, mas, sob essas

descrições neutras, costuma ocultar-se o modelo frequentemente

irreal de duas (ou mais) partes em igualdade de condições perante a

corte, limitadas apenas pelos argumentos jurídicos que os experientes

advogados possam alinhar. O processo, no entanto, não deveria ser

151

ALMEIDA, Cleber Lúcio de. Elementos da Teoria Geral da Prova: a prova como direito humano e fundamental das partes do processo judicial. São Paulo: LTr. 2013. P. 173-174. In: apud SCHIAVI, Mauro. Prova no Processo do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr. 2014. p. 35. 152

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 8.

133

colocado no vácuo. Os juristas precisam, agora, reconhecer que as

técnicas processuais servem a funções sociais; que as cortes não são

a única forma de solução de conflitos a ser considerada e que

qualquer regulamentação processual, inclusive a criação ou o

encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formam um efeito

importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com que

frequência ela é executada, em benefício de quem e com que impacto

social. Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o

impacto substantivo dos vários mecanismos de processamento de

litígios. Eles precisam, consequentemente, ampliar sua pesquisa para

além dos tribunais e utilizar os métodos de análise da sociologia, da

política, da psicologia e da economia, e, ademais, aprender através

de outras culturas. O “acesso” não é apenas um direito social

fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também

necessariamente, o ponto central da moderna processualista. Seu

estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e

métodos da moderna ciência jurídica”. 153

Para Cappelletti e Garth, o acesso à justiça constitui o mais básico dos direitos

humanos e é requisito essencial de um sistema jurídico que se autodenomine moderno e

igualitário, que pretenda não apenas elencar os direitos de todos, mas também garanti-

los.

Cappelletti e Garth explicam a evolução dessa ideia, que passou por três ondas,

denominadas “ondas renovatórias”.

A primeira retrata a assistência judiciária gratuita, especialmente voltada aos

pobres. A segunda enfatiza a representação dos interesses difusos, e a terceira prioriza

uma reforma interna do processo, na busca da efetividade da tutela jurisdicional.

Destacando o direito fundamental à prova no Processo Civil, vale transcrever o

art. 369 do CPC, in verbis: “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais,

bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para

153

Ibid, p. 12-13.

134

provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente

na convicção do juiz”.

Em um Estado Democrático de Direito, é inadmissível o não acesso a direitos e

garantias, principalmente os de caráter processual, como o da produção de prova por

falta de conhecimento técnico, financeiro ou até mesmo pelo monopólio das provas.

Existindo a possibilidade de obtenção de provas, contudo essas se mostrem

monopolizadas ou sendo extremamente difícil a sua obtenção por uma das partes,

poderão ocorrer, e certamente ocorrerão, injustiças, tendo em vista a facultatividade do

onus probandi.

O onus probandi permanece no âmbito subjetivo do interesse de contribuir com

a verdade, motivo que, levou o legislador brasileiro a reconsiderar o processo à luz do

princípio do acesso à justiça, principalmente no que diz respeito às possibilidades do

direito à prova.

Entretanto, a distribuição estática do ônus da prova, em muitos casos, dificulta a

efetividade do acesso à justiça, não proporcionando as condições de paridade

indispensáveis às partes.

Nesse sentido, impõe-se a inversão quando há alegação de justo motivo e a

prova produzida pelo empregador não é suficiente para caracterizá-lo, como

fundamentado nas decisões abaixo, as quais serviram como precedentes da Súmula 443

do TST, que trata justamente da despedida discriminatória in verbis:

TST-RR-317800-64.2008.5.12.0054: De fato, presume-se

discriminatória a ruptura arbitrária, quando não comprovado um

motivo justificável, em face de circunstancial debilidade física

causada pela grave doença em comento (Síndrome da

Imunodeficiência Adquirida - AIDS) e da realidade que, ainda nos

tempos atuais, se observa no seio da sociedade, no que toca à

discriminação e preconceito do portador do vírus HIV. (Rel. Min.

Mauricio Godinho Delgado – 6ª Turma – DEJT 12-08-2011).

135

TST-RR-76.089/2003-900-02-00.9: A jurisprudência desta

Corte Superior evoluiu na direção de se presumir discriminatória a

dispensa sempre que o empregador tem ciência de que o empregado é

portador do HIV, e não demonstrou que o ato foi orientado por outra

causa. (Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa – 1ª Turma – DEJT 17-06-

2005).

TST-RR-119500-97.2002.5.09.0007: A dispensa imotivada de

empregado portador de doença grave autoriza presumir, em tese, seu

caráter discriminatório e arbitrário, incumbindo ao empregador

produzir prova da existência de outros motivos lícitos para a prática

do ato, o que não ocorreu no caso em exame. (Rel. Min. Lelio Bentes

Corrêa – 1ª Turma – DEJT 23-03-2012).

TST-RR-18900-65.2003.5.15.0072: Muito embora não exista,

no âmbito infraconstitucional, lei específica asseguradora da

permanência no emprego de empregado portador de cardiopatia

grave, a reintegração em face de dispensa arbitrária e

discriminatória, devido à ausência de motivo disciplinar, técnico,

econômico ou financeiro, não afronta o art. 5º, II, da Constituição

Federal. (Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho – 1ª Turma –

DEJT 06-08-2010).

Nos julgados acima se percebe a preocupação dos juízes do trabalho com as

dispensas discriminatórias do trabalhador acometido de qualquer tipo de doença grave.

Porém, não apenas as doenças graves mereceram atenção da jurisprudência

como, também, a discriminação àquele trabalhador que já buscou anteriormente a

Justiça para reconhecimento de direitos. Nesse sentido:

RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

PROCESSO SELETIVO. ATO DISCRIMINATÓRIO. PRESUNÇÃO.

AJUIZAMENTO DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA EM FACE DO

FUTURO EMPREGADOR. DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA.

A Constituição Federal considera a dignidade da pessoa humana

136

como fundamento da República (artigo 1º, inciso III), de tal modo que

o ordenamento jurídico deve sempre estar voltado para a pessoa, de

forma que todo fundamento seja direcionado à sua proteção sendo,

nesse contexto, vedado qualquer tipo de discriminação (artigos 3º, IV;

5º, caput e XLI, 7º, I, 170 e 193 da Constituição Federal). Nessa linha

de princípio, tem-se que havendo presunção do ato discriminatório,

como no caso dos autos, em que verificada a existência de pesquisa

durante o processo seletivo sobre o ajuizamento de demandas

judiciais em face do futuro empregador, deve recair sobre a

reclamada o ônus de comprovar o fato impeditivo, modificativo ou

extintivo do direito do reclamante atinente à inexistência do ato

discriminatório para a não contratação. Recurso de revista conhecido

e provido. (TST - RR: 5301620115020041, Relator: Aloysio Corrêa

da Veiga, Data de Julgamento: 24/09/2014, 6ª Turma, Data de

Publicação: DEJT 26/09/2014)

Percebe-se que, no caso citado acima, o reconhecimento do direito só foi

possível em face de presunção favorável ao empregado, como citamos anteriormente. O

indício de discriminação se deu pela pesquisa realizada pela contratante, a qual não

produziu prova de que houvesse fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do

autor.

Já na decisão a seguir, houve presunção favorável ao trabalhador, não por

pesquisa como no caso anterior, mas pelo seu próprio histórico:

CONTRATO DE TRABALHO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA.

ASSÉDIO MORAL. REINTEGRAÇÃO E INDENIZAÇÃO. Hipótese

em que a ruptura do contrato de trabalho do Reclamante, a despeito

de formalmente creditada como "sem justa causa", foi motivada em

discriminação, evidenciando transgressão ao disposto no art. 1º, III,

da CF e aos arts. 1º e 4º da Lei nº 9.029/95, de aplicação analógica.

Não se coaduna com o conteúdo ético-jurídico que preside a relação

de emprego a atitude patronal, consubstanciada na intimidação do

trabalhador, como forma de retaliação contra o ajuizamento de

ações anteriores e a prestação de depoimento perante o Ministério

137

Público do Trabalho. Obrigação de reparação do assédio moral

(CCB, art. 927 c/c o art. 8º da CLT). Recurso do Reclamado

conhecido e desprovido. Recurso do Reclamante parcialmente

conhecido e parcialmente provido. (TRT-10 - RO:

02008200900710007, Relator: DOUGLAS ALENCAR RODRIGUES,

Data de Julgamento: 06/07/2011, Data de Publicação: 21/07/2011)

Utilizou-se, assim, da presunção como ferramenta para garantir direitos

constitucionais, no caso, o acesso à Justiça.

Outro exemplo de presunção relativa que serviu de lastro à atribuição de ônus ao

empregador:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO

DEVIDA. Embora o artigo 1º da Lei 9.029/95 determine a proibição

de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso

a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo,

origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, suas

hipóteses são, sem dúvida alguma, meramente exemplificativas, razão

pela qual o referido dispositivo deve ser interpretado de maneira a

vedar qualquer ato que tenha, em sua origem, cunho discriminatório.

No presente caso, restou amplamente comprovado que a autora foi

dispensada imediatamente após o retorno de seu terceiro

afastamento, restando evidente, assim, que o desligamento ocorreu

exclusivamente em razão da enfermidade, ainda que a reclamada não

tenha declinado os motivos para a dispensa. (TRT-3 - RO:

00320201401103000 0000320-23.2014.5.03.0011, Primeira Turma,

Data de Publicação: 04/11/2015)

Em tal caso, não obstante o poder potestativo do empregador, o simples fato de a

dispensa ter ocorrido logo após retorno da empregada de seu afastamento, caracterizou

presunção em seu favor de que a despedida teve por fundamento seus diversos

afastamentos, tendo o julgador aplicado a atribuição dinâmica do ônus em desfavor da

empregadora.

138

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO ALCOÓLATRA.

DISCRIMINAÇÃO PRESUMIDA. FUNDAMENTO DE BEM

FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. PRECEDENTES DO C. TST. Em

que pese não haver, relativamente ao empregado acometido pelo

alcoolismo, norma garantidora de estabilidade no emprego, o

ordenamento jurídico-constitucional brasileiro consagra uma gama

de princípios garantidores de direitos fundamentais, dos quais se

destacam, enquanto corolários dos demais, o fundamento da

dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, cuja a força

normativa horizontal obriga a empresa, que também possui função

social. Assim, ao se deparar com empregado alcoólatra, a empresa

assume múnus público de manter-lhe o vínculo empregatício, cujo

valor social garante-lhe a dignidade humana, sob pena de

discriminação presumida, à exceção de motivação justa e

comprovada. (TRT-7 - RO: 00015140820135070003, Relator: JOSE

ANTONIO PARENTE DA SILVA, Data de Julgamento: 13/10/2016,

Data de Publicação: 04/11/2016)

No caso do acórdão anterior, fica estampada a superação do entendimento que

resultou na alínea “f” do artigo 482 da CLT. Por tal dispositivo, é possível a dispensa

justificada do empregado alcoólatra, sendo que já se tem ciência de que o alcoolismo é

patologia, sendo necessária submissão a tratamento médico.

Utilizou o julgador de princípios constitucionais, como dignidade humana e

igualdade, para que, em momento crítico, o trabalhador pudesse manter o seu posto de

trabalho.

Dessa forma, é plenamente justificável a inversão dinâmica como um dos

instrumentos de justiça, já que propicia igualdade material entre as partes na obtenção

de provas.

139

5.2 Ônus da prova e hipossuficiência: a dignidade da pessoa humana

Um dos fundamentos da Constituição Federal de 1988 é a erradicação de toda e

qualquer forma de discriminação, além de assegurar a todos a igualdade perante a lei,

sem distinção de qualquer natureza, estabelecendo, ainda, punição para toda e qualquer

discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, como consta de forma

expressa em seu artigo 5º, inciso XLI.

A par de tais diretrizes, o legislador constituinte também legitimou outros

preceitos específicos relativos à isonomia e à não discriminação no âmbito das relações

de trabalho, especificamente no seu art. 7º.

Os pressupostos de isonomia e não discriminação, no âmbito trabalhista, foram

incrementados com o advento da Lei nº 9.029/1995, concebida justamente para coibir

práticas discriminatórias contra o trabalhador, prevendo, inclusive, efeitos em relação à

manutenção do emprego.

A referida Lei nº 9.029/1995 destina-se a proibir toda e qualquer forma de

discriminação por parte do empregador, qualquer que seja o motivo da discriminação, o

que significa não ser exaustivo o rol de hipóteses expressamente consignado em seu

bojo. Não obstante o referido dispositivo legal arrolar práticas discriminatórias por

motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, prevalece o

entendimento pacífico de que não se excluem as demais formas de discriminação, uma

vez que consta do dispositivo que “[...] fica proibida a adoção de qualquer prática

discriminatória [...]”, valendo destacar o princípio segundo o qual a lei não contém

palavras inúteis.

Dessa forma, a citada descrição não deve ser interpretada como taxativa, já que

entendimento em contrário colidiria com a expressão “qualquer prática discriminatória”

contida no texto.

É indene de dúvidas que a partir da atual Constituição e, principalmente, com a

Lei nº 9.029/1995, ficou proibida toda prática discriminatória por parte do empregador

ou seus prepostos (uma vez que aquele responde de forma objetiva por atos praticados

por estes, nos termos do artigo 932, III do Código Civil), incluindo-se as dispensas de

trabalhadores com fundamento discriminatório.

140

Como exemplo, cite-se outro dos precedentes que culminaram com o advento da

Súmula 443 do TST.

No julgamento do RR-366/2000-021-15-00.6 o TST dá destaque ao

fundamentado pelo Tribunal Regional da 15ª Região: “Inegável o poder diretivo do

empregador de dispensar o empregado sem justa causa. Contudo, neste aspecto,

cumpre destacar que a Lei 9.029/1995, de aplicação analógica ao presente caso, proíbe

a discriminação no emprego e, quando configurada, permite a reintegração”.

Não obstante todo o alicerce normativo inibindo práticas discriminatórias no

âmbito laboral, inclusive com imposição de multas administrativas, medidas

reparatórias e outras sanções, não há dúvida que a discriminação deve ser provada em

juízo.

Tal inquietude com a tutela jurisdicional torna-se evidente na medida em que a

não discriminação é tema intimamente relacionado à proteção dos direitos humanos e à

conservação da dignidade humana. Se o sistema falhar em garantir a efetividade de tais

direitos, surge a possibilidade de multiplicação das práticas discriminatórias,

destruidoras da dignidade da pessoa humana. 154

Vale lembrar que os conceitos de direito processual de distribuição do ônus da

prova garantem apenas a igualdade formal dos litigantes, não observando as

dificuldades e possibilidades reais no caso concreto, o que acaba gerando de forma

contínua, um efeito discriminatório, e também negando o comando constitucional de

garantia a todos do acesso à justiça ou, em outros termos, o direito constitucional a uma

prestação jurisdicional efetiva.

No plano processual, segundo Marcelo Abelha Rodrigues, uma prestação

jurisdicional efetiva significa ter “um processo de resultado, em que se possa dar e

permitir, no plano dos fatos, exatamente aquilo que se teria caso ele, o processo, não

fosse necessário”. 155

154

VASCONCELOS, Elaine Machado. A discriminação nas relações de trabalho: a possibilidade de inversão da prova como meio eficaz de atingimento dos princípios constitucionais. Revistas do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, ano 71, n. 2, p. 94-107, maio/ago. 2005 155

Elementos de Direito Processual Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 93.

141

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart conseguem vincular a

efetividade do processo à origem da tutela estatal ao lembrar que, “se o Estado vedou a

autotutela e assumiu o poder de solucionar os casos concretos, ele também assumiu o

grave dever de prestar aos cidadãos aquilo que denominamos de ‘adequada tutela

jurisdicional”. 156

Humberto Theodoro Junior entende que a efetividade é tida como o maior

desígnio do processo moderno segundo o qual “o processo, hoje não pode ser visto

como mero rito ou procedimento. Mas igualmente, não pode reduzir-se a palco de

elucubrações dogmáticas, para recreio de pensadores. O processo de nosso final de

século é, sobretudo, um instrumento de realização efetiva dos direitos subjetivos

violados ou ameaçados. E de realização pronta, célere e pouco onerosa. Enfim, um

processo a serviço de metas não apenas legais, mas, também, sociais e política. Um

processo que além de legal, seja, sobretudo, um instrumento de justiça”. 157

Estevão Mallet assevera que “[...] condicionar a tutela do direito à

apresentação de prova que, em decorrência de dificuldades materiais ou

circunstanciais, a parte não é concretamente capaz de produzir significa, em termos

práticos, impedir ou dificultar excessivamente o acesso à justiça, privando de tutela o

direito [...]. Assim, as regras relativas ao ônus da prova, para que não constituam

obstáculo à tutela processual dos direito, hão de levar em conta sempre as

possibilidades, reais e concretas, que tem cada litigante de demonstrar suas alegações,

de tal modo que recaia esse ônus não necessariamente sobre à parte que alega, mas

sobre a parte que se encontra em melhores condições de produzir a prova necessária à

solução do litígio”.158

Além disso, a prova pode ser direta ou indireta, sendo a prova direta a que se

refere ao fato probando ou consistindo no próprio fato (por exemplo, a prova

testemunhal e a documental), e a prova indireta como sendo a que não se refere ao

próprio fato probando propriamente dito, mas a outro fato, aparentemente secundário,

156

MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, v. 2 p. 65. 157

Execução: rumo atuais do processo civil em face da busca de efetividade jurisdicional. Revista Jurídica, Síntese, ano XLVI – nº 251 – setembro de 1998, p. 7. 158

MALLET, Estevão. Discriminação e o processo do trabalho. In: VIANA, Marcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares. Discriminação. São Paulo: LTr, 2010. P. 156-168.

142

mas que, por meio de raciocínio lógico, chega-se àquele. Referida prova também é

denominada “prova indiciária ou por presunção”.

Portanto, admite-se a prova indireta, indiciária ou por presunção, para provar a

discriminação.

Nesse sentido há a lição de Márcio Túlio Viana, que assevera que “a prova da

discriminação pode ser difícil. Raramente o empregador ou seu preposto irá admiti-la e

como ninguém é obrigado a dizer por que razão não contrata, bastará negar em

silêncio. Ainda assim, ou por isso mesmo, a prova indiciária assume um peso maior.

Em outras palavras, o juiz terá de valorizá-la bem mais do que às situações comuns,

sob pena de trair, por linhas tortas, o comando constitucional que garante o acesso à

justiça.159

Leciona ainda esse processualista que: “Cabe ao reclamante, naturalmente,

demonstrar os indícios. Mas como eles fazem presumir a prática do ato ilícito, têm o

poder de inverter o ônus da prova. Terá o empregador então de apresentar uma

justificativa qualquer para a sua recusa ou, no mínimo, demonstrar que não agiu

daquele modo com intenção discriminatória, mesmo porque, v.g, tem várias vendedoras

casadas na mesma função. Mas a dúvida pesará contra ele, e não poderia ser de outro

modo – já que é exatamente para decidir o impasse do juiz que a lei criou as regras do

ônus da prova”. 160

Alice Monteiro de Barros defende idêntico posicionamento: “a pessoa

considerada discriminada deverá apresentar fatos que permitam deduzir indícios

racionais de discriminação fundada em sexo e o empregador deverá destruir a

presunção, apresentado o motivo capaz de justificar o tratamento desigual. Exigir-se

prova de discriminação ou da intenção de discriminar, inviabiliza o reconhecimento da

igualdade de oportunidades e de tratamentos no emprego”. 161

Ainda, Márcio Túlio Viana, tratando sobre o assunto, acrescenta: “aqui, incide

também o princípio da aptidão para a prova, que transfere para o mais apto dos

159

A proteção trabalhista contra os atos discriminatórios. In: VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Otávio Linhares (coord). Discriminação. São Paulo: LTr. 2010, p. 360. 160

Ibid. p. 360. 161

Discriminação no emprego por motivo de sexo. In: VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Otávio Linhares (coord). Discriminação. São Paulo: LTr. 2010, p. 41.

143

litigantes o encargo de convencer o juiz. É que o empregador, enquanto empresário,

reúne à sua volta todo um aparato burocrático e, sobretudo, toda uma rede de poder

que o armam, antecipadamente, para eventuais acusações de seus empregados. De

resto, é ele quem cria o risco do negócio, e por extensão, também o risco da demanda”. 162

As ponderações doutrinárias têm lastro nos princípios constitucionais da

dignidade da pessoa humana, da proteção ao trabalho, da erradicação do preconceito e

da discriminação, todos corolários do princípio democrático, o qual, consequentemente,

reprova atos arbitrários. Não se esquecendo, por óbvio, do já citado artigo 6º do CDC,

inciso VIII que consagra como direito do consumidor “a facilitação da defesa de seus

direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor no processo civil,

quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for hipossuficiente,

segundo as regras ordinárias de experiência”.

Kazuo Watanabe, ao lecionar sobre a matéria, alerta que:

“na primeira situação, na verdade, não há verdadeira

inversão do ônus da prova. O que ocorre, como bem observa Leo

Rosenberg, é que o magistrado, com a ajuda das máximas de

experiência e das regras de vida, considera produzida a prova que

incumbe a uma das partes. Examinando as condições de fato com

base em máximas de experiência, o magistrado parte do curso normal

dos acontecimentos e, porque o fato é ordinariamente a consequência

ou o pressuposto de um outro fato, em caso de existência deste,

admite também aquele como existente, a menos que a outra parte

demonstre o contrário. Assim, não se trata de uma autêntica hipótese

de inversão do ônus da prova”.

[...]

162

Ibid. p. 362.

144

“Na segunda situação, que é o da hipossuficiência, poderá

ocorrer, tal seja a situação do caso concreto, uma verdadeira

inversão do ônus da prova”. 163

Antônio Herman V. Benjamin, defende idêntico posicionamento:

“O consumidor é, reconhecidamente, um ser vulnerável no

mercado de consumo (art. 4º, I). Só que, entre todos os que estão

vulneráveis, há outros cuja vulnerabilidade é superior à média. São

os consumidores ignorantes e de pouco conhecimento, de idade

pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja

posição social não lhes permite avaliar com adequação o produto ou

serviço que estão adquirindo. Em resumo: são os consumidores

hipossuficientes. Protege-se, com este dispositivo, por meio de

tratamento mais rígido que o padrão, o consentimento pleno e

adequado do consumidor hipossuficiente”.

[...]

“A vulnerabilidade é um traço universal de todos os

consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou

espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns –

até mesmo a uma coletividade -, mas nunca a todos os consumidores.

A utilização, pelo fornecedor, de técnicas mercadológicas que se

aproveitem da hipossuficiência do consumidor caracteriza a

abusividade da prática. A vulnerabilidade do consumidor justifica a

existência do Código. A hipossuficiência, por seu turno, legitima

alguns tratamentos diferenciados no interior do próprio Código,

como, por exemplo, a previsão de inversão do ônus da prova (art. 6º,

VIII).” 164

163

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p. 793/794 164

Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p.370-371

145

Vale, aqui, ressaltar que, quando se fala em hipossuficiência, não se está,

necessariamente, referindo à condição econômica do consumidor, ainda que tal aspecto

deva ser considerado, bastando a existência de desequilíbrio entre as partes. Por outro

lado, a vulnerabilidade do consumidor é considerada, ainda, em relação à sua condição

social, nível educacional. Em tais casos, ainda que as alegações possam ser, em um

primeiro momento, inverossímeis, há admissão da inversão do ônus, com base na

superioridade do demandado.

Trazendo tais conceitos ao âmbito trabalhista, não há controvérsia sobre o

aspecto de hipossuficiência do trabalhador na relação de emprego, de maneira que o

processo do trabalho, por meio de mecanismos próprios ou invocados de outras

codificações, busca o equilíbrio substancial entre as partes.

Nesse sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite possui pensamento ainda mais

progressista no que diz respeito à inversão do ônus da prova, defendendo que tal

instrumento pode ser adotado no processo do trabalho, tanto pela aplicação analógica do

art. 6º, VIII do CDC, tendo como pressuposto a posição do empregado semelhante à do

consumidor, no que tange à situação de hipossuficiência, como também por estar o

julgador autorizado, com base no art. 852-D combinado com o artigo 769, ambos da

CLT.

Destaca o autor que, não obstante o citado artigo 852-D ser específico

procedimento sumaríssimo, em se tratando de matéria de prova, qualquer que seja o

procedimento, fica o juiz autorizado a conduzir o processo em busca da verdade real,

não deixando de considerar as dificuldades naturais enfrentadas pelo empregado-

reclamante nas demandas trabalhistas.

Assim para Carlos Henrique Bezerra Leite, torna-se, plenamente aceitável o

disposto no do art. 852-D da CLT a todo procedimento do processo trabalhista, cabendo

apenas uma ressalva: o referido princípio só possui cabimento quando as provas nos

autos foram insuficientes ao convencimento do magistrado sobre os fatos alegados pelas

partes. 165

165 Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr., 2011. p. 600.

146

Outro fundamento para a aplicação da legislação consumerista no âmbito laboral

é a teoria do diálogo das fontes normativas, como mecanismo para a efetivação do

direito fundamental de acesso à justiça e ao processo justo, tanto para o consumidor,

quanto para o trabalhador, já que são ambos hipossuficientes e vulneráveis na relação

jurídica (material e processual).

Assim é que a inversão se mostra necessária não só como instrumento de busca

da verdade, mas também para efetivação de princípios constitucionais, como o da

dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido segue a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho,

conforme se infere dos seguintes precedentes in verbis:

TST-RR-1017500-36.2007.5.11.0018: ao manter a sentença,

que determinou a reintegração de trabalhador portador do vírus HIV,

dispensado sem justa causa e de maneira discriminatória, sem que a

reclamada tenha produzido prova robusta em sentido contrário, o

Tribunal Regional julgou em consonância com o ordenamento

jurídico pátrio, em especial, com os princípios constitucionais

protetivos da dignidade da pessoa humana, do valor social do

trabalho e da não-discriminação. (Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva

– 2ª Turma – DEJT 11-05-2012).

TST-E-RR-14/2004-037-02-00.0: Impende salientar que o

julgador deve se valer da prerrogativa inserta no artigo 8º da

Consolidação das Leis do Trabalho, para aplicar à espécie os

princípios gerais do Direito. Notadamente os princípios

constitucionais assecuratórios do direito à vida, ao trabalho e à

dignidade, insculpidos nos artigos 1º, III e IV; 3º, IV, 5º, caput e XLI,

170 e 193 da Constituição de 1988. (Rel. Min. Horácio Raymundo de

Senna Pires – Subseção I Especializada em Dissídios Individuais – DJ

14-11-2008).

Todas as decisões acima tiveram como fundamento os princípios constitucionais

de direito à vida, trabalho e, principalmente, dignidade humana. Não se pode alijar o ser

147

humano de um de seus maiores bens, que é seu trabalho, em momento em que esse

representa não só sua subsistência, mas sua própria dignidade.

5.3 Efetividade da inversão do ônus da prova nas despedidas

Tem-se por processo efetivo aquele que confere ao autor aquilo que obteria sem

a intervenção do Estado ou, ao menos, o mais próximo possível do que se entende por

justiça ou, nas palavras de Kazuo Watanabe, o acesso à ordem justa, assim considerada

a prestação jurisdicional adequada e em tempo razoável.

Para a obtenção de tais efeitos, há que existir no ordenamento instrumentos

apropriados de tutela ou, pelo menos, mecanismos que possibilitem ao juiz amoldar os

instrumentos existentes ao caso concreto.

Assim sendo, não é incorreto dizer que a efetividade processual tem como

subprincípio o amoldamento do processo às especificidades da causa, quer sejam elas de

cunho subjetivo (a exemplo, o prazo em quádruplo para pessoa jurídica de direito

público defender-se), finalístico (resultado que se intenta obter) ou objetivo.

No que tange ao critério objetivo, leciona Fredie Didie Jr. que “três são,

basicamente, os critérios objetivos de que se vale o legislador para adequar a tutela

jurisdicional pelo procedimento: um, a natureza do direito litigioso, cuja relevância

impõe uma modalidade de tutela diferenciada; o segundo, a evidência como se

apresenta o direito material no processo; o terceiro, a situação processual de urgência”. 166

Sobre o tema efetividade processual e adequação do procedimento ao direito

material, vale destacar o pensamento de Luiz Guilherme Marinoni:

“Será que o direito à tutela jurisdicional é apenas o direito ao

procedimento legalmente instituído, não importando sua capacidade

de atender de maneira idônea ao direito material? Ora, não tem

cabimento entender que há direito fundamental à tutela jurisdicional,

mas que esse direito pode ter a sua efetividade comprometida se a

166

Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 17ª ed. Salvador: JusPodium, 2015, vol. 1, p. 116.

148

técnica processual houver sido instituída de modo incapaz de atender

ao direito material. Imaginar que o direito à tutela jurisdicional é o

direito de ir a juízo por meio do procedimento legalmente fixado,

pouco importando a sua idoneidade para a efetiva tutela dos direitos,

seria inverter a lógica da relação entre o direito material e o direito

processual. Se o direito de ir a juízo restar na dependência da técnica

processual expressamente presente na lei, o processo é que dará os

contornos do direito material. Mas deve ocorrer exatamente o

contrário, uma vez que o primeiro serve para cumprir os desígnios do

segundo. Isso significa que a ausência de técnica processual

adequada para certo caso conflitivo concreto representa hipótese de

omissão que atenta contra o direito fundamental à efetividade da

tutela jurisdicional”. 167

Inegável, portanto, que o processo mostra-se como instrumento para realização

da justiça e garantia dos direitos e dos interesses individuais, pelo que se conclui que

deve o processo oportunizar a parte que dele se valer a efetividade do resultado que ela

poderia obter, caso lhe fosse possível usar de seus próprios meios para exigir a

obediência à lei, conforme pensamento acima do jurista Kazuo Watanabe.

Ocorre que, para obter o bem da vida desejado, é necessário demonstrar ao

julgador que os fatos alegados correspondem à verdade, e essa demonstração é a

finalidade da prova.

Por conseguinte, a prova é justamente o vínculo entre a pretensão e o resultado,

razão pela qual, o acesso à justiça está umbilicalmente ligado à produção de prova, pelo

que, quando se nega ou dificulta o acesso à jurisdição, ainda que no tocante à questão

relativa à divisão justa do ônus probatório, se está diretamente objetando o primado de

acesso à justiça.

Por isso, chega-se à conclusão de que não se pode simplesmente utilizar os

artigos 818, I da CLT, impondo ao empregado que produza uma prova quase

167 Técnica Processual e Tutela de Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 188-189.

149

impossível, como ocorre nas demandas em que se discute comportamento

discriminatório, sob pena de negativa da devida tutela jurisdicional para reparação da

discriminação sofrida no emprego.

Em tais casos, importante se faz a consideração da desigualdade do empregado

perante o empregador, desigualdade que adquire proporções acima do normal no que

tange à produção probatória, uma vez que, além do estado natural de sujeição do

empregado, é o empregador quem detém os meios de prova. Sob sua guarda estão as

provas documentais, além do fato de que as testemunhas, na maioria das vezes, ainda se

encontram sob sua subordinação.

Tanto é assim que a dificuldade de produção de prova pelo empregado é

reconhecida na seara trabalhista que o valor da prova documental é mitigado quando em

confronto com outros meios de prova e com o princípio da primazia da realidade.

A hipossuficiência do empregado (não necessariamente econômica, como

anteriormente destacada), frente ao empregador e à dificuldade de acesso ao meio

probatório eficaz, acaba por autorizar o julgador a inverter o encargo probatório,

facilitando, assim, o acesso à justiça.

O Juiz do Trabalho, como condutor do processo (art. 765, da CLT), usualmente

possui sensibilidade para, à luz do caso concreto, atribuir o ônus probatório à parte que

possa desempenhá-lo de forma mais fácil, questão importante para a obtenção do

equilíbrio entre as partes no processo trabalhista, como destacado pela doutrina e pela

jurisprudência.

Em relação ao exposto, vale destacar a precisa observação de Mauro Schiavi:

“Com efeito, há muito o juiz deixou de ser um convidado de

pedra na relação jurídica processual. Na moderna teoria geral do

processo, ao juiz cabe zelar pela dignidade do processo, pela busca

da verdade real e por uma ordem jurídica justa. Isso não significa

dizer que o juiz está desconsiderando o princípio do dispositivo, ou as

regras do ônus da prova previstas nos artigos da CLT e do CPC, ou

ao princípio da igualdade de tratamento às partes (deveras) está

apenas garantindo a dignidade da justiça, da aplicação justa e

150

equânime da lei e uma ordem jurídica justa. O entendimento acima

ganha corpo no Direito Processual do Trabalho, que tem o princípio

do inquisitivo no que tange à iniciativa probatória do juiz (art. 765 da

CLT)”. 168

Dessa forma, alinha-se a busca da efetividade com os poderes conferidos ao

julgador para aplicar a inversão dinâmica em relação ao ônus da prova.

Observa-se que o TST está sensível a essa tendência reforçada pelo CPC de

2015, como se infere do seguinte arresto in verbis:

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. PRESUNÇÃO DE

VERACIDADE DA JORNADA DECLINADA NA INICIAL. SÚMULA

N. 338, TST. (...) IV. De todo modo, constata-se que o TRT de origem

não violou o preceito normativo invocado pela agravante (art. 818 da

CLT), não apenas porque lhe deu a devida e escorreita aplicação

jurídica, sob o prisma do ônus subjetivo da prova, mas, sobretudo,

por ter se valido precipuamente do princípio da persuasão racional

do juiz, o qual se caracteriza pela liberdade conferida ao magistrado

para valorar o conteúdo probatório carreado aos autos, em

observância ao art. 371 do CPC/2015 e sempre nos limites das provas

produzidas, valendo salientar que a declaração de idoneidade dos

cartões não se deveu exclusivamente ao fato de eles estarem

desordenados, mas por muitos serem ilegíveis ou conterem marcação

britânica. (TST, AIRR 0000710-67.20165.5.21.0007, 5ª Turma, Rel.

Min. Antônio de Barros Levenhagen, DEJT 11.11.2016, p. 1.433).

Na decisão supra, não houve propriamente inversão do ônus probandi, mas

presunção em favor do trabalhador, ante a prova produzida pela empregadora, ainda

que, ordinariamente, o ônus pertencesse àquele.

Assim, prevalece a presunção de discriminação na despedida, quando presentes

elementos suficientes para caracterizá-la, e não tendo o empregador se desincumbido do

168

Manual de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2008, p. 473.

151

encargo, como ressaltado nos julgados já transcritos e que serviram como precedentes

fundamentadores da Súmula 443 do TST.

Importante destacar que, em muitos casos, a inversão do ônus é o único

mecanismo para dar efetividade aos princípios constitucionais de valorização do

trabalho e dignidade da pessoa humana, como se pode perceber pelas seguintes decisões

in verbis.

TST-RR-112900-36.2005.5.02.0432. A jurisprudência desta

Corte se firmou no sentido de que o empregado, portador do vírus

HIV, em face das garantias constitucionais que vedam a prática

discriminatória e asseguram a dignidade da pessoa humana, tem

direito à reintegração, não obstante a inexistência de legislação que

assegure a estabilidade ou a garantia no emprego, presumindo-se

discriminatória a sua dispensa imotivada. (Rel. Min. Katia Magalhães

Arruda – 5ª Turma – DEJT 06.05.2011).

TST-RR-1046/2002-036-02-00.5. A ciência do empregador da

condição do reclamante de portador do vírus HIV, gera a presunção

relativa de despedida sem justa causa discriminatória. Inexistindo

prova em contrário, faz jus o reclamante à sua reintegração. (Rel.

Min. Carlos Alberto Reis de Paula – 3ª Turma – DEJT 03-10-2008).

Em ambos os casos acima citados, tanto a decisão de primeiro grau quanto o

acórdão de segundo grau acolheram a tese patronal, e somente em grau superior o

trabalhador conseguiu ver reconhecido seu direito, sendo que a distribuição dinâmica foi

justamente o mecanismo utilizado para dar efetividade ao direito.

Cabe destacar que, não obstante os acórdãos supracitados que serviram de

embasamento para a mencionada Súmula 443 tenham por fundamento discriminação em

razão de doença grave, qualquer forma de discriminação é vedada, tanto pelos próprios

termos da lei, como pela jurisprudência, conforme segue in verbis:

DESPEDIDA DISCRIMINATÓRIA – IDADE FATOR

DISCRÍMEN – VIOLAÇÃO DO TEXTO CONSTITUCIONAL

(ARTIGOS, 1º, IV; 3º, IV; 5º, CAPUT, II E XXXVI; 7º, I, XXX E XXXI;

152

170, CAPUT) E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL –

READMISSÃO AUTORIZADA PELA LEI N. 9.029/95 – ART. 1.090

DO CÓDIGO CIVIL – Imperiosa a declaração de nulidade das

despedidas dos empregados relacionados em ação civil pública, com

consequente readmissão dos mesmos no emprego se, da prática

aparentemente neutra do ato imotivado perpetrado pela ré, sobressai

a malsinada discriminação indireta. Logo, constatado que no caso em

concreto, dentre os dispensados, a maioria detinha o componente

apontado na inicial como discriminatório (idade compreendida na

faixa dos quarenta e quarenta e poucos anos) cujo resultado

deletério, se afastou dos propósitos das regras pactuadas para a

privatização, não buscando o desenvolvimento social a que se

obrigou, nem preservando o trabalho como valor social.

Malferimento que se reconhecem aos princípios, garantias e direitos –

FUNDAMENTAIS E SOCIAIS, inscritos nos preceitos epigrafados,

bem assim na legislação infraconstitucional (Lei n. 9.029.) (TRT 9ª R.

– RO 13115/2000 – (32676/2001 – 2000) Relª Juíza Rosemarie

Diedrichs Pimpão – DJPR 23.11.2001).

Toda forma de discriminação é vedada, porém os fatores doença e idade acabam

por se tornar mais frequentes, em razão das eventuais limitações que atingem o

empregado. Porém, não se deve deixar de destacar o papel social que a empresa

desempenha, não se podendo admitir que, em nome de maior produção, o trabalhador

venha a ser dispensado no momento em que mais necessita do emprego.

Entretanto, é importante destacar que não se trata pura e simplesmente de

inversão ante a mera alegação; haverá a necessidade de o autor trazer aos autos algum

indício que lhe seja favorável (não basta, por exemplo, o empregado provar ser portador

de doença grave, mas deverá provar que dela tinha ciência o empregador).

A inversão pura e simples tão somente por estar o hipossuficiente em um dos

pólos da demanda pode macular justamente a efetividade que se busca alcançar, já que,

em tal hipótese, penderá a balança de forma injusta para um dos lados, quebrando o

equilíbrio que se busca alcançar com a inversão dinâmica.

153

Sob tal prisma, e para que se enquadre a hipótese como possível despedida

discriminatória e, assim, inverter-se o encargo probatório, há que a parte autora trazer

elementos que levem à presunção da discriminação alegada.

Citando a inversão nas relações de consumo, assim se manifesta Humberto

Theodoro Junior:

“Não se pode, todavia, entender que o consumidor tenha sido

totalmente liberado do encargo de provar o fato constitutivo do seu

direito, nem que a inversão especial do CDC ocorra sempre, e de

maneira automática, nas ações de consumo. Em primeiro lugar, a lei

tutelar do consumidor condiciona a inversão a determinados

requisitos (verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do

consumidor), que haverão de ser aferidos pelo juiz para a concessão

do excepcional benefício legal. Em segundo lugar, não se pode

cogitar de verossimilhança de um fato ou da hipossuficiência da parte

para prová-lo sem que haja um suporte probatório mínimo sobre o

qual o juiz possa deliberar para definir o cabimento, ou não, da

inversão do ônus da prova [...] Sem prova alguma, por exemplo, da

ocorrência do fato constitutivo do direito do consumidor (autor), seria

diabólico exigir do fornecedor (réu) a prova negativa do fato passado

fora de sua área de conhecimento e controle. Estar-se-ia, na verdade,

a impor prova impossível, a pretexto de inversão de onus probandi, o

que repugna à garantia do devido processo legal, com as

características do contraditório e ampla defesa”. 169

Não basta, por exemplo, que o empregado seja portador do vírus HIV ou de

outra doença grave; é preciso que se demonstre que o empregador tinha ciência de tal

condição, ainda que falte imediatidade entre a ciência e a despedida.

Corroborando esse entendimento destacam-se as seguintes ementas in verbis:

169

Curso de direito processual civil – teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. Vol. 1, p. 1146.

154

PORTADOR DO VÍRUS HIV. REINTEGRAÇÃO. Em

circunstâncias nas quais o trabalhador é portador do vírus da Aids e

o empregador tem ciência desse fato, o mero exercício imotivado do

direito potestativo da dispensa faz presumir discriminação e

arbitrariedade. A circunstância de o sistema jurídico pátrio não

contemplar previsão expressa de estabilidade no emprego para o

soropositivo de HIV não impede o julgador trabalhista de valer-se da

prerrogativa inserta no art. 8º da CLT, para aplicar à espécie os

princípios gerais do direito, notadamente as garantias constitucionais

do direito à vida, ao trabalho e à dignidade, insculpidos nos arts. 1º,

incisos III e IV; 3º, inciso IV; 5º, caput e XLI, 170 e 193 da Carta

Política, além da previsão do art. 7º, inciso I, também da Constituição

Federal, que veda a despedida arbitrária. Recurso de revista

conhecido e provido’. (RR - 76089/2003-900-02-00, Rel. Min. Lélio

Bentes Corrêa, DEJT 17/06/2005).

RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO. EMPREGADO

PORTADOR DO VIRUS HIV. PRESUNÇÃO DE DISPENSA

DISCRIMINATÓRIA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. [...]

Conforme se depreende do acórdão, o Tribunal a quo não considerou

abusiva a dispensa do obreiro, fundamentada em reestruturação de

pessoal, que resultou na dispensa de outros três empregados, bem

como no fato de o Reclamante haver permanecido no emprego por um

ano após o diagnóstico da doença, com a sua liberação para a

realização de tratamento médico. Não se olvida que a denúncia vazia

do contrato de trabalho, na ordem jurídica brasileira, traduz um

direito meramente potestativo, realizando-se por meio de uma

declaração volitiva de caráter receptício e constitutivo, com efeitos

imediatos quanto à extinção contratual, tão logo recebida pela parte

adversa. Entretanto, tal direito potestativo encontra limites no

ordenamento jurídico pátrio, haja vista que algumas situações

restrigem ou até mesmo inviabilizam o livre exercício do poder

resilitório (como exemplo, as garantias provisórias de emprego). In

casu, não se pode conferir validade à dispensa imotivada do obreiro

155

portador do vírus HIV, porquanto decorrente de ato discriminatório,

indo de encontro aos princípios da função social da propriedade (art.

170, III, da CF), da dignidade da pessoa humana e dos valores

sociais do trabalho (art. 1º, III e IV, da CF). Não se olvide, outrossim,

que faz parte do compromisso do Brasil, também na ordem

internacional (Convenção 111 da OIT), o rechaçamento a toda forma

de discriminação no âmbito laboral. (TST-RR-317800-

64.2008.5.12.0054, Min. Maurício Godinho Delgado, DEJT

10/06/2011).

Como se depreende dos acórdãos acima, nas circunstâncias em que o empregado

é portador do vírus da Aids e o empregador tem ciência desse fato, o mero exercício

imotivado do direito potestativo da dispensa faz presumir discriminação e

arbitrariedade.

A outorga de tais poderes ao juiz, poderes esses limitados ao princípio do

contraditório, da existência de presunção ou indício, é que dá efetividade ao processo.

Na lição de Humberto Theodoro Junior: “O direito fundamental à tutela

jurisdicional justa e efetiva engloba necessariamente o direito também fundamental à

igualdade substancial e à prova. E é em nome da busca da verdade real que se

reconhece ao juiz o amplo poder na iniciativa da prova, que exerce em nome do

interesse público na efetividade da justiça. E é, ainda, como decorrência dessa mesma

função, que se lhe atribui o poder de redistribuir o ônus da prova, quando necessário à

adequada apuração da verdade”. 170

Outra questão atrelada à efetividade do processo e à distribuição dinâmica do

ônus da prova diz respeito ao adiantamento de honorários periciais como efeito da

inversão do ônus da prova.

No âmbito do direito comum, caminha a doutrina no sentido de que tal previsão

tornou-se impraticável, ante os parágrafos 3º e 4º do artigo 95 do CPC, que preveem de

forma expressa o custeio da prova pelo Estado quando de responsabilidade do

beneficiário da justiça gratuita (quase a totalidade dos autores na Justiça do Trabalho).

170

Ibid. p. 1143.

156

Entretanto, como inexiste quadro próprio de peritos no Poder Judiciário, resta ao

julgador valer-se de particulares nomeados, cujo rol vem diminuindo drasticamente no

âmbito da Justiça do Trabalho, principalmente após o corte orçamentário sofrido a partir

de 2015.

Portanto, ainda que haja disposição expressa no CPC que leve à não

determinação de antecipação de honorários pelo empregador, a praxe forense vem

permanecendo na primeira instância, apesar de entendimento jurisprudencial firmado

em sentido contrário: OJ 98 da SDI-II di TST - Mandado de segurança. Cabível para

atacar exigência de depósito prévio de honorários periciais. (Inserida em 27.09.2002.

Nova redação - Res. 137/2005, DJ 22.08.2005). É ilegal a exigência de depósito prévio

para custeio dos honorários periciais, dada a incompatibilidade com o processo do

trabalho, sendo cabível o mandado de segurança visando à realização da perícia,

independentemente do depósito.

Embora a redação da referida OJ seja genérica, abarcando toda e qualquer

exigência para depósitos prévios, inclusive pelo empregador, a prática forense é no

sentido de atribuir o encargo ao empregador, com fundamento na inversão do ônus da

prova.

“A doutrina mais atual sustenta que o ônus da prova deve ser atribuído a quem

tem aptidão para tanto e daí a conclusão de que deve fazer a prova quem tem a condição

de produzi-la, num aparente contraste às regras do art. 818, da CLT, c/c art. 333, 1, do

CPC. Desse modo, considerando que o reclamante encontra-se em posição de

hipossuficiência em relação à reclamada VALE S/A, entendo que os honorários

periciais devem ser antecipados pela ré, garantido o ônus da sucumbência ao final,

ressaltando-se que a citada antecipação visa, tão somente, garantir a produção de prova,

a qual se faz imprescindível para o deslinde da questão. Por outro lado, observa-se,

ainda, que, ao contrário do alegado no writ, a impetrante também requereu a produção

de prova pericial nos autos da ação originária, conforme se depreende da leitura da

contestação, cuja cópia repousa às fls. 100/134. Isto posto, firmo convicção no sentido

de que, no caso em exame, o ato praticado pela autoridade coatora não se configura

contrário à legislação trabalhista, na medida em que resguarda o direito do

157

hipossuficiente, estando em perfeita consonância com a mais atualizada doutrina sobre o

assunto.” 171

Ideias não faltam para suprir a falta de peritos, como concebido por Daniel

Amorim Neves: “o Poder Judiciário poderia firmar convênios com as faculdades

públicas para a prestação desse ‘serviço social’. Em regra, não há ramo de

conhecimento que escape de uma faculdade pública, que poderia se organizar para

atender aos pedidos do Poder Judiciário, indicando um professor responsável e alunos

do último ano para elaborarem a perícia, como TCC (trabalho de conclusão do curso)

ou como parte de sua avaliação. Além de perícias certamente de qualidade, teríamos

uma excelente experiência profissional e de vida para os alunos”. 172

Entretanto, torna-se necessário observar que, com a reforma da CLT pela Lei nº

13.467/2017, ocorreram diversas alterações nos trâmites processuais, algumas de

duvidosa constitucionalidade, já que limitam a efetivação de direitos sociais previstos

no texto da norma máxima, o que pode ocasionar limites ao acesso à Justiça.

Tal conclusão se extrai porque, pelo texto celetista revogado, se a parte

sucumbente fosse benefíciária da justiça gratuita, havia isenção dos honorários periciais,

os quais seriam arcados pela União (art. 790-B da CLT). No mesmo sentido a

Orientação Jurisprudencial nº 387 da SDI-I do C. TST convertida na Súmula 457. 173

Com a modificação perpetrada pela citada Lei 13.467/2017, o artigo 790-B passa

a prever que a parte sucumbente arca com os honorários periciais “ainda que

sucumbente”, sendo que a União só passa a arcar com tais honorários se o sucumbente

não possuir créditos a receber, ainda que em outro processo.

A orientação jurisprudencial, convertida na Súmula 457, tem como objetivo a de

que o perito não fique sem receber pelo seu trabalho em razão da parte sucumbente ser

171

RO-18000-62.2012.5.16.0000, Data da Publicação: DEJT 06-09-2013. 172

Manual de direito processual civil. 8ª Ed. Salvador: JusPodium. 2016. p. 448. 173 Súmula 457 - HONORÁRIOS PERICIAIS. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RESPONSABILIDADE

DA UNIÃO PELO PAGAMENTO. RESOLUÇÃO Nº 66/2010 DO CSJT. OBSERVÂNCIA. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 387 da SBDI-1 com nova redação).

A União é responsável pelo pagamento dos honorários de perito quando a parte sucumbente no objeto da perícia for beneficiária da assistência judiciária gratuita, observado o procedimento disposto nos arts. 1º, 2º e 5º da Resolução n.º 66/2010 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT.

158

beneficiária da gratuidade da justiça. Os Tribunais Regionais do Trabalho elaboraram

provimento no sentido de ser expedida certidão de honorários pelas Varas, cujos valores

serão pagos pela União, matéria que atualmente é disciplinada pela Resolução 66/2010

do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

Segundo Valetin Carrion, em seus Comentários à CLT esse dispositivo “coloca

o juiz entre dois princípios: não obstaculizar a pretensão do reclamante, de um lado, e,

de outro, não sucumbir ao abuso dos que pedem caprichosamente, sem se importar com

o prejuízo alheio”. 174

De fato, é superlativo o número de ações em que a parte requer a realização de

perícias sem fundamento, apenas porque não decorrerá, para ela quaisquer ônus.

Homero Batista Mateus da Silva analisando a questão em comento diz que:

“Sejamos franco: em muitas Comarcas houve abuso

postulatório quanto aos pedidos de adicional de insalubridade,

adicional de periculosidade e pedidos derivados de doenças

ocupacionais. Casos gravíssimos, lesões infames e ambientes de

trabalho agressivos foram todos misturados com pedidos

inconsequentes de insalubridade por conta de sabão de coco ou com

produtos altamente diluídos, comprados em supermercados e não no

fabricante das essências, bem assim muitos levam doenças

hereditárias, degenerativas ou epidemias para discussão na esfera

trabalhista. O tema é preocupante, especialmente para os que

dedicam a vida ao estudo e à pesquisa da saúde, da higiene e da

segurança do trabalho, porque, como tudo na vida, o mau uso ou o

uso em excesso provocam reação contrária. A banalização deveria

preocupar”.175

Antes mesmo da reforma trabalhista pela Lei 13.467/2017, e da novel redação

do artigo 790-B da CLT, parte da jurisprudência se inclinava a responsabilizar o

174

Comentários à Legislação das Leis do Trabalho: legislação complementar/jurisprudência. 38ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 702. 175

Comentários à reforma trabalhista: análise da Lei 13.467/2017 – artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017, p. 138.

159

reclamante no caso de sucumbência, caso houvesse crédito a receber, devendo ser

reservada de tal crédito a parcela relativa aos honorários periciais.

Em tal sentido, destacamos a seguinte decisão do TRT da 2ª Região:

HONORÁRIOS PERICIAIS. SUCUMBÊNCIA NO OBJETO

DA PERÍCIA. RECLAMANTE VENCEDOR EM OUTROS PLEITOS.

POSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO. O perito nomeado pelo Juiz é

considerado um auxiliar da justiça (art. 149 do CPC de 2015),

sendo certo que seu trabalho não se trata de munus público. Sua

nomeação é necessária quando a prova do fato depender de

conhecimento técnico ou científico (art. 156 do CPC de 2015).

Nesses termos, sua remuneração será sempre devida – cujo

arbitramento deverá ser moderado – considerando que seus

honorários caracterizam-se como salário, posto estarem atuando no

desempenho de sua profissão. A intenção do legislador, ao incluir a

isenção dos honorários periciais entre os efeitos da concessão da

gratuidade processual (artigo 98, § 1º, VI, do CPC de 2015)é a de

garantir o acesso à ordem jurídica justa, num patamar que obedeça

ao devido processo legal substancial. Mas, sendo o reclamante

vencedor em outros títulos da demanda trabalhista, a qual via de

regra contém cumulação objetiva, nada impede que se deduza de

tais créditos o valor dos honorários do perito, sem causar qualquer

prejuízo ao acesso à justiça e sem precisar onerar os cofres

públicos. (TRT/SP 0001998-52.2014.5.02.0027 12ª Turma – Rel.

Des. Elizabeth Mostardo. DOE 2.9.2016).

Como podemos verificar, a decisão tomada na análise do recurso determinou

que pode haver dedução nos ganhos para pagamento de perito, mesmo sendo o

sucumbente beneficiário da justiça gratuita. E a razão o próprio acórdão explica: “A

intenção do legislador, ao incluir a isenção dos honorários periciais entre os efeitos da

concessão da gratuidade processual é a de garantir o acesso à ordem jurídica justa. Mas,

sendo o reclamante vencedor em outros títulos da demanda trabalhista, nada impede que

se deduza de tais créditos o valor dos honorários, sem causar qualquer prejuízo ao

acesso à justiça e sem precisar onerar os cofres públicos.”

160

Como citado, a redação atual do artigo 790-B da CLT responsabiliza a parte

sucumbente em relação ao objeto da perícia pelos honorários do perito, mesmo que

beneficiária da justiça gratuita.

Ou seja, a responsabilização da União por tais honorários será apenas residual,

nos casos em que não haja créditos a receber, ainda que em outro processo.

Tem-se, assim, que o reclamante poderia não receber nenhum valor, como no

caso de a parcela vencedora de seu pleito ser igual ou inferior aos honorários periciais.

Há uma clara mitigação aos pleitos de adicional de periculosidade e insalubridade de

forma cumulativa.

Como já citado, houve emissão da resolução nº 66/2010 pelo Conselho

Superior da Justiça do Trabalho, regulamentando perante a Justiça do Trabalho a

questão dos honorários periciais em caso de sucumbência de parte beneficiária da

Justiça Gratuita, atribuindo o encargo à União.

Referida Resolução nº 66/2010 possui tal redação:

Art. 1º Os Tribunais Regionais do Trabalho deverão destinar

recursos orçamentários para:

I – o pagamento de honorários periciais, sempre que à parte

sucumbente na pretensão for concedido o benefício da justiça

gratuita;

II – o pagamento de honorários a tradutores e intérpretes, que

será realizado após atestada a prestação dos serviços pelo juízo

processante, de acordo com a tabela constante do Anexo.

§ 1º Os valores serão consignados sob a rubrica “Assistência

Judiciária a Pessoas Carentes”, em montante estimado que atenda à

demanda da Região, segundo parâmetros que levem em conta o

movimento processual.

§ 2º O juiz poderá ultrapassar em até 3 (três) vezes os valores

fixados na tabela constante do Anexo, observados o grau de

161

especialização do tradutor ou intérprete e a complexidade do

trabalho, comunicando-se ao Corregedor do Tribunal.

Art. 2º A responsabilidade da União pelo pagamento de

honorários periciais, em caso de concessão do benefício da justiça

gratuita, está condicionada ao atendimento simultâneo dos seguintes

requisitos:

I – fixação judicial de honorários periciais;

II – sucumbência da parte na pretensão objeto da perícia;

III – trânsito em julgado da decisão.

§ 1º A concessão da justiça gratuita a empregador, pessoa

física, dependerá da comprovação de situação de carência que

inviabilize a assunção dos ônus decorrentes da demanda judicial.

§ 2º O pagamento dos honorários poderá ser antecipado, para

despesas iniciais, em valor máximo equivalente a R$ 350,00

(trezentos e cinqüenta reais), efetuando-se o pagamento do saldo

remanescente após o trânsito em julgado da decisão, se a parte for

beneficiária de justiça gratuita.

§ 3º No caso de reversão da sucumbência, quanto ao objeto da

perícia, caberá ao reclamado-executado ressarcir o erário dos

honorários periciais adiantados, mediante o recolhimento da

importância adiantada em GRU – Guia de Recolhimento da União,

em código destinado ao Fundo de “assistência judiciária a pessoas

carentes”, sob pena de execução específica da verba. (NR)

Art. 3º Em caso de concessão do benefício da justiça gratuita,

o valor dos honorários periciais, observado o limite de R$ 1.000,00

(um mil reais), será fixado pelo juiz, atendidos:

I – a complexidade da matéria;

162

II – o grau de zelo profissional;

III – o lugar e o tempo exigidos para a prestação do serviço;

IV – as peculiaridades regionais.

Parágrafo único. A fixação dos honorários periciais, em valor

maior do que o limite estabelecido neste artigo, deverá ser

devidamente fundamentada.

Art. 4º Havendo disponibilidade orçamentária, os valores

fixados nesta Resolução serão reajustados anualmente no mês de

janeiro, com base na variação do IPCA-E do ano anterior ou outro

índice que o substitua, por ato normativo do Presidente do Tribunal.

Art. 5º O pagamento dos honorários efetuar-se-á mediante

determinação do presidente do Tribunal, após requisição expedida

pelo Juiz do feito, observando-se, rigorosamente, a ordem

cronológica de apresentação das requisições e as deduções das cotas

previdenciárias e fiscais, sendo o valor líquido depositado em conta

bancária indicada pelo perito, tradutor ou intérprete.

Parágrafo único. O valor dos honorários será atualizado pelo

IPCAE ou outro índice que o substitua, a partir da data do

arbitramento até o seu efetivo pagamento.

Art. 6º As requisições deverão indicar, obrigatoriamente: o

número do processo e o nome das partes; o valor dos honorários,

especificando se de adiantamento ou se finais; o número da conta

bancária para crédito; natureza e característica da atividade

desempenhada pelo auxiliar do Juízo; declaração expressa de

reconhecimento, pelo Juiz, do direito à justiça gratuita; certidão do

trânsito em julgado e da sucumbência na perícia, se for o caso; e o

endereço, telefone e inscrição no INSS do perito, tradutor ou

intérprete. (Art. 6° com redação dada pela Resolução nº 115, de 28 de

setembro de 2012)

163

Art. 7º Os Tribunais Regionais do Trabalho poderão manter

sistema de credenciamento de peritos, tradutores e intérpretes para

fins de designação, preferencialmente, de profissionais inscritos nos

órgãos de classe competentes e que comprovem sua especialidade na

matéria sobre a qual deverão opinar, a ser atestada por meio de

certidão do órgão profissional a que estiverem vinculados.

Art. 8º As Presidências de Tribunais Regionais do Trabalho

ficam autorizadas a celebrar convênios com instituições com notória

experiência em avaliação e consultoria nas áreas de Meio Ambiente,

Promoção da Saúde, Segurança e Higiene do Trabalho, e outras,

capazes de realizar as perícias requeridas pelos Juízes.

Art. 9º O pagamento dos honorários está condicionado à

disponibilidade orçamentária, transferindo-se para o exercício

financeiro subseqüente as requisições não atendidas.

Art. 10. Nas ações contendo pedido de adicional de

insalubridade, de periculosidade, de indenização por acidente do

trabalho ou qualquer outro atinente à segurança e saúde do

trabalhador, o Juiz poderá determinar a notificação da empresa

reclamada para trazer aos autos cópias dos LTCAT (Laudo Técnico

de Condições Ambientais de Trabalho), PCMSO (Programa de

Controle Médico de Saúde Ocupacional) e PPRA (Programa de

Prevenção de Riscos Ambientais), e de laudo pericial da atividade ou

local de trabalho, passível de utilização como prova emprestada,

referentes ao período em que o reclamante prestou serviços na

empresa.

Art. 11. Fica revogada a Resolução n.º 35/2007.

Art. 12. Esta Resolução entra em vigor na data de sua

publicação.

164

Torna-se necessária nova interpretação sobre referida Resolução, até que outra

seja expedida, já que a União não mais arcará com honorários em um primeiro

momento.

Há a possibilidade de que a nova redação do art. 790-B da CLT dificulte as

perícias, na medida em que os processos de menor valor (geralmente de pessoas mais

simples), que não poderão adiantar honorários nem terão valores significativos a

receber ao final.

Se pensarmos que o perito é um profissional gabaritado, médico ou engenheiro

especializado, o valor de R$ 1.000,00 não se mostra atraente, o que fará com que os

juízes tenham que ser criativos a fim de tornar possível a realização de perícias.

Uma forma possível seria a regra ordinária de atribuição do ônus da prova: ao

autor incumbe a prova dos fatos constitutivos do seu direito; ao réu incumbe a prova

dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (art. 818 da

CLT).

Dessa forma, se a alegação do trabalhador for de exercício de determinada

atividade, enquadrada na lei ou Normas Regulamentadoras da Portaria nº 3.214/78

como insalubre e/ou perigosa, a regra de distribuição do ônus recairá sobre o

empregador, que deverá provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do

direito alegado, uma vez que o ordinário se presume e o extraordinário se prova.

Portanto, se a alegação do empregado for de que sua atividade consiste em

manipulação de produtos numa caldeira e pleitear adicional de insalubridade e o

empregador não impugnar tal alegação, será seu o ônus de provar que referida caldeira

não extrapola os limites de calor, ou que o nível de calor não é prejudicial ao

trabalhador. Assim, tem-se que o ônus da prova pertence ao empregador.

Entretanto, como já destacado, a Lei nº 13.467/2017 (que alterou a

Consolidação das Leis do Trabalho) trouxe, entre suas inovações processuais, barreiras

ao direito constitucional de ação, que limitam a efetivação dos direitos sociais previstos

constitucionalmente, dificultando o acesso ao Poder Judiciário.

Como exemplo de tais barreiras, citem-se as restrições à gratuidade judiciária

no âmbito da Justiça do Trabalho àqueles que comprovem insuficiência de recursos.

165

Sobre esse tema, cite-se a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao

Supremo Tribunal Federal (STF) pela Procuradoria Geral da República, questionando

justamente os dispositivos que afetam a gratuidade da justiça.

Referida ADI, com número 5766, e tendo comorelator o Ministro Luís Roberto

Barroso, pretende a declaração de inconstitucionalidade de inúmeros dispositivos da

nova lei, entre os quais o artigo 790-B da CLT (caput e parágrafo 4º), que

responsabiliza a parte sucumbente pelos honorários periciais, ainda que beneficiária

da justiça gratuita Como já citado, a redação anterior de tal artigo previa o custeio dos

honorários pela União, exigindo apenas que o sucumbente fosse beneficiário da

Justiça Gratuita, valendo destacar que o Código de Processo Civil, em seu artigo 98,

parágrafo 1º, inciso VI é claro ao dispor que a gratuidade judiciária engloba custas,

despesas processuais e honorários advocatícios.

Frise-se que há pedido de liminar em tal ADI, requerendo a suspensão da

eficácia da expressão “ainda que beneficiário da justiça gratuita”, no caput, e do

parágrafo 4º do artigo 790-B da CLT, e até momento do término deste trabalho, não

havia, ainda, sido apreciada tal liminar.

166

Conclusão

Conforme o estudo evidenciado neste trabalho, o princípio da não discriminação,

universal e fundamental, faz-se presente em todo o ordenamento pátrio, estando

expresso tanto no tecido Constitucional, como nos inúmeros tratados e convenções

internacionais das quais o Brasil é signatário, e, ainda, em leis ordinárias.

Pelo compromisso assumido na Constituição Federal de 1988, assim como em

normas internacionais, o Brasil tem como dever combater e eliminar toda e qualquer

forma de discriminação, tanto no campo do direito material como no do direito

processual.

Não obstante, notamos que as vítimas de discriminação acabam enfrentando

dificuldades para provar suas alegações nos processos judiciais, dificuldades essas que

podem, ao menos, ser mitigadas com medidas processuais.

Entre tais medidas, o Estado criou previsões legais que visam a facilitar a tutela

processual em semelhantes demandas, inclusive com a transferência do encargo

probatório.

Decerto, em todas as demandas faz-se necessário estabelecer equilíbrio entre os

litigantes e, de forma especial, no Processo do Trabalho, torna-se indispensável

assegurar ao empregado litigante o acesso ao órgão judicial, como também a igualdade

de condições com a outra parte, inclusive por meio de inversão do ônus da prova,

quando cabível.

Sob tal aspecto, nota-se que a teoria estática do ônus da prova, prevista tanto no

Código de Processo Civil, em seu artigo 373, como na Consolidação das Leis do

Trabalho, em seu artigo 818, acaba não atendendo de forma adequada às hipóteses de

discriminação no âmbito trabalhista.

Levando-se em consideração esses aspectos, para que as regras relativas ao ônus

da prova não venham a constituir óbice à proteção processual dos direitos, devem

sempre ponderar as possibilidades efetivas que tem cada parte de demonstrar suas

alegações, de tal sorte que esse ônus não obrigatoriamente recaia sobre a parte que

alega, mas sobre aquela que se encontra em melhores condições de produzir a prova

167

necessária à solução da contenda, inclusive com a possibilidade de inversão judicial do

ônus da prova.

Há, mesmo, situações, como na discriminação oculta ou velada, nas quais há a

possibilidade de utilização das máximas de experiência e da prova prima facie, nos

termos do artigo 375 do Código de Processo Civil.

Quanto à distribuição dinâmica do ônus da prova, pudemos verificar que possui

assento na Constituição (notadamente nos incisos III, V, X e XXXV do artigo 5º) e no

princípio da aptidão da prova, estabelecido em diversos diplomas infraconstitucionais

(notadamente nos artigos 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, 373, §

1º, do Código de Processo Civil e 818, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho), em

vista dos quais há que se considerar a efetiva capacidade probatória das partes e se

permitir temperar a regra dos artigos 818 da Consolidação das Leis do Trabalho e 373

do Código de Processo Civil, especialmente nos casos de prova diabólica da

discriminação.

Ressaltamos que, antes mesmo de qualquer reforma legislativa no âmbito

processual, o ordenamento jurídico já convivia com as teorias da distribuição estática e

dinâmica do ônus da prova, pois a própria jurisprudência já vinha sinalizando que, para

se evitarem injustiças que pudessem ser causadas pelo engessamento provocado pela

distribuição estática, seria necessário suavizar tal regra, adotando a dinamização da

distribuição do ônus probatório como técnica jurídica.

Assim sendo, é possível concluir que essa postura deriva de uma nova

concepção de processo, claramente influenciada por toda a principiologia da

Constituição Federal, estabelecendo que, além do conflito litigioso, devem as partes ser

notadas como sujeitos capazes de diálogo, com vista a se obter a finalidade maior da

jurisdição, que é a pacificação social.

Não há qualquer dúvida de que a nova Codificação processual, tanto pelas novas

disposições do Código de Processo Civil e da Consolidação das Leis do Trabalho, como

pelo previsto no Código de Defesa do Consumidor, abraçou tal pensamento, idealizando

um procedimento em que a resposta jurisdicional resulta da cooperação entre as partes.

168

Traçando um paralelo do direito processual com o direito material, a cooperação

está para o processo assim como a boa-fé objetiva e os seus consectários estão para o

contrato.

Dessa forma, o direito processual acaba por se aproximar dos mesmos vetores

principiológicos contidos no direito material, a saber: socialidade, operabilidade e

eticidade.

Em razão disso, torna-se possível afirmar que o atual panorama processual

atribui ao julgador a incumbência de, à luz das particularidades do caso concreto, não

aplicar o ônus estático da prova, mas, em momento processual específico, atribuir o

encargo probatório à parte que possua melhores condições de dele se desincumbir.

Destacamos, no entanto, que no processo trabalhista, predomina a oralidade e,

principalmente, a concentração dos atos processuais se dá em audiência, não havendo

um momento exato de saneamento do processo, ou seja, não há uma oportunidade

prévia para a atribuição do ônus de forma diversa da ordinariamente prevista em lei.

Portanto, acaba não sendo possível a simples aplicação da regra de procedimento

prevista pela Consolidação das Leis do Trabalho, tornando-se imprescindível que a

dinamização seja estabelecida, ao menos, na audiência inaugural, antes de se realizar a

instrução, a fim de que a parte onerada possa se desincumbir de tal ônus, sob pena de,

com o fito de se evitar injustiça à parte hipossuficiente, acabar-se por trazer injustiça à

parte adversa, o que agride qualquer conceito de justiça.

Em resumo, a aplicação da atribuição dinâmica do ônus da prova produz uma

prestação de tutela jurisdicional legítima e efetiva, não permitindo que o acesso à justiça

venha a se tornar letra morta no texto constitucional, não podendo ser desprezada sob

nenhum pretexto, haja vista que os provimentos jurisdicionais resultam da convergência

de vontades das partes (ainda que antagonistas), e apenas se legitimam quando

assegurado é o direito fundamental à prova.

169

Referências Bibliográficas Livros AMBROSIO, Graziella. A Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova no Processo do

Trabalho. São Paulo: LTr., 2013.

ARRUDA, Alvim. Novo Contencioso civil no CPC/2015. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2016.

ALVIM, Thereza. O Novo Código de Processo Civil brasileiro. Estudos dirigidos:

sistematização e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 2015

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr., 2005.

_______________________. Discriminação no emprego por motivo de sexo. In

VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Otávio Linhares (coord). Discriminação. São

Paulo: LTr. 2000.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 7ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2013.

BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª ed.

São Paulo: LTr., 2011.

BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Discriminação no Trabalho. São Paulo:

LTr., 2002.

BUZAID, Alfredo. Do agravo de petição no sistema do código de processo civil. 2ª ed.

São Paulo: Saraiva, 1956.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.

CARNELUTTI, Francesco. A Prova Civil. Campinas: Bookseller, 2002.

_____________________. Sistema de Direito processual civil. São Paulo: Classicbook,

2000. v. 2.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça - tradução de Ellen Gracie

Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 2002.

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 38ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2013.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. Niterói: Impetus, 2008.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Campinas:

Bookseller, 2009.

CINTRA, Antonio Carlos; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

Rangel. Teoria geral do processo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

170

DALLEGRAVE NETO. José Affonso; COUTINHO. Aldacy Rachi; GUNTHER, Luiz

Eduardo. (coords). Transformações do direito trabalho. Curitiba: Juruá, 2007

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 13ª ed. São Paulo: LTr.,

2014.

DI PIETRO, Maria Silvia Zanella. Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. DIDIER JR, Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito

Processual Civil. 2ª ed. Bahia: JusPodivm, 2008. v. 2.

______________________________________________________. Curso de Direito

Processual Civil. 10ª ed. Bahia: JusPodivm, 2015. v. 2.

______________________________________________________. Direito probatório.

2ª ed. Bahia: JusPodivm, 2016

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 6ª ed. São

Paulo: Malheiros. 2009. v. 3.

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Direito à prova e dignidade humana: cooperação

e proporcionalidade em provas condicionadas à disposição física da pessoa humana

(abordagem comparativa). São Paulo: LTr., 2007.

GAGNO, Luciano Picoli. A Prova no processo civil – uma análise sob a ótica do

direito fundamental de acesso à justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Novo Código de Processo Civil: Principais

Modificações. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 6ª ed. São Paulo:

Saraiva, 1993. v. 2.

GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; FINK,

Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; NERY

JÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor:

comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

2005.

LACERDA, Maria Francisca dos Santos. Ativismo – cooperativo na produção de

prova: garantia de igualdade das partes no processo civil. São Paulo: LTr., 2012.

LIMA, Francisco Melton Marques de. LIMA, Francisco Péricles Marques de. Reforma

trabalhista: entenda ponto a ponto. São Paulo: LTr., 2017.

171

LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007.

MACHADO JÚNIOR, Cesar P. S. O ônus da prova no processo do trabalho. 3ª ed.

São Paulo: LTr., 2001

MANHABUSCO, José Carlos; MANHABUSCO, Amanda Camargo. A inversão do

ônus da prova no processo do trabalho: teoria da distribuição dinâmica do ônus da

prova. São Paulo: LTr., 2013.

MARQUE, Fabíola. A discriminação nas relações de trabalho. In: ARRUDA PINTO,

Roberto Parahyba de (coord). Direito e o Processo do Trabalho na Sociedade

Contemporânea – Homenagem a Francisco Ary Montenegro Castelo. São Paulo: LTr.,

p. 41-44, 2005.

MARTINS, Adalberto. Manual didático de direito processual do trabalho. 6ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2014.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito processual do trabalho. 19ª ed. São Paulo: Atlas,

2003.

____________________. Direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 28ª ed. São Paulo:

Atlas, 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela de Direitos. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004.

MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sergio Cruz. Curso de processo civil –

processo de conhecimento. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 2.

_______________________________________________. Manual do Processo de

Conhecimento. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 2.

_______________________________________________. Prova e Convicção de

acordo com o CPC de 2015. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 33ª ed. São Paulo:

Saraiva, 1995

MIESSA, Elison. (coord.). O novo código de processo civil e seus reflexos no processo

do trabalho. Salvador: JusPodivm. 2015.

MOURA, Marcelo. Consolidação das Leis do Trabalho para concurso. 6ª ed. Salvador:

Juspodivm, 2016.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo. Atlas, 1999.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2011.

172

___________________________. Direito contemporâneo do trabalho. São Paulo:

Saraiva, 2011.

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de

Processo Civil – Novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil Lei 13.105/2015 –

inovações, alterações, supressões. Rio Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

______________________________. Manual de direito processual civil. 8ª ed.

Salvador: Juspodium, 2016

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor. 2ª

ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

OLMOS, Cristina Paranhos. Discriminação na relação de emprego e proteção contra

dispensa discriminatória. São Paulo: LTr., 2008.

PACÍFICO, Luiz Eduardo Boaventura. O ônus da prova. 2ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011.

PEYRANO. Jorge W.; WHITE, Inés Lépori. (coords). Carga probatorias dinâmica.

Bueno Aires: Rubizal-Culzoni, 2008.

PUOLI, José Carlos Baptista. O ônus da prova e sua distribuição dinâmica no novo

código de processo civil. In: CARMONA, Carlos Alberto. (coord.). Novo código de

processo civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, p. 231- 251, 2015.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1991.

RIBAR, Georgia. Os princípio constitucionais da dignidade da pessoa humana, da

igualdade e o princípio da não-discriminação na proteção contra a discriminação na

relação de emprego. São Paulo: Revista LTr, 2006.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 25ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil. 3ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do trabalho esquematizado. São Paulo:

Saraiva, 2013.

___________________________. Distribuição dinâmica do ônus da prova no direito

processual do trabalho, p. 1009. In: DIDIER JR. Fredie. (coord.). Direito probatório. 2ª

ed. São Paulo: Juspodivm. 2016.

ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 5ª ed. São

Paulo: LTr., 2013.

173

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 23ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2004. v. 2.

SANTOS, Gabriel do Val. A aplicação da teoria das cargas dinâmica da prova ao novo

código de processo civil. In: ARRUDA ALVIM, Thereza (coord.). O novo código de

processo civil brasileiro – estudos dirigidos: sistematização e procedimentos. Rio de

Janeiro: Forense, p. 457-480, 2015.

SARAIVA, Renato. Processo do Trabalho: Série Concurso Público. 2ª ed. São Paulo:

Método, 2006.

SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr., 2008.

_______________. Provas no processo do trabalho. 4ª ed. São Paulo: Ltr., 2014.

_______________. A reforma trabalhista e o processo do trabalho. São Paulo: Ltr.,

2017.

SEHLI, Daniele Lucy Lopes de. A ruptura do contrato de trabalho e as práticas

discriminatórias: o limite entre o direito potestativo de dispensar e o abuso de direito

sob enfoque da Lei. 9.029/95. In: COUTINHO, Aldacy Rachid; DALLEGRAVE

NETO, José Afonso; GUNTHER, Luiz Eduardo. (coords.). Transformações do direito

do trabalho. Curitiba: Juruá, p. 97-108, 2007.

SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2017.

SUSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. 2ª ed. São Paulo: LTr., 1998.

SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima.

Instituições de direito do trabalho. 20ª ed. São Paulo: LTr. 2002. v. 2.

TARTUCE, Flávio. O novo cpc e o direito civil: impacto, diálogos e interações. Rio

Janeiro. Forense; São Paulo: Método, 2015.

TARUFFO, Michele. Uma simples verdade – o juiz e a construção dos fatos. São

Paulo: Marcial Pons, 2012.

TEIXEIRA FILHO, Manuel Antonio. Curso de direito processual do trabalho. São

Paulo: LTr., 2009. v 2.

______________________________. A prova no processo do trabalho. 8ª ed. São

Paulo: LTr. 2003.

______________________________. Comentários ao novo código de processo civil

sob a perspectiva do processo do trabalho: Lei nº 13.501, de 16 de março de 2015. São

Paulo: LTr. 2015.

174

______________________________. O processo do trabalho e a reforma trabalhista:

as alterações introduzidas no processo do trabalho pela Lei nº 13.467/2017. LTr.,

2017.

THEODORO JR, Humberto. Curso de direito processual Civil: teoria geral do direito

processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 56ª ed. Rio de

Janeiro: Forense. 2015. v. 1.

_______________________. Execução: rumo atuais do processo civil em face da busca

de efetividade jurisdicional. Revista Jurídica, Síntese, ano XLVI – nº 251 – setembro de

1998

TUCCI, José Rogério Cruz e; AZEVEDO, Luís Carlos de. Lições de história do

processo civil romano. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

VIANA, Márcio Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares (coord.). Discriminação. São

Paulo: LTr, 2000.

ZANGRANDO, Carlos Henrique da Silva. Curso de direito do trabalho. São Paulo:

LTr., 2008, v. 2.

Artigos em periódicos e em suporte eletrônico:

ARAZI, Rolad. La carga probatória. Disponível em:

http://www.apdp.com.ar/archivo/teoprueba.htm> acessado em: 24 abr. 2017.

BARROS, Alice Monteiro de. Aids no local de trabalho: um enfoque de direito

internacional e comparado. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

Belo Horizonte, 32 (62): 67-86, jul./dez.2000.

BUZAID, Alfredo. Do ônus da Prova. Disponível em: <

http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/66398/69008 >

CAMPAGNOLI, Adriana; OLIVEIRA, Chayne; MANDOLOZZO, Silvana. Direito a

continuidade do contrato de trabalho: empregado portador do vírus HIV. Revista

eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região. Vol. 3, n. 27. (jan./fev.

2014). acessado em: 02-02-2017.

CHEHAB, Gustavo Carvalho. O princípio da não discriminação e o ônus da prova.

Disponível em: <

http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/18058/002_chehab.pdf?sequenc

e=4 >

175

HIRATA, Carolina Marzola. A reforma trabalhista e o processo do trabalho:

Comentários à parte processual do PL nº 6.787/2017 (Câmara dos Deputados –

PL/2017 (Senado Federal). São Paulo: Revista LTr., 81-06

MARTINS, Sergio Pinto. Os efeitos do contrato de trabalho do empregado portador do

vírus HIV. In: Revista IOB trabalhista e previdenciária, São Paulo, v. 19, n. 220, p. 29-

37, out. 2007.

MARTINS, Rodrigo Bezerra. Dispensa Discriminatória por Doença do Empregado.

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.47341&seo=1>

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Provas Atípicas. São Paulo: Revista de Processo.

out./dez. de 1994.

PEYRANO, Jorge Walter. Artigo. La regla de la carga de la prueba enfocada como

norma de clausura del sistema. Revista de Processo 2010 – Repro 185.

TEIXEIRA, Sergio Torres. Proteção à relação de emprego. São Paulo: LTr, 1998.p.

371-372 In: RIBAR, Georgia. Os princípio constitucionais da dignidade da pessoa

humana, da igualdade e o princípio da não-discriminação na proteção contra a

discriminação na relação de emprego. São Paulo: Revista LTr, 2006.

TELLES, Fábio Luiz de Queiroz. O portador do vírus da síndrome da imunodeficiência

adquirida (HIV) como trabalhador e sua relação com a empresa: uma análise sob a

perspectiva da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e dos direitos da

personalidade. 25.10.2012. Dissertação (mestrado em Direito Empresarial e Cidadania),

Centro Universitário Curitiba, Curitiba, 2012. P. 93 In: GUNTHER, Luiz Eduardo. O

HIV E A AIDS: Preconceito, discriminação e estigma no trabalho – Aplicação da

súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho. Revista Eletrônica do TRTPR v. 4 n. 42.

Julho 2015.

VASCONCELOS, Elaine Machado. A discriminação nas relações de trabalho: a

possibilidade de inversão da prova como meio eficaz de atingimento dos princípios

constitucionais. Revistas do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, ano 71, n. 2, p.

94-107, maio/ago. 2005.

AIDS: Perguntas/Respostas. <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/links-de-

interesse/286-aids/9049-o-que-e-aids> Acessado em 02-2-2017.

176

Teses e dissertações

BERTELLI, Sandra Miguel Abou Assali. A importância da prova como garantia de

efetividade do processo do trabalho. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, 2009.

GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos humanos, princípios da igualdade e não

discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. Tese de Doutorado. Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, 2007.

PIRES, Cristiane Pedroso. Distribuição dinâmica do ônus da prova. Dissertação

Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2014.

Pesquisas feitas na rede mundial de computadores, por meio de consulta a sítios

eletrônicos dos Tribunais.

Supremo Tribunal Federal – www.stf.jus.br

Tribunal Superior do Trabalho – www.tst.jus.br

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região – www. trt2.jus.br

Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região – www.trt6.jus.br

Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região – www.trt9.jus.br

Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região – www.trt15.jus.br