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CADERNO A Habilidade Específica As respostas deste caderno deverão ser transferidas para o GABARITO-RESPOSTA A ESTUDO DE CASO

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C A D E R N O AHabilidade EspecíficaAs respostas deste caderno deverão ser transferidas parao GABARITO-RESPOSTA A

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Viajando na arte do MarrocosWagner Amodeo1

ARGUMENTO: O QUE SE PRETENDE

O Centro Universitário Belas Artes mantém um programa de incentivo a viagens internacionais objetivando a contínua aquisição de experiências e conhecimentos para os professores de seus quadros. Em novembro de 2017, um grupo de professores de diversas áreas realizou uma visita ao Marrocos.

Neste texto, narra-se essa experiência capaz de deixar marcas significativas sobre a compreensão que se tem do mundo, tanto por uma perspectiva histórica como contemporânea. Reflete-se, aqui, sobre as múltiplas influências culturais entre os povos — em especial do Oriente Médio, via norte da África — e os povos ocidentais: arte, idioma, ciência, economia, comportamentos, gastronomia, tecidos, joias, música, entre outros.

Propõem-se questões relevantes sobre a compreensão da diversidade humana e a interação entre os povos. Demonstra-se como o decorrer do tempo em nossas vidas é um átimo no tempo histó-rico. Evidenciam-se a sabedoria ancestral, por vezes esquecida, e a importância da convivência entre distintas civilizações como enriquecedoras ao espírito inovador cada vez mais necessário e que não se obtém por meio de uma visão homogeneizadora da cultura.

PALCO: ONDE SE REALIZA

Onde se desenrolam as cenas

Localizado ao noroeste da África, Morocco, Reino de Marrocos ou simplesmente Marrocos [1], que significa em árabe a “terra do sol poente” (al-Maghreb al-Aksa) é banhado ao oeste pelo

1 Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Mackenzie (1981). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1998). Especialização em Didática do Ensino Superior. Especialização em Arquitetura (Estética). Psicanalista. Professor, pesquisador, palestrante atuando principalmente nos seguintes temas: Arquitetura, teoria e linguagem, estética e urbanismo. Método projetivo, conforto ambiental e sustentabilidade. Pesquisador das interrelações entre psicologia, neurociências, educação, estética e arte.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Atlântico e pelo Mediterrâneo, mais ao norte. O nome Marrocos deriva de Marraquexe, cidade fundada em 1062 por Abu Baquir ibne Omar e uma das quatro cidades imperiais junto com Meknès, Rabat e Fez. Fica ao sul da Espanha, cerca de 14 km através do Estreito de Gibraltar, na Antiguidade conhecido como as Colunas de Hércules.

Caracteriza-se por regiões climáticas diversas, influenciadas pelo Mediterrâneo, pelo Atlântico, pelos desertos e pelas imponentes cadeias montanhosas dos Atlas, de onde fluem importantes rios para a planície marroquina. Na direção sul e sudeste, encontra-se o enorme deserto do Saara, maior do que o território brasileiro e o mais quente deserto do planeta. Limita-se ao leste pela Argélia. Mais ao sul, junto à costa atlântica, há a Mauritânia ocupando uma imensa área do Saara.

A proximidade do território europeu, através do Estreito de Gibraltar, propiciou intensas imi-grações, bem como violentas batalhas entre os dois continentes.

BASTIDORES: NAS AREIAS DO TEMPO

Povos e territórios

A região norte e noroeste africana é conhecida como Magreb e inclui as atuais terras marro-quinas. Esse território foi, sem dúvida, a encruzilhada de muitos povos e suas respectivas cul-turas, as quais deixaram marcas indeléveis à civilização ocidental e, por isso, é relevante que se conheça.

A terra ocupada pelo contemporâneo Marrocos registra a presença humana desde a longínqua pré-história. Nela, foram encontrados os mais antigos fósseis de Homo sapiens e alguns frag-mentos de ferramentas datados de 300 mil anos. A origem do Homo sapiens na África é a mais aceita da atualidade e, segundo as pesquisas arqueológicas e dos marcadores genéticos, desse continente teriam imigrado para o oriente e Europa. As descobertas dos fósseis refletiram nas concepções das rotas imigratórias da pré-história africana para a Europa.

No norte da África há um povo (ou conjunto de povos) antiquíssimo conhecido como berbere. Trata-se de um povo autóctone — que possui origem na região — e nômade do Magreb, terri-tório onde hoje se encontram parte da Tunísia, Líbia, Argélia, Mali, Mauritânia e Marrocos. Os próprios berberes denominam-se “Imazighen”, homens livres [1]. Os mais conhecidos entre nós devem ser os Tuaregues, homens de turbantes azuis. Por sua natureza nômade, em constantes viagens e acostumados ao deserto, exerceram papel significativo no comércio e na transmissão cultural entre o interior africano, o Oriente Médio e o litoral mediterrâneo.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Em um grande salto temporal os primeiros sinais de civilização na região marroquina foram determinados pelos fenícios, um povo semita assentado inicial e principalmente na região atual do Líbano, parte da Síria e Israel, por volta de 3.000 a.C. São conhecidos como o povo do mar. Foram importantes comerciantes que navegaram por todo Mediterrâneo entre 1.500 a.C. e 300 a.C., fazendo trocas mercantis e culturais entre povos litorâneos e do interior do Oriente Médio e da África e, também, por toda a costa mediterrânea europeia. Consolidaram, dessa forma, as primeiras rotas comerciais marítimas.

Os fenícios desenvolveram e divulgaram o alfabeto e a astronomia. Atravessaram o Estreito de Gibraltar, chegando a Portugal. Há quem defenda terem vindo para as Américas. Tal emprei-tada deixou sinais culturais em todos os povos com os que tiveram contato. No norte da África, estabeleceram importantes feitorias, entrepostos comerciais, especialmente para o controle de metais como ferro, estanho, chumbo, cobre, prata e ouro, este último extraído do Rio Tejo, em Portugal. Em uma das importantes colônias fenícias da região da Tunísia, também ao norte da África, entre a Itália pelo Mar Mediterrâneo, a Líbia ao sul e a Argélia ao oeste, havia a cidade de Cartago, que aos poucos cresceu em importância e influência sobre os demais assentamentos fenícios da região.

Ao final do século IX a.C., a ascensão de Cartago fez eclodir a civilização cartaginesa, ou púnica, que se estendeu por todas as cidades e feitorias fenícias até a metade do século II a.C. O povo car-taginês resulta da mestiçagem entre fenícios e berberes. Tornaram-se uma potência econômica e militar rivalizando com os romanos, que finalmente os conquistaram na Terceira Guerra Púnica em 146 a.C. Os cartagineses estabeleceram relações comerciais com os etruscos da península itálica e fundaram colônias ao sul da península itálica, em especial a Sicília, importante pro-dutora de trigo. Desenvolveram a marinha, técnicas construtivas e mosaicos. Provavelmente o nome mosaico tem origem nas musas gregas: Mousaikón.

Um personagem cartaginês muito conhecido é Aníbal que, na Segunda Guerra Púnica, por volta de 218 a.C., partiu da Hispânia (região um pouco maior do que a atual Península Ibérica) e, liderando um exército com elefantes de guerra, atravessou os Alpes e chegou ao norte de Roma sem, contudo, conquistá-la. A expansão de Roma e dos seus interesses sobre a Sicília e as rotas estratégicas comerciais e militares do Mediterrâneo gerou conflitos com Cartago até, finalmente, ser dominada.

A imposição humilhante dos romanos sobre os derrotados criou a expressão “paz cartaginesa”, uma paz imposta pela força dos vitoriosos em uma política de terra arrasada que fez com que se perdessem muitos registros históricos dos cartagineses. Roma, com seu império, foi sem dúvida uma das mais impressionantes e importantes civilizações por cerca de 2500 anos com

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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contribuições extraordinárias em todas as áreas do conhecimento para o desenvolvimento da civilização ocidental. Das artes e arquitetura aos sistemas políticos e jurídicos. Teve seu auge no século II.

Por essa época nascida de um assentamento fenício-cartagineses desenvolveu-se a cidade romana de Volubilis [2], no território do Marrocos, uma espetacular cidade que hoje é um sítio arqueo-lógico fonte de turismo e pesquisas. Roma dominou grande parte do território europeu e todo o mediterrâneo, incluindo Magreb. No século IV, Constantino, o Grande, imperador romano, converte-se ao cristianismo e promulga em 313 o Édito de Milão, permitindo a liberdade de culto aos romanos. Posteriormente, em 380, o Imperador Teodosio torna o cristianismo a reli-gião oficial em todo o Império, promovendo grande impacto para o desenvolvimento ocidental. Constantino também funda a cidade de Nova Roma, depois conhecida como Constantinopla, hoje Istambul, na então conhecida cidade de origem grega Bizâncio, local estratégico entre Ocidente e Oriente.

Essa cidade torna-se importante centro do Império Romano do Oriente e de boa parte do nor-deste da África, abrangendo o Egito. Nessa mesma época, o Império Romano é assolado por cri-ses internas e invasões de diversos grupos étnicos organizados em sociedades tribais, tais como Godos, Vândalos e Germanos, originados sobretudo do centro e norte europeus. Este período ficou conhecido como migrações bárbaras. Tem início o colapso de Roma, que culminaria em 476 d.C.

Constantinopla sobrevive a essa crise e torna-se a sede de um novo e importante império, por um lado herdeiro de Roma e por outro com múltiplas influências culturais vindas especialmente da Grécia, Síria, Egito e de povos semitas. Nasce o Império Bizantino. Este império desenvolve uma incrível influência amalgamando o conhecimento ocidental e oriental. A arte dos afrescos e da escultura constantemente inspirados pelo cristianismo, com objetivos didáticos e de louvor, deixaram lições significativas. A arquitetura desenvolveu as cúpulas e, muito destacadamente, os mosaicos, que também possuíam um caráter didático ilustrando mensagens ao povo iletrado.

Houve um período antes do século IX em que um conflito político e religioso se instalou no Império Bizantino, gerando um grupo denominado iconoclastas, o qual defendia que nenhuma imagem religiosa deveria ser representada pelas artes. Promoveu, então, a destruição de muitas representações sacras e estabeleceu outros padrões geométricos para os mosaicos. Encontram-se tais cânones ainda hoje nos países islâmicos. Com a queda do Império Romano, inicia-se a Idade Média. Denomina-se Alta Idade Média (do século V ao século X) um período de muita insta-bilidade com muitas disputas entre os reinos originários dos povos bárbaros. Nesse período, a Igreja Católica afirma-se definitivamente como instituição e assume fundamental papel histó-rico na pacificação e organização da Europa.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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A partir do século XI até o XV, apresenta-se o período medieval denominado Baixa Idade Média. Em razão da organização dos reinos europeus sob a tutela da Igreja, tem-se nessa época o florescimento significativo das artes. Surge o gótico, com expressão máxima na arquitetura, que sucedeu o estilo românico. Simultaneamente, porém, acelera-se a expansão do islamismo. Foram os árabes, formados inicialmente por tribos esparsas e que, após a conversão à religião maometana — seguidores de Maomé —, organizam-se em perfeita conjunção militar-religiosa e iniciam a expansão desses povos da Península Arábica. Após a morte do fundador da religião no ano de 632, o islamismo — seguidores do Islã, significando aqueles submissos a Alá — inspira a intensificação de uma guerra santa liderada pelos califas, sucessores da liderança de Maomé e, portanto, com muita autoridade religiosa e, normalmente, representando o poder de gover-nança sobre um povo ou território. Essa expansão tinha caráter religioso, mas também militar e econômico.

A riqueza do ouro extraído na África irá fomentar ainda mais as invasões islâmicas. Os árabes islâmicos tornam-se um poderio militar fulminante e, após o domínio do Oriente Médio, diri-gem-se ao norte da África e, em seu caminho, unem-se a outros povos, que convertem-se em maometanos. Um desses povos são os turcos-otomanos, que conquistam Constantinopla em 1453, evento que marca o final da Idade Média. Os maometanos dominaram o Oriente Médio, parte da Europa incluindo Grécia, a Península Ibérica e Magreb — norte da África, o qual abarca o atual Marrocos. Apesar de derrotas posteriores, com perdas significativas de territórios, o Império Otomano persistiu até a Primeira Grande Guerra, já no século XX.

As conquistas islâmicas provocaram intensa reação nos povos europeus que, além da ameaça real aos seus territórios e à população, estavam perdendo acesso às rotas comerciais ao oriente e à Terra Santa. Nesse contexto, surgiram as Cruzadas. Apesar de inúmeras conquistas e batalhas estudadas e relembradas até os dias atuais, os cruzados não reconquistaram Jerusalém.

A presença dos turcos-otomanos, também conhecidos como mouros, na Península Ibérica per-sistiu por 800 anos. No ano de 1492 chega ao fim a “Reconquista”, que foram as lutas da expulsão dos invasores da Península Ibérica, sendo o registro final dessas lutas a conquista de Granada em 1492 por Izabel I de Castela e Fernando II de Aragão. O recolhimento dos invasores islâmi-cos ao território africano continuou a dificultar as rotas comerciais, o que fomentou a busca de novos caminhos ao oriente, iniciando-se as grandes navegações.

O Estreito de Gibraltar colocava muito próximo os invasores mouros, situados agora no norte africano, mas que faziam constante pressão sobre as fronteiras portuguesas. Buscando consolidar as políticas defensivas contra possíveis invasões vindas do norte africano, Portugal investiu sobre os islamitas no Marrocos, fato este que pode ser considerado a continuidade da “Reconquista”.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Na região do atual Marrocos, durante a batalha de Alcácer-Quibir (1578), D. Sebastião, rei de Portugal, desaparece com muitos nobres lusos e gera uma crise dinástica que abre caminho para a corte espanhola assumir o reinado português.

O desaparecimento do rei português dará início ao mito de seu retorno, conhecido como sebas-tianismo [3], que impregnou o imaginário luso-brasileiro com uma crença sobre líderes messiâ-nicos libertadores e salvadores dos povos.

PROSCÊNIO: O PALCO AVANÇA

Entre o passado e o futuro

O proscênio é a parte mais avançada de um palco, entre as linhas das cortinas e o público que aguarda o espetáculo. Numa analogia, pode ser tanto a primeira parte do palco, onde os fatos ocorrem à vista de todos, como pode ser os mais atuais dos acontecimentos. O proscênio da história que aqui se desenvolve são os episódios dos séculos mais recentes.

A partir das grandes navegações no século XV, dos descobrimentos, do mercado de escravos e da exploração de recursos naturais da África, houve muitas disputas pela colonização do conti-nente africano. Durante os séculos seguintes até finais do XIX, as disputas das potências euro-peias continuaram sejam ao Norte sejam à África negra.

Deve-se lembrar que a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico negreiro ao Brasil pelo Atlântico, ocorreu apenas em 1850, e cujas sequelas reverberam até os nossos dias, com a demanda por políticas sociais em relação aos cidadãos afro-brasileiros. As políticas de coloni-zação, porém, não se restringiam aos africanos. Espanhóis, portugueses, holandeses, franceses e ingleses foram os contumazes protagonistas desses domínios e colônias inclusive nas Américas, ao exemplo das Guianas ou regiões ao sudoeste asiático tomados do Reino Unido pelos japone-ses na Grande Guerra.

O início do século XX, com as duas Grandes Guerras quase em sequência, colocou a supre-macia colonial europeia em xeque. No caso da África, dominá-la significava avançar sobre o Mediterrâneo e abrir caminho às Américas pelo Atlântico além, óbvio, de ter acesso a impor-tantes fontes de recursos, como o minério. Durante a Segunda Grande Guerra, os países Aliados disputaram com o Eixo o território africano por razões de estratégias geopolíticas. Entretanto, já enfrentavam pressões internas dessas mesmas colônias e de outros países para combinarem independência aos países colonizados. Após os acordos realizados ao final da Segunda Grande

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Guerra e a criação da ONU, finaliza-se a política colonialista europeia. Esses arranjos de forças até hoje refletem-se na política internacional.

O Marrocos não ficou de fora dessas disputas e acordos. No ano de 1904, a França e a Espanha estudavam dividir o território do sultanato marroquino. Em 1912, assinaram o Tratado de Fez, definindo um protetorado espanhol mais ao norte e um francês mais ao sul. Em 1946, devido à intensa influência árabe, o Marrocos associa-se com outros países árabes para a criação da Liga dos Estados Árabes. Após a Segunda Grande Guerra, partidos políticos nacionalistas exerceram grande pressão para a independência marroquina. A insurreição da vizinha Argélia também desestabilizou o poderio francês. No final do ano de 1955, o então sultão Mohammed V retor-nou do exílio na Córsega e, posteriormente, Madagascar. Exílio esse imposto pelo protetorado francês diante da instabilidade na região. Em 2 de março de 1956, a França e a Espanha reco-nhecem a independência marroquina. Mohammed V, então, virá a assumir o título de rei do Marrocos. Do seu filho e rei Hassan II (1961-1999), nasce o herdeiro Mohammed VI, atual rei do Marrocos, com residência na atual capital, Rabat. Apenas em 1976 deixou de circular a moeda francesa (franco), substituída pelo dirrã marroquino.

O Reino do Marrocos é hoje uma monarquia constitucionalista e parlamentar com represen-tantes eleitos em um sistema multipartidário, e conta com um primeiro ministro. Apresenta-se como uma nação que se prepara para o futuro. Possui modernas cidades e infraestrutura, além de políticas sociais em desenvolvimento, um aeroporto internacional invejável, estradas prin-cipais de ótima qualidade — e muitas outras em renovação. Sua economia baseia-se na expor-tação de produtos cítricos e frutas, e é autossuficiente na produção de carnes. Possui acordos de pesca com a Espanha, Japão e Rússia que devem colaborar no desenvolvimento da indústria pesqueira. Concentra uma das maiores reservas de fosfato do mundo, que extrai e industrializa. A extração de ferro, zinco, chumbo, manganês, cobre e pirita para a produção de enxofre tam-bém estão muito presentes na economia marroquina. Oferece incentivos fiscais para a indústria pesada, atraindo investidores. O turismo também exerce importante papel de divisas e desen-volvimento econômico.

A religião predominante é o islamismo, mas em suas terras marrom-avermelhadas é possível encontrar algumas minorias de católicos e místicos sufis e dervixes, com suas conhecidas danças ritualísticas inebriantes [4].

As areias do tempo contam muitas histórias sobre conquistas, reconquistas, disputas e diploma-cias, comércio e ciência. Deixam em todos os povos envolvidos a conjunção de muitas culturas, tradições, artes. Com certeza isso muda a história.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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A vivência no Marrocos desenvolveu admiração em cada um dos professores daquele grupo de viagem, que constantemente trocavam impressões. Aqueceu as lembranças dos livros de história e estimulou a percepção sobre a cultura humana em todas as suas aparições estéticas, as mani-festações do Belo.

CENA 1: O PALÁCIO E AS ALMEDINAS

Desenrolam-se as impressões

Em um desses dias da viagem o céu estava totalmente aberto, claro, sem nuvens. O sol subia a pino. Sob ele, o calor chicoteava porque não havia qualquer brisa para adoçar a sensação tér-mica que se agravava pela falta de umidade. Era novembro no Marrocos, outono, e neste ano as chuvas atrasaram um pouco. Normal na estatística climática. Visitávamos o palácio de um grão-vizir, o primeiro ministro de um sultão. Logo ao entrar, a emoção do encontro da arte e da história invadiu o imaginário. Nessa nação, as convicções religiosas não permitem a representa-ção direta da natureza animada, pessoas e animais. Isso desenvolveu elementos decorativos que se tornaram bastante abstratos. São estilizados em padrões geométricos espetaculares expressos em mosaicos e arabescos requintados, inclusive aqueles que representam espécies vegetais. Os versos caligrafados do Alcorão estão largamente presentes com a mesma técnica e expressão: pequenos pedaços cerâmicos e impermeáveis montados cuidadosamente.

Uma sensação, apesar de prazerosa, demorou um pouco a se fazer consciente até um colega, de trabalho e de viagem, disparar a observação:

—Você reparou como aqui está bem agradável? Aqui o clima está ameno e o respirar suave. Por que será? Por que não conseguimos mais produzir espaços com essa qualidade ambiental e natural sem lançarmos mão de equipamentos custosos e normalmente indesejáveis à saúde e ao meio ambiente?

Claro que ele se referia à perda de qualidade no conforto ambiental das edificações e urbanismo brasileiro. Prontamente respondi, só aparentemente apressado:

—Desde quando o modernismo, na conhecida linguagem homogênea internacional, instalou--se exageradamente em nosso modo de produzir os espaços arquitetônicos e urbanísticos.

Ou seja, desde que se começou a defender o mito de que a forma deve seguir a função, passou-se a aplicar soluções que não levam em consideração o contexto do lugar onde se implanta a inter-venção. Nesse sentido, não se debateu o suficiente que as relações entre vedações e aberturas e os

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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sistemas construtivos devem seguir o contexto físico essencial, bem como considerar o circuns-tancial, ou seja, adequar-se aos aspectos do ambiente natural promovendo, antes de qualquer coisa, um abrigo. Deve-se, igualmente, respeitar os princípios e aspectos culturais do agora e do porvir, conforme a indicação das vocações do lugar.

Os projetos arquitetônicos e urbanísticos de qualquer porte devem (ou deveriam) considerar com muita consciência a diversidade desses aspectos. Dirigi-me ao colega:

—Eu poderia acrescentar que o conforto ambiental alcançado com aqueles recursos arquitetôni-cos marroquinos, com as consequências à sustentabilidade, é obtido com o mínimo de “pegada ecológica.2

A reação do colega não deixou por menos, uma misto de espanto e reflexão expressa na feição típica daquele companheiro de viagem. Esse maneirismo não me deixou surpreso, afinal, muitas gerações de profissionais foram formadas na exaltação dessa linguagem internacional e de seus agentes protagonistas. Disse-me então o colega:

—Por quê? Por que nos esquecemos das sabedorias tradicionais? Em nome do quê?

Agora sim, sairíamos do campo apenas das sensações. Iniciaríamos uma conversa com maior densidade sabendo do conhecimento sólido do amigo interlocutor. Falei:

—Repare como as aberturas são escassas, sem oferecer prejuízo à iluminação interna e dificul-tando a entrada direta da prejudicial radiação solar ao interior dos ambientes. As paredes são espessas e, de algum modo, sombreadas em determinadas horas. Certamente não são assim ape-nas em razão do processo construtivo em adobe que solicita proteção. Veja, ou melhor, perceba como há uma circulação suave de um ar fresco suficiente para contribuir a uma boa sensação térmica. Agora sou eu a perguntar: se lá fora o ar está quente e seco, de onde vem essa circulação agradável do ar? Por que um ambiente interno tem de ser pior que o ambiente externo?! Isso não faz sentido algum, afinal, desde as primeiras letras da aprendizagem arquitetônica está o conceito de abrigo. Aqui, neste palácio, estamos abrigados!

Dificilmente o colega em questão comenta algo sem algum tempo de reflexão, mesmo que sua resposta já esteja na ponta da língua. Então, inclinando a cabeça como a apontar uma direção com o olhar, comenta:

2 Trata-se de um conceito e uma medida de sustentabilidade. Representa o impacto das atividades humanas no meio ambiente. Pode considerar a capacidade de uma área em absorver CO2 ou o inverso quando alguma ação libera esse gás na atmosfera. Considera, ainda, as necessidades de terras para a agricultura e pastagens, florestas e demais ambientes naturais.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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—Olhe o pátio interno… reparou como é proporcionalmente pequeno, envolto em muros rela-tivamente altos? Viu como tem vegetação e, claro, uma fonte de água? Certamente é aí que o ar fresco se alimenta para circular pelos espaços internos refrescando cada cômodo.

Acrescentei:

—Mas você reparou que em outros palácios que visitamos nem sempre havia vegetação e nem sempre havia a presença da água, ainda que esse elemento da natureza possua um aspecto sim-bólico muito desejado pela cultura maometana?

Nessa região, alguns aspectos foram comumente observados em qualquer construção, das mais simples às mais suntuosas. Pátios internos, aberturas com iluminação e radiação solar contro-ladas, portas que são também aberturas à circulação do ar e muxarabis3 em muitas partes, pisos e muitos revestimentos em mosaicos de cerâmica. Destaca-se, também, pela presença de água e vegetação nos arredores e no interior das construções.

Após a visita ao palácio, chegávamos à entrada da Medina, al-Madinah em árabe. Na verdade, nos encontrávamos em seu centro simbólico e, geralmente, o centro urbanístico de irradiação das inúmeras ruelas. Vielas estreitíssimas que se entrelaçam por grandes distâncias em famoso labirinto e onde se encontra a mesquita principal dessa parte da cidade com mais de 1000 anos. Essa região cercada de muralhas defensivas é extremamente organizada, apesar da aparência caótica se vista displicentemente por olhares contemporâneos ocidentais. Em cada porção há o comércio e o artesanato especializado sem que se perca alguma diversidade facilitadora à vida dos moradores que percorrem a pé os caminhos sinuosos. O emaranhamento das passagens contribui às estratégias contra invasões semelhantes às cidades medievais europeias.

Por esses caminhos contraídos há muito trânsito de pedestres e de pequenos transportes de mercadorias com jumentos, carroças (também há bicicletas e motos). Nas medinas, com per-cursos em aclives e declives como o da cidade de Fez, ainda hoje ecoam altas vozes, remotas do medievo, quando os condutores de jumentos carregados ou carroças com dificuldade de frear gritam:

—Balak! Balak!

Significando: “Cuidado! Saiam da frente!” De um passado ainda mais longínquo vem a tradição do chamado às orações. No alto das torres das mesquitas, os “muezins” conclamam os fiéis à

3 Um elemento de vedação parcial realizado tradicionalmente em madeira, treliçado que permite filtrar a luz sem perder ventilação. Favorece a privacidade ao dificultar a visão para o interior das edificações.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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oração realizada cinco vezes ao dia. Recitam uma oração de convocação. Essa oração é um dos cinco pilares do islamismo. Os “muezins”, raras vezes, são substituídos por gravações e caixas acústicas.

As edificações lucram estabilidade e espaço interno ao se apoiarem mutuamente em pare-des comuns, seja pela técnica construtiva em adobe de espessuras generosas com reforços em madeira, seja pela redução das superfícies que recebem a radiação solar direta. As ruelas som-breadas parecem se encontrar em regiões de temperaturas muito mais amenas.

Esses sistemas construtivos ofereceram resistência contra maiores danos oriundos do terremoto de Lisboa em 1755. Esse impacto natural abriria espaço para outros eventos políticos signifi-cativos, inclusive para a história brasileira como a ascensão do Marquês de Pombal seguida da expulsão dos jesuítas ordenada por ele.

O grupo todo de professores andava nas ruelas com o olhar perdido entre a arte, a arquitetura, os produtos artesanais e a riqueza de temperos e frutas. Parei por um minuto e, dirigindo-me a um amigo, comentei:

—Aqui o habitar está aquém das aparências.

—Como assim? —retrucou. Pensei na resposta e disse:

—As edificações são muito semelhantes, pouco se diferenciam quando vistas das vielas. Alguns palácios, mesquitas e escolas, edifícios institucionais, podem destacar-se com portas muito bem trabalhadas em mosaicos de cerâmica, belos trabalhos em estuque ou em vedações de madeira trançando os muxarabis. O revestimento cerâmico em muitas paredes e pisos amplia o desem-penho térmico e reduz a transmissão da umidade para o interior do adobe. Não há preocupação com ostentações das aparências.

O amigo refletia e puxava pela memória de quando se preparava para a viagem estudando a região em imagens de satélite. Respondeu:

—Não há recuos nas vias públicas ou entre as edificações, e esse espaço é aproveitado e transfor-mado praticamente em todas as edificações em um pátio interno, como bem pode-se observar de uma vista aérea. A presença da água no centro desses pátios é muito comum.

A água refresca, umidifica, hidrata, purifica, relembra ou contribui à ablução. Este ritual de limpeza e purificação dos fiéis remete ao paraíso junto à vegetação, que também contribuirá ao sombreamento. O pátio muitas vezes é circundado por colunatas, em geral com arcadas,

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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criando uma espécie de varanda coberta ou alpendre, um espaço de transição entre o exterior do pátio e o interior das edificações que condiciona o ar a temperaturas mais baixas e, além do efeito refrescante, protege as vedações sob esse abrigo. A ostentação pública é um recurso praticamente inexistente, somente em palácios ou mesquitas pode-se notar algum espetáculo arquitetônico e a sombra nasce para todos. Nem só de sol vive o homem marroquino, mas sim do equilíbrio entre claro e escuro. O ar circula das áreas mais baixas, sombreadas e umidificadas, e cruzam os ambientes.

Os entrelaçamentos das vielas recebendo pouca radiação solar parecem contribuir à canalização da brisa refrescante. Há quem defenda que o sentido das vias principais busca as direções de vento mais favoráveis. Curiosamente, há muitas praças secas semelhantes àquelas da Itália, com pouca vegetação e, se existentes no Marrocos, são normalmente tamareiras que poucas sombras fazem. Esses espaços públicos vazios acolhem eventos como feiras ou qualquer agrupamento de pessoas para atividades mercantis ou eventos públicos. Distribuem a circulação de uma para outra ruela. Trata-se de um lugar simbólico, um alargamento do olhar muito benéfico ao sair das vielas ou para otimizar a visualização de alguma edificação significativa, como uma mesquita, por exemplo, ponto de referência e encontro.

Meu companheiro conclui a nossa conversa:

—De fato, há muito que refletir e aprender. Não há um único modelo de habitação ou de cidade para se viver bem com bem-estar. Cada cultura, cada tradição, cada condição climática pode produzir seus modelos. Aqui não há espaços de transição entre as edificações e a área pública e, mesmo assim, tudo parece perfeitamente normal.

CENA 2: PREÂMBULO VERNACULAR

Sabedoria amalgamada em poesia

Muito se sabe da herança árabe depositada na cultura ibérica, Portugal e Espanha, região deno-minada pelos invasores durante 800 anos de “al-Andalus”, que colocou fim a uma hegemonia dos povos bárbaros. Ocorreu uma mútua e importante influência entre os povos peninsulares e a cul-tura islâmica vinda do Marrocos, incluindo aí os povos berberes do deserto e das cadeias mon-tanhosas do Atlas com picos pouco acima dos 4000m, capazes de mostrarem neve ao lado do deserto. Através da colonização do Novo Mundo, essas interferências chegaram à América Latina.

Os estrangeiros invasores encontraram muitas semelhanças climáticas na Península Ibérica, fazendo com que deixassem mais do que traços na arquitetura e no urbanismo, mas sim verdadeiras

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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lições de uma experiência mais do que centenária acumulada na chamada tradição vernacular, ou seja, de uma vivência bem-sucedida na adequação ao clima e na proteção necessária sob muitos aspectos, em especial na adaptação das construções e cidades, transformando-as em abrigos de fato. Claro que a rica cultura dos árabes evoluiu da experiência popular para soluções bastante sofisticadas, como demonstra o Palácio de Alhambra em Granada, Espanha. A experiência verna-cular não pode jamais ser descartada por um golpe de orgulho intelectual e racionalista.

O que vale não é a exatidão da solução formal na aplicação da experiência vernacular, mas os princípios adotados por ela e que devem ser adequados ao genius loci, ao place’s spirit, enfim, ao espírito do lugar. Uma intervenção arquitetônica e urbanística deve respeitar o caráter e as características de um determinado lugar em oposição ao conceito do “não lugar” de ideia inter-nacionalista e hegemônica, equivocadamente apoiada na ideia do zeitgeist que, na lapidação de Hegel, evoca a contemporaneidade sem se opor ao genius loci4.

Já tivemos, e temos, excelentes exemplos de arquitetos que se apoiaram na visão da contempo-raneidade sem o esquecimento do “abrigo” humanizado e respeitoso para com o lugar: Frank Lloyd Wright e Robert Venturi, EUA; Luis Barragán, México; Osvaldo Bratke e Rino Levi, Brasil; Aldo Rossi e Renzo Piano, Itália; Richard Rogers, Inglaterra; apenas para citar alguns. Os bra-sileiros mencionados foram excepcionais em nosso país pelas soluções, possíveis à época, para a adequada circulação de ar fresco. Dentre suas propostas, estavam a utilização de elementos vazados de influência dos muxarabis, e a utilização das prumadas de circulação vertical para a canalização de brisas internas. Eles ainda adaptaram proteções contra a irradiação solar exces-siva, trabalhando com maestria a luz e a sombra através de soluções como o uso de beirais ou recuos e quebra-sóis. Ao contrário da total transparência em caixas de vidro, consideraram a sombra, a luz e suas penumbras de transições. São importantes elementos estéticos e de conforto ambiental saudável.

CENA 3: TERRA BRASILIS

Repercutindo a experiência em terras brasileiras

Diz um jargão que a arquitetura brasileira deve ter “botas altas e chapéu de abas largas”, uma alusão mais do que pertinente às relações sobre o menor abrigo, o vestuário, com as edificações e cidades no clima predominante brasileiro. No Marrocos, na cultura árabe e para o mesmo fim, têm-se as túnicas kaftan e os turbantes. Clara alusão à sabedoria popular acumulada e aparentemente

4 Pode-se estender esse conceito a toda e qualquer produção cultural, à arte local, por exemplo, de cada povo que deve ser essencialmente respeitada e preservada em seus princípios.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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esquecida. Os povos indígenas que vivem às margens do rio Xingu, no estado do Mato Grosso, constroem grandes ocas com alturas excepcionais e grande consumo de material e horas de traba-lho. Deixam apenas uma pequena porta. Por que não constroem ocas menores que, ao menos apa-rentemente, exigiriam menos horas de trabalho, menos materiais e outros insumos disponíveis, e cuja manutenção seria mais fácil? Ou ainda, por que no período bandeirista, ou no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, por exemplo, as edificações tinham poucas aberturas?

Sem dúvida, o sistema construtivo também explica a ausência de muitas janelas, mas com cer-teza não é apenas isso. Havia a presença de grandes alpendres na entrada das construções e de grandes beirais.

A famosa expressão de origem portuguesa “sem eira nem beira”, ainda que possua o significado de desfavorecimento econômico por representar casas sem pátios ou quintais para a secagem de cereais e a ausência das beiradas de telhado que protegem as vedações, parece não ter grande representatividade para essa interpretação. Quando visitamos a cidade de Paraty, cidades histó-ricas mineiras ou mesmo alguns lugares portugueses como a cidade de Óbidos, tão característica do que são as cidades no além-mar, vemos muitas construções com esses atributos, jogando por terra a interpretação socioeconômica da expressão. Ao menos é uma hipótese. Arrisco dizer que deve haver outra explicação e que talvez a “beira” seja mais uma licença poética exigida pela rima, enquanto a “eira” faz algum sentido em razão do pedaço de terra necessário.

Ainda assim, a lição do vernacular para soluções sustentáveis e com conforto ambiental per-manece e entra em contradição com as construções ditas modernistas, que eliminam qualquer elemento semelhante alegando uma simplicidade formal composta de volumes idealizados, mas inadequados ao nosso clima e à redução da “pegada ecológica”.

Uma nação deve respeitar sua história.

CENA 4: ARTES E DESIGN SEM ARTIFÍCIOS

Uma árvore com muitos frutos

Se há algo a destacar nas impressões causadas ao grupo de viajantes foi a arte. Presente em todos os lugares, dos mais antigos aos mais contemporâneos, do artesanato aos palácios reais e mes-quitas. Quem conhece a Europa pode até estranhar: não há espetaculares estátuas de pedra, nem grandes quadros pintados em diversos estilos, mas há em cada detalhe um quê da arte islâmica alimentado pelas influências vernáculas dos berberes.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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—Olhem só aqueles mosaicos! Vejam esses arabescos! —exclamou uma colega extasiada.

De fato, era difícil não se encantar. Não só pelos padrões geometricamente planejados como pelo cuidado da execução. Cada pequena pedra, caco cerâmico ou, ainda, metal precioso estava assentado com muito profissionalismo. Mosaicos nos pisos e nas paredes juntavam-se aos ara-bescos, em especial aos versos do Alcorão. Repliquei à colega:

—Repare que apesar da repetição dos padrões eles não provocam qualquer sentimento tedioso como poderia ser pensado apressadamente pelo excesso de informações e desejo de novidades contemporâneas. Muito pelo contrário! Transmitem a profundidade de um conceito sereno.

—Principalmente se olharmos várias obras! —ela comentou—. Muitos, muitíssimos edifícios expõem essa arte e, mesmo assim, cada um parece bem diferente dos outros e não causa aquela sensação de já ter sido visto, nem provoca desinteresse.

—Penso que é precisamente na justa medida das informações dessa arte que reside sua essên-cia de beleza —respondi—. Ou seja, apesar de podermos ver muitos desenhos entrelaçados e muitos traços estilizados em um emaranhamento de informações, há um conjunto artístico que paradoxalmente possui uma simplicidade capaz de não saturar nossa percepção.

Sim, parece ser isso, pois a mesma sensação e leitura encontra-se em outras peças, inclusive as artesanais. Vemos esse critério nas conhecidas lanternas marroquinas, nos entalhes de madeira, nos trabalhos em latão ou em prata, nos vidros coloridos e até mesmo nos arranjos de sacos que arranjam os temperos e frutas secas nos mercados, nas peças de vidro de todo tipo.

—Sim, não há entropia —a colega respondeu academicamente—. Não há o excesso que pode provocar desorientação aos nossos sentidos e percepções quando não se consegue sentir mais nada, pois fica-se saturado com tanta informação.

—Verdade. A simplicidade orientada por um único conceito (no caso, a religiosidade ancestral) demonstra um sentido único percebido esteticamente sem necessidade de racionalizar sobre qualquer peça.

Muitas peças utilitárias e decorativas estão inspiradas do mesmo modo. Há luminárias, cha-farizes, pratos e outros utensílios de cozinha ou decorativos, muitos com inserção de prata. Vê-se nas chaleiras que servem o tradicional chá verde quente com menta, bebido inclusive no deserto, e nos “tagines”, um típico prato da culinária marroquina, de cozimento lento e que dá nome à panela com que é feito. Os tapetes marroquinos são famosos, feitos com uma seda de

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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cactos ou de lã de carneiro, são coloridos e de excelente confecção, com uma padronagem de desenhos mantida há séculos.

A cultura ocidental também é assim em sua essência, como pode-se ver em qualquer época. Apenas, talvez, na contemporaneidade seja um tanto diferente. Com o excesso de informações de todo o tipo há uma tentativa, ou busca, de estimular continuamente com algo novo as sensa-ções e percepções constantemente saturadas, seja para sobrepor ou destacar alguma informação como para aplacar alguma ansiedade que os excessos podem provocar. A saturação é o ofusca-mento, ou o sentir amargor em uma bebida adocicada após a degustação de algo muito açuca-rado. Só é possível apreciar sensações se estivermos desobstruídos dos excessos.

CENA 7: HERANÇA LAUREADA DE YSL

Ao infinito e além da moda

O dia, um tanto nublado no começo da manhã, logo mostraria seu calor em outra vivência. Muitos estavam esperando aquele momento. Chegávamos ao Museu Yves Saint Laurent [5], situado em Marraqueche, junto aos Jardins Marjorelle.

Yves Saint Laurent (1936-2008) foi um estilista que se destacou na França. Nascido na Argélia, iniciou sua carreira trabalhando com Christian Dior. Foi convocado pelo exército francês para lutar na Argélia nas lutas de independência daquele país. Em pouco menos de um mês teve muitos problemas e foi hospitalizado em uma instituição psiquiátrica por um tempo bastante longo. Em 1962 fundou sua Maisson YSL com financiamento de seu companheiro Pierre Bergé, um homem de negócios habilidoso. YSL sempre se destacou na alta-costura pela criatividade, refinamento e precisão. Levou esses conceitos à sua linha prêt-à-porter, um conceito de moda industrializada sem abrir mão da sofisticação de seus parâmetros.

Viveu por anos com Bergé. Ambos mantinham uma casa em Marraqueche, um palácio azul royal nos Jardim de Marjorelle [6] de inspiração islâmica e executado pelo pintor francês Jacques Marjorelle e que foi comprado e revitalizado pelo casal. O espetacular jardim botânico com mais de 3000 espécies abrigou as cinzas de Laurent. Hoje, o Museu YSL com mais de 4000 m² situa-se ao lado do palácio. No percurso até o museu comentei com um amigo de viajem:

—Não estou muito animado para ver esse museu. Moda não é do meu interesse a não ser pela razão de compreender as relações históricas entre as vestimentas e o comportamento em deter-minado período da humanidade.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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—Vamos ver se de fato não ficará bem impressionado —ele comentou, quase que profetica-mente, conhecendo minhas experiências acadêmicas que incluem pesquisas sobre estética e his-tória da arte.

Ao chegar, me surpreendi positivamente. A elegância da edificação, projetada com muita sim-plicidade e sofisticação, já diz muito sobre os conceitos de YSL. Uma construção nada ostensiva, com muitos tijolos cerâmicos da cor do Marrocos (da cor de Marraqueche, mais precisamente), com planos de vedações e espaços muito bem dosados em relação à proporção humana. As salas de exposição protegidas da iluminação natural, como convém, são de dimensões suficientes sem competir com aquilo que é exposto.

Uma sala impressionante expõe protótipos de modelos do estilista. Com iluminação cuidadosa, demonstra como o artista da alta costura trabalhou com as influências europeias e da cultura ber-bere, o povo marroquino. Percebem-se traços dos caimentos de seus cortes, as texturas, escolhas dos tecidos, cores e acessórios de moda perfeitamente conjugados entre as duas culturas. Como o próprio YVL disse certa vez: “Marraqueche apresentou-me às cores. Antes de Marraqueche, tudo era negro”. Sem dúvida ele se referia à luz presente naquela região do planeta, às cores neu-tras (quase atávicas) das terras marroquinas e, ao mesmo tempo, às plantas e frutos disponíveis além, é claro, do famoso azul cobalto desenvolvido pelo pintor francês Marjorelle, que traz suave imponência ao palácio onde YSL viveu muitos momentos com Bergé. O amigo de viagem estava certo. YSL surpreendeu. Comentei a ele posteriormente:

—Incrível a capacidade inovadora do estilista. Percebe-se claramente a capacidade de transfor-mar conceitos em criações da moda.

—Eu disse —respondeu o amigo— que ficaria agradavelmente admirado. A moda, como qual-quer outra atividade artística, nos remete a muitas reflexões além de gerar beleza.

—Sem dúvida —complementei—. Como se criar beleza fosse pouco! Ele conseguiu trazer a cultura tribal muito rica dos berberes e tecer uma trama especial com a cultura ocidental sem nenhum estereótipo. Imagino o potencial de inovação que os brasileiros têm à disposição com a cultura tão diversificada que se encontra em nosso território.

Na sequência da visita se depara com o jardim tão famoso, muito bem projetado e cuidado, rico em espécies vegetais com os seus tons de verde associando-se às águas ali presentes e ao azul Marjorelle das edificações. Para encerrar, uma visita ao Museu berbere, que traz peças excepcio-nais desse povo e que, mais uma vez, consagra e confirma a influência em YSL. Nas ruas, vez ou outra, encontram-se traços e acessórios dessa cultura local como se houvesse uma continuidade do museu.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Há muitos acessórios de moda feitos em prata com desenho de indubitável influência árabe. Os tecidos tradicionais são delicados e confeccionados com uma espécie de seda produzida a partir de uns cactos que, por isso, alguns consideram um produto vegano. O mais comum é o tingimento das fibras com tintas naturais ainda que seja permitido, em alguns casos, o uso de corantes industrializados. O couro também merece destaque, seja ele de carneiros, bovinos ou dromedários, por produzir um artigo muito leve e resistente. Com ele se produz bolsas, luvas, casacos e muitas outras peças. Os mais famosos são produzidos artesanalmente com tratamen-tos e tingimento em curtumes que remontam a séculos de tradição, como o encontrado na cidade de Fez.

CENA 8: ALMAS EM COMUNICAÇÃO

Diversidade em uníssono

O Marrocos é uma nação de muitas mensagens onde ocorre muita comunicação. Pela extensa e rica história já narrada, os povos marroquinos convivem com muitas formas de comunicação. Em geral, o idioma árabe predomina, mas há muitos falantes berberes. Encontram-se também os que se comunicam em espanhol e, mais ao sul, como em Casablanca, uma forte influência francesa. O interessante é o convívio pacífico dessas muitas formas de comunicação. A impres-são que fica é que, apesar da religião muito presente e que impõe costumes, estes são aceitos com naturalidade pela população em geral e, igualmente, há tolerância para a diversidade de com-portamentos, diferenciados entre as várias origens dos povos que ali habitam. Como se percebe isso? Pela comunicação.

Desde sua conversão ao Islã, adotaram uma arte desprovida de expressões figurativas. Acreditavam, e ainda o fazem, que a decoração dos templos e espaços públicos pudessem trans-mitir as mensagens divinas. A arquitetura bastante simbólica, assim como os mosaicos e, de modo mais direto, os arabescos que inscrevem versos do Alcorão nas paredes das mesquitas são exemplos dessa conversação.

Por exemplo, é comum as sinalizações de vias públicas e estradas estarem grafadas em dois ou três idiomas (árabe, francês e berbere). Isso demonstra que não houve a imposição de uma única cultura, já que o árabe é a língua oficial. Igualmente pode-se falar a respeito dos cardápios. Claro que nesse caso pode-se dizer tratar-se de uma estratégia turística, mas percebe-se que, devido à afluência de muitas culturas atravessando o território, faz-se necessária alguma forma de comu-nicação que possa atender a todos.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Percebe-se uma tolerância religiosa mais do que se podia esperar, desde que respeitosa aos cos-tumes locais como convém em qualquer lugar. Isso também se reflete em comportamentos e na comunicação. Vê-se isso, por exemplo, nos chamados às orações. Enquanto alguns dirigem-se para essa prática, outros se mantém em suas próprias rotinas.

No islamismo reza-se 5 vezes ao dia, orações envoltas em rituais específicos como por exemplo a purificação antes da reza e os chamados dos “muezins” do alto das torres das mesquitas. O chamamento para orações é prática difundida em muitas religiões, como o caso dos sinos nas igrejas. Muito comum encontrar em postos de combustíveis de estrada dois pequenos ambientes discretamente posicionados, mesquitas, para a realização das orações, masculino e feminino, caso o fiel esteja viajando.

Há pouca publicidade em locais públicos. Cartazes do tipo outdoor podem ser vistos com maior frequência em Casablanca, mas nunca serão de bebida alcoólica; os maometanos não se embe-bedam por razões religiosas. Qualquer produto, qualquer química capaz de alterar a consciência é proibida. A venda de bebidas alcoólicas é permitida aos turistas em raríssimos locais, como em hotéis. Do mesmo modo, locais capazes de incentivar o consumismo são raríssimos. Aliás, a simplicidade é muito mais incentivada e, por essa razão, há essa ausência ostensiva de publici-dade. Consumo, sim; consumismo, não. Esse parece ser o lema.

Os povos berberes e árabes, são tradicionalmente comerciantes e negociadores. A comunicação para a venda é cara a cara. Na conversa, nas demonstrações do produto, na pechincha. Se está interessado em comprar algo, pechinche muito. É cultural e quase ofensivo se não o fizer e, fique atento, esteja disposto a ouvir, pois são insistentes.

CENA 9: NO RITMOS DE MUITAS MANIFESTAÇÕES

Um local de muitos sons

O chamado à oração descrito na cena anterior é uma declamação cantada que preconiza o encontro do fiel à sua prática. As medinas ecoam os sons de vendedores em um mercado e as praças costumam oferecer ao visitante músicos que esperam algum dinheiro em troca, berberes com micos e algum instrumento, além dos conhecidos encantadores de serpentes.

Há muita musicalidade nas diversas apresentações feitas ao turista e mesmo que seja com essa finalidade, pode-se perceber o empenho de quem se apresenta. A arte da música expressa a alma de um povo; se ela for encenada sem sentimento, logo denotará a artificialidade. Não é o que acontece. Além do profissionalismo, há o sentimento que jorra do culto às tradições musicais

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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e ao que elas representam [7]. Um sentido de identidade. Certamente são muitas as influências que receberam, ao longo de suas histórias, a enorme contribuição árabe.

Dadas as condições de guerras, caravanas comerciais e características nômades na origem ber-bere, bem como os contatos com a África subsaariana, é perceptível a influência de todos esses povos em muitos ritmos e músicas marroquinas. Estando eles, os maometanos conhecidos como mouros, na Península Ibérica por oito séculos, deixaram ali suas marcas culturais, incluindo a música. Em razão da colonização da América Latina pelos ibéricos, aqui também chegaram as influências ritmadas daquele povo situado ao noroeste africano. Estudiosos contam dessa influência no samba [8], na marcação ritmada e em alguns instrumentos que hoje sofreram alterações. Caso do “adufe” descrito como uma espécie de pandeiro, um membranofone, com grãos em seu interior.

CENA 10: AO GOSTO DOS DIRETORES

Claquetes marcam suas preferências

As terras marroquinas já serviram de cenário a muitos filmes. Parece que as claquetes adoram marcar cenas nessa região. A lista é vasta, mas é possível destacar alguns. Dos mais antigos e conhecidos, o filme Casablanca (1942), dirigido por Michael Curtiz, se passa na cidade homô-nima [9]. Consiste em um drama romântico narrado em cenários exóticos aos ocidentais, talvez até estereotipados. Tem como tema musical o conhecido As time goes by [10] e foi estrelado por Humphrey Bogart, Ingrid Bergman e Paul Henreid. Outros exemplos emblemáticos são: Ali Babá e os 40 ladrões (1954), de Jacques Becker (1954); Lawrence da Arábia (1962), de David Lean (1962); A jóia do Nilo (1970), de Lewis Teague e Jesus de Nazaré (1997), de Franco Zeffirelli.

O Marrocos é retratado direta ou indiretamente em diversas outras produções audiovisuais, de muitos gêneros:

• A última tentação de cristo (1988) — dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Willem Dafoe (Jesus), Harvey Keitel (Judas), Barbara Hershey (Maria Madalena), David Bowie (Pôncio Pilatos), e Harry Dean Stanton (Paulo).

• A Múmia (1999) — produção baseada no clássico do terror de 1932 e inicialmente pensada como um filme de baixo orçamento, tornou-se um sucesso de vendas. Dirigido por Stephen Sommers e estrelado por Arnold Vosloo, Brendan Fraser, Rachel Weisz, John Hannah e Kevin J. O’Connor.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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• Gladiador (2000) — dirigido por Ridley Scott com os atores Russell Crowe, Joaquin Phoenix, Connie Nielsen, Ralf Möller, Oliver Reed, Djimon Hounsou, Derek Jacobi, John Shrapnel e Richard Harris.

• O ultimato Bourne (2007) — dirigido por Paul Greengrass teve no elenco Matt Damon, Julia Stiles, David Strathairn e Scott Glenn, entre outros.

Ouarzazate é uma cidade ao sul do alto Atlas, às portas do deserto e tornou-se uma espécie de Hollywood do Marrocos. Ali se encontram muitos cenários de cinema e estúdios, sendo o Atlas um dos maiores [12]. As locações na região são importantes para muitos estúdios internacio-nais. O local vem ganhando notoriedade entre profissionais e turistas que visitam muitos dos cenários existentes. A importância do Marrocos vem deixando de ser apenas uma região de filmagens. Ano a ano as relações entre produtores se acentuam e hoje o Festival da 7ª arte do Marrocos ganha cada vez mais luz e visibilidade ante o público geral, os profissionais e os pro-motores da cinematografia e da economia criativa.

FIM DOS ATOS: FECHAM-SE AS CORTINAS

O que fica

Uma viagem como essa é um exemplo. Aliás, viajar e conhecer com sensibilidade outros lugares é uma dádiva muito além do entretenimento. Essa foi a um dos berçários de nossa civilização ocidental, um local exótico que aglutina infinitas histórias e culturas que despertam reflexões sobre a essência da alma humana; um país que deixa perguntas e considerações sobre nossa posição frente à diversidade, às contribuições inovadoras dos compartilhamentos sob distintos pontos de vista e à recuperação das tradições e daquilo que deve ser essencial a cada um e à sociedade. O Marrocos nos remete, enfim, à reflexão sobre a paz.

Ao se buscar o que é essencial no ser humano, fica-se mais próximo de toda humanidade.

ASSUNTOS-CHAVE:

Adequação climática. Arquitetura. Arte e Design. Artes. Cinema. Civilizações. Comércio. Comportamento. Comunicação. Diversidade cultural. Economia criativa. Estrangeiros. Estranhamento. Globalização. Hegemonia cultural. História geral. Influências culturais. Invasões. Meio ambiente. Moda. Modernismo. Música e Cinema. Percepção estética. Pós-modernismo. Preconceitos e estereótipos. Relações internacionais. Religião e Estado. Sustentabilidade. Urbanismo. Vernacular.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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REFERÊNCIAS

1. BERBERES. Historiazine. [S.l.]: [s.n.], 2016. Disponivel em: <https://historiazine.com/os-povos-bérberes-bc98844e4f96>. Acesso em: 28 abr. 2018.

2. UNESCO. Archaeological Site of Volubilis. [S.l.]: [s.n.]. Disponivel em: <http://whc.unesco.org/en/list/836/gallery/>. Acesso em: 30 abril 2018.

3. PAULO, F. M. Histórias de Portugal. [S.l.]: [s.n.], 2018. Disponivel em: <https://historiasdeportugalemarrocos.com/2018/01/21/d-sebastiao-e-a-batalha-de-alcacer-quibir/>. Acesso em: 01 maio 2018.

4. DANZA SUFI. [S.l.]: [s.n.]. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=al5ZuZ6_b0I>. Acesso em: 01 maio 2018.

5. LE MUSÉE YVES SAINT LAURENT. [S.l.]: [s.n.]. Disponivel em: <https://museeyslparis.com/>. Acesso em: 01 maio 2018.

6. MARJORELLE, F. J. Disponivel em: <www.jardinmajorelle.com>. Acesso em: 01 nov. 2017.

7. OFFICIAL. OUM - TARAGALTE (Soul Of Morocco) Official Video. [S.l.]: [s.n.], 2013. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=297klwcKKmI&list=RDl9rSIZ1yl8c&index=6>. Acesso em: 28 abr. 2018.

8. QUENTAL, P. Instrumento árabe ajudou a criar a batida rítmica do samba. [S.l.]: Empresa Brasil de Comunicação (EBC), 2013. Disponivel em: <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2003-12-03/instrumento-arabe-ajudou-criar-batida-ritmica-do-samba>. Acesso em: 15 maio 2018.

9. TRAILER. Casablanca (1943) - Dublado. trailer. [S.l.]: [s.n.], 2013. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=UtSPL052LbQ>. Acesso em: 25 abr. 2018.

10. AS TIME GOES BY - CASABLANCA. LEGENDADO. [S.l.]: [s.n.]. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=nJ1Pqk3TXqU&list=RDnJ1Pqk3TXqU&t=52>. Acesso em: 25 abr. 2018.

11. ALAMI TALBI JAOUAD, ALAMI TALBI OTHMAN. Todo Marrocos. [S.l.]: Fisa Escudo de Oro.

12. ESTADÃO. Marrocos - de Marrakech ao Saara. São Paulo: Jornal estado de São Paulo, 2016. Disponivel em: <http://viagem.estadao.com.br/noticias/geral,camadas-a-descobrir-no-marrocos,10000018989>.

13. MARJORELLE, F. J. Musée berbére. Marrakech. Ed. Jardin Marjorelle, 2016.

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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14. TV BRASIL. Conheça o Zikr: um ritual sufista. [S.l.]: [s.n.], 2016. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=4Btc1rOpQc8>. Acesso em: 15 maio 2018.

15. APEIXADORIS. Zeca Afonso Milho Verde. [S.l.]: [s.n.], 2009. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=gh0co2F-Q8c&list=PLORuBblF8p_8CD293oy5VufoGBwtkmZl1&index=26>.

ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Aeroporto de MarraquecheFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 3: Vista aérea Medina, Marraqueche (Pátios internos)Fonte: Google Maps

Figura 2: Localização do MarrocosFonte: Google Maps

Figura 4: Mesquita Hassan 3ª maior do mundo, CasablancaFoto do autor: Amodeo, 2017

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Figura 6: Sinalização de estradaFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 7: Avenida em MarraquecheFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 8: Baixos relevos, arabescos e mosaicoFoto do autor: Amodeo, 2017

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Figura 9: As Time Goes By, em CasablancaFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 12: Muralhas defensivasFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 13: Fonte Jardim MarjorelleFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 14: Visão das MedinasFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 10: Berbere vendedor de águaFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 11: Encantador de serpentesFoto do autor: Amodeo, 2017

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Figura 15: Mausoléu de HassanFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 18: Entalhes em madeiraFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 19: Transporte nas MedinasFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 16: D. Sebastião Rei de PortugalFonte: Museu Nacional das Artes

Figura 17: Dança sagrada Sufi, DervixesFoto do autor: Amodeo, 2017

História de Portugalhttp://www.hirondino.com/historia-de--portugal/dom-sebastiao-desejado/

https://www.youtube.com/watch?v=4Btc1rOpQc8

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Figura 20: Cores de frutos e temperosFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 22: Apresentação musicalFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 23: TecelagemFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 21: Fazendo mosaicosFoto do autor: Amodeo, 2017

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Fonte: (AMODEO, 2017)AMODEO, Wagner. Viajando pela arte no Marrocos. Belas Artes, São Paulo, v.1, n.72.01-02, p.1-22, maio 2018.

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Figura 24: Trabalhando o metalFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 26: Muxarabis ao altoFoto do autor: Amodeo, 2017

Figura 27: Portas de mesquita nas Medinas 1Foto do autor: Amodeo, 2017

Figura 28: Porta de mesquitas nas Medinas 2Foto do autor: Amodeo, 2017

Figura 25: Pátio do palácioFoto do autor: Amodeo, 2017