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Ficha Técnica

Título

Santarém. Carta Arqueológica Municipal

Coordenação

António Matias

Revisão Editorial

António Matias Helena Vicente Inês Serafim

Textos

Ana Margarida Arruda António Faustino Carvalho António Matias Catarina Viegas Ellie Gooderham Helena Santos Hugo Cardoso João Luís Sequeira Lia Mergulhão Marco Liberato Maria Antónia Amaral Olímpio Martins Tânia Casimiro Telmo Pereira

Cartografia e Desenho

Inês Serafim

Grafismo da Capa

Ah d'ldeias

Produção Gráfica

Ah d'ldeias

Impressão e acabamento

Tipotejo - Artes Gráficas, Lda

Data de impressão

Setembro de 2018

Tiragem

600 exemplares

Depósito Legal

N° 445623/2018

Propriedade e Edição

©2018 Município de Santarém Praça do Município 2005-245 Santarém www.cm-santarem pt

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SANTAREM e CARTA ARCWEOLOGICA MUNICIPAL

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índice

06 Carta Arqueológica do Concelho de Santarém

07 1. Introdução

08 2. Arqueologia em Santarém

11 3. Legitimação

13 4. Enquadramento Geográfico e Administrativo

14 5. Enquadramento Natural

15 5.1 Clima

16 5.2. Unidades de Paisagem

18 5.3. Coberto Vegetal

20 5.4. Recursos Hídricos

21 6. Enquadramento Geológico e Geomorfológico

25 7. Enquadramento Histórico

34 8. Metodologias

34 8.1 . Sistematização Prévia de Informação

35 8.2. Produção de Cartografia Digital

35 8.3. Organização da Informação

40 8.4. Prospeção Sistemática de Superfície

41 9. Resultados

/,7 10. Considerações Finais

49 11. Bibliografia

53 12. Cartografia

53 12.1. Carta Arqueológica

84 12.2. Carta de Restrições e Sensibilidade Arqueológica

85 Sínteses

86 Geossítios I Lia Mergulhão e Olímpio Martins

94 O Paleolítico I Telmo Pereira

104 A Pré-História Recente I António Faustino Carvalho

112 A Idade do Ferro I Ana Margarida Arruda

118 A época romano-republicana I Ana Margarida Arruda

124 Breves apontamentos sobre o período romano imperial

e a antiguidade tardia de Santarém I Catarina Viegas

132 Uma imagem em construção: funções urbanas e materialidades em Santarém durante a Alta Idade Média I Marco Liberato

140 A reafirmação da centralidade regional: séculos X-XII I Helena Santos e Marco Liberato

11,8 Intervenção arqueológica no paramento Norte da muralha da barbacã do Castelo de Alcanede (Santarém) I Maria Antónia de Castro Athayde Amaral

168 À mesa com as Donas. Faiança Portuguesa de uma lixeira conventual em Santarém [1640-1660) I Tânia Casimiro e João Luís Sequeira

176 O Memorial de um Convento. Reconstrução dos padrões de Vida e Morte no Convento de S.

194

232

Domingos de Santarém I António Matias

Reflections on bioarchaeological research in Santarém I filie Goodheram e Hugo Cardoso

Estrutura muralhada de Santarém. Síntese e avaliação do estado de conservação I António Matias

13. ANEXO I DVD-ROM com as fichas de sítio da Carta Arqueológica do Concelho de Santarém

SANTARÉM ~ CARTA ARQjJEOLOGICA MUNICIPAL ""~.

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Na área do concelho de Santarém, a Idade do Ferro

está plasmada, quase exclusivamente, em dois sítios

arqueológicos icónicos: a antiga Alcáçova da capital

ribatejana e os Chões de Alpompé, localizado em Vale

de Figueira .

Estão ambos implantados em cotas altas, com boas

condições naturais de defesa, em planaltos mais ou

menos recortados sobre linhas de água, o primeiro

sobre o Tejo, o segundo sobre o Alviela, importante

afluente do primeiro, próximo, aliás da área de

confluência dos dois rios .

Há uma absoluta inter-visibilidade mútua, não

surpreendendo, portanto. o muito que têm em comum,

do ponto de vista da sua cultura material.

o conhecimento adquirido nas últimas duas décadas do

século XX sobre o primeiro, e o que passámos a dispor,

desde há três anos, sobre o segundo, permite abordá­

los numa perspetiva mais ampla e integrada, que se

afasta das leituras centradas quase exclusivamente na

Geografia Histórica, que sempre se lhes associou .

De facto, as questões relacionadas com a localização

geográfica dos dois núcleos urbanos citados nas fontes

clássicas, Scallabis e Moron, dominou, quase sempre, o

debate em torno destes dois importantes sítios.

Se o topónimo indígena que os romanos mantiveram

para designar a sede de um dos três conventus da

Província da Lusitânia, o Scallabitanus, e que ainda

hoje se conserva na memória coletiva da cidade,

correspondeu, ou não, a Santarém é hoje uma questão

ultrapassada, dados os abundantes testemunhos

de um núcleo urbano de dimensão e importância

consideráveis, pré-romano, mas também romano,

sobposto ao atual Jardim das Portas do Sol, onde

também se implantou a antiga Alcáçova islâmica ,

Por outro lado, os trabalhos de campo que tive a

oportunidade de conduzir, juntamente com outros

colegas, nos Chões de Alpompé, no Verão de 2015,

permitiram também esclarecer que é neste lugar

que se situou Móron, a "cidade" que o cônsul Décimo

Júnio Bruto terá usado, em 138 a.n.e., para estacionar

o seu exército, antes da campanha que dirigiu para o

Noroeste.

«É neste lugar [Chões de Alpompé]

que se situou Móron, a "cidade"

que o cônsul Décimo Júnio Bru-

to terá usado, em 138 a.n.e., para

estacionar o seu exército»

o planalto da Alcáçova de Santarém ofereceu milhares

de fragmentos cerâmicos, metálicos e vítreos da Idade

do Ferro, para além de um muito expressivo conjunto

de fauna e de restos carpológicos e antracológicos

que possibilitam uma análise vasta e holística da sua

ocupação sidérica, que pôde ser completada pelas

estruturas domésticas identificadas Convém, contudo,

começar por recordar que o planalto, com cerca de 5

hectares de área, era já habitado no final da Idade do

Bronze, facto desde sempre intuído [ARRUDA, 1993;

ARRUDA, 1999/20001. mas que ficou definitivamente

comprovado nas escavações de 2001 [ARRUDA e

SOUSA. 20151.

Os níveis da Idade do Ferro da Alcáçova de Santarém

estão ainda impregnados, do ponto de vista da sua

cultura material, pelos elementos anteriores, do

Bronze Final, sendo muito abundante a cerâmica de

produção manual [ARRUDA. 1993; 1999/2000; SOUSA e

ARRUDA, 20181. As próprias formas e decorações deste

último período mantêm-se praticamente inalteradas,

mas a cerâmica fabricada com roda de oleiro completa

o inventário, apresentando morfologias e tratamentos

de superfície exteriores ao sítio, à região e ao próprio

território da Península Ibérica . O início da Idade do

Ferro foi marcado, aqui e em outros sítios da região

central e meridional da costa portuguesa e do SO,

SE e NE peninsulares pela introdução de uma série

de inovações tecnológicas, como é caso da utilização

do torno, com o qual se fabricaram vasos, sobretudo

de mesa e de armazenamento, mas também de

transporte, e que constituem novidades absolutas nos

repertórios locais, Além disso, a aplicação de pintura

bícroma [vermelho e negro) ou mesmo polícroma

[vermelho, negro e branco) sobre as superfícies

externas dos grandes vasos de armazenamento, os

pithoi, ou nas internas dos pratos do serviço de mesa

marcam também esta nova e importante etapa de

SANTAREM

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Ana Margarida Arruda Santarém Por outro lado, os recipientes de transporte

de produtos alimentares, as ânforas, com conteúdos

oleícolas, mas também vinícolas, estão Já presentes

nestes níveis antigos da Alcáçova de Santarém,

havendo evidências que se trata de importações da

área de Málaga.

Estas novas realidades observáveis na produção e

utilização dos vasos cerâmicos, que, como veremos,

acompanham outras, podem e devem ser integradas

num complexo processo de "colonização" do vale do

Tejo por parte de comunidades fenícias, que se iniciou

em torno ao século VIII a.n .e. e no qual Santarém teve

um papel decisivo, A ele não será alheio a riqueza

aurífera do grande rio, bem como as competências do

ponto de vista agrícola do território envolvente e ainda

o controle do curso fluvial, que conduz a territórios

ricos em estanho, localizados a montante, na Beira

Baixa

A emigração para o Ocidente de grupos humanos

com origem na fachada sírio-palestiniana, a partir,

pelo menos, do século X a.n.e ., tem motivações bem

conhecidas e de natureza diversa [demográficas,

económicas e políticasl e está muito bem documentada

em Chipre, na Sardenha, na Sicília e no norte de África

[nos atuais territórios da Tunísia e de Marrocosl. Na

Península Ibérica, fez-se sentir de forma intensa na

área meridional, em Cádis, uma das primeiras, se

não a primeira, colónia fenícia ocidental, mas também

em Huelva, em Málaga e até no Sudeste, na zona de

Alicante, e mesmo no vale do Ebro. Concretizou-se em

ritmos e tempo distintos e modalidades diversas, entre

o referido século X e o VII a.n.e., tendo havido fundação

de estabelecimentos coloniais ex novo, e também

fixação em sítios indígenas, onde comunidades

exógenas se estabeleceram, muito provavelmente, em

"bairros" próprios e exclusivos

Este movimento atingiu o Extremo Ocidente, muito

especialmente os vales do Tejo, numa primeira fase, e

os do Sado e do Mondego, depois, bem como o Algarve.

A precocidade dos contactos do estuário do primeiro

dos rios com o mundo fenício ocidental foi Justamente

verificada inicialmente em Santarém, onde as datações

de carbono 14 e a morfologia de alguns materiais

mostraram a antiguidade daqueles [Arruda, 1993;

1999/2000; 20051. Em anos mais recentes, algumas

evidências de Lisboa comprovaram que desde cedo

houve comunidades orientais instaladas nesta região,

o que ficou atestado por materiais arqueológicos

[ARRUDA, 1999/2000; CALADO etal., 2013a; CALADO et

ai ., 2013b; FERNANDES etal, 2013; FILIPE etal, 2014;

PIMENTA, CALADO e LEITÃO, 2014; PIMENTA, SILVA

e CALADO, 2014; PIMENTA, CALADO e LEITÃO, 20151.

e pela epigrafia . Esta última está materializada em

duas inscrições em língua e caracteres fenícios, uma

das quais, um grafito sobre cerâmica, pode ser datada,

paleograficamente, do século VIII a ,n,e [ZAMORA,

20141. A outra corresponde a uma lápide funerária

[NETO et aI., 20161. do século VII a.n.e., na qual as

personagens identificadas, o falecido e o dedicante,

têm nomes indígenas, mas escrevem em fenício, o que

significa que o falam, e que haja quem saiba ler o texto.

O orientalismo de que se revestiu a Idade do Ferro de

Santarém e, como veremos, dos Chões de Alpompé,

está assim integrado num amplo movimento que

mudou, definitivamente e de forma indelével, a

fisionomia do território e das populações que nele

viviam e circulavam. Os restos arqueológicos, de

que se falou antes, traduzem alterações muito mais

profundas, mas que se tornam visíveis se soubermos

olhar para aqueles em profundidade.

Assim, a alteração na baixela de mesa evidencia

modificações nos hábitos de consumo e também em

algumas práticas sociais. E não podemos esquecer

nunca que as refeições e a comida nelas servida

têm uma importante componente simbólica, estando

repletas de significados sociais e políticos. A uma

alimentação à base de papas, líquidas e coloides,

comestíveis em taças mais ou menos profundas,

de bordo ligeiramente evertido, típicas da Idade do

Bronze, acrescentam-se os produtos sólidos, que

podiam ser consumidos, individualmente, em pratos.

Por outro lado, a introdução do vinho, primeiramente

importado envasado em ânforas e posteriormente

produzido na região, bem como do azeite, para fritar

e para temperar, impôs novas atitudes e formas de

comer e de beber e distintas dietas alimentares . Estas

últimas puderam também ser aferidas pelo estudo da

fauna [DAVIS, 20061. que mostraram a introdução de

novas espécies, como é o caso dos galináceos, que

eram, até então, desconhecidos na Europa em geral

e no extremo ocidente, em particular. Os cereais

continuaram, contudo, a ser a base da dieta destas

populações, tendo sido recolhidos restos, sobretudo,

de trigo, mas também de cevada, nas escavações

da Alcáçova, onde estavam associados a produtos

hortícolas, como as ervilhas [ARRUDA, 2003: 2071.

A chegada e a instalação de populações ao estuário do

TeJO implicaram também certamente um considerável

aumento demográfico . Este ficou plasmado nos

trabalhos arqueológicos levados a efeito na área do

Jardim das Portas do Sol, em Santarém, onde a área

ocupada parece ter pelo menos triplicado em relação

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à do Bronze Final [ARRUDA e SOUSA, 2015; ARRUDA,

20171. na fundação de novos sítios, como foi o caso

dos Chões de Alpompé [ARRUDA et ai., no prelol.

mas também em alterações ambientais. Em relação

a estas últimas, deve fazer-se notar o aumento da

área cultivada e a diminuição da floresta, como as

análises polínicas efetuadas na região demonstraram

à sociedade [ARRUDA, 20031. As mesmas análises

provaram que a produção de vinho se iniciou na

região em data coincidente com estas alterações, que

naturalmente podemos associar às referidas chegada

e instalação de grupos humanos exógenos.

Ainda que, infelizmente, não tenha sido possível

detetar estruturas habitacionais da Idade do Bronze,

é provável que estas fossem ovais ou elípticas, à

semelhança das que, em momento coevo, existiram

na foz do estuário, por exemplo na Tapada da

Ajuda [CARDOSO et ai " 1980/81] As da Idade do

Ferro exibiam já plantas retangulares, das quais se

escavaram vários alicerces [ARRUDA, 1999/20001.

sobre os quais seriam alçadas paredes construídas

com tijolos de adobe ou constituídas por taipa. Os

solos eram de terra batida, muitas vezes enrubescida,

o que lhes forneceu uma considerável compactação

e lhe concedeu uma cor vermelha Em alguns, raros,

casos, estes solos eram decorados com incisões

circulares.

Outra das alterações que decorre deste complexo

processo de interação entre as duas comunidades

que se encontraram na Alcáçova de Santarém no

início do primeiro milénio a n e., indígenas e colonos,

prende-se com o uso, e eventualmente com o fabrico

de artefactos de vidro . Falamos concretamente

das contas de colar, de cor azul, opacas, por vezes

decoradas por círculos brancos [ARRUDA, 1999/20001.

que lhes fornecem um aspeto que justifica a

designação por que são conhecidas: "contas de colar

oculadas". O aparecimento de artefactos de ferro

na Alcáçova de Santarém evidencia o conhecimento

da técnica da redução do ferro, outra das novidades

tecnológicas introduzidas pelos fenícios na Península

Ibérica, o mesmo se podendo dizer de alguns

fragmentos de mó, cuja forma indicia uma mudança

significativa nas técnicas de moagem, simplificando-a

através dos moinhos giratórios.

As relações inter-regionais da Alcáçova de Santarém

nesta etapa antiga da Idade do Ferro [séculos VIII

a VI a.n.e.] puderam ser diretamente rastreadas

através das ânforas que aqui se recuperaram e que

já atrás referimos, o que evidencia a importação de

produtos alimentares, como o azeite e o vinho, da

atual Andaluzia Mas as evidentes semelhanças

entre a sua cultura material e a que se observou

na área do Estreito de Gibraltar devem explicar-se,

sobretudo, pelo facto dos seus agentes, produtores

e consumidores, terem a mesma matriz genética, e

assim étnica e cultural, partilhando antepassados

comuns.

Outro tipo de interação terá sido a mantida com os

sítios da área do estuário do TeJO, onde se destacam,

na foz, Lisboa, na margem direita, e Almaraz, em

Almada, na esquerda, pela extensão das ocupações

e pela diversidade, quantidade e riqueza dos espólios,

que no segundo caso incluem vasos de alabastro e

escaravelhos egípcios. A ela e a eles voltaremos nas

páginas seguintes.

No entorno de Santarém, um outro sítio famoso, os

Chões de Alpompé, destaca-se, agora também, pela

sua ocupação sidérica . A pequena campanha de

escavações levada a efeito em 2015 no âmbito de um

projeto de investigação que tinha por objetivo o estudo

da Idade do Ferro no estuário do Tejo ["Fenícios no

estuário do Tejo"] provou as suas características

orientalizantes e a sua relação profunda e intensa

com o implantado no planalto da Alcáçova, com o qual

mantém, aliás, contacto visual direto [ARRUDA et ai,

no prelol.

Os materiais recolhidos em contextos estratigráficos

selados e primários Inserem-se, praticamente

na totalidade, na categoria das cerâmicas,

maioritariamente de produção a torno. As cerâmicas

de mesa incorporam tigelas hemisféricas, quer de

cerâmica comum, mas de superfícies cuidadosamente

polidas, quer de cerâmica cinzenta fina polida, e

pratos, alguns dos quais exibem engobe vermelho na

superfície interna. As de armazenamento cabem no

grupo dos pithoi, pintados em bandas de cor vermelha

e negra, e as ânforas, que trariam até ao local

produtos alimentares [vinho e azeiteI. pertencem aos

tipos mais conhecidos A cerâmica manual foi usada,

em exclusividade na preparação de alimentos, na

cozinha, como provam os vasos de tipo panela, que

mostram evidentes sinais e fogo nos fundos externos.

O tratamento das superfícies e o repertório formal

deste conjunto indica uma matriz cultural em tudo

idêntica à verificada no povoado da margem do Tejo,

ainda que tudo indique uma cronologia ligeiramente

mais tardia [segunda metade do século VIII/século VII

a n e ]

A reduzida dimensão da área escavada não

..:=rr .... SANTAREM ~)) CARTA Ar,(llJEOLO(;ICA MLJNICIPAL

115

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Ana Margarida Arruda possibilitou a identificação de estruturas de habitação

da Idade do Ferro, como as que se verificaram na

capital do Concelho, Porém, foram reconhecidos

solos de ocupação de terra batida, sobre as quais

assentavam lareiras compostas por placas de argila, e/

ou fragmentos cerâmicos dispostos horizontalmente,

por vezes com uma base de pequenos seixos rolados

Algumas estruturas negativas de tipo fossa foram

também detetadas, mas a sua interpretação funcional

não é fácil, até porque parece evidente que estariam

associadas a outras realidades arqueológicas que se

estendiam para áreas não abrangidas pela escavação,

Se pelo menos uma delas poderia tratar-se de uma

fossa de evacuação de detritos domésticos, o mesmo

uso é difícil de assumir para outras, de maiores

dimensões, que continham elevada quantidade de

blocos de argila com negativos de ramagens, o que

permite avançar com a hipótese de estarmos perante

o que resta de "fundos de cabana" .

Estes dados, sobretudo os das cerâmicas, permitem

que se equacione a possibilidade de os Chões de

Alpompé poderem corresponder a uma fundação

scallabitana, destinada, por um lado, a resolver

problemas de ordem demográfica e, por outro,

visando uma expansão territorial das comunidades

orientais e orientalizadas, no quadro de um processo

que poderíamos designar por "colonização interna"

I/bideml. Infelizmente a área escavada foi reduzida,

e apenas o seu alargamento permitiria dar solidez a

estas propostas, ainda preliminares.

Estas ocupações dos Chões de Alpompé e de Santarém

com características orientalizantes tão marcadas

estão, como já se referiu, em consonância com outras

verificadas no estuário do Tejo e em outras áreas da

Península Ibérica, e não só, tocadas pela colonização

fenícia . Este contexto geral, já sucintamente

apresentado nas páginas anteriores, merece ser

particularizado para a primeira das regiões, Para além

dos sítios Já mencionados, da foz do estuário, Lisboa

e Almaraz, há que ter aqui também em consideração

a densa malha de povoamento registada na margem

esquerda do troço superior do estuário, cujo estudo

detalhado se tem vindo a concretizar no âmbito do

projeto "Fenícios no Estuário do Tejo" [ARRUDA et ai,

2014; PIMENTA et aI., 2014; SOUSA et ai., 2016; ARRUDA

et ai, 2017), mas também na direita, concretamente no

Concelho de Vila Franca de Xira, onde os trabalhos de

campo de João Pimenta e Henrique Mendes trouxeram

novos e importantes dados para a discussão desta

época neste espaço ,

O conjunto de sítios ribeirinhos identificados nos

Concelhos de Almeirim, Alpiarça e Salvaterra de

Magos merece destaque. Um deles, o Alto do Castelo,

em Alpiarça, ocupa uma posição destacada na

paisagem, sendo o mais conhecido, sobretudo pela

sua evidente associação às necrópoles do Bronze

Final do Teixoal, do Meijão e do Cabeço da Bruxa. A

evidência da sua ocupação ainda nos finais do 2°

milénio é inquestionável, mas a permanência no local

de comunidades da Idade do Ferro tornou-se visível

nos últimos anos [ARRUDA, etal., 2014) A avaliar pelas

características dos espólios, uma cronologia do século

VII parece admissível

Com base nos dados que possuímos, uma mesma

cronologia sidérica parece possível de admitir para o

Alto dos Cacos [PIMENTA, HENRIQUES e MENDES,

2012; SOUSA et ai, 2016) e para a Eira da Alorna

[PIMENTA et ai .. no prelo), ambos em Almeirim, mas

também para o Cabeço da Bruxa [Alpiarça) e Porto

de Sabugueiro [Salvaterra de Magos) [PIMENTA et ai"~

2014l. Estão localizados em área ribeirinha e ocupam

espaços de baixa altitude, com poucas descontinuidades

altimétricas, entre os 5,5 e os 8 metros. Em alguns

deles, os materiais estão dispersos por uma superfície

consideravelmente extensa, De todos eles, sobretudo

dos primeiros, a Alcáçova de Santarém é visível, e dela

todos são dominados visualmente,

O universo artefactual, sobretudo cerâmico, é

partilhado por todos, e ainda com Santarém e,

evidentemente, com Chões de Alpompé, dominando as

produções a torno de tipo orientalizante.

No troço médio do estuário do Tejo, mas na margem

direita, outra concentração de sítios idênticos na

natureza e características gerais foi encontrado nos

últimos anos

O Castro do Amaral salienta-se nesta área, por um

lado pela sua posição muito destacada na paisagem, e,

por outro, por uma evidente ocupação do Bronze Final,

mas devem referir-se também a Quinta da Marqueza,

sítio à beira rio de baixa altitude, onde a produção

cerâmica foi, certamente, uma realidade [PIMENTA

e MENDES, 2010/2011) e Santa Sofia, um povoado de

encosta, com raras estruturas habitacionais I/bideml.

O início da ocupação da Idade do Ferro de todos eles

deve situar-se em torno aos finais do século VII, mas

sobretudo no século VI a n.e ..

A forte componente orientalizante da ocupação da

Idade do Ferro de Santarém, bem como, aliás, dos

restantes sítios do estuário do Tejo, quer da foz quer

do seu troço superior, permaneceu constante ao longo

Page 9: Ficha Técnica - ULisboarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/35000/1/CARQSANTAREM1.pdfTejo por parte de comunidades fenícias, que se iniciou em torno ao século VIII a.n.e. e no qual

de toda a segunda metade do 10 milénio a.n .e" como

se pode observar pelos espólios recuperados em

quase todos As cerâmicas de engobe vermelho estão

ainda presentes no século Van e., as cinzentas finas

polidas permanecem no conteúdo dos inventários até

momentos bastante avançados e os vasos de tipo pithoi

continuam a ser utilizados no armazenamento de

produtos alimentares . O mesmo aplica às ânforas, já

de produção local e regional, cuja morfologia, porém,

segue, ainda e sempre, os modelos mediterrâneos

[SOUSA e PI MENTA, 20141. As novidades consistem

sobretudo na fundação de novos sítios, quer nas

proximidades do rio, como o Cabeço Guião, Cartaxo

[ARRUDA et ai , 2017bl. quer no interior, estes mais

bem conhecidos na região da foz [SOUSA. 20141.

A chegada de grupos fenícios à foz do Tejo implicou

uma alteração significativa no modelo de ocupação

do território na área do estuário, que certamente

decorreu de uma mudança na estrutura económica,

social e política e também demográfica.

O povoamento sidérico de tipo orientalizante no

estuário do Tejo, sobretudo o do seu troço superior,

funcionou em rede, de forma sistémica e só pode

ser entendido como um todo. Os sítios estão

profundamente relacionados entre si, num processo

de controle de um território específico, em torno

do rio, que une as duas margens O papel que

Santarém representou nessa rede que ligou as duas

orlas do Tejo foi, certamente, preponderante . A sua

antiguidade, a implantação topográfica e a extensão

da área ocupada concederam-lhe um protagonismo

único neste contexto, que merece ser devidamente

valorizado.

- Bibliografia

ARRUDA, A M [19931. A ocupação da Idade do Ferro da Alcáçova de Santarém no contexto da expansão fenícia para a fachada atlântica peninsular. Estudos Orientais, 4, p. 193·214

ARRUDA, A M. [1999-20001. Los fenícios en Portugal: Fenícios y mundo indígena en el Centro y sur de Portugal Barcelona: Universidad Pompeo Fabra

ARRUDA, A M [20031. Contributo da colonização fenícia para a domesticação da terra portuguesa ln Ecohistoria dei paisaje agrario -la agricultura lencio-púnica en el mediterráneo Valência: Universidad, p 205-217.

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