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Volume I
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N.º 31104
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira iii
Elaborar um tecido é construir uma teia, encadeando ou entrelaçando os fios (…). Tecer é (…) estabelecer relações, entrelaçar fios, desenhar formas. Processo que não se confina a um exercício mecânico e repetitivo de mãos, mas onde as mãos se cruzam com os olhos e com a imaginação (…)
Cabral, I.; Almeida, I., 2003, p.44
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira iv
Agradecimentos
Este trabalho, como muitos outros trabalhos científicos, é o resultado de longas
horas de solidão, por vezes luminosas, inúmeras vezes sombrias. No entanto, a sua
elaboração não seria possível sem o apoio e o encorajamento de familiares, amigos e
colegas. As breves linhas que se seguem são dedicadas a todos os que me apoiaram
nesta caminhada.
Em primeiro lugar, agradeço ao professor Doutor Victor S. Gonçalves,
orientador desta tese, a disponibilidade que sempre demonstrou para o esclarecimento
de dúvidas e resolução de problemas, o tempo – esse bem tão preciso, que comigo
partilhou a observar e a fotografar os componentes de tear do sítio de S. Pedro, e o
encorajamento para não desistir.
Ao Rui Mataloto, que comigo partilhou o sítio de S. Pedro, agradeço a
disponibilização dos materiais, das informações de campo e da sua biblioteca, as longas
conversas, e principalmente a amizade. À família “Mataloto” agradeço o acolhimento e
os tantos jantares partilhados em que a arqueologia e os componentes de tear foram os
temas dominantes.
Ao Rui Boaventura agradeço todas as propostas para analisar os componentes de
tear, todas as indicações bibliográficas e a cedência de alguns livros e artigos.
Agradeço a todos os que participaram nas equipas de escavação e no tratamento
dos materiais do sítio de S. Pedro, desde o Verão de 2004 ao Inverno de 2009. Em
particular, agradeço à Catarina Alves e à Susana Estrela o muito que me ensinaram no
campo, todo o apoio, e a amizade do início ao fim deste trabalho, e à Carla Antunes que,
apesar da distância actual, esteve presente em muitos dos momentos essenciais.
À Câmara Municipal do Redondo agradeço o acolhimento em inúmeros Verões
nos últimos anos.
À Jéssica Reprezas e à Elsa Luís agradeço a presença, a paciência para os
desabafos e o incentivo para nunca parar ao longo deste trabalho.
À Ana Sara Tomás agradeço as conversas junto ao mar, que me ajudaram a
superar alguns dos dias mais críticos da escrita deste trabalho.
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira v
Aos meus pais e ao Miguel agradeço todo o apoio, sem o qual a realização deste
trabalho teria sido muito mais difícil, e a compreensão das longas horas, em que estando
presente era como se não estivesse.
Ao Xil Veríssimo agradeço o olhar objectivo e crítico com que leu o texto, o
dedo sempre pronto a disparar a máquina fotográfica, a paciência na formatação de todo
o trabalho, a compreensão nos dias de mau humor e de grande irritabilidade, e acima de
tudo a presença incondicional em todos os momentos.
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira vi
Resumo
O presente trabalho teve como objectivo estudar um conjunto de materiais em
cerâmica, designados por componentes de tear, provenientes do povoado de S. Pedro
(Redondo, Alentejo Central) intervencionado no âmbito de um projecto arqueológico de
salvaguarda e de emergência. Este sítio integra-se cronologicamente no 3.º milénio
a.n.e., podendo remontar a sua fundação ao final do milénio anterior.
Os componentes de tear foram analisados sob várias perspectivas.
Primeiramente construi-se uma ficha descritiva para a sua caracterização tipológica e
tecnológica, definindo-se duas grandes formas – placas e crescentes – organizadas em
vários tipos e subtipos, procurando-se em seguida uma aproximação à sua
funcionalidade. As características formais e métricas normalizadas, a existência e a
disposição de perfurações, associadas à quantidade e à presença constante destas peças
em espaços de habitat, constituem argumentos relevantes para a sua interpretação como
artefactos funcionais, com elevada probabilidade de se relacionarem com a tecelagem.
Contudo, a ausência de análises traceológicas e a impossibilidade de recurso às técnicas
da arqueologia experimental limitaram a definição da sua funcionalidade, apenas
problematizada em termos teóricos.
Os dados obtidos foram enquadrados nos espaços e nas fases do povoado de S.
Pedro, com os objectivos de, respectivamente, avaliar a disposição espacial e o
comportamento quantitativo e formal dos componentes de tear ao longo da diacronia.
Estes materiais surgem predominantemente fragmentados e espacialmente dispersos,
verificando-se a coexistência das principais formas e tipos em todas as fases de
ocupação, numa situação semelhante à documentada noutros contextos do 3.º milénio
a.n.e. do Sudoeste peninsular.
Os componentes de tear assumem-se como uma das categorias de artefactos
mais típicas dos povoados calcolíticos do Sul da Península Ibérica e como uma das
expressões materiais das transformações integradas na “Revolução dos Produtos
Secundários”, tornando-se, assim, um elemento fundamental para o estudo das
primeiras comunidades agro-metalúrgicas.
Palavras-chave: Componente de tear, peso de tear, crescente, final do 4.º/3.º milénios
a.n.e., Alentejo Central
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira vii
Abstract
The aim of present thesis was to study a sample of ceramic materials, reported as
loom components, from the archaeological site of S. Pedro (Redondo, Central Alentejo)
excavated in a project of salvage and rescue archaeology. This site is chronologically
integrated in the 3rd millennium BCE, being able to retrace its foundation to the end of
the previous millennium.
The loom components were analyzed from different perspectives. Firstly, a
recording sheet was made for the description of their technological and typological
characteristics, defining two main forms – plates and crescent-shaped – organized into
several types and subtypes, looking up afterwards an approximation to its functionality.
The formal and metric standard features, the existence and arrangement of perforations,
associated with the number and the constant incidence of these objects in archaeological
sites, are important arguments for their interpretation as tecnomic artifacts, with high
probability that they are related to weaving. However, the absence of use-wear analysis
and the impossibility of using the experimental archeology’s techniques restricted the
definition of its functionality, only problematized in theoretical terms.
The data were located into spaces and phases of the S. Pedro’s site, with the aim
of, respectively, evaluating the space disposal and the quantitative and formal behavior
of loom components over the diachronic. These materials arise predominantly
fragmented and spatially dispersed, verifying the coexistence of the main forms and
types in all phases of occupation, in a similar situation as registered in other
archaeological contexts of the 3rd millennium BCE in south-western Peninsula.
The loom components are one of the most typical artifacts of the chalcolithic
settlements of the southern Iberian Peninsula and one of the material expressions of the
changes incorporated in the “Secondary Products Revolution”, becoming, thus, a key
element for the study of the first agro-metallurgic communities.
Keywords: Loom component, loom weight, crescent-shaped weight, final 4th/3rd
millennia BCE, Central Alentejo
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira viii
Índice
Agradecimentos ............................................................................................................... iv Resumo ............................................................................................................................ vi Abstract ........................................................................................................................... vii Índice ............................................................................................................................. viii Índice de tabelas ............................................................................................................... x 1 Introdução ...................................................................................................................... 1
1.1 A estrutura interna do trabalho ............................................................................... 2
2 O povoado de S. Pedro .................................................................................................. 4 2.1 O povoado de S. Pedro no espaço .......................................................................... 4
2.1.1 Localização administrativa e o espaço na actualidade .................................... 4
2.1.2 Enquadramento geográfico .............................................................................. 5
2.1.3 A paisagem: uma aproximação possível ......................................................... 6
2.2 A investigação arqueológica ................................................................................... 8
2.2.1 Identificação e contexto das intervenções ....................................................... 8
2.2.2 O método de escavação: escavar em área um sítio pré-histórico .................... 9
2.2.3 A área de intervenção: organização e caracterização .................................... 11
2.3 O povoado de S. Pedro: faseamento ..................................................................... 12
2.4 Os povoados de S. Pedro no Alentejo Central no final do 4.º e durante o 3.º
milénio a.n.e. .............................................................................................................. 16
3 Os componentes de tear na investigação arqueológica ............................................... 22 3.1 Breve história da investigação dos componentes de tear ..................................... 22
3.1.1 O final do século XIX e a primeira metade do século XX ............................ 22
3.1.2 As décadas de 70 e 80 ................................................................................... 27
3.1.3 Os anos 90 e o início do século XXI ............................................................. 32
3.2 A distribuição dos componentes de tear no Ocidente da Península Ibérica ......... 35
4 A tecelagem no 3.º milénio a.n.e. ................................................................................ 38 4.1 Introdução ao estudo de um tema problemático ................................................... 38
4.2 A tecelagem: uma actividade feminina? ............................................................... 39
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
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4.3 Os teares: tentativa de aproximação aos mecanismos do 3.º milénio a.n.e. ......... 41
4.3.1 Tear de placas ................................................................................................ 41
4.3.2 Tear de grade ou tear de bordos ..................................................................... 42
4.3.3 Tear vertical de quadro .................................................................................. 42
4.3.4 Tear vertical de pesos .................................................................................... 43
5 Metodologia ................................................................................................................. 44 5.1 Definição de conceitos.......................................................................................... 44
5.2 Definição do conjunto .......................................................................................... 44
5.2 A ficha descritiva .................................................................................................. 46
5.3 Tipologia em construção ...................................................................................... 50
5.4 Registo gráfico e fotográfico ................................................................................ 53
6 Os componentes de tear ............................................................................................... 54 6.1 Formas e variantes ................................................................................................ 54
6.1.1 Placas ............................................................................................................. 54
6.1.1.1 Placas Rectangulares: P-I ....................................................................... 55
6.1.1.2 Placas Ovaladas: P-II .............................................................................. 60
6.1.1.3 Placas hiperbolóides: P-III...................................................................... 61
6.1.1.4 Placas: análise de conjunto ..................................................................... 62
6.1.2 Crescentes ...................................................................................................... 65
6.1.2.1 Crescentes de secção ovalada: C-I.2....................................................... 66
6.1.2.2 Crescentes de secção sub-rectangular: C-II.2 ......................................... 67
6.1.2.3 Crescentes de secção circular: C-III.2 .................................................... 67
6.1.2.4 Crescentes de secção ovalada robusta: C-IV.2 ....................................... 68
6.1.2.5 Crescentes: análise de conjunto .............................................................. 68
6.2 Análise tecnológica............................................................................................... 70
6.2.1 Pastas ............................................................................................................. 71
6.2.2 Modelação e acabamentos de superfície ....................................................... 72
6.2.3 Perfurações .................................................................................................... 72
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
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6.2.4 Cozedura ........................................................................................................ 72
6.2.5 As decorações dos componentes de tear........................................................ 73
6.2.6 Os vestígios de utilização .............................................................................. 76
6.3 Aproximação à funcionalidade ............................................................................. 77
7 Componentes de tear: contextos e faseamento ............................................................ 81 7.1.1 Os contextos dos componentes de tear .......................................................... 82
7.1.2 Uma visão espacial ........................................................................................ 84
7.2 Os componentes de tear no faseamento do povoado de S. Pedro ........................ 85
8 Considerações finais .................................................................................................... 88 8.1 Propostas para o futuro ......................................................................................... 91
9 Referências bibliográficas ........................................................................................... 93 9.1 Cartografia .......................................................................................................... 110
Índice de tabelas
Tabela 1: Coordenadas do sítio de S. Pedro ................................................................................................. 4 Tabela 2: Esquema para a construção da tipologia de placas ..................................................................... 51 Tabela 3: Esquema para a construção da tipologia de crescentes ............................................................... 53
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
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1 Introdução
É da realidade artefactual, concreta e mensurável, que temos de partir (…)
Gonçalves, V. S., 2003b, p.109
O tema desta dissertação foi inspirado no do último trabalho elaborado no
âmbito da licenciatura em arqueologia: as placas e crescentes em cerâmica – os
componentes de tear, provenientes do sítio arqueológico de S. Pedro (Redondo,
Alentejo Central). Estudou-se um amplo conjunto de placas e crescentes de cerâmica,
recolhidos nas várias campanhas de escavação (2004-2009), e provenientes dos vários
sectores e fases do povoado.
O interesse pelo estudo destes materiais surgiu pela quantidade em que se
identificaram neste povoado e pelo desafio que a sua análise comportava, uma vez que a
sua interpretação e significado suscitam ainda muitas discussões na comunidade
arqueológica.
Os principais objectivos que nortearam esta investigação centraram-se na análise
morfológica, tecnológica e funcional dos artefactos, através da construção de fichas
descritivas e da organização de estruturas tipológicas. Pretende-se igualmente
contextualizar no espaço e no tempo os componentes de tear, analisando-se todas as
unidades estratigráficas de proveniência destes artefactos com base nas suas
características, inter-relações, localização e faseamento, e organizando-as
numericamente em tabelas descritivas, agrupadas pelos seis sectores de escavação. Este
último objectivo foi o mais difícil de concretizar devido à fase embrionária em que se
encontrava o estudo da globalidade da estratigrafia do sítio arqueológico. No entanto, o
apoio disponibilizado pelo responsável dos trabalhos de campo e de gabinete, Dr. Rui
Mataloto, permitiu contornar as principais dificuldades, esperando-se que com o avanço
da investigação seja possível rever muitas das leituras e dados apresentados.
As placas e crescentes em cerâmica típicos de sítios arqueológicos do Sul da
Península Ibérica, cronologicamente integrados no 3.º milénio a.n.e., e alguns deles nos
finais do milénio anterior, marcam presença nos trabalhos arqueológicos desde os
alvores da disciplina, no século XIX, o que evidencia a frequência da sua identificação.
Estes materiais, apesar de atenciosamente estudados por alguns investigadores, foram
sistematicamente relegados pela maioria para categorias de análise genéricas e pouco
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 2
relevantes, limitando o seu estudo e o seu potencial informativo. Na actualidade, estes
artefactos são entendidos como componentes de tear, tendo-se tornado elementos
indispensáveis para o estudo das transformações agrícolas, pastoris e artesanais que
caracterizaram as primeiras comunidades agro-metalúrgicas. Espera-se que este trabalho
contribua para afirmar esta potencialidade informativa e a relevância desta temática.
Em termos cronológicos abordam-se realidades do final do 4.º e do 3.º milénios
a.n.e. Numa perspectiva mais objectiva, optou-se por utilizar a referência “antes da
nossa Era” (a.n.e.), ao contrário de “antes de Cristo” (a.C.), seguindo a posição de
outros autores como Victor Gonçalves (2005), Rui Boaventura (2009), Ana Catarina
Sousa (2010), entre outros.
1.1 A estrutura interna do trabalho
O presente trabalho estrutura-se em dois volumes: o primeiro constituído por
nove capítulos de texto e o segundo composto por nove anexos.
O primeiro capítulo refere-se à apresentação do estudo desenvolvido, definindo-
se o âmbito e os principais objectivos.
No segundo capítulo apresenta-se o sítio arqueológico de S. Pedro em termos
espaciais (localização e enquadramento geográfico), ambientais, arqueológicos
(identificação, contexto das intervenções, organização da área intervencionada e método
de escavação) e históricos (faseamento e enquadramento regional).
O terceiro capítulo consiste numa breve reflexão sobre a história da investigação
arqueológica dos componentes de tear na Península Ibérica desde o século XIX até aos
inícios do século XXI, com especial ênfase para a realidade portuguesa. No final,
apresenta-se uma imagem geral da distribuição dos componentes de tear no Ocidente
peninsular.
No quarto capítulo apresentam-se algumas questões teóricas relacionadas com a
tecelagem, referimos os principais vestígios desta actividade no Sul peninsular na
cronologia em estudo, e descrevemos alguns teares que, segundo vários investigadores,
poderiam ter sido utilizados pelas comunidades existentes. A questão da associação da
tecelagem ao género feminino, não podendo ser ignorada num trabalho com esta
temática, é abordada de forma breve neste capítulo.
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 3
O quinto capítulo contém a metodologia utilizada no estudo dos componentes de
tear: a definição dos principais conceitos e a explicação dos critérios das fichas
descritivas e da estruturação da tipologia.
O sexto capítulo dedica-se ao estudo dos materiais, estando organizado em três
partes: análise morfológica (apresentação das formas, tipos e variantes), tecnológica e
funcional.
No sétimo capítulo apresentam-se os contextos de proveniência dos
componentes de tear e o seu enquadramento nas fases do sítio de S. Pedro.
O trabalho termina com as conclusões e com as propostas para o futuro (capítulo
8), seguindo-se as referências bibliográficas (capítulo 9).
O segundo volume é constituído pelos anexos, estruturados de acordo com a
organização do primeiro volume.
No anexo 1 disponibiliza-se toda a informação cartográfica, gráfica e fotográfica
que documenta o contexto espacial e a investigação arqueológica do sítio de S. Pedro.
O anexo 2 pretende ilustrar a história da investigação dos componentes de tear,
salientando a diversidade da representação gráfica destes materiais.
No anexo 3 apresentam-se algumas imagens de reconstituições de teares.
O anexo 4 é o suporte do capítulo da metodologia (capítulo 5), contendo
esquemas explicativos da análise dos materiais e os catálogos de formas.
No anexo 5 apresentam-se os dados estatísticos (gráficos e tabelas) e nos anexos
6 e 7 as representações gráficas e fotográficas, respectivamente, dos componentes de
tear.
O anexo 8 é dedicado aos contextos estratigráficos de proveniência dos
materiais, apresentando uma nota explicativa geral, a descrição das unidades e as
fotografias das mais representativas.
O último anexo (9) contém os quadros descritivos e a base de dados geral.
As tabelas e quadros descritivos dos anexos 8 e 9 encontram-se exclusivamente
em formato digital (ficheiro pdf, CD-ROM), com o objectivo de permitir uma fácil
consulta e rápida pesquisa da informação.
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 4
2 O povoado de S. Pedro
2.1 O povoado de S. Pedro no espaço
Os lugares não se encontram, constroem-se. A diferença daquele chão não estava na geografia.
Mia Couto, 2002, p.189
2.1.1 Localização administrativa e o espaço na actualidade
O sítio de S. Pedro (SPD) localizava-se na região do Alentejo Central, distrito de
Évora, freguesia e concelho de Redondo, a 322 m de altitude (Figuras 1 e 2).
Tabela 1: Coordenadas do sítio de S. Pedro
Coordenadas militares (CMP 1:25 000, 451, 2008) X: 250636,77 Y: 187159,05
Coordenadas geográficas Lisboa -07º 33’ 00,924’’ 38º 38’ 55,800’’
Datum 73 -07º 33’ 08,364’’ 38º 38’ 58,665’’ WGS84 -07º 33’ 05,060’’ 38º 39’ 01,480’’ ED 50 -07º 33’ 00,130’’ 38º 39’ 05,970’’
O sítio arqueológico de S. Pedro encontrava-se no interior do perímetro urbano
da vila de Redondo, nas traseiras da ermida de S. Pedro. Na actualidade, a área
arqueológica estava seccionada por diversos muros de propriedade e coberta por um
olival, erguendo-se no lado Norte, sobre as estruturas pré-históricas, duas antenas de
telecomunicações. A colheita de pedra, as valas para a plantação de árvores e a
edificação das fundações das estruturas contemporâneas referidas afectaram
significativamente a conservação das realidades pré-históricas, demonstrando que este
sítio continuou a fazer parte das vivências da comunidade local. Mais recentemente a
área central do sítio de S. Pedro foi destruída e a paisagem completamente modelada
com a construção de uma estrutura viária – Via Circular Poente à Vila de Redondo, o
que motivou a intervenção arqueológica de salvaguarda do local.
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 5
2.1.2 Enquadramento geográfico
O sítio de S. Pedro integrava-se globalmente na unidade morfoestrutural da
Península Ibérica designada por Maciço Hespérico ou Maciço Ibérico, mais
concretamente na zona de Ossa-Morena, no sector de Estremoz-Barrancos (Araújo et.
al., 2006). A peneplanície alentejana é o elemento estruturante do relevo desta região,
limitada a Este pela crista de Redondo e a Norte pelo maciço da Serra d’Ossa (Feio,
Martins, 1993), como se pode observar no mapa de relevo do Alto Alentejo (Figura 6).
A unidade fisiográfica, individualizada por Manuel Calado a partir das sub-
regiões propostas no Atlas do Ambiente (2001, p.2-28), a que pertencia o sítio de S.
Pedro é a bacia do Degebe, uma área geologicamente marcada pelos quartzodioritos,
envolvida pelos xistos, com solos relativamente aptos para a actividade agrícola, como é
visível nas Cartas Geológica e Litológica de Portugal, respectivamente, nas Figuras 3 e
4. Esta área caracteriza-se por ser uma paisagem aberta, com boa transitabilidade natural
até ao limite Norte, onde se eleva a Serra d’Ossa.
O território deste sítio é drenado por um conjunto de pequenos cursos de água e
ribeiras, a maioria de carácter não permanente, afluentes dos rios Degebe e Lucefece,
que pertencem à bacia hidrográfica do grande rio do Sul – Guadiana.
O sítio de S. Pedro implantava-se no cimo de um cabeço alongado de vertentes
íngremes e topo aplanado (Figura 7), pontuado por afloramentos rochosos de xisto. Este
cerro integra um conjunto de elevações que bordejam a margem Nascente da planície
central de Redondo, a Sul da Serra d’Ossa. A posição destacada sobre a planície tornou-
o um marco na paisagem, com um amplo domínio visual para Sul e para Ocidente
(Figuras 11, 13 e 14), onde as planuras só por vezes são interrompidas pelo ondular de
pequenas elevações, mas relativamente limitado nos quadrantes Norte e Nascente pela
Serra d’Ossa e restantes elevações de Redondo, respectivamente, como se observa nas
Figuras 10, 12, 15 e 16.
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 6
2.1.3 A paisagem: uma aproximação possível
(…) O território é um artefacto (…) afeiçoado por milhões de gestos humanos (…)
Mateus, J., Queiroz, P., Leeuwaarden, W., 2003
As reconstituições dos territórios antigos no actual Alentejo Central são muito
escassas, não estando ainda disponíveis os resultados dos dados antracológicos e
faunísticos do sítio de S. Pedro. Apesar destas lacunas considerou-se pertinente colocar
algumas questões sobre o ambiente e os recursos disponíveis, recorrendo
exclusivamente a informações publicadas em estudos referentes a esta região e às que
lhe estão mais próximas: Estremadura espanhola, Algarve e Andaluzia.
Na actualidade o Alentejo apresenta um clima de características
mesomediterrâneas, com Verões quentes e secos e Invernos chuvosos e curtos (Queiroz
in Gonçalves, 2003c, p.453), que não podem ser linearmente transpostas para a Pré-
história. Contudo, a estabilidade dos principais factores climáticos permite admitir que,
mesmo com valores absolutos distintos, as relações fundamentais se tenham conservado
basicamente idênticas (Calado, 2001, p.18).
A capacidade de uso dos solos é condicionada pela geologia, relevo, clima e,
principalmente, pela própria acção humana, o que dificulta a análise dos solos do
passado com base na informação do presente. A área envolvente do povoado,
principalmente para Oeste, apresenta solos com potencial agrícola (Figura 5), aptos para
o desenvolvimento de uma agricultura de sequeiro.
O coberto vegetal desta região no 3.º milénio a.n.e. seria diferente do actual,
provavelmente mais variado e com áreas densamente arborizadas. A paisagem vegetal
seria composta por espécies características de diferentes unidades de vegetação (Soares
e Silva, 2010, p.227) como o pinheiro-bravo (Pinus pinaster), o pinheiro-manso (Pinus
pinea), o carvalho-cerquinho ou carvalho-português (Quercus faginea), o sobreiro
(Quercus suber), a azinheira (Quercus rotundifolia) e o zambujeiro ou oliveira-brava
(Olea europaea var. sylvestris). Esta paisagem estaria em transformação com a
crescente acção produtiva do homem, no sentido do aumento das áreas de cultivo e de
pasto, o que originaria cada vez mais espaços abertos e o desenvolvimento de uma
vegetação arbustiva (Diniz, 2007, p.45). A antropização do meio seria mais evidente na
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 7
envolvente dos sítios habitados e utilizados para a exploração, conservando-se,
sobretudo nas zonas de maior altitude, áreas de vegetação densa e diversificada.
No que se refere à paisagem cultivada salienta-se a presença de cereais de
sequeiro como o trigo (Triticum spp.) e a cevada (Hordeum vulgare), e de leguminosas
como a fava (Vicia faba), identificados no registo arqueológico de vários povoados
calcolíticos do Alentejo (Porto das Carretas, Soares e Silva, 2010), Algarve (Alcalar,
Morán e Parreira, 2003), Estremadura espanhola (La Pijotilla, Duque, 2004, p.518) e
Andaluzia (Las Eras, Lizcano et. al., 2009). As espécies vegetais não alimentares,
utilizadas em actividades artesanais como a tecelagem, seriam também cultivadas,
destacando-se o linho (Linum usitatissimum) e as esparteiras (Lygeum spartum e Stipa
tenacissima).
No actual território português identificam-se sete variedades de linho, adaptadas
às características das diferentes áreas regionais, com ciclos de sementeira/colheita
díspares. “No Alentejo (…) onde se cultivam as variedades de linho de inverno –
mourisco, abertiço e serrano – destinavam-lhe preferentemente os terrenos frescos das
bordas dos cursos de água, e sobretudo os hortícolas.” (Oliveira et. al., 1978, p.34). Os
dados disponíveis não permitem aferir a presença directa de linho no sítio arqueológico
em estudo, no entanto a observação do registo de outros sítios calcolíticos,
nomeadamente na Estremadura portuguesa (Vila Nova de S. Pedro, Paço, 1954), no
Algarve (Alcalar, Móran e Parreira, 2003) e na Andaluzia (La Cueva de los Murciélagos
de Zuheros, Córdova, Cacho et. al., 1996), onde se documentou a existência de vestígios
deste elemento vegetal, permite-nos colocar a hipótese do seu cultivo e da sua
transformação no sítio de S. Pedro. O esparto é uma espécie vegetal autóctone da
Península Ibérica, presente no Centro e Sudeste, cuja utilização para a tecelagem pode
ter resultado da sua recolha directa (esparto selvagem) e do seu cultivo. (Alfaro Giner,
1984).
A fauna desta área é, com elevada probabilidade, semelhante à detectada noutros
sítios arqueológicos regionalmente próximos (Boaventura, 2001, p.35; Valera, 2006a,
p.170-171; Moreno e Valera, 2007; Silva e Soares, 2010, p.227-228). Das espécies
selvagens identificadas destacam-se o veado-vermelho (Cervus elaphus), o corso
(Capreolus capreolus), o javali (Sus scrofa), a lebre-comum (Lepus europaeus) e o
coelho-comum (Oryctolagus cuniculus). A presença de animais adaptados a espaços
vegetais diversificados reforça a multiplicidade paisagística desta região e indicia o
desenvolvimento de actividades cinegéticas pelas comunidades do 3.º milénio a.n.e.
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 8
As espécies domesticadas como os suínos (Sus domesticus), os bovinos (Bos
taurus), os caprinos (Capra aegagrus hircus) e os ovinos (Ovis aries) teriam uma
expressão cada vez maior, salientando-se a intensa exploração dos primeiros na região
alentejana, como indicam os dados de um estudo de S. Davis e M. Moreno Garcia
(2007, p.65-66).
No âmbito deste trabalho, a presença de ovelhas, cuja confirmação se aguarda
com o estudo aprofundado dos vestígios faunísticos provenientes de escavação, reveste-
se de importância na medida em que, em teoria, a exploração plena das suas
potencialidades permitiria a obtenção de lã para a tecelagem. As ovelhas desta fase de
domesticação seriam semelhantes às ovelhas selvagens, distinguindo-se das actuais na
dimensão, na coloração e na pelagem. Teriam um revestimento composto por pêlos
grossos, curtos e enraizados designados por kemps (Davis, 1987, p.156-157), o que o
tornaria pouco apto para a utilização na tecelagem, originando tecidos toscos e ásperos.
O sítio de S. Pedro integrava-se numa área natural de contacto entre o litoral
atlântico do Tejo e as planícies interiores do Guadiana (Mataloto, 2010, p.264), num
território multifacetado, em que a planície de solos agrícolas e pastos se combina com a
estrutura imponente da Serra d’Ossa – espaço de exploração de recursos cinegéticos e
de captação de minérios (cobre). A associação de todos estes factores contribuiu para a
instalação de comunidades humanas estáveis neste local.
2.2 A investigação arqueológica
2.2.1 Identificação e contexto das intervenções
O sítio de S. Pedro foi identificado na década de noventa do século XX, no
âmbito de prospecções de um grupo local de defesa do património, sendo pela primeira
vez referido na bibliografia arqueológica por Manuel Calado na Carta Arqueológica do
Alandroal (Calado, 1993) e num pequeno artigo (Calado e Bairinhas, 1994, p.175-178).
Este investigador posteriormente, ao estudar o povoamento Neolítico e Calcolítico da
Serra d’Ossa, analisou as características de ocupação do sítio a partir dos materiais de
superfície e das estruturas visíveis, classificando-o como um povoado potencialmente
fortificado (Calado, 1995, 2001).
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 9
As intervenções arqueológicas no sítio de S. Pedro enquadraram-se num
contexto de salvaguarda e de emergência motivado pelo projecto de construção de uma
estrutura viária – Circular Poente à Vila de Redondo, da autoria da Câmara Municipal,
cujo traçado contemplava o atravessamento do cabeço, afectando irremediavelmente o
sítio. O primeiro passo desta intervenção consistiu na avaliação do potencial
arqueológico do sítio através de um plano de sondagens, que permitiu confirmar a
existência de estruturas de fortificação, a presença de estratigrafia conservada e de
abundantes vestígios materiais contextualizados. Os resultados obtidos não
comprometeram o avanço da obra mas impuseram a escavação integral da área a
afectar, que no final dos trabalhos rondava os 2000 m2. Os trabalhos de escavação
organizaram-se em várias fases, associadas ao desenvolvimento do projecto de
construção. A primeira etapa decorreu entre Março de 2004 e Novembro de 2005,
abordando-se todas as áreas do povoado; a segunda fase teve lugar nos meses de Verão
de 2007 e 2008, executando-se trabalhos mais localizados, uma vez que os
constrangimentos de tempo eram mais acentuados. A terceira fase de escavação
realizou-se entre os meses de Março e Novembro de 2009, retomando a abordagem
global.
2.2.2 O método de escavação: escavar em área um sítio pré-histórico
I believe that the larger the horizontal area which can be excavated, the more the evidence will be understood (…)
Barker, P., 1977, p.101
A site is more easily understood when entirely exposed than when it is divided into a series of holes.
Harris, E., 1989, p.20
O contexto da intervenção e a necessidade de escavar integralmente a área a
afectar conduziram à utilização de uma metodologia de área aberta (Figura 17).
Começou-se pela remoção expedita com meios mecânicos dos níveis superficiais,
seguindo-se posteriormente os princípios definidos por Barker (1977, 1982, 1993) e
Harris (1979, 1989), com vista à “escavação por fases de ocupação” (Mataloto, 2010,
p.267).
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 10
De acordo com os procedimentos deste método os trabalhos no terreno têm
como objectivo a definição e o registo de unidades estratigráficas (depósitos, estruturas
positivas, interfaces negativas), e a sua remoção, em conformidade com a sua forma e
contorno na ordem inversa à sua formação (Harris, 1989, p.15 e Barker, 1993, p.91). No
caso concreto do sítio arqueológico de S. Pedro todas as unidades estratigráficas foram
definidas com a superfície humedecida e raspada a colherim, de modo a salientar os
seus contornos. As unidades foram registadas individualmente em planta, fotografia e
numa ficha descritiva, onde se indicam as suas características, os materiais
identificados, as inter-relações estratigráficas e a sua interpretação. De modo a
simplificar o processo de escavação criou-se uma listagem esquemática de unidades
estratigráficas com a sua descrição preliminar no momento em que foram identificadas.
A escavação de realidades espaciais e cronologicamente distintas em simultâneo exigiu
que as unidades fossem numeradas de forma sequencial, independentemente da posição
ou antiguidade, não correspondendo a sua ordem numérica exactamente à sua formação
deposicional.
Os ecofactos e artefactos são identificados com o número da unidade
estratigráfica de proveniência, não tendo, salvo raras excepções, registo tridimensional
individual, uma vez que se considera que os materiais não devem ser lidos isoladamente
mas sempre integrados num contexto – unidade estratigráfica (Harris, 1989, p.124). Esta
indissociabilidade influencia a posterior organização e inventariação do material, não se
criando uma sequência de inventário única mas numerando-se os materiais dentro de
cada unidade. Assim, o número de inventário remete imediatamente para o contexto de
proveniência do objecto.
A estratigrafia de espaços habitacionais como a do sítio de S. Pedro é dinâmica,
resultando de inúmeras acções humanas e de agentes naturais, o que dificulta a
identificação de realidades completamente fechadas. Com efeito, nestes sítios raramente
se detectam materiais no seu sítio de utilização ou de abandono, tornando-se arriscada a
super-valorização de objectos/fragmentos em campo na ilusão de que sozinhos nos
permitem reconstituir contextos seguros.
Numa escavação de emergência integral como a que ocorreu no sítio de S.
Pedro, o trabalho não se esgotou no último dia de campo. O arquivo arqueológico
construído é extenso, com 3134 unidades estratigráficas identificadas, não sendo
possível ainda a organização total da sequência estratigráfica e a construção global da
matriz de Harris. A morosidade desta análise não é uma fragilidade do método mas o
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 11
resultado da difícil equação entre tempo, informação produzida e recursos disponíveis
para o seu tratamento e análise.
2.2.3 A área de intervenção: organização e caracterização
A área de escavação foi ordenada em seis sectores, de A a F, para orientar a
abordagem no terreno, simplificar a organização da informação e permitir a rápida
localização dos dados (Figura 29). Estes sectores não têm significado funcional nem
leituras estratigráficas específicas (Mataloto, 2010, p.267).
O sector A localizava-se no interior da linha de muralha do topo do cabeço.
Nesta área documentaram-se as várias fases do povoado, registando-se uma potência
estratigráfica com alguma expressão.
O sector B, delimitado pelas duas linhas de muralha, era o mais extenso e
complexo, porque continha todas as fases de ocupação do povoado numa estratigrafia
reduzida, sendo o resultado de múltiplos revolvimentos decorrentes das sucessivas
acções de vivência.
O sector C enquadrava-se no espaço exterior à muralha da fase II para Sul,
contendo o registo das fases de abandono/reconstrução desta fortificação.
O sector D situava-se na área virada a Norte, na zona de maior declive,
apresentando grande potência estratigráfica. As características topográficas da área entre
a muralha [716=832] e o muro [483] originaram a formação de uma bacia de deposição,
onde as unidades do interior eram mais recentes que as dos limites, embora estas se
encontrassem a cotas mais elevadas devido aos processos de erosão.
O sector E compreendia o espaço definido entre a antena de telecomunicações e
o muro de propriedade a Oeste. Esta área foi muito afectada pela fundação da primeira
estrutura, o que dificultou a sua conexão com os restantes sectores. Neste espaço
registaram-se sobretudo evidências das fases mais recentes de ocupação do sítio.
O sector F resultou do alargamento para Oeste dos sectores A, B e E,
perfazendo um espaço triangular com cerca de 200 m2. Na extremidade Norte a
estratigrafia encontrava-se bastante afectada, com a presença do afloramento rochoso
quase à superfície.
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 12
Este povoado apresentava grande complexidade estratigráfica, como se
depreende da observação das várias unidades estratigráficas apresentadas no anexo 8.4
[CD-ROM]. Na maior parte da área a potência estratigráfica era reduzida, “(…) como
seria de esperar numa área de forte dinamismo ocupacional e logo deposicional,
resultante de uma sucessão continuada de vivências quotidianas.” (Mataloto, 2010,
p.268). Efectivamente, o dinamismo da estratigrafia resultou maioritariamente de acções
que sucederam durante a Pré-história, tendo as estruturas do final da fase V,
nomeadamente o empedrado [497] – a última construção a ser realizada, marcado a
conservação da estratigrafia desta cronologia.
2.3 O povoado de S. Pedro: faseamento
O catálogo das formas é infinito: enquanto houver uma forma que não tenha encontrado a sua cidade, continuarão a nascer novas cidades. Onde as formas esgotam as suas variações e se desfazem, começa o fim das cidades.
Italo Calvino, As Cidades Invisíveis
O sítio arqueológico de S. Pedro é o resultado do somatório, num mesmo lugar,
de diversos espaços, estruturas e vestígios de vivências que decorreram ao longo de uma
ampla diacronia, entre o final do 4.º e meados do 3.º milénio a.n.e. É a apreensão e a
reconstrução destas realidades que pretendemos alcançar mas, tendo o processo de
escavação terminado recentemente, apenas conseguimos, neste momento, apresentar
uma proposta geral da história de ocupação do sítio baseada essencialmente nas
informações cedidas directamente pela equipa de campo e nos dados publicados em três
artigos: As fortificações calcolíticas de São Pedro (Mataloto, Estrela e Alves, 2007); O
4.º/3.º milénio a.C. no povoado de São Pedro (Redondo, Alentejo Central): fortificação
e povoamento na planície centro alentejana. (Mataloto, 2010); Construtores e
metalurgistas: Faseamento e cronologia pelo radiocarbono da ocupação calcolítica do
São Pedro (Mataloto e Müller, no prelo).
Os dados actualmente disponíveis tornam incerta a definição da primeira fase de
ocupação do sítio de S. Pedro. A identificação de um conjunto artefactual marcado por
formas esféricas e globulares lisas, por vezes com mamilos junto ao bordo, taças
carenadas, e ausência de pratos, (Mataloto, 2010, p.280), associado a depósitos, a
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 13
unidades negativas de tipo silo/fossa e a depressões escavadas na rocha sob a estrutura
amuralhada da fase II, permite-nos avançar com a hipótese de a primeira ocupação do
sítio se enquadrar na transição do 4.º para o 3.º milénio a.n.e. A fraca visibilidade desta
fase no registo arqueológico é explicada pela sua reduzida expressão arquitectónica e
pelo dinamismo das etapas seguintes. O desenvolvimento dos trabalhos na área Norte
(sector D), que conduziram à identificação de um muro com cerca de 14 m de
comprimento e 1,2 m de largura, em que um dos troços assentava na rocha de base,
colocou dúvidas ao carácter aberto desta primeira fase. De facto, a posição estratigráfica
desta estrutura, [483], tornava-a anterior à estrutura de fortificação mais robusta da fase
II, podendo relacionar-se com um momento inicial desta fase ou com um momento
avançado da fase I. No estado actual da interpretação estratigráfica, a incapacidade de
determinar o faseamento desta estrutura conduziu a que a sua representação gráfica se
realizasse na planta da fase II (Figura 30).
O povoado da fase II caracterizava-se pela construção de um amplo e robusto
sistema de fortificação, que não conseguimos ainda demonstrar se é uma fundação de
raiz ou uma continuação da ocupação anterior. A permanência dos principais
componentes artefactuais nas duas fases e a ausência de espessas camadas de abandono
que evidenciem hiatos de tempo tornam praticamente impossível a identificação da sua
sequencialidade.
Na área intervencionada a estrutura de fortificação é constituída por cinco
segmentos rectilíneos construídos em xisto, delimitando um espaço aproximadamente
trapezoidal com cerca de 800 m2. Num primeiro momento, associadas aos troços das
muralhas, erguiam-se duas torres ocas a Sudoeste e três de maior envergadura a Norte,
uma das quais reforçando o canto da muralha numa zona sensível (Figura 21). Após um
episódio de destruição a face Sudoeste da muralha (Figura 22) sofreu uma remodelação
de parte do seu circuito, com a substituição de alguns dos seus troços e das suas torres
por construções de menor entidade. Estas transformações não alteraram
significativamente a morfologia da estrutura nem o espaço delimitado.
Na área central interior identificaram-se duas estruturas, [345] e [1600], de
planta circular com alicerces de pedras de xisto de calibre diverso, que deveriam
desenvolver-se em altura (Figuras 19 e 20). A presença de vestígios habitacionais no
seu interior, a par da sua dimensão e localização, colocam a hipótese da sua utilização
como cabanas com a função de torres (Mataloto, Estrela e Alves, 2007, p.123).
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 14
O conjunto artefactual cerâmico associado a esta ocupação é marcado pela
presença expressiva de formas esféricas e globulares maioritariamente lisas, taças
carenadas, almagradas e de bordo espessado, e alguns pratos de bordo espessado, largo
e aplanado. A esta fase associam-se, possivelmente, os primeiros indícios da prática
metalúrgica com a presença de cadinhos e raros artefactos em cobre.
Esta ampla estrutura fortificada terá sido desactivada e desmantelada no final do
primeiro quartel do 3.º milénio a.n.e., sendo mais uma vez difícil de indicar se ocorreu
um abandono efectivo do sítio ou se a sua ocupação continuou com a mutação
arquitectónica e a reformulação espacial.
O povoado da fase III ergueu-se e organizou-se sobre as ruínas e as fundações
do anterior, sem sistema de delimitação e constituído maioritariamente por estruturas
construídas em materiais perecíveis, o que lhe conferiu uma fraca expressão
arquitectónica. As principais evidências desta fase identificaram-se no lado Norte
(sector D), materializando-se em vestígios de uma lareira, de algumas estruturas
negativas de apoio, de um conjunto de buracos de poste relacionados e de um
compartimento de planta rectangular com paredes de xisto e telhado possivelmente de
duas águas (Figura 23). Estamos assim perante realidades de difícil caracterização,
pouco resistentes à afectação das ocupações posteriores, sobretudo as que se situavam
na zona central do povoado (sectores A e B). A fragilidade estrutural desta fase e os
constrangimentos na sua interpretação não permitiram ainda o desenho da sua planta,
optando-se por inserir o compartimento rectangular do ambiente Norte na planta da fase
anterior (Figura 30).
Apesar de em termos materiais não se terem detectado alterações significativas
nesta terceira fase, a sua descontinuidade arquitectónica e a existência de potentes níveis
de escombros, individualizaram-na da ocupação anterior.
Na transição do primeiro para o segundo quartel do 3.º milénio a.n.e. o espaço de
S. Pedro reformulou-se completamente com a construção de uma nova estrutura de
fortificação (fase IV), de planta ovalada, ligeiramente achatada, com um vão orientado
a Nascente e um conjunto de torres adossadas pelo exterior, delimitando um espaço de
cerca de 200 m2 (Figuras 26 e 31). As torres que constituíam esta estrutura sofreram
alterações ao longo do tempo: inicialmente erguia-se uma torre oca a Norte, outra a
Nascente e outra a Oeste, sendo posteriormente acrescentada uma torre maciça de
menor dimensão a Sudeste, que teria sido desactivada com a construção de uma nova
torre oca a Sul. Apesar destas alterações a fisionomia da muralha permaneceu
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 15
praticamente inalterada. Na área central sucederam-se várias estruturas de planta
circular e paredes espessas, interpretadas como cabanas-torre (Figuras 24 e 25), o que
“(…) poderá evidenciar não só uma intensa actividade construtiva, mas também
destrutiva, quer por motivos técnicos (…), quer por motivos externos (…)” (Mataloto,
2010, p.275).
No exterior da fortificação identificou-se uma quantidade assinalável de
vestígios de construções domésticas, nomeadamente estruturas negativas de tipo
silo/fossa, conjuntos de buracos de poste e muros de pedra que, associados a materiais
perecíveis, estruturariam cabanas. A proliferação e a diversidade destas estruturas, e a
exiguidade do espaço delimitado, parecem indicar que a maioria das áreas de actividade
e de residência se localizavam fora das muralhas. Assim, o povoado seria uma realidade
mais ampla do que o espaço fortificado (Mataloto, Estrela e Alves, 2007, p.125).
O conjunto artefactual da fase IV distingue-se do das fases anteriores pela
predominância das formas abertas, nomeadamente dos pratos de bordo simples e
almendrado, e pelo desaparecimento das taças carenadas. Os recipientes decorados com
motivos geométricos e simbólicos permanecem minoritários.
A desactivação deste povoado terá ocorrido gradualmente em meados do 3.º
milénio a.n.e., surgindo posteriormente sobre as suas ruínas e derrubes uma nova
ocupação (fase V), sem estrutura delimitadora, constituída por cabanas de planta
circular com embasamento pétreo (Figuras 27 e 32) e por algumas estruturas negativas
de apoio habitacional.
Em termos materiais destaca-se a presença de raros fragmentos de cerâmica
campaniforme de estilo inciso, com gramáticas decorativas semelhantes aos conjuntos
do tipo Ciempozuelos (Mataloto, 2010, p.284).
Após o abandono das estruturas da fase V construi-se um empedrado (Figura 28)
sobre o traçado da antiga muralha. Esta estrutura tinha morfologia circular e 4 m de
largura, não se desenvolvendo em altura (Mataloto e Müller, no prelo). Os autores da
escavação interpretaram esta construção como um “acto de evidenciamento do
Passado”, atribuindo-lhe um significado simbólico (Mataloto, Estrela e Alves, 2007,
p.126).
O enquadramento cronológico da última fase e o abandono total do sítio
enquanto povoado não são ainda possíveis de definir com clareza. Torna-se necessário
aguardar pela interpretação global da estratigrafia e pela realização de novas datações de
radiocarbono, uma vez que as seis efectuadas até ao momento resultaram bastante
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 16
homogéneas e estatisticamente concordantes, o que tem dificultado a leitura fina do
faseamento do povoado (Mataloto e Müller, no prelo).
Na análise sequencial dos cinco povoados verificou-se a alternância entre
complexos de fortificação e ocupações sem estruturas delimitadoras. Esta diversidade
de cenários, mais do que contribuir para a famosa discussão da dicotomia
aberto/fechado, fortificado/não fortificado, exige uma reflexão da problemática da
continuidade e da ruptura, ou seja, se os vários povoados podem ser lidos como uma
sucessão de construções realizadas por uma mesma comunidade que se transforma e se
adapta a novas situações ou se a pluralidade arquitectónica revela a presença de grupos
diferentes com estratégias díspares de implantação e de vivência.
2.4 Os povoados de S. Pedro no Alentejo Central no final do 4.º e
durante o 3.º milénio a.n.e.
Será preciso quebrar primeiro a nossa luneta de horizontes pequenos, e alargar, depois, o compasso com que habitualmente medimos o tamanho do que nos circunda. Teremos, portanto de, mudar de ritmo e de visor.
Miguel Torga, 1993
A imagem da ocupação humana no final do 4.º e no 3.º milénio a.n.e. no Sul da
Península Ibérica, nomeadamente no Alentejo, Estremadura espanhola e Andaluzia,
sofreu uma profunda transformação a partir das últimas décadas do século XX. O
aumento significativo de intervenções arqueológicas de minimização de impactos,
decorrentes do desenvolvimento de núcleos urbanos e rurais e da construção de grandes
infra-estruturas, como a Barragem de Alqueva, ampliou exponencialmente o número de
contextos enquadrados nesta cronologia.
O aumento de dados exigiu o redimensionar de horizontes, uma vez que não só
existiam mais sítios como surgiam realidades de grandes dimensões e de amplas
diacronias. A imagem e o quadro conceptual a que tradicionalmente se associava a
ocupação calcolítica, baseada em povoados fortificados de altura, relativamente
solitários e distantes entre si, transformou-se num polimorfismo de espaços, estruturas e
arquitecturas dinâmicas em contacto e conexão, localizadas em áreas territoriais
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 17
adjacentes. Esta proliferação de sítios de habitat conduziu a que se inviabilizasse a sua
análise isolada e se pensasse o povoamento regional através de redes estruturadas e da
hierarquização dos vários povoados em função da sua dimensão. No entanto, a
informação disponível para os sítios arqueológicos de uma mesma área geográfica é
normalmente muito desigual, o que impõe um constante reformular das malhas de
povoamento desenhadas com o surgir de novas realidades.
Os dados actualmente disponíveis parecem indicar que o final do 4.º milénio
a.n.e. no Alentejo Central é caracterizado pelo surgimento de amplos povoados com
fossos, implantados em áreas planas e abertas de grande potencial agrícola e abundantes
recursos hídricos, como são os casos de Juromenha 1 (Alandroal, Calado, 2001),
Malhada das Mimosas (Alandroal, Calado, 2001), Águas Frias (Alandroal, Calado,
2005), Perdigões (Reguengos de Monsaraz, Lago et. al., 1998 e Valera et. al., 2007) e
San Blás (Cheles, Badajoz, Hurtado, 2002, 2004). Este processo de concentração
populacional terá sido conturbado e instável, como evidenciam as reformulações e
curtas ocupações de alguns destes sítios. De facto, com a consolidação do sistema agro-
pastoril a permanência dos grupos humanos aumentou, exigindo novos investimentos
nos espaços habitacionais e produtivos. A identificação do grupo ao seu espaço e a
crescente pressão humana sobre os territórios terão sido propícios ao desenvolvimento
de tensões sociais. Os fossos que cercavam estes povoados constituíam linhas
delimitadoras, que não inviabilizando completamente a passagem, a dificultavam,
podendo ser um reflexo dessa instabilidade. No entanto, não se exclui totalmente a
associação dos fossos a outras funcionalidades.
Na transição do 4.º para o 3.º milénio a.n.e. documentam-se profundas mudanças
no povoamento, evidentes no abandono de alguns povoados com fossos (Juromenha e
Malhada das Mimosas), na emergência e consolidação de outros, e na ocupação de
elevações proeminentes na paisagem como novo desafio de organização territorial.
O primeiro quartel do 3.º milénio a.n.e. caracterizou-se por uma nova forma de
ocupação em altura com a construção de sistemas de fortificação pétreos,
defensivamente muito diferentes das grandes instalações com fossos. Para esta
dualidade construtiva de realidades contemporâneas avançou-se a hipótese de poderem
constituir duas culturas diferentes: “(...) de um lado, fossos, de outro muralhas (…)”
(Gonçalves e Sousa, 2006, p.248), mas não totalmente apartadas. No entanto, a
proximidade geográfica dos povoados, a coincidência de muitas das suas fases,
nomeadamente as de crescimento, associadas à semelhança das estruturas habitacionais
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 18
e de apoio, e a total ausência de dados antropológicos e biométricos que diferenciem as
duas populações (Boaventura, 2009; Mataloto e Boaventura, no prelo, p.42), constituem
alguns dos argumentos que fragilizam esta interpretação.
Se admitirmos que fossos e muralhas se combinam na estruturação do
povoamento, muitos dos povoados fortificados do 3.º milénio a.n.e. poderão ser lidos
enquanto estruturas defensivas e marcadores de territórios, com o seu centro na planície,
como o modelo proposto para La Pijotilla (Hurtado, apud Calado, 2001, p.132). Neste
sentido, pode-se considerar que os povoados de planície de grandes dimensões
delimitados por fossos, e por vezes com estruturas pétreas associadas, exerciam um
papel de destaque pela provável concentração de indivíduos e de excedentes, e talvez
pela relevância simbólica sobre um território, como é sugerido para La Pijotilla
(Hurtado, apud Calado, 2001, p.132) e para Perdigões (Evangelista, 2003, p.154). Os
povoados fortificados de altura, sendo espaços habitacionais multifacetados, seriam
elementos dissuasores e defensivos implantados nos limites destes territórios. A relativa
uniformidade da cultura material ao longo deste milénio pode ser um indício da
comunicação e inter-relação entre estas realidades, que partilhavam elementos culturais
comuns.
No segundo quartel do 3.º milénio a.n.e. verifica-se a intensificação das
estruturas de fortificação, “(…) que assumirão forte carácter identitário, produzindo
uma notável transformação da paisagem, que surgirá agora bastante mais
compartimentada” (Mataloto e Boaventura, no prelo, p.44).
O final do milénio no Alentejo Central é marcado por uma profunda
reconfiguração das estruturas de povoamento, com o abandono de muitos dos povoados
de planície e de altura e o consequente desmembramento das redes territoriais em que se
organizavam. Aparentemente os povoados tornaram-se mais pequenos e com menos
sinais de permanência, integrando-se em territórios mais segmentados. No entanto, a
diversidade de espaços de povoamento manteve-se com ocupações de altura e de
planície, muitas vezes coincidentes com a localização de povoados anteriores, mas sem
evidências de estruturas delimitadoras, como ocorreu nos sítios de S. Pedro, Monte
Tosco, Porto das Carretas ou Perdigões. Estas ocupações, que se ergueram sobre as
antigas ruínas ou em espaços novos, com inovações artefactuais, como a cerâmica
campaniforme, e a intensificação da metalurgia, apresentavam algumas linhas de
continuidade material e uma certa conexão com os antigos espaços, provavelmente
interpretados como antepassados dos “(…) intervenientes e talvez principais actores das
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 19
transformações ocorridas (…)”: “(…) as populações locais e regionais (…)” (Calado,
2001, p.134).
Para finalizar, pretende-se enquadrar os povoados de S. Pedro a uma escala mais
local: a vertente Sul da Serra d’Ossa. Nesta área conhecem-se diversos sítios com
vestígios de ocupações integrados no final do 4.º milénio a.n.e. e sobretudo ao longo do
3.º milénio a.n.e., como se observa pela densidade de pontos marcados nos mapas das
Figuras 8 e 9. A maioria dos dados disponíveis resultou de trabalhos de prospecção
realizados no âmbito de um projecto de investigação (Calado, 1995) e da elaboração da
carta arqueológica de Redondo (Calado e Mataloto, 2001), tendo sido escavados apenas
dois povoados: o de S. Gens e o de S. Pedro; o primeiro só alvo de algumas sondagens
(Mataloto, 2005) e o segundo escavado intensamente em área. Esta disparidade no
volume e na proveniência da informação limita a análise comparativa dos vários sítios,
uma vez que os dados exclusivamente de superfície são muito mais problemáticos do
que os obtidos em escavação. Apesar destes constrangimentos tenta-se estabelecer o
diálogo entre os vários locais partindo do povoado de S. Pedro, não porque seja o
centro, mas porque é o mais conhecido.
A escassos quilómetros a Norte detecta-se na planície uma ampla área de
dispersão de materiais, genericamente enquadráveis na transição do 4.º para o 3.º
milénio a.n.e., designada por sítio do Monte da Ribeira, cujas características de
implantação parecem indicar que estamos perante um povoado com fossos (Calado,
2001 e Mataloto, 2010, p.289). A Noroeste, numa elevação de encostas suaves,
identifica-se o sítio das Pereiras, com um conjunto artefactual composto por elementos
típicos do Calcolítico inicial (taças carenadas e bordos espessados) mas também por
alguns materiais tardios de contextos campaniformes. Esta diversidade sugere que o
sítio tem uma ampla diacronia, mantendo-se activo ao longo de todo o 3.º milénio a.n.e.
Nos cerros da Serra d’Ossa mais próximos da planície identificam-se sítios como
Argolia, Monte do Outeiro e Pica na Velha; o primeiro de difícil caracterização e os
dois últimos provavelmente dos inícios do 3.º milénio a.n.e., dada a presença de formas
abertas e de bordos espessados. No topo da serra, numa posição de grande
defensabilidade natural e controlo visual sobre a planície e principais portelas, ergue-se
o povoado fortificado de S. Gens, de reduzidas dimensões e com um conjunto material
do Calcolítico inicial. A Este, na crista rochosa que baliza a planície de Redondo,
encontram-se dois sítios possivelmente fortificados, Caladinho e Vinha, com materiais
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 20
do Calcolítico pleno. A Oeste detecta-se uma ocupação em altura pouco conhecida,
provavelmente fortificada – o sítio do Almo, e diversos pequenos sítios, enquadráveis
no Calcolítico inicial, localizados em baixas elevações como o Colmeeiro 2 e em áreas
planas, como o Cabido e a Craveira.
Os indícios de ocupação do final do 4.º milénio a.n.e. são escassos, podendo
enquadrar-se nesta cronologia as primeiras fases dos povoados do Monte da Ribeira e
de S. Pedro, o que nos remete para a diversidade de locais de implantação, como
verificado para outras áreas próximas.
No início do 3.º milénio a.n.e. os povoados tornaram-se mais expressivos e
diversificados, correspondendo a um “(…) momento de particular expansão
demográfica e clara intensificação produtiva (…)” (Mataloto, 2010, p.290). As
ocupações em altura aumentaram e complexificaram-se com a construção de estruturas
pétreas de delimitação, como se observa no povoado II de S. Pedro, no S. Gens, e
provavelmente no Almo e na Argolia, mantendo-se os povoados de fossos como o do
Monte da Ribeira. Se este último povoado se confirmar como um sítio de entidade e de
dimensão, na senda de outros povoados de planície do Alentejo Central, terá
desempenhado um importante papel na organização do povoamento desta área,
enquanto centro coordenador de um território. Nesta perspectiva, as fortificações que
envolviam a planície podem ser interpretadas como uma cintura delimitadora e
identificadora de um grupo coeso, possivelmente com funções defensivas decorrentes
de “(…) pressões demográficas e produtivas exercidas por grupos externos.” (Mataloto,
2010, p.290).
A rede de povoamento descrita transformou-se completamente no final do
primeiro quartel do 3.º milénio a.n.e., com o abandono total de alguns povoados
fortificados como o de S. Gens, o desenvolvimento de uma ocupação sem estrutura de
delimitação no sítio de S. Pedro (fase III) e o declínio do Monte da Ribeira.
No segundo quartel do 3.º milénio a.n.e. o povoamento em altura reforçou-se,
como é visível na edificação da segunda fortificação do povoado de S. Pedro (fase IV),
no surgimento dos povoados do Caladinho e da Vinha, e talvez nas novas fases dos
povoados das Pereiras e do Almo. O fortalecimento destas estruturas aparentemente não
foi acompanhado pelo crescimento de nenhum povoado com fossos, o que pode resultar
da superficialidade dos dados do povoado do Monte da Ribeira e do desconhecimento
de outras realidades deste tipo na planície central de Redondo, mas também da sua não
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 21
existência. Nesta última hipótese o “centro” seria um povoado mais afastado,
provavelmente o de Perdigões ou o de San Blás.
No final do milénio as transformações neste território foram acentuadas com a
redução do número de povoados, o que pode ter resultado de um efectivo declínio
populacional como sugeriu Manuel Calado (2001, p.134), mas também do ritmo da
investigação. Na área em estudo identificam-se materiais associáveis a esta cronologia
no povoado da Fonte Ferrenha, no das Pereiras e no povoado V de S. Pedro, o que
evidencia uma preferência por sítios elevados, com visibilidade e defensabilidade,
muitos deles com anteriores ocupações. Este novo povoamento diversificado e instável
transformou as dinâmicas territoriais.
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 22
3 Os componentes de tear na investigação arqueológica
3.1 Breve história da investigação dos componentes de tear
(…) Nós, como outros, somos apenas mais um momento da história de um artefacto que continua.
Branco, G., 2007, p.20
As placas e crescentes de cerâmica, designados por componentes de tear, são
presença constante nos contextos relacionados com as comunidades calcolíticas da
Península Ibérica, ocorrendo com maior expressão nos sítios de habitat e de forma mais
restrita e pontual nas necrópoles. Tornaram-se assim peças incontornáveis, ainda que
dificilmente compreensíveis, para as sucessivas gerações de arqueólogos peninsulares
que, desde os finais do século XIX até à actualidade, as tentam analisar e interpretar
com os métodos disponíveis.
Neste capítulo procura-se traçar a história da investigação dos componentes de
tear, definindo três fases distintas de análise e de interpretação que, não tendo limites
rígidos, se associam às principais transformações epistemológicas da arqueologia
portuguesa.
3.1.1 O final do século XIX e a primeira metade do século XX
Estes objectos, sobre cuja utilização os pré-historiadores não estão de acordo, pois uns consideram-nos pesos de tear, outros elementos de fornos de fundição ou de aplicação indeterminada (…)
Paço, A., 1940, p.235
A consolidação da arqueologia enquanto disciplina científica ocorreu em
Portugal na segunda metade do século XIX, acompanhando, ainda que de forma lenta,
as mudanças e inovações epistemológicas que marcaram a Europa oitocentista. Os
pioneiros desta disciplina tinham formações, técnicas e objectivos muito diversificados
(Gonçalves e Diniz, 1993-1994, p.185), organizando-se em instituições como a
Comissão Geológica de Portugal, que desenvolveu uma arqueologia de terreno
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 23
principalmente centrada na Pré-história, a Real Associação dos Architectos Civis e
Archeologos Portuguezes, dedicada à identificação, estudo e conservação do património
arqueológico de épocas históricas, e em Sociedades Archeológicas, vocacionadas para o
estudo e divulgação do património local e regional. O dinamismo destas instituições
científicas evidenciou-se na pluralidade e na diversidade de publicações periódicas e
monográficas (idem, p.186).
Uma das Figuras de destaque desta época foi Sebastião Philippes Estácio da
Veiga, “o primeiro arqueólogo profissional português” (Fabião, 1999, p.112),
incumbido pelo Estado de elaborar a Carta Arqueológica do Algarve (1876 -1878) e de
realizar vários trabalhos de campo, cujos resultados publicou nos primeiros quatro
volumes da obra Paleoethnologia Antiguidades Monumentaes do Algarve (1886-1911).
É justamente no terceiro volume que Estácio da Veiga referiu a presença de crescentes,
descrevendo-os como objectos de “(…) barro mal cozido (…)”, que “(…) teêm a forma
sub-cylindrica e geralmente são um pouco encurvados (…)” (p.214), com furos e sem,
identificados em vários sítios do Algarve, principalmente no monumento 4 da necrópole
de Alcalar (Figura 43).O autor demonstrava muitas dificuldades na interpretação da sua
funcionalidade, duvidando da associação à tecelagem, “(…) por não ser necessária para
este serviço a curvatura que alguns demonstram (…)”, e aproximando-se mais da sua
utilização como “(…) enfeites do pescoço ou do penteado (…)” (p.216).
José Leite de Vasconcellos é uma Figura incontornável da arqueologia
portuguesa, enquanto investigador, director do Museu Etnológico Português e professor
universitário. Em vários artigos da revista O Archeologo Português publicou os
diversos materiais arqueológicos que observou e recolheu nas suas viagens por
Portugal, nomeadamente pelo Alentejo. Em alguns destes conjuntos, como o do Castro
de Vidais (Marvão), o autor deparou-se com placas de argila perfuradas, que
considerava semelhantes às da Estremadura, interpretando-as por isso como pesos de
tear, e com crescentes (Figura 44), que julgava “partes de colares” (apud Paço, 1953,
p.14) – objectos simbólicos sem qualquer relação com a tecelagem.
A actividade arqueológica portuguesa do final de oitocentos e nas primeiras
décadas de novecentos é marcada pela excessiva iniciativa individual (Fabião, 1999,
p.118), em que muitos dos projectos de investigação e de museologia eram tão fugazes
como a vida dos seus fundadores, e os atritos académicos e as desavenças pessoais eram
constantes, sobrepondo-se, em algumas situações, ao próprio interesse científico. Estas
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 24
querelas tornaram a arqueologia portuguesa demasiado regionalista, produzida em torno
de líderes científicos com grande poder institucional.
Vergílio Correia, uma destas Figuras de destaque, dedicou grande atenção ao
estudo dos pesos de tear. Em 1914 publicou na revista Águia – Órgão da Renascença
Portuguesa um artigo sobre esta temática, abordando de forma sucinta a história destas
peças em Portugal desde a Pré-história até aos inícios do século XX (p.181). Neste
artigo o autor defendeu que os primeiros teares seriam verticais e que teriam surgido no
Neolítico e no Calcolítico, sendo identificados no registo arqueológico pela presença
significativa de pesos de tear em cerâmica. Na descrição destas peças V. Correia deu
ênfase às placas de forma rectangular, referindo a sua morfologia geral e de secção, a
quantidade de orifícios, as dimensões e as decorações, salientando as diferenças
decorativas entre o Alentejo e a Estremadura. Num outro artigo, publicado em Espanha,
dedicado aos sítios arqueológicos da área de Pavia (1921), o autor destacou a presença
intensa no povoado do Castelo de “placas de barro perfuradas” (p.22) e de “meias
argolas de barro” (p.23), que ao ter designado por “pesos de tear” refutou a explicação
simbólica das últimas.
O trabalho publicado no Arqueólogo Português por Félix Alves Pereira em 1915
sobre o espólio arqueológico do sítio do Outeiro da Assenta (Óbidos) merece uma
atenção especial, uma vez que na organização dos artefactos pré-históricos de cerâmica
criou um campo de análise específico para os pesos, subdividindo-os em três categorias:
fiação ou cossoiros, de tear e de rede (p.108), dentro das quais definiu vários tipos. Este
artigo constitui, em nosso entender, a primeira tentativa de organizar tipologicamente os
artefactos interpretados como pesos, e de problematizar a sua funcionalidade. Importa
salientar, para o desenvolvimento do presente trabalho, a categoria dos “pêsos de tear
(…) de barro grosseiro, mas fortemente cozido (…) de tipo de paralelepípedos rectos e
deprimidos, mas com variantes (…)” (p.125), na qual se enquadram as placas típicas da
Estremadura. Neste grupo de pesos o autor definiu três tipos com base na morfologia
das faces e no número de perfurações: quadrado de quatro orifícios, quadrado de dois
orifícios e oblongo de quatro orifícios. F. A. Pereira, ao interpretar as placas perfuradas
como pesos de tear, sugeriu que “(…) estes pesos para teares verticais (…) ficavam
suspensos por dois dos seus orifícios e não pelos quatro ao mesmo tempo. E a razão é
que não só aparecem pesos desta forma com duas perfurações apenas, mas nos de
quatro, em grande parte deles, apenas dois orifícios de um dos lados (…) manifestam os
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 25
vestígios de uso (…)” (p.126). Esta proposta de colocação de placas na horizontal, com
a utilização de apenas um dos pares de perfurações, pode ser observada na Figura 34.
Manuel Heleno publicou uma parte ínfima da informação que recolheu,
encontrando-se a maioria dos dados das suas pesquisas arqueológicas nos cadernos de
campo. A propósito dos componentes de tear do Sul, este autor mencionou a presença
de placas em alguns monumentos megalíticos do Alto Alentejo, referindo o número de
perfurações (“buracos”) somente em algumas anotações, mas nunca aludindo à
existência de crescentes (Rocha, 2005, p.147). Esta omissão não foi resultado da sua
não identificação em campo, uma vez que M. Heleno recolheu artefactos deste tipo no
povoado de Brissos (idem), mas de não os interpretar como pesos de tear, tendo
atribuído pouco destaque à sua presença em campo.
Para além destas personalidades “(…) existiu todo um grupo de homens, que
poderemos definir como voluntaristas e práticos, que construíram o grupo mais fecundo
e produtivo, se preferirmos, a verdadeira face da arqueologia portuguesa dos segundo e
terceiro quartéis do século XX” (Fabião, 1999, p.126). Destes destaca-se Afonso do
Paço pela relevância que atribuiu aos componentes de tear ao longo da sua vida. Nos
vários artigos que publicou sobre o povoado fortificado de Vila Nova de S. Pedro (numa
primeira fase em co-autoria com Eugénio Jalhay) as placas de barro com quatro
orifícios, lisas e decoradas, eram presença constante, de tal forma que, no Congresso do
Mundo Português em 1940, apresentou uma comunicação exclusivamente dedicada a
este tema. Nesta exposição, Afonso do Paço manteve a dúvida quanto à funcionalidade
das placas, aproximando-se, no entanto, das propostas funcionais e morfológicas de F.
Pereira, à qual acrescentou mais um tipo: “(…) rectangular de quatro orifícios” (p.236).
Este conjunto de placas é marcado por um grande número de peças decoradas, com
técnicas e motivos muito diversificados: zoomórficos (bovídeos e cervídeos),
geométricos (círculos, linhas ondulantes, ziguezagueantes, reticulados e pontilhados),
simbólicos e solares. Os elementos decorativos referidos assemelham-se aos de
figuras rupestres, aos de recipientes cerâmicos e aos de alguns objectos simbólicos,
como os ídolos de calcário e as placas de xisto gravadas (Figura 35).
Num artigo posterior dedicado ao estudo das sementes pré-históricas de Vila
Nova de S. Pedro, a presença de vestígios de linho foi utilizada como argumento para
Afonso do Paço reforçar a funcionalidade das placas de barro como pesos de tear, uma
vez que tendo encontrado a matéria-prima podia confirmar a prática da tecelagem: “(…)
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedro (Redondo), 3.º milénio a.n.e.
Catarina Costeira 26
mais nos inclinamos a admitir que as tão discutidas placas quadrangulares sejam pesos
de tear e não elementos de fornos de fundição (…)” (1954, p.338).
Nos seus trabalhos no Alentejo, nomeadamente no Castro de Vidais (Marvão,
1953) e no Castelo do Giraldo (em parceria com José Fernandes Ventura, Évora, 1960-
61), A. Paço registou conjuntos significativos de placas de barro de duas e quatro
perfurações, morfologicamente semelhantes mas com menos decorações do que as da
Estremadura, e crescentes com curvaturas e espessuras diversificadas mas sempre com
duas perfurações. As placas foram associadas sem hesitações à tecelagem, enquanto
evidência de uma “(…) indústria local e rudimentar de fiação e tecelagem (…)” (Paço,
1953, p.16). Os crescentes, por seu lado, suscitaram mais dúvidas interpretativas à
partida, levando o autor a referir as várias explicações em voga sobre a sua
funcionalidade: “(…) parte de colares (…)”, “(…) componentes de fornos de fundição
de metais (…)” e “(…) pesos de tear (…)” (Paço, 1953, p.16). No entanto, dada a
quantidade em que estes artefactos surgiram e a ausência de sinais de fogo conduziram
o autor a “(…) considerá-los pesos de tear” (Paço e Ventura, 1960-61, p.45).
É assim evidente a identificação de placas e crescentes em cerâmica desde os
alvores da actividade arqueológica científica em Portugal.
As placas apresentam uma maior uniformidade e semelhança, surgindo em sítios
arqueológicos de diferentes regiões peninsulares: Estremadura, Alentejo e Andaluzia. A
interpretação destes objectos como pesos de tear era relativamente unânime na
comunidade arqueológica portuguesa, afastando-se das explicações de alguns autores
que estudaram sítios espanhóis, como Frederico Motos (1918), que os associavam a
fornos metalúrgicos. Os crescentes surgem mais localizados no Sul da Península, não
sendo a sua funcionalidade consensual, uma vez que se alguns autores, como V.
Correia, os consideravam pesos de tear, relacionando-os com as placas, outros, na linha
de Estácio da Veiga e J. L. Vasconcellos, interpretavam-nos como objectos de adorno,
não havendo muitos apoiantes, na comunidade científica portuguesa, da proposta dos
irmãos Sirets (1917) da sua associação à fundição metalúrgica. Na Figura 49 reproduz-
se um forno de fundição com crescentes, de acordo com a proposta destes últimos
autores.
A descrição das placas é relativamente semelhante nos vários investigadores,
destacando-se como critérios a morfologia das faces, a forma da secção, o número de
perfurações e a presença de decoração, ainda que a terminologia seja diversificada:
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Os componentes de tear do povoado de S. Pedr