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1 Universidade Severino Sombra Coordenadoria Geral de Pós – graduação Programa de Mestrado em História ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL ESTRATÉGIA E PROMOÇÃO POLÍTICA DA DITADURA MILITAR (1964-1979) Nuely Ferreira Arbex Vassouras 2001

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1

Universidade Severino Sombra Coordenadoria Geral de Pós – graduação

Programa de Mestrado em História

ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

ESTRATÉGIA E PROMOÇÃO POLÍTICA DA DITADURA

MILITAR (1964-1979)

Nuely Ferreira Arbex

Vassouras

2001

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Nuely Ferreira Arbex

ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

ESTRATÉGIA E PROMOÇÃO POLÍTICA DA DITADURA

MILITAR (1964-1979)

Vassouras

2001

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3

ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

ESTRATÉGIA E PROMOÇÃO POLÍTICA DA DITADURA

MILITAR (1964-1979)

Orientador: Prof. Doutor José Augusto dos Santos

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em

História Social do Trabalho da USS, pela mestranda

Nuely Ferreira Arbex, como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre.

Vassouras

2001

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Ficha Catalográfica baseada nas orientações do AACR2

A 694 e: Arbex, Nuely Ferreira Energia Nuclear no Brasil: estratégia e promoção política da ditadura militar (1964/1979). – Vassouras: USS, 2001.

_____ p: il. Inclui bibliografia.

1. Energia Nuclear – Brasil. 2. Usinas nucleares – Acordos – ESG – história política - golpe 64. I. Título. II. Santos, José

Augusto dos (ori.) III. Universidade Severino Sombra-CGPG-PMH

CDD 354.47

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Agradecimentos

Ao tentar tornar públicos os meus agradecimentos para com

todos aqueles que me auxiliaram na confecção deste trabalho, dou

especial ênfase à cooperação da minha filha Romilda, que além de me

auxiliar no trabalho de computador, suportou comigo,

pacientemente, as conseqüências do deslocamento de gastos

domésticos em razão do investimento financeiro deste Curso de

Mestrado. Sem sua ajuda constante, eu, dificilmente, teria atingido

este objetivo acadêmico no período pré – estabelecido.

Agradeço, igualmente, ao meu filho Jonny e à minha nora

Rosilene que abriram mão da minha presença junto a eles, quando

vieram da Itália passar as férias comigo, para que eu pudesse

dedicar-me à pesquisa.

Torno extensivos estes agradecimentos a todos os meus

familiares vivos, lembrando-me com eterna saudade daqueles já

falecidos, em especial, minha mãe Sueli, meu avô Alípio e minha avó

Rita, que além de me incentivarem ao estudo e a confiar no potencial

dos meus esforços, inculcaram-me os ideais de honestidade e

justiça. Foi a lembrança do que me ensinaram que me alentou, nos

momentos de insegurança, a prosseguir na execução desta tarefa.

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Ao meu especial amigo Orlando, que cooperou para que eu

tivesse acesso a diferentes localidades do Estado do Rio de Janeiro,

facilitando minha locomoção e mantendo aceso meu ânimo para

prosseguir no enfrentamento das dificuldades.

Ao orientador deste trabalho, Prof. Dr. José Augusto dos

Santos, que me convenceu não existir inviabilidade entre a área dos

meus estudos específicos, a saber a área de Ciências Exatas,

Química e Biologia e as solicitações do saber histórico, fazendo-me

acreditar, em especial, que esta minha dissertação poderia se

transformar numa contribuição à interdisciplinaridade. Destaco em

especial o carinho, com que impregnou sua orientação, o tempo que

dispendeu, a sua experiência e paciência para aproximar minha

mente afeita às Ciências Exatas ao campo da História.

Aos Professores Doutores Lincoln de Abreu Penna, Sônia

Regina de Mendonça e Aluízio Alves Filho, que ministraram

diferentes disciplinas e manifestaram grande vontade de me ajudar

tendo em vista as diferenças acadêmicas entre minha área de

estudos e o conteúdo por eles ensinado.

À Profª Doutora Maria Philomena Cunha Gebran, Diretora do

Mestrado, que sempre soube compreender minha situação e nunca

deixou de me transmitir incentivo, levantando minha confiança em

momentos particularmente difíceis para mim, como aqueles ligados

ao contexto da saúde.

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À minha especial amiga Irene, considerada como uma verdadeira

irmã, colega deste Mestrado pela inesgotável atenção com que me

acompanhou ao longo deste Curso, particularmente pelo carinho, pelo

companheirismo e pela ajuda acadêmica.

Aos funcionários da Secretaria Adail, Acácio e Osana pela

paciência e pela amizade com que sempre me atenderam.

Aos colegas de trabalho do Colégio Estadual Célio Barbosa

Anchite, principalmente às amigas Aurora, que abdicou de vantagens

pessoais para me substituir, a Joseane e Rosilândia, que não

mediram esforços para cooperar comigo na realização dessa tarefa.

Sem elas este trabalho não teria sido realizado.

Às minhas inesquecíveis amigas Maria Cláudia (Presidente da

CECOL – Cooperativa Construir Ltda), Andiara, que aceitou fazer

gratuitamente uma revisão de linguagem desta dissertação e a

Helena que traduziu vários artigos do inglês relacionados a este

conteúdo estudado.

Não poderia olvidar a cooperação e o incentivo dos colegas de

Mestrado, em particular do amigo Sérgio, que sempre se esforçaram

para irradiar alegria e tranqüilidade ao longo destes dois anos

acadêmicos.

E, finalmente, a todos aqueles que, no dia-a-dia do trabalho

profissional, nomeadamente, os meus alunos, sempre me exortaram

a continuar, meu sincero e eterno muito obrigado.

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“A interdisciplinaridade é uma exigência holística

e estrutural tanto da natureza da mente do

conhecedor quanto da complexidade interna e

externa de qualquer objeto estudado”.

José Augusto dos Santos

“Quando se elimina o impossível, o que sobra, por

improvável que seja, deve ser a verdade.”

Arthur Conan Doyle, escritor inglês (1859-1930)

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“(...)Viver é construir e planejar o futuro,

É tentar realizar sonhos e sonhar fantasias,

É conservar -se acima dos sonhos.(...)

É ser capaz de passar obstáculos e derrubar

barreiras.(...)

Viver não é apenas existir,

É tentar ser alguém e buscar ideais, é ser capaz de

lutar(...).

(Gizela Rocha Moreira)

Universidade Severino Sombra Coordenadoria Geral de Pós – Graduação

Programa de Mestrado em História

Dissertação: ENERGIA NUCLEAR NO BRASIL

ESTRATÉGIA E PROMOÇÃO POLÍTICA DA DITADURA

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MILITAR(1964-1979)

Elaborada por Nuely Ferreira Arbex e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo Programa de Mestrado em História da

USS, como requisito para obtenção do Título de

MESTRE EM HISTÓRIA

Banca Examinadora:

Presidente

1º Examinador

2ºExaminador

Vassouras 2001

Sumário pág

Introdução 1

Capítulo Primeiro 1. Abordagem Histórica: Conseqüências políticas, econômicas e sociais do Golpe de Estado de 1964.

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1.1 Historiografia do Golpe

1.2 Nossos conhecimentos do Golpe

Capítulo Segundo

2. A Política Econômica Brasileira e a Ideologia da ESG

2.1 A Ideologia da ESG

2.2 A Escola Superior de Guerra e o Golpe de 1964

2.3 O Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento 2.4 A Política Nuclear e Enfoques Analíticos sobre o Acordo Nuclear 2.5 O Outro Lado da Internacionalização

Capítulo Terceiro

3. A Implantação das Usinas Angra 1 e Angra 2

3.1 Desenvolvimento e Segurança

3.2 Angra 2 3.3 A Gênese do Acordo Brasil – Alemanha 3.4 A Escolha do Parceiro 3.5 O Custo da Energia Nuclear 3.6 O Porquê do Sigilo 3.7 Dificuldades Locais da Construção de Angra 2 3.8 Conseqüências sociais desses investimentos para a Região de Angra dos Reis 3.9 Demanda Energética Considerações finais Anexo

Referências Bibliográficas

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Abreviaturas:

ADEP – Ação Democrática Popular

ADP – Ação Democrática Parlamentar AIEA – Agência Internacional de Energia Atômica

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AMFORP – American and Foreign Power ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica CAMDE – Campanha da Mulher Democrática CGT – Comando Geral dos Trabalhadores CIE – Centro de Informações do Exército CISA – Centro de Informações da Aeronáutica CMN – Conselho Monetário Nacional CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura CONTEL – Conselho Nacional de Telecomunicações CSN – Conselho de Segurança Nacional DIA – Defense Intelligence Agence ESG – Escola Superior de Guerra FEB – Força Expedicionária Brasileira FJD – Frente da Juventude Democrática FPM – Frente de Mobilização Popular HANNA – Hanna Corporation. Pseudônimo da Companhia de Mineração Novalimense IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática IPES – Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais

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ITT – International Telephone & Telegraph KWh – Kilowatts/hora KWU – Kraftwerk Union MWh – Megawatts/hora PUA – Pacto da Unidade e Ação RFA – República Federal da Alemanha SFICI – Serviço Federal de Informações e Contra – Informações SNI – Serviço Nacional de Informações

Fontes documentais consultadas impressas ou datilografadas:

FGV – CPDOC - Arquivo Paulo Nogueira Baptista. FGV – CPDOC – Arquivo Edmundo de Macedo Soares Biblioteca Nacional – Arquivos diversos

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Arquivo Nacional – Diários Oficiais Arquivo do Itamaraty – Dados sobre a implantação da energia nuclear no Brasil. Biblioteca da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) – Dados diversos sobre a energia nuclear. Biblioteca da Fundação Getúlio Vargas – Diários Oficiais Biblioteca do Exército – Discursos de Ernesto Geisel e Revista Militar Brasileira. Biblioteca da ESG – Livro Branco sobre o “Programa Nuclear do Brasil”. Fontes não oficiais – Jornal do Brasil, O Globo e O Dia.

RESUMO

O objeto central deste trabalho é a implantação da energia nuclear no

Brasil, como estratégia de legitimação da elite militar no poder entre 1964-

1979.

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Destacam-se características do golpe militar de 1964, a influência da

ideologia da ESG e o esforço de independência da elite militar na obtenção do

domínio completo da energia nuclear.

Tecem-se considerações a respeito da marginalização da comunidade

científica brasileira, por razão de segredo de Estado, assim como a respeito do

desvio de verbas destinadas às questões sociais brasileiras.

Conclui-se afirmando que apesar de todas as falhas do projeto da elite

militar, o domínio da energia nuclear tornou-se uma realidade no Brasil.

ABSTRACT

The main objective of this work is the implantation of nuclear energy in

Brazil as a strategy to legitimate the military élite, which was in the

government between 1964-1979.

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Emphasis is given to the characteristics of the 1964 military “coup

d’état”, the influence of ESG’s ideology and the effort for independence of the

military élite in obtaining full domain of nuclear energy.

Considerations are made about keeping the brazilian scientific

community aloof, because it was a government secret, as well as concerning

the deviaton of budget destinated to brazilian social matters.

It is concluded asserting that in spite of all the imperfections of the

military élite project, the domain of nuclear energy became a reality in Brazil.

INTRODUÇÃO

A energia nuclear é uma realidade e o controle das tecnologias nucleares

desempenha importante papel no equilíbrio político, econômico, social e

militar no mundo contemporâneo, particularmente nas nações mais

desenvolvidas.

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Sabe-se, também, que a energia nuclear não pode substituir diretamente o

petróleo nos transportes, na petroquímica e que o suprimento de energia nuclear

não eliminaria a necessidade de outros combustíveis. Apesar de existir outras

fontes alternativas de energia, ainda serão necessários muitos esforços de

pesquisa e desenvolvimento, antes que elas se tornem comercialmente

competitivas.

Movido por essa convicção, o governo brasileiro da década de 60, julgou

indispensável a adoção de um programa nuclear, com desenvolvimento inicial

na Região Sudeste, como fonte alternativa e complementar para a geração de

energia elétrica, porque as reservas conhecidas de carvão mineral nas regiões

Sul e Norte, pela sua localização, pela quantidade de carvão produzido e pelos

custos de produção, condicionam essa alternativa a casos especiais e locais, não

sendo muito importante o seu papel dentro do programa energético brasileiro

global.

Segundo estudos feitos pelos órgãos governamentais1 na década de 70, os

recursos hidráulicos de médio e grande porte, da Região Sudeste estavam

praticamente esgotados, e haveria necessidade de uma complementação dessa

oferta de eletricidade.

1-Renato de BIASI. A energia nuclear no Brasil . p.84-5

Nesta região, onde vive grande parte da população brasileira e estão

instalados os principais parques industriais do País, o consumo energético tende

sempre a aumentar, exigindo uma produção de energia cada vez maior.

Restariam os recursos hídricos da Região Norte, mas de nada adianta ter a

usina onde o consumo é mínimo. E a distância de lá até os grandes centros de

consumo é muito grande, acarretando elevados investimentos para a

transmissão da energia produzida. Tendo em vista a idéia vigente na época de

que o petróleo iria esgotar-se com relativa rapidez e que, portanto, deveria ser

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preservado para fins mais nobres, acreditou-se, na época, que não restasse ao

país outro caminho, a não ser a gradual instalação da energia nuclear.

A vantagem apresentada pela energia nuclear é que não havia emissão de

poluentes que contribuíssem para aumentar o efeito estufa.

Em contrapartida, reconhecia-se a problemática da falta de tecnologia

para tratamento de lixo radioativo, avaliava-se o alto preço da construção das

usinas, juntamente com sua demora e o risco de contaminação nuclear por

acidente, que não podia ser relegado ao esquecimento.

O fato de existirem outras fontes de energia, tais como a energia solar, a

eólica, a das marés, que poderiam ser levadas em conta, não receberia adesão

especial porque sua exploração era cara, sua capacidade era limitada e não se

tinha alcançado ainda um desenvolvimento tecnológico que permitisse sua

utilização em escala industrial. Pesados os prós e contras, a equipe responsável

preferiu optar em definitivo pela inserção da energia nuclear no país.

A escolha deste tema, para dissertação de Mestrado em História, da

Universidade Severino Sombra, deveu-se ao desejo de entender as contradições

estabelecidas por decorrência da instalação das usinas (Angra 1 e Angra 2), bem

como estabelecer uma contribuição para dirimir possíveis dúvidas que

porventura venham a surgir.

Vários fatores tinham que ser devidamente avaliados:

1)O avanço tecnológico imprimiu modificações dramáticas no perfil de

consumo das matérias primas geradoras de energia e alterou os padrões de vida

da sociedade, tanto no plano doméstico como coletivo.

2)Havia uma preocupação dos governantes brasileiros, na década de 60,

de demonstrar o espírito tecnológico e aproximar o país das áreas mais

desenvolvidas nesse setor, juntamente com a idéia de marcar presença em

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relação aos países da América Latina que já se vinham preocupando com o

mesmo problema.

Por outro lado, o Brasil não estava preparado para fazer contratos tão

dispendiosos com relação à energia nuclear. Além disso, esse tipo de energia

interferiria no crescimento econômico do país, uma vez que acarretaria o

crescimento da dívida externa. A equipe governamental quis decidir por si a

execução de um projeto que deveria ter contado com a participação das

comunidades científicas, que foram marginalizadas.

Apesar de o Brasil, desde longa data, ter sido um parceiro econômico e

político dos Estados Unidos da América, o governo norte – americano se

recusou, sistematicamente, a negociar uma transferência de tecnologia para a

instalação das usinas nucleares brasileiras e tudo isso fez com que o governo

brasileiro optasse pela Alemanha, que se propôs a transferir o ciclo completo

do combustível e demais tecnologias nucleares, o que também se caracterizou

em nova dependência, embora menos sentida do que a dependência norte –

americana.

O presente trabalho tem, como objeto de estudo, a energia nuclear

utilizada como instrumento de promoção da ditadura brasileira.

Pretende-se, ainda, fazer uma análise do agravamento do setor

econômico decorrente dos acordos nucleares, reexaminando os efeitos políticos

advindos da ação governamental na consolidação dos mesmos, e ressaltar a

relação de ganhos e/ou perdas sociais resultantes.

Neste projeto, a pretensão é trabalhar particularmente a elite militar, que

naquele momento dos contratos assinados, era a que detinha o poder. A elite

militar foi poderosa porque teve acesso ao comando das principais instituições

governamentais. Eles se aceitavam, se compreendiam, procuravam trabalhar e

pensar de forma semelhante. Essa elite que por sua experiência e seu preparo,

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desenvolveu nos demais militares um tipo específico de caráter e

comportamento. Os militares tinham muitos pontos de interesses coincidentes

e, por isso, formavam um grupo convincente, pelo menos no início.

Por isso mesmo, do ponto de vista de embasamento teórico, este trabalho

buscará subsídios em autores especializados na Teoria das Elites, tais como

Tom Bottomore, na sua obra As elites e a sociedade, também Wright Mills em

A elite do poder, que além de suas idéias próprias referem pensamentos de

Mosca e Pareto.

Na História Política do Brasil “as elites dominantes (militares, banqueiros,

empresários, enfim a grande burguesia), sempre se anteciparam ao desenlace dos conflitos

populares para evitar a definição clara dos campos de luta e a afirmação de um deles

contra o outro”.2

Ao ser instaurada a ditadura militar, pelo Golpe de 1964, houve um

momento de ruptura política, mesmo que sua essência conservadora fosse

camuflada pela ideologia liberal, porque essa elite precisava esconder os reais

objetivos do novo regime e precisava mobilizar os amplos setores da classe

média no país.

Segundo Fernando Pedreira: “...esse momento vivido pelo país foi

caracterizado como de transição democrática,

2-Emir SADER. A Transição no Brasil: da ditadura à democracia?p.3

dando por definição que o autoritarismo seria

sucedido por uma democracia, mas o que houve

realmente foi a simples passagem de um sistema de

poder a outro, isto é, o grande movimento de 1964

fez-se não para subverter as instituições, para

revolucioná-las, mas para preservar o regime

democrático e livre que tínhamos e que estava

sendo escancaradamente traído pelo governo da

época. Chamou-se revolução porque foi feita

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contra o governo, contra as autoridades

constituídas, mas o seu objetivo era conservar e

garantir as instituições então vigentes. Só mais

tarde a revolução iria identificar-se com a

repressão e com o regime militar, que devia ser

provisório mas que seria perpetuado e

institucionalizado pelo AI-2 e pelo AI-5”. 3

Cabe citar aqui o conceito de segurança nacional:

“segurança nacional, como se assinalava na

legislação fundamental dos povos do ocidente,

inclusive das nações que iam, pouco a pouco,

sacudindo, na América, o jugo colonial, era

entendida como defesa da Pátria a ser

preservada pela comunhão nacional, contra um

agressor externo... nesse sentido, equivale ao que

se poderia, tradicionalmente, definir como

defesa”.4

3- Fernando PEDREIRA. Impávido colosso p.108

4-Hélio BICUDO. Segurança nacional ou submissão.p.13

Em nome da segurança nacional a elite militar reivindicou o direito de

subverter a Constituição e o sistema legal estabelecido para fundar um novo

sistema de poder. A alta oficialidade demonstrou que os valores liberais de

defesa das liberdades civis contra o suposto perigo estatizante e comunizante

eram apenas uma farsa.

A partir de 1964, a ditadura militar colocou em prática uma política

econômica – industrial predominantemente favorável ao grande capital

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monopolista nacional e internacional e o regime militar foi caracterizado como

um regime autoritário.

Os militares imprimem ao conjunto a sua marca específica: a

preocupação com a segurança nacional, com a disciplina e a obediência aos

regulamentos. O mais importante é que a intervenção militar não só sustenta a

burocracia no governo, como lhe dá um poder inconteste sob a sociedade civil.

Quando o milagre brasileiro começou a desabar, Geisel, pensando em

como gerar riquezas, o que só poderia ocorrer através de novos investimentos

produtivos, engajou o governo em um programa de desenvolvimento e foi

elaborado então o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), que orçado

em 760 bilhões de cruzeiros, segundo discurso de Geisel de 30/12/74, tinha os

seguintes objetivos5:

1)Alcançar um desenvolvimento integrado, não apenas econômico, mas

também social.

2)Aumentar a produção nacional para assegurar o pleno emprego,

evitando o agravamento dos graves problemas sociais e promovendo

melhorias na sua solução.

5-Ernesto GEISEL. Discursos de Ernesto Geisel . vol. I. p.186

Houve um substancial aumento da dívida externa, o empreendimento de

obras faraônicas pelo Estado para que houvesse incentivo ao capital privado e

isto ocasionou o retorno da inflação.

Enfim, as elites políticas brasileiras sempre se fiaram na força militar

para promover uma longa cadeia de acontecimentos interligados que tentava

resolver os conflitos mediante acordos, mas o preço pago foi a não resolução

dos problemas de fundo do país, e a maior vítima foi a maioria da população.

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Assim é que o Plano Nacional de Desenvolvimento 72-74, tendo em

vista os objetivos estratégicos, econômicos e de transferência de tecnologia, ao

lado da implantação da Central Nuclear de Angra dos Reis, como fonte de

complementação térmica da região Centro – Sul, contempla um programa

nacional de energia nuclear a ser desenvolvido sob a orientação da Comissão

Nacional de Energia Nuclear (CNEN), visando os seguintes objetivos:

a)Ingresso do país no ciclo do combustível atômico, com implementação de

complexo destinado a obter o combustível nuclear e seu reprocessamento, em

quantidades que atendam às necessidades de programa de longo prazo para

implantar centrais nucleares.

b)Assimilação e, progressivamente, adaptação da tecnologia nuclear, com o

objetivo de propiciar às equipes nacionais o domínio das técnicas de

desenvolvimento, produção e atualização de reatores, bem como de

combustíveis e materiais nucleares.

c)Aplicação de radioisótopos para solução de importantes problemas no campo

da Agricultura, Medicina, Engenharia e Indústria.6

Enfim, em 1985 foi inaugurada Angra 1, que teve muitos problemas

devido ao material sucateado que recebeu e em 2000 foi inaugurada Angra 2

que deverá fornecer mais que o dobro da energia de Angra 1.

6-Hilário TORLONI. Estudo de problemas brasileiros. p.309

Existem, no entanto, alguns questionamentos que precisam ser

respondidos:

1)Por que, afinal, a Alemanha foi escolhida?

A parceria com a Alemanha não foi o resultado de boa diplomacia porque

as restrições ao desenvolvimento nuclear da Alemanha continuam existindo

desde a Segunda Guerra Mundial, mas foi prova de maturidade do regime

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militar porque demonstrou ser capaz de procurar outros parceiros fora dos

Estados Unidos.

2)Por que a instalação da usina nuclear na Região Sudeste?

De acordo com a política interna do país, naquele momento, era preciso

que houvesse o desenvolvimento físico da região e ainda havia a preocupação

com a falta de energia para um dos maiores parques industriais do país.

3)Que importância tinha a energia nuclear para o Brasil?

Havia um binômio normativo no país naquele momento –

Desenvolvimento e Segurança7.

Embora a segurança, então entendida, se referisse, basicamente, ao

aspecto interno da manutenção da ordem estabelecida, a questão da rivalidade

Brasil – Argentina pesou na elaboração do projeto, particularmente sob o

aspecto de prestígio nacional.

O termo desenvolvimento camuflava a preocupação com o aumento da

riqueza nacional, em que pese o aspecto elitista da concentração de recursos.

A valorização brasileira do átomo como fator de progresso da sociedade,

prende-se ao aspecto de haver uma aceitação mundial da energia nuclear, como

indispensável para um futuro próximo.

Tendo em vista todos esses elementos, o governo militar deu segmento à

implantação da primeira usina nuclear, assinando o contrato com a

Westinghouse, em 7 de abril de 1972. 7- ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual Básico. p.238

Como o material enviado pela empresa americana não satisfez às

exigências dos militares responsáveis, o governo Geisel, a partir de 1974, tenta

buscar um outro parceiro, assinando em 27 de junho de 1975, um contrato com

a Alemanha.

Durante o governo Geisel, houve grandes investimentos na construção

das usinas nucleares.

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A crise econômica que se avoluma desde o início do governo Figueiredo,

provocada, segundo estudiosos, pelo protecionismo dos países importadores dos

nossos produtos, acelera a transferência do poder dos militares para os civis o

que tem início com a eleição de Tancredo Neves e começa a consolidar-se com

o governo José Sarney.

Não cabe nesse trabalho tratar a energia nuclear como um anjo

anunciador da modernidade e desenvolvimento do país, numa época de tantos

acontecimentos e de efeitos tão polêmicos.

Também não se pretende tratá-lo como um demônio devastador

responsável pelo fracasso e pelas incertezas quanto ao desenvolvimento do país.

O que se pretende é lançar um olhar mais crítico, buscando novas facetas

da história, num importante recorte: a energia nuclear no Brasil, no período da

implantação das usinas de Angra 1 e Angra 2, isto é, de 1964 até 1979.

Os ângulos observados neste trabalho foram os seguintes:

- Demonstrar que a instalação da Usina Nuclear Brasileira foi uma

conseqüência lógica do projeto central da ditadura militar, isto é,

representou uma alternativa estratégica para a consolidação da doutrina de

segurança nacional.

- Identificar o Acordo Brasil – Alemanha como mais um instrumento de

consolidação da dependência tecnológica do Brasil, embora representasse o

amadurecimento do governo militar.

Para realizar esta Dissertação de Mestrado dispomos dos seguintes meios:

Em 1999, foi colocado à disposição de pesquisadores, no FGV - CPDOC, o

arquivo Paulo Nogueira Baptista – PNB com o total de 187 pastas, referentes

à política nuclear brasileira. Através das pesquisas neste arquivo pudemos

refazer o caminho que os militares percorreram para a implantação das Usinas

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Nucleares, seus sobressaltos, suas dificuldades, os embustes usados, enfim

pudemos refazer uma pequena parte dessa história.

Também foram pesquisados os arquivos Edmundo de Macedo Soares –

EMS/Ribeiro.U. pi.68.05 e EMS/Soares, E. pi. 63.01.20 que deram

contribuição para esclarecimento de dúvidas a respeito do assunto.

Além dos arquivos citados, houve consultas a diários oficiais do período,

principalmente com relação aos acordos feitos com os Estados Unidos e

Alemanha, acordos de salvaguardas e outros assuntos serviram para clarear

diversas idéias a respeito do trabalho.

Consultou-se também a Biblioteca Nacional, onde foram visualizados os

seguintes arquivos: Arquivo Histórico 80/1/13, Acordo Nuclear Brasil –

Alemanha VI – 348, 2, 28, Arquivo Brasil – COM CNEN – III – 350, 5, 30;

Brasil – Comissão Nacional de Energia Nuclear; Diretoria Executiva da Área

Mineral; Boletim 2, Boletim 4 no Arquivo III – 350, 5, 32; Arquivo VI – 407, 5,

26 (Dicionário de Acumulação de Cargos).

Da mesma forma, o Arquivo Nacional forneceu-nos um número

considerável de Diários Oficiais de interesse direto da nossa pesquisa.

Também integraram a nossa pesquisa informações do Arquivo do

Itamaraty, da Biblioteca da Comissão Nacional de Energia Nuclear

(CNEN) e a Biblioteca da Fundação Getúlio Vargas.

Na Biblioteca do Exército, foi dada especial atenção à Revista Militar

Brasileira e aos Discursos de Ernesto Geisel. Buscamos, além disso, as notícias

e comentários da imprensa não oficial, tais como Jornal do Brasil, O Globo, O

Dia, e os seguintes números das revistas: Visão, de 09/09/1974; Exame, de

junho de 1975 e agosto de 1975; Tendência, de julho de 1975 e agosto de 1975;

Veja, nº 349 de 14 de maio de 1975 e nº 359 de 23 de julho de 1975; Manchete,

nº 1211 de 5 de julho de 1975.

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O presente trabalho assume relevância levando-se em conta a

importância de retomarmos esse assunto numa visão crítica, até mesmo porque

os trabalhos, nesta perspectiva, tratam apenas de ângulos isolados da questão.

Vale ressaltar que existem bastantes documentos em fontes diversas mas, nem

todos podem ser consultados ainda, como, por exemplo, os arquivos Geisel e

Azeredo da Silveira, que não se encontram à disposição do público, mas os

documentos atualmente consultáveis, constituem, por si, um acervo

considerável e poucos trabalhos, já realizados sobre o assunto, os tiveram em

mãos.

A justificativa deste estudo centra-se no fato de tentar jogar um foco de

luz sobre uma questão bastante discutível: a implantação da Energia Nuclear

no Brasil.

O Brasil atravessava um período extremamente tumultuado e

contraditório, considerando que este representou o auge da ditadura.

Os militares tentavam a todo custo obter o apoio do Congresso para

legitimar suas decisões. Todas as atividades da elite militar governista do

período foram pautadas por uma exigência: a legitimidade.

Pouco a pouco, sob a égide do grupo militar que dirigia o país, o

princípio de defesa nacional é substituído pelo princípio de segurança nacional

e as relações políticas, econômicas, militares e até culturais passam por uma

redefinição, aprofundando-se mais a dependência estrutural.

De acordo com Octávio Ianni

“em 1964 inaugurou-se um regime colonial –

fascista no Brasil; regime este definido pela

submissão dos princípios políticos – militares de

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uma geopolítica elaborada segundo a perspectiva

de Washington, na primeira fase da guerra fria.”8

Há, no entanto, uma forte contradição entre os próprios militares com

relação a esse assunto e isso fica claro quando lemos o item 10 do manifesto

intitulado “Os Dez Mandamentos da Lei Do Povo”, escrito pela Frente

Patriótica Civil – Militar, que defende no seu 10º objetivo:

“A busca de uma política externa soberana,

contrária a todas as formas de totalitarismo e

imperialismo, respeito pelos direitos de

autodeterminação e condenação da monstruosa

corrida armamentista, de acordo com as tradições

democráticas e cristãs do Brasil”.9

Por outro lado, sob a orientação da doutrina da interdependência, o que

vai ocorrer, de fato, é uma reformulação total da dependência externa do

Brasil. Leia-se, para tanto, que o Brasil vai se lançar numa dependência

estrutural, que já vinha se acentuando desde o governo de JK.

O que se esperava do “modelo brasileiro de desenvolvimento” é que ele

fosse capaz de estruturar uma economia equacionada para proporcionar

melhores condições de vida para o povo; no entanto, foram gerados novos

laços de dependência, os centros de decisão foram transferidos para o exterior

8-Octávio IANNI. O colapso do populismo no Brasil. p.223

9-José STACCHINI. Março 64:mobilização da audácia. p.20 -22

e isso aconteceu quando o país havia conquistado alguma autonomia e já

pensava em romper com as estruturas imperialistas.

Obcecados pela estabilidade e pela segurança, pelo desejo e necessidade

de constatar qualquer manifestação de democracia, a elite militar permanece no

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plano das aparências, não se preocupando com os verdadeiros problemas

sociais.

A implantação da energia nuclear vai se mostrar como uma cortina de

fumaça para ludibriar os verdadeiros anseios do povo.

É muito comum encontrarmos, na bibliografia especializada sobre a

energia nuclear no Brasil, uma visão bastante parcial. As críticas surgidas em

relação a essa parcialidade conduziram este trabalho para uma análise em torno

de uma política nuclear, estribando-nos nas orientações da E.S.G. (Escola

Superior de Guerra), organização governamental e em seu distanciamento da

SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), organização não –

governamental.

Essa política deve ser olhada enquanto resultado do embate entre grupos

sociais diferentes, que tinham visões de mundo específicas.

Os rumos do país foram redefinidos quando houve o golpe de 1964, pois

houve uma opção pela associação dependente do capitalismo internacional,

contrariamente às tendências observadas no governo João Goulart.

Baseadas nas publicações do Ministério do Exército, inclusive nos

jornais da época, podemos perceber que, no contrato com a Westinghouse, o

número de protestos foi muito menor do que quando houve um contrato com a

Alemanha, quando as críticas ao projeto da energia nuclear assumiram

proporções gigantescas, o que conota uma presença do capital norte americano

junto aos órgãos de publicidade brasileiros. Tudo isso nos faz acreditar que,

tanto a sociedade civil quanto os militares estavam passando por uma situação

conflitante, pois nem os próprios militares estiveram tão unidos nesse

momento.

Pode servir de embasamento para essa afirmação o fato de apenas dois

números da Revista Militar Brasileira entre 1967 e 1979 fazerem duas

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referências superficiais à questão da energia nuclear no Brasil. Da mesma

forma a consulta dos discursos de Geisel publicados pela Assessoria de

Imprensa da Presidência da República, em cinco volumes, demonstra que a

elite militar não tinha interesse em tornar extensivo a todos os militares a

questão do debate sobre a implantação da energia nuclear no Brasil.

Não pretendemos, aqui, fazer apenas uma repetição do discurso oficial,

pois isso poderia resultar em um grande equívoco. Pretendemos relativizar o

discurso oficial, tentar perceber os conflitos dentro dessas falas e analisar com

criticidade sua correlação com a política nuclear posta em prática.

O estudo da documentação oficial, como as da ESG, bem como de

excertos das atas da SBPC, revelam as acaloradas disputas de uma série de

pontos nodais para a implantação da política nuclear.

Capítulo Primeiro

Abordagem Histórica: Conseqüências políticas, econômicas e sociais do

Golpe de Estado de 1964.

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Neste capítulo serão descritos, resumidamente a historiografia do Golpe

de 1964 e também o próprio Golpe, isto é, aspectos conhecidos do mesmo.

Pretende-se ter uma visão de diferentes historiadores para que possamos tirar a

nossa própria conclusão. Sabe-se que a ESG (Escola Superior de Guerra) e o

IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) foram praticamente os

articuladores do Golpe mas, para o povo, quem assumiu a responsabilidade

foram os militares.

Os autores que estudaram o assunto com profundidade têm postura

negativa com relação à ditadura, repetindo-se com freqüência. Em razão disso,

escolhemos quatro, cujas idéias passamos a expor.

Historiografia do Golpe

Em primeiro lugar, abordaremos as principais idéias de René Armand

Dreifuss, em seu livro 1964: A conquista do Estado. Ação Política, Poder e

Golpe de Classe. Segundo Dreifuss, não havia falta de interesse político dos

empresários naquele momento e que, por este engano, as atenções políticas e

acadêmicas estavam sempre voltadas para aqueles que se ocupavam

diretamente com o exercício do poder, das relações, cabendo destacar a ênfase

dada pelo mesmo ao período anterior e não posterior a 1964. O autor coloca

alguns aspectos que ele considera negligenciados nas obras anteriores à sua,

quais sejam, primeiro, os políticos mais influentes normalmente eram também

empresários e usavam essa influência para se integrarem à vida política.

Segundo, os empresários, banqueiros e políticos, com fortes ligações

empresariais, já vinham ocupando os círculos internos das várias

administrações de Getúlio Vargas, a produção industrial privada; assuntos

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gerenciais dos empresários vinham sendo dirigidos por peritos administrativos

e técnicos, que eram executivos do capitalismo no Brasil, isto é, a política

continuava fazendo parte dos negócios do empresariado brasileiro.

São considerados fatores que influíram na instabilidade da crise de 1964,

o surgimento, na ESG, de um grupo modernizante de oficiais, e a “violação”

por parte de João Goulart de seu papel moderador. Por essa análise, o golpe de

64 foi uma resposta ao impasse criado pela crise estrutural e pela decadência

política, mas foi esquecido o papel dos empresários e dos tecnoempresários

que formaram um novo bloco de poder multinacional e associado; foi

constatado que sua influência sobre a sociedade brasileira e o Estado, acabou

sendo resultado de uma luta política, que foi empreendida levando em

consideração os interesses do grupo.

Com a formação do IPES, uma organização de classe que reunia a elite

do novo bloco do poder e que vinha expressar a ideologia referente aos

interesses financeiro–industriais multinacionais e associados, foi

desestruturado o regime estabelecido e assumido, por esse bloco, o controle do

Estado. Com grande habilidade e enorme capacidade de liderança, vários

setores foram incitados contra o regime de Goulart. Foi quando o IPES

mobilizou as classes dominantes para proporcionar as inúmeras conspirações

civil – militares que acabaram por derrubar o Governo.

No entanto, se fazia necessário que o bloco oligárquico – industrial fosse

abarcado pelo bloco em questão; ele era politicamente importante, pois exercia

influência sobre os partidos nacionais, regionais, a mídia e os governos de

Estado. Além disso, ao atrair esse bloco, pareceria menos importante a

participação dos interesses multinacionais.

Também políticos e governadores foram úteis na contenção das classes

trabalhadoras, trabalhando na contramobilização da classe média, bloqueando

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diretrizes do Executivo, usando o Congresso e também os legislativos

estaduais; foram úteis ainda em seu contato com membros da oposição militar

a João Goulart que estavam fora da influência da ESG1. Também tiveram o

apoio da classe média mobilizada, através de organizações femininas e grupos

operários maleáveis; nesse caso a esquerda trabalhista perdeu seu objeto de

oposição e isto veio a significar que a intervenção militar poderia ser, então,

legitimada em nome do povo.

O bloco dominante empreendeu uma campanha ideológica e político –

militar em diversas frentes, usando organizações e instituições às vezes até

populistas. Como exemplos, poderíamos citar: sistema educacional, clubes

culturais, sociais e esportivos, a Igreja Católica, as associações de profissionais

e os sindicatos. O IPES urdiu sob todos os aspectos, intrigas em todos os

setores possíveis e imagináveis, servindo inclusive como grupo de ligação para

governos estrangeiros, particularmente os Estados Unidos. O que o IPES

proporcionou foi uma enorme campanha de desestabilização que acabou por

tornar acirrada a luta política das classes dominantes, elevando a luta de classes

a um confronto militar, para o qual as classes trabalhadoras não estavam

preparadas.

Ainda segundo Dreifuss, o IPES tinha dois objetivos: primeiro, assegurar

a profundizacíon (desenvolvimento de um tipo de capitalismo tardio,

dependente, desigual e extensamente industrializado, tendo uma economia

dirigida para o alto grau de concentração de propriedade na indústria e

1-René Armand DREIFUSS. 1964 – A conquista do Estado.Ação política, poder e golpe de classe. p.482

integração com o sistema bancário) e depois restringir a força operária,

objetivos que se faziam necessários para se atingir um terceiro que era a

readequação da estrutura burocrática do Estado e a imposição de restrições

específicas sobre a vida política em geral. Isto permitiu ao IPES moldar o

processo de modernização econômica como um regime tecnocrático, baseado

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em tomadas de decisões aparentemente racionais, nas quais havia ausência de

discussões abertas e responsabilidade pública dos que tomavam as decisões.

Nesse ínterim, o lema da ESG – Segurança Nacional e Desenvolvimento –

tornou-se também o lema do Estado e os técnicos e os oficiais da ESG se

achavam unidos ao governo devido aos supostos talentos e a sua ideologia não

– emocional, apolítica e apartidária.

O Estado foi envolvido, então, numa aura de autonomia relativa, em que

o autoritarismo o eximia das responsabilidades sociais e da prestação de contas

aos cidadãos. O novo Estado agiu em nome do poder financeiro – industrial

multinacional e associado e ainda em nome do bloco do poder organizado pelo

IPES e era um Estado classista, agindo contra os trabalhadores e as classes

subordinadas. Enfim, quando o bloco de poder fez com que os interesses se

tornassem “Estado”, quando readequaram o regime e o sistema público e

reformularam a economia aos seus objetivos, levaram o Brasil ao estágio

mundial de desenvolvimento capitalista monopolista.

Bastante parecida com a interpretação de Dreifuss é a abordagem feita

por Alfred Stepan em seu livro Os Militares na Política. De acordo com este

autor, há algumas variáveis que vieram atuar na mudança do modelo

moderador exercido pelos militares até então, para um governo militar direto.

São elas: reivindicações políticas, ineficiência das formas parlamentares e

governo, em uma sociedade de industrialização moderna, preocupação militar

por ameaças à segurança interna, a consciência dos militares de que apenas o

seu papel moderador não iria contribuir para solucionar os problemas de

desenvolvimento, aumento da confiança dos militares que acreditavam, ou

foram levados a tal, que a ESG tinha especialistas capazes de resolver os

problemas surgidos. No Brasil, após a experiência com a FEB (Segunda

Guerra), o intenso anticomunismo após 63 e o medo de que os sindicatos

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pudessem se infiltrar no quadro de sargentos e ainda a inflação galopante,

contribuíram para que houvesse uma filosofia a favor do capital estrangeiro e

contra os trabalhadores no primeiro governo militar. Na ESG, as doutrinas

desenvolvidas falavam de desenvolvimento e segurança, mas o tópico mais

enfatizado em 1964 foi a segurança. Naquele período, os oficiais se

consideravam acima de conflitos de classe e se sentiam apenas com a missão

de proteger os bens nacionais. Eles se consideravam uma elite de situação e

não uma elite de classe, e é verdade que as classes inferiores praticamente não

tiveram benefícios com o governo militar; mas não é verdade que esse governo

reprimisse a emergência de grupos inferiores, uma vez que a composição social

dos militares estava diretamente ligada à classe média.

É óbvio que, com o passar do tempo, a idéia de um governo militar com

base num apoio civil, pelo menos parcial, e uma completa unidade militar

estava praticamente desfeita. Foram reveladas, com o suceder das crises,

perigosas desuniões dentro das Forças Armadas, mas, ainda assim, foram

conseguidos sucessos relativos com o controle da inflação, a racionalização da

burocracia e da estrutura tributária e no período de 1968 a 1970, o PNB cresceu

a uma taxa de cerca de 8% ao ano. Entretanto, houve, simultaneamente, a

desmobilização das campanhas de alfabetização de adultos, das ligas

camponesas, dos sindicatos, cresceu o controle estrangeiro sobre a economia

nacional, houve a alienação dos civis, importante “fuga de cérebros”,

descontinuidades de algumas importantes reformas econômicas e

democráticas, isto é, houve uma operação das políticas sociais particularmente

em relação às classes inferiores.

Para os oficiais mais jovens, existiam dois problemas: a falta de um

vigoroso programa de ação e a falta de apoio popular que só poderiam ser

solucionados através do nacionalismo autoritário. Em conseqüência, as

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contínuas crises de disciplina dentro das Forças Armadas vieram a se constituir

em uma nova preocupação para os oficiais antigos, que eram conservadores.

Mas em 1969, os oficiais mais antigos conseguiram instalar seu candidato à

presidência, o general Emílio Garrastazu Médici, e isso trouxe um grande

conflito para as fileiras militares. que levou um bom tempo para ser resolvido.

Provou-se, no entanto, que o Exército Brasileiro era altamente

profissional, pois enfrentou razoavelmente bem as dificuldades que se

apresentaram em conjunto com seus aliados civis tecnocratas, “mas isso só veio

corroborar que não pode haver uma solução apolítica para problemas relativos a

desenvolvimento político”.2

Porém, a idéia que se tinha dos militares no governo era de que houvesse

uma mudança política pacífica e ordeira, mas a mudança que ocorreu entre

civis e militares se deve ao fato de que os oficiais de nível médio rejeitaram o

parlamentarismo e o protecionismo e pretenderam fundir a responsabilidade e

o poder sob a égide militar.

Como os militares se mostraram incapazes de trazer soluções para os

problemas políticos do desenvolvimento, era esperado que o Exército voltasse

a uma forma modificada do seu papel moderador, mas isto se tornou

praticamente impossível, depois da experiência do governo militar.

Em terceiro lugar colocaremos as idéias de Emir Sader, que estão

expressas em seu livro A Transição do Brasil – Da ditadura à democracia? 2-Alfred STEPAN. Os Militares na Política, p. 192.

As idéias desse autor enfatizavam que o governo de Jango se encontrava em

uma grande crise econômica, cujo indicador era o aumento da inflação e a

queda da taxa de crescimento da economia. Apesar de estarem convocadas

eleições presidenciais para 1965, nas quais os candidatos seriam: Carlos

Lacerda pela direita, Juscelino pelo centro e Leonel Brizola pela esquerda, o

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grande poder dos empresários nacionais e estrangeiros e as Forças Armadas

pensavam em impor ao país um regime ditatorial profundo e radical.

Foi por isso gerada uma situação de desestabilização do governo de

Jango, foi imposta uma estagnação econômica e foram promovidas

manifestações, especialmente da classe média, contra o governo instituído. As

principais organizações responsáveis por isso foram a Sociedade Rural

Brasileira, Grupo de Ação Patriótica, Milícias Anticomunistas, Patrulha

Auxiliar Brasileira, Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES),

Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), a Igreja Católica que na

época era de orientação conservadora, e até o embaixador Lincoln Gordon, dos

Estados Unidos estava diretamente envolvido naquelas articulações. A

propaganda da direita acusava Jango de atentar contra a propriedade privada do

país ao promover a reforma agrária. Até as Forças Armadas tiveram soldados,

sargentos e marinheiros lutando pelo direito a se candidatar e ser eleitos para o

Parlamento, tendo assim participação direta na vida política e esses

movimentos vieram a inquietar a oficialidade, que temia pela sua capacidade

de comando.

Então, uma semana após o golpe, as Forças Armadas se apropriaram do

poder, proclamando o primeiro Ato Institucional, que suspendia a vigência da

Constituição, fechava o Congresso e se atribuía poderes revolucionários.

Achava-se, a partir deste momento, instaurada a ditadura militar que governou

durante vinte e cinco anos.

Pregava-se, então, a necessidade de restabelecimento da ordem social, a

retomada da expansão econômica, a liquidação da inflação que era responsável

pela estagnação do país e favorecia a crise social. A ordem social acabou sendo

reimposta a ferro e fogo através da repressão aos líderes sindicais, estudantis,

intelectuais, artistas, políticos e organizações consideradas subversivas. O

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Congresso teve deputados e senadores retirados da cena política, governadores

e prefeitos foram cassados, políticos perderam seus direitos políticos por até

dez anos e isso deixava claro que os militares pretendiam manter-se no poder

por um longo tempo, ao contrário do que os políticos que os haviam apoiado

esperavam.

O Judiciário perdeu vários juízes que poderiam se constituir num

obstáculo ao novo poder; a imprensa foi submetida à censura, universidades e

outros órgãos públicos foram submetidos a inquéritos policiais militares, que

buscavam os inimigos do regime infiltrados neles.

A doutrina de segurança nacional tornou-se a ideologia oficial da

ditadura e isso significava reprimir os dissidentes assim como as suas formas

de organização. As Forças Armadas reformaram profundamente o Estado e o

sistema político e o ideário liberal foi manipulado em função de um objeto

ditatorial. Não havia limites para a ação do poder. O Serviço Nacional de

Informações (SNI) passou a controlar as atividades das pessoas e órgãos dentro

do governo e da sociedade. “Os governadores e prefeitos passaram a ser

nomeados pelo governo federal, o Congresso foi

fechado várias vezes, parlamentares foram

cassados, os partidos políticos foram dissolvidos,

sendo apenas dois tolerados, a Aliança

Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento

democrático Brasileiro (MDB), que fornecia a

aparência de legitimidade a um regime de força”.3

Os presidentes do regime eram escolhidos pela alta oficialidade das três

Armas, entre os oficiais mais graduados e o Congresso apenas aprovava a

escolha para fornecer legitimidade institucional. Mas, mesmo assim, os vários

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momentos de sucessão presidencial representaram situações de crise no

regime, devido aos conflitos existentes dentro das Forças Armadas.

Ao atuar dessa forma, as Forças Armadas passaram a funcionar como

uma espécie de partido militar das classes dominantes, o que levou a esquerda

a fornecer uma oposição clandestina ao regime militar, usando “a guerra das

guerrilhas”. A classe média se deu conta de que o regime que haviam apoiado

praticava uma repressão generalizada e uma política econômica que a afetava.

Também o movimento operário tentava se reorganizar e reagia ao arrocho

salarial imposto pelo governo. Isto foi suficiente para desencadear uma reação

do regime militar para a qual ninguém estava preparado e houve um segundo

tempo de ofensiva repressora da ditadura até 1971.

Junto com o primeiro governo militar, foi posta em prática uma política

de reconversão da economia, tendo em vista o retorno da expansão econômica.

Foi elaborada uma política de choque e sem oposição alguma, foram aplicadas

fórmulas do Fundo Monetário Internacional (FMI). O capital estrangeiro, com

as condições favoráveis criadas pelo regime, passou a operar livremente.

Houve grande concentração de rendas nas mãos dos grandes capitais, mas a

custa de uma política de arrocho salarial, amplo desemprego, falência de

dezenas de milhares de pequenas e médias empresas. Contrataram-se grandes

empréstimos no exterior, o Estado ganhou nova capacidade de investimento

direcionada para ampliar a infra – estrutura do país, favoreceu-se a exportação. 3-Emir SADER. A transição no Brasil: da ditadura à democracia? p.20

Por outro lado foram criados órgãos como o Conselho Monetário

Nacional que era o órgão normativo máximo para a política monetária.

Tudo isso levou a inflação a ceder baixando para 20% em 1969 e era

também retomado um índice de crescimento maior, isso, porém, à custa da

classe trabalhadora, que teve o salário mínimo reduzido e sem condição

alguma para fazer reivindicações.

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A economia estava pronta portanto para dar o grande salto, e aí

começam as grandes obras estatais. O país estava rico e o trabalhador mais

pobre ainda. Esse foi o auge da ditadura militar e quando assumiu a

presidência, em 1974, o general Ernesto Geisel anunciava uma abertura

política lenta e gradual.

Nesse período, entretanto, a partir da crise do petróleo, o capitalismo

internacional ingressava num longo período recessivo. Houve questionamentos

do suposto milagre brasileiro, e para se manter o ritmo de crescimento em

torno de 7% ao ano teve-se que aumentar o endividamento externo e

desenvolver obras faraônicas do Estado, para incentivar o capital privado.

Houve retorno da inflação, desestruturação do setor público brasileiro e a

multiplicação acelerada da dívida externa.

A abertura anunciada teve alterações de percurso, pois, naquele

momento a oposição conseguiu seu primeiro sucesso eleitoral, e o movimento

operário iniciava sua reorganização após o crescimento industrial. Greves em

1978 e 1979 demonstraram a capacidade de resistência desse setor à política de

arrocho da ditadura e acabaram por revelar novas lideranças sindicais que se

destacaram. O movimento estudantil mostrou sua recuperação realizando

grandes mobilizações de rua e reconstruindo a União Nacional dos Estudantes,

além de mostrar poder de convocar outros setores sociais. E pela primeira vez,

o governo não pode deixar impune crimes cometidos e denunciados à opinião

pública.

O general Geisel já não dispunha de maioria tranqüila no Congresso e

em abril de 1977, voltou a fechar o Congresso para baixar um novo pacote

ditatorial.

Quando toma posse o general João Figueiredo, a abertura é colocada em

prática, mas ela é feita a partir de um regime que não mais se encontra no auge

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do poder, pois havia a diminuição dos índices econômicos, manifestações de

resistência social e política no seu domínio.

Na realidade, o anúncio dado pelo general Geisel sobre a abertura, marca

o término do clímax da ditadura, pois a partir daí ela ingressou num período de

oscilações, em uma verdadeira crise, que levou ao período de transição para o

regime que viria substituí-la.

Em Visões do Golpe – A Memória Militar sobre 1964 de Maria Celina

D’Araújo e outros afirma-se o seguinte:

O poder foi exercido em nome dos militares e os militares que nesse

livro prestam seu depoimento eram oficiais de majores a coronéis, que naquele

período eram relativamente jovens e não tinham posições de comando, mas

que em pouco tempo se tornaram responsáveis pela administração de

importantes esferas de ação militar e do próprio governo. Foram eles que

viveram a “abertura” e que, já na reserva acompanharam a avaliação negativa

e, de acordo com eles injusta, que a sociedade passou a fazer das Forças

Armadas após 1964.

No entanto, foi da jovem e média oficialidade que surgiram muitos

elementos radicais, foram também desse grupo as principais críticas feitas ao

governo Castelo Branco e do mesmo conjunto, que não era homogêneo, saíram

oficiais que vieram a lutar pela abertura.

Da narrativa desses oficiais, pode-se tentar entender a lógica e a origem

da intervenção militar. Primeiramente, houve uma grande decepção com a

renúncia de Jânio Quadros que alguns consideravam “o salvador da pátria”.

Em segundo lugar, para os militares, a solução parlamentarista que impediu a

posse de Jango com plenos poderes, se caracterizou como uma derrota, pela

falta de firmeza dos ministros militares, que acabou gerando espaço político,

para que Leonel Brizola envolvesse o comandante do III Exército, general

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Machado Lopes e viesse a criar um impasse que terminaria no

parlamentarismo. Por isso, também esses ministros que estavam no comando

são criticados.

Jango Goulart não é visto pelos militares nem como uma pessoa perversa

e nem comunista. No entender da maioria, seria um fraco, que se envolveu com

a esquerda através de Leonel Brizola, que figura como o vilão nessa história.

De acordo com os depoentes, o anticomunismo teve papel central como

um dos motivos que levaram ao golpe, pois depois da “intentona” ou revolta

comunista de 1935, ficou, na memória militar, o sentimento do potencial

ameaçador e traiçoeiro que a doutrina comunista pode ter quando invade

quartéis, com total desprezo pela hierarquia e pelos objetivos da corporação,

pois pregava a obediência a outros princípios e a outros chefes, às vezes

alheios ao meio militar.

Para esses oficiais, havia uma guerra revolucionária comunista, em

marcha no Brasil e 1964 é visto como um contragolpe ao golpe de esquerda. E

as principais razões por eles assinaladas para o golpe foram: a ameaça de

destruição da hierarquia e da disciplina gerada pelos subversivos, a inflação, as

greves e a corrupção. Foi dado a entender, ainda, por uma boa parte dos

oficiais, que se Jango não compactuasse com a quebra da hierarquia e nem com

a disciplina, ele teria, com certeza, permanecido no poder. Mas, a revolta dos

sargentos em 1963, a dos marinheiros e fuzileiros navais em 1964, e ainda a

presença de Jango no jantar oferecido pelos sargentos, levou a maioria indecisa

ou neutra da oficialidade a definir-se a favor do golpe, pois, ao prestigiar os

baixos escalões, o presidente ultrapassou fronteiras simbólicas muito perigosas.

A indisciplina grassava nas Forças Armadas, os comandantes perdiam o

controle dos seus comandados, oficiais conspiravam contra os chefes e

procuravam alguém que os liderassem, o ato de indisciplina do general

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Olímpio Mourão que deflagrou o movimento em Minas Gerais, mostra

realmente que havia falta de organização e controle nesses setores, ou seja, a

hierarquia e a disciplina estavam desgastadas. Era fácil criticar o governo e não

havia um sistema eficiente de informações, além de que houve desinteresse dos

oficiais janguistas que pecaram por excesso de confiança, não acreditavam em

uma conspiração. Baseado no fracasso de Goulart, foram criados órgãos de

informação como o SNI (Serviço Nacional de Informações), CIE (Centro de

Informações do Exército) e o CISA (Centro de Informações da Aeronáutica)

existente desde os anos 40; esses deveriam informar melhor o novo governo

para que evitasse maiores problemas.

Segundo os entrevistados havia um claro sentimento de autodefesa dos

que depuseram o governo. Sentiam que o comunismo era um problema interno

da corporação, e que existia necessidade de se atingir o próprio cerne da

instituição para evitar novas experiências divisionistas.

Com certeza, o golpe não foi desejado apenas pelos militares, foi

apoiado e pedido por setores da sociedade civil, como Igreja, empresários e

classe média. Segundo Leônidas Pires Gonçalves, houve uma safadeza

histórica, pois culpou-se apenas os militares quando a própria sociedade civil

incentivou o golpe. Alguns depoentes também, apesar de serem a favor do

golpe, criticam atitudes dos militares quando no poder. A luta política entrou

nos quartéis e produziu desastrosos efeitos, desgastes e descontentamentos, e

as seqüelas foram radicais e duradouras.

Na visão dos depoentes, os oficiais pró–Jango não eram nada

exemplares; eram incompetentes, divididos por vaidades pessoais e mal

informados a respeito da conspiração.

Segundo os oficiais, cujas declarações o referido livro registra, há um

confronto entre a opinião militar dominante e os analistas. Na opinião militar,

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o golpe foi resultado de ações diversas e isoladas, embaladas pelo clima de

inquietação e incertezas. Já para os analistas que examinaram esse episódio, o

golpe teria sido produto de um amplo e elaborado plano conspiratório que

envolvia além dos militares, o empresariado nacional e forças econômicas

multinacionais.

No que diz respeito aos militares, as pessoas que concederam as

entrevistas enfatizaram a existência de dois grupos distintos: um mais

intelectualizado apelidado Sorbonne ligado à ESG e outro melhor relacionado

com a tropa, formado por oficiais de baixa e média patente. O único fato

comum é que todos teriam passado grande parte da conspiração à procura de

líderes. O grupo intelectualizado só pouco antes do golpe conseguiu se aliar ao

general Castelo Branco que era chefe do Estado – Maior e de índole legalista.

O outro grupo fixou-se em torno do general Costa e Silva, que era chefe do

Departamento de Produção de Obras. Era necessário que o movimento tivesse

líderes de destaque para ganhar credibilidade.

Na realidade, o que parece, é que os conspiradores foram surpreendidos

pela ação individual dos generais Olímpio Mourão Filho (que segundo os

depoentes não eram merecedor da admiração da tropa) e Carlos Luís Guedes,

que iniciaram o movimento em 31 de março, sem qualquer combinação prévia.

Rapidamente a situação se definiu em favor dos conspiradores e, felizmente,

não houve conflito armado. No entanto, não havia um projeto de governo entre

os vencedores. Pensava-se que a questão imediata era tirar Jango e fazer uma

limpeza nas instituições, e só mais tarde foi elaborado um ideário.

A partir do segundo dia do golpe, os dois grupos principais passaram a

distanciar-se num processo sem volta. A escolha de Castelo Branco foi bem

aceita pela maior parte das Forças Armadas, já o grupo discordante acabou por

se reunir em torno de Costa e Silva. O poder era a meta, e quase todos na época

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tinham certeza de que a melhor alternativa para o país seria a permanência dos

militares na direção do Estado. Mas foi a ambição dos grupos que se

impuseram no governo da nação que tornou o regime tão longo.

O grupo da “Sorbonne” desejava uma intervenção rápida, sendo logo em

seguida feita a devolução do poder aos civis. Já o grupo “linha dura”

representado pelos oficiais mais radicais, reunidos em torno de Costa e Silva,

pretendia permanecer no poder por mais tempo.

No governo Castelo Branco esses grupos estiveram juntos com

predominância dos moderados; já no governo Costa e Silva predominou o

“grupo dos duros”. Foi necessário, entretanto, conter “os duros” para manter a

unidade militar.

A saída dos militares do cenário político se deu lentamente, com sérios

prejuízos para os mesmos.

Além desses autores aqui referidos, analisamos outros estudiosos do

mesmo assunto e concluímos que os pontos de vista dos mesmos pouco se

distanciam daqueles aqui expostos, por isso julgamos não ser necessária a

exposição, neste trabalho de suas respectivas obras, mencionadas em nossa

bibliografia.

NOSSOS CONHECIMENTOS DO GOLPE

Com a industrialização, no governo Kubistchek, houve o robustecimento

da classe operária, cujo peso político já não se podia ignorar. A partir de 1960,

aguçaram-se as lutas sociais (greves, invasões de terra) e as classes dominantes

terminaram por eleger Jânio Quadros para a Presidência da República.

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Quadros tentou explicar que sua política de combate à inflação teria

como complemento a compressão dos salários, a contenção do crédito e outras

medidas. Evidentemente essas medidas sacrificaram os trabalhadores, a classe

média e os setores mais débeis da burguesia. Apesar disso, Jânio Quadros

representou alguma esperança para a quase totalidade da população e até

mesmo para muitos daqueles que lutavam com radicalismo pela melhoria do

nível de vida dos mais deserdados socialmente. Cabe aqui recordar o

pensamento de Tom Bottomore “o que parece ter acontecido nos países democráticos

até agora não é tanto a redução do poder de classe alta, e sim a diminuição do radicalismo

da classe trabalhadora”.4

No entanto, a elevação do custo de vida, acelerada pela Instrução 204 da

SUMOC, desgastava a popularidade do governo,que chegou a compreender

que dificilmente alcançaria seus objetivos em termos democráticos e, por isso,

enquanto favorecia os negócios do grande capital, adulou a esquerda com a

chamada política externa independente. Quadros organizou um plano que

consistia em renunciar ao Governo, comovendo as massas, e levar as Forças

Armadas, sob o comando de Ministros reacionários, a admitir sua volta como

ditador, enquanto o Congresso coagido lhe delegaria as faculdades legislativas.

Mas Quadros renunciou e a esperada reação não ocorreu. O Congresso

acatou-lhe o gesto como unilateral e ninguém discutiu a possibilidade de seu

4-Tom B. BOTTOMORE – As Elites e a Sociedade. p.40

retorno ao Governo. Alguns Ministros Militares foram contra a investidura de

Goulart, que estava em missão na República Popular da China, atribuindo-lhe

vinculações com o comunismo, mas as Forças Armadas foram unânimes, o

povo no Rio Grande do Sul e o III Exército (O mais poderoso do Brasil) foram

sublevados por Leonel Brizola, que era Governador. Por outro lado, o

Presidente John Kennedy explicou que suspenderia o apoio financeiro ao

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Brasil, caso houvesse ruptura da legalidade; por isso acabaram aceitando

Goulart com base na emenda constitucional que estabelecia o parlamentarismo,

transferindo os poderes do Presidente da República para o Primeiro – Ministro

Tancredo Neves, aprovado pela maioria conservadora do Congresso. E Goulart

que dispunha inicialmente do Exército, milícias estaduais, além do povo, ainda

assim não quis a ditadura.

Goulart não estava despreparado para dirigir o País, ao contrário do que

seus adversários declaravam, quando chegou a Brasília, em 7 de setembro de

1961.

No entanto, recebeu do Congresso um poder mutilado, enfraquecido,

quando a situação do Brasil mais exigia um governo forte, centralizado, para

efetuar as mudanças que o desenvolvimento do capitalismo reclamava.

Um mês após sua investidura, Goulart denunciou em discurso, a

conspiração contra a "nova ordem constitucional" dos que "ontem procuravam

contrariar os legítimos anseios do povo" .5

Na Conferência de Punta del Este, em 22 a 31 de janeiro de 1962, o

Ministro das Relações Exteriores, Francisco de San Tiago Dantas, abstendo-se

de votar a expulsão de Cuba da OEA e condenando o marxismo - leninismo,

não contribuiu para melhorar as relações do Brasil com os Estados Unidos. E a

desapropriação dos bens da Companhia Telefônica Nacional, subsidiária da 5-

Moniz BANDEIRA. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961-1964. p.45

ITT (International Telephone & Telegraph), pelo Governador do Rio Grande

do Sul, Leonel Brizola, cunhado de Goulart, acelerou o agravamento das

divergências entre os dois países. Brizola, em 1959, já encampara a Companhia

de Energia Elétrica Riograndense, subsidiária da American & Foreign Power

(Bond & Share) e essa nova investida contra uma empresa norte americana,

julgada um confisco pelo Governo de Washington e pela ITT, acirrou os

ânimos.

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Goulart, com uma viagem aos Estados Unidos já programada, procurou

junto ao Presidente Kennedy uma solução global para o caso das

concessionárias de serviços públicos, a fim de evitar que outras

nacionalizações, inevitáveis, perturbassem as relações entre Washington e

Brasília.

Goulart não se mostrou muito receptivo a apoiar a Aliança para o

Progresso e, perante o Congresso norte - americano, exprimiu seus receios de

dificuldades quanto à execução daquele projeto, principalmente se não

houvesse espírito de confiança e respeito recíproco entre os governos dos dois

países que o realizariam. Ainda se recusou a assinar o acordo para concessão

de um financiamento de US$ 131 milhões à Sudene, dirigida por Celso

Furtado, porque os Estados Unidos queriam controlar sua aplicação, embora

tenha havido um retrocesso dos norte americanos a esse respeito, a fim de

facilitar o entendimento com o Brasil.

A viagem poucos resultados rendeu a Goulart, mas ele realmente

pretendeu resolver o caso das subsidiárias, nos termos debatidos com Kennedy.

“Em 1962, instalou a Eletrobrás (iria abarcar

todo o setor de eletricidade), criou o Conselho

Nacional de Telecomunicações (Contel) e a

Comissão Nacional de Energia Nuclear, com

monopólio estatal para pesquisa lavra de jazidas e

comércio de minérios nucleares, bem como dos

materiais físseis e férteis dos radioisótopos

artificiais e substâncias radioativas das três séries

naturais e subprodutos”.6

Tais iniciativas, conduziram o Brasil a uma situação de antagonismo

com os Estados Unidos. As classes dominantes se associavam aos interesses

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estrangeiros e a luta de classes radicalizava a contradição antiimperialista,

entrançando-se com ela, e se estendia ao campo no assédio ao Governo.

A questão agrária não era resolvida. Havia invasões de terras como

conseqüência também da expansão capitalista, que desintegrava a economia

rural, acentuando o desemprego e a fome nos campos. Mas a burguesia

brasileira relutava em promover qualquer mudança na estrutura agrária.

Estes fatos corroboram as idéias de Tom Bottomore quando afirma que “a burguesia parece ser, em vários sentidos, uma classe dominante menos coesa que a

nobreza feudal. Não acumula, de fato, nas mesmas pessoas, o poder militar, político e

econômico, e passa a existir a possibilidade de conflitos de interesses entre os diferentes

grupos que representam a burguesia”.7

O Congresso não se manifestava, pois as classes dominantes cerraram

fileiras em torno da intocabilidade da propriedade privada. E Brizola queria

que Goulart rompesse com o Congresso.

Goulart, defendeu por sua vez a reforma agrária dizendo que "sobre a

miséria do povo não se constrói a paz social".8

Em junho de 1962, cai o Primeiro - Ministro Tancredo Neves, o que

descerrou o duelo entre Goulart e o Congresso, que o PSD e a UDN

comandavam, pela posse do poder político. Nesse período, enquanto as massas

tomavam as ruas de várias cidades do Estado do Rio de Janeiro, uma greve 6-Idem. p.53 7-Tom B. BOTTOMORE – As Elites e a Sociedade. p.16

8-Moniz BANDEIRA. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961-1964. p.56

geral, a primeira grande greve política daqueles tempos, paralisou quase todo o

País, em apoio a Goulart.

O Proletariado amadurecia como classe política e os líderes sindicais

formaram o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto da Unidade e

Ação (PUA) e outras associações em nível regional, a fim de coordenar e

unificar o movimento operário, para defender reivindicações econômicas,

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influir nas decisões do Poder Público, em sua política e até mesmo em sua

composição. No entanto, essas entidades tinham baixo nível de organização e

se de um lado, alarmavam as forças de reação, por outro, não preparavam o

proletariado para enfrentá-las.

O povo desejava um plebiscito para, antes ou, no máximo, junto à

eleição de outubro e o Congresso se recusava a admitir que o povo tinha o

direito de se pronunciar sobre um sistema de governo que lhe fora imposto.

Apesar da oposição de dirigentes do PSD, da UDN e do PSP, não restou

ao Congresso outra alternativa senão votar a emenda fixando a data do

plebiscito para 6 de janeiro de 1963. Antes mesmo do resultado do plebiscito

foi permitido a Goulart constituir, um Conselho de Ministros provisório. “Era a

restauração informal do presidencialismo”.9

Goulart se lançou à campanha do plebiscito, a fim de que o povo lhe

referendasse a vitória alcançada, sem derramamento de sangue. Uma parcela

da burguesia resolveu apoiá-lo, com o objetivo de unificar o comando do País,

centralizando o poder político e revigorando a autoridade do governo.

Entretanto, alguns empresários representantes da burguesia comercial e de

grupos estrangeiros, continuaram a articular contra o Governo, fomentando

movimento para combater o suposto perigo comunista, mas cujo real propósito

era estabelecer uma ditadura de direita. “Esses empresários patrocinaram a criação e o

9-Idem. p.63

funcionamento de entidades como o Instituto de

Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), o Instituto

Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), em

estreito contato com a CIA, que lhes forneceu

orientação, experiência e recursos financeiros,

para que eles pudessem influir nas eleições, impor

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diretrizes ao Congresso, carcomer os alicerces do

Governo e derrocar o regime democrático”.10

O IPES, que era uma entidade pretensamente científica, se ligou à Escola

Superior de Guerra e aliciou os Generais Golbery do Couto e Silva, Heitor de

Almeida Herrera e outros reformados ou na ativa.

O IBAD, em 1962, com a criação da Ação Democrática Popular

(ADEP), veio a intervir diretamente na campanha eleitoral, subvencionando

candidaturas de elementos reacionários, que assumiam compromissos de

defender o capital estrangeiro, condenar a reforma agrária e combater a política

externa independente do Governo. Além disso, o IBAD coordenava várias

subsidiárias, além da ADEP, também a Ação Democrática Parlamentar (ADP),

a Campanha da Mulher Democrática (CAMDE) e a Frente da Juventude

Democrática (FJD). Esses movimentos tentavam influir nas atividades

sindicais do País, principalmente em São Paulo.

A CIA procurou penetrar no campesinato, visando combater a

candidatura de Miguel Arraes ao Governo de Pernambuco, mas também com o

objetivo de dividir as ligas camponesas.

“Goulart concluir que a CIA estava por trás de tudo isso por causa de uma fabulosa

remessa de dinheiro para o IBAD, através de City Bank”.11 Ainda segundo Arraes, o

IBAD recebeu contribuições de companhias estrangeiras, instaladas no Brasil.

Também o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon se intrometia 10-René Armand DREIFUSS. 1964: A conquista do Estado – Ação política, poder e golpe de classe. p.102

11- Moniz BANDEIRA. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961-1964. p.72

ativamente na política nacional, quer mantendo contato com adversários de

Goulart, quer financiando prefeitos e governadores de Estado, sob a capa da

Aliança para o Progresso. Os consulados dos Estados Unidos, em todo o país,

serviram como bases de operações da CIA.

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Gaetano Mosca já dizia que “os membros de uma minoria dominante sempre

possuem um atributo real ou aparente, que é altamente valorizado e de muito influência na

sociedade em que vivem”.12

O nacional - reformismo se avantajou nas eleições de 1962. O PTB

duplicou sua bancada no Congresso, a Frente Parlamentar Nacionalista se

fortaleceu e a luta pelas reformas de base se intensificou, associada à campanha

para o restabelecimento do Presidencialismo, através do plebiscito.

A situação do Brasil, não evoluía favoravelmente aos desígnios dos

Estados Unidos e as divergências se fortaleceram quando o Governo de

Washington, decretou o bloqueio naval contra Cuba e ameaçou invadi-la.O

Brasil continuava a se opor à invasão de Cuba e Goulart respondeu a Kennedy

que não compactuaria com o atentado aos princípios de não - intervenção e de

autodeterminação, sendo o seu Governo contrário e hostil àquela iniciativa.

A posição do Brasil na OEA pareceu, entretanto, vacilante, dúplice e

equívoca, em virtude do caráter de conciliação que apresentara.

A crise internacional finalmente evoluiu no sentido de um entendimento

entre a União Soviética e os Estados Unidos, que se comprometeram a não

intervir em Cuba, em troca do desmantelamento das bases de foguetes lá

instaladas.

Kennedy continuou pressionando com o objetivo de abater o Governo

de Goulart, forçando-o a transigir com as pretensões do imperialismo norte -

americano. Com a declaração de Kennedy de que o Brasil estava na bancarrota,

os efeitos econômicos e políticos foram extremamente desastrosos para o 12-Tom B. BOTTOMORE – As Elites e a Sociedade. p.10

Brasil, principalmente para seu crédito. Ainda não satisfeito com tudo que

havia ocasionado, Kennedy enviou seu irmão Robert, Secretário de Justiça dos

Estados Unidos, para entrevistar-se com Goulart e extorquir -lhe concessões

que os Estados Unidos necessitavam. Entretanto, Goulart fez ver a Robert

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Kennedy que o problema sindical era de foro interno e que não toleraria

interferências estrangeiras. Sobre as compras do Bloco socialista, explicou que

o Brasil daria preferência aos Estados Unidos, se eles lhe oferecessem as

mesmas condições vantajosas de comércio, sem dispêndio de divisas. E a

respeito da ambição da Hanna Corporation, respondeu que o Brasil exigia que

as empresas privadas norte - americanas se submetessem ao plano siderúrgico

do Ministério de Minas e Energia. “Na verdade, o Governo de Washington, utilizava os empréstimos ao Brasil como

instrumento de chantagem econômica e política”13. Goulart contemporizava, mas, no

essencial, não cedia e as pressões sobre seu Governo continuaram.No

plebiscito, cerca de 9 milhões de eleitores, em 10, ratificaram o mandato de

Goulart, dizendo sim ao presidencialismo e ao programa de reformas de base,

que se vinculava à sua restauração. Então, Goulart procurou cercar-se de

homens eminentes, juristas e professores e tentou ainda um compromisso com

os Estados Unidos. San Tiago Dantas, nomeado Ministro da Fazenda, tomou

uma série de medidas para a estabilização da moeda, antes de viajar aos

Estados Unidos, com o objetivo de negociar novos empréstimos e o

reescalonamento da dívida brasileira. Neste período, Celso Furtado, que era

Ministro sem Pasta, havia elaborado também o Plano Trienal que deveria

impulsionar o desenvolvimento do País, dentro de um programa

antiinflacionário. Segundo esses planos, San Tiago, batizou de esquerda

positiva aqueles que se dispunham a colaborar para a realização das reformas

de base, de acordo com o esquema da Aliança para o Progresso. Já então a 13-Moniz BANDEIRA. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961-1964. p.87

situação do Brasil era extremamente grave.

No entanto, todas as verbas prometidas pela Aliança para o Progresso

aguardavam a eventualidade de uma submissão do Brasil às exigências norte –

americanas sobre as desapropriações e à política financeira do FMI.

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Em 1963, o Brasil não recebeu nenhum investimento direto dos Estados

Unidos, e foi constatado pelo Senador Frank Church, “que as empresas norte –

americanas não só tiraram mais dólares do Brasil do que investiram como

também se apossaram do controle de uma porcentagem cada vez maior de sua

economia”.14 E San Tiago Dantas, apesar de todas as medidas que havia

tomado, encontrou em Washington um ambiente adverso e tamanhas

dificuldades, que a certa altura das negociações pensou em interrompê – las.

Os norte – americanos lhe fizeram toda sorte de imposições, desde a solução

do caso AMFORP e da subsidiária da ITT a medidas de estabilização ainda

mais duras, que o FMI se encarregaria de fiscalizar. A crise econômica atingira

um ponto que impunha uma definição de classe. Ou o Governo completava as

medidas de estabilização monetária, de acordo com o figurino do FMI, ou

reorientava o desenvolvimento do País no sentido da redistribuição de renda,

mediante crescente intervenção do Estado na economia.

Goulart não era comunista sem dúvida e a própria CGT já se opunha

abertamente à política econômico – financeira de Furtado e San Tiago Dantas.

Aliás, Goulart, sempre dissera a Furtado que não admitia a compressão dos

salários e, por isso, nunca aceitou, plenamente, o Plano Trienal.

Essa tentativa de restabelecer a continuidade da acumulação capitalista,

sem penalizar os trabalhadores foi a grande contradição que liquidaria não só a

política econômico – financeira de Furtado e San Tiago, mas, também o

Governo de Goulart e o próprio regime democrático.

14-Idem, p.93.

Brizola denunciou a AMFORP e demonstrou que todas as empresas da

mesma tinham recuperado, desde há muito, o valor dos seus investimentos,

faturando fabuloso excesso de lucros ilegais e isso assumiu proporções de

escândalo.

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Em 22 de abril de 1963, Roberto Campos, Embaixador do Brasil em

Washington, assinou o memorando de compromisso (declaração de intenção),

sendo então apressados os passos para a efetivação do contrato com a

AMFORP, dentro do prazo que o memorando estipulara. Só que esse

memorando fixando o preço foi assinado por Roberto Campos à revelia de

Goulart. Tanto assim que ao se inteirar dos detalhes, Goulart incumbiu o

Deputado Oliveira Brito (líder do Governo), de denunciar o documento,

assegurando que só concluiria a transação depois de avaliado o patrimônio das

empresas por técnicos brasileiros e preservados os interesses do País. As

negociações foram interrompidas até que se conhecesse o valor exato do

acervo da AMFORP, mas o escândalo enfraqueceu Goulart.

Mais tarde, no governo Castello Branco, Roberto Campos, que não

freqüentou a ESG nem participou de seu corpo permanente, mas que

ministrava em média duas conferências por ano na mesma, veio a se tornar

Ministro do Planejamento.15

Àquela altura, junho de 1963, não restava a Goulart, como alternativa,

senão mudar o Ministério. “O afastamento de San Tiago Dantas marcou o fim das

promessas, a ruptura dos compromissos com Washington, a completa desilusão de

Kennedy quanto à possibilidade de Goulart conter a espiral inflacionária e o fluxo de

massas que se avolumava como um alude”.16 As correntes da esquerda (CGT,

PUA, etc) se agrupavam na Frente de Mobilização Popular (FPM), que

Brizola dirigia, e contrapunham-se cada vez mais ao Governo Goulart. 15-Alfred STEFAN. Os militares na política.p.136 16- Moniz BANDEIRA. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961-1964. p.103

Goulart, pelo seu temperamento, não era homem de decisões prontas e

imediatas. Atormentava-o a necessidade de tomar atitudes drásticas. Preferia o

diálogo, a conciliação. Mas San Tiago Dantas aconselhou-o a tomar uma

decisão que restabelecesse o espírito de iniciativa, pois, ao seu ver, o Governo

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só sairia da crise se provocasse um impacto sério com medidas profundas e não

paliativas. Dantas ainda lhe disse que os grupos, tanto de direita quanto de

esquerda, queriam impedi-lo de formar um Governo forte, definitivo,

nacionalmente respeitado. Ao que tudo indica, Goulart aceitou algumas

ponderações de Dantas e compôs nova equipe, talvez mais do centro que de

esquerda, proclamando que seu propósito era promover, com urgência, as

reformas de base, pois o Brasil estava com pressa.

Kennedy condicionou o reescalonamento da dívida externa brasileira à

concretização das medidas: implementação de um programa de estabilização

monetária e o compromisso para a compra da AMFORP. Suspendeu todos os

recursos da Aliança para o Progresso e a Embaixada Americana passou a

firmar acordos apenas com os Governadores de Estado e Prefeitos que fossem

extremamente hostis a Goulart. Washington ainda orquestrava,

internacionalmente, a campanha contra a renovação dos créditos do Brasil,

com o propósito de enfraquecer o Governo Goulart, desestabilizá-lo, através do

bloqueio financeiro.

Goulart decidiu-se pela decretação da moratória unilateral e determinou

ao Professor Carvalho Pinto, no Ministério da Fazenda, a reativação imediata

da lei de Remessa de lucros, mas o Embaixador Gordon procurou por todos os

meios evitar que a medida se concretizasse. “O Governo tentou equacionar os problemas

econômicos e financeiros do País representado

pela inflação e fuga de capitais, mas não podia

deixar de ferir radicalmente os cartéis

internacionais e, portanto regulamentou a lei que

punia o abuso do poder econômico, estruturando e

instalando o Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE), com a tarefa de fiscalizar o

seu cumprimento. E ao mesmo tempo os estudos

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para regulamentação da lei de remessas, procurou

estancar a evasão ilegal de divisas, que se

processava através do subfaturamento e do

sobrefaturamento”.17

Em 13 de setembro de 1963, o Governo baixou um decreto proibindo a

importação de matéria – prima para a indústria farmacêutica a preços fora da

concorrência internacional e implantando uma indústria química de base. Esse

controle visava conter a sangria do País, a evasão de divisas, possibilitando ao

Governo resistir ao bloqueio imposto aos créditos externos pelos Estados

Unidos.

Além de reagir em defesa da economia nacional, o Governo estabeleceu

relações comerciais com a República Popular da China e se voltou para os

países da África e da América Latina, ampliando, tanto quanto possível, o

intercâmbio com o Bloco Socialista e sua política interna se definiu pela

preocupação social. Foram vendidos, nessa época, conjuntos residenciais

construído pelo Instituto de Previdência Social, beneficiando cerca de 100.000

famílias, instalaram-se hospitais da Previdência Social, instituiu-se a

aposentadoria especial, incentivou-se a formação de sindicatos rurais, foi

reconhecida a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

(CONTAG) e determinou-se a regulamentação do Estatuto do Trabalhador

Rural. Foi ainda regulamentado o Código Brasileiro de Telecomunicações, foi

criado o CONTEL e as iniciativas do Governo nesse campo estabeleceram

bases para a criação da Embratel. A fim de tornar possível o projeto de Itaipu, 17-Idem.p.111-2

o Itamarati iniciou os entendimentos com o Governo do Paraguai. Foram

inauguradas ainda a Usiminas, Cosipa e Ferro e Aço de Vitória e foi autorizada

à Petrobrás atividades no setor de distribuição a granel de derivados de

petróleo, concedendo-lhe, finalmente, o monopólio para o fornecimento aos

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órgãos do Governo. Goulart procurou recuperar o projeto de Vargas,

reorientando o processo de industrialização para os setores de base e para a

produção de bens de capital, com o objetivo de viabilizar um desenvolvimento

mais equilibrado e autônomo do capitalismo brasileiro.

Em agosto, Goulart suspendeu, por três meses, o funcionamento do

IBAD e da ADEP, baseado na documentação que os membros da Comissão

Parlamentar de Inquérito encaminharam aos Poderes Judiciários e Executivos,

comprovando sua intervenção nos processos de escolha dos representantes

políticos do povo brasileiro, para a tomada do poder através da corrupção

eleitoral. Não havia mais dúvidas de que a CIA se encontrava por trás das duas

entidades. “Anos mais tarde, referindo-se à denúncia da

existência de uma caixinha para subvencionar a

corrupção político – partidária, o ex – embaixador

Lincoln Gordon assinalou que ele não poderia

refutar a existência de financiamento de fontes

americanas nas eleições de 1962. Não poderia

também negar a existência de um ou dois dólares

americanos em 1964 quando finalmente aconteceu

o golpe”.18

Após a renúncia de Roberto Campos, cerca de 500 sargentos do

Exército, da Marinha e da Aeronáutica se sublevaram ocupando, durante a

madrugada, importantes centros administrativos de Brasília. O Governo

controlou a crise e Deputados trabalhistas impulsionaram o andamento da 18-René Armand DREIFUSS. 1964: A conquista do Estado – Ação política, poder e golpe de classe. p.329

emenda constitucional que concedia aos sargentos o direito de disputarem

eleições. Então, o general Humberto de Alencar Castello Branco empossou-se

na Chefia do Estado – Maior do Exército, condenando os oportunistas

reformistas que, segundo ele, pretendiam substituir as Forças Armadas por

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milícias populares de ideologia ambígua. Era a alusão a Brizola e ao grupo dos

onze.

Enquanto isso, “a direita formava organizações paramilitares dentro de uma

estratégia de guerra civil, a fim de fomentar arruaças, dissolver comícios, promover

sabotagens e até desencadear guerrilhas, caso as Forças Armadas se dispusessem a

sustentar a implantação de uma República Sindicalista no Brasil”.19 Em vários pontos

do território nacional havia campos de treinamento para guerrilha, montados,

clandestinamente pelos militares que conspiravam contra o Governo Goulart,

desde 1961. A organização desse Exército clandestino, com Know – how da

CIA, custou cerca de Cr$ 100 milhões.

Os agentes da CIA teceram, sem dúvida, toda a rede de conspiração

contra o Governo de Goulart, com a colaboração não só de militares

brasileiros, mas, também, de latifundiários, comerciantes e industriais,

amatilhando os radicais da direita para atos de terror e sabotagem, lutas de

guerrilha e antiguerrilha. O Serviço Federal de Informações e Contra –

Informações (SFICI), órgão do Conselho de Segurança Nacional (CSN),

apurou que os responsáveis se vinculavam ao Almirante Heck.

Goulart também soube, através de informes do SFICI, que o Coronel

Vernon Walters, Adido Militar da Embaixada dos Estados Unidos e agentes da

Defense Intelligence Agence (DIA), o serviço secreto do Exército norte –

americano, coordenava as operações da CIA no Brasil, inclusive se

envolvendo, diretamente, no contrabando de armas, com a colaboração de

alguns brasileiros entre os quais o policial Cecil Borer e o industrial 19- Moniz BANDEIRA. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961-1964. p.124

Alberto Byington Jr. O General Argemiro de Assis Brasil, chefe da Casa

Militar da Presidência da República e, por conseguinte, Secretário – Geral do

CSN, é apresentado por muitos estudiosos como um homem extremamente

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ingênuo e sendo conhecido como oficial de esquerda do Exército brasileiro,

tornou-se naturalmente alvo de espionagem internacional. O comerciante

brasileiro Hélio Gerstein, representante da Companhia Costeira de Navegação,

suspeito de trabalhar para a CIA, enredou-o e lhe ofereceu um apartamento

para morar no Rio de Janeiro, quando ele veio de Buenos Aires assumir a

Chefia da Casa Militar. Embora tenha dado a impressão de ter deixado que os

prazeres mundanos e a vaidade lhe toldassem o entendimento, certamente

estava consciente de suas omissões em relação à Goulart e tudo leva a crer que

estava, indiretamente, integrado ao movimento conspiratório. Prova disso é que

muitos relatórios do SFICI ele não transmitia a Goulart e os que levou ao

conhecimento do Presidente não tiveram conseqüências práticas.

De qualquer modo, Goulart não ignorava totalmente o que ocorria, mas

sua tolerância permitiu que a conspiração se alastrasse no seio das Forças

Armadas, tendo como um dos eixos principais a Escola Superior de Guerra.

Para garantir o apoio das forças populares, chamou Brizola ao Palácio

das Laranjeiras e manteve com ele uma longa conferência, esquecendo as

divergências do passado, mas Brizola o alertou: “se não dermos o golpe, eles o

darão contra nós”. Mas Goulart não teve peito para por em prática as medidas

sugeridas pelo Governador do Rio Grande do Sul e ficou praticamente isolado,

indefeso. Na verdade, ele nunca admitira governar sem o apoio dos sindicatos e

das forças populares, mas ao retirar do Congresso a mensagem que propunha a

ocupação do Rio de Janeiro, a detenção de Lacerda e a implantação do estado

de sítio, começou a perder o controle político e militar da situação. Não lhe

restava mais nenhuma faixa de segurança, nem mesmo pessoal.

“As investigações evidenciaram que se tramava o assassínio de Goulart e de seus

filhos, bem como o de muitos políticos e generais favoráveis ao Governo”.20 Segundo

o SFICI, Lacerda não estava alheio ao que se passava e ainda incriminou os

deputados estaduais da UDN, Sandra Cavalcanti e Nina Ribeiro.

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No princípio de 1963, o Consulado dos Estados Unidos, em Recife,

recebera várias caixas de armas e até máquina de fabricar balas. Estas armas se

espalharam, dentro de um plano de provocação, que visava justificar a

intervenção dos Estados Unidos no Brasil, principalmente no Nordeste. O

problema foi denunciado por Arraes e Francisco Julião, líder das Ligas

Camponesas. O Pentágono e a CIA justificavam o desembarque explicando

que era para salvar vidas de cidadãos norte- americanos, caso Goulart optasse

definitivamente para a esquerda.

“Por intermédio de seus especializados grupos de ação e usando todos os meios

disponíveis, o complexo IPES/IBAD conseguia estabelecer a presença política, ideológica e

militar do bloco de poder multinacional e associado em toda relevante área social de

conflito e disputa”.21

Kennedy talvez não se dispusesse ainda a assumir a responsabilidade

pela queda de Goulart, embora a desejasse. Porém, os chefes militares dos

Estados Unidos, além de infiltrar armas e soldados no Brasil, ainda se

imiscuíram, pessoalmente, na organização da trama para depor Goulart. Isso

sem contar que a noção de pátria, para setores da burguesia brasileira, não

ultrapassava os limites da propriedade privada.

Em novembro de 1963, o jornalista Júlio Mesquita Filho, em entrevista

ao Los Angeles Times, concitou os Estados Unidos a intervirem no Brasil. 20-Idem, p.133/134.

21-René Armand DREIFUSS. 1964: A conquista do Estado – Ação política, poder e golpe de classe. p.209

O Governo, cuja queda próxima ele também vaticinara, pretendeu processá-lo

nos termos da Lei da Segurança Nacional, mas recuou, e o assassinato de

Kennedy, quatro dias depois desviou a atenção do povo brasileiro.

O Deputado Sérgio Magalhães explicou que o povo brasileiro deveria

ficar na expectativa, pois ele suspeitava que a primeira conseqüência da

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política norte - americana seria o golpe nas instituições brasileiras para facilitar

os acordos antinacionais e calar a voz dos nacionalistas.

Com a ascensão de Lyndon Johnson à Presidência da República, a

política externa endureceu e seus efeitos logo chegaram ao Brasil. Enquanto o

Departamento de Estado se empenhava na secessão do Brasil e na

desestabilização do Governo de Goulart, a conspiração interna, evolui da

defensiva para a ofensiva. Eles queriam o desencadeamento de uma guerra

civil.

Goulart soube quando se formou a Tríplice aliança entre Lacerda,

Magalhães Pinto e Ademar de Barros. Nesse período, Carvalho Pinto, que

ainda o ligava a burguesia, afastou-se do Ministério da Fazenda, considerando

que não mais havia utilidade em seus esforços, e isso contribuiu para liquidar o

resto de confiança que as classes dominantes ainda podiam depositar na ação

do Governo. Só restavam, a Goulart, os trabalhadores urbanos e rurais, as

forças populares representadas pelos sindicatos, ligas camponesas, entidades

estudantis e partidos da esquerda. Ele optara por esse caminho, a fim de

permanecer fiel às suas origens políticas e coerente com seus objetivos e desde

novembro, intensificara a Campanha pela Previdência Social, assistência

médica, auxílio- doença e aposentadoria por invalidez e por idade, assinando

Decreto obrigando empresas com mais de 100 empregados a proporcionar-lhes

ensino elementar e gratuito, e enviando ao Congresso mensagem que concedia

ao funcionalismo público o 13º salário e instituía a escala – móvel para o

reajuste de seus rendimentos. Outras medidas tomadas feriram profundamente

os interesses do capital estrangeiro e, em particular dos norte – americanos.

Goulart iniciou processo com o objetivo de promover a nulidade ou a

caducidade das autorizações para pesquisa e lavra de minérios em todo o País,

cassou as concessões da Companhia de Mineração Curral Del Rey, tabelou os

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óleos lubrificantes, vendidos pela Esso, Shell, Texaco, etc. quebrou o domínio

das Gás Ocean sobre o mercado brasileiro e outorgou à Petrobrás o monopólio

das importações de petróleo, e ainda assinou um Decreto regulamentado a lei

sobre as remessas de lucros para o exterior.

Serpa informara a Gordon que Goulart, sentindo-se vazio e isolado,

procurava com tais medidas, ocupar seu território político antes que Brizola e

os radicais de esquerda o fizessem.

Em 1º de Janeiro de 1964, o diplomata Miguel Osório transmitiu a

informação de que os Estados Unidos se dispunham a declarar a bancorrota do

Brasil e que a única forma de evitá-lo seria um pronunciamento de Goulart

favorável à Aliança para o Progresso. Jango no entanto diz a San Tiago Dantas

que “Já não adianta mais, Professor. Não acredito que nenhuma frase minha detenha a

conspirata que os Estados Unidos patrocinam”.22

Ele sabia que um certo General Bell chegara ao Brasil e que o

Brigadeiro Eduardo Gomes, que tramava contra o Governo, fora recebê-lo e

ainda acrescentou que este militar esteve com Castelo Branco e até com seu

Ministro da Guerra.

Esses dados podem ser analisados de acordo com o seguinte pensamento

de Bottomore: “além das dificuldades econômicas que os atuais

países subdesenvolvidos encontram devido ao fato

22-Moniz BANDEIRA. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961-1964. p.151

de já haver no mundo países industriais avançados

que competem com eles em comércio e

investimento, precisam ainda enfrentar a

instabilidade política, exigências populares por

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níveis mais altos de consumo e bem estar, e as

poderosas forças de oposição dos estilos de vida

tradicionais”.23

E sem que Goulart o soubesse, à sua inteira revelia, o Ministro das

Relações Exteriores atendeu ao pedido do General Castello Branco, Chefe do

Estado – Maior do Exército, para revigorar o Acordo Militar com os Estados

Unidos, sob a forma de um ajuste pormenorizado, que previa a necessidade de

assistência ao Brasil para enfrentar ameaças ou atos de agressão ou quaisquer

outros perigos à paz e a segurança. Então, em janeiro de 1964, o Deputado

Bilac Pinto, orientado por Castello Branco, responsabilizou o Governo por

suposta distribuição de armas a camponeses e trabalhadores da orla marítima.

O Deputado procurava sensibilizar a oficialidade legalista das Forças Armadas

e empurrar setores da classe média para o movimento de reação ao Governo;

reação que o empresariado e os latifundiários lideravam. Na verdade a

burguesia que financiava diretamente a trama sabia que ao proletariado ainda

faltavam meios para impor sua hegemonia e que, na verdade, não havia

nenhuma guerra. No entanto, a inflação exarcebara os conflitos de classe, pois

ao longo de 1963 houve 50 greves no Rio de Janeiro e no início de janeiro de

1964, esse número cresceu. E a perspectiva do sacrifício, morte ou deposição,

já se afigurava a Goulart.

San Tiago Dantas buscou ainda uma solução de compromisso, com a

formação de uma Frente Única ou Frente Popular, que apoiaria as reformas de

base, definidas num programa mínimo, aceitável pelo PSD, PTB, PCB e

adeptos de Brizola. 23-Tom B. BOTTOMORE – As Elites e a Sociedade. p.86

Mas a frente, que Dantas pretendia, não se concretizou. E um dos refrões

da campanha contra Goulart era precisamente de que ele tolerava as atividades

dos comunistas, mas mesmo o Departamento de Estado norte - americano,

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considerava escassas as possibilidades de que os comunistas dominassem o

Brasil em futuro previsível. E Goulart, para permanecer coerente com seus

princípios, só podia se apoiar na esquerda e os comunistas, liderados por

Prestes, eram os que melhor o compreendiam. Goulart já não vislumbrava

muitos caminhos, mas o que realmente o interessava era o prestígio com as

massas, o apoio popular, a liderança dos assalariados.

A causa da inflação estava na elevação dos preços e isto se devia,

basicamente, à deterioração dos termos do intercâmbio internacional do Brasil.

Em tais circunstâncias, a salvação do Governo se tornara difícil. A esquerda

apesar do anunciado, não se armara e Goulart não se dispunha, ele próprio, a

romper a legalidade.

Perante 200.000 pessoas, no comício de 13 de março, Goulart

proclamou, sem temer que o chamassem de subversivo, a necessidade de

mudanças na Constituição que legalizava uma “estrutura superada, injusta e

desumana”.24

Ficava claro, conforme insiste Moniz Bandeira, que “a reforma agrária,

proposta por Goulart ao Congresso, orientava-se pelo princípio de que o uso da

propriedade é condicionado ao bem – estar social”.25 As classes dominantes recearam

que a democracia burguesa se desestruturasse e as massas, em ascensão,

aprofundassem o processo de reformas; e a agitação contra Goulart se

agigantou.

24-Moniz BANDEIRA. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961-1964. p.163

25-Idem. p.164

Em meio a tal radicalização, o Ministro da Guerra Dantas Ribeiro

resolveu hospitalizar-se, a fim de se submeter a uma intervenção cirúrgica, não

obstante o pedido de Goulart para que a adiasse e, no momento em que ele

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baixava ao hospital, Castello Branco açulou os militares contra o Governo e os

sindicatos, fazendo uso do anticomunismo como fundamento para uma ação

contrária ao Governo.

Assim, na Sexta – Feira da Paixão de 1964, enquanto mais de 1000

marinheiros e ingênuos militantes de esquerda se rejubilavam pelas ruas

centrais do Rio de Janeiro, brasileiros e norte - americanos acertavam os

últimos detalhes para a execução do golpe de Estado.

Para a maioria dos militares, “o golpe teria sido produto de um amplo e bem

elaborado plano conspiratório que envolveu não apenas o empresariado nacional e os

militares, mas também forças econômicas multinacionais”.26

O Governo de Washington, naquele momento, acionava a operação

Brother Sam, que consistia na expedição, para o Brasil, de uma força - tarefa.

Essa mobilização, certamente, não visava apenas fornecer apoio logístico aos

sublevados, mas, também intervir militarmente no Brasil, se necessário. No

entanto, Goulart já não tinha condições militares para sufocar a intentona sem

desencadear a guerra civil. Compreendia a gravidade da hora, mas compareceu

à homenagem que os sargentos lhe prestaram no Automóvel Clube do Brasil,

apesar de advertido para que não o fizesse e o malogro da comemoração

evidenciara que os oficiais não só controlavam suas tropas como se colocavam

contra o Governo. Assim, o I Exército caiu quase inteiro sem luta. Goulart

ainda ouviu, que os oficiais não estavam contra o seu Presidente, mas sim,

contra o comunismo. E era mais que sabido que Goulart não queria

desencadear a revolução social. 26-Maria Celina D’ARAÚJO, Gláucio Ary Dillon SOARES, Celso CASTRO. Visões do Golpe: A memória

militar sobre 1964. p.16

Na tarde de 31 de março, Kubitschek procurou Goulart e lhe propôs

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uma solução política para a crise, mediante a substituição do Ministério por

outro, marcadamente, conservador, o lançamento de um manifesto de repúdio

ao comunismo, a punição dos marinheiros e outras iniciativas de igual teor.

“Goulart não aceitou a sugestão, argumentando que aquela atitude daria a

impressão de que ele estava com medo, e um chefe que revela medo não pode comandar

coisa nenhuma”.27 À noite, Goulart recebeu um telefonema de Kruel,

Comandante do II Exército, que também se ofereceu para servir como

mediador e impôs, como condições, o fechamento das organizações populares,

intervenção nos sindicatos e afastamento dos auxiliares do Presidente da

República apontados como comunistas. Goulart ponderou que se aceitasse

aquelas exigências ele seria um Presidente decorativo e isso ele não queria.

Na manhã de 1º de Abril, a situação já se definia contra o Governo e

Goulart percebendo que nada mais podia fazer viajou para Brasília onde foi

conversar com Tancredo Neves, explicar o que estava ocorrendo e dizer que o

governo pelo governo não lhe interessava. Em Brasília, não havia condições de

resistência apesar da ajuda dos amigos e Goulart resolveu partir para o Rio

Grande do Sul, pois lá era o único Estado seguro. Brizola depusera o

Governador Meneghetti e, mais uma vez, tentava levantar o povo para resistir

ao golpe de Estado.

Mesmo sabendo que Goulart se encontrava em território nacional e que

não renunciara, o Senador Auro Moura Andrade, Presidente do Congresso,

convocou uma sessão extraordinária e, ao abri-la, declarou, em breves minutos,

violentando as normas constitucionais e o próprio Regimento Interno da Casa,

a vacância do cargo, consumando-se, assim, o Golpe de Estado, e levando o Sr.

Raniere Mazzili, Presidente da Câmara dos Deputados, ao Palácio do Planalto.

Não foi observada qualquer formalidade legal, como, por exemplo, a votação 27-Moniz BANDEIRA. O governo João Goulart: As lutas sociais no Brasil 1961-1964. p.179

do impeachment.

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Ao desembarcar em Porto Alegre, em 2 de Abril, Goulart percebeu que

não disporia de forças para reagir ao golpe de Estado. Não havia tropas no

aeroporto, só um capitão e três tanques formavam a guarda. Não mais existiam

condições de luta e Goulart compreendeu que qualquer resistência resultaria

num inútil derramamento de sangue. Liberou, então, seus auxiliares e

companheiros, a fim de que retornassem a Brasília e resolveu partir para uma

de suas estâncias, a de Santa Cecília, em São Borja. Goulart não queria

abandonar o País. Só após livrar-se de um cerco, convenceu-se, na estância de

Cinamomo, de que devia atravessar a fronteira e asilar-se no Uruguai. Era 4 de

abril. “Com a queda de Goulart, os cárceres se encheram... A única nota triste, Gordon

comentou, era a participação obviamente limitada das classes baixas, todos comemoravam,

menos os trabalhadores, eles eram os derrotados”.28

E mediante um processo de contra – revolução permanente, os Estados

Unidos impuseram sua hegemonia econômica e política à sociedade brasileira.

Esse golpe de Estado, levado à efeito por uma aliança entre as forças

dominantes do capitalismo brasileiro e aquelas do capitalismo norte americano,

precisou contar com a subserviência da elite militar brasileira, em relação aos

objetivos imperialistas dos Estados Unidos.

Em razão dos Estados Unidos o grupo governante que se instalou em

Brasília percebeu, desde o início, que necessitava de legitimidade junto ao

povo brasileiro. Num primeiro momento, não foi difícil conseguir o apoio da

maioria da população em virtude do domínio exercido sobre os meios de

comunicação, que propalavam a corrupção do governo deposto e o perigo que

o país correra de ser dominado pelo comunismo internacional. Essas

justificativas conseguiram camuflar até mesmo uma primeira onde de violência 28-Idem.p.185-6

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contra as pessoas simpatizantes com o governo deposto. Mas, com o passar do

tempo as dificuldades enfrentadas pelo novo governo, em razão principalmente

da subserviência econômica às imposições norte – americanas, fragilizou a

legitimidade com a qual o governo militar, a serviço da burguesia, procurava

revestir-se. Então, viram-se os líderes da nação brasileira constrangidos

a buscar novos meios de legitimidade que pudessem dar a impressão de que,

realmente, o novo governo estava dominado pela idéia de promover o

desenvolvimento seguro do país. Entre esses meios, situava-se o projeto de

criar a autonomia nuclear do Estado Brasileiro.

Tal projeto respaldou-se no eco favorável encontrado junto aos

integrantes da ESG, preocupados, ao que se dizia, com a Segurança Nacional e

o Desenvolvimento Econômico.

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Capítulo Segundo

A Política Econômica Brasileira e a Ideologia da ESG

“A nação que dominar a tecnologia do átomo no século XX, será potência no século

XXI”1

Charles de Gaulle

No capítulo I, referimo-nos às conseqüências do Golpe de 1964, ao

poderio militar, às questões políticas e sociais e também à falta de legitimidade

do Governo da elite militar.

No segundo capítulo, pretendemos tratar mais a parte econômica do

Golpe, que, através do binômio segurança e desenvolvimento, vem promover

obras faraônicas, entre elas a implantação de usinas nucleares, como opção

para um país ainda imerso nos problemas de base que continuavam sem

solução e que o Governo da elite militar não enfrentava sistematicamente. Mas,

devemos nos lembrar de que, na história política do Brasil, as elites dominantes

sempre tentavam prever ou se prevenirem com relação aos conflitos populares,

mascarando o campo de luta ou jogando um dos campos contra o outro.

Com a instalação da ditadura militar, o seu primeiro governo pôs em

prática uma política de reconversão da economia, tendo em vista o segundo

grande objetivo do movimento militar – o de retomar a expansão econômica,

embora despreocupado com o social. Para que isso pudesse ocorrer foi

elaborada uma política de choque em que se aplicaram as fórmulas do FMI.

Houve uma aumento de concentração de renda nas mãos dos grandes

capitalistas, com desinteresse pela promoção de melhorias sociais básicas. Os

salários foram arrochados, a questão da saúde e da educação ficou 1-CPDOC – Arquivo [PNB - 1975.01.09 – Pasta V – 8A1 ]

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profundamente negligenciada. Da mesma forma, faltou interesse pelo aumento

e pela melhoria dos empregos, assim como foram desconsideradas as falências

das pequenas e médias empresas.

Conforme já foi referido, criaram-se órgãos que passaram a possibilitar a

direção da política econômica por meio de decretos. Particularmente o CMN

(Conselho Monetário Nacional)2.

Na realidade, o Conselho Monetário Nacional tinha como função o

controle da moeda e era supervisionado pelo Ministro Simonsen.

Acompanhava empresas que tinham proble mas administrativos ou que

entravam em liquidação e a maioria ia para as mãos do Governo. Dessas,

poucas realmente chegaram a ser liquidadas, ou seja, o CMN representava a

separação entre o político e o privado, tendo, literalmente, consolidado as

perspectivas de poder que eram desejadas.

Tudo isso, no entanto, veio a caracterizar o regime militar como um

regime autoritário.

Em 1966, o General Umberto Peregrino, que era teórico da ESG (Escola

Superior de Guerra), escreveu: “Somos da área da guerra total, essa guerra que

se converteu num jogo desesperadamente

complexo, cujos dados são a economia política, a

psicologia social, a geografia geral e as últimas

conquistas da física nuclear. Ora, neste quadro, as

instituições militares serão órgãos de

planejamento e de direção das operações, pois que

a guerra total solicita a nação inteiriça, no

pleno exercício de todas as suas faculdades

coordenadas para um objetivo superior e

único. Vem daí a intransigente subordinação

2-Maria Celina D’ARAÚJO; Celso CASTRO. Ernesto Geisel. p.296

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das atividades básicas da nação aos interesses da

sua segurança. E torna-se mister, à margem desse

rígido princípio diretor da moderna concepção de

segurança nacional, equacionar os problemas

fundamentais da nação e aparelhar, no trato deles

equipes de homens superiormente dotados. É o que

compete, no Brasil à Escola Superior de Guerra”3

Essa doutrina nebulosa e obscurantista é importada. Veio dos Estados

Unidos e o seu principal criador foi o Coronel George Lincoln. O nome em

inglês da doutrina – base da ESG é counter – insurgency, isto é, contra -

insurreição e parte do pressuposto de que, nos países atrasados, pobres, a

ignorância e a miséria tornam a população ativa altamente vulnerável à

penetração comunista. O inimigo, alimentado e municiado do exterior, penetra

entre o povo, confunde-se com ele e conquista freqüentemente setores inteiros

da população, comunidades, distritos, prefeituras, assembléias eleitas. Nesses

casos, não haveria outra maneira de prevenir o perigo ou de combatê-lo

efetivamente senão criando uma elite imune à penetração inimiga e entregando

a ela o monopólio do poder ou, quando menos, das suas alavancas essenciais.

Quanto à cabeça do processo revolucionário, esta, à medida em que eram

postos à margem os principais líderes revolucionários liberais, foi cada vez

mais dominada pelos teóricos da contra – insurreição e pelos doutrinários da

ESG – para os quais era preciso isolar o povo do poder político, era preciso

transformar as corporações militares num escudo, numa barreira fechada, entre

a população civil e os manipuladores das alavancas do Governo.

Os principais organizadores da FEB (Força Expedicionária Brasileira),

levando em conta a fraca coordenação existente entre as três Forças Armadas e

sua atuação débil na Itália, os Generais César Obino e Cordeiro de Farias,

3-Fernando PEDREIRA. Impávido Colosso. p.149

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opinaram que deveria ser criada uma escola especial que formulasse uma

nova doutrina de Segurança e Desenvolvimento nacionais. Os brasileiros

solicitaram, então, uma missão norte – americana, que deveria ajudar na

formação dessa escola e essa missão permaneceu no Brasil de 1948 até 1960.

Ficou responsável pelo desenvolvimento dessa escola o General

Cordeiro de Farias, que recomendou uma instituição segundo o modelo da

Escola Nacional de Guerra dos Estados Unidos, mas com dois aspectos

diferentes: o binômio da Segurança e do Desenvolvimento deveria ser maior

que na escola similar dos Estados Unidos e em função desse binômio, fazia-se

necessário incluir civis em diversas áreas como educação, indústria,

comunicações e sistema bancário.4

A participação dos civis se mostrou de tal forma importante que, com o

tempo, foi aumentada a proporção de seus membros.

A Escola Superior de Guerra foi estabelecida em 20 de agosto de 1949,

pelo governo Dutra e tinha como missão preparar “civis e militares para

desempenhar as funções executivas e conselheiras, especialmente naqueles órgãos

responsáveis pela formulação, desenvolvimento, planejamento e execução da política de

segurança nacional”.5

O requisito de curso universitário ou equivalente que era exigido dos

civis, afastou praticamente os representantes dos sindicatos, o que era o

objetivo da ESG.

O curso era ministrado em tempo integral, durante o ano acadêmico

completo, sendo que seu núcleo era baseado em conferências e seminários que

faziam a tentativa de determinar os objetivos básicos para o Brasil, os

problemas relacionados a esses objetivos e os meios especificados de se

4- Alfred STEPAN. Os militares na política. p.129-30

5-Idem,p.130.

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chegar até eles. Uma das partes do curso eram três ou quatro viagens por todo

o Brasil, a fim de se inteirarem no próprio local, dos problemas existentes, dos

projetos que estivessem ligados ao Desenvolvimento e Segurança nacionais.

Como exemplos desses projetos poderíamos citar: hidrelétricas, complexos

industriais, a indústria nacional do aço, habitação para favelados, SUDENE,

ação cívica e novas táticas de guerra contra – revolucionária. Além disso, cada

nova turma viajava aos Estados Unidos por convite do governo norte –

americano, onde eram geralmente incluídos um breve contato com o Presidente

norte – americano e visitas aos principais complexos militares e industriais.6

A IDEOLOGIA DA ESG

Achamos oportuno citar o conceito de ideologia segundo David Easton: “IDEOLOGIA é um conjunto articulado de idéias, fins e propósitos que orientam os

membros do sistema político no sentido de interpretar o passado, explicar o presente e

oferecer uma visão do futuro”.7

Sua doutrina deixava claro que os responsáveis pela formulação e

realização dos programas de Segurança Nacional não poderiam mais se limitar

à proteção das fronteiras ou a outros usos convencionais do Exército. Naquele

momento, havia necessidade de planejamento para que houvesse um governo

forte e o próprio General Golbery, principal teórico da ESG, ressalta o

seguinte: “o planejamento da segurança nacional é um imperativo da hora em que

vivemos...para nós nos países subdesenvolvidos...o planejamento possui aspectos de uma

outra ordem que põe tudo em destaque”.8 6-Op.cit.p.129-1.

7- ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual Básico..p.27

8-Golbery do Couto SILVA. Planejamento Estratégico .p.28

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A ESG sempre foi anticomunista e estava profundamente determinada a

trabalhar de acordo com os projetos norte – americanos no período da guerra

fria e, nesse caso, os Estados Unidos eram um aliado natural do Brasil, por ser

um país extremamente contrário a tudo que se harmonizasse com o comunismo

soviético e, por extensão, a todas as áreas dominadas pelo modelo marxista de

governo.

Tendo em vista sua ideologia, a ESG empreendeu o estudo da vida

política, econômica e social do Brasil, isto é, envolvendo a inflação, a reforma

agrária, a reforma bancária, sistemas eleitorais, transporte, educação, guerra de

guerrilha e guerra convencional. E, no início dos anos 60, quando a crise

brasileira se tornava mais aguda, houve por parte da ESG, uma necessidade de

combater aquilo que ela julgava subversão interna e esse detalhe encontrou

cada vez mais eco no interior das Forças Armadas.

As políticas sugeridas, embora fossem moderadas e tecnocráticas, em

relação aos objetivos desejados, eram bastante amplas e, às vezes, incapazes de

serem democraticamente efetivas, levando-se em consideração o equilíbrio das

forças políticas. Havia, segundo a organização, a necessidade de maior

centralização do poder; achava-se que o executivo tinha de ser fortalecido para

proteger o país da subversão, tratava-se de uma imposição do clima de guerra

fria e da sintonização com o modelo norte – americano para controlar e

hierarquizar o poder. Faziam-se necessários o planejamento econômico e a

conseqüente mobilização de recursos, para se cumprir o planejado. Estavam

convencidos de que o desenvolvimento do Brasil solicitava a mobilização de

todos os recursos, tanto nacionais como estrangeiros e, por isso, nacionalistas

de esquerda os acusavam de entreguismo.

Na realidade, o que aconteceu foi a ocupação do Brasil pelas

multinacionais, com um crescente endividamento externo que chegou a colocar

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em xeque a própria soberania nacional, ou seja, o Estado de Segurança

Nacional, acaba por se submeter às exigências dessas mesmas corporações.

Realmente, na época do Golpe Militar, não havia mais diferença entre guerra e

política, oposição pacífica e resistência armada, entre o legal e o ilegal, isto é,

aplicou-se na íntegra a Doutrina de Segurança Nacional tal como foi elaborada

pelo Colégio de Guerra dos EUA.

Essa doutrina, interpretada por sua elite militar, vê a nação como uma só

vontade e sente que a Segurança Nacional está constantemente ameaçada por

outras nações, além da dissidência interna, isto é, segundo seus ideólogos, o

comunismo que se identifica com qualquer oposição à dominação das

multinacionais. É necessário pois, segundo a ESG, que as multinacionais

continuassem a administrar a miséria brasileira e a controlar o

desenvolvimento do país em seu proveito, ainda que isso redundasse na

insegurança de todos os súditos desse mesmo país.

“Queremos lembrar aqui que os Objetivos Nacionais Permanentes da ESG eram: o

Bem comum, Segurança e Desenvolvimento”.9

Em resumo, o General Olympio Mourão Filho, que foi deflagrador do

Golpe de 1964, refere-se em seu livro de memórias que à doutrina da ESG é

“uma doutrina totalitária copiada dos Estados Unidos”.10

A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA E O GOLPE DE 1964

Embora já se tenha falado sobre o Golpe de Estado de 1964, sua relação

com a ESG não foi ainda especificamente contemplada. 9- ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual Básico p.35-6

10-Encontros com a Civilização Brasileira.v. 16 p.17

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Diante da crise de 1961-1964, cada vez mais os membros da ESG

tinham certeza de que o presidente Goulart tolerava e até, sobre muitos

aspectos, estimulava a anarquia e a subversão e pensavam que o Brasil,

naquele momento, necessitava, realmente, de uma política de desenvolvimento

e segurança. Então, os professores dessa instituição, que estavam na ativa,

formaram um importante centro de conspiração contra o governo Goulart.

Julgavam que o seu modo de agir era muito dúbio e que não desenvolvia uma

autêntica resistência ao avanço do pensamento marxista no país. Tais

convicções levaram a Escola Superior de Guerra a desenvolver uma atitude de

franca oposição a esse governo. Também fica claro que as idéias da ESG

poderiam ter sido cumpridas sem que o Golpe se desse, mas houve, apenas,

uma facilidade maior com o movimento golpista.

Mesmo que a maioria dos oficiais não concordassem com as idéias da

ESG, as desconfianças foram-se atenuando com o passar do tempo e em vista

dos acontecimentos desenrolados, os militares resolveram cerrar fileiras em

defesa de sua instituição, e só mais tarde, após se formar o primeiro governo

militar, é que as reais diferenças entre os oficiais da ESG no governo e a

maioria fora do governo, passaram a constituir-se realmente em problemas.

Na época do Golpe de Estado, havia um grupo de militares e tecnocratas

civis que tinham estudado em comum os problemas brasileiros e defendiam

uma doutrina razoavelmente coerente de como proceder o desenvolvimento do

país, e dentro das Forças Armadas havia um elevado nível de confiança de que

a ESG contava com indivíduos que possuíam solução para o problema dos

brasileiros e que estavam aptos para governar. Por isso, devido aos estreitos

laços entre os civis e militares da época, muitos dos postos chaves foram parar

nas mãos dos civis. Como exemplo, poderemos citar o IPES (Instituto de

Pesquisas e Estudos Sociais) que era formado por um grupo de empresas

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anticomunistas e defendia a reforma do sistema econômico e político do país,

como uma necessidade em si mesma e também para o desarmamento do perigo

comunista no Brasil11, conforme já foi referido no primeiro capítulo deste

trabalho.

Assim, os militares, imprimem ao conjunto a sua marca específica: a

preocupação com a Segurança Nacional, com a disciplina e a obediência aos

regulamentos. O mais importante é que a intervenção militar não só sustenta a

burocracia no governo, como lhe dá um poder incontrastado sob a sociedade

civil.

O SEGUNDO PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

Foi elaborado no período do governo Geisel, com grande participação do

Ministro Veloso, que era do Planejamento e, montado em grande parte pelo

Instituto Especializado vinculado ao Ministério do Planejamento. Esse plano

foi montado de acordo com algumas idéias de Geisel e a colaboração de todos

os ministros, sendo muito discutido no Congresso e aprovado com algumas

emendas, entrando em vigor em dezembro de 1974. Segundo Geisel, o referido

plano não era rígido e deveria funcionar como uma diretriz para os diferentes

órgãos do governo poderem pautar suas ações e, com isso, ele foi sujeito a

modificações, ou seja, ampliações e reduções de acordo com as necessidades.

Na realidade o II PND pretendia alcançar um desenvolvimento

integrado, isso é, social e econômico. Deveria ser aumentada a produção

nacional, assegurar empregos e, sobretudo, promover a melhoria na solução

11-Alfred STEPAN. Os militares na política . p.137

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dos graves problemas sociais. No entanto, segundo fontes oficiais não havia

no país, capital disponível; os ricos não queriam assumir riscos e, então, coube

ao próprio governo assumi-los, com os meios de que dispunha, inclusive

o crédito externo e, segundo Geisel, por isso, foram acusados de estatizantes.

No II PND havia dois tipos de empreendimentos: os que deveriam ser de

exclusiva atribuição do Estado, como energia nuclear, telecomunicações,

aeroportos internacionais, empreendimentos vinculados a outros países como

Itaipu, eixos rodoviários, ferroviários, etc, e o petróleo em decorrência de sua

importância para o suprimento das necessidades do país. Ao segundo tipo

pertenciam os empreendimentos que deveriam ser atribuídos à iniciativa

privada, mas que, por falta de capital, de interesse, de empréstimo, ou por não

terem assegurado o lucro desejado, como por exemplo, as grandes hidrelétricas

e siderúrgicas ou indústrias privadas, bancos, etc, que foram malsucedidos e

acabaram ficando a cargo do governo, que tinha dificuldades de livrar-se delas

ou liquidá-las. Evidentemente, este segundo grupo não poderia prestar a

assistência desejada pelo governo para levar avante os referidos propósitos.

O capital estrangeiro não se mostrava inclinado a investir, por exemplo,

no desenvolvimento tecnológico e nas indústrias que mais podiam interessar ao

país e ainda, de acordo com fontes oficiais, o II PND acabou por gerar inflação,

assim como safras agrícolas frustradas.12

Nesse momento político, o capitalismo internacional ingressava , a partir

da crise do petróleo, num período recessivo longo. Muito do chamado milagre

brasileiro começou a desabar e o governo do Brasil preferiu manter o ritmo de

crescimento. Ernesto Geisel tenta explicar “que não havia como justificar um a

recessão depois de desenvolvimento do governo Médici mas que, também, como iria

resolver o problema social criado pelo desemprego que fatalmente viria?”13

12-Maria Celina D’ARAUJO e Celso CASTRO. Ernesto Geisel.p. 288

13-Idem, p.290-2

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Então Geisel resolveu que, através do II PND, deveria ser dado o grande

salto para o futuro e, nesse caso, a disciplina do Estado seria estendida

também ao capital. A elite militar acabou legitimando a economia com

ideologia através dos objetivos do II PND, achando que o desenvolvimento

econômico levaria sucessivamente ao desenvolvimento de uma democracia

plena e em uma mensagem ao povo. Ernesto Geisel deixa isso bem claro

quando diz que “antes de tornar-se um ente político, o cidadão precisa ter sido um

indivíduo de físico sadio e limpo, precisa ser também consciente, racional e

sociabilizado”.14

Em verdade, a pretensão do II PND era, de forma simultânea, levar à

conclusão o ciclo de instalação da indústria pesada, colocar internamente a

indústria de bens de capital, completar o parque industrial de insumos básicos e

bens intermediários, expandir os serviços de infra – estrutura econômica

(principalmente nos setores de energia, transporte e telecomunicações). O

Estado ficava encarregado de gerir o II PND para que houvesse um perfeito

equilíbrio entre suas três partes – a estatal, a do capital privado e a do capital

industrial. A este último, por ser o mais vulnerável, foi reservado espaço nos

setores mais dinâmicos, como a indústria de bens de capital e petroquímica.

Obviamente as empresas de capital estrangeiro tiveram suas encomendas

também aumentadas, principalmente nos setores de equipamentos rodoviários e

hidrelétricos. Com isso, montaram novas instalações no país ou ampliaram

instalações que já existiam, pois haviam percebido que as empresas estatais,

entre outros ambiciosos empreendimentos, pretendiam financiar um dos

maiores programas de energia do mundo capitalista.

Os organismos internacionais, a saber, bancos e agências financiadoras

se comprometeram, na época, a respaldar o esforço brasileiro, porque embora a

economia mundial enfrentasse forte recessão, devido ao primeiro choque do 14-Maria da Conceição Tavares e J. Carlos de Assis. O grande salto para o caos. p.43-6

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petróleo, o Brasil era considerado um mercado potencial de expansão interna.

De tudo isso se deduz que os financiadores se iludiram com a idéia de que a

dívida externa estava bem administrada e sob controle. Assim nasceu a mais

maquiavélica máquina que, intermediando a situação financeira do país,

acabou por dolarizar o sistema interno de crédito e atar a política financeira ao

dólar no mercado internacional. “O que é difícil de entender é que muitos nacionalistas de esquerda apoiaram o II

PND usando diferentes justificativas ideológicas como: soberania nacional (senador

Roberto Saturnino), necessidade de desenvolvimento, criação de um empresariado nacional

dinâmico”.15

Enfim, o II PND não deixou de ser uma solução mirabolante e paliativa,

uma vez que não resolveu os problemas mas, apenas, os agravou. Julgamos

oportuno trazer aqui o pensamento de Maria da Conceição Tavares: “... Do ponto de vista político, o projeto do Estado

Nacional Autoritário levantado em 1974 não

contou com o apoio popular, a que não beneficiava

nem envolvia politicamente. Contou, apenas, do

ponto de vista das classes dominantes, com o apoio

de um setor restrito da grande empresa

internacional (os grupos cartelizados de bens de

equipamento pesado), de uma fração da mecânica

pesada nacional e do bloco das grandes firmas de

engenharia e construção. Ficaram fora do pacto

todos os demais setores empresariais a que a

demanda da indústria pesada não favorece.”16

O II PND, no que diz respeito ao desenvolvimento da Política Energética

Brasileira, teve que enfrentar a competição vigente no mundo atual, a qual põe

em confronto nações e fortes grupos econômicos, que tentam controlar as

15-Idem p.46

16-Op.cit. p.63

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fontes energéticas, da industrialização, do mercado de combustíveis, etc.

A era industrial, no início, teve o carvão exercendo importância decisiva,

mas logo após a luta se tornou titânica em torno do petróleo, que não deixava

de exercer uma forma de dependência, uma vez que o Brasil não tinha petróleo

suficiente. Mas, com a energia nuclear, houve agravamento dos problemas

internacionais devido aos interesses políticos, econômicos e, sobretudo,

militares.

Por outro lado, a desigual distribuição das jazidas de minérios, o jogo

exercido pelas multinacionais sobre a exploração do carvão, do petróleo e dos

combustíveis nucleares, vieram aumentar a dependência do Terceiro Mundo ao

capital e tecnologia das potências maiores, principalmente do Brasil em relação

aos Estados Unidos.

Veremos no 3º capítulo que já em 1967 o Governo Brasileiro, na época

do General Médici, tomou consciência da importância do uso da energia

nuclear oficialmente para o país e, seguindo a idéia desenvolvimentista, achou

por bem adotar essa nova tecnologia pensando em um futuro ainda distante,

quando os recursos hídricos do país pudessem estar se esgotando no justo

momento em que o ciclo industrial da Região Sudeste estivesse em pleno

desenvolvimento.

Então, em fins de 1968, os altos escalões militares, os responsáveis pelos

Ministérios da Economia e do Itamaraty foram levados a concluir que as

nossas reservas hídricas, num futuro próximo, não seriam suficientes para

atender à demanda de energia elétrica. Isto os levou a acreditar que a energia

nuclear pudesse desempenhar, no país, um importante papel em termos de

geração de eletricidade. O governo admitiu, em público, que a produção

científica e tecnológica brasileira era lenta e não suficiente para a implantação

rápida de usinas nucleares no Brasil.

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Posteriormente, Geisel dá seu depoimento, dizendo que “a comunidade

científica vivia em seus laboratórios fazendo experiências e quase nada produziram, diz que

eram sábios demais, havia muita teoria e talvez falta de objetividade por parte dos

cientistas”.17 Este pensamento, que nos dá a dimensão da irresponsabilidade do

governo militar, uma vez que deveria precisamente investir nas pesquisas, nos

cientistas brasileiros e consultá-los a respeito da implantação da energia

nuclear, tornou-se uma convicção entre os integrantes da elite militar

governista.

O Brasil perdia terreno em relação à Argentina que era o principal país a

competir pela hegemonia e liderança latino americanas18 e, partindo dessa

premissa, foi decidido que era necessária a transferência de tecnologia nuclear

de países que tivessem maior evolução na área.

Então, através da concorrência internacional, as autoridades brasileiras

adquiriram da Westinghouse, em 1970, o reator de Angra 1, que trabalhava o

urânio enriquecido. Mas os Estados Unidos exigiam a devolução dos

elementos combustíveis usados e chegou-se à conclusão, tardia, de que a

autonomia no campo nuclear só seria possível se houvesse a posse do ciclo

completo do combustível nuclear, acompanhado da tecnologia e respectiva

aparelhagem para o enriquecimento do urânio.

Como houve recusa dos Estados Unidos, por razões que posteriormente

serão explicadas no capítulo três, o Governo brasileiro opta por adquirir fora do

continente o ciclo completo do combustível, assim como as demais tecnologias

nucleares.

As concepções de Estado e Sociedade, propaladas pela ESG, não

refletiam um entendimento completo das reais dimensões do imperialismo

norte – americano. Os integrantes da ESG acreditavam, ao que se pode deduzir 17-Maria Celina D’ARAÚJO; Celso CASTRO. Ernesto Geisel. p.305

18-Waldemar SAFFIOTTI. Fundamentos da energia nuclear. p.166

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dos documentos, que a busca da ajuda norte – americana para a implantação da

energia nuclear, levaria o Brasil ao domínio completo do ciclo atômico.

Constatado que não estava no interesse dos norte – americanos conduzir o

Brasil ao domínio do referido ciclo, os intelectuais da ESG passaram a pensar

em outra solução.

Então, em 1975, a 27 de junho, o presidente Ernesto Geisel assinou um

acordo com o KRAFTWERK UNION, através do qual ficou estabelecida a

transferência de tecnologia alemã e a construção de reatores nucleares. Se a

Westinghouse não podia transferir a tecnologia, Geisel tratou de procurar uma

nova empresa que pudesse dar cabo da empreitada.

Para tanto, Geisel busca justificar sua iniciativa: “Nós nos orientamos para a Alemanha porque

considerávamos que, se ao longo do tempo iríamos

construir usinas nucleares, tínhamos que ter o

ciclo completo da produção da fonte energética,

isto é, tínhamos que produzir urânio enriquecido.

E os Estados Unidos sempre foram contrários a

isso, sempre quiseram que o Brasil ficasse preso a

eles. Na usina Angra 1, que já estava em

construção, o suprimento da fonte energética, o

urânio enriquecido, tinha que vir dos Estados

Unidos. Eles cobrariam o preço que quisessem ou

forneceriam a seu arbítrio, segundo suas

disponibilidades. Era uma dependência

inadmissível para nossa soberania. A França

produz o urânio enriquecido, o Japão também,

mas o único país que se dispôs a transferir

tecnologia para o Brasil foi a Alemanha.”19

19-Maria Celina D’ARAÚJO; Celso CASTRO. Ernesto Geisel.p. 339

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Os dirigentes do país fecharam o segundo acordo com a Alemanha

porque achavam que o primeiro contrato nuclear com os Estados Unidos lesava

a soberania nacional, mas os Estados Unidos foram contra esse acordo e

fizeram muita pressão para que as negociações fossem interrompidas, ainda

mais que estavam temerosos, porque o Brasil não havia assinado o Tratado de

Não – Proliferação Nuclear em 1968.

Embora se tentasse livrar o país do controle norte – americano, ao se

decidir pela Alemanha, sob o ângulo do domínio da energia atômica, o país

caía novamente nas mãos de outra potência.

Enfim, as elites brasileiras sempre se fiaram na força militar para

promover uma longa cadeia de acontecimentos interligados que tentava

resolver os conflitos mediante acordos, mas o preço pago foi a não-resolução

dos problemas de fundo do país, e maior vítima é a maioria da população, que

não viu suas carências sociais profundas contempladas no projeto de

consolidação de ditadura militar.

Assim é que o Plano Nacional de Desenvolvimento 72-74, tendo em

vista os objetivos estratégicos, econômicos e de transferência de tecnologia, ao

lado da implantação da Central Nuclear de Angra do Reis, como fonte de

complementação térmica da região Centro – Sul, contempla um programa

nacional de energia nuclear (CNEN), visando os seguintes objetivos:

a)Ingresso do país no ciclo do combustível atômico, com implementação de

complexo destinado a obter o combustível nuclear e seu reprocessamento, em

quantidades que atenda, às necessidades de programa de longo prazo para

implantar centrais nucleares.

b)Assimilação e, progressivamente, adaptação da tecnologia nuclear, com o

objetivo de propiciar às equipes nacionais o domínio das técnicas de

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desenvolvimento, produção e atualização de reatores, bem como de

combustíveis e materiais nucleares.

c)Aplicação de radioisótopos, para solução de importantes problemas no

campo da Agricultura, Medicina, Engenharia e Indústria. 20

Ficou decidido ainda, apesar dos protestos veementes de vários cientistas

de renome, que deveria ser usado o urânio enriquecido, pois era o mais

comum nas usinas nucleares em funcionamento, e também foi constatado

que a energia nuclear a urânio enriquecido ficava mais barata.21

Gostaríamos de deixar claro que o Brasil não pode importar a tecnologia

de ultra – centrifugação, devido a não-concordância da Holanda e, então, nesse

caso adquiriu-se a única tecnologia disponível na Alemanha que era o jato

centrífugo.22

O contrato nuclear, assinado com a Alemanha, visava a utilização da

energia nuclear exclusivamente para fins pacíficos e, por isso, foi assinado um

acordo que visava a aplicação de salvaguardas, que foi acertado entre o Brasil,

Alemanha e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

A Política Nuclear e Enfoques Analíticos sobre o Acordo Nuclear

Necessário se faz enfocar aqui determinados aspectos, muitas vezes

contraditórios e também discuti-los, quando possível, focando ângulos que, no

período, ou não foram vistos ou foram olhados de maneira superficial.

Gostaríamos de deixar claro que os cinco argumentos aqui discutidos 20-Hilário TORLONI. Estudo de problemas brasileiros. p.309

21-Hugo ABREU. O outro lado do poder. p.42

22-Melvin A. CONANT; Fern Racine GOLD. A geopolítica energética. p.232

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foram retirados do livro Fundamentos de Energia Nuclear de Waldemar

Saffiotti, páginas 168 até 170. Só nos interessam, no momento, estes cinco

argumentos, uma vez que os demais já foram abordados, ainda que de uma

forma simplificada.

Inicialmente, o preço do KWh instalado seria de 530 dólares e o preço

com as despesas orçariam em torno de 10 bilhões de dólares. Mais tarde foi

escrito que o KWh custaria 3.000 dólares e que o preço das usinas seria de 30

bilhões de dólares. Hoje, entretanto, podemos verificar pelos dados da Revista

Brasil Nuclear nº 20 jan – mar/00 que “o preço da energia gerada por Angra 2, junto

com Angra 1, vai sair barato: R$ 46,00 por MWh.

Em relação a todas as outras assim chamadas

alternativas energéticas, as tarifas das centrais de

Angra serão competitivas. Conforme fixado pela

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),

as térmicas a gás natural poderão cobrar R$ 57,20

por MWh; as de carvão R$ 61,80; as eólicas, tão

do agrado dos ecologistas, R$ 100,90. Certamente

– e isto não é segredo –, as tarifas médias das

hidrelétricas já construídas e amortizadas são bem

mais baratas. Mas o objetivo de uma usina

nucleoelétrica num país como o Brasil, tão bem

servido de recursos hídricos, não é o de concorrer

com as hidrelétricas”.

...Quanto ao preço de Angra 2, tratado no segundo argumento, de acordo

com o Balanço Patrimonial da Eletronuclear com a Alemanha seria suficiente

para a construção de quatro usinas hidrelétricas do porte de Itaipu, capazes de

gerar quatro vezes mais energia elétrica. Nesse caso, o argumento é

irrespondível, uma vez que o próprio setor nuclear afirma que não tem

condições de concorrer com as hidrelétricas.

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Um terceiro argumento explica que as fontes hidrelétricas, no período

dos acordos, indicavam um potencial superior a 213 milhões de KW, além de

que o aumento anual do consumo era inferior ao anunciado, o que levaria ao

atendimento da demanda interna até aproximadamente o ano de 2030. Quanto

a isto, em entrevista recente à Revista Brasil Nuclear, nº 21 de abril – junho

2000, o Ministro Rodolpho Tourinho nos diz que:

“não existe propriamente um esgotamento dos

recursos hídricos nacionais. O que ocorreu foi a

falta de investimentos adequados no setor elétrico,

que provocou o uso excessivo de nossos

reservatórios. Esta situação será normalizada com

a entrada das 49 termelétricas do Programa

Prioritário. A geração hidrelétrica, não obstante,

continuará sendo a principal fonte de geração de

energia no país ainda por muito tempo.

As usinas hidrelétricas em operação atualmente

somam 60.000 MW de capacidade instalada,

enquanto o potencial a ser ainda explorado é de

200.000 MW. ... A respeito das questões

ambientais e sociais, as barragens existentes

mostraram-se positivas ao longo dos anos. ... O

que precisamos é estar atentos para que os novos

aproveitamentos hidrelétricos reduzam ao mínimo

necessário seu impacto em termos de áreas

inundadas e populações deslocadas. Felizmente, já

acumulamos uma grande experiência nesse

sentido”.

Este pensamento demonstra como a atual visão dos homens do governo

destoa das referidas reflexões da elite militar.

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Num quarto argumento, o questionamento ficava por conta do

combustível nuclear que deveria ser importado e que custaria anualmente

dezenas de milhões de dólares. Segundo a Revista Brasil Nuclear nº 16-Jan-

Mar/98, p-13, o processo do jato centrífugo foi descartado, a partir de 1980,

por ser muito caro e passou a se usar o processo de ultracentrífugas,

visivelmente mais barato. Também nesse aspecto não foram descartados os

estudos do laser para tal empreendimento. Hoje, o Brasil enriquece urânio em

suas próprias instalações, a um preço bem mais acessível.

Um quinto argumento, aliás muitíssimo comentado, é de que a execução

do acordo era comandada de fora e que os critérios utilizados não levavam em

consideração os interesses brasileiros. Além do mais, havia a alegação de que

estando em permanente mutação a energia nuclear, os reatores estariam muito

em breve totalmente ultrapassados e obsoletos. Nesse aspecto, a revista Brasil-

Nuclear nº 21-Abril-Junho/00 nos diz que:

“Com a entrada em operação de Angra 2,

virtualmente cumpre-se a essência do Acordo

Brasil-Alemanha, cujo objetivo era o de romper a

nossa dependência no emprego da energia nuclear

para fins energéticos pacíficos. Embora o seu

grandioso plano de dotar o Brasil com até oito

usinas tenha sido abandonado, o escopo maior do

Acordo, quanto ao domínio da tecnologia, está

incontestavelmente realizado e consagrado. Nosso

país domina totalmente o ciclo do combustível, tem

elevada competência para construir usinas, grande

capacidade para fornecer os equipamentos básicos

e, até como resultado dos problemas que fomos

forçados a enfrentar em Angra 1 e dos

ocasionados pelos atrasos em Angra 2, sabe, como

poucos, corrigir erros dos projetos dos outros,

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consertar instalações defeituosas e manter em

excelente estado equipamentos que precisam ser

guardados por muitos anos, até que obstáculos

políticos sejam vencidos e as obras de uma usina

possam ser concluídas. Sem falar que, se há males

que vêm para bem, 17 anos de atraso acabaram

possibilitando aos técnicos brasileiros estudarem

as causas e conseqüências dos desastres de Three

Miles Island e Chernobil, deles extraindo ricos

conhecimentos, muito bem aplicados na segurança

de Angra 2”.

Ainda nessa mesma revista, na p. 10 podemos ler o seguinte:

“A modernização também se estendeu a Angra 2,

que acabou tirando algum benefício do atraso da

obra. Nesses 17 anos, todas as alterações e

modernizações realizadas pela Siemens – empresa

fornecedora da tecnologia – em suas usinas foram

incorporadas ao projeto brasileiro. E o sistema de

instrumentação – equipamentos e sensores que

controlam o processo de geração de energia – é de

última geração, tendo sido importado na fase final

de construção da usina”.

E segundo informações da pág. 12, a construção civil da usina Angra 2

nunca parou, apenas foi executada em ritmo mais lento. Dos desafios impostos

aos construtores, um dos mais importantes foi preservar, por um longo período,

os equipamentos adquiridos, assim como os componentes. Cada equipamento

era hermeticamente fechado por uma capa de alumínio com costura eletrônica

e ali eram colocados absorventes de umidade. A cada dois anos tudo era aberto

e revisto com total meticulosidade e se algo de anormal existisse, o

equipamento era recuperado antes que fosse novamente embalado. Isso fez

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com que os equipamentos chegassem à fase de montagem em ótimas

condições. É claro que tudo isso teve seu preço e de acordo com a Revista

Trinta Anos em Cena, p.63, “o custo aos cofres públicos foi de 40 milhões de dólares

ao ano”.

Como último argumento, foi dito que os critérios utilizados na escolha

de Itaorna para instalação das usinas de Angra 1, 2 e 3 são fundamentados em

dados de geologia, sismologia e hidrologia insuficientes e precários e que

também o sistema de concretagem utilizado nas obras de Angra 1 deixou muito

a desejar. Entretanto, na Revista intitulada ANGRA: um compromisso

ambiental, lançada pela ELETRONUCLEAR, podemos resumidamente ler nas

páginas 9 e 19 os seguintes comentários: os estudos preliminares para a

instalação das usinas nucleares levaram em conta a demografia do local, as

condições meteorológicas, a abundância da água do mar para refrigeração dos

condensadores de vapor, além da remotíssima possibilidade de ocorrência de

terremotos, maremotos e outras catástrofes da natureza. Os resultados foram

submetidos a CNEN, visando a aprovação do local e também obtenção da

licença de construção. Segundo ainda a própria ELETRONUCLEAR, desde

1979, é feito um acompanhamento sísmico da região e que Angra 1 e 2 foram

construídas considerando-se entre outras hipóteses, aquelas que se referem aos

terremotos. Foram ainda revisados todos os levantamentos feitos tanto para a

construção de Angra 1 como Angra 2, utilizando os recursos sísmicos mais

atuais possíveis. Já, com as fundações de Angra 2, o projeto foi encarecido

porque a CNEN exigiu que fosse feito um reforço do estacamento.

Necessário se faz deixar aqui a citação de alguns temas Alvo de

Contestação (documento enviado ao Presidente da República em 18/09/79 em

caráter secreto e urgente).23 Citaremos as perguntas de acordo com a

enumeração do próprio documento. 23-CPDOC - Arquivo [PNB 1975.01.09 – XIII – 16 A]

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1-Há realmente, necessidade do Brasil ingressar na era nuclear? (MME)

5-O Brasil possui reservas de urânio, suficientes para abastecer 8 usinas

nucleares e ainda exportar o referido material para a Alemanha? (Nucl.)

8-Por que determinados documentos do Acordo Nuclear Brasil – Alemanha,

não foram dados ao conhecimento público? (MME)

13-O Acordo Nuclear Brasil – Alemanha Federal é prejudicial aos interesses

nacionais? (MME)

15-É verdade que o Congresso Nacional votou o Acordo Nuclear

desconhecendo os dados fundamentais do mesmo? (MME)

29-Em que se baseou o órgão do governo para afirmar que a nossa produção de

eletricidade na opção hidrelétrica, aproxima-se dos limites econômicos

naturais? (Eletri...)

33-A Usina Angra 1 estava prevista para funcionar em 1978. Qual o motivo e

razões para o não cumprimento do cronograma estabelecido? Qual o prejuízo

financeiro para o país em razão deste atraso? (FURNAS)

37-Quando se sabe que a tecnologia para utilização da energia nuclear envolve

problemas de alto interesse nacional, como entender o poder gerencial da

empresa brasileira, responsável pela execução do programa, estar nas mãos de

estrangeiros? (NUCL;)

41-O Brasil se empenha nesse plano mais para afirmar sua soberania de que

pela necessidade de produção de energia? (MME)

50-Uma renegociação do Acordo seria importante para o país? (MME)

Esses questionamentos, além de muitos outros aqui não referidos, apontam

para uma insegurança de variados órgãos públicos competentes em relação ao

processo de instalação da energia nuclear no Brasil.

Embora tenhamos procurado com insistência alguma manifestação da

Presidência da República aos tópicos destacados, não a encontramos.

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Ainda aqui caberia nos reportarmos a um telegrama secreto – só para o

Senhor Ministro (urgente confidencial) que resumidamente nos diz o seguinte: “Soube, por outro lado, que o Itamaraty estaria

pensando em submeter o acordo sobre

salvaguardas ao Congresso. A redação negociada

com a República Federal da Alemanha prevê

apenas troca de notas para a entrada em vigor,

pois o entendimento é o de que o acordo não trata

de matéria legislativa e está sendo assinado no

quadro de Acordo Geral de Cooperação

Científicas e Tecnológica de 1969, já aprovado

pelo Congresso Brasileiro.

O envio ao Congresso para aprovação

significaria demora de alguns meses capaz de

afetar o início da cooperação no plano industrial e

a própria negociação das salvaguardas com a

AIEA. Na República Federal da Alemanha, o

acordo é considerado executivo e não será

submetido a ratificação do parlamento”.24

Ainda no arquivo de Paulo Nogueira Batista, ex presidente de

NUCLEBRÁS (Empresas Nucleares Brasileiras S. A.), foi encontrado o

seguinte artigo: A Nuclebrás também altera os dados? Duas versões de uma

conferência feita na ESG.

Versão 1 – Paulo Nogueira Batista levou para a ESG.

Versão 2 – Foi corrigida para ser distribuída por fora.25

24-CPDOC -Arquivo PNB – [1975.01.09 – III-24]

25-CPDOC -Arquivo PNB – [1977.09.01 – pn/d – Pasta III – 7A1]

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O OUTRO LADO DA INTERNACIONALIZAÇÃO

Segundo Hugo Abreu, Chefe do Gabinete Militar no Governo Geis el, “o

autoritarismo de Geisel, sua posição pessoal de isolamento, seu completo envolvimento pelo

grupo palaciano, permitiu a criação de um monstro que hoje constitui séria ameaça ao

futuro do país: a oligarquia dominante”.26

Contra essa oligarquia se levantou em primeiro lugar a comunidade

científica que se viu alijada dos acordos nucleares que o Brasil tinha realizado

e, também, porque não encontraram espaço para o pleno exercício de suas

profissões. O que se propunha era saber, até que ponto, esta luta de cientistas se

ligaria aos interesses mais profundos do povo brasileiro, isto é, de que maneira

a luta contra o imperialismo norte americano e a luta por uma tecnologia

nacional teriam como objetivo uma democracia brasileira.

Citando Luiz Pinguelli Rosa:

“Deve-se lembrar que o imperialismo tem sempre

apoio interno. Em situações extremas de grande

prosperidade ou de séria ameaça ao capital, esse

apoio chega a abranger praticamente toda a classe

dominante, cujos interesses não são sempre

antagônicos aos do imperialismo, pelo menos em

confronto com os do povo.

No Brasil, em 1964 as contradições de

interesses de classe se revelaram muito acima das

coincidências de interesses nacionais, pelo menos

das classes dominantes, que romperam o pacto

nacionalista e se aliaram aos piores

representantes do imperialismo para afastar o

povo do cenário político. A partir daí consolidou-

26-Hugo ABREU. O outro lado do poder. p.204

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se uma política de máxima abertura da economia

aos interesses do capital internacional, com o qual

associou o capital nacional, com ampla

participação do Estado através de suas

empresas”.27

O que mais preocupou o país naquele momento é que o grupo

oligárquico parecia não ter uma posição ideológica definida, isto é, se

posicionava de acordo com os interesses e com isto, esse grupo conseguiu

instalar-se no poder, literalmente ocupando-o e mantendo na mão as posições

chaves. Mas ainda existia um sério obstáculo; não aceitava deixar as rédeas da

nação e muitos que se haviam perenizado no poder, acusavam

receptividade em relação às transformações que estavam ocorrendo e outros

consideravam praticamente o Estado como propriedade privada.

Cabe deixar aqui a citação do Senador Saturnino Braga: “Existe por parte da comunidade de negócios, e

por parte do centro de poder da economia

ocidental uma oferta, um oferecimento ao Brasil –

assim como a outros países – que tenham um

mínimo de infra-estrutura econômica capaz de dar

multiplicação aos investimentos – para ingressar

como novo sócio desse centro de poder. Em

compensação o Brasil teria que adotar, como já

vem adotando, todos os padrões culturais, todos

os padrões de consumo desses países e

significaria alijar... pelo menos metade dos

brasileiros desse pacto.

Isso só trará benefícios no máximo para

50% da população. Aos restantes sobrarão

migalhas. Acho que isso está sendo transacionado.

27-Encontros com a civilização brasileira. v.16. p.71-2

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E acho que a contrapartida para os

descontentes seria a abertura política dosada e

dosada em um tempo tal que desse possibilidade

de consolidação dessa transação...Nós mesmos,

senadores da oposição, participamos de uma

reunião em que fomos convidados a aceitar essa

nova regra, ganhando em contrapartida a

abertura, ou seja, a liberdade, a democracia”.28

Com isso, o Brasil se integrou totalmente no novo mundo capitalista,

mas sempre permaneceu na periferia, sendo “obrigado” muitas vezes a ceder a

pressões internacionais. A partir daí é que, através da ideologia da ESG, nasceu

a megalomania de fazer do Brasil um país grande, sem levar em consideração

se havia necessidade de projetos como o das usinas nucleares, dentre outros e

se haveria sacrifício inútil desse já tão sofrido povo, devendo-se observar que a

essa altura a inflação se fazia cada vez mais agressiva, sem ser acompanhada

pelos salários, o desemprego grassava, a instrução e a saúde não se constituíam

em objetivos prioritários da elite governista.

28-Encontros com a Civilização Brasileira , v.16. p.72-3.

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CAPÍTULO TERCEIRO

A IMPLANTAÇÃO DAS USINAS ANGRA 1 E ANGRA 2

“Se o Brasil quer ser uma nação moderna, sem o problema da fome e sem uma série

de outras mazelas de que sofremos, tem que se desenvolver... Mas a nação não se

desenvolve espontaneamente. É preciso haver alguém que a oriente e a impulsione, e esse

papel cabe ao governo.”1

Ernesto Geisel

Desenvolvimento e Segurança

Conforme foi dito no capítulo I, os artifícios do Golpe de Estado de 1964

careciam de aceitação e respaldo por parte da sociedade brasileira e para dispor

desses elementos legitimadores, os militares procuraram desenvolver uma

política interna moralizadora e uma política externa de autonomia responsável.

A aquisição do domínio da energia nuclear foi vista como um fator de

importância maior dessa estratégia.

Além disso, a ESG via, na energia nuclear, um fator de destaque para o

binômio Segurança Nacional e Desenvolvimento.

1-Maria Celina D’ARAÚJO, Celso CASTRO. Ernesto Geisel. p.286

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Tendo em vista tudo isso, os governantes de 64 passaram a considerar

com atenção crescente os elementos relativos à energia nuclear de que a nação

já dispunha.

Tudo começa em 1952, quando foi fabricado o primeiro reator comercial

do planeta, e foram se sucedendo novas usinas, acumulando-se experiência

equivalente a centenas de anos de funcionamento de um reator.

A primeira idéia para a construção de uma usina nuclear no Brasil surgiu

em 1956, quando o Grupo AMFORP (American and Foreign Power), que

controlava as diversas empresas brasileiras de eletricidade, posteriormente

nacionalizadas, resolveu instalar uma usina de pequeno porte, perto de Cabo

Frio em 10 Megawatts mas, devido ao alto custo, o projeto foi abandonado.

Em 10 de outubro de 1956, com a criação da Comissão Nacional de

Energia Nuclear (CNEN), o Governo Brasileiro cogitou de uma usina com

150/200 Megawatts, a ser instalada nas margens do Rio Mambucaba, no

Estado do Rio de Janeiro. No entanto, o projeto foi abandonado por falta de

condições, que eram pouco favoráveis no local e, também, devido à conjuntura

econômica do país.

Logo após a criação da CNEN, cogitou-se a instalação de usinas de

maior porte, cerca de 300 Megawatts, mas ainda em nada resultou, porque esta

tentativa não estava diretamente vinculada aos planos do setor energético

nacional. Tem-se ainda que levar em conta que nesses projetos, com exceção

do primeiro, a construção e a operação dessas usinas ficaria fora da alçada das

empresas de energia elétrica, a quem caberia apenas adquirir a energia

produzida para distribuição, mas sem qualquer participação em seu

planejamento ou execução.

Em 1967, foi organizado um Grupo de Trabalho Especial com

representantes da Companhia Siderúrgica Nacional, do Ministério das Minas e

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Energia, da CNEN e a ELETROBRÁS, para examinar a possibilidade de

utilização de energia nuclear na Região Sudeste e para propor um mecanismo

de cooperação entre a CNEN e a ELETROBRÁS no campo da geração de

eletricidade a partir da energia nuclear. Este grupo recomendou a instalação de

uma usina nuclear com uma capacidade da ordem de 500 Megawatts, para

entrar em funcionamento no final dos anos setenta, pois além de contribuir para

atender à demanda regional de energia elétrica, permitiria ao Brasil adquirir

experiência com esta nova tecnologia e abriria caminho para a construção de

novas usinas nucleares.2 Nas entrelinhas do discurso proposto pelo Governo

fica-nos sempre uma interrogação no sentido de entender se todos os

segmentos da sociedade partilhavam desses mesmos ideais.

Cabe aqui o pensamento de Joseph Wood Krutch... “Mas se os acontecimentos marcharem bem, falem

como se tivessem decidido as coisas. Pois então os

homens tiveram escolhas morais e o poder de fazê-

las, sendo, decerto, responsáveis.

Mas se as coisas marcharem mal, digam que não

tiveram a verdadeira escolha, e portanto não são

responsáveis: eles, os outros, tiveram essa escolha

e são responsáveis...”3

Apesar das aparências e das intenções que o Brasil perseguia em favor

de uma idéia de autonomia, o que mais vamos observar é somente uma outra

roupagem de dependência, destacadamente no setor tecnológico.

Em 1968, um relatório de um grupo de técnicos nucleares nomeados pela

Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), recomendou a instalação

de uma primeira usina nuclear no Brasil de aproximadamente 500 Megawatts,

2-CPDOC - Arquivo PNB – [1968.06.15 pn/a]

3- Wright C. MILLS A elite do poder. p.36

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indicando que poderiam ser usados qualquer um dos tipos comerciais de

reatores, o BWR4, o PWR5, o SGHWR6 e o HTGR7. Com base nesse

relatório o Governo brasileiro, no início de 1969, decidiu construir sua

primeira usina nuclear fundando, já em 1º de janeiro desse mesmo ano, o

Departamento de Engenharia Nuclear (DENT). Grupos de estudos foram

enviados aos Estados Unidos, Canadá e Europa para observar os recentes

progressos no campo da energia nuclear e colher informações a respeito do

melhor tipo de reator a ser usado no Brasil. O que se propunha, nesse caso, era

a formação de um saber disciplinado, organizado, estratégico, o que vem ao

encontro com a idéia de Mills quando escreve que: “À medida que o círculo dos que decidem se estreita, os meios de decisão se centralizam e

as conseqüências das decisões se tornam enormes, então o curso dos grandes

acontecimentos freqüentemente depende das decisões de determinados círculos”.8

Continuando a proposta do grupo, foi escolhido o local, a Praia de

Itaorna em Angra dos Reis, em razão da necessidade de água abundante para

refrigeração do condensador de vapor, facilidades de transporte e montagem de

peças pesadas, devido ao litoral marítimo. Além disso, o município de Angra

dos Reis está a uma distância equilibrada dos principais centros sócio –

econômicos do País (130 km do Rio de Janeiro, 220 km de São Paulo e 350 km

de Belo Horizonte) e essa proximidade dos centros de consumo evitaria a

instalação de dispendiosos sistemas de linhas de transmissão, que onerariam o 4-BWR – Reator Nuclear a água leve em que a água não é pressurizada, e, portanto, ferve ao ser aquecida no

núcleo do reator. A principal característica do reator a água fervente é não dispor de trocador de calor.

5-PWR – Reator Nuclear a água leve em que a água é mantida sob pressão, e portanto se conserva líquida,

mesmo ao ser aquecida no núcleo do reator.

6-SGHWR – Reator Gerador de vapor a água pesada, um tipo de reator que utiliza urânio enriquecido como

combustível, água pesada como moderador e água leve como refrigerante.

7-HTGR – Reator Térmico refrigerado a gás, com um pequeno núcleo, mas de alta densidade de potência.

Transforma material fértil (como tório) em material físsil.

8-Wright C. MILLS A elite do poder . p.34

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custo da energia produzida. Também de acordo com documentos oficiais, a

região era praticamente despovoada, a população reduzida que ali habitava

situava-se a aproximadamente 10 km do local da usina e as principais

atividades dos poucos habitantes da região eram a pesca e a cultura de banana,

geralmente em pequena escala, de modo que a transferência dessas pessoas

para zonas vizinhas não apresentou nenhum problema de difícil execução.9 A

justificativa para a escolha do local não convenceu a opinião pública ilustrada

do país. A escolha, se não atendeu diretamente a interesses escusos, propôs

basicamente uma situação de controle do espaço físico e das classes

dominadas.

Após demorado exame de diversos tipos de reatores em operação e da

experiência de inúmeros fabricantes de instalações dessa natureza, bem como

de inspeções às suas fábricas e às usinas por eles fabricadas, foram convidados

a apresentar proposta, tanto para o equipamento nuclear como para o

equipamento convencional, os seguintes fabricantes, com a respectiva linha de

reatores:

Fabricante País Tipo de Reator (*)

ASEA - ATOM Suécia Água leve fervente (BWR)

THE NUCLEAR POWER

GROUP

Inglaterra Água leve fervente e moderado

a água pesada (SGHWR)

COMBUSTION ENG. E.E.U.U. Água leve pressurizada (PWR)

GENERAL ELETRIC E.E.U.U. Água leve fervente (BWR)

WESTINGHOUSE E.E.U.U. Água leve pressurizada (PWR)

KRAFTWERK UNION

(Consórcio Siemens –

AEG)

Alemanha Água leve pressurizada (PWR)

e água leve fervente (BWR)

9-FURNAS. Informativo ,1981.

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(*)BWR – Boiling Water Reactor

PWR – Pressurized Water Reactor

SGHWR – Steam Generating Heavy Water Reactor10

Os convites foram expedidos em junho de 1970, e fixado o prazo final

de janeiro de 1971 para a apresentação das propostas.

Os fabricantes não executavam o projeto nem a montagem dos

equipamentos necessariamente com equipes próprias, preferindo muitas vezes,

subcontratar esses serviços com terceiros, sob sua responsabilidade, tendo-se

previsto, assim, que os proponentes se associassem, para esse fim, a firmas

especializadas. Visando assegurar à indústria e à engenharia nacional o

máximo de participação nesse empreendimento, compatível com a natureza

dos equipamentos, materiais e serviços a serem fornecidos, os contratantes

estrangeiros foram incentivados a dividir com esta, na medida do possível, a

fabricação de componentes, bem como a dar participação, nos serviços dessa

natureza, a firmas de montagem e engenharia nacionais, já que o objetivo era a

atualização constante dessas empresas na elaboração de projetos de usinas

nucleares, através de intenso intercâmbio tecnológico.

Assim, todas as propostas continham maior ou menor participação

nacional, tanto no que diz respeito à fabricação de equipamentos, como na

parte de engenharia e montagem, fatores esses que, conforme havia sido

estabelecido nas cartas – convite, foram devidamente levados em consideração

na avaliação das mesmas.

As propostas foram apresentadas a 26 de janeiro de 1971, tendo

comparecido 5 dos 7 fabricantes pré – selecionados, a saber:11

10-Renato de BIASI. A energia nuclear no Brasil. p.56

11-Idem, p.58

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Fabricante País Tipo de Reator

GENERAL ELETRIC E.E.U.U. Água leve fervente (BWR)

KRAFTWERK UNION

(AEG)

ALEMANHA

FEDERAL

Água leve fervente (BWR)

KRAFTWERK UNION

(SIEMENS)

ALEMANHA

FEDERAL

Água leve pressurizada

(PWR)

THE NUCLEAR

POWER GROUP

INGLATERRA Água leve fervente

moderado a água pesada

(SGHWR)

WESTINGHOUSE E.E.U.U. Água leve pressurizada

(PWR)

A complexidade do assunto, tendo em vista tratar-se de fornecimento de

uma usina completa, abrangendo a parte convencional, além de propostas de

financiamento, exigiu uma análise demorada das mesmas, que durou vários

meses.

Finalmente, em 18 de maio de 1971, o relatório conclusivo foi levado ao

Ministro das Minas e Energia, Eng. Antônio Dias Leite Júnior, por uma

delegação conjunta de FURNAS, ELETROBRÁS e CNEN, recomendando a

aceitação da proposta da Westinghouse Eletric Corporation, dos Estados

Unidos, associada para fins de montagem, à Empresa Brasileira de Engenharia

(EBE), representada por Celso Coelho de Souza como presidente da empresa e

Humberto Almeida, diretor técnico da mesma e, para fins de engenharia e

projeto, às firmas Gibbs & Hill, Inc., de Nova York, e a Promon Engenharia

S.A. do Brasil, sendo ainda contratada, para as obras civis, a Construtora

Norberto Odebrecht e, para fornecer o envoltório de contenção de aço, a

Chicago Bridge.

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A proposta da Westinghouse era a que, aparentemente, melhor

contemplava a participação da indústria nacional no fornecimento de

componentes da usina, isto é, abrangia o fornecimento do equipamento, a

fabricação do combustível, a supervisão técnica dos ensaios e partida da usina,

assistência para treinamento do pessoal destinado à operação, bem como

propostas de financiamento para os materiais e serviços a serem fornecidos.

Aprovado o mencionado relatório, procedeu-se às negociações do

contrato de fornecimento que, por conveniência comercial, foi subdividido em

dois: um relativo ao fornecimento e outro contemplando a fabricação do

combustível.

“Então, em 7 de abril de 1972, houve a

assinatura com a Westinghouse Eletric

Corporation. O custo foi avaliado entre 235 a 250

milhões de dólares, dos quais 138 milhões

financiados em 21 anos pelo Banco de Exportação

e Importação dos Estados Unidos (Eximbank) e

107 milhões de dólares cobertos pelo Governo

Brasileiro. Com as despesas de compra de

terrenos, as obras da vila residencial e outros ônus

a cargo da Centrais Elétricas de Furnas, o custo

final se elevaria a 300 milhões de dólares”.12

Em Brasília, sob a presidência do Ministro das Minas e Energia, na

presença do Ministro Interino do Exterior, de representantes do Congresso

Nacional, além de dirigentes da CNEN, ELETROBRÁS, FURNAS e do Grupo

Westinghouse e associados, foram assinados os dois contratos, sendo

signatários, por FURNAS, os senhores John R. Cotrim e Flávio H. Lyra,

12-Hilário TORLONI. Estudo de problemas brasileiros.p.306

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respectivamente presidente e vice – presidente de FURNAS, Robert A. Baker,

vice – presidente da Westinhouse Eletric Corporation e Celso Coelho de Souza

e Humberto de Almeida, respectivamente Presidente e Diretor Técnico pela

Empresa Brasileira de Engenharia S.A.

Para explicitar nosso esforço de interpretação utilizamos o pensamento

de Bourdieu quando escreve “a classe dominante, em cujo poder assenta o capital

econômico têm em vista impor a legitimidade da sua dominação quer por meio da própria

produção simbólica, quer por intermédio dos ideólogos conservadores os quais só

verdadeiramente servem aos interesses dos dominantes”.13

Em síntese, pelos referidos contratos, ficou da responsabilidade de

Westinghouse e suas associadas o seguinte:

a)fornecimento do sistema nuclear de geração de vapor, turbo – gerador,

equipamentos de subestação e fabricação de combustível nuclear (inclusive

fornecimento de urânio e seu enriquecimento);

b)engenharia do projeto;

c)assistência técnica para ensaios e partida da usina;

d)montagem de todo o equipamento fornecido;

e)treinamento para o pessoal de FURNAS ligado à operação da usina,

(realização de estágios em Nova York, na firma Gibbs & Hill, versando sobre

usinas do tipo água leve pressurizada e o programa nuclear brasileiro para

atualização da tecnologia nacional);

f)preparação dos relatórios preliminares e final de análise de segurança da

usina (RPAS e RFAS).

Não estavam incluídos, no escopo de fornecimento, os seguintes itens:

a)urânio natural e seu enriquecimento, que, por motivos econômicos –

comerciais, foi decidido adquirir separadamente.

b)envoltório de aço de contenção do reator; 13-Pierre BOURDIEU. O poder simbólico . p.12

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c)obras civis, incluindo rebaixamento do lençol d’água, escavações, fundações,

estruturas, prédios e tomada d’água.

A construção de Angra 1 foi iniciada em 1972 e a primeira reação

nuclear em cadeia foi estabelecida em março de 1982.

De acordo com os dados do arquivo PNB, as pressões do governo

americano existiram. Cabe recordar que se estava no contexto da guerra fria e o

Estado hegemônico norte americano pretendia controlar, eficientemente, o

processo de expansão de utilização da energia nuclear. Além disso, para o

Governo Brasileiro impunha-se também a necessidade de marcar presença na

América Latina frente ao crescimento nuclear argentino. 14

Tudo isso se referia a Angra 1, mas o projeto nuclear brasileiro não

podia se contentar com uma única usina nuclear construída nos moldes aqui

referidos.

Entretanto, segundo Paulo Nogueira Batista, em uma carta dirigida ao

então Ministro Shigeaki Ueki de acordo com documento anexo, que aqui se

encontra resumido, ocorreu o seguinte:

Quando, em 1967, o Brasil resolveu entrar na era nuclear comprando o

que se convencionou chamar de caixa preta da Westinghouse, não houve

protestos da comunidade científica, nem da imprensa, que, pelo contrário,

saudou com manchetes entusiasmadas esse ingresso na era nuclear. No entanto,

no momento em que o Brasil assinou o contrato com a Alemanha, esta mesma

imprensa ficou solenemente contra, com tremendo empenho e usando

estranhos argumentos. Em sua reflexão, Paulo Nogueira argumenta ainda que,

em 1967, o barril de petróleo custava em torno de 1 dólar, e em 1975 custava

23,5 dólares, tendendo a encarecer. A capacidade das usinas hidrelétricas

naquele período era muito maior que a de 1975 e por que não houve gritaria

14-CPDOC - Arquivos PNB [1977.09.01. pn/d Anexo III] e [1955.08.03 pn/a Pasta III]

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quando se comprou a “caixa preta” da Westinghouse? Também as garantias de

segurança dos reatores eram muito menores que as de 1975. O problema do

lixo atômico já existia. Segundo ele, o princípio que orientou a busca de um

acordo nuclear, primeiro com a Westinghouse e depois com a Alemanha, foi o

de tornar o Brasil, a médio prazo, dono de sua tecnologia nuclear. Explica

ainda que, em 1975, entre outros argumentos científicos, os adversários da

tecnologia alemã defendiam outras tecnologias internacionais ou o mesmo,

embora a eficiência desta última até a época não tivesse sido comprovada. De

repente, os cientistas brasileiros fizeram um pacto contra a energia nuclear. E

ainda numa nota de rodapé, Paulo Nogueira frisa que toda a engenharia de

Angra 1, foi feita nos Estados Unidos, sem nenhuma participação dos

engenheiros e cientistas brasileiros, como acontecia com todos os países que

compraram reatores daquele fornecedor.15

Angra 2

A ascensão do General Ernesto Geisel à Presidência da República

embora continuasse com o modelo de domínio militar inspirado nos

ensinamentos da ESG, sofreu influência bastante acentuada de Golbery do

Couto e Silva. O binômio Segurança e Desenvolvimento, foi alterado para

Desenvolvimento e Segurança conforme declarou o novo Presidente em seu

discurso de posse, que incluímos em anexo.

Ao mesmo tempo, críticas à subservivência norte – americana, que já

15-CPDOC-Arquivo PNB [1977.09.01 pn/d Pasta III – III – 4]

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se faziam sentir na opinião pública, embora camufladas, juntamente com uma

provável influência das idéias de Charles de Gaulle, bastante conhecido de

Golbery, provocaram a busca de um novo parceiro para o prosseguimento do

programa nuclear, encabeçado por uma elite militar.

Os países árabes, através da OPEP, aumentaram brutalmente o preço do

petróleo cru, impondo aos países consumidores, sem aviso prévio, uma

violenta sangria em suas economias. O Brasil se encontrava, então, de acordo

com a propaganda oficial e com a divulgação de uma imprensa controlada pelo

governo, num estado de euforia de desenvolvimento, com o Produto Nacional

Bruto aumentando a taxas elevadíssimas, com a inflação quase controlada e

perspectivas promissoras para a segunda metade da década de 70. Era o

chamado milagre brasileiro . De repente, o panorama todo mudou e o Brasil,

que o Presidente Geisel começou a governar em 1974, não era o mesmo que o

Presidente Médici dirigira anteriormente. Com uma longa experiência no setor

de energia – fora presidente da Petrobrás durante muitos anos – o Presidente

Geisel estava familiarizado com a nova conjuntura do setor, apercebendo-se,

instantaneamente, da gravidade que o problema energético representava para o

futuro do país.

Mas, segundo as autoridades da época, as soluções não poderiam ser

encontradas num debate amplo e aberto do problema, até porque era ditadura,

pois as decisões por uma determinada política energética iriam chocar-se com

interesses de enorme peso, externos (pressões principalmente dos Estados

Unidos e Rússia), e internos (a Comunidade Científica, que ficara fora do

Acordo, os graves problemas sociais do país, os empresários insatisfeitos com

o governo, o aumento da inflação). Foi por isso que a solução envolveu debates

muito restritos, unicamente na cúpula do Governo Federal, entre os que iriam,

certamente, apenas prestar-lhe informações, aparentemente honestas, e

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patrióticas, sem quaisquer conotações partidárias ou apaixonadas. E foi assim

que, no decorrer inteiro de 1974, procurou o Presidente Geisel uma saída para a

crise energética, que já estava abalando todo o mundo ocidental.

Percebeu-se que o que estava ocorrendo com Angra 1 não oferecia

perspectivas suficientes para enfrentar as conseqüências dessa crise mundial do

petróleo dentro do Brasil.

A meta do Governo era passar da dependência absoluta à independência

relativa e o segredo oficial em torno dos projetos nucleares serviria para

protegê-los de pressões internas também. Percebe-se, na própria corporação

militar, um certo distanciamento da questão nuclear como se pode demonstrar

pelas matérias publicadas na Revista Militar Brasileira. Também os discursos

de Geisel, dirigidos à nação, trazem referências pífias sobre o assunto. Ainda

afirmam as autoridades que a tecnologia nuclear seria transferida como foi a da

indústria de veículos, mas os críticos afirmavam que era preciso antes de tudo,

discutir o próprio sentido da estratégia nuclear e achavam que, até 1974, o

Brasil ainda não havia desenvolvido uma política nuclear coerente, capaz de

prever, a longo prazo, o que realmente iria acontecer.

Esse acúmulo de críticas leva o governo a criar, em 1977, um Livro

Branco cujo título é Programa Nuclear do Brasil, com o propósito de

defender o modelo de implantação da energia nuclear no país. Este dado se

encontra no discurso de Geisel, que colocamos em anexo, embora seja

conveniente destacar que o original do referido Livro Branco se encontra na

Biblioteca da ESG.

No período, os cientistas achavam que os projetos oficiais dificilmente

dariam certo, pois não forneceriam ao País a autonomia desejada, além de

apresentar custos excessivos e sugeriam outras alternativas, que sequer foram

consideradas.

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Ainda havia dúvidas sobre a exeqüibilidade do processo de

enriquecimento de urânio por jato de centrifugação, que apresentava inúmeras

dificuldades técnicas, porque esse método ainda não tinha atingido o estágio

industrial, mas no momento era o único comercialmente disponível16. No

entanto, a partir de 1980, devido à consideração dos custos de produção, esse

processo foi comercialmente descartado e, em seu lugar, ficou a tecnologia de

ultracentrífugas, praticamente construídas no Brasil, com tecnologia nacional,

a partir do final de 198217.

Diante do quadro apresentado, lembramos aqui o conceito de Bottomore

que diz: “a classe dominante definida como aquela que é a

dona dos principais instrumentos de produção

econômica em uma sociedade, é apresentada como

um grupo social coeso. Primeiro por seus

membros possuírem interesses econômicos comuns

definidos, e, mais importante, por estar essa classe

permanentemente empenhada em um conflito com

outras classes através do qual sua consciência de

si e sua solidariedade aumentam

continuamente”.18

O problema energético surgido em 1974 comportava soluções a curto,

médio e longo prazos. A curto prazo, era urgente diminuir o consumo de

gasolina, restringir de qualquer maneira a utilização de derivados de petróleo.

Diante dessa situação o Presidente Geisel lançou a campanha de racionalização

do uso de gasolina, criando também óbices para o uso de diesel e óleo

lubrificante. A médio prazo, fez a, julgada por muitos, corajosa tentativa de

16-CPDOC – Arquivo PNB [1968.06.15 pn/a]

17-BRASIL NUCLEAR. Jan – Mar/1998. Ano 5, n. 16

18-Tom B. BOTTOMORE. As elites e a sociedade. p.35

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abrir a prospecção de petróleo às empresas estrangeiras com os chamados

contratos de risco, até hoje ainda sem qualquer resultado. E a longo prazo? Um

estudo feito pelos técnicos da área indicava um esgotamento progressivo das

reservas hídricas para fins de geração de energia elétrica até o ano de 1990,

mantido o atual ritmo de aumento de consumo. Itaipu seria a última barragem

de vulto ainda disponível. Energia elétrica significa progresso, aumento da

produção, desenvolvimento, atendimento a todas as faixas de consumo.

Chegaria um instante em que o Centro – Sul ficaria com déficit de energia,

gerando uma crise sem precedentes na História, pois foi constatado, que na

Região Sudeste, a demanda de energia elétrica cresceu na década de 80 a uma

média de 10% ao ano e na década de 90 em torno de 7,5% ao ano.

Conforme já afirmamos, havia a concepção de que o petróleo se

esgotaria em um curto prazo. Era hora, pois, de procurar as fontes alternativas

de energia. Mas para produzir energia elétrica, só existiam duas opções à vista,

para complementar as hidrelétricas quando estas não fornecessem mais a

quantidade suficiente de energia a um parque industrial sempre em ascensão: o

carvão e a energia nuclear.

A gênese do acordo Brasil – Alemanha

Conforme já foi dito neste capítulo, ao findar o ano de 1967, o Governo

brasileiro tinha tomado consciência de que era chegada a hora de se

aproveitarem as imensas possibilidades da energia nuclear. As Diretrizes da

Política Nacional de Energia Nuclear, estabelecidas em 23 de dezembro de

1967, para fins de execução a partir de 1º de janeiro de 1968, tinham sido

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comunicadas aos Ministérios e órgãos interessados. Por elas, A CNEN passava

à égide do Ministério de Minas e Energia, tomando seu caráter de órgão

executor da parte da política energética.

Dentre os diversos contatos internacionais, os empreendidos com a

República Federal da Ale manha, anteriores ao Governo Geisel, frutificaram,

vindo a concretizar-se como parte do Acordo Geral de Cooperação nos Setores

de Pesquisa Científica e do Desenvolvimento Tecnológico entre o Brasil e a

Alemanha, assinado em Bonn, a 9 de junho de 1969. A Comissão Nacional de

Energia Nuclear se fez representar, nesse ato, por seu presidente, Professor

Uriel da Costa Ribeiro.

Em 23 de abril de 1971, no âmbito desse Acordo Geral, a CNEN,

representada pelo seu, então, presidente, o Professor Hervásio Guimarães de

Carvalho (o primeiro engenheiro nuclear do mundo)19, firmou com o Centro de

Pesquisas Nucleares de Julisch Ltda. (KFA), o Convênio Especial sobre a

cooperação científico – tecnológica. Os campos de cooperação previstos no

convênio foram os seguintes: produção de energia nuclear, fornecimento de

matérias–primas usadas na técnica nuclear, combustíveis e ciclos de

combustível, produção e aplicação de radioisótopos, resolução de problemas de

formação de pessoal, segurança e proteção contra radiação, química nuclear,

física nuclear, análise de sistemas nucleares.

Estavam, assim, lançadas as bases da cooperação científico –

tecnológica que iriam permitir, mais à frente, a criação do esquema de

transferência de tecnologia necessário ao estabelecimento de uma indústria

nuclear completa no Brasil e, na esteira dessa transferência, vinham é claro,os

objetivos da Alemanha descritos posteriormente.

19- O ÁTOMO. Informativo da Eletronuclear, n. 9 – Mai/1999.

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As contradições dessa situação encontram eco no seguinte pensamento

de Bottomore “a classe política, portanto, compõe-se de muitos grupos que podem estar

empenhados em diversos níveis de cooperação, competição e conflito entre si”.20

Do ponto de vista da cooperação, era necessário que o Brasil tentasse

entrar em acordo com outros países, além dos Estados Unidos, e essa política

de cooperação estava relacionada com áreas muito importantes do país, visava

os pontos fracos e, principalmente, a área energética, e a Alemanha ofereceu ao

Brasil a oportunidade de vários acordos.

Em relação à idéia de conflito, os Estados Unidos tentaram impedir o

acordo teuto – brasileiro, alegando que o Brasil não havia assinado o Tratado

de Não – Proliferação Nuclear em 1968, pois, segundo as autoridades da época,

tal pacto era uma discriminação à soberania do país.

No que tange à competição, cabe observar que o Brasil não devia perder

de vista os progressos argentinos no campo da energia nuclear e nem descuidar

do constante incentivo para o melhoramento da tecnologia nacional e produção

de material fértil.

Foi esse panorama que o Governo Geisel encontrou, logo no início de

sua gestão. Não há dúvida de que o novo Presidente, egresso de uma área de

energia – a Petrobrás – tinha bastante capital político e social, além de

conhecimento do assunto. E, logo na primeira reunião ministerial, recomendou

a intensiva preparação do país para a era da energia nuclear, tanto na

prospecção de minerais físseis21, como pela absorção da tecnologia de alta

especialização, característica desse setor sofisticado.

Com a colaboração do Ministério das Relações Exteriores, o Ministério

das Minas e Energia iniciou, já no primeiro semestre de 1974, com países com

20-Tom B. BOTTOMORE. As elites e a sociedade.p.28

21- São nuclídeos capaz de sofrer fissão nuclear provocada por nêutrons térmicos. Exemplos: U-235, Pu -239.

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os quais o Brasil se relacionava harmoniosamente, detentores da melhor

tecnologia de reatores para fins de geração de energia elétrica, negociações

sobre um programa integrado de cooperação industrial e tecnológica, em todas

as etapas da indústria nuclear, e necessariamente, as do ciclo do combustível.

A estratégia, posta em prática pelo Ministério das Minas e Energia,

compreendeu duas grandes operações simultâneas. Por um lado, a

reorganização, em profundidade, da estrutura administrativa do setor nuclear

brasileiro; e, por outro lado, a identificação, no exterior, de parceria altamente

qualificada para a execução do programa nuclear integrado que se desejava.

A intenção era escolher um parceiro interessado em participar de um

programa abrangente. Nessa situação, não seria possível fazer uso do sistema

de concorrência internacional para fornecimento de equipamentos, já que tal

procedimento impossibilitaria padronizar o tipo de usina, significando,

também, um entrave ao poder de negociação do país e à implantação de um

mercado organizado com crescente participação da indústria brasileira.

Aqui cabe uma referência ao pensamento de Mills quando afirma que “a

base do poderio nacional está, hoje, nos domínios econômico, político e militar”.22

A escolha do parceiro

Escolhido o caminho a seguir, verificou-se a necessidade de intensificar-

se a procura definitiva do país que pudesse contemplar a segunda fase da

implantação do Programa Nuclear Brasileiro, pois não se dispunha de tempo e

de tecnologia própria para um desenvolvimento inteiramente autônomo; era

22- Wright. C MILLS. A elite do poder. p. 16 a 20

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vital encontrar, entre os países que adotavam a linha do urânio enriquecido,

(considerado o processo mais econômico), um associado disposto a transferir

informações tecnológicas necessárias para a gradual nacionalização do

projeto nuclear brasileiro.

Os Estados Unidos, a República Federal da Alemanha e a França eram

os países com os quais mantínhamos importantes programas de cooperação no

campo nuclear. Em razão do já ocorrido, na implantação de Angra 1, decidiu-

se entrar em contato com os dois últimos e, em junho de 1974, enviaram-se

notas às respectivas embaixadas, solicitando cooperação industrial para o

desenvolvimento e aplicação da tecnologia nuclear.

Embora a França, em princípio, representasse a possibilidade de uma

parceria menos criticável, porque era um membro permanente do Conselho de

Segurança da ONU e um dos vencedores da 2ª Guerra Mundial, enquanto a

Alemanha era altamente policiada nesse setor, a proposta francesa não atendia

inteiramente ao desejo brasileiro de um programa abrangente. Entretanto, a

Alemanha concordou prontamente em associar-se ao Brasil na esfera nuclear,

ficando adotada a opção vencedora, no final de 1974.

Destarte, o Brasil e a Alemanha chegaram a um entendimento julgado

na época, favorável a ambos os países. Neste ponto, se pergunta por que os

Estados Unidos nem puderam aparecer como opção para o Brasil na

implantação de Angra 2, embora fossem detentores de toda a tecnologia que se

desejava adquirir.

O imperialismo norte – americano desenvolvera recursos internos para

proteger o seu monopólio nesse campo. Por isso, ficava excluída a

possibilidade de transferir a tecnologia no modelo que o Brasil pretendia

implantar, a saber, comprar, com os reatores, todas as etapas do ciclo do

combustível, particularmente aquelas relacionadas ao enriquecimento do

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urânio e seu reprocessamento: a legislação norte-americana proibia

taxativamente esse gênero de transferência ou venda de tecnologia. E já se

tinha o exemplo de Angra 1, usina, para cuja implantação, o país ficara

totalmente dependente do predomínio ianque.

O que era exigido, em 1974-1975, é que fossem transferidos

conhecimentos a serem assimilados pelo Brasil com a ambição de, num estágio

seguinte, imediatamente, criar também, do mesmo modo que a Alemanha e a

Suécia fizeram – modificando, aperfeiçoando e tornando inteiramente nacional

a tecnologia nuclear norte – americana, algo que fosse próprio do Brasil, nesse

setor, sem pagamentos de patentes ou royalties. A ambição do Governo

brasileiro, portanto, era atingir uma tecnologia própria, um processo gradual,

com a criação de uma consciência profissional no setor nuclear.

Isto se respalda no que dizia H.D. Lasswell “a elite política compreende os

detentores do poder de um organismo político. Os detentores do poder incluem a liderança

e as formações sociais das quais surgem normalmente os líderes e às quais estes prestam

contas durante um determinado período”.23

No decorrer do segundo semestre de 1974, prosseguiram os

entendimentos com a Alemanha para aquele acordo. Houve reuniões em

Brasília, em julho e outubro de 1974, no Ministério das Minas e Energia. Uma

viagem reservada do Ministro Shigeaki Ueki à Alemanha, nesse período,

deixou praticamente concluídas as linhas – mestras de um programa integrado,

como o Brasil desejava.

Quanto ao interesse da Alemanha na assinatura do acordo é evidente que

seus objetivos tinham outras intenções, que podem ser assim resumidas:

23-Tom B. BOTTOMORE. As elites e a sociedade. p. 14

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a)Ampliação do seu mercado consumidor na América Latina, em decorrência

de uma situação de muitos interesses no Brasil;

b)Garantia de suprimentos de matérias – primas físseis e férteis para o seu

próprio Programa Nuclear;

c)Aumento do volume de negócios com o maior País sul – americano, com

grande soma de recursos naturais ainda por desenvolver e amplo território não

ocupado totalmente;

d)Estabelecimento, no Brasil, de uma indústria em grande desenvolvimento,

situada geograficamente na área de influência do seu maior competidor, com

um modelo econômico de mercado, sem restrições ou termos para ingresso de

capitais estrangeiros.

Além disso, um tratado do vulto do Acordo Brasil – Alemanha exigia

um financiamento muito grande. Dificilmente o Banco Mundial ou o Banco

Interamericano de Desenvolvimento, ou qualquer banco americano, iria por

questões políticas, financiá-lo. Mas a Alemanha obteve suporte financeiro para

essa transação.

Embora tenhamos colocado em anexo o documento sobre o Acordo

Brasil – Alemanha, datado de 08/02/77, enviado ao senhor Ministro Shigeaki

Ueki, por Paulo Nogueira Baptista, julgamos por bem integrar neste texto o

resumo do mesmo:

Algumas semanas antes de sua posse, o Presidente Carter manifesta sua

preocupação com o Acordo teuto – brasileiro.

O governo alemão não quis sustar o acordo, mas também não queria

ficar mal com os Estados Unidos, isto é, não queria assumir posição de

confronto.

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Os alemães tentaram desviar a discussão do Acordo teuto – brasileiro

para a questão geral da não – proliferação de armas nucleares, e se negaram a

admitir qualquer negociação com os americanos a respeito do referido acordo.

Foi encontrado, nos meios bancários e industriais germânicos, um claro

sentimento de que estava em jogo não só uma grande operação comercial, da

qual muito dependia a indústria nuclear alemã, mas a própria credibilidade do

país nos mercados internacionais em geral.

O governo holandês levantou objeções destacando não apenas o fato de

o Brasil não ser signatário do TPN (Tratado de Não – Proliferação de Armas

Nucleares), mas também a exportação pela RFA de tecnologia de

reprocessamento para o Brasil (contrato URENCO – NUCLEBRÁS). A

posição alemã é no sentido de pressionar a Holanda a tomar uma decisão

imediata sobre se participa ou não participa no fornecimento ao Brasil.

Em Bonn, há consciência de que o Acordo com o Brasil representava um

excelente conjunto de obrigações e vantagens, o que lhe dava a força e a

consistência da adequada conjugação de interesses mútuos. Havia também a

consciência de que o Acordo, para sobreviver, teria que ser mantido em sua

integralidade.

A Alemanha continuava a ter a intenção de defender o Acordo com o

Brasil. O mais difícil de avaliar era o grau de pressão extra – diplomática que

os E.U.A. poderiam vir a exercer sobre Bonn.

As primeiras colocações norte – americanas pareciam significar um

retorno à política pré – Kissinger de arrogância, de poder, de não

reconhecimento das limitações que enfrenta qualquer país, mesmo uma super

potência. Não deixava ver claro os verdadeiros interesses em jogo.

Sintetizando, estavam procurando definir uma política internacional em

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matéria nuclear, sem haverem estabelecido, claramente, o que fariam a respeito

do próprio território norte – americano.24

Voltando à exposição, cabe dizer que em 1977, o jornal “Frankfurter

Rundschau” no dia 11.08, publicou um artigo assinado por Romeo Rey

dizendo que um estudo teria sido preparado pela Eletrobrás e Furnas, em

colaboração com companhias estrangeiras, segundo o qual o Acordo Nuclear

se teria tornado um mau negócio para o Brasil, pois o custo da energia

nucleoelétrica poderia ser o dobro do da energia hidrelétrica. Acrescenta o

articulista que os investimentos exigidos pelo programa nuclear já teriam

levado ao adiamento do plano de construção de usinas hidrelétricas”. 25

Conforme documento encontrado no arquivo PNB 1977.09.01 pn/d

Pasta III, que apresentamos em anexo neste trabalho, em 1978, foi criada uma

Comissão Parlamentar de Inquérito, através da resolução nº 69, que iria

investigar a concepção e execução do Acordo Nuclear Brasil – Alemanha,

assim como as supostas irregularidades denunciadas pela revista alemã “DER

SPIEGEL”, e essa Comissão convida o então Embaixador Paulo Nogueira

Batista para prestar depoimento, no dia 11 de junho de 1980, às 10:00 horas, na

sala Rui Barbosa, no anexo II do Senado Federal. Obviamente, Paulo Nogueira

se saiu muito bem, pois em seguida recebeu os cumprimentos do Embaixador

da República Federal da Alemanha.

O custo da energia nuclear

Cabe observar em primeiro lugar, que o Governo brasileiro nunca 24-CPDOC - Arquivo PNB [1975.01.09 pn/a Pasta XII – 3]

25-CPDOC - Arquivo PNB [1977.09.01] pn/d Pasta I ]

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pretendeu, de acordo com documentos oficiais, que as usinas nucleoelétricas,

particularmente Angra 2, sobrecarregada pelo ônus da inexperiência, fossem

menos dispendiosas de que as hidrelétricas já construídas ou em construção.

Por mais relevante que seja a questão do custo, importa observar que a carência

energética é que tem, para o país, um custo insuportável.

De qualquer modo, é preciso ter em mente que o custo direto das usinas

nucleares já era estimado no Plano – 90, em cerca de duas vezes o de Itaipu.

Em segundo lugar, tudo se passaria, no dizer dos opositores, como se a

despesa com a construção de centrais nucleares constituísse um acréscimo

líquido aos investimentos em geração de eletricidade. Não lhes ocorre fazer a

dedução dos investimentos que, presumivelmente, deixariam de ser realizados

em hidrelétricas que estivessem, de fato, disponíveis para construção. Na

realidade, a diferença de custo entre as alternativas é que constituiria o

acréscimo líquido.

Em terceiro lugar, alguns críticos chegaram a dizer que o Programa

Nuclear Brasileiro representaria um dos focos mais importantes da inflação e

de sobrecarga da dívida externa. A esse propósito, bastaria lembrar que o

investimento total no Programa em 1981, representou 1% do dispêndio global

das empresas estatais e que a dívida externa contraída pela Nuclebrás não

chega a 1% do total do endividamento brasileiro em moeda estrangeira.26

O porquê do sigilo

Explicados, pois, todos os aspectos políticos e econômicos dos Acordos,

26-Melvin A. Conant e Fern Racine GOLD. A geopolítica energética.p.230-1

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embora o sigilo fosse fundamental ao Projeto Nuclear da elite militar, nada

justifica o fato de não terem sido consultados os cientistas fora dos quadros

oficiais. Em que pese a exigência de completo segredo imposta pelos

financiadores, não poderão ser minimizados o desgaste da economia nacional

e, sobretudo, a transferência de verbas dos programas sociais para o projeto de

implantação da energia nuclear. E por que os cientistas não tomaram parte da

formulação do Acordo? Porque a elite militar considerou mais importante

satisfazer as cobranças de sigilo impostas pelas pressões internacionais do que

as possíveis ponderações da classe científica brasileira.

Quando os cientistas protestaram contra essa marginalização, por assim

dizer, o próprio Prof. José Israel Vargas, da Universidade de Minas Gerais,

reconheceu que, em qualquer país integrado no sistema ocidental dominante,

para um acordo dessa natureza, dessa dimensão, os físicos não seriam

chamados para opinar, pois na sua realidade tratava-se de um documento mais

político do que científico.

Os motivos globais que levaram o Brasil a seguir esse caminho foram

econômicos, polít icos e de segurança, sempre em detrimento do social. É claro

que o raciocínio oficial recebia respaldo das forças políticas que apoiavam a

elite militar, como vemos na citação do senador Virgílio Távora:

“Esse Acordo só poderia ser feito em sigilo. Dado

o vulto financeiro do mesmo, divulgá-lo seria

despertar acirrada concorrência dos países e

empresas do exterior interessados em participar de

um programa desses. As dificuldades de

financiamento bancário internacional para

execução de 35 contratos industriais destinados ao

estabelecimento de empresas mistas, com

participação financeira majoritária do Brasil,

essas dificuldades, se não se desfizessem em sigilo,

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veriam surgir antagonismos e pressões; e os

interessados em perturbar o negócio, porque este

contrariava interesses comerciais, as pressões

exercidas pelos países, tudo isto iria impedir o

financiamento.”27

Aqui cabe lembrar uma nota à imprensa do dia 18/09/78 que diz “o

Programa Nuclear Brasileiro não é imune a dificuldades técnicas específicas. O Ministério

das Minas e Energia aceita crítica objetiva e bem intencionada mas repele, energicamente,

quaisquer tentativas que visem o descrédito do Programa Nuclear, o que é produto de

amadurecida reflexão”.28

Quanto ao sigilo é comum na história utilizar-se procedimentos

supostamente lícitos para atingir os objetivos perseguidos pela classe

dominante. No entanto, sabemos que o custo político é muito grande quando

uma grande massa de brasileiros é alijada do processo de decisão na construção

do país.

Nesta idéia, Mosca vem nos brindar com seu entendimento, escrevendo

que: “uma elite não se impõe apenas pela força e pela impostura, mas representa, de

alguma maneira, os interesses e propósitos de grupos importantes e influentes dentro da

sociedade”.29

DIFICULDADES LOCAIS DA CONSTRUÇÃO DE ANGRA 2

Conforme já foi referido, não satisfeito com o material atômico enviado

27-Renato de BIASI. A energia nuclear no Brasil. p.149-150

28-CPDOC - Arquivo PNB [1977.09.01 pn/d Pasta I]

29-Tom. B. BOTTOMORE. As elites e a sociedade. p.12

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pela firma americana para Angra 1, o então presidente Ernesto Geisel, em 27

de Junho de 1975, assinou um acordo com a firma alemã Kraftwerk Union

(KWU), subsidiária da Siemens, através do qual ficou acordada a transferência

da tecnologia alemã bem como a construção de reatores nucleares nos moldes

científicos desse país.

As obras civis de Angra 2 foram contratadas por FURNAS à Construtora

Norberto Odebrecht e iniciadas em 1977, cabendo à Nuclen, sob a supervisão

da KWU, o detalhamento do projeto básico.

Houve muitas dificuldades, por exemplo, no estaqueamento devido aos

matações (grandes blocos de rochas); quanto à peculiaridade do tipo das

edificações de Angra 2 (para suportar abalos sísmicos de alta intensidade na

Escala Richter), formação do parque dos equipamentos pesados (a maioria

ainda importado devido à limitação do mercado nacional), falta da prática no

trato com as normas alemãs, e o elevado índice pluviométrico da região.

Mas as dificuldades foram sendo vencidas e, em 1980, foram iniciadas

as superestruturas das edificações. Devido aos atrasos, decidiu-se armazenar os

equipamentos fornecidos pela Siemens em condições especiais para resistir a

longos períodos de estocagem.

Em 1983, devido à crise econômica internacional, a disponibilidade de

recursos financeiros diminui e o ritmo de trabalho foi desacelerado e os

investimentos foram reorientados apenas para manutenção do equipamento. Os

norte-americanos teceram críticas à execução do projeto e investiram na

imprensa brasileira com o mesmo objetivo. Recorde-se a sentença de um

senador norte – americano que chegou a afirmar que “os Estados Unidos não

podiam permitir que um país em seu quintal, ficasse em condições de produzir a bomba

atômica, pondo em risco a segurança do povo norte – americano”.30

30-Hugo ABREU. O outro lado do poder. p.44

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126 Da referida viagem sigilosa de Shigeaki Ueki, nasceu o acordo Brasil –

Alemanha que não agradou aos americanos e para amenizar as pressões dos

Estados Unidos, a primeira usina nuclear a entrar em operação, no Brasil, foi a

de Angra 1, em 1985, que teria sido construída para garantir parte do

suprimento de energia do Estado do Rio de Janeiro, gerando o equivalente a

627 MW/h (megawatts/hora), em sua potência total.

Só em 1995, o Governo Federal resolveu que deveria ser concluída

Angra 2 e em março deste mesmo ano foi realizada uma Concorrência Pública,

iniciando-se o processo de contratação das atividades de montagem

eletromecânica, tendo os Contratos sido assinados em 15 de março de 1996. O

espaço de quinze anos que separa a inauguração de Angra 1 e Angra 2, explica-

se por todo esse conjunto de razões que pode ser resumido em duas idéias:

crise econômica e esforço para não desagradar aos norte americanos.

Para melhor operacionalização das atividades de todas as Empresas

contratadas, e visando uma redução de preços, estabeleceu-se um acordo que

permitiu a criação de um novo Consórcio, denominado UNAMON que

congregou a EBE, TENENGE e Sade – Vigesa (Inepar – Fem) no pacote de

montagem nuclear, CAMARGO CORRÊA, ULTRATEC e ANDRADE

GUTIERREZ no pacote montagem mecânica convencional e TECHINT que

era responsável pelo pacote Elétrico e de Instrumentação e Controle.

Enfim, em 03 de maio de 1996, foram iniciadas as atividades de campo,

para a conclusão de Angra 2, com potência para gerar 1300 Megawatts/hora,

que reduzirá, sensivelmente, a vulnerabilidade de energia elétrica dos Estados

do Rio de Janeiro e Espírito Santo, ambos ainda dependentes em mais de 60%

da energia gerada em outros Estados.

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127

Conseqüências sociais desses investimentos para a região de Angra dos

Reis

Na época da implantação das usinas nucleares de Angra dos Reis, a

grande preocupação foi com os impactos sociais oriundos do projeto, pois o

município não recebeu qualquer contribuição financeira para suportar as

alterações ocorridas na infra – estrutura, com o aumento na demanda por

educação e saúde e não podia nem tributar o projeto, uma vez que as

instalações eram isentas do pagamento de impostos. Também nesse período, o

plano de emergência era colocado como uma questão de segurança nacional,

sendo que nem a Prefeitura e nem a população tinham acesso ao detalhamento

do plano.31

Já no período da implantação de Angra 1, em Praia Brava, FURNAS

concluía a construção das primeiras 400 residências, destinadas aos operadores

e funcionários das futuras usinas. Dez quilômetros adiante, na praia de

Mambucaba foram construídas mais 400 casas onde deveria ser implantado

também um centro de pesquisas e treinamento. Praia Brava era dotada ainda de

cinema, hospital, escola, hotel, centros comunitários, banco, correio,

supermercado, farmácia, isto é, todos os serviços indispensáveis a uma

verdadeira comunidade.32

Atualmente, existe uma parceria da ELETRONUCLEAR com a

Prefeitura de Angra dos Reis, visando cada vez mais a melhoria do social.

31-BRASIL NUCLEAR, Ano 3, n. 12. jan/mar 1997 p.1 4

32-O LINGOTE. Ano22, n.240. Set/1975 p.15.

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DEMANDA ENERGÉTICA

Apesar de todos os problemas gerados pela compra das usinas nucleares,

ainda não foi descartada a solução nuclear para resolver os problemas

energéticos da Região Sudeste. Assim é que, em julho de 2000, foi inaugurada

Angra 2, que custou ao Erário Público, aproximadamente 12 bilhões de

dólares.

Fica ainda uma pergunta no ar, qual foi o custo real das usinas nucleares

para o povo brasileiro? Esta é uma questão que permanecerá sem uma resposta

definitiva por mais que seja pesquisada, pois os ângulos vistos, com certeza,

não serão coincidentes.

O ideal seria que a classe dominada tivesse a capacidade de elaborar seus

próprios conhecimentos científicos para poder compreender a maneira

enganosa que a classe dirigente utilizou na exposição do assunto.

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129

CONCLUSÃO

De acordo com o que foi exposto neste trabalho, em 1960, Jânio

Quadros foi eleito por maioria absoluta e esperava-se muito dele, mas sete

meses após a posse, renunciou e decepcionou a opinião pública que nele tinha

deposto suas esperanças.

Com sua renúncia, os três ministros militares, apoiados naturalmente

pelas Forças Armadas, tentaram impedir a posse do Vice – Presidente João

Goulart. No entanto, ante a pressão da opinião pública, Jango foi empossado,

sob a forma de um governo parlamentarista o que, na realidade, não passou de

um meio de salvar os ministros militares, oferecendo-lhes uma saída honrosa.

Sabia-se que o novo presidente jamais aceitaria ser apenas um joguete e

que, mais cedo ou mais tarde, o parlamentarismo seria revogado.

Jango procurou apoiar-se nas classes populares, uma vez que não tinha a

confiança da classe média, nem dos empresários e de parte das Forças

Armadas, mas a situação econômica do país era das piores. Faltava ao governo

um apoio político mais forte e o próprio Jango não dispunha de liderança

suficiente para se impor em tal situação. Seu governo acabou sucumbindo à

influência de agitadores e demagogos, que se aproveitavam das fraquezas do

Presidente, e o programa de reformas avançadas e principalmente de esquerda,

além da inflação que tinha atingido casa dos 80% em 1963 e caminhava para

100% no início de 1964, impulsionou a opinião pública e o movimento das

Forças Armadas começou a evoluir em fins de 1963, fazendo crescer o

inconformismo no meio militar.

Devido a uma série de manifestações ostensivas por parte do governo, o

Ministro Jair Dantas Ribeiro começou a perder o controle do Exército, o que

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passou a ser exercido na prática, pelo General Castelo Branco, chefe do Estado

Maior. Nessa ocasião o movimento revolucionário era inevitável e a greve de

marinheiros, a reunião destes no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro,

a reunião de Jango com os sargentos no Automóvel Clube serviram apenas

para acelerar uma decisão já tomada.

Então, com o apoio geral da população de Minas e também do

Governador Magalhães Pinto, o General Olímpio Mourão iniciou o movimento

na madrugada de 31 de março de 1964.

Com o início dessa ação militar, os acontecimentos foram precipitados e

nessa mesma noite, o II e o IV Exércitos aderiram ao movimento; o

destacamento que iria combater os rebeldes, bandeou-se para o lado dos

revoltosos.

Na manhã de 1ºde abril, o destacamento de regimento – Escola de

Infantaria recusou-se a prosseguir para enfrentar as forças rebeldes. Ainda um

segundo destacamento, constituído pelo 2º Regimento de Infantaria fez causa

comum com os amotinados.

Na tarde de 1º de abril, mais três unidades de tropa do I Exército,

localizadas na cidade do Rio de Janeiro, entenderam-se com o movimento (o 1º

Batalhão de Carros de Combate, o Forte de Copacabana e a Fortaleza de São

João). O, então, comandante do I Exército se encontrou com o do II em

Resende e decidiu mandar cessar toda a resistência por parte das forças ainda

sob seu comando.

Finalmente, em 2 de abril, com a adesão das forças de Brasília e de

quase todas as guarnições do interior do país, João Goulart resolveu desistir de

lutar, pois, a seu favor, só restava o apoio da tropa sediada em Porto Alegre,

após o que retirou-se para o Paraguai.

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Essa vitória dos militares colocou em suas mãos o exercício do poder em

toda a República e fez fluir para eles o apoio de todos aqueles que haviam

criticado a ação dos políticos no governo de João Goulart.

O poder passou a ser exercido por uma elite militar convencida de que a

fonte principal dos nossos males era externa, a saber, a influência do

comunismo internacional e viveu-se, então, sob uma situação de autoritarismo

formada por um Estado burocrático – militar, no qual a maioria da classe

política veio a trabalhar para o fortalecimento do Estado nacional, o que fez

com que fosse ampliado o seu controle sobre o País, tornando essa máquina

mais forte que a própria nação.

Nesse período, os tecnocratas usaram o regime para racionalizar o

processo, isto é, fizeram a reforma tributária e financeira do sistema, o que

levou a um fortalecimento da máquina estatal brasileira, em termos

econômicos, financeiros e políticos. Em que pese a sua desatenção pelos

grandes problemas sociais do Brasil, houve maior racionalidade nesse ínterim,

melhor administração de recursos, mas sobretudo uso e abuso de poder.

O nacionalismo brasileiro mostrou-se muito interessado na afirmação

nacional, mas não houve negação do estrangeiro; foram criados FURNAS e

ELETROBRÁS por exemplo, o que fez com que até os mais exaltados com as

multinacionais se calassem.

Com a consolidação do golpe militar, de 13 de dezembro de 1968, e a

edição do AI-5, até os observadores mais argutos foram impedidos de se darem

conta do sentido profundo dos acontecimentos. Com isso, a burocracia estatal,

assumiu o controle da máquina do Estado e foram excluídas as representações

da sociedade civil. O sistema organizado até então era bastante complexo,

apesar do simplismo da face primária e brutal que era tantas vezes usada por

seus órgãos repressivos.

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Em 1969, o general Médici inicia uma relativa abertura política,

reconvocando o Congresso, deixando que houvesse um retorno dos partidos

políticos e até algum alívio à censura dos jornais. Já em 1975, Ernesto Geisel

retoma e reforça essa medida, mas essa abertura nada mudou na essência do

regime. A Nação podia manifestar-se sobre determinados temas, discuti-los,

queixar-se, criticar, mas nunca decidir.

Geisel foi não apenas um presidente, mas também um administrador que

insistia em participar de todas as decisões de importância. Para isso, era

necessário atingir dois princípios burocráticos básicos: o primeiro era

gerencial, isto é, o sistema devia funcionar a um nível pelo menos razoável de

eficiência e rentabilidade, pois disso dependia a sobrevivência da própria

burocracia; e o segundo era um princípio político, através do qual o Estado

burocrático tendia a favorecer os objetivos imperialistas, isto é, as dimensões

do PNB, as obras faraônicas, o poderio militar e econômico, que sempre

vieram antes do bem – estar e da liberdade da população.

O candidato à presidência da República, antes de ser um político de

prestígio como anteriormente, passou a ser um ministro de Estado, um alto

hierarca da burocracia federal, um comandante do Exército, dentre outros. Os

poderes da República não eram os descritos na Constituição. O Judiciário foi

destituído de suas prerrogativas, limitado em suas atribuições e passou a ser

apenas um serviço qualificado e especializado, e quem definia os objetivos

nacionais permanente, era o Conselho de Segurança Nacional, e, não, o

Congresso.

Ao entrar na presidência, o general Geisel traçou duas linhas que seriam

impostas ao sistema. A primeira tinha em vista aliviar as tensões sociais,

usando medidas fiscais e assistenciais além de reajustes salariais. Mas essa

medida tornou-se quase nula, na proporção em que as pressões vindas de baixo

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e o fato de haver uma quebra no desenvolvimento econômico, reduziram as

manobras dos tecnocratas governantes. Já a segunda linha era a da abertura

política que viria a trazer, para o general, um acúmulo de problemas, apesar de

que se fazia necessário um certo grau de liberdade para que fossem corrigidos

excessos e distorções, para que fosse reduzida a alienação da burocracia estatal,

assim como para ajudar o governo a restabelecer determinados segmentos da

burocracia. Segundo o próprio Geisel, “A oposição é a única força que pode tornar o

regime brasileiro menos fechado, menos intolerante e irrespirável, menos injusto e, até,

menos ineficiente – o que não deixa de ser do interesse dos próprios burocratas, pelo menos

daqueles que não são corruptos nem energúmenos”. 1

Com a criação das multinacionais, que normalmente desenvolvem seus

próprios valores, os quais, na maioria das vezes, não são os mesmos dos seus

usuários ou fregueses, era necessário que o Estado as disciplinasse, e a elite

militar usou a máquina do Estado e seu poder para desencadear e conduzir um

processo de modernização que, na sua interpretação, tornaria a nação mais

forte, mais diversificada e mais rica. O maior problema é que o aparelho estatal

tornou-se mais forte que a própria nação e passou a dominá-la e controlá-la a

seu bel prazer. E nesse sentido, o contribuinte, que é quem realmente sempre

pagou as contas, não é quem decide onde gastar o dinheiro arrecadado, mas,

sim, o governo, que é quem o gasta, e partindo dessa premissa acabamos tendo

as obras faraônicas geradas pelos megalômanos da ESG.

Mas o que leva os homens a constituírem as elites sociais?

Aparentemente, não é nem a riqueza e nem o poder, mas, sim, como diz

Fernando Pedreira “uma mistura apropriada de paranóia e talento”...2

Mas era necessário que a ditadura obtivesse o aval da opinião pública,

pois se fazia preciso ter legitimidade, tornando-se imprescindível que o povo 1-Fernando PEDREIRA. A liberdade e a ostra . p.35

2-Fernando PEDREIRA. Impávido Colosso . p.345

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fosse engambelado com a famosa promessa de abertura e com as famosas

obras faraônicas, sendo uma delas as usinas nucleares, que, sem sombra de

dúvida, foram usadas pela legitimar a ditadura.

A sede desesperada de poder levou os governantes, de então, a tomar

decisões que muito custaria ao nosso país. Mas já dizia nessa mesma época o

general Golbery do Couto e Silva, considerando um dos baluartes do regime “fora do poder, não há salvação”.3

Enfim, entre outras idéias mirabolantes, toma o general Médici a decisão

de assinar o primeiro contrato com a Westinghouse para que Angra 1 fosse

uma realidade. Naquele tempo, vivíamos a euforia do milagre econômico e

ainda havia dois fatores que, provavelmente, espicaçaram os brios dos militares

e lhes ofuscaram a inteligência: os argentinos bem avançados em Atucha, com

sua usina nuclear e isso era inadmissível para a soberania nacional e, ainda, o

veto americano – soviético que proibia a difusão da bomba atômica.

Curiosamente, o contrato com a empresa americana não levantou, na

prática, nenhuma polêmica, isso porque, nesse caso específico, a energia

nuclear ficou restrita, apenas, aos grupos técnicos do país e o povo nem sabia

direito com o que estava lidando.

Então, por que o contrato com a RFA gerou tantas controvérsias?

Segundo Paulo Nogueira Baptista, em uma carta dirigida ao, então, Ministro

Shigeaki Ueki, que este trabalho apresentou como documento anexo, a razão

principal da reação em contrário centrou-se no fato de o acordo com a

Alemanha possibilitar ao Brasil ser a médio prazo, dono da própria tecnologia

nuclear.

No entanto, de acordo com a maioria dos escritores do mesmo período, o

Brasil dispunha de amplas fontes de energia hidrelétrica que poderiam prover o

país por até trinta ou quarenta anos. Também se queixavam de que fora

suprimida toda e qualquer informação e debate de um assunto que interessaria

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a comunidade. Explicavam que os acordos foram decididos em círculos

restritos apenas pelos idealizadores e beneficiários de cada projeto. Também

era colocado que os alemães precisavam arranjar parceiros com quem dividir

as despesas e os riscos e que os acordos emparelhavam do lado brasileiro,

grandes empresas estatais, protegidas pelo segredo de Estado e, do lado

alemão, multinacionais privadas como a Siemens, e que os acionanistas

alemães podiam saber de tudo, enquanto o povo brasileiro de nada era

informado. Explicavam ainda que os acordos firmados foram cheios de

inconveniências e falhas graves, como, mais tarde, se veria. Propunha-se a

revisão do programa nuclear, alegavam que poder-se-ia esperar pelo menos

duas décadas pelo aparecimento de tecnologias novas, mais baratas e mais

seguras. E, finalmente, diziam que, para dominar os segredos da energia

nuclear, o Brasil precisava, apenas, de um programa de pesquisas inteligente e

bem preparado.

No entanto, segundo Fernando Pedreira, “a energia nuclear é uma tal força,

uma tão grande fonte de riqueza e poderio, que os homens não abdicarão dela e não

descansarão enquanto não a dominarem, por mais terrível que seja o preço pago pela

aventura”.4

E a ESG, com suas idéias de desenvolvimento e segurança, levou o

Brasil, através dos seus seguidores, a se arrojar nesse projeto nuclear, sem

medir as conseqüências que, infelizmente, foram muitas.

Enfim, as bases técnicas da política nuclear brasileira foram assentadas.

O Brasil optou por um reator que usasse urânio enriquecido e água natural

(água leve) como refrigerante. Isso provocou muita discussão entre os

cientistas que diziam ser o processo de enriquecimento, difícil e dispendioso,

além de fazer parte do monopólio das grandes potências. Citava-se, como

exemplo a ser seguido, a Argentina que optara pelo uso do urânio natural em 4-Op. cit. p.249.

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Atucha. Já um segundo grupo, defendia que a maior parte dos reatores

existentes no mundo usavam urânio enriquecido e que, além de tudo, a energia

produzida com reatores com este tipo de urânio ficava mais barata. Mas foi

valorizada a opinião do segundo grupo e fechada a questão.

Restava escolher o local onde instalar as usinas nucleares e após

inúmeras questões levantadas, escolheram a praia de Itaorna, em Angra do

Reis, que distava pouco dos principais centros consumidores como Rio de

Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.

No entanto, conhecido em sua plenitude pela elite militar, o Acordo

Nuclear com os Estados Unidos não satisfazia os objetivos fundamentais do

grupo governante brasileiro e isso fica claro na citação de Hugo Abreu quando

escreve que: “Nenhuma restrição técnica é feita ao

empreendimento, projetado para a produção de

mais de 600 mil Kw. O problema é que não há

transferência de tecnologia. Os norte – americanos

não apenas nos privaram do conhecimento dos

detalhes da construção do reator, como, muito

mais do que isso, nos forneceram apenas uma

caixa preta lacrada e nem nos disseram o que há

lá dentro. Nossos técnicos podiam apenas operar a

usina – nada mais”.5

Era fundamental, para a elite militar, que o Brasil não continuasse na

dependência total dos norte – americanos. A possibilidade de escolha de outros

parceiros pareceu ao grupo governante um integrante fundamental da soberania

da nação. Bastava que outros países concordassem em transferir também a

tecnologia nuclear.

4-Hugo Abreu. O outro lado do poder. p.43

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Cabe recordar aqui que, em maio de 1974, através dos órgãos

competentes (Ministério das Minas e Energia, Ministério das Relações

Exteriores e Secretaria – Geral do Conselho de Segurança), o Brasil contactou

outros países e a França se mostrou disposta a negociar, mas tecnicamente a

dependência continuaria. Então, foi feita a opção pela República Federal da

Alemanha, que segundo os próprios negociadores, visava a implantação no

Brasil de todo o ciclo do combustível, com inclusão de pesquisa, lavra,

enriquecimento, fabricação do elemento combustível e seu reprocessamento e,

por fim, a fabricação de reatores a urânio enriquecido, com total transferência

de tecnologia.

Esse acordo com a Alemanha visava à utilização da energia nuclear

somente para fins pacíficos e, para isso, foram feitos acordos diversos com a

aplicação de salvaguardas, acertados entre o Brasil, Alemanha e a Agência

Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Angra 1 começou a ser construída em 1972 e só em março de 1982 foi

estabelecida a primeira reação nuclear em cadeia, sendo que a usina entrou

realmente em operação em 1985, isto para diminuir as pressões que os Estados

Unidos estavam fazendo sobre o Brasil, devido ao Acordo Nuclear Brasil –

Alemanha.

As obras civis de Angra 2 tiveram início em 1977 e, devido às inúmeras

dificuldades surgidas, só em 1980 procedeu-se à implantação das edificações.

Ainda era necessário armazenar os equipamentos fornecidos pela Siemens em

condições especiais, para que eles resistissem ao longo do período de

estocagem, e isso custou muito dinheiro aos cofres públicos. Em 1983, devido

a crise econômica internacional, os recursos financeiros diminuíram e o ritmo

de trabalho se desacelerou. Em 1995, entretanto, deu-se novo impulso a Angra

2 e, em 15 de março de 1996 foram assinados os contratos com as empresas

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interessadas que participaram da concorrência pública e, finalmente, em 03 de

maio, foram reiniciadas as obras para conclusão de Angra 2. Só em julho de

2000 essa usina foi inaugurada e deverá fornecer em torno de 1300 MW/h

(megawatts/hora), em sua potência total.

Após longas pesquisas e demoradas reflexões, faz-se um balanço do que

foi a energia nuclear para o Brasil e concluiu-se que:

- Naquele momento em que foi feita a implantação dessa energia, ela

realmente não era necessária.

- A ditadura utilizou a implantação da energia nuclear como um fator

estratégico para garantir sua legitimidade, inspirada, particularmente, pelo

exemplo argentino.

- Que ambos os contratos foram realmente prejudiciais aos cofres

públicos e ao povo brasileiro que terminou sendo, mais uma vez, lesado, em

razão do sacrifício constante das questões sociais.

- Que a forma como foi implantada gerou controvérsias e problemas

junto aos cientistas brasileiros, que se sentiram excluídos.

- Entretanto, pesando-se os prós e contras, hoje se conclui que, apesar

dos insucessos e de toda a problemática já descrita nos capítulos II e III, a

energia nuclear, atualmente, representa muito para o Brasil, em termos de

tecnologia. Além da energia elétrica que, nos dias de hoje, está saindo bem

mais barata do que, inicialmente, se cogitou, da tecnologia ultra moderna com

que foi equipada Angra 2, da transferência de tecnologia que realmente

ocorreu, temos, ainda, os benefícios proporcionados à sociedade,

principalmente pelo incentivo dado às aplicações de técnicas nucleares na

medicina (radioisótopos sendo usados em diagnoses e radioterapia), na

indústria, na agricultura e no meio ambiente (temos como exemplo o CENA –

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Centro de Energia Nuclear na Agricultura, que, além de prestar serviços

beneficiando a agropecuária, fornece dados para a defesa do meio ambiente).

Cabe ressaltar aqui a opinião do físico Luiz Pinguelli Rosa, que, no

início era contra os contratos nucleares e o modo como foram realizados e, em

1998 passou a apoiar a energia nuclear, mas fazendo restrições aos custos da

usina e apontando o fato da ausência de depósito, no Brasil, para o lixo

radioativo. Apesar disso, garante que a tecnologia alemã adquirida pelo Brasil

é boa. Transcrevemos aqui alguns dizeres de Pinguelli: “Os equipamentos de

Angra 2 são mais modernos que os de Angra 1 e oferecem mais segurança; os problemas

que vejo são outros”. Ainda complementa que “a área de segurança interna é de

excelente padrão, mas não se pode pensar, por isso, que se está imune a riscos. É preciso

ter um plano estratégico no caso de um acidente, que pode ocorrer mesmo com toda a

garantia”.6

E para terminar será deixado aqui o pensamento de um dos homens que

mais contribuíram para que a ditadura militar permanecesse por vinte anos no

Brasil, Golbery do Couto e Silva, o qual afirma que “não há Estratégia Nacional

que valha, se não buscar enquadrar-se numa perspectiva objetiva da conjuntura mundial,

que só poderá ser fornecida pela análise estratégica do antagonismo dominante no

momento.

Para traçar a sua Estratégia, um Estado qualquer, por mais fraco que seja, precisa

olhar, assim, o mundo ao largo, em sua totalidade global, e não só discernir aí, as tensões

dominantes que o agitam, mais captar-lhes a intensidade, sentir-lhes a evolução e prever-

lhes o desfecho.”7

Ao encerrarmos este trabalho, queremos observar que, do ponto de vista

dos conhecimentos descritos, tentamos apenas dar mais uma contribuição ao

estudo do tema. Embora tenhamos consultado documentos vedados ao público

até o final de 1999, sabemos que milhares de pontos de interrogação ainda 6- Apud. Carlos FRANCO. Jornal do Brasil de 10.01.98 7-Golbery do Couto e SILVA.Conjuntura Política Nacional:O Poder Executivo & Geopolítica do Brasil.p.159

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perduram. Queremos incitar outros mestrandos a darem prosseguimento a este

tema abrangendo vários outros ângulos do mesmo tais como:

- Projeto Cobra – relativo à compra de reatores rápidos vindos da França

para o Brasil.8

- CPI/Nuclear – criada em 1978, para investigar a concepção e execução

do Acordo Nuclear Brasil – Alemanha, bem como as supostas irregularidades desse

programa denunciadas pela imprensa alemã e brasileira.9

- Enriquecimento de urânio – que tem por objetivo aumentar a

concentração de urânio 235 (U235) até 3,2 %.10

- Aplicações de radioisótopos – como referência inicial tem-se o

Centro de Energia Nuclear na Agricultura – Escola Superior de Agricultura

Luiz de Queiroz (Piracicaba).

8-CPDOC - Arquivo PNB [1952.07.01 pn/a] 9-CPDOC - Arquivo PNB [1977.09.01 pn/d]

10-CPDOC - Arquivo PNB [1969.12.01 pn/c]

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