novos panoramas para o ensino...

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO RONALD LIMA DA SILVA NOVOS PANORAMAS PARA O ENSINO RELIGIOSO: Uma análise do modelo das Ciências da Religião para o Ensino Religioso nas escolas públicas, tendo em vista os aspectos da transdisciplinaridade, transreligiosidade e pluralismo religioso São Bernardo do Campo 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

RONALD LIMA DA SILVA

NOVOS PANORAMAS PARA O ENSINO RELIGIOSO:

Uma análise do modelo das Ciências da Religião para o

Ensino Religioso nas escolas públicas, tendo em vista

os aspectos da transdisciplinaridade, transreligiosidade

e pluralismo religioso

São Bernardo do Campo

2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

RONALD LIMA DA SILVA

NOVOS PANORAMAS PARA O ENSINO RELIGIOSO:

Uma análise do modelo das Ciências da Religião para o

Ensino Religioso nas escolas públicas, tendo em vista

os aspectos da transdisciplinaridade, transreligiosidade

e pluralismo religioso

Orientador: Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião, da

Universidade Metodista de São Paulo, como

requisito parcial para obtenção do Grau de

Mestre.

São Bernardo do Campo — 2017

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A dissertação de mestrado intitulada “NOVOS PANORAMAS PARA O ENSINO

RELIGIOSO: Uma análise do modelo das Ciências da Religião para o Ensino

Religioso nas escolas públicas, tendo em vista aspectos da transdisciplinaridade,

transreligiosidade e pluralismo religioso”, elaborada por RONALD LIMA DA SILVA

foi apresentada e aprovada em 09 de março de 2017, perante banca examinadora composta

por Prof. Dr. Cláudio de Oliveira Ribeiro (UMESP), Prof. Dr. Luiz Jean Lauand (UMESP)

e Prof. Dr. João Décio Passos (PUC/SP).

______________________________________________

Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

______________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do PPGCR – UMESP

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Linguagens da Religião

Linha de pesquisa: Teologias das Religiões e Cultura

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Ao meu pai, Job Gilson (in memoriam), que faleceu durante este curso de mestrado, com todo meu amor e gratidão, por tudo que fez por mim ao longo de minha vida. Desejo poder ter sido merecedor do esforço dedicado por ele em todos os aspectos, especialmente quanto à minha formação.

Ao meu jovem sobrinho, Matheus Marques, que está lutando fortemente contra duas agressivas leucemias. Você tem sido uma inspiração para eu continuar fazendo e lutando pelo que eu amo.

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AGRADECIMENTOS

Esta é uma página que poucos leem, mas que o autor não se pode furtar a escrever:

nela apresento minha gratidão a quem se tornou cúmplice da dissertação que acabei

escrevendo:

Deus: por Sua presença constante e por todo bem a mim concedido;

Daniele, minha esposa: pela saudade contida, apoio, paciência e carinho;

Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro: pelas orientações, constante incentivo e

compreensão nos momentos mais difíceis;

Rev. Flávio dos Santos: pelos conselhos e incentivos que me

conduziram até aqui;

CNPq: pelo patrocínio integral;

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião: pelo

apoio, confiança e acolhida;

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SILVA, Ronald Lima da. NOVOS PANORAMAS PARA O ENSINO RELIGIOSO: Uma

análise do modelo das Ciências da Religião para o Ensino Religioso nas escolas públicas,

tendo em vista os aspectos da transdisciplinaridade, transreligiosidade e pluralismo

religioso. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. São Bernardo do Campo:

Universidade Metodista de São Paulo, 2017. 149 p.

RESUMO

O escopo desta pesquisa objetiva evidenciar a contribuição que o Ensino Religioso

(ER) nas escolas públicas é capaz de proporcionar para o desenvolvimento de uma cultura

de paz, de tolerância, de respeito e de convivência harmoniosa em sociedade, em meio a

aguçados conflitos. Dentro de um contorno pedagógico, o ER, em conformidade com os

Parâmetros Curriculares Nacionais e a legislação educacional brasileira, abriga, não

obstante seus limites e ambiguidades, a diversidade de crenças e o pluralismo religioso.

Assim, esta pesquisa visa discutir e realçar o modelo das Ciências da Religião para o ER na

escola pública, tendo em vista a sua fundamentação transdisciplinar e transreligiosa,

perpassada pela Teologia do Pluralismo Religioso. Tal visão procura utilizar a força ética

das religiões como proposta para uma ética civil global, cujo desafio constitui-se num

campo inovador a ser explorado no currículo escolar brasileiro. Como elemento da

formação e do desenvolvimento para a cidadania, essa matéria escolar pode incentivar,

favorecer e/ou promover o respeito entre grupos religiosos e também com setores não

religiosos em vista da construção de uma ética global. É fato que, na vida em sociedade,

estão presentes as religiões, e mesmo os não crentes necessitam entender, tolerar, respeitar e

conviver com os crentes e vice-versa. Sendo assim, a disciplina de ER, se vista nesta

perspectiva, pode promover uma educação para a tolerância, o respeito, o convívio pacífico

entre as pessoas de convicções religiosas diferentes, e entre religiosas e não religiosas.

Visando contribuir com esta visão, sistematizamos algumas bases teóricas sobre a temática.

Palavras-chaves: Ensino Religioso; Transdisciplinaridade; Transreligiosidade; Ethos;

Pluralismo Religioso.

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SILVA, Ronald Lima da. NEW SCENARIOS FOR RELIGIOUS EDUCATION: An

analysis of the model of the Religious Sciences for Religious Education in public schools, in

view of transdisciplinarity, transreligiosity and religious pluralism. Dissertation in Science

of Religion. São Paulo Methodist University: São Bernardo do Campo, 2017. 149 p.

ABSTRACT

The scope of this research aims to highlight the contributions from the Religious

Education (RE) to the public schools, and its capacity to contribute to development of the

peace culture, tolerance, respect and harmonious coexistence in society, in the face of the

scathing conflits. In the pedagogical profile, the RE, in conformed to the National

Curricular Parameters and the Brazilian educational legislation, despite of its limits and

ambiguities, holds the diversity of believes and the religious pluralism. This way,

considering the transdisciplinary and transreligious basis of Sciences of Religion, which is

permeated by the Theology of the Religious Pluralism, this research purposes to discuss and

point out the Sciences of Religion model to the RE in public school. Such a view intends to

utilize the religions ethical power as a proposal for a global civilly ethical, whose challenge

is constituted in a innovate field to be explore in the Brazilian scholar curriculum. As an

element of training and development for the citizenship, this school subject can incentive,

benefit, and/ or can further the respect between religious groups and nonreligious sectors as

well, in order to build a global ethical. Accordingly, it’s fact that religions are present in the

life in society, and even people non-believers need to understand, tolerate, respect and

coexistent with the believers and vice versa. Therefore, the RE subject can promote an

education for the tolerance, respect, and peaceful coexistence between people with different

religious convictions, believers or non-believers as well.

Keywords: Religious Education; Transdisciplinary; Transreligiosity; Ethos; Religious.

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SUMÁRIO

Introdução ______________________________________________________________ 11

Capítulo 1: Os Modelos de Ensino Religioso no Brasil e os desdobramentos de um novo

conceito de ensino religioso ________________________________________________ 16

Introdução ____________________________________________________________ 16 1) Os Modelos de Ensino Religioso ________________________________________ 17

1.1) O Modelo Catequético ___________________________________________________ 21 1.2) O Modelo Teológico _____________________________________________________ 23 1.3) O Modelo das Ciências da Religião _________________________________________ 25

2) Um novo conceito de Ensino Religioso ___________________________________ 28 3) Educação religiosa e Ciências da Religião _________________________________ 37

3.1) A área das Ciências da Religião ____________________________________________ 37 3.2) Ciências da Religião e Fenomenologia da Religião _____________________________ 39 3.3) Contribuições das Ciências da Religião para o Ensino Religioso ___________________ 45 3.4) Formação de docentes para Ensino Religioso __________________________________ 49 3.4.1) O papel das licenciaturas em Ciências da Religião __________________________ 49 3.4.2) Proposta de diretrizes curriculares nacionais para a formação do docente de Ensino

Religioso__________________________________________________________________ 52 Considerações Finais ____________________________________________________ 58

Capítulo 2: Bases teóricas de um novo fundamento epistemológico para o Ensino Religioso

_______________________________________________________________________ 59 Introdução ____________________________________________________________ 59 1) Considerações Preliminares: Críticas à existência de Ensino Religioso nas escolas

públicas ______________________________________________________________ 60 2) A nova epistemologia para o Ensino Religioso: Inteligência Geral _____________ 66 3) O que é transdisciplinaridade? __________________________________________ 69 4) O que é transreligiosidade? ____________________________________________ 72 5) Metodologia Transdisciplinar e Ensino Religioso na Escola Pública ____________ 74

5.1) Complexidade: Ensino Religioso e Incerteza __________________________________ 77 5.2) Complexidade: Ensino Religioso e Laicidade _________________________________ 82 5.3) Níveis de realidade: Ciência e Tradição, a complementariedade dos opostos _________ 83

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5.4) Lógica do Terceiro incluído: justiça religiosa __________________________________ 87 6) Ensino Religioso e a Legislação da Educação no Brasil: Desafios e Perspectivas __ 92 Considerações Finais ____________________________________________________ 97

Capítulo 3: O Ensino Religioso diante do Pluralismo Religioso e da Ética Mundial _____ 98 Introdução ____________________________________________________________ 98 1) Pluralismo Religioso e Teologia ________________________________________ 99

1.1) Globalização e pluralidade religiosa _______________________________________ 100 1.2) Teologia do Pluralismo Religioso _________________________________________ 103

2) Ensino Religioso e Ética Mundial: a formação para a paz ___________________ 109 2.1) Fundamentos da ética e alteridade _________________________________________ 109 2.2) Ethos e direitos humanos: um legado da diversidade cultural ____________________ 114 2.2.1) O Ethos: Lugar onde se habita: _______________________________________ 115 2.2.2) Ethos: Liberdade e Diversidade: ______________________________________ 117 2.2.3) Ethos, Diversidade Religiosa e Direitos Humanos ________________________ 121 2.3) A Educação na perspectiva do Ethos _______________________________________ 126

Considerações Finais ___________________________________________________ 131

Conclusão _____________________________________________________________ 132

Referências Bibliográficas ________________________________________________ 135

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INTRODUÇÃO

Uma característica expressiva da vivência em sociedade é o fenômeno religioso. E

como está presente na vida social, o fenômeno religioso também incidi na ambiência

escolar.

Na sala de aula deparamos com crenças, práticas, ideais, posturas, comportamentos e

atitudes fundamentadas em convicções religiosas. A vivência escolar também agrega

crenças diferentes. A formação do individuo desenvolvida na escola deve proporcionar a

convivência, a tolerância e a paz entre os cidadãos que compartilham crenças religiosas

divergentes, pois a convivência não obriga a pessoa a aceitar valores ou ideais com as quais

não se identifica, mas o obriga a respeitá-los. As divergências de crenças religiosas não

justificam a não convivência pacífica e harmoniosa entre os seres humanos em sociedade.

É fato que, na vida em sociedade, estão presentes as religiões, e mesmo os não

crentes necessitam entender, tolerar, respeitar e conviver com os crentes e vice-versa. Sendo

assim, a disciplina de ER, se vista nesta perspectiva, pode promover uma educação para a

tolerância, o respeito, o convívio pacífico entre as pessoas de convicções religiosas

diferentes, e entre religiosas e não religiosas.

A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das

culturas de nosso mundo. [...] é a harmonia na diferença; é uma virtude que torna a

paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de

paz; não é concessão, condescendência, indulgência; é, antes de tudo, uma atitude

ativa fundada no reconhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das

liberdades fundamentais do outro (DECLARAÇÃO, 1995, n.p.).

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Tolerância em nosso trabalho, portanto, preconiza o reconhecimento do outro como

um ser de direito. De modo que, seja qual for a atitude que se apresente como algo que force

alguém a adotar uma decisão contrária as suas convicções religiosas, é capaz de lesar o

direito às liberdades fundamentais do outro.

Nota-se, em nosso país, o desrespeito entre grupos religiosos. Obviamente que esse

tipo de atitude é resultado de uma construção histórica, ou seja, o desrespeito e a

intolerância entre pessoas que possuem convicções religiosas divergentes não é um

fenômeno que teve origem nos dias atuais. No entanto, é importante lembrar que a liberdade

religiosa é um direito humano internacionalmente reconhecido, ao passo que a intolerância

transgride os direitos humanos, põe em risco à democracia e a paz.

A inexistência de uma ação de respeito e tolerância para com a diversidade religiosa

presente na escola pode acarretar na propagação de preconceitos e discriminações. Levando

em conta que a escola precisa por em execução a formação política e social dos alunos

como cidadãos, é essencial que ela propague valores éticos fundamentados na convivência

harmoniosa entre as pessoas, a despeito das diversidades, até mesmo de natureza religiosa.

A força ética das religiões pode fornecer o substrato para uma ética civil global,

podendo ser capaz de colaborar para a formação de uma cultura de paz e tolerância entre os

seres humanos. Visto nesta perspectiva, o ER enquanto disciplina escolar, possibilita

contribuir para promover a tolerância e o respeito entre as pessoas, estimulando o convívio

pacífico entre pessoas que têm convicções religiosas distintas. Mesmo aqueles que não são

religiosos, necessitam aprender a coexistir com outros que possuem suas crenças religiosas.

Isso pode ajudar a diminuir a intolerância religiosa presente na sociedade.

A compreensão de ER presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN´s

(BRASIL, 1998) conjectura novos panoramas para a sua prática pedagógica. Podemos

considerar inovadoras suas perspectivas, que servem de fundamentos à ação docente. Os

apontamentos de caráter normativo (os quais veremos mais detalhadamente no primeiro

capítulo) presentes nos PCN´s apresentam uma mudança emblemática no ER.

Neste palco de transmudação, esta dissertação consiste em apresentar o trabalho que

os Parâmetros Curriculares Nacionais (permeado no viés das Ciências da Religião e aliado

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aos aspectos da transdisciplinaridade, transreligiosidade e pluralismo religioso)

desempenham para a evolução da pedagogia do ER. Diante das condições impostas pelo

vigente contexto sociocultural complexo e pluralmente religioso, é de extrema necessidade

harmonizá-lo as propostas atuais dos Parâmetros Curriculares Nacionais ― cujas

proposituras discorremos nesta pesquisa. Ou seja, procuramos incluir o ER numa proposta

pedagógica que se lance numa nova cosmovisão, respondendo aos anseios por uma

educação religiosa democrática, que possibilite levar em consideração a diversidade das

expressões religiosas.

Temos a intenção de progredir no processo que caracterize o ER dentro de um perfil

pedagógico. Ao longo desta dissertação buscamos detectar como essa disciplina escolar

pode contribuir para a educação destinada a paz e ao convívio harmonioso entre as pessoas

com crenças religiosas diferenciadas, mesmo reconhecendo o quadro religioso conflitivo da

sociedade atual. Para isso, vamos identificar algumas tendências significativas e descrevê-

las.

Dentro da realidade social negada pelas variadas formas opressivas de vida da

cultura dominante com seus desdobramentos sociais injustos (incluindo a supressão da

religião e crenças do outro dominado), é que nascem as lutas contra aos mais variados

exemplos de dominação e discriminação do outro. Surgem igualmente dimensões

afirmativas da pluralidade de caminhos para o reconhecimento humano.

O conhecimento religioso, como sistematização de uma das dimensões da relação do

ser humano é um instrumento que auxilia na superação das ambiguidades e das contradições

de respostas isoladas de cada cultura e grupo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais visam

renovar o ER num contexto de rápidas mudanças que questionam as muitas formas de

existir e de agir das comunidades culturais de cada indivíduo.

O ER sempre fez parte do quadro da Educação no Brasil, mas se vê hoje desafiado a

sanear as ambiguidades e distorções históricas para manter-se nos sistemas escolares.

Durante o período Colonial foi entendido como catequese eclesial, o que era bastante

conveniente aos interesses do Padroado. Com a República e a consequente separação entre

Igreja e Estado em 1889, surgiram os primeiros questionamentos a um modelo de ER

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confessional, uma vez que violava o princípio de laicidade do Estado (JUNQUEIRA, 2002;

FIGUEIREDO, 1995). Mas é somente durante o século XX que surge a necessidade de uma

nova consciência, uma ética global decorrente do pluralismo cultural e religioso presente no

Brasil e no mundo. Por isto, a nova LDBN nº. 9.394, alterada em seu artigo 33, de 25 de

julho de 1997, contempla a diversidade religiosa e veta o uso do proselitismo. Assim, o

modelo de ER confessional avança para a modalidade Teológica e das Ciências da Religião

(PASSOS, 2007; SOARES, 2010). Porém, pensamos que ainda é preciso construir uma

proposta de ER mais amplo e que responda melhor a necessidade da formação integral dos

estudantes e aos desafios de uma sociedade complexa e globalizada.

De fato, com a legislação da LDB/97 houve uma mudança de paradigma na

concepção de ER que passou a ser compreendido como parte integrante da formação básica

do cidadão e área de conhecimento. Tal feito nos coloca diante de um novo desafio:

fundamentar mais substancialmente o ER no contexto da escola pública. Dessa forma, esta

pesquisa tem como objetivo geral analisar como a metodologia transdisciplinar e

transreligiosa na disposição das Ciências da Religião, em diálogo com as concepções do

pluralismo religioso, pode abalizar o ER escolar no contexto de uma sociedade laica. Como

recursos metodológicos, optamos por utilizar a pesquisa bibliográfica através de autores que

trabalham a temática do ER, das Ciências da Religião, da transdisciplinaridade, da

transreligiosidade, do pluralismo religioso e do ethos, dentre os quais: João Décio Passos,

Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, Anísia de Paulo Figueiredo, Afonso M. L. Soares,

Gilbraz Aragão, Ana Maria Tepedino, Edgar Morin, e Basarab Nicolescu. Nossa pesquisa,

portanto, será estritamente bibliográfica, ou seja, partirá basicamente de uma leitura crítica e

reflexiva de autores e autoras que trabalharam os referidos temas.

Assim, defenderemos a necessidade de um modelo mais integral para o estudo do

fenômeno religioso pela abordagem transdisciplinar associada aos conceitos de

complexidade (MORIN, 2000; 2002; 2010a; 2010), níveis de realidade e terceiro incluído

(NICOLESCU, 1999; 2002), transreligiosidade (ARAGÃO, 2010; 2015), com o ideal de

fomentar a formação dos estudantes numa perspectiva de integralidade e da cidadania

(PASSOS, 2007; SOARES, 2010), conforme expresso no artigo 33 da LDB nº 9.394/96,

com a nova redação do Artigo 33. Esta, propõe um novo paradigma para o ER; discorrendo

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a necessidade da escola pública e laica se tornar um lugar, um ethos, de conhecimento de

saberes teóricos e práticos, de convivências prazerosas, de interações, de reconhecimento

dos diferentes em suas diferenças, da cumplicidade e da sabedoria em exercícios de

alteridade, da construção de identidades dialógicas, da percepção da cultura como espaço da

construção de valores sociais, epistêmicos e étnicos, do reconhecimento de que somos seres

humanos com direitos e deveres. Será apresentada a relevância da reflexão teológica sobre o

pluralismo religioso no Brasil e sua contribuição para o ER em escolas públicas num Estado

laico, possibilitando pistas para a superação da intolerância e do exclusivismo pela abertura

ao diálogo inter-religioso (BOFF 1983; 1999; 2002; 2004; TEIXEIRA 1993; 1995; 2001;

20114; 2007; 2012; QUEIRUGA, 1997; 1998; 1999; 2001; QUADROS 2004; CROATTO

1984; 2002; 2010). Defenderemos a importância da escola pública quanto a se tornar um

tempo/espaço/lugar do ethos da solidariedade e da responsabilidade para o livre e pleno

desenvolvimento de todos os educandos, contemplando todas as etnias, culturas e

expressões religiosas e não religiosas; como conhecer, respeitar e conviver com os

diferentes ethos religiosos e não religiosos sem ferir e violar os direitos e deveres de

estudantes e educadores (KÜNG 1998; 1998; VAZ, 1995; DUSSEL, 1997; AGOSTINI,

1993).

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CAPÍTULO 1: OS MODELOS DE ENSINO RELIGIOSO

NO BRASIL E OS DESDOBRAMENTOS DE UM NOVO

CONCEITO DE ENSINO RELIGIOSO

“A Religião gera a separatividade;

a Espiritualidade abraça a diversidade e promove união”.

(Autor Desconhecido)

Introdução

A finalidade deste capítulo é apresentar as tipologias de ER no Brasil ao longo da

história em suas respectivas cosmovisões: o Modelo Catequético, o Modelo Teológico e o

Modelo das Ciências da Religião e avaliá-los no sentido de e realçar o modelo das Ciências

da Religião como um novo conceito de ER, cujo método, suas contribuições para o ER e

para a formação de docentes nas escolas públicas brasileiras consideramos mais adequados

e relevantes.

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A análise desses modelos será a base para críticas e apontamentos posteriores que

faremos no segundo e terceiro capítulo desta dissertação. Portanto, este capítulo, por ser

descritivo, é um item importante para nossa pesquisa e para a apresentação de novos

panoramas para o ER nas escolas públicas, especialmente tendo em vista os aspectos da

transdisciplinaridade, transreligiosidade e pluralismo religioso, que veremos adiante.

Três passos serão dados em nossa descrição. O primeiro fará uma descrição dos três

modelos de ER existentes na história do ER no Brasil. Será exposto cada modelo de ER em

seus respectivos períodos na história do Brasil e suas características. O segundo passo

consiste em descrever um novo conceito de ER, sua aplicação pedagógica, sua metodologia

e sua utilidade para a formação cidadã. E o terceiro passo exporá a educação religiosa vista

sob a perspectiva das Ciências da Religião. Será apresentada detalhadamente as

contribuições das Ciências da Religião para o ER e as propostas da formação de docentes

para o ER.

1) Os Modelos de Ensino Religioso

Dentro de um panorama histórico, podemos identificar a composição de três modelos

bases do ER no Brasil: o Catequético, o Teológico e o das Ciências da Religião ― ou

Modelo Fenomenológico (PASSOS, 2006, p.21-45). Nos diferentes períodos de nossa

história encontramos a predominância de algum deles. Atualmente, frente à complexidade

do fenômeno religioso podemos confirmar que ainda os três modelos prevalecem no

exercício pedagógico dos professores do ER.

Mesmo perante os progressos na configuração do estatuto epistemológico da

disciplina, e da legislação atual que adota o modelo oferecido pelas Ciências da Religião,

ainda há uma intensa presença dos modelos anteriores. Uma simples observação ao campo

com professores do ER seria capaz de identificar isso. Acreditamos que a deficiência está na

formação dos professores e na dificuldade da implementação de cursos de licenciatura em

Ciências da Religião.

O ER adquire traços diferenciados de acordo com o ambiente escolar. Se a disciplina é

proporcionada em uma escola pública ela necessita se orientar precisamente pela legislação

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civil, no caso a lei 9.475 de 1997 (BRASIL, 1997). Já no caso das escolas confessionais

encontramos outro rumo para a disciplina. Não que elas não estejam obrigadas a cumprir a

lei, elas devem cumpri-la, todavia, a confessionalidade da instituição conservar-se

preservada de tal modo que o ER na escola confessional toca na fé religiosa professada pela

escola. Esse fato é garantido pela legislação, nos variados Estados do Brasil.

Em linhas gerais, como expusemos, sobressaem no Brasil três modelos referenciais de

ER. O primeiro deles, de cosmovisão unireligiosa, é denominado Catequético. Este modelo

prevaleceu na escola pública desde o período Colonial até as últimas décadas do século XX,

e mesmo hoje ainda há resquícios de sua prática. Oficialmente foi corroborado pela LDBEN

n° 4.024 de 1961. Com as mudanças no panorama social, político e cultural da sociedade

brasileira nas décadas de 70 e 80, outro modelo foi adotado, de cunho plurireligioso e

antropológico, intitulado Teológico, regulamentado pela legislação das LDBEN nº 5.692/71.

Esta alternativa pareceu, a princípio, ser uma boa opção para a efetivação do ER na escola

laica, pois tratada Religião enquanto dimensão essencial do ser humano, sem fechar-se a

outras experiências de fé. Porém, como não há teologia aconfessional ou supraconfessional

(SENA, 2007, p. 92), este modelo terminou por induzir a catequese dissimulada, gerando

novas discussões e polêmicas.

Mais recentemente, devido a outras reformas no campo da Educação nacional, a

regulamentação da LDBEN nº 9.394/96, alterada em seu art. 33, estabeleceu nova

modalidade de ER, agora sob o prisma de respeito à diversidade cultural e religiosa no

Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Esta nova legislação teve o mérito de

homologar o modelo de ER Fenomenológico ou das Ciências da Religião (PCNER, 2009;

PASSOS, 2007; SENA 2006; SOARES, 2010); o que mais adiante foi implementado pelas

Resoluções do CEB/CNE nº 02/98 e CNE/ nº 07 de 14 de dezembro de 2010, que situaram o

ER como área de conhecimento e componente curricular obrigatório no Ensino

Fundamental, ficando aos Estados o papel de regulamentá-lo conforme as leis próprias.

Porém, quando tudo parecia caminhar para um desfecho cobiçado pelos profissionais

da área da educação que ansiavam a superação de modelos de ER que não mais respondiam

adequadamente a conjuntura religiosa e cultural no Brasil, novas dificuldades surgiram,

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sobretudo, em razão de não haver uma diretriz nacional comum que norteie a

implementação do ER nos Estados, havendo grande disparidade na interpretação das leis. O

Rio de Janeiro, por exemplo, chegou a estabelecer em seu sistema de ensino um modelo de

ER Catequético (Lei nº 3.459/2000), embaraçando seu processo de efetivação conforme a

LDBEN nº 9.394/96, alterada em seu art. 33. São Paulo também apresentou suas

dificuldades. Conforme PASSOS (2007), a Igreja Católica neste Estado buscou oficializar

um ER confessional, inclusive convocando suas forças para agilizar este processo junto às

escolas de São Paulo:

“A Pastoral Regional do Ensino Religioso realizará encontro anual de educador e

agentes de pastoral educativos, visando à implantação e à dinamização de Ensino

Religioso confessional católico nas escolas estaduais e municipais” (Publicado no

Jornal O São Paulo, de 12 de abril de 2006).

Ao lado destes acontecimentos, foi assinado em 2008, pelo então presidente Luis

Inácio Lula da Silva e o Papa Bento XVI, o Acordo Brasil – Santa Sé, que defende

abertamente a confessionalidade do ER na escola pública, gerando grande polêmica em

nível nacional.

O fato é que, às vésperas de legitimar um ER com base científica na escola pública do

Brasil, nos vimos, mais uma vez, envoltos em disputas entre Igreja e Estado (JUNQUEIRA,

2002). Até hoje esta disciplina não conseguiu desvencilhar-se do “campo de negociações

das confissões religiosas e do Estado” (PASSOS, 2007, p. 67), desordenando seu processo

de efetivação escolar. Hoje se aguarda pela decisão do Supremo Tribunal Federal, que

valerá para todas as escolas públicas do país.

Em contrapartida, toda esta tensão também teve efeitos positivos, pois muitas

universidades, educadores, intelectuais e o FONAPER1 engajaram na luta por um projeto de

1 O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER) é uma associação civil de direito privado,

de âmbito nacional, sem vínculo político-partidário, confessional e sindical, sem fins econômicos, que

congrega, conforme seu estatuto, pessoas jurídicas e pessoas naturais identificadas com o Ensino Religioso,

sem discriminação de qualquer natureza. Foi criado em 1995 e, ao longo de sua existência, vem buscando

acompanhar, organizar e subsidiar o esforço de professores, pesquisadores, sistemas de ensino e associações

na efetivação do Ensino Religioso como componente curricular. O FONAPER é um espaço de discussão e

ponto aglutinador de idéias, propostas e ideais na construção de propostas concretas para a operacionalização

do Ensino Religioso na escola. Para conhecer melhor o FONAPER e seu trabalho, consulte seu site:

http://www.fonaper.com.br/

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ER secular, independente dos sistemas religiosos e vedadas quaisquer formas de

proselitismo. Nossa discussão acerca dos modelos de ER se coloca nesta perspectiva, de

contribuir com este esforço de legitimar na escola pública do Brasil um modelo de ER que

respeite a pluralidade religiosa enquanto direito do cidadão e projete uma Educação crítica e

criativa para os alunos.

Sendo assim, iremos analisar neste tópico a validade de cada um destes modelos,

tendo em vista seus aspectos políticos, pedagógicos e epistemológicos.

Acima, já mencionamos três modelos de ER relacionados no Brasil. Mas é importante

observar que existem várias tentativas de construir tipologias para o ER no sentido de

facilitar sua análise. Para GRUEN (1995), por exemplo, os três modelos de ER são

designados como: Catequético, Ecumênico e Interconfessional. Já para PASSOS (2007), é

possível catalogar no país os modelos de ER: Catequético, Teológico e o das Ciências da

Religião. E SOARES (2010, p. 120), aponta em seu estudo a existência de outra tipologia

presente no país:

Giseli do Prado Siqueira, identifica quatro modelos de Ensino Religioso: o modelo

confessional, ligado a uma religião, o ecumênico, organizado entre as

denominações cristãs; o modelo baseado no estudo do fenômeno religioso,

sugerido pelo FONAPER; e um quarto, que define o Ensino Religioso como

educação da religiosidade, tendo como base o pensamento de Paul Tillich e W.

Gruen (SOARES, 2010, p. 120).

De modo que seria impossível trabalhar com todas as perspectivas. Assim, adotaremos

para esta pesquisa a tipologia sugerida por João Décio Passos, sobretudo, em razão de nos

possibilitar uma visão cronológica e diacrônica do ER na história do Brasil, o que facilita

sua análise no que diz respeito aos fundamentos teóricos e metodológicos de cada modelo,

de onde decorrem seus conteúdos, posturas políticas e didáticas na relação professor-aluno,

como explica o autor.

Para PASSOS (2007, p. 56-68), três modelos de ER estão presentes hoje nas escolas

do Brasil: o Catequético, o Teológico e o das Ciências da Religião. Conforme ele,

Podemos dizer que os três modelos têm sua concretização numa certa sequência

cronológica. O modelo catequético é o mais antigo; está relacionado, sobretudo, a

contextos em que a religião gozava de hegemonia na sociedade, embora ainda

sobreviva em muitas práticas atuais que continuam apostando nessa hegemonia,

utilizando-se, por sua vez, de métodos modernos. Ele é seguido do modelo

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teológico que se constrói num esforço de diálogo com a sociedade plural e

secularizada e sobre bases antropológicas. O último modelo, ainda em construção,

situa-se no âmbito das Ciências da Religião e fornece referências teóricas e

metodológicas para o estudo e o ensino da religião como disciplina autônoma e

plenamente inserida nos currículos escolares (PASSOS, 2007. p. 54).

De modo que já se percebe claramente em sua colocação a defesa do modelo das

Ciências da Religião. Outros pesquisadores como SOARES (2010) JUNQUEIRA (2002),

SILVA (2004) e SENA (2007), também comungam da mesma ideia. O que nos interessa,

enfim, é discutir agora as bases teóricas e metodológicas destas três propostas e entrever que

modelo responde com maior ganho a necessidade do ER enquanto área de conhecimento no

contexto da escola laica.

Mas antes disto, ainda devemos considerar nossa pretensão de trabalhar com

categorias ou modelos de ER. Em nossa perspectiva estas categorias não são tomadas como

delimitações cabais, mas sim, “tendências, mapas ideais extraídos a partir de práticas

concretas da realidade; úteis, portanto, para a visualização da prática do que está

acontecendo em sala de aula” (SOARES, 2007, p. 120). Em outras palavras, o uso da

categoria de modelos de ER nesta pesquisa deve-se a razão de que, do ponto de vista

epistemológico, eles nos permitem uma abordagem diacrônica da história do ER no Brasil

(PASSOS, 2007).

1.1) O Modelo Catequético

Conforme PASSOS (2007, p. 54), dos três modelos referendados, o Catequético é o

mais antigo e se relaciona com os contextos de hegemonia católica do período Colonial e

Imperial (1500-1889). O modelo catequético no ER é proselitista, objetiva à geração de

novos fiéis mediante a propagação de sua doutrina religiosa. O ER teve seu início no Brasil

como uma catequese que pretendia desenvolver a cristandade portuguesa nas “Índias”. Seus

vieses são ontológicos, ou seja, essencialistas, não históricos e tão pouco existenciais.

A catequese era levada para dentro das escolas confessionais e públicas, servindo

como motivação espiritual, como base teórica e como estratégica para o Ensino

Religioso. Num passado não muito remoto, foi a principal base do Ensino

Religioso. (...) Essa ligação manteve uma continuidade entre as comunidades

religiosas e as escolas e reproduziu no interior destas as catequeses das Igrejas que

conquistavam espaço. Ainda que estejamos longe de uma legitimação dessa

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prática, o modelo catequético ainda subsiste em algumas práticas do Ensino

Religioso (PASSOS, 2006, p.29).

Na busca da conquista espiritual do Brasil, a catequese teve um importante papel no

que tange a ultrapassar os limites das comunidades religiosas, ou seja, atravessar a esfera

das comunidades religiosas no intuito de angariar novos fiéis. Inúmeras vezes, em um

passado não muito longe, a catequese, que ensinava a religião oficial do Estado ― no caso o

catolicismo―, era apresentada dentro da escola pública. O ER, assim, se instrumentava num

artifício eclesiástico na escola pública. Utilizamos o diagrama oferecido por João Décio

Passos (PASSOS 2007, p.59) para mostrar esse modelo:

Cosmovisão Unirreligiosa

Contexto Político Aliança Igreja-Estado

Fonte Conteúdos doutrinais

Método Doutrinação

Afinidade Escola tradicional

Objetivo Expansão das Igrejas

Responsabilidade Confissões religiosas

Riscos Proselitismo e intolerância

Este modelo, portanto, está organizado para a confessionalidade. Seu contexto político

inicial é da aliança entre Igreja e Estado, sustentado por uma visão unirreligiosa da

sociedade, onde cabia a Igreja a responsabilidade sobre seus conteúdos e professores.

Oficialmente veio a ser corroborado pelo sistema nacional de ensino em 1961, com a

LDBEN n° 4.024/61.

No campo da Educação, este modelo apresenta grande afinidade com a escola

tradicional, e seus métodos se enquadram no ensino de conteúdos prefixados, com

estratégias bancárias e posturas autoritárias. Busca no contexto da atual sociedade moderna

reconquistar a hegemonia de outrora, onde as confissões religiosas se impunham no

contexto da sala de aula.

Para PASSOS (2007, p. 59-60), trata-se de um modelo defasado, impossível de

efetivar-se na atual conjuntura moderna, onde a Igreja e o Estado encontram-se separados; a

não ser por alguma espécie de acordo entre ambos, o que é pouco provável diante da atual

consciência educacional e religiosa que alcançamos nestes últimos tempos.

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A consciência hoje é de que o estudo do fenômeno religioso deve-se dar a partir da

escola, e não de uma ou mais denominações ou religiões como foi no passado. Claro que

não se nega ao cidadão o direito a adquirir uma adequada formação para o exercício de sua

religiosidade, porém, que isso aconteça fora do contexto escolar. Conforme o FONAPER,

Por questões éticas e religiosas, e pela própria natureza da escola, não é função

dela propor aos estudantes aos educadores a adesão e vivência desses

conhecimentos, enquanto princípios de conduta religiosa e confessional, já que

esses sempre são propriedade de uma determinada religião (PCNER, 1997, p.22).

Claro que ainda há uma resistência a que este modelo se perpetua no seio das escolas,

mesmo porque, é portador de longa tradição no interior das Igrejas cristãs históricas, vem do

fato de tender fortemente ao proselitismo e a intolerância religiosa, o que se mostra

inconcebível no contexto dos novos tempos.

1.2) O Modelo Teológico

O segundo modelo surge com o objetivo de superar a prática catequética e responder

melhor ao contexto de uma sociedade plural e secularizada. Esta é uma perspectiva

“ecumênica” do ER. Alguns autores (por exemplo, Sérgio Junqueira, 2002), preferem

denominar esse modelo de interconfessional, inter-religioso e inter-relacional, o qual se

desenvolveu, sobretudo, a partir da LDB nº 5.692/71, tendo forte influência do Concílio do

Vaticano II realizado na década de 1960. Quanto a nós, continuaremos usando a definição

de João Décio Passos, que assim se refere ao modelo Teológico.

A teologia não configura, necessariamente, conteúdos confessionais nas

programações de Ensino Religioso, mas age, sobretudo como um pressuposto que

sustenta a convicção dos agentes e a própria motivação da ação; a missão de

educar é afirmada como um valor sustentado por uma visão transcendente do ser

humano. A religiosidade é, portanto, uma dimensão humana a ser educada, o

princípio ‘fundante’ e o objetivo fundamental do Ensino Religioso escolar

(PASSOS, 2006, p.31).

Essa visão, conquanto revele uma disposição democrática da disciplina de ER,

também parte do dado da fé nas diversas designações religiosas. Avoca a modernidade, e

em certo modo, procura o diálogo entre as diferentes confissões religiosas e a sociedade.

Proporciona o respeito e o diálogo entre as religiões, objetivando a formação integral do ser

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humano. A disciplina de ER é apresentada sob o viés interdisciplinar na conjuntura escolar.

Abaixo, apresentamos o quadro indicado por João Décio Passos (2007, p.63).

Cosmovisão Plurirreligiosa

Contexto Político Sociedade secularizada

Fonte Antropologia, teologia do pluralismo

Método Indução

Afinidade Escola Nova

Objetivo Formação religiosa dos cidadãos

Responsabilidade Confissões religiosas

Riscos Catequese disfarçada

Do ponto de vista pedagógico é pautado pela antropologia da religião. Entende a

religiosidade como uma dimensão integrante ao ser humano, sendo, portanto, um valor

importante a ser educado. Caracteriza-se ainda por um avanço no sentido de superar a visão

de cristandade medieval, assumindo uma cosmovisão plurirreligiosa (PASSOS, 2007, p. 60)

da comunidade humana. As propostas elencadas por GRUEN (1995) na década de 70

evidenciam muito bem este modelo de ER na escola.

Seu contexto histórico-político é a sociedade secularizada, moderna, em diálogo com

a pluralidade cultural e religiosa do país, dentro de um horizonte de afinidades ecumênicas.

A finalidade primeira é aperfeiçoar o homem religioso, contribuindo com a formação

integral do cidadão, objetivo geral da Educação moderna.

Entretanto, a responsabilidade pelos conteúdos e a habilitação de seus professores

ainda recaem sobre os sistemas religiosos, o que leva ao risco de uma catequese disfarçada.

“Mesmo embasado nessa antropologia e na convicção do respeito às diversidades, o risco

desse modelo afigura ser o de uma catequização disfarçada, não tanto pelos seus conteúdos,

mas pela responsabilidade ainda delegada às confissões religiosas” (PASSOS, 2007, p. 64).

De fato, como não existe teologia aconfessional ou supraconfessional (SENA, 2007,

p. 92), qualquer uma das religiões que assumir sua condução pode, facilmente, “estender

para dentro da escola suas comunidades confessionais e suas reproduções doutrinais”

(PASSOS, 2007, p. 61), o que iria de encontro ao princípio de laicidade do Estado moderno.

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No campo da Educação, esta proposta possui grande afinidade com a Escola Nova,

caracteriza-se pelo método da indução e valoriza a individualidade do educando. Destaca-se

por “demarcar sua distinção da catequese e de afirmar o direito à pluralidade religiosa, bem

como o valor do diálogo inter-religioso e da prática ecumênica no processo educativo”

(PASSOS, 2007, p. 64). A visão é da Educação enquanto processo de humanização da

pessoa e de um agir ético no mundo, pois conforme afirma a CNBB em seus estudos2, toda

ação educativa se situa num contexto filosófico e de valores:

Toda proposta de educação é também uma proposta de valores, de um tipo de

homem e de um tipo de sociedade [...] um processo de humanização, expressão de

um projeto utópico, o homem novo e a nova sociedade, que impulsiona para a

transformação do mundo de opressão (PASSOS, 2007. p. 62).

Assim, o homem aqui é visto como um projeto infinito, aberto à transcendência,

disposto a uma realidade maior do que ele próprio. Educar é afirmar este horizonte, e

encaminhar o ser humano a uma ação libertadora e uma sociedade mais justa. Já a

metodologia, é da argumentação racional teológico-confessional, onde a filosofia se coloca

como serva da teologia para pensar o ER.

Entretanto, nenhum destes dois modelos responde às exigências didático-

metodológicas de um contexto escolar laico, precisando assim, serem substituídos por uma

proposta mais ampla que garanta a autonomia epistemológica e pedagógica do ER na

escola, como veremos a seguir.

1.3) O Modelo das Ciências da Religião

O terceiro modelo de ER tem sua base teórica nas Ciências da Religião. Na visão do

modelo das Ciências da Religião, o ER adquire sua autonomia como área do conhecimento

e como saber com estatuto epistemológico e pedagógico próprios. Também é denominado

como modelo fenomenológico. A legislação brasileira para o ER adota esse modelo. Sua

responsabilidade é da comunidade científica e do Estado, admitindo um objeto de estudo

“maior do que a confessionalidade presente em cada denominação religiosa”

2 Para um maior aprofundamento sobre o assunto consultar: CNBB. Estudos da CNBB n. 41. Para uma pastoral

da educação.

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(JUNQUEIRA, CORRÊA e HOLANDA, 2007, p. 51). Efetivamente, a disciplina de ER, no

contexto das escolas públicas, não necessita mais ser desempenhada por um teólogo, mas

por um cientista da religião, com as apropriadas capacidades pedagógicas para o

desempenho da docência. Conforme PASSOS (2006, p. 32),

As Ciências da Religião podem oferecer a base teórica e metodológica para a

abordagem da dimensão religiosa em seus diversos aspectos e manifestações,

articulando-a de forma integrada com a discussão sobre a educação.

Conforme essa concepção para o ER, a religião é uma elaboração histórica e

sociocultural. Esta proposta não parte da profissão de fé do aluno/a nem do professor/a.

Analisa-se a religião como fenômeno humano, utilizando o auxílio das variadas ciências:

Psicologia, Antropologia, Sociologia, entre outras. Essa perspectiva visa à formação e

desenvolvimento para a cidadania do educando. Assume a religião como algo que aceita a

compreensão da realidade social e a vivência plena da cidadania. PASSOS (2007, p.66)

considera:

Cosmovisão Transreligiosa

Contexto Político Sociedade secularizada

Fonte As Ciências da Religião

Método Indução

Afinidade Epistemologia atual

Objetivo Educação do cidadão

Responsabilidade Comunidade científica e do Estado

Riscos Neutralidade científica

O modelo das Ciências da Religião assume uma cosmovisão transreligiosa3 da religião

e se baseia na redação da LDB nº 9.394/96, com a nova redação do Artigo 33,

implementando um novo paradigma educacional, mais tarde ratificado pela Resolução do

CEB/CNE nº 02/98 e CNE/ nº 07 de 14 de dezembro de 2010, que situaram o ER como área

de conhecimento.

Conforme PASSOS, (2007, p. 64), este terceiro modelo rompe com os dois anteriores

e funda uma epistemologia abalizada em diferentes campos de estudo, como a História,

3 Mais adiante, especialmente no terceiro capítulo de nossa pesquisa, conceituaremos com Gilbraz Aragão o

termo transreligioso.

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Filosofia, Fenomenologia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, etc., sendo caracterizado

ainda por uma intencionalidade educativa clara e pelo método indutivo.

Este modelo está em vias de desenvolvimento, mas já se encontra contemplado em

algumas propostas pedagógicas, como na dos Parâmetros Curriculares do FONAPER. Sua

cosmovisão se distingue dos demais modelos por ser secularizada e transreligiosa, estando

em grande afinidade com a epistemologia atual. Também assume o método da indução e sua

responsabilidade é da comunidade científica e do Estado.

Passa-se a afirmar aqui a necessidade da educação religiosa em outros termos, não

mais enquanto direito do cidadão ou dimensão antropológica que precisa ser educada,

Trata-se de reconhecer sim, a religiosidade e a religião como dados antropológicos

e socioculturais que devem ser abordados no conjunto das demais disciplinas

escolares por razões cognitivas e pedagógicas. O conhecimento da religião faz

parte da educação geral e contribui com a formação completa do cidadão,

devendo, assim, estar sob responsabilidade dos sistemas de ensino e submetido às

mesmas exigências das demais áreas do saber que compõem os currículos

escolares (PASSOS, 2006, p. 65).

A proposta, então, é de um conhecimento universal, tomando como ponto de partida o

fenômeno religioso, fundamentado nas Ciências da Religião e sob a responsabilidade da

comunidade científica e do Estado, capaz de possibilitar uma visão ampla das diversidades

da Religião, e ao mesmo tempo, da singularidade que caracteriza o fenômeno religioso.

Neste sentido, trata-se de uma visão transreligiosa que pode sintonizar-se com a

visão epistemológica atual, sendo que busca superar a fragmentação do

conhecimento posta pelas diversas ciências com suas especializações e alcançar

horizontes de visão mais amplos sobre o ser humano (PASSOS, 2007, p.66).

Para PASSOS ainda, a afirmação deste modelo acarretará em muitos desafios, tanto de

ordem política, quanto histórica. Isto dependerá em muito dos trabalhos de profissionais da

Educação, autoridades políticas e do próprio MEC. Para ele, o encaminhamento final está

relacionado à transposição didática da área de Ciências da Religião para o ER, como

também, a habilitação dos professores de ER pela Licenciatura em Ciências da Religião.

As dificuldades, por fim, se devem à politização da disciplina, que a situa no campo

de disputa entre Igreja e Estado. Porém, a própria Lei n. 9.475/97 abriu caminho para a

afirmação de um modelo de ER secularizado e nos impõe agora a tarefa de construir para o

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ER “um perfil pedagógico de releitura das questões religiosas da sociedade, baseado na

compreensão de ‘área de conhecimento’ e orientado pelos Parâmetros Curriculares

Nacionais” (OLIVEIRA et. al., 2007, p. 58).

2) Um novo conceito de Ensino Religioso

Partindo de suas novas diretrizes legais, o ER adota uma perspectiva que prioriza mais

a diversidade e a pluralidade de expressões religiosas. Avançando nesse princípio, o

respeito pela liberdade religiosa de cada educando pode ser possibilitado pela escola por

meio de educadores habilitados, instruídos devidamente, ocasionando assim a consolidação

para qualquer Governo, fundamentando-se em seu sistema ou na ideologia que o infunda.

A renovação do conceito de um novo ER, da sua aplicação pedagógica, do

estabelecimento de seus conteúdos e definição de sua metodologia, fornece à escola o

respaldo adequado que qualquer ser humano precisa para produzir o seu conhecimento

religioso. Adotando essa visão, as metodologias não são critérios, parâmetros, para a

aprovação ou reprovação, mas motivos para uma análise individual no prosseguimento do

seu processo de aprendizagem.

Assim, a escola pode se tornar em uma agência significativamente expressiva para

uma sociedade. O ER é tido transformador da educação (e da sociedade), uma vez que seu

objetivo é a formação e as outras disciplinas intentam mais informar. Desse ponto que o ER

é eficiente, porquanto se ocupa com a educação e não somente com a instrução.

De acordo com a afirmação acima, o desafio no processo de ensino-aprendizagem

busca, pela via do respeito, convivência, tolerância e paz, uma educação mais adequada, por

um sistema educacional em que possa haver igualdade de expressão, em que, segundo Edgar

Morin (MORIN, 2002), as diferenças não sejam destruídas, mas integradas

(transdisciplinaridade). Quanto ao foco na busca de separar entre o certo e o errado no

processo do ER, está na busca da integração dos saberes, uma integração que não deve

significar a desintegração da própria religião, da cultura, do saber e dos conhecimentos em

geral do outro. Esta concepção visa realçar que a partir da perspectiva da

transdisciplinaridade, O ER nas escolas públicas buscará a realidade que está entre e além

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das disciplinas científicas, possibilitando gerar uma atitude transreligiosa, que parte da

experiência do sagrado ou divino e por isso não contradiz nenhuma tradição religiosa e

envolve até as correntes ateias. Trata-se de favorecer o diálogo inter-religioso (pluralismo

religioso), pela percepção de uma experiência comum, entre e para além das religiões. A

qualidade de tal escolha (transdisciplinaridade) deve levar em consideração os critérios das

definições das informações, a coerência, na compreensão e levantamento das questões da

divergência entre os princípios fundamentais que devem ser continuamente estudados,

revisados. Nesse sentido, é importante pôr em ação a não fragmentação também da

formação de um profissional, cuja reflexão e ação norteiam o seu trabalho.

Este novo conceito de ER pode se transformar num elemento extremamente útil para a

formação cidadã, posto que a transdisciplinaridade no ER engendra uma atitude

transcultural e transreligiosa. A atitude transcultural e transreligiosa designa a abertura de

todas as culturas e religiões para aquilo que as atravessa e as ultrapassa, indicando que

nenhuma cultura e religião se constituem em um lugar privilegiado a partir do qual podemos

julgar universalmente as outras culturas, como nenhuma religião pode ser a única verdadeira

― mesmo que cada uma possa se experimentar como absolutamente verdadeira e universal.

O ER engloba a condição de cidadão, faz parte da cidadania, o que inclui que ainda

perante a negação da religiosidade humana é imperativo procurar compreender o outro,

estando à disposição para preparar o cidadão para manter a sua religião e respeitar a religião

alheia. O conceito de tolerância, entretanto, precisa ir muito além da expectativa, posto que

o ser religioso é um dado cultural vigente em cada cultura e de larga representação no

Brasil. É um progresso considerar o ER como elemento integrante da formação básica do

cidadão.

Uma das conquistas na contemporaneidade foi o direito da cidadania proposto na

carta dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos elaborada na Assembleia Nacional

Francesa (1789). Posteriormente, esta concepção foi resgatada pelas nações

modernas na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), pela qual cada

cidadão tem o direito de expressar-se diferentemente, portanto, o pluralismo na

sociedade não é um problema, mas um contínuo aprender a viver (JUNQUEIRA,

2002, p. 19).

Assim sendo, o cidadão tem o direito de executar com liberdade sua religião, e

ademais, a religiosidade passa a achar espaço nas ambiências escolares. Com isso, o

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dispositivo legal objetiva enfatizar a importância do fenômeno religioso para o

entendimento da realidade social ao mesmo tempo em que insiste que ao cidadão não pode

faltar o conhecimento dos valores religiosos de nossa cultura.

O estudo da religião se torna uma via indispensável na tarefa urgente de educar

para a convivência universal, e mais, para a sobrevivência humana e ecológica em

tempos de crise planetária. O conhecimento das alteridades religiosas é um

objetivo educacional sem o qual não se podem conhecer verdadeiramente as

particularidades e a totalidade que compõem nossa vida sempre mais globalizada

e, com maior razão, a lógica religiosa inerente a muitos conflitos mundiais em

franco curso ou, cinicamente, anunciados por certos blocos de poder (PASSOS,

2007, p. 125).

A concepção de conhecimento geralmente está agregada, latente ou patentemente, a

uma imagem metafórica que, em grande parte, estabelece o papel das disciplinas. Por meio

desses conhecimentos possibilita ao educando o saber de si, e durante o seu trajeto na

caminhada escolar compreenderá com mais nitidez a sua procura do Transcendente que

colaborará para a formação de cidadania.

É a reflexão a partir do conhecimento que possibilita uma compreensão do ser

humano como finito. É na finitude que se procura fundamentar o fenômeno

religioso, que torna o ser humano capaz de construir-se na liberdade. Entende-se

também que a Escola é o espaço de construção de conhecimentos e principalmente

de socialização de conhecimentos historicamente produzidos e acumulados. O

conhecimento religioso deve estar disponível a todos os que a ele queiram ter

acesso (FONAPER, 1997, p. 21).

A tradição religiosa de cada educando é o que vai fazer a diferença na ideia de

integração entre a formação pessoal e social, entre o desenvolvimento das personalidades

individuais e o absoluto exercício da cidadania sem proselitismo de qualquer tradição.

Desse modo o ER articula o dado antropológico, ao conceber o fenômeno religioso a partir

da abertura do ser humano para a transcendência, e o elemento sociológico, ao considerar a

importância da religião na vida social. Todos esses elementos se encontram conjugados a

partir da dimensão pedagógica, uma vez que o objetivo principal do ER é a formação para a

cidadania e a convivência universal, descobrindo as diferentes alteridades religiosas.

Um conhecimento político ou religioso pode não interessar a um grupo, mas, uma

vez produzido, é patrimônio humano e como tal deve estar disponível. O

conhecimento religioso é um conhecimento disponível e, por isso, a Escola não

pode recusar-se a socializá-lo. Por questões éticas e religiosas, e pela própria

natureza da Escola, não é função dela propor aos educandos a adesão e vivência

desses conhecimentos, enquanto princípios de conduta religiosa e confessional, já

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que esses são sempre propriedade de uma determinada religião (FONAPER, 1997,

p.22).

Através dos conteúdos o conhecimento do fenômeno religioso é propiciado,

respeitando as características de cada educando dentro da série que se encontra engajado.

Deve-se fazer um elo com os eixos organizadores do ER através das culturas e tradições

religiosas, teologias, textos sagrados, ritos e ethos que apoiam a pluralidade religiosa do

Brasil, valorizando a vivência religiosa de cada educando.

Toda a proposta para o trabalho realizado no Ensino Religioso está baseada no

respeito à diferença. O outro é sempre o diferente; sua história é diferente. Sua

vida e o modo de enxergá-la é diverso. Suas manifestações culturais são diferentes

e, sempre, muito bonitas, se pensadas na prerrogativa da diferença cultural. Assim,

sua religiosidade se manifesta diferentemente e isto não deveria ser motivo de

surpresa. Esta é a razão que justifica um Ensino Religioso que se pauta pela

perspectiva da ciência da religião (MENEGHETTI, 2002, p.53).

A história e o conhecimento do fenômeno religioso são ao mesmo tempo construídos e

revelados. Diante dessa complexidade é necessário que o educador seja proprietário de

conhecimento para a sensibilização que o educando precisa para desvendar o mistério do

sentido da vida pelo sentido da vida além da morte, tema presente nas Tradições Religiosas.

O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra

como algo absolutamente diferente do profano. [...] Encontramo-nos diante do ato

misterioso: a manifestação de algo ‘de ordem diferente’ – de uma realidade que

não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante do nosso

mundo ‘natural’, ‘profano’ (ELIADE, 2001, p. 17).

Esse pressuposto sugere alguns embates entre os pesquisadores na área de ER.

Enquanto uma disciplina escolar, não pode o ER ignorar a dimensão de transcendência do

ser humano, ficando reduzido meramente ao dado racional. Há experiências que procuram

transformar o ER numa aula de História das Religiões. O caminho não é esse. O objetivo é

proporcionar, ainda que no plano da fenomenologia, uma experiência humana significativa

que envolva a dimensão do Sagrado presente nas diferentes tradições religiosas. Assim, essa

experiência é complexa, holística, pois procura atingir o ser humano como um todo, e não

apenas seu aspecto intelectual.

O Ensino Religioso poderá despertar o aluno para os aspectos transcendentes da

existência como: a busca do sentido radical da vida, a descoberta de seu

compromisso com o social e a conscientização de ser parte de um todo. Esse

processo de despertar e descobrir, que é permeado de ações, gestos e palavras,

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símbolos e valores, que só adquirem significação na vivência, na participação e na

partilha (JUNQUEIRA, 2002, p. 91).

É ao longo do percurso do Ensino Fundamental que se constrói a compreensão sobre

as reflexões concebidas do fenômeno religioso, nas indagações existenciais: Quem sou? De

onde vim? Para onde vou? Associada a este fato, cresce a consciência da necessidade de

organizações de conteúdos que contribuirá para situar as atenções sobre a construção dos

significados da pluralidade religiosa.

Na compreensão dos diferentes significados dos símbolos religiosos na vida e na

convivência, espera-se que o educando chegue ao significado dos símbolos mais

importantes de cada tradição religiosa, a partir do seu contexto socio-cultural, e

que, na comparação do(s) seu(s) significado(s), desenvolva um entendimento e

respeito crescentes na convivência da sala de aula e nos diferentes grupos

(FONAPER, 1997, p. 45).

A educação, segundo a concepção de Paulo Freire, busca promover condições para

que o ser humano supere as limitações próprias de sua condição de oprimido. O

reconhecimento de que o ser humano não está pronto e se sabe assim, faz com que este

busque formas para construir sua própria existência. Esta busca, para que seja legítima, deve

partir do sujeito em sua própria iniciativa, levando em conta a sua realidade e seu contexto

existencial.

O comportamento dos oprimidos é um comportamento prescrito. Faz-se à base de

pautas estranhas a eles – as pautas dos opressores. Os oprimidos, que introjetam a

‘sombra’ dos opressores e seguem suas pautas, temem a liberdade, na medida em

que esta, implicando a expulsão desta sombra, exigiria deles que ‘preenchessem’ o

‘vazio’ deixado pela expulsão do outro ‘conteúdo’ – o de sua autonomia (FREIRE,

1988, p.34).

Os pressupostos didáticos do ER, para serem bem desenvolvidos, pedem o bom uso

dos meios auxiliares de ensino-aprendizagem. Solicitam também, que os educadores

conheçam os fundamentos da sua pedagogia amparados em argumentos que sejam acolhidos

de acordo com a necessidade na sintonia escola – vida.

O processo de construção de conhecimento desenvolve-se no convívio humano, na

interação entre indivíduo e cultura na qual vive, na qual se forma e para qual se

forma. Por isso, fala-se em aquisição de competências, à medida que o indivíduo

se apropria de elementos com significação na cultura. Nesse contexto o Ensino

Religioso ocupa relevante papel educacional. Portanto, não há real construção de

conhecimentos sem que resulte, do mesmo movimento, uma construção de

competências (JUNQUEIRA, 2002a, p. 25).

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Portanto, é preciso operacionalizar os pressupostos do ER, explicitando a concepção

do ser humano, da cultura, da sociedade e da história, na qual o ser humano assume um

valor inquestionável da sociedade, da justiça, da solidariedade e da igualdade.

Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é educação sem refletir sobre o

próprio homem. Por isso, é preciso fazer um estudo filosófico-antropológico.

Comecemos por pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar, na natureza do

homem, algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o

processo de educação... A educação é uma reposta da finitude na infinitude. A

educação é possível para o homem, por que este é inacabado e sabe-se inacabado

(FREIRE, 2006, p. 27).

Quando falamos de ER, a referência é explícita à opção por uma ética de respeito ao

outro, do diálogo, acentuando o caráter comunitário e, portanto, o relacionamento social

como fator básico dos pressupostos educacionais. Nesta perspectiva, é fundamental que o

ER, desde cedo, ensine os nossos educandos a lidar com clareza com os conflitos religiosos,

não os ignorando, nem os radicalizando, mas tentando superá-los dialeticamente com

sínteses novas e perspectivas fecundas.

A promoção da dignidade humana perpassa, entre outros pontos, pelo respeito e

reconhecimento das diferentes formas de religiosidades, tradições e/ou movimentos

religiosos, bem como daqueles que não seguem forma alguma de religião ou crença

religiosa. A condição necessária para o exercício do diálogo é o reconhecimento do Outro4,

como um legítimo interlocutor:

Sem alteridade não há diálogo. Por isso, se o pluralismo é condição sine qua non

para o diálogo, esta será garantida por uma atitude relacional, capaz de romper

com uma visão do outro que o toma como uma abstração ou uma configuração

psíquica. (TEIXEIRA, 1993, p. 26).

Para TEIXEIRA (2004), no diálogo inter-religioso não se pode violar, apagar ou negar

o dado essencial da diversidade dentre as religiões. Ao contrário, dever-se-á (re)conhecer

singularidades e especificidades de cada tradição e/ou movimento religioso. No exercício do

diálogo não há fusão e nem confusão, mas este exige abertura e distanciamento de

autossuficiências que dificultam e limitam a compreensão de que cada religião é um

4 O termo “Outro” (com a inicial em maiúsculo) quer representar os “Outros” e “Outras”, que para LEVINAS

(2005), representa aquele que não pode ser contido, que conduz para além de todo contexto e do ser. O Outro

não pode ser reduzido a um conceito; é rosto, presença viva que interpela, convoca, desafia e constrói.

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fragmento em processos de crescimento e afirmação. “O diálogo não enfraquece a fé, como

alguns temem, mas possibilita um aprofundamento e ampliação de seus horizontes”

(TEIXEIRA, 2004, p. 19).

O diálogo é processo mediador, articulador, fomentador e criador de possibilidades

para o reconhecimento do Outro no processo educativo, através do qual é possível construir

explicações e referenciais que escapam do uso ideológico, doutrinal e catequético

(FONAPER, 1997).

Na dinâmica da abertura (pró)vocada pelo diálogo, irrompem possibilidades da

construção de outros desenhos – fios – nas e para tramas identitárias individuais e coletivas.

Na concepção de FREIRE (1988), o diálogo é instrumento educativo que propicia e

encaminha à libertação comunitária. Nesse exercício, saberes diferentes são socializados,

revendo situações, limites, posturas, decisões, num movimento que atinge, emociona,

desaloja e desafia o individual e o coletivo. Nesse lugar de encontro “não há ignorantes

absolutos, nem sábios absolutos: há homens que em comunhão buscam saber mais”

(FREIRE, 1988, p. 81), conhecendo-se e reconhecendo-se sujeitos e agentes da e na

história.

Diante das cegueiras de caráter religioso que contribuem para a manutenção de

complexos processos de exclusões e desigualdades, a educação através do ER e as religiões

são apontadas como ambientes privilegiados à constituição de uma cultura dos direitos

humanos.

O teólogo Hans Küng (1998, p. 186), em sua obra Projeto da ética mundial, enfatiza

que não haverá futuro no planeta sem o exercício de uma ética mundial, um estado de paz

no mundo. Para ele, o problema consiste no confronto entre a “minha” crença e a crença do

“outro”. Nesse campo, situa-se o risco do conflito, mas também a possibilidade do diálogo.

Nesse sentido, o ER comprometido com a promoção dos direitos humanos elegerá o

diálogo como metodologia privilegiada para o aprendizado. O diálogo possibilitará o

conhecimento do Outro em alteridade, incentivando a convivência com as diferenças numa

perspectiva de descoberta e releitura do religioso em seus diferentes aspectos.

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Ao socializar e promover o diálogo acerca das diferentes vivências, percepções e

elaborações religiosas que integram o substrato cultural da humanidade, a educação

oportunizará a liberdade de expressão religiosa. Desse modo, problemáticas que envolvem

questões como discriminação étnica, cultural e religiosa têm a oportunidade de sair das

sombras, que levam à proliferação de ambiguidades nas falas e nas atitudes, para serem

trazidas à luz, como elementos de aprendizagem, enriquecimento e crescimento do contexto

escolar como um todo (BRASIL, 1997).

Assim, o estudo, a pesquisa e o diálogo sobre a diversidade cultural religiosa se

apresentam como um dos elementos para a formação integral do ser humano no espaço

escolar e encaminham vivências fundamentadas nos direitos humanos e direito à diferença

(OLIVEIRA, 2003).

O despertar desta nova compreensão se apresenta com uma das mais importantes

contribuições da escola na atualidade: a participação coletiva na busca pelo término de

conflitos religiosos, violações dos direitos humanos e desrespeitos à liberdade de

pensamento, consciência, religião ou de qualquer convicção. Isso corrobora com a

concretização da Declaração para Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e

Discriminação com Base em Religião ou Convicção (ONU, 1981), assim estabelecida:

Artigo 2º

§ 1°. Ninguém será objeto de discriminação por motivos de religião ou convicções

por parte de nenhum estado, instituição, grupo de pessoas ou particulares.

§ 2°. Aos efeitos da presente declaração, entende-se por intolerância e

discriminação baseadas na religião ou nas convicções toda a distinção, exclusão,

restrição ou preferência fundada na religião ou nas convicções e cujo fim ou efeito

seja a abolição ou o fim do reconhecimento, o gozo e o exercício em igualdade dos

direitos humanos e das liberdades fundamentais.

Artigo 3º

A discriminação entre os seres humanos por motivos de religião ou de convicções

constitui uma ofensa à dignidade humana e uma negação dos princípios da Carta

das Nações Unidas, e deve ser condenada como uma violação dos direitos

humanos e das liberdades fundamentais proclamados na Declaração Universal de

Direitos Humanos e enunciados detalhadamente nos Pactos internacionais de

direitos humanos, e como um obstáculo para as relações amistosas e pacíficas

entre as nações.

[...]

Artigo 5°

[...]

§ 3°. A criança estará protegida de qualquer forma de discriminação por motivos

de religião ou convicções. Ela será educada em um espírito de compreensão,

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tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universal, respeito à

liberdade de religião ou de convicções dos demais e em plena consciência de que

sua energia e seus talentos devem dedicar-se ao serviço da humanidade.

Artigo 6º

[...]

e) A de ensinar a religião ou as convicções em lugares aptos para esses fins.

[...]

Considerando que a escola não é espaço para ensinar a religião ou convicções de uma

determinada confessionalidade, mas lugar de construção de conhecimentos sobre a

diversidade cultural religiosa brasileira e mundial, cabe aos educadores e aos educandos

refletir sobre as diversas experiências religiosas que os cercam; analisar o papel dos

movimentos e tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas;

compreender que cada sujeito ou grupo social possui seus próprios referenciais para lidar

com os desafios da vida cotidiana e, acima de tudo, execrar toda e qualquer forma de

discriminação e preconceito.

Oportunizar tempos, espaços e lugares ao estudo científico e respeitoso da diversidade

cultural religiosa, entendida como patrimônio da humanidade (UNESCO, 2001), significa

romper com diferenciais de poder (da cultura religiosa dominante, o cristianismo), com

relações de poder que encobrem e naturalizam estereótipos, discriminações e preconceitos.

Reconhecer o religioso em sua diversidade, em vez de excluí-lo da escola, ou aprisioná-lo

sob os imperativos de uma perspectiva proselitista, implica mudar não apenas as intenções

do que se quer transmitir, mas os processos internos que são desenvolvidos. Essa mudança

necessária perpassa a utilização de outra base epistemológica, de perspectiva transcultural,

transreligiosa e transdisciplinar, numa adoção de métodos pedagógicos que abarquem a

complexidade das culturas, das religiões e das relações humanas (nosso assunto do segundo

e terceiro capítulo desta pesquisa).

À escola, enquanto lugar de trânsito de culturas, não compete homogeneizar a

diversidade religiosa, mas garantir a liberdade religiosa, por meio da igualdade de acesso ao

conhecimento de todas as culturas, tradições/grupos religiosos e não religiosos, promovendo

os direitos humanos.

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3) Educação religiosa e Ciências da Religião

Na seleção dos conteúdos a serem trabalhados em sala de aula no ER é importante que

se faça uso das Ciências da Religião, uma vez que os Parâmetros Curriculares Nacionais

abordam o elemento religioso a partir da sua fenomenologia, isto é, de sua manifestação

enquanto cultura produzida pelo ser humano. Nesse sentido a fenomenologia vê a religião

como uma produção do homo religiosus, do ser humano que produz religião.

O uso das ciências vinculadas ao fenômeno religioso compreende basicamente o

recurso à História das Religiões, à Sociologia da Religião e à Psicologia da Religião. Na

esfera dos saberes encontra-se a Filosofia da Religião, a Teologia, a Teologia das Religiões

e a Fenomenologia da Religião. A utilização dos pressupostos das diferentes ciências e

saberes no campo religioso permitem uma melhor abordagem dos conteúdos no ER. Deste

modo, a seleção dos temas de estudo, mesmo tratando do horizonte religioso, encontra o

respaldo de diferentes ciências e conhecimentos sistematizados (CROATTO, 2002, p.17-

27).

Os conteúdos fundamentais das diferentes religiões podem ser condensados a partir da

seguinte sistematização: A Experiência Religiosa; O Símbolo; O Mito; O Rito e A Doutrina.

Todas as religiões possuem esses elementos como partes indispensáveis de sua organização

e constituição. Desse modo, a atuação docente no ER não pode ignorar esses elementos.

Antes, deve incorporá-los no desenvolvimento dos temas de estudo em suas atividades

didático-pedagógicas (CROATTO, 2002, p.11).

3.1) A área das Ciências da Religião

Uma vez que visamos adotar a área das Ciências da Religião para o ER, passa a ser

importante examinar um pouco melhor suas constituintes. A origem das Ciências da

Religião remonta ao final séc. XVIII, mas sua institucionalização se dá somente no séc.

XIX, quando é criada a primeira cátedra da área na Suíça, em 1873. Posteriormente viria a

se firmar também na Holanda, França, Bélgica e Alemanha (USARSKI, 2007, p. 56). O

foco das Ciências da Religião é a religião enquanto fenômeno presente na história de todos

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os povos e em todas as culturas. No entanto, por ser uma área recente nas universidades, seu

estatuto ainda está em processo de consolidação. Conforme TEIXEIRA (2007, p. 64),

As Ciências da Religião vêm se firmando cada vez mais nos panoramas

acadêmicos internacional e nacional. Trata-se de um campo disciplinar marcado

por uma estrutura dinâmica e aberta, cujo estatuto epistemológico permanece ainda

em processo de definição.

De modo que ainda não há um consenso em torno do seu objeto e método de pesquisa.

Afinal, a Ciência da Religião possui um método, ou vários: Ciências da Religião? Seu

objeto é unitário: a religião, ou plural, as religiões? Mas não é nosso objetivo fechar esta

questão. A discussão é bem vinda, e precisa se estender mais. Porém, assumimos nesta

pesquisa as Ciências da Religião, com a cosmovisão transdisciplinar e transreligiosa, que

analisa a religião de vários ângulos através da fenomenologia, sociologia, história,

psicologia, antropologia etc., que nos coloca em afinidade com as epistemologias atuais.

No Brasil, as Ciências da Religião é uma área ainda mais nova. Em 2016, existem no

país dez cursos de pós-graduação em Ciências da Religião, todos recomendados pelo

Capes5, inclusive em Universidade públicas, como a Universidade Federal de Juiz de Fora

(UFJF/Mestrado e Doutorado), Universidade Federal da Paraíba (UFPB/Mestrado) e

Universidade do Estado do Pará (UEPA/Mestrado), as demais são privadas, como a

Universidade Metodista de São Paulo (UMESP/Mestrado e Doutorado). Aqui o campo

acadêmico é marcado pela inter, multi e transdisciplinaridade e pluralismo metodológico,

pois capta o fenômeno religioso a partir da metodologia de várias disciplinas, dentre as

quais, a História das Religiões, Filosofia da Religião, Psicologia da Religião, Teologia,

Fenomenologia da Religião, Sociologia da Religião, Antropologia da Religião e o estudo

comparado das religiões.

Quanto a seu procedimento metodológico, na área das Ciências da Religião ainda se

discute a plausibilidade do “ateísmo metodológico”, que arrazoa a possibilidade de uma

postura neutra por parte do pesquisador ao investigar o fenômeno religioso. Mas nessa

questão também há controvérsias. PONDÉ (2001, p. 57), por exemplo, argumenta que tal

procedimento não ajuda, até o contrário, conduz o pesquisador a uma militância

5 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, ligada ao Ministério da Educação, que se

encarrega de avaliar a pós-graduação stricto sensu.

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antirreligiosa, prejudicando o conhecimento do outro, sendo preferível o risco do contágio à

“carência epistemológica”.

De fato, sobretudo na pesquisa qualitativa, não é aconselhado desmerecer a relação

objeto e sujeito, que iremos aprofundar mais a frente ao tratar do método fenomenológico.

Assim, nas ciências humanas, diverso das naturais, o que se conhece está nesta relação, que

têm, certamente, implicações importantes na pesquisa e até pode ajudar. Se nas ciências

naturais se pretende evitar ao máximo o envolvimento do pesquisador, nas humanas o que

se tem a fazer é tirar proveito desse envolvimento.

3.2) Ciências da Religião e Fenomenologia da Religião

Como vimos, o campo acadêmico das Ciências da Religião é marcado pela

interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, transdisciplinaridade e pluralismo

metodológico, já que capta o fenômeno religioso a partir da metodologia de várias

disciplinas. Em nossa compreensão, a Fenomenologia da Religião é a melhor opção para o

estudo da religião, por isto, passa a ser necessário, também, compreendermos melhor a

relevância da abordagem fenomenológica da religião.

O termo fenomenologia da religião foi criado pelo holandês Pierre Daniel Chantepie

de La Saussaye (1848-1920), em 1887, embora não significasse ainda um novo método, mas

apenas uma terminologia para as religiões comparadas. Conforme GOTO (2004), o primeiro

trabalho que se destacou por uma abordagem propriamente fenomenológica, foi do holandês

e historiador Gerardus van der Leeuw (1890-1950), quando escreveu a Fenomenologia da

Religião (1933). Aqui, LEEUW retoma dois conceitos de HUSSERL: a epoché, que diz

respeito à suspensão de juízo, dos pré-conceitos6; e a visão eidética, que se refere à busca

intuitiva de essências, ao significado da experiência religiosa para o individuo, e os aplica a

fenomenologia da religião.

6 Conforme Rui Josgrilberg, a maioria dos praticantes da fenomenologia, recomenda a epoché para se apoiar nas

condições originárias do fenômeno. A epoché é uma suspensão provisória das mediações deformantes

(mesmo aquelas necessárias ao conhecimento empírico). Pela epoché pretende-se ater-se ao fenômeno num

exercício de recuperar o movimento formador originário (JOSGRILBERG, 2015).

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O campo de domínio da fenomenologia da religião é praticamente ilimitado, pois

emprega em seu processo de análise métodos de diversas ciências, tais como a

antropológica, histórica, psicológica, sociológica, etc. No entanto, difere-se essencialmente

destas escolas por procurar compreender o que a experiência religiosa significa para o

sujeito religioso.

Alguns dos maiores nomes na contemporaneidade dizem respeito a Rudolf Otto

(1869-1937), com O Sagrado (1917) onde, apesar de não tratar-se de uma obra

especificamente fenomenológica, assume tais pressupostos; e Mircea Eliade (1907-1986),

com O Sagrado e o Profano (1957), onde o autor explica “o sagrado” através de uma

relação binária com o “profano”7.

Quanto à aplicação própria do método fenomenológico à religião, CROATTO (2001,

p. 25) nos esclarece da seguinte forma:

Aplicada à(s) religião(ões), a fenomenologia não estuda os fatos religiosos em si

mesmos (o que é tarefa da história das religiões), mas sua intencionalidade (seu

eidos) ou essência. A pergunta do historiador é sobre quais são os testemunhos do

ser humano religioso, a pergunta do fenomenólogo é sobre o que significam. Não o

que significam para o estudioso, mas para o homo religiosus, que vive a

experiência do sagrado e a manifesta nesses testemunhos ou fenômenos.

GOTO (2004) também nos ajuda a compreender a especificidade do método em

destaque, sobretudo, em sua caracterização frente à metodologia da teologia e filosofia:

A fenomenologia religiosa supõe a pesquisa histórica dos fatos religiosos e

emprega o método comparativo na classificação dos mesmos, mas vai mais a

fundo, pois estuda o significado destes fenômenos como expressão do pensamento

e do sentimento do homem com respeito a Deus. No entanto, ela não supõe a

existência de Deus, como a teologia, nem emite um juízo de valor sobre os

sistemas religiosos, como a filosofia. Ela é uma ciência profundamente humana.

Mas dentre suas importantes contribuições para o ER, poderíamos destacar que sua

metodologia sedimenta a capacidade de abertura à alteridade, tão cara aos nossos dias. De

fato, ao tratar a diversidade cultural e religiosa como um valor, a Fenomenologia da

Religião nos ensina o respeito e a valorização de todas as religiões,

7 A Fenomenologia da Religião Clássica está associada a autores como Nathan Söderblom (1866-1931),

Geerardus van der Leeuw (1890-1950), Joachim Wach (1898-1955), Friedrich Heiler (1892-1967), Gustav

Mensching (1901-1978) e Rudolf Otto (1869-1937), conforme USARSKI (2006).

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A fenomenologia religiosa, metodologicamente, quer ultrapassar aquele conceito

de uma religião ‘mais verdadeira’ que toda religião tem dentro de si. O ponto de

vista fenomenológico é justamente o inverso, porque propõe uma abertura a

respeito de outras religiões e culturas. Isso não impede a crença numa determinada

religião, apenas exclui os pré-conceitos existentes na diversidade religiosa que

causam certa ‘superioridade’ diante das outras (GOTO, 2004, p. 62).

Assim, o modelo das Ciências da Religião como defendido por PASSOS (2007),

SOARES (2010) e JUNQUEIRA (2002), dentre outros, atende melhor às exigências de uma

escola laica, que se tornou também espaço da pluralidade religiosa presente no país. Já não é

mais judicioso usar o espaço escolar como sala de catequese de determinada religião.

Conforme JUNQUEIRA (2002, p.137-138),

“Diante da crescente consciência do respeito e da valorização do pluralismo de

expressões, entre as quais a religiosa, é inadmissível e inviável que uma ou várias

tradições religiosas utilizem a escola para formar os seus fieis”.

Somos então a favor de uma compreensão mais integral da experiência religiosa, onde

a investigação fenomenológica se destaca como a melhor opção para o ER enquanto área de

conhecimento no meio escolar, como também entendeu o FONAPER e diversos outros

organismos e pensadores interessados em sua efetivação. Num contexto de pluralismo

religioso e alteridade, não há como recusar um modelo como este que contribui com a

formação geral dos estudantes. Precisamos então de uma nova caracterização para o ER,

notadamente fundado nas Ciências da Religião.

Com essa compreensão, o Ensino Religioso na escola brasileira propõe estudar e

interpretar o fenômeno religioso com base no convívio social dos alunos,

constituindo-o objeto de estudo e conhecimento na diversidade cultural-religiosa

do Brasil. Contribui na busca de respostas aos questionamentos existenciais dos

estudantes, no entendimento da identidade religiosa, na convivência com as

diferenças e na alteridade, numa perspectiva de compromisso histórico diante da

vida e da transcendência (JUNQUEIRA, 2007, p. 102).

No entanto, somos ainda defensores de um avanço maior para o ER, de um

aprofundamento do olhar, ou uma atitude que nos possibilite transgredir a própria

racionalidade científica. Precisamos de um novo quadro teórico, mais amplo e mais

dinâmico, que contemple vários campos do saber, da Ciência, da Tradição, da Arte, da

Religião e da Filosofia. Em poucas palavras, precisamos de uma fundamentação

transdisciplinar e transreligiosa para o ER na escola (assunto este que será melhor

explicado e articulado nos próximos capítulos de nossa pesquisa). A fundamentação nas

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Ciências da Religião não é mais o bastante, mas pode ser o passo inicial. Colocamo-nos

então como TEIXEIRA (2011, p.848), a favor uma compreensão mais integral do fenômeno

religioso em sala de aula, onde

[...] urge recuperar e valorizar outras dimensões da razão que não conseguem ser

apreendidas ou reconhecidas pelos aportes de uma restrita racionalidade

“científica”. Como indica Giovanni Magnani, não só no âmbito da fenomenologia

da religião, como também nos campos da psicologia, sociologia e antropologia da

religião toma-se cada vez mais distância de posicionamentos reducionistas.

Ainda resta dizer algo sobre o próprio Método Fenomenológico. Fenomenologia vem

do grego phainomenon, aparecimento, e logos, estudo de, resultando na ciência ou estudo

dos fenômenos, de modo que diz respeito àquilo que aparece, àquilo que se mostra. O

termo surgiu em 1764 com o suíço Johann Heinrich Lambert (1728-1777), mas só ganhou

notoriedade com o alemão Edmund Husserl (1859-1938), até se tornar um método

dominante no séc. XX, embora existam diversas teorias fenomenológicas na atualidade e

atitudes polêmicas, como a redução fenomenológica (MOREIRA, 2002).

Muito ainda tem que ser aprofundado em termos de metodologia científica, mas em

linhas gerais, abraçamos a ideia que,

A fenomenologia é uma tentativa de compreender a essência da experiência

humana, seja ela psicológica, social, cultural ou religiosa, a partir da análise das

suas manifestações, que chamamos de fenômenos. É uma tentativa de

compreensão não do ponto de vista do observador, mas do ponto de vista da

própria pessoa que teve a experiência. No meio linguístico e antropológico, isso

seria chamado de ponto de vista êmico8.

A visão êmica em HUSSERL retrata a visão de quem está sendo observado pelo

pesquisador, já que se busca a compreensão do ponto de vista de quem teve a experiência

religiosa, e não de quem investiga.

Há então uma crítica ao objetivismo das ciências positivas, que negam qualquer

relação sujeito e objeto; ou seja, enquanto as ciências tratam seus objetos como existentes

independentemente de quem os observa, a fenomenologia tematiza o sujeito que constitui os

8 Disponível em

http://instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=549&catid=38&Itemid

=5 Acesso em 30/06/2016.

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objetos, o eu transcendental; de modo que não se observa o mundo de fora, de maneira

objetiva, mas a partir da visão do sujeito.

Para HUSSERL, enfim,

Fenomenologia – designa uma ciência, uma conexão de disciplinas científicas;

mas, ao mesmo tempo e acima de tudo, ‘fenomenologia’ designa um método e

uma atitude intelectual: a atitude intelectual especificamente filosófica, o método

especificamente filosófico (BORBA, 2010).

De forma que, além de um método científico, o pensar fenomenológico é também uma

filosofia, uma atitude, um aprofundamento do olhar que prima pelo ponto de vista do

sujeito, e não do mundo de fora. Consonante à vivência da religiosidade, de um povo ou de

um individuo, a fenomenologia preocupa-se mais com a experiência cotidiana, do que com

a complexidade dos ritos e mitos das tradições.

A religiosidade de um povo se manifesta não apenas em rituais complexos e mitos

dos tempos primordiais, mas também na experiência cotidiana em todas as áreas

da vida. A forma de entrar ou sair de uma casa, um simples gesto no momento da

caça ou pesca, a dieta alimentar, a direção do olhar ao se aproximar de

determinado objeto, o pronunciar discreto de determinadas palavras ao entrar na

água e coisas semelhantes podem expressar muito da religiosidade local9.

De modo que, também no campo da religiosidade humana, o investigador deve dar

ênfase ao fenômeno experienciado pelo sujeito, conformem seu ponto de vista,

[...] a fenomenologia preocupa-se com o aparecimento. Disso, podemos

depreender que a fenomenologia descreve e relaciona-se com o fenômeno vivido

pelo sujeito (experiências psicológicas, social, cultural ou religiosa). Na

fenomenologia a ênfase consiste não na compreensão de quem observa, mas no

ponto de vista do sujeito que teve a experiência – do homo religiosus10.

É importante realçar que a intuição, como método fenomenológico, parte de um saber

do sentido e da essência efetivado nesse domínio que possui características que não são

possíveis nem na ciência formal, nem na ciência empírica, no entanto, a intuição doadora

originária é uma fonte de legitimação do conhecimento. Ou seja, em oposição ao princípio

nominalista que atribui ao conhecimento intuitivo somente a esfera do sensível,

9 Disponível em

http://instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=549&catid=38&Itemid

=5 Acesso em 30/06/2016.

10 Disponível em http://periodicos.uesb.br/index.php/cmp/article/viewFile/2596/2265. Acesso em 30/06/2016.

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JOSGRILBERG (2015) interpretando HUSSERL amplia a intuição perceptiva com o

conhecimento intelectivo imediato (universal). Ou seja, não se trata de conhecimento

abstrativo. O saber do sentido ou a ciência da essência (intuída imediatamente a partir da

percepção e das vivencias intencionais) tem validade independente e segue seu caminho

próprio tornando-se a crítica final ao ceticismo e ao relativismo.

As coisas além de nós (transcendentes a nós) são dadas e percebidas

intencionalmente de modo imanente tendo características inteligíveis próprias sem

que as características singulares e temporais da coisa externa interfiram na sua

inteligibilidade primeira de dado imanente. O modo das coisas aparecerem como

existentes é muito diferente do modo de as coisas transcendentes aparecerem como

imanentes e implicam em dois métodos diferentes de conhecimento: o

fenomenológico e o empírico. A fenomenologia investiga a manifestação das coisas

nessa imediaticidade ou imanência. A riqueza dessa experiência permite uma

investigação do sentido das coisas de modo independente das investigações que

partem da existência transcendente das coisas (abordagens empíricas). Embora os

dois modos de produzir conhecimento necessitem dialogar e um possa contribuir

para o outro, temos, do ponto de vista metodológico, dois modos inteiramente

diversos ou duas atitudes muito deferentes de abordagem do objeto. A idealidade das

coisas não é dada de modo empírico ou por abstração da experiência da coisa

existente; não é uma generalização. A idealidade é dada na intuição universal da

coisa, esfera a ser explorada reflexivamente e analiticamente com a descrição de

suas propriedades (JOSGRILBERG, 2015, p. 11).

Conforme o exposto acima, percebemos que a questão da relação com sentido está no

centro das preocupações da fenomenologia. Assim, para a fenomenologia, o sentido é uma

relação ontológica originária e não é possível para ela uma explicação empírica ou através

de métodos dedutivos da linguística, por exemplo (JOSGRILBERG, 2015).

A fenomenologia trata de elucidar nossa relação com o sentido das coisas

descrevendo como chegamos a ele, como o pensamos, especialmente através da

linguagem, e como analisamos sua estrutura. Fica claro que para a fenomenologia o

sentido tem uma dimensão pré-linguística embora o sentido seja dado em posição de

linguagem. A fenomenologia explicita metodicamente o saber do sentido das coisas.

Nossa relação com o sentido é mais complexa do que a relação com o significado na

língua. Essas vivências intencionais precedem e preparam as significações dadas nas

experiências e linguagens cotidianas ou os conceitos das ciências empíricas, das

ciências formais. [...] Através dessa experiência bem focada e intensificada busca-se

chegar a possibilidades aberta pela intuição originária do sentido, e expressá-las,

mesmo que parcialmente, numa descrição em significados linguísticos. O

significado não iguala o sentido; é um recorte do mesmo. Ele inclui a relação

ontológica com o sentido sem que o iguale. A fenomenologia é ontológica porque

trata do sentido ou o modo de ser das coisas originariamente (JOSGRILBERG,

2015, p. 12).

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Numa linguagem mais simples, somente através de uma atitude intuitiva é possível se

aproximar do sentido real do fenômeno religioso, pois o mesmo não é algo deduzido

logicamente.

Portanto, a fenomenologia eidética é a que mais nos interessa nessa pesquisa (sem os

pressupostos husserlianos da fenomenologia transcendental); a fenomenologia das essências

ou eidética deve ser completada pela hermenêutica por suas implicações interpretativas para

a Religião no processo educativo. Considerando que a fenomenologia se transforma em

hermenêutica em sua relação com o mundo e com a vida de forma geral, ela (a

fenomenologia) abre a possibilidade de uma compreensão dialética entre um mundo onde

cabem muitos.

O prolongamento hermenêutico da fenomenologia abre uma porta de diálogo com

outras instâncias que se preocupam com a elaboração cultural do sentido. Por este motivo,

que é mister seu método nas Ciências da Religião, posto que traz uma nova contribuição

para a compreensão e o reconhecimento da Religião como um saber em face de outras

formas de saber, como o científico.

3.3) Contribuições das Ciências da Religião para o Ensino Religioso

A partir da legislação da LDB nº 9.394/96, modificada em seu art. 33, houve uma

mudança de paradigma na concepção de ER, que passou a ser compreendido como parte

integrante da formação básica do cidadão e área de conhecimento. O grande desafio agora é

ser estruturado de modo a respeitar à diversidade cultural e religiosa do Brasil e superar as

abordagens confessionais, ou seja, assumir um caráter escolar, com abordagem

eminentemente científica. Em outras palavras,

O ER escolar, exatamente por ser escolar, justifica-se como componente curricular

enquanto expressão de uma abordagem científica. O processo de ensino

aprendizagem pode e deve decodificar valores e tradições, porém, dentro de um

discurso regrado por fundamentos teóricos e regras metodológicas, ou seja, dentro

de uma dinâmica lógica enraizada nas ciências (PASSOS, 2007, p.28).

Neste sentido, as Ciências da Religião pode fundamentar legitimamente o ER na

escola, pois goza de aporte teórico-metodológico maior do que a confessionalidade. A

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Ciência da Religião é uma área de conhecimento com episteme própria, fundamentada na

concepção de que o eixo da religiosidade é uma forma, entre tantas outras, de explicar a

existência humana. Seu objeto de estudo é a análise dos elementos comuns e específicos às

diversas religiões, isto é, o fenômeno religioso em si e nas suas múltiplas expressões.

Assim, seu objeto é maior do que a confessionalidade presente em cada denominação

religiosa. Trata-se de uma ciência construída, em seus princípios e métodos, dentro da

tradição das ciências modernas (JUNQUEIRA, MENEGHETI e WASCHOWIZ, 2002).

Também para SOARES, (2010, p.11), as Ciências da Religião são, de fato, a área que

pode contribuir com maior ganho para a fundamentação do ER na escola, pois:

O olhar que lançamos sobre o fenômeno religioso não é confessional, nem

pertence a esta ou àquela ‘teologia’, sua base epistemológica é a Ciência da

Religião. Essa abordagem possibilita a análise diacrônica e sincrônica do

fenômeno religioso, a saber, o aprofundamento das questões de fundo da

experiência e das expressões religiosas, a exposição panorâmica das tradições

religiosas e as suas correlações socioculturais. Trata-se, portanto, de um enfoque

multifacetado que busca luz na História, na Sociologia, na Antropologia e na

psicologia da Religião, contemplando, ao mesmo tempo, o olhar da Educação.

Além de fornecer a perspectiva, a área de conhecimento da Ciência da Religião

favorece práticas do respeito, do diálogo e do ecumenismo entre as religiões.

Contribui desse modo, com uma educação para a cidadania, que, mesmo sem ser

anticonfessional, transcende esses comportamentos para poder incidir na formação

integral do ser humano.

De modo que fica manifesto que as Ciências da Religião nos coloca diante de um

novo paradigma ou cosmovisão do ER, não mais doutrinal (modelo catequético) ou

axiológica (modelos teológico), mas transreligiosa.

Nesse sentido, trata-se de uma visão transreligiosa que pode sintonizar-se com a

visão epistemológica atual, que busca superar a fragmentação do conhecimento

posta pelas diversas ciências com suas especializações e alcançar horizontes de visão

mais amplos sobre o ser humano (SOARES e SENA 2007, p.33).

Vejamos que nesta perspectiva o ER escolar é mais do que educação da religiosidade,

pois se destina não ao aperfeiçoamento religioso do estudante, mas à cidadania plena. Aqui

o objeto de estudo – a religião – passa a ser de responsabilidade da comunidade científico-

acadêmica e do Estado, fundamentado em conhecimentos científicos e em valores. Num

artigo intitulado “O Ensino Religioso e as Ciências da Religião11”, TEIXEIRA chega a

11 Consulte o artigo completo em http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-

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destacar diversos elementos que justificariam a adoção das Ciências da Religião como base

para o ER, dentre os quais destacamos ipsis literis:

O aperfeiçoamento do olhar e da escuta do mundo da alteridade, pois a

Antropologia da Religião nos possibilita uma sensibilidade maior no conhecimento

do outro, que é sempre um mistério e extremamente complexo, exigindo de nós

uma atitude de abertura e despojamento para conhecê-lo melhor;

A consciência de que há uma grande responsabilidade na tarefa do estudo do

fenômeno religioso, de modo que tanto educador quanto educando, precisam

assumir uma abordagem honesta e digna deste fenômeno; supondo mais do que

mera rapsódia de observações exteriores e frias;

Garantir o reconhecimento da alteridade e o respeito à sua dignidade, eliminando as

formas de proselitismo e linguagem exclusivista; pois toda religião é importante e

igual às demais;

Reconhecer a positividade de um mundo plural e diversificado, onde o pluralismo

religioso é concebido como traço de riqueza e valor, não a simples expressão de

uma conjuntura passageira; por isto, o desafio aqui será sempre potencializar a

perspectiva dialogal;

Por fim, recuperar a força espiritual das religiões, capazes de oferecer ao homem

um horizonte de sentido maior e caminhos de compaixão e cuidado da vida.

E em termos práticos em sala de aula, USARSKI esclarece que a contribuições das

Ciências da Religião para o ER,

[...] consiste em possibilitar [ao aluno] comparações contrastantes entre sistemas

de referência. Aprende-se que nenhum ser humano que tem sua língua, seus

pensamentos e seus valores pode viver sem um sistema de referência. Aprende-se

também que nenhum sistema de referência pode ou deve reclamar para si validade

absoluta. Com isso, desmascara-se qualquer forma de eurocentrismo como uma

ilusão perigosa (USARSKI, apud SOARES, 2010, p. 124).

Assim, com base em todo exposto até aqui podemos observar que o modelo da

Ciência da Religião rompe com o modelo Catequético e com o modelo Teológico em nome

5841.2011v9n23p839. Acesso em 30/06/2016.

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da autonomia epistemológica e pedagógica da disciplina de ER. Ele toma como pressuposto

do ER a educação do cidadão, sem proselitismo. E reconhece a religiosidade e a religião

como dados antropológicos e socioculturais, que devem ser abordados no conjunto das

demais disciplinas acadêmicas por razões cognitivas e pedagógicas.

Nas palavras de Afonso Maria Ligorio Soares,

[...] a ciência da religião é um novo paradigma para a disciplina de Ensino

Religioso que nos traz um novo rumo, uma nova proposta, uma nova

epistemologia para este componente curricular. Este paradigma apresentado possui

por sua vez uma neutralidade religiosa, o que lhe permite uma fundamentação

científica (LIGORIO, Afonso Maria e STIGAR, Robson, 2016, p.10).

USARSKI (2007) apresenta a Ciência da Religião como uma disciplina empírica que

investiga sistematicamente a religião em todas as suas manifestações, porém um elemento

chave é o compromisso de seus representantes com o ideal da neutralidade frente aos

objetos de estudo. Não se questiona a “verdade” ou a “qualidade” de uma religião.

Outrossim, é que uma das funções do ER é a crítica ao conhecimento tecnicista que

instrumentaliza o conhecimento no domínio de algum aspecto restrito da realidade, “a

crítica ao positivismo que coloca a ciência a única versão da verdade e a crítica a

neutralidade das ciências como abordagem definitiva da realidade” (PASSOS, 2007, p.43).

Isto significa que quando estudamos a religião ele leva em si o confronto com as

diferentes formas de modelos e compartilhamento da busca de valores culturais e sociais. A

religião faz parte desta dinâmica social de ensino porque leva uma enorme quantidade de

valores e isso é o que faz do ER uma disciplina no currículo escolar. O valor religioso

contribui para a formação dos valores dos cidadãos e mais do que isso, representa uma

ajuda na convivência harmônica do homem. Assim, a escola deve assumir isso em sua tarefa

educativa como lugar de reflexão sobre a realidade a partir das referências oferecidas pelas

ciências sobre os mais diversos elementos que dão forma a sociedade. Portanto, a tarefa de

educar o indivíduo sobre a religião é de todos, bem como sua religiosidade. Partindo desta

dinâmica e deste entendimento da realidade, o modelo da Ciência da Religião para o ER nas

escolas públicas poderá construir um cidadão livre e responsável. Se este não for mais

religioso, o que poderá ocorrer, deverá ser mais ético e consciente da força da religião na

vida pessoal e individual (PASSOS, 2007).

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Diante do exposto e também de tantos problemas enfrentados ao longo da história da

educação, diante do pluralismo religioso, diante do processo de secularização da sociedade

e de tantas variáveis, apresentamos nessa pesquisa a necessidade de um Novo Paradigma

para construir a sua epistemologia, a Ciência da Religião para este componente curricular,

tanto para a definição dos conteúdos, formação de professores, como da própria substituição

da nomenclatura “Ensino Religioso” por “Ciência da Religião” (LIGORIO, Afonso Maria e

STIGAR, Robson, 2016, p. 15).

Enfim, temos a Ciência da Religião como um novo modelo fenomenológico para a

disciplina de ER, pois a mesma seria capaz de estudar cientificamente o fato religioso,

sendo os graduados e pós-graduados em Ciência da Religião os profissionais mais

qualificados a lecionar a disciplina ER, cujo assunto vermos no próximo tópico.

3.4) Formação de docentes para Ensino Religioso

A adoção do modelo das Ciências da Religião incide também na formação de docente

para o ER. Nesta perspectiva, a Licenciatura nas Ciências da Religião seria o caminho mais

acertado. Conforme PASSOS (2007, p.114), “As Ciências da Religião podem oferecer a

base teórica para o ER, posicionando-se como mediação epistemológica para suas

finalidades educacionais em cursos de licenciaturas”.

3.4.1) O papel das licenciaturas em Ciências da Religião

De fato, a Licenciatura em Ciências da Religião seria o lugar privilegiado para a

formação deste profissional, pois se concentra na formação do cidadão, e não na educação

da religiosidade, como nos demais modelos estudados. Aqui o ato de ensinar adquire uma

nova roupagem, não mais numa perspectiva doutrinário/aquisitivo, mas

pedagógico/dialógico. No dizer de PASSOS (2007, p. 124),

A prática pedagógica dialógica, tão bem pautada por Paulo Freire, exige uma

relação crítica e construtiva entre educadores e educandos com seus respectivos

universos culturais. Também no caso do ER, o ato de ensinar não significa

transferir conhecimento religioso, mas assumir a religião como um dado a ser

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conhecido como parte da apreensão da realidade da formação do sujeito e da

responsabilidade para com a sociedade.

Assim, o modelo das Ciências da Religião apresenta avanços tanto no campo

pedagógico, quanto epistemológico, pois supera uma concepção de ensino bancário

(FREIRE, 1992) e possibilita aos docentes uma visão plural, inter e transdisciplinar

(NICOLESCU, MORIN, 2002) da realidade. Tal feito nos coloca, enfim, diante de um novo

processo de renovação da prática pedagógica do ER, que pode ser aperfeiçoado,

significativamente, pela atitude da transdisciplinaridade e transreligiosidade; da qual nos

ocuparemos propriamente no próximo capítulo.

Há também de se ressaltar que o professor de ER nas escolas públicas deve adotar

uma postura de alteridade e reverência diante do pluralismo religioso na cultura hodierna. O

professor de ER deve estar atento à linguagem de seus educandos, facilitando o aprendizado

do sagrado. Tematizar o sagrado como pertencente ao aspecto transcendente-cultural é de

suma importância para o campo religioso e contextualizar a questão do fenômeno religioso

na perspectiva da pluralidade é um exercício absolutamente necessário. Não é possível

refletir sobre o conhecimento numa perspectiva fragmentária, individual, separada.

Compreender o contexto atual no qual acontecem as diversas experiências humanas exige

compreensão redimensionada sobre o todo e as partes que o constituem.

O professor habilitado em ER insere-se num contexto que dele exige uma constante

busca de conhecimento religioso pelos processos de investigação que possibilitem o

aperfeiçoamento de suas políticas pedagógicas. Espera-se que este profissional seja capaz

de:

Acolher a própria diversidade pela reverência na alteridade;

Articular e facilitar o diálogo a partir das questões suscitadas nos processos de

ensino-aprendizagem dos educandos;

Considerar a família e a comunidade religiosa como espaços privilegiados para

a vivência religiosa e para as opções dos educandos;

Colocar seu conhecimento e sua experiência pessoal a serviço da dignidade do

educando, incluindo a questão da liberdade religiosa, subsidiando-o no

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entendimento do fenômeno religioso e a sua relação com a pluralidade e

especificidades culturais;

Reconhecer a pluralidade cultural da comunidade onde atuará e assumir a

diversidade nos seus múltiplos aspectos;

Compreender o fenômeno religioso, como parte do fenômeno humano

contextualizado no espaço e no tempo cultural, social, religioso e noutras

dimensões;

Habilitar-se na capacidade de interpretar o fenômeno religioso, com diferentes

leituras, através das ciências, religião, sociologia, psicologia, antropologia,

filosofia, teologia e outras áreas de conhecimento;

Reconhecer as manifestações do fenômeno religioso nas diferentes tradições

religiosas e suas teologias;

Analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das

diferentes culturas e manifestações sociais dos diferentes grupos religiosos;

Habilitar-se a ser capaz de diferentes leituras, na perspectiva hermenêutica dos

textos e narrativas sagradas advindos das diferentes matrizes religiosas

presentes na cultura brasileira (africanas, indígenas, ocidentais e orientais);

Perceber o sentido da atitude moral, como uma das consequências do

fenômeno religioso sistematizado pelas tradições religiosas nas diferentes

matrizes religiosas e como expressão da consciência e resposta pessoal ou

comunitária das pessoas envolvidas nos respectivos fatos (FONAPER, 2004, p.

29-30.).

Compreender e articular os aspectos da transdisciplinaridade,

transreligiosidade e pluralismo religioso.

O ser professor de ER apresenta desafios: além de estar aberto ao outro, acolher o

diferente e conhecer as tradições religiosas ele precisa conhecer o conteúdo, o objeto de

estudos, a experiência religiosa e o sincretismo religioso que faz parte dos educandos. O

perfil desejado do professor de ER é de alguém disponível para o diálogo, capaz de articulá-

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lo a partir de questões suscitadas no processo de aprendizagem, ser o interlocutor entre a

escola e a comunidade e mediar os conflitos. O ER

pretende ser um serviço ao crescimento global da pessoa, mediante uma cultura

atenta também à dimensão religiosa da vida [...] poderá responder à função própria

da escola, que é chamada a favorecer nos educandos uma atitude de confronto,

diálogo e convivência democrática (JUNQUEIRA, 1998, p. 102).

A tarefa dos professores do ER é a de educar para o respeito, a liberdade e a

convivência solidária. Educar pelos conteúdos, métodos e linguagens, mas, sobretudo, pela

coerente vivência desses valores.

3.4.2) Proposta de diretrizes curriculares nacionais para a formação do docente de

Ensino Religioso

O artigo 33 da LDBEN nº 9.394/96 ganhou nova redação pelo presidente do Conselho

Nacional de Educação, o qual estabeleceu nova modalidade de ER sob o viés do respeito à

diversidade cultural e religiosa no Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Esta

nova legislação validou o modelo das Ciências da Religião em conformidade com a

Resolução CNE/CP 1/02 e a Resolução CNE/CP 2/02:

Art. 1º A presente resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Graduação em Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino

Religioso, definindo princípios, concepções, condições e procedimentos a serem

observados na elaboração dos projetos político-pedagógicos, pelos órgãos dos

sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior em todo o país (grifo

nosso).

Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Ciências

da Religião – Licenciatura em Ensino Religioso aplicam-se à formação inicial para o

exercício da docência do Ensino Religioso na Educação Básica.

Com a mudança de paradigma da concepção do ER, não mais de caráter confessional

e/ou interconfessional, mas enquanto estudo do fenômeno religioso na diversidade cultural

religiosa do Brasil, surge a demanda de novas propostas de formação docente para esta área

do conhecimento (Resolução CNE/CEB n° 2/98 e Resolução CNE/CEB n° 4/10). Diante de

tal desafio, emergem novos projetos para a habilitação dos professores de ER, em

conformidade com a legislação educacional em vigor, para criação de cursos de licenciatura

de graduação plena, em diferentes Estados da Federação. Santa Catarina foi o primeiro a

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elaborar e autorizar, em 1996, o curso de Graduação em Ciências da Religião-Licenciatura

em Ensino Religioso, seguido, no decorrer dos anos, por outros Estados, a saber: Pará,

Maranhão, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Norte.

Nesses Estados, pela primeira vez na história brasileira, a formação de docentes para o

ER seguiria os mesmos trâmites previstos para a formação de profissionais das demais áreas

de conhecimento (art. 62 da LDB nº 9.394/96), assegurando aos egressos o acesso à carreira

do magistério, disponibilizando à sociedade brasileira educadores habilitados capazes de

valorizar e reconhecer a diversidade cultural religiosa.

Sabe-se que a formação de educadores para ER, na atualidade, requer a consideração

das diferentes vivências, percepções e elaborações em relação ao religioso que integra o

substrato cultural dos povos, cujos relatos e registros elaborados sistematicamente pela

humanidade se constituem em uma rica fonte de conhecimentos a instigar, desafiar,

conflitar e subsidiar o cotidiano das gerações (OLIVEIRA et al., 2007). Para tanto, são

imprescindíveis processos de formação docente que discutam e pesquisem, com

profundidade, a complexidade do fenômeno religioso, a fim de que cada educador

reconheça a diversidade cultural religiosa em seus múltiplos aspectos.

A mudança da concepção de ER e, consequentemente, do perfil de seu professor,

como profissional integrante do sistema escolar e portador de conhecimentos e habilidades

apropriadas para a realização dos objetivos do mesmo, aponta para a necessidade de uma

formação específica, em nível superior, em cursos de licenciatura de graduação plena.

O art. 33 (redação alterada pela Lei nº 9.475/97) e o art. 62 da LDBEN nº 9.394/96,

especifica que a formação de docentes para atuar na Educação Básica far-se-á em nível

superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos

superiores de educação. A Resolução CEB/CNE nº 2/98, institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Fundamental conferindo ao ER status de área do conhecimento,

por fazer compor a base nacional comum. E a recente Resolução CNE/CEB n° 4, de 13 de

julho de 2010, ao instituir as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação

Básica reafirma o ER como área de conhecimento integrante da base nacional da Educação

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Básica, constituindo os fundamentos basilares para a proposição de Diretrizes Curriculares

Nacionais (DCNs) para curso de licenciatura em ER.

No entanto, em grande parte do território nacional, devido à inexistência de diretrizes

e políticas públicas de formação de docentes para o ER, a concretização dos objetivos desse

componente, de forma pedagogicamente adequada, inserida no conjunto dos princípios e

fins da educação nacional (arts. 2º e 3º da LDB nº 9.394/96), ainda permanece como um dos

grandes desafios presentes no sistema educacional brasileiro.

A ausência de diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores de ER e

a consequente diminuta oferta de cursos de formação inicial em nível de licenciatura,

compromete não somente a compreensão e sua configuração enquanto área de

conhecimento, mas também a mudança de concepção da sociedade brasileira sobre a sua

condição de componente curricular, regido por normas que o incluem em igual condição no

conjunto das demais áreas de conhecimento do sistema público de ensino.

Diante de tal quadro, o FONAPER, buscando contribuir na qualificação de educadores

com competência para interagirem qualitativamente nos processos educacionais de forma

transdisciplinar, com habilidades exigidas pela complexidade sociocultural da questão

religiosa e pelas especificidades pedagógicas desse componente curricular, ao longo de seus

15 anos, tem realizado e encaminhado ao Conselho Nacional de Educação (CNE)

proposições para definição/consolidação de Diretrizes Curriculares Nacionais para a

Formação de Professores para Ensino Religioso.

Buscando definir as bases sobre as quais se devem construir as diretrizes curriculares

nacionais para a formação docente em nível superior, curso de licenciatura de graduação

plena, cursos de pós-graduação e outras modalidades de formação continuada, já em 1997, o

FONAPER encaminhou às universidades brasileiras uma proposta de Diretrizes elaborada

com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Religioso. Depois de

amplamente discutida com representantes das mesmas, uma proposta para Diretrizes

Curriculares dos Cursos Superiores na Área de Ensino Religioso foi encaminhada pelo

FONAPER ao Conselho Nacional de Educação/CNE em 15 de julho de 1998.

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A primeira proposição do FONAPER de Diretrizes Curriculares dos Cursos

Superiores na Área do Ensino Religioso estava embasada no art. 210 da Constituição

Federal, na Lei n° 9.475/97, nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso

(PCNER) e em outros ditames legais da educação brasileira. Essa buscou construir

fundamentos epistemológicos para o ER, destacando as dimensões antropológica,

sociológica, filosófica, histórica, geográfica, psicológica, teológica e ética do conhecimento

religioso.

O documento justificou a necessidade social de graduação em ER, afirmando que já

não é possível pensar em educação de qualidade que não contemple a dimensão religiosa do

ser humano, dimensão essa que, muitas vezes, é confundida com o ensino da religião e/ou

catequese, ou proselitismo.

Para produzir o perfil desejado para os educadores de ER, a estrutura geral do curso de

licenciatura, apresentada no dossiê, em conformidade com a Resolução CNE/CP n° 2/02,

deverá ter carga horária de, no mínimo, 2.800 horas, nas quais a articulação teoria-prática

garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos

componentes comuns:

1.800 horas de conteúdos curriculares de natureza científico-cultural, incluídos

nesses os fundamentos da Educação; os fundamentos epistemológicos do ER;

conhecimento sobre as culturas e tradições religiosas de matriz ocidental, oriental,

indígena e africana; formação pedagógica; pesquisa em Educação, entre outros;

400 horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso;

400 horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda

metade do curso;

200 horas de atividades acadêmico-científico-culturais (aproveitamento de

conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas

independentes, tais como monitorias, programas de iniciação científica e extensão

universitária; estudos complementares; cursos e projetos realizados em áreas

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afins; participação em eventos científicos no campo das ciências humanas; entre

outros).

Por fim, o dossiê aponta que o processo periódico e sistemático de avaliação a ser

implementado nos cursos de licenciatura em ER, deverá utilizar procedimentos e processos

diversificados, incluindo os conteúdos trabalhados, desempenho do quadro de formadores e

qualidade da vinculação com escolas, dentre outros procedimentos internos e externos, que

permitam a identificação das diferentes dimensões dos objetos, estruturas, sujeitos e

situações avaliadas.

Assim, o Curso de Graduação em Ciências da Religião-Licenciatura em Ensino

Religioso não está vinculado a uma religião ou a uma teologia, mas às Ciências da Religião

enquanto aporte teórico que lhe oferece possibilidade de investigação das diversas

manifestações do fenômeno religioso na história e nas sociedades, ao mesmo tempo em que

é regido por princípios e fundamentos da Ciência da Educação, enquanto área de

conhecimento, levando em conta todas as áreas, subáreas e especialidades.

Podemos assim observar que a Lei n° 9.475/97 mudou o paradigma do ER no Brasil:

de confessional e interconfessional para transconfessional, das denominações religiosas para

o Estado, ou seja, para as redes estaduais e municipais de ensino. O Fórum Nacional

Permanente de Ensino Religioso (FONAPER) assumiu o papel, juntamente com os

Conselhos Estaduais de Ensino Religioso (CONERs), não só de assessorar a implantação

dessa nova disciplina como também contribuir para a formação desse novo professor.

Diante do que até aqui expusemos, percebe-se que não precisamos de mais leis para a

elaboração de um ER de qualidade no país, mas sim que as legislações produzidas sejam

cumpridas. Ao passo que o ER deva ser efetivamente assumido pelas redes de ensino

(estaduais, municipais, particulares e confessionais). Independente de ser escola pública,

particular ou confessional, o ER deve ser programado e executado pedagogicamente de

forma respeitosa e dialogante com os demais saberes da escola. Justifica-se esta posição,

pois mesmo as escolas confessionais têm, em seu alunado, seguidores de mais diversas

tradições religiosas. Afirma-se, portanto, que o ER escolar em geral deve ser

transconfessional. A escola não pode ser transformada em espaço de catequização ou

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doutrinação, conforme já discorremos. Esse é um papel das famílias e das igrejas, não das

escolas.

Outrossim, afirma-se que o ER exige um professor de formação diferenciada. O que

está acontecendo nas redes estaduais e municipais de ensino público, hoje, é que, por serem

as aulas de ER de pouca carga horária, não compensa que se gastem energias e recursos

financeiros para formar um professor para uma só disciplina que, além de mal remunerado,

tem pequena baixa carga horária, o que o obrigaria a trabalhar em turmas e turnos diferentes

e até em escolas diversas. Fica mais em conta para as redes qualificarem esse docente

mediante cursos breves de formação ou de especialização que abrir concurso público e

contratar novos profissionais.

Entretanto, baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) ousa-se oferecer

uma proposta de formação de professor que supere a fragmentação: o Novo Professor com

formação acadêmica em Ciências da Religião. Isto facilitaria o trabalho inter e

transdisciplinar na escola, pois todos os docentes teriam uma formação básica comum.

Critica-se hoje a formação fragmentada do professor especialista numa só disciplina.

O próprio Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação estão propondo a

revisão curricular por grandes áreas, na educação básica. Por que não repensar também a

formação de um Novo Professor de educação básica, mais aberto, com competências e

habilidades para trabalhar inter e transdisciplinarmente? A formação do Novo Professor de

ER, tendo por base as Ciências da Religião, está de certa forma dentro dessa formação

proposta mais abrangente. Hoje, os conhecimentos se fundem e se complementam para

formar uma ciência. Nenhum conhecimento se esgota em si mesmo, pois, para ser

construído e se desenvolver, apropria-se do conhecimento de outras ciências.

Por fim, percebe-se que dentre todas as dificuldades encontradas que expomos para a

implementação do ER em escolas públicas na proposta das Ciências da Religião, pode-se

afirmar, em resumo, que o maior entrave é de natureza política. Não há valorização,

investimento e interesse por parte dos governos em investimentos na formação de Novos

Professores para o ER e na aplicação das leis já elaboradas. Pode-se dizer, também, que

outro problema que deparamos para a execução do ER no viés das Ciências da Religião no

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chão das escolas públicas, se dá porque cada escola possui seu projeto pedagógico. Ou seja,

cada escola é jurisdicionada por seu projeto pedagógico, cada qual possui intencionalidades

e ênfases particularmente definidas a partir de seus objetivos e planos pedagógicos.

Considerações Finais

Tendo em vista que o objetivo geral desta dissertação consiste em realçar a relevância

do modelo das Ciências da Religião para o ER nas escolas públicas, vimos primeiramente as

tipologias de ER no Brasil ao longo da história em suas respectivas cosmovisões e métodos

(o Modelo Catequético e o Modelo Teológico), cujas tipologias antecederam o Modelo das

Ciências da Religião. Assim, pode-se perceber o desenvolvimento metodológico (método

fenomenológico) e de cosmovisão (transreligiosa) que este último modelo produziu.

A análise desses modelos precedentes e os desdobramentos de um novo conceito de

ER foram passos dados a fim de fornecer-nos as bases para novos apontamentos, novos

aportes, novas perspectivas para o ER nas escolas públicas.

Neste novo conceito, baseado nas Ciências da Religião, destacamos em nossa

descrição um novo conceito de ER, cuja aplicação pedagógica é caracterizada pela

abordagem fenomenológica, perpassada por uma atitude transdisciplinar, transreligiosa e

transcultural, cujos aspectos compreende-se elementos úteis para a formação cidadã.

Assim, pode-se notar no pano de fundo desta nova visão estão aspectos da

transdisciplinaridade, da transreligiosidade, do pluralismo religioso e da ética civil global,

cujos assuntos serão objetos de nossa análise e discorrimento nos capítulos subsequentes.

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CAPÍTULO 2: BASES TEÓRICAS DE UM NOVO

FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO PARA O ENSINO

RELIGIOSO

“O Conhecimento não é nem exterior nem interior:

é simultaneamente exterior e interior”. (Basarab Nicolescu)

Introdução

Neste capítulo se objetiva conceituar transdisciplinaridade e transreligiosidade, a fim

de que se avance no desafio de uma nova epistemologia para o ER que contempla uma

inteligência geral, que considera a complexidade em suas várias matizes, incluindo sua

interlocução com o ER. Examinaremos a relação entre complexidade e ER levando em

consideração os aspectos da incerteza e laicidade. Analisaremos os níveis de realidade e a

lógica do Terceiro incluído, cujas teorias elucidam porque este trabalho se coloca a favor da

permanência do ER na escola, uma vez que tais propostas nos sinalizam a necessidade de

uma inteligência geral e a formação multidimensional dos estudantes, além de favorecer a

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democracia de ideias e a ecologia de culturas, posturas necessárias ao contexto globalizante

e complexo do nosso tempo.

Por fim, busca-se responder a uma pergunta inquietante, porém necessária: Como

colocar em prática as teorias até aqui estudadas no chão da escola pública? Refletir essa

questão é importante porque a despeito de termos uma teoria muito bem elaborada sobre

perspectivas que se adequam ao contexto complexo e plural do nosso tempo, assim como

leis que regulamentam o ER no Brasil, no entanto, estruturá-las na prática no cotidiano das

escolas públicas no Brasil é um enorme desafio.

1) Considerações Preliminares: Críticas à existência de

Ensino Religioso nas escolas públicas

No capítulo anterior vimos três tipos de modelos de ER no Brasil que perduraram ao

longo da história brasileira e ainda perduram nos dias atuais. E apesar do FONAPER

(Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso) e outros profissionais renomados da

área da Educação considerarem mais adequado o Modelo das Ciências da Religião para o

ER no atual contexto cultural-religioso-plural no Brasil, devido a sua nova epistemologia,

seu avanço teórico-metodológico em relação aos modelos Catequético e Teológico (abertura

a fundamentação transdisciplinar e transreligiosa) para o ER, no entanto, há os que o

rechaçam. Há vozes igualmente destacadas no cenário da educação no Brasil que se

colocam contra todos os modelos de ER e afirmam que o ER não deveria ser uma disciplina

ministrada em salas de aula de escolas públicas. Estes (as) repelem todo tipo de associação

entre religião e escola pública.

Embora não seja objeto de nossa pesquisa, daremos alguns exemplos para ampliar o

leque de nossas reflexões. Na opinião do membro da Associação Nacional de Advogados e

Juristas Brasil-Israel, Carlos Roberto Schlesinger, o ER não deveria existir em forma

alguma; mas se existir, a única forma de se compatibilizar o caráter laico do Estado é a

adoção do modelo não confessional. Ele afirmou acreditar que o apropriado ao país seria a

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adoção do ensino da história das religiões de forma a se ensinar o respeito à crença e à

cultura do outro12.

Roseli Fischmann (2008), estudiosa do tema, ao manifestar que é contra todos os

modelos de ER nas escolas, argumenta que a escola pública não é lugar de religião. A

autora defende a ideia de que misturar escola com religião é ilegal; a formação religiosa é

um papel que não cabe a escola pública, segundo a autora. Alega que no artigo 19 da

Constituição, há dois incisos claros: O primeiro afirma ser vedado à União, aos Estados, aos

Municípios e ao Distrito Federal estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,

embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de

dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. O

outro proíbe criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. Ambos são os

responsáveis pela definição do Estado laico, deixando-o imparcial e evitando privilegiar

uma ou outra religião, para que não haja diferenças entre os brasileiros. O argumento de

FISCHMANN repousa sobre a ideia de que se o Estado é laico, a escola pública ― que é

parte desse Estado ― também deve sê-lo.

Segundo a autora, é importante separar a religião do cotidiano escolar. Conforme seu

pensamento, a escola pública não pode se transformar em centro de doutrinação ao sabor da

cabeça de um ou de outro, posto que o espaço público é de todos. Além disso, o respeito à

diversidade é um conteúdo pedagógico. É importante aprender a conviver com as diferenças

e a valorizá-las e não criar um ambiente de homogeneização, em que aquela pessoa que não

se enquadra é deixada à parte ou vista com desconfiança e preconceito.

Todavia, nosso contraponto em tais objeções contra o ER incide por entendermos que

tais opiniões divergentes não levam em consideração o fato da importância das questões da

espiritualidade no que se refere ao conjunto de elementos que constituem uma proposta

educacional de relevo, desde a educação infantil até a educação superior, cuja concepção é

defendida por grande parte dos estudiosos da ciência da educação.

12 Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jun-16/barroso-promete-liberar-acao-ensino-religioso-

segundo-semestre. Acesso em 15 de setembro de 2016.

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SENA afirma que “Uma escola inteligente não pode deixar de fora o conteúdo

religioso. Pôr para escanteio essa noção é esquisito, pois, se ela não é estranha à vida, como

pode ser estranha à escola?” (SENA, 2007, p.19).

Maria Cândida Moraes (1997, p. 108), tratando da importância do ER nas escolas e do

seu novo paradigma para a Educação, assim refere:

Tanto a física quanto a mística mostram que o mundo exterior e o interior são apenas

dois lados de um mesmo tecido, no qual todas as forças e os eventos, todas as

formas de consciência e todos os objetos estão entrelaçados numa rede inseparável

de relações interdependentes. Demonstram também a existência de uma unidade

essencial entre todas as coisas e todos os eventos, e que o indivíduo e sua

consciência são partes integrantes dessa unidade, sendo a realidade externa idêntica

à realidade interna. Com base na convergência entre ciência e mística, de que forma

a educação poderá colaborar com o novo pensamento científico, no sentido de

despertar maior consciência espiritual em nossas crianças?

O texto mencionado é apenas mais uma tentativa para alertar sobre a importância do

papel da escola na formação dos alunos, para além dos elementos relativos à informação e

ao desenvolvimento de habilidades profissionais técnicas, elementos fundamentais, mas não

suficientes para constituir o conceito de formação integral do ser humano.

A UNESCO realizou um estudo internacional13 acerca da importância da educação

religiosa, aprovando como um instrumento importante para auxiliar os alunos a se

conduzirem para uma vida com sentido, inclusive em âmbito mundial. Deste modo, não é

propondo a incultura religiosa e excluindo o ER da escola que contribuímos para a

formação do cidadão, mas sim, possibilitando o acesso apropriado à sua reflexão na escola

pública (SOARES, 2007), uma vez que se trata de um componente que colabora com a

educação integral do aluno.

Ademais, entende-se que este tipo de conhecimento (experiência religiosa e

procedimentos pedagógicos) estão relacionados entre si. E ainda se deve considerar que não

se trata de um patrimônio exclusivo das religiões, posto que todo conhecimento religioso,

enquanto conhecimento humano, é patrimônio de toda humanidade (PCNER, 1995), e como

tal, deve estar disponível à sociedade por meio dos sistemas de ensino do Estado.

13 Este estudo foi publicado em junho de 2003 e se encontra disponível em UNESCO\Agência Internacional de

Educação. Educationandreligion: the paths oftolerance. Prospects, revista quadrimestral de educação

comparada, v.XXXIII, n. 126, jun. 2003.

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Por isto, ratificamos a relevância e necessidade do ER no meio escolar, uma vez que a

religião se trata de “um referencial primordial” (ELIADE, 2001) que integra a sociedade e a

história humana de todos os tempos. E se há uma produção de conhecimento religioso nas

sociedades, este conhecimento precisa “estar disponível a todos os que a ele quiserem ter

acesso” (PCNER, 2009). Dito de outra forma, se a religiosidade constitui uma dimensão

presente no indivíduo e na sociedade (PASSOS, 2007; RUEDELL, 2007), não pode

ausentar-se da escola e da vida de uma criança (SOARES, 2010; LEAL, 2005;

JUNQUEIRA, 2002). Nas palavras de SENA (2007, p. 17),

Se, como dissemos, a religião está presente em todas as sociedades e momentos da

história, fica evidente que ela não pode ausentar-se da vida de uma criança.

Remarquemos: independentemente de seguir uma religião formal ou não, todos os

seres humanos têm o que chamamos de religiosidade, ou seja, um sentimento que

questiona ou crê sobre forças superiores e anteriores que nos podem auxiliar,

proteger, punir, apoiar ou castigar. Isso significa que a presença da religiosidade na

vida de uma criança, assim como sua reflexão e conversa, é fundamental.

Por isto, reconhecemos a obrigação de sistematizar o ER na escola pública do Brasil,

pois o próprio processo de formação cidadã (LDBEN/97, art. 33) inclui este aspecto. Na

verdade,

A Educação do cidadão é um processo complexo que inclui múltiplos aspectos,

inclusive o religioso, sendo este último um dado antropológico e sócio cultural

presente na história da humanidade. Tal ensino estaria, portanto, fundado na

factualidade e na relevância do preceito religioso para a vida social, fazendo parte

de um projeto mais amplo que não coloca a priori a religiosidade dos sujeitos

como algo a ser educado, mas, antes, os próprios sujeitos, independentemente de

suas adesões de fé (PASSOS, 2007, p. 33).

De fato, a escola do séc. XXI precisa responder a problemas fundamentais e globais

(MORIN, 2010a e b) da era moderna, de renovação do conhecimento, de conexão de

saberes, o que já tem despertado a reflexão de importantes nomes no contexto mundial,

como Edgar Morin e Basarad Nicolescu. É neste sentido que o presente trabalho se propõe a

contribuir para a fundamentação do ER na escola pública, e também, com a melhoria e a

qualidade da própria prática educacional, em resposta a complexidade do mundo

contemporâneo (MORIN, 2009).

Por certo, a compreensão científica da realidade não representa a realidade como tal

(veremos de forma mais abrangente essa concepção ainda nesse capítulo). Na verdade,

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existem outras vias de conhecimento possível e é exatamente aqui que nossa linha de

pesquisa se diverge dos opositores de qualquer modelo de ER nas escolas públicas, pois

entendemos que os mesmos reduzem o conceito de religião a um tipo de saber de menor

valor, quando comparado ao conhecimento científico. Conforme USARSKI (2006, p. 122),

“Nossa racionalidade científica é, entre outras, também somente uma maneira de

interpretação de realidade, mas não é a forma privilegiada de compreensão”, nem a única,

de modo que a arte, a filosofia, a tradição e os símbolos também são instâncias de saberes

que precisam ser considerados na apreensão da realidade e da vida humana. Não é sem

razão que “Há cientistas, hoje, que afirmam que ‘uma pessoa com fé vive melhor’”

(CORDEIRO, 2008, p. 50).

Desta forma, ratificamos a necessidade do debate atual sobre o ER, uma vez que

acreditamos que ao lado de outros campos de saber, o ER pode acrescentar à visão sobre a

realidade mais um modo de discuti-la, principalmente ao adotar uma metodologia pautada

na interdisciplinaridade (RODRIGUES; JUNQUEIRA, 2009, p. 26), na

transdisciplinaridade (NICOLESCU, 2002) e na transreligiosidade (ARAGÃO, 2010), de

modo que não estamos tratando apenas da efetivação plena do ER na rede pública, mas

também, da qualidade da Educação brasileira e do papel da escola na formação das novas

gerações. Em outras palavras,

A discussão do ER não se inscreve, fundamentalmente, na esfera do debate sobre o

direito ou não à religiosidade, mas do direito à educação de qualidade que prepare

o cidadão para visões e opções conscientes e críticas em seus tempos e espaços

(PASSOS, 2007).

Assim, é fundamental as discussões epistemológicas que envolvem o ER; precisa ser

enfrentada com seriedade, pois não é possível manter uma disciplina na escola sob a tutela

das religiões onde a lei proíbe o proselitismo. Parece-nos ainda bastante inconsequente

sustentar no currículo escolar uma disciplina que é ao mesmo tempo “obrigatória” e

“facultativa”, causando mais incertezas.

Assim, superados estes entraves será possível pensar parâmetros curriculares mínimos

para o ER e definir o processo de formação de seus professores, uma vez que pela resolução

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do Conselho de Educação Básica já se trata de uma “área de conhecimento” (CEB, nº

04/98), de forma que,

[...] as áreas de conhecimento para serem reconhecidas como tais devem possuir

consistência própria, ou seja, terem objetos, metodologias e teorias que

acumuladas componham um conjunto coerente e consistente que normalmente

adquire o status de ciência (SENA, 2007, p. 24-25).

Se a comunidade científica fixa os conteúdos e habilita os professores para as demais

áreas curriculares, por que não fazer o mesmo com relação ao ER?

Isto não se trata de uma tarefa simples ou fácil, ainda há muitas disputas políticas em

jogo (JUNQUEIRA e WAGNER, 2004), como as que se vê materializadas nos ditames do

Acordo Brasil ― Santa Sé, onde as confissões cristãs defendem um ER doutrinal, pelejando

com outros setores da sociedade que almejam uma base leiga e científica para o ER escolar.

Não obstante, busca-se nessa pesquisa criticar as posições laicizantes, as quais se

apresentam sob um viés ideológico, em contraposição aos movimentos pela própria

laicidade, posto que o movimento laicizante defendidos por alguns teóricos é uma

roupagem nova do positivismo comtiano, que tenta banir o ER das escolas públicas, à

revelia da Constituição.

Assim, neste trabalho buscamos realçar a importância da religião no método das

Ciências da Religião no ER na formação dos (as) alunos (as), cujo objeto de estudo ― isto

é, aquilo com que os conteúdos escolares devem se envolver no campo do ER ― é o

fenômeno religioso em todas as suas dimensões e manifestações, produto sempre das

construções culturais e, portanto, em diálogo permanente com a História, a Antropologia, e

a Sociologia da Religião, além dos outros campos do conhecimento.

A aptidão da cultura brasileira para a miscigenação, sua capacidade de includência do

outro diferente, sua capacidade de interligar elementos isolados em mesclas ricas e

consistentes de valores e sentidos, faz com que a sociedade brasileira seja um lugar

privilegiado no qual podem ser construídas compreensões redimensionadas da questão da

espiritualidade, tornando-a componente fundamental para entender a totalidade do tecido

social nas escolas públicas.

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2) A nova epistemologia para o Ensino Religioso:

Inteligência Geral

Vimos como ao longo da história diversos paradigmas nortearam a Educação e a

prática do ensino escolar, sobretudo, o paradigma newtoniano-cartesiano. A revisão de

paradigmas da atualidade está permitindo uma nova lógica na Educação em prol de um ser

humano visto de forma mais integral. Em nossa compreensão, uma das propostas mais

adequadas para a escola do futuro passa pela substituição da lógica binária pela lógica

ternária de Stéphane Lupasco (1987) e do físico romeno Basarab Nicolescu (1999; 2002)

que permitem o desenvolvimento da abordagem transdisciplinar na educação (MORIN,

2002). Por certo, a lógica da identidade e da não contradição, apesar das importantes

conquistas técnico-científicas dos últimos séculos, engendra uma “inteligência cega”,

reducionista e especializada (MORIN, 2002; NOCOLESCU, 1999; MORAES, 2010) que

nos distanciou de nós mesmos através de uma visão fragmentada do mundo e da vida. A

razão analítica deixou marcas profundas na história da humanidade, gerando uma crise

global e sem precedentes na corrida humana. Nas palavras de GUERREIRO (2003, p. 25),

Esta crise manifesta-se na economia mundializada, com o crescente abismo entre

ricos e pobres em todo o mundo, e nas relações sociais, com índices aterradores de

violência urbana; na política, com uma incapacidade dos governos de gerenciar

crises e problemas que estão fora do alcance dos Estados Nacionais, além de

problemas com a corrupção e pressão dos agentes especuladores internacionais. Na

cultura vivemos a massificação e a banalização do real, com a espetacularização da

vida e da morte, e a exploração desenfreada do sexo e do consumo. Os índices de

devastação planetária são alarmantes e a natureza dá sinais da agonia em que a

terra tem vivido: desertificação, mudanças climáticas abruptas, aquecimento

global, inundações, ondas de calor, etc.

Para Basarab Nicolescu, hoje a humanidade alcançou pela primeira vez na história a

possibilidade de aniquilar a si mesma, e este potencial de destruição inédito se verifica em

uma tripla dimensão: material, biológica e espiritual; pois “Na era da razão triunfante, o

irracional é mais atuante que nunca” (NICOLESCU, 1999, p. 16). Mas claro que não

queremos postular nenhuma visão cataclísmica da modernidade, apenas queremos acentuar

a necessidade de mutação positiva, de um despertar de uma nova consciência no contexto

dos nossos dias, como dizia Nicolescu. O que propomos é uma lógica mais poderosa do que

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a lógica da simplificação e do dualismo cartesiano. Conforme PRADA; MARCILIO (2009,

p. 11),

[...] as críticas feitas ao paradigma cartesiano por autores como CAPRA (1992),

GROF (1987), MORIN (1995) e SANTOS (2004) nos permite ter uma visão do

mundo fundamentada no racionalismo, no cientificismo, no mecanicismo, no

dualismo e no individualismo. Assim sendo, o paradigma dominante assume uma

concepção antropológica reducionista do homem frente à complexidade do ser

humano e em diferentes campos da cultura e do conhecimento (na ciência, na

religião, na política, na filosofia e na educação) onde a visão newtoniana-

cartesiana é predominante.

A aposta destes pensadores está em um tipo de conhecimento capaz de provocar uma

verdadeira reviravolta na história humana, uma revolução copernicana, através da

epistemologia transdisciplinar e integração dos saberes. E neste projeto a Educação tem um

papel fundamental, embora para isto, também deva ser ressignificada. Conforme

OLIVEIRA (2007, p. 10), “As escolas precisam passar por profundas transformações em

suas práticas e culturas para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo”. E na verdade,

nenhuma Educação formal, empirista, estritamente racional e de caráter binário, responderá

mais a complexidade do nosso tempo. O próprio contexto nos leva a superar a lógica da

identidade e construir uma lógica mais geral para a Educação no terceiro milênio.

Desta feita, precisamos hoje de uma Educação da complexidade, que, aliás, é uma

condição inerente ao próprio homem (GUERREIRO, 2003). É preciso superar certa prática

educacional de saber especializado e pouco imaginativo que mediou por séculos a Educação

ocidental. A alternativa é a abordagem transdisciplinar, que já vem sendo alimentado há

décadas pela UNESCO, a exemplo do que aconteceu por ocasião do I Fórum de Ciência e

Cultura, realizado em 1986 em Veneza-Itália. Em particular, MORIN tem dado uma imensa

contribuição quanto a este desafio. Suas obras, destacando especialmente, “Os sete saberes

necessários à educação do futuro”, “A cabeça bem-feita” e “A religação dos saberes”,

mostram seu esforço pelo campo do conhecimento. Para MORIN, a construção de uma

sociedade justa e igualitária só é possível por meio de uma nova e complexa compreensão

do mundo, onde a Educação tem sim um papel decisivo.

Conforme ALMEIDA (2004), as preocupações de MORIN para o campo da Educação

podem ser destacadas a partir de sete princípios,

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A aposta de Edgar Morin numa educação para a complexidade permite enunciar

uma agenda de múltiplos princípios, que sintetizo assim: 1. Pensar a educação

como uma atividade humana cercada de incertezas e indeterminações, mas

também comprometida com os destinos dos homens, mulheres e crianças que

habitam nossa “terrapátria”; 2. Praticar uma ética da competência que comporte ao

mesmo tempo um pacto com o presente sem esquecer nosso compromisso com o

futuro; 3. Buscar as conexões existentes entre o fenômeno que queremos

compreender e o seu ambiente maior; 4. Abdicar da ortodoxia, das fáceis respostas

finalistas e completas; 5. Exercitar o diálogo entre os vários domínios das

especialidades; 6. Deixar emergir a complementaridade entre arte, ciência e

literatura; 7. Transformar nossos ensinamentos em linguagens que ampliem o

número de interlocutores da ciência14.

A necessidade de uma reforma educacional é muito clara, e poderá também estimular

uma nova metodologia para o ER. Contudo, isto exigirá grande esforço, pois lidamos com

uma prática secular. Para ALMEIDA (2010, p. 29-30), o processo não se dará sem uma

dinâmica tensional, de resistência à mudança, mas nem por isto desatinamos.

Como tudo que é da ordem da cultura, trata-se de uma dinâmica tensional que

comporta resistência à mudança, campos de colisão, olhares desconfiados,

desclassificações apriorísticas, luta para manter discursos de autoridade e antigos

poderes discursivos, acusações de não cientificidade, de falta de rigor e de

ausência de comprovação.

É preciso ultrapassar fronteiras das diferentes disciplinas, do conhecimento em áreas

de saberes, que só produzem experts, ilhas isoladas de saberes, mas que pouco ajudam na

condução das nossas vidas. Basta considerar os inúmeros problemas demográficos,

climáticos e de esgotamento dos recursos naturais da nossa época. O mal é que a

hiperespecialização “torna o especialista ignorante no que se refere a tudo aquilo que não

está contemplado por sua disciplina e que torna o não-especialista um ignorante alienado

com respeito ao mundo em que vive, deixando a cargo dos experts a palavra final sobre a

vida” (TEPEDINO, 2009, p. 170-171).

O desafio é construir um tipo de Educação que leve em conta todas as dimensões do

ser humano, incluindo a objetividade, a subjetividade, a intuição e a experiência interior. A

Educação hoje deve se vê desafiada a promover a inteligência geral, apta e referir-se ao

complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global, baseada

na consciência do ser humano como indivíduo e parte da sociedade e da espécie (MORIN,

14http://www.uesb.br/labtece/artigos/Um%20itiner%C3%A1rio%20do%20pensamento%20de%20Edgar%20Mo

rin.pdf>. Acesso em julho de 2016.

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2002). Não é sem razão que, a própria Escola para Edgar Morin, já é uma entidade

complexa.

Enfim, no que diz respeito ao ER, a lógica transdisciplinar também lhe favorece, pois

ao mesmo tempo em que lhe ajuda a superar modelos simplificadores e doutrinários, lhe

aperfeiçoa para poder conjugar em sala de aula certeza-incerteza, conservadorismo-

inovação, ordem-desordem, laicidade e diversidade religioso-cultural. A metodologia

transdisciplinar nos gerirá nesta tarefa, como notaremos mais adiante. Com penhor, este é o

modelo de ER que almejamos para hoje, pois correspondente às “exigências de uma

Educação globalizadora, multidimensional e circular dos saberes” (SOMMERMAN, 2009),

imersa num mundo com “problemas globais” (MORIN, 2002, 2009a; 2009b).

3) O que é transdisciplinaridade?

Transdisciplinaridade é uma abordagem científica e cultural que prima pelo diálogo e

unidade entre as diversas disciplinas e áreas de conhecimento. Ainda não há um consenso

sobre ela, mas inicialmente poderíamos dizer que não se trata de um novo conhecimento,

uma nova religião ou filosofia, muito menos uma nova metafísica. Conforme TEPEDINO

(2009, p.184),

A transdisciplinaridade é a busca pela construção de uma metodologia rica em

complexidade e distante do paradigma simplificador. De acordo com Basarab

Nicolescu, é o estágio final de uma visão evolucionista de ciência que começa com

a disciplinaridade, evolui para a multidisciplinaridade, daí para a

interdisciplinaridade e, finalmente, para a transdisciplinaridade.

No que diz respeito ao termo, surgiu com Jean Piaget durante o I Seminário

Internacional sobre pluri e interdisciplinaridade, realizado em Nice, na França, em 1970,

quando ele definiu que a transdisciplinaridade seria uma etapa superior a pluri e

interdisciplinaridade.

Segundo Piaget, a interdisciplinaridade seria uma forma de se chegar à

transdisciplinaridade. A interdisciplinaridade considera um diálogo entre as

disciplinas, porém continua estruturada nas esferas da disciplinaridade. A

transdisciplinaridade, por sua vez, alcançaria um estágio onde não haveria mais

fronteiras entre as disciplinas e se consideraria outras fontes e níveis de

conhecimento (MENEZES; SANTOS, 2002).

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Posteriormente, a metodologia da transdisciplinaridade seria definida pela Carta da

Transdisciplinaridade, documento elaborado pela UNESCO e adotado no Primeiro

Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado na Arrábida, Portugal, em 1994; sob

a responsabilidade de Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu.

Para NICOLESCU (1999), referência mundial no assunto, “A transdisciplinaridade,

como o prefixo ‘trans’ indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as

disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina”; onde sua

finalidade é a compreensão do mundo atual, para o qual, um dos imperativos é a unidade do

conhecimento.

A transdisciplinaridade inaugura uma nova atitude, um novo diálogo entre as mais

diferentes áreas de saberes, como também expresso na Carta da Transdisciplinaridade, Art.

5º,

A visão transdisciplinar é deliberadamente aberta na medida em que ela ultrapassa o

domínio das ciências exatas pelo seu diálogo e a sua reconciliação não somente com

as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência

interior.

Conforme MENEZES; SANTOS (2002, p. 75)

Princípio teórico que busca uma intercomunicação entre as disciplinas, tratando

efetivamente de um tema comum (transversal). Ou seja, na transdisciplinaridade

não existem fronteiras entre as disciplinas. A ideia de transdisciplinaridade surgiu

para superar o conceito de disciplina, que configura-se pela departamentalização

do saber em diversas matérias. Ou seja, considera que as práticas educativas foram

centradas num paradigma em que cada disciplina é abordada de modo fragmentado

e isolada das demais. Isto resultaria também na fragmentação das mentalidades,

das consciências e das posturas que perdem assim a compreensão do ser, da vida,

da cultura, em suas relações e inter-relações.

De modo que o objetivo é a compreensão do mundo presente e seus diversos níveis de

realidade. De fato, recentes contribuições da Física Quântica constatam a existência de

diferentes níveis de realidade, onde a “coexistência entre pares de contraditórios

mutuamente exclusivos” é perfeitamente possível (NICOLESCU, 1999), o que coloca em

xeque os princípios da lógica binária clássica, que tomava como base os axiomas da

“identidade” (A é A); “não-contradição” (A não é não-A) e “terceiro excluído”.

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Assim, a nova lógica transdisciplinar supera o princípio de identidade e contradição

pelo de complexidade. Nota-se que se trata de uma metodologia fundamentalmente aberta,

dialogal, relacional, para além das fronteiras das ciências exatas, humanas e existenciais; o

que está em acordo com o art. 5 da Carta: “A visão transdisciplinar está resolutamente

aberta na medida em que ela ultrapassa o domínio das ciências exatas por seu diálogo e sua

reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a

poesia e a experiência espiritual”.

No contexto da Educação, brota a necessidade de romper com certa tendência

pedagógica que ainda privilegia a compartimentalização ao invés da coordenação e

intercâmbio entre todas as disciplinas. Para GADOTTI (2000, p. 43), “a

transdisciplinaridade na educação é entendida como a coordenação de todas as disciplinas e

interdisciplinas do sistema de ensino inovado sobre a base de uma axiomática geral, ética,

política e antropológica”, o que pode favorecer uma qualidade de Educação que passe a

levar em conta todas as dimensões do ser humano, como objetividade, a subjetividade, a

intuição e a experiência interior.

Edgar Morin, um dos redatores da Carta da UNESCO, é um dos maiores

pesquisadores sobre estudos em transdisciplinaridade no mundo. E a escolha também desse

pensador para embasar nossa pesquisa se dá em função da importância do seu pensamento

para a Educação, posto que de acordo com os seus princípios acerca da

transdisciplinaridade, o conhecimento somente será emancipador quando conseguir

envolver as diversas áreas, isto é, unir as partes de um todo, mantendo relação entre os

diversos caminhos que se seguem para se obter um conhecimento geral (MORIN, 2009b,

1999, 2006, 2002).

Enfim, a lógica transdisciplinar oferece uma visão mais geral e globalizante da

realidade, contudo jamais esgotando sua complexidade. A metodologia de conhecimento

transdisciplinar, considera a complexidade da realidade, onde complexus é entendido como

aquilo que é tecido junto (MORIN, 2006). MORIN critica essa ideia de separar para melhor

compreender o todo. Sua ideia é de que o problema do conhecimento acumulado visto de

forma descompartimentalizado – ainda hoje presente no sistema educacional brasileiro –,

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sem nenhum processo para organizar todo esse conhecimento, também produz uma cegueira

do conhecimento, ou erro do conhecimento, ou ilusão do conhecimento. Na Teoria da

Complexidade de Edgar Morin, fica claro a denúncia desse reducionismo porque não se

pode ter conhecimento do todo por meio de suas partes, pois o todo é maior que a soma de

suas partes: A+B não é simplesmente A+B, mas sim um terceiro elemento C, que possui

características próprias.

4) O que é transreligiosidade?

A função de toda teologia, dentro de uma sadia compreensão das coisas, seria

terapeutizar as contradições que surgem naturalmente dentro das religiões – e entre elas – e

estabelecer o diálogo contraditorial. Esse diálogo do antagonismo é possível e necessário

porque há algo que ultrapassa e perpassa todas as culturas e religiões.

A transdisciplinaridade, busca da realidade que está entre e além das disciplinas

científicas, pode gerar uma atitude transreligiosa, que, segundo ARAGÃO,

...parte da experiência do sagrado ou divino e por isso não contradiz nenhuma

tradição religiosa e envolve até as correntes ateias. Trata-se de favorecer o diálogo

inter-religioso, pela percepção de uma experiência comum, entre e para além das

religiões. Afinal, se as oito mil disciplinas precisam se comunicar na academia, em

vista da comum missão de compreender – e salvar – os fenômenos da vida, as dez

mil religiões contadas no planeta precisam se entender um pouco sobre o significado

da salvação que pregam (ARAGÃO, 2015).

Conforme já visto no primeiro capitulo, a transdisciplinaridade produz uma postura

transcultural e transreligiosa. A postura, a disposição transcultural e transreligiosa indica

abertura àquilo que está ao mesmo tempo entre, através e além das diferentes culturas e

religiões; isto aponta a premissa que nenhuma cultura ou religião está num universalismo

imperante ou num nível superior estabelecido em detrimento das demais, a partir da qual

seja capaz de julgar as distintas culturas e religiões se referenciando como única verdadeira,

exclusiva ― ainda que cada cultura e religião possa se praticar como definitivamente

verdadeira e global. A postura transreligiosa (assim como a transdisciplinaridade) é

imperativa para compreender o mundo atual, suas culturas e religiões, numa integração do

conhecimento. Em um mesmo nível de realidade, as culturas e religiões seriam

possivelmente antagônicas e excludentes, mas se considerarmos um outro nível ao menos,

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surge um terceiro que, incluído, as pode reconciliar. Trata-se da base antropológica que nos

constitui a todos e exige uma atitude ética, ou daquilo que é mais humano no humano e

também no cósmico – e por isso sagrado ou divino.

ARAGÃO ilustra:

Assim que, em uma companhia artística com atores de diferentes culturas, durante o

espetáculo eles revelam qualidades que atravessam e transcendem as suas culturas

originais. Assim também, em um encontro inter-religioso, a certo momento surge

uma compreensão que não aniquila as diferentes verdades e experiências místicas,

mas as atravessa e ultrapassa (ARAGÃO, 2015, p. 21).

Assim, para Basarab Nicolescu a transdisciplinaridade origina uma atitude

transreligiosa, que se inicia da experiência do divino ou transcendente e por esse motivo não

apresenta contradição a nenhuma tradição religiosa e abarca inclusive os movimentos ateus.

A postura transreligiosa nos possibilita instruir-se, tolerar, respeitar e apreciar as

singularidades das tradições religiosas e ateias que nos são estranhas, para melhor perceber

as estruturas comuns nas quais elas estão fundamentadas e, assim, chegar a uma visão

transreligiosa do mundo (NICOLESCU, 2000).

O modelo transreligioso da realidade lança uma nova luz, então, sobre o sentido do

sagrado.

Uma zona de absoluta resistência liga o sujeito e o objeto, os níveis de realidade e os

níveis de percepção. Para o pensamento transreligioso, há um movimento de

travessia simultânea dos níveis de realidade e dos níveis de percepção. Este

movimento segue em sentido ascendente e também descendente pelos níveis de

realidade e de percepção. E a zona de resistência absoluta [...] é o espaço de

coexistência da transascendência e da transdescendência, ou de transcendência e

imanência. Em outras palavras, é ao mesmo tempo transcendência imanente e

imanência transcendente (ARAGÃO, 2015 p. 22).

A palavra sagrado, pois, para Basarab Nicolescu, é a que designa essa zona de

absoluta resistência15, como um terceiro incluído que reconcilia esses movimentos em

tensão. Esse terceiro é o espaço de unidade entre o tempo e o não-tempo, o causal e o a-

causal. É a origem última dos nossos valores humanos, que está entre e para além das

religiões.

15 Estudaremos zona de absoluta resistência no tópico “Níveis de realidade: Ciência e Tradição, a

complementariedade dos opostos” deste capítulo.

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Em consequência, um fiel pode reconhecer nas outras religiões caminhos de busca do

sagrado pelo ser humano, que se questiona e procura. Esta antropologia pode ser

estabelecida como base comum para todas as religiões. Quando essa experiência do sagrado

é corrompida, a história se perverte. Também pode ser integrada nesses dados

antropológicos a concepção teológica de um Deus criador, aquilo que se chamou teologia

natural ou a percepção do sobrenatural como inscrito na natureza humana mesma.

Todos os seres humanos, portanto, individual e coletivamente, têm o direito de buscar

a verdade e se pode assumir, sem que isso diminua a própria tradição, que todas as religiões

são caminhos para Deus. Pode-se também admitir que exista, de fato e de direito, um

encontro plural com a divindade ― mesmo que na hora de estabelecer a verdade dessas

experiências, parta-se sempre da própria crença, para se perceber pelo diálogo, justamente,

aquilo que está entre e além.

Por fim, pode-se dizer que o conceito de transreligiosidade baseado em Gilbraz

Aragão trata de uma abordagem integral do conhecimento, que situe e relacione tanto as

crenças mais tradicionais das grandes religiões, quanto os princípios culturais e científicos

modernos e pós-modernos, buscando um novo lugar para a religiosidade no mundo: o de

uma espiritualidade transreligiosa – em diálogo com uma ciência transdisciplinar.

5) Metodologia Transdisciplinar e Ensino Religioso na

Escola Pública

Uma vez que já foram elucidados os conceitos de transdisciplinaridade e

transreligiosidade em nosso trabalho, podemos nos aprofundar na necessidade de uma

proposta metodológica que envolva tais conceitos.

Conforme as resoluções da CEB nº 2 de 1998 e 2010,

do Conselho Nacional de Educação, O ER, disciplina de matrícula facultativa,

compreendida como parte integrante da formação do cidadão, constitui-se em uma

das dez áreas do conhecimento do Ensino Fundamental (OLIVEIRA, 2008, p. 7).

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Assim, a disciplina deve ser tratada como área de conhecimento, com objetivos,

métodos e linguagem própria, igual a qualquer outra disciplina. No entanto, o que se

constata é que ela permanece recebendo um tratamento todo diferenciado e, sequer, o MEC

estabeleceu seus parâmetros curriculares; como ainda permanecem abertas muitas questões

relacionadas à habilitação de seus professores na rede pública de todo o país. O material

didático do ER, por exemplo, não é avaliado pelo Ministério da Educação, não há um

conteúdo mínimo estabelecido e não há uma diretriz nacional comum para a formação dos

seus professores.

Assim, o próprio contexto aponta para a necessidade de uma proposta mais clara de

ER para o país. No capítulo I vimos como PASSOS (2007) procura enfrentar a questão

propondo a transposição metodológica dos conteúdos das Ciências da Religião para o ER, o

que possibilitaria sua autonomia dessa área de conhecimento. Entendemos que a

contribuição de PASSOS é importante, mas que ainda pode ser aperfeiçoada por uma nova

lógica do pensamento.

O Brasil é uma república laica, assim como o México, a Espanha e a França, que

devem exercer uma posição neutra no campo religioso. Conforme DINIZ (2010), a

laicidade de um Estado pode se atualizar de duas formas no relacionamento com as

religiões: pela neutralidade confessional, onde não há privilegio de nenhuma religião, nem

expressões religiosas ligadas às mesmas; pela pluriconfessionalidade, segundo a qual o

Estado deve garantir o direito à liberdade religiosa e à igualdade entre as religiões, onde o

cidadão tanto pode seguir uma religião, majoritária ou minoritária, ou não adotar religião

alguma. Desta feita,

O desafio passa a ser o de como assegurar que o Ensino Religioso proteja o marco

da laicidade e promova a formação básica comum e o respeito ao pluralismo

(DINIZ, 2010, p. 37).

Para isto, apostamos a epistemologia transdisciplinar de Basarab Nicolescu e Edgar

Morin para o ER, como meio de garantir o dispositivo da laicidade do Estado, a justiça

religiosa (igualdade entre as religiões) e a liberdade de crença dos estudantes. É através da

lógica transdisciplinar que poderemos respeitar os princípios éticos constitucionais e

acordos internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil nas últimas décadas, a

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exemplo da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões

Culturais – UNESCO, ratificado no país por meio do Decreto Legislativo n. 485/2006.

Ora, sendo o ER de condição constitucional no Brasil, cabe ao mesmo reafirmar em

sua prática os direitos à diversidade religiosa e à liberdade de crença e de expressão, bem

como, o respeito à existência de cidadãos que não professam religião alguma e que estão na

escola. Nas palavras de DINIZ (2010, p. 99):

Para a manutenção do Ensino Religioso em um país laico, faz-se necessário que

sua prática promova a garantia de direitos que se desdobram ou reforçam a partir

da condição laica assumida por nossa republica democrática, como a liberdade de

consciência, a igualdade de direitos, as liberdades individuais e a não

discriminação.

De modo que passa a ser então uma questão de direito que o cidadão brasileiro tenha

uma Educação fundada noutra base epistemológica mais integradora e menos

simplificadora, mais dialógica e menos doutrinária, capaz de responder ao desafio da

laicidade do Estado e a necessidade de uma Educação de qualidade. Para além de

reconhecer a liberdade de crença e a justiça religiosa, é preciso ainda articular a

multireferencialidade e a multidimensionalidade das pessoas e do mundo, o que não será

possível diante de uma epistemologia tácita, fechada, cartesiana.

A própria complexidade dos problemas atuais nos impulsiona a incorporar na

Educação novas formas de pensar a realidade, novas posturas de ensinar e aprender, novos

conceitos e novas atitudes que nos possibilitem superar um posicionamento simplificador e

fragmentário. A prática educacional moderna requer uma aprendizagem contextualizada,

globalizada e criadora (SANTOS; SOMMERMAN, 2009), fruto de um novo diálogo entre

os saberes (NICOLESCU, 1999; 2002; MORIN, 2000; 2005; 2010; 2010b) que engendra

uma perspectiva diversificada do conhecimento e dos indivíduos.

Este é o desafio que passamos a enfrentar agora com base no modelo transdisciplinar,

que se apoia nos três pilares fundamentais da complexidade, dos níveis de realidade e do

terceiro incluído (NICOLESCU, 1999).

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5.1) Complexidade: Ensino Religioso e Incerteza

Desde as contribuições de Newton, os pilares da certeza fundamentam a ciência

clássica. O princípio da ordem, da separabilidade, da redução e da lógica indutivo-dedutivo-

identitária sustentam uma lógica que torna o sujeito incapaz de conceber a unidade do

múltiplo ou a multiplicidade do uno. Por consequência, essa conjunção produz um saber

cego sobre o todo complexo, ignorando o singular, a existência, o sujeito, a afetividade, os

sofrimentos, os gozos, os desejos, as finalidades, o espírito, a consciência humana (MORIN;

MOIGNE, 2000).

A prática do ER esteve baseada comumente no paradigma da certeza e da

simplificação. Pouco se deu atenção à complexidade presente na ordem/desordem,

um/múltiplo, todo/partes, objeto/meio ambiente, objeto/sujeito, claro/escuro. O comum foi

compreender o ER como Ensino de Religião, dogmático e fechado a um sistema

padronizador e único. A existência de outros credos religiosos e cosmologias do saber

foram ignoradas. No entanto, o novo contexto em que nos situamos hoje requer outro tipo

de atitude, outra lógica do saber, de modo que, ensinar a incerteza passa a ser um saber

necessário à educação religiosa.

Esta nova proposta epistemológica supera o paradigma cartesiano e considera a uno-

diversidade do ser humano, das culturas e da história. A complexidade se reconhece,

portanto, pelos traços negativos: incertezas, insuficiência da lógica. Mas se reconhece

também pelos traços positivos: o tecido comum onde se unem o um e o múltiplo, o

universal e o singular, a ordem e a desordem e a organização (MORIN; MOIGNE, 2000).

Contudo, o que é complexidade? Em sua obra Introdução ao pensamento completo,

Edgar Morin nos apresenta a necessidade do pensamento complexo, não como uma solução,

mas como um desafio. O desafio de reunir. O desafio de tratar as incertezas. Em outras

palavras,

A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido

junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o

paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é

efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,

determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a

complexidade se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do

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inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza... (MORIN, 2006, p.

13,14).

Seu objetivo é religar saberes dispersos, superar as dicotomias, dirimir as brumas e as

obscuridades do conhecimento, pois “As ameaças mais graves em que incorre a humanidade

estão ligadas ao progresso cego e incontrolado do conhecimento (armas termonucleares,

manipulações de todo tipo, desregramento ecológico, etc.)” (MORIN, 2006, p. 9).

Foi DESCARTES quem sugeriu a primeira separação de conhecimentos delimitando

dois campos distintos: o sujeito e as coisas. Essa primeira disjunção afastou a filosofia

(problemas do sujeito) da ciência (questões das coisas externas ao sujeito). E o sujeito

filósofo foi ficando cada vez mais ensimesmado; enquanto o sujeito cientista foi ficando

cada vez mais distante e isolado do objeto do conhecimento. Assim, a ciência desenvolveu-

se buscando esvaziar qualquer subjetividade no trato do objeto. A ideia é de que essa

objetividade reflita a verdade científica. Aqui se estabelece um abismo entre a reflexividade

filosófica e a objetividade científica. E assim a Ciência ficou sem consciência, sem

consciência moral, reflexiva ou subjetiva (MORIN, 2010c).

Outra importante questão levantada por MORIN se refere a uma real inadequação de

um conhecimento simplificado e fragmentado frente os grandes problemas do nosso tempo,

cada vez mais polidisciplinares, globais e planetários,

Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados,

fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou

problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais,

transnacionais, globais, planetários (MORIN, 2010a).

De modo que a formação do aluno futuro não pode prescindir de uma visão global e

complexa, sob risco de formarmos um cidadão incapaz de lidar com os problemas do nosso

tempo.

Conforme MORIN; MOIGNE, (2000) o pensamento complexo é aquele que lida com

a incerteza, e sempre esteve presente na história da humanidade, tanto no Ocidente quanto

no Oriente, mas ganha força maior à medida que começam a se dissolver os quatro pilares

da certeza que sustentaram a ciência clássica: principio da ordem: que postulava um

universo regido por leis imutáveis, deterministas (Newton), principio da separabilidade,

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que estabelece a lógica de que, para resolver um problema, é preciso decompô-los em

elementos simples (Descartes); principio da redução, que limita os elementos conhecidos

do sistema ao que é mensurável e o principio da razão que assegura a validade formal das

teorias e raciocínios.

Assim, para MORIN; MOIGNE (2000), a conjunção dos quatro pilares determina o

pensamento simplificador e este só concebe os objetos simples que obedecem às leis gerais.

Produz um saber anônimo, cego, sobre todo o contexto e todo o complexo; ignora o

singular, o concreto, a existência, o sujeito, a afetividade, os sofrimentos, os gozos, os

desejos, as finalidades, o espírito, a consciência. Ele considera o cosmos, a vida, o ser

humano, como máquinas deterministas triviais através das quais poderiam prever todos os

outputs (resultados) se conhecêssemos todos os inputs (entradas).

No entanto, a ciência do séc. XX veio causar um abalo sísmico nestes pilares e fundou

outros: da desordem, da não separabilidade, da não redutibilidade e da incerteza lógica. Mas

apenas nos dias atuais o paradigma da complexidade começa a ganhar força. Conforme

MORIN; MOIGNE (p. 205-206),

Na época contemporânea, o pensamento complexo começa seu desenvolvimento

na confluência de duas revoluções científicas. A primeira revolução introduz a

incerteza com a termodinâmica, a física quântica e a cosmofísica. Essa revolução

científica desencadeou as reflexões epistemológicas de Popper, Kuhn, Holton,

Lakátos, Feyrabend, que mostraram que a ciência não era a certeza, mas a

hipótese, que uma teoria provada não o era em definitivo e se mantinha

‘falsificável’, que existia o não científico (postulados, paradigmas, themata) no

seio da própria cientificidade. A segunda revolução científica, mais recente, ainda

indetectada, é a revolução sistêmica nas ciências da Terra e a ciência ecológica.

Ela não encontrou ainda seu prolongamento epistemológico (que os meus próprios

trabalhos anunciam).

Dentre as muitas contribuições do método estabelecido por MORIN, destacamos com

Conceição Almeida (2004, p. 9) especificamente:

Trata-se de um método capaz de absorver, conviver e dialogar com a incerteza; de

tratar da recursividade e dialogia que movem os sistemas complexos; de

reintroduzir o objeto no seu contexto, isto é, de reconhecer a relação parte-todo

conforme uma configuração hologramática; de considerar a unidade na diversidade

e a diversidade na unidade; de distinguir, sem separar nem opor; de reconhecer a

simbiose, a complementaridade, e por vezes mesmo a hibridação, entre ordem e

desordem, padrão e desvio, repetição e bifurcação, que subjazem aos domínios da

matéria, da vida, do pensamento e das construções sociais; de tratar do paradoxo

como uma expressão de resistência ao dualismo disjuntor e, portanto, como foco

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de emergências criadoras e imprevisíveis; de introduzir o sujeito no conhecimento,

o observador na realidade; de religar, sem fundir, ciência, arte, filosofia e

espiritualidade, tanto quanto vida e ideias, ética e estética, ciência e política, saber

e fazer.

Como se vê o pensamento complexo compreende a incerteza, indeterminações e

fenômenos aleatórios, sem um anular a existência do outro. E pensando numa reformulação

do conhecimento, MORIN estabelece sete princípios complementares e interdependentes:

sistêmico ou organizacional, onde ele coloca que o todo é mais que a soma das partes,

sendo impossível conhecer o todo sem conhecer as partes, ou conhecer as partes sem

conhecer o todo; hologramático, segundo o qual a parte está no todo, e o todo está na parte;

circulo retroativo, onde a causa age sobre o efeito e o efeito age sobre a causa engendrando

um novo efeito; circulo recursivo, que mostra que os produtos originam aquilo que produz,

perpetuando uma auto-eco-organização, superando a ideia linear de causa e efeito;

autonomia e dependência do sujeito-objeto; dialógico onde o conhecimento nasce do

diálogo entre termos antagônicos e conflitantes e o princípio da reintrodução do

conhecimento em todo o conhecimento (MORIN; MOIGNE, 2000).

Assim, a complexidade engendra uma racionalidade aberta e transdisciplinar, que

permite a multiplicidade, a interação e o entrelaçamento de fenômenos que compõem o

mundo, as sociedades e os sistemas de vida, mesmo os aparentemente antagônicos. E é

precisamente nesta perspectiva que enxergamos a possibilidade de estabelecer uma

aproximação entre duas experiências cognitivas, simultaneamente assimétricas, opostas e

complementares: Ciência e Tradição (ALMEIDA, 2010).

A incidência da crítica de MORIN compete a compartimentação e disciplinarização de

saberes. Entretanto, para ALMEIDA (2010, p. 13), não basta apenas “religar áreas de

disciplinas internas ao conhecimento científico, sendo necessário aproximar domínios de

saberes identificados como opostos e contraditórios por força de um processo civilizacional

pautado pela monocultura da mente”.

É preciso religar estratégias distintas de compreensão do mundo, engendrar maior

acuidade, sensibilidade e abertura do pensamento, considerar um horizonte maior do

conhecimento e da cultura.

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Para ALMEIDA (2010), houve ao longo da história uma desclassificação dos saberes

da tradição, comumente entendidos como inferiores, sem fundamento, um estágio

balbuciante do pensamento. Hoje se faz necessário reconstruir a simbiose destas duas faces

do conhecimento, reconhecer sua complementaridade, pois na verdade, os métodos,

modelos de pensamento e estratégias de que se vale a tradição muito têm a oferecer aos

métodos, modelos e estratégias do pensamento científico.

De fato, não é mais aceitável situar a Ciência como um saber distinto e superior aos

demais, a todos os outros saberes, como a filosofia, religião e artes. Faz-se necessário

compreender que a racionalidade científica não corresponde à única perspectiva de

conhecimento possível e válido, existem outras produções de conhecimento, outras formas

de saber e conhecer.

E se primamos por um projeto de Educação transformadora, isto é ainda mais

necessário, uma vez que uma configuração da Ciência como forma privilegiada de saber

favorece e sustenta uma sociedade que naturaliza, justifica ou autoriza a divisão

em classes e a exclusão social, e isso por meio da bipolarização sucessiva:

aristocratas e povo, cultura erudita e popular, elite intelectual e cidadão comum,

alfabetizados e analfabetos. Uma arquitetura perversa é posta em ação. ‘Dividir

para reinar’. A fórmula é também a de Maquiavel para dominar a cidade; a de

Descartes para dominar a dificuldade intelectual, e a de Taylor para reger as

operações do trabalhador na empresa (ALMEIDA, 2010, p. 44).

Assim, fazer aproximar, relacionar e dialogar Ciência e Tradição favorece a um

pensamento aberto e dialogal, e não simplificador. Por certo, a própria aptidão cerebral

humana engendra dois modos de operação do pensamento: o simbólico/mítico/mágico e o

empírico/lógico/racional, que estão sempre imbricados em todo o homem e em todas as

sociedades humanas, de modo que a unidualidade do pensamento humano é

simultaneamente mito-lógica, abstrato-concreto, imaginário-real (MORIN, 1975).

Por isso nos colocamos a favor da permanência do ER na escola, pois além de

concorrer à inteligência geral e a formação multidimensional dos estudantes, favorece a

democracia de ideias e a ecologia de culturas, posturas necessárias ao contexto globalizante

e complexo do nosso tempo (MORIN, 2002; 2010a; 2010b).

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5.2) Complexidade: Ensino Religioso e Laicidade

Aqui alcançamos enormes ganhos, novas posturas, atitudes e mentalidades. Um ER

com base na complexidade se abre à comunicabilidade e valoração de todos os sistemas ou

confissões religiosas, favorecendo a justiça religiosa (DINIZ, 2010, p. 99). Não há

hegemonia de um domínio sobre o outro, Ciência ou Tradição, mas abertura e respeito às

diversas formas de representação do mundo, à diversidade religiosa e à liberdade de crença.

O ER com base na complexidade postula, antes de tudo, uma democracia de ideias, uma

ecologia das culturas.

O pensamento único e padronizador, mesmo científico, foi sempre um equívoco na

história da humanidade e só gerou intolerância e guerra entre os homens. Da mesma forma,

um modelo de ER doutrinador, só favoreceu atitudes sectárias e proselitistas. Hoje

precisamos de uma ciência plural, capaz de dialogar com outras narrativas em direção a um

tempo de paz, da mesma forma que precisamos de um modelo de ER aberto e dialogal,

capaz de responder de modo adequado aos desafios de um mundo plural e uma sociedade

diversificada.

Enriquecido pela complexidade, não apenas o ER, mas todo o sistema educacional,

ganha por suplantar uma ideia de educação bancária (FREIRE, 1997) onde o aluno-banco-

de-dados apenas acumula informações e conhecimentos sem saber articulá-los e refletir

sobre o mundo. Por isto MORIN (2010b) retomando MONTAIGNE alerta que “é melhor

uma cabeça bem-feita do que bem cheia”.

É sob esta nova lógica que o ER pode formar estudantes, futuros cidadãos, capazes de

pensar o mundo por meio da diversidade, sustentando vários pontos de vista, mesmo

contraditórios em certo nível de realidade, inaugurando uma nova ética de conhecer e viver.

A lógica da ordem e da doutrina fortalece o determinismo e os fundamentalismos religiosos,

a lógica da incerteza e do diálogo inaugura um novo tempo de paz entre os homens e

mulheres pós-modernos, sejam crentes, ateus ou agnósticos, o que sobressai é o respeito

pelo “Outro Eu”.

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5.3) Níveis de realidade: Ciência e Tradição, a complementariedade dos opostos

Uma questão fundamental para o entendimento da transdisciplinaridade são os

diferentes níveis de realidade. Compreendamos inicialmente estes dois conceitos. Conforme

NICOLESCU (1999, p. 30), “realidade” é “aquilo que resiste às nossas experiências,

representações, descrições, imagens ou formalizações matemáticas”; já “níveis” de

realidade dizem respeito a

um conjunto de sistemas variantes sob a ação de um número de leis gerais: por

exemplo, as entidades quânticas submetidas às leis quânticas, as quais estão

radicalmente separadas das leis do mundo macrofísico. Isto quer dizer que dois

níveis de realidade são diferentes se, passando de um ao outro, houver ruptura das

leis e ruptura dos conceitos fundamentais (como, por exemplo, a causalidade)

(NICOLESCU, 1999, 31).

Ou seja, dois níveis de realidade são diferentes em suas leis e em sua lógica. Por isso,

existe uma descontinuidade na estrutura dos níveis da realidade, de modo que, cada nível da

realidade, está associado com o seu próprio espaço-tempo. Como consequência desta nova

lógica, PANÃO (2009) nos esclarece que,

a introdução de níveis de Realidade induz a uma estrutura da Realidade

multidimensional e multireferencial. Ambas as noções de “Real” e “níveis da

Realidade” relacionam-se com aquilo que é considerado ser “natural” e “social” e,

por isso, é aplicável ao estudo da natureza e da sociedade. A nossa abordagem não

é hierárquica. Não há nível fundamental. Mas a sua ausência não significa uma

dinâmica anárquica, mas coerente, de todos os níveis da Realidade, os já

descobertos ou que o serão no futuro. Cada nível é caracterizado pela sua

imperfeição: as leis que governam este nível são apenas parte da totalidade das leis

que governam todos os níveis. E mesmo a totalidade das leis não se exausta na

totalidade da Realidade: temos também de considerar o Sujeito e a sua interacção

com o Objecto. O conhecimento está aberto para sempre.

Conforme LIMA (2003) é possível compreender o conceito de níveis de realidade a

partir do seguinte exemplo: “No nível do mundo sensível, dois corpos não podem ocupar o

mesmo espaço no mesmo momento. No mundo psíquico isto é possível, trata-se de dois

diferentes níveis de realidade”. O fato é que, se outrora a pesquisa disciplinar estudava

apenas um nível de realidade ou fragmentos de um nível de realidade, esta nova

metodologia trabalha a partir da dinâmica decorrente da ação simultânea de diferentes

níveis de realidade.

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Diferente do enfoque tradicional-disciplinar-simplificador, esta nova metodologia traz

à tona uma multiplicidade, antes impensável, dos modos de conhecimento; fazendo emergir

uma nova visão de realidade com dados inteiramente originais. Segundo SOMMERMAN

(2003, p. 114),

[...] foi a física, considerada a ciência mais fundamental dentre todas as ciências,

que trouxe os dados que permitiram a emergência de um novo diálogo não só entre

todas as disciplinas científicas, mas entre estas e os conhecimentos não

disciplinares das culturas do passado, da arte e das tradições, ou seja, que permitiu

a emergência da transdisciplinaridade.

Conforme Edgar Morin (2010c), todas as ciências hoje têm muito a aprender, tanto no

relacionamento entre si, quanto com as demais áreas dos saberes, como a filosofia, arte ou

religião. A relatividade de EINSTEIN, a microfísica, a termodinâmica e a microbiologia

provocaram uma verdadeira revolução no campo do conhecimento humano. Verdades

absolutas e certezas fechadas caíram por terra. Assim, sabe-se hoje que toda a Realidade é

incerta e de natureza complexa, comportando o acaso, a probabilidade e a incerteza.

É apenas dentro desta lógica ternária transdisciplinar que podemos promover o

diálogo entre Ciência e Religião, onde se faz possível dialogar até mesmo com o

antagonismo (certeza-incerteza, ordem-desordem, onda-partícula, ciência-tradição). Talvez

assim consigamos superar a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais

cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido, como alude a Carta da

Transdisciplinaridade. Não é possível mais pensar numa Educação autêntica que não seja

global. Por certo,

Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração do conhecimento. Deve

ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar

reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na

transmissão dos conhecimentos (Carta da Transdisciplinaridade, artigo 11).

E é precisamente disto que carecemos em nossos dias, de uma Educação que leve em

consideração a multidimensionalidade humana. Vale então a assertiva de André Malraux,

ainda no ano de 1955, “Nosso século, com a psicanálise, redescobriu os demônios no

homem – a tarefa que nos aguarda agora é de redescobrir seus deuses” (MALRAUX, apud

NICOLESCU, 1999 p. 138); de modo que se faz bom e necessário o estudo e a análise do

conhecimento religioso no meio escolar.

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De fato, se o objetivo último de toda Educação é favorecer ao aluno uma formação

integral e abrangente, isto inclui, necessariamente, a decodificação do fenômeno religioso,

que suplanta a condição de uma Educação racionalizadora e profissionalizante, por uma

integral e cidadã.

A Educação do cidadão é um processo complexo que inclui múltiplos aspectos,

inclusive o religioso, sendo este último um dado antropológico e sociocultural

presente na história da humanidade. Tal ensino estaria, portanto, fundado na

factualidade e na relevância do preceito religioso para a vida social, fazendo parte

de um projeto mais amplo que não coloca a priori a religiosidade dos sujeitos

como algo a ser educado, mas, antes, os próprios sujeitos, independentemente de

suas adesões de fé (PASSOS, 2007, p. 33).

Assim, está claro que

Uma escola inteligente não pode deixar de fora o conteúdo religioso. Pôr para

escanteio essa noção é esquisito, pois, se ela não é estranha à vida, como pode ser

estranha à escola? (SENA, 2007, 19).

Trata-se então de transgredir as fronteiras, não apenas epistemológicas, mas também

paradigmáticas, pois como nos coloca ESPÍRITO SANTO (2011), “transgressão é

possibilidade de transcendência”.

E isto vale ainda, talvez especialmente, para a condição do Ensino Básico, pois,

Se, como dissemos, a religião está presente em todas as sociedades e momentos da

história, fica evidente que ela não pode ausentar-se da vida de uma criança.

Remarquemos: independentemente de seguir uma religião formal ou não, todos os

seres humanos têm o que chamamos de religiosidade, ou seja, um sentimento que

questiona ou crê sobre forças superiores e anteriores que nos podem auxiliar,

proteger, punir, apoiar ou castigar. Isso significa que a presença da religiosidade na

vida de uma criança, assim como sua reflexão e conversa, é fundamental (SENA,

2007, p. 17).

Por isto, cabe superar um falso tipo de conceito de nível de realidade única. Sabe-se

hoje que existem diferentes níveis de realidade, e não somente aquele percebido pelos

nossos sentidos. Para ARAGÃO (2009), a lógica transdisciplinar engendra uma atitude

transreligiosa, uma abertura de todas as religiões, onde nenhuma se considera a única

verdadeira, embora seja possível experimentar-se como absolutamente verdadeira e

universal. Quando se considera outros níveis de realidade, as religiões que podiam ser

antagônicas e excludentes, se abrem para um novo dinamismo, o do estado T, que pode

reconciliá-las numa camada mais profunda da realidade.

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Trata-se da base antropológica que nos constitui a todos e exige uma atitude ética,

ou daquilo que é mais humano no humano e também no cósmico – por isso sagrado

ou divino (ARAGÃO, 2015, p. 21).

Deteremo-nos melhor sobre este novo dinamismo (do estado T) mais adiante.

Mas note que a transdisciplinaridade não é religiosa, nem areligiosa, e sim,

transreligiosa. Por isto capaz de atingir mesmo os agnósticos e ateus, pois

fundamentalmente, todos se definem em relação a ela.

A atitude transreligiosa não está em contradição com nenhuma tradição religiosa e

nenhuma corrente agnóstica ou ateia, na medida em que estas tradições e estas

correntes reconhecem a presença do sagrado. Esta presença do sagrado é, de fato,

nossa transpresença no mundo. (NICOLESCU, 1999, p. 63).

Em NICOLESCU, o Sagrado está entre e para além de todas as religiões, e representa

a zona de absoluta resistência, o estado T, a fonte de nossos valores humanos que opera a

unificação dos contraditórios em um nível diferente de realidade.

Desta feita, percebe-se como a lógica ternária transdisciplinar aperfeiçoa e favorece o

estudo e a experiência do Transcendente para além das certezas e religiosas, procurando

pontos de vista a partir dos quais seja possível torná-los interativos. Assim, por meio da

lógica do Terceiro Incluído, o ensino transreligioso sucede uma prática binário-disjuntivo

por uma complexa, onde se confronta com os paradoxos do real (ordem/desordem,

parte/todo, singular/plural, sujeito/objeto), tornando o conhecimento mais significativo e

abrangente. Trata-se então de usar estratégias não-lineares, mais sensíveis e abertas aos

diferentes níveis de percepção e de realidade.

Assim, a transdisciplinaridade propõe o diálogo entre os diferentes saberes do ser

humano, de forma que, arte, filosofia, ciência e religião se complementam e aperfeiçoam,

favorecendo um conhecimento não fragmentado e uma epistemologia global. No que diz

respeito à Educação e ao ER favorece e articula a multireferencialidade e a

multidimensionalidade do ser humano e do mundo, abrindo-se a uma perspectiva

diversificada do conhecimento e dos indivíduos.

Em linhas gerais o desafio é aplicar à prática educacional todos os princípios

sugeridos pela complexidade, como a visão Hologramática, a Complementaridade dos

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Opostos, a Autopoiése, e a Incerteza, inaugurando uma prática educacional de natureza

complexa e engendrando “Uma realidade, portanto, constituída de processos globais,

integradores, não-lineares e auto-eco-organizadores” (MORAES; VALENTE, 2008, p19).

Tal prática inusitada até já se apresenta, pelo menos inicialmente, nas experiências de

salas de aula do país. Quando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS) recomendam o

trabalho com os temas transversais, naturalmente recorre a uma lógica deste tipo, que

articula os conhecimentos das diversas disciplinas transgredindo suas fronteiras, mas

alcançando uma visão mais plena e abrangente do conhecimento e da vida (SANTOS,

2009). Com a obrigatoriedade da Música nos currículos escolares a partir de 2012, espera-se

que estas experiências, cada vez mais, se multipliquem nas escolas brasileiras.

Finalmente, se o mundo hoje caminha na direção de um conhecimento mais

abrangente e significativo, não faz sentido rumarmos no caminho inverso, precisamos

avançar para o novo paradigma. Os modelos tradicionais de ER representam uma estrutura

educacional defasada e não mais respondem a exigências do nosso tempo. Por isto,

ratificamos a opção pela abordagem transdisciplinar da religião, capaz de primar pela

formação integral do ser humano.

5.4) Lógica do Terceiro incluído: justiça religiosa

O terceiro milênio supõe uma estrutura de pensamento aberta e acolhedora, não

obstante as reações culturais e religiosas de caráter mais fechado, violenta e de tendências

fundamentalistas. O próprio impacto cultural da revolução quântica levantou questões para

muitos dogmas filosóficos que sustentavam a ciência contemporânea, como por exemplo, a

existência de um único nível de Realidade. Muitas das posturas fechadas de outrora

negavam a pluralidade complexa da realidade, todavia, a lógica do terceiro incluído conduz

a um novo tempo de paz e diálogo. É com base nesta nova lógica, nova epistemologia, que

se pode favorecer um encontro real com o outro, o diferente, garantindo a diferença e o

respeito a esta pluralidade, quer cultural ou religiosa. Para muitos estudiosos estas são as

urgências para o nosso tempo, como coloca CAMPOS (2009),

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Precisamos hoje de uma base epistemológica e uma nova lógica que prime pela

relação, abertura, criatividade, respeito e garantia das diferenças; que favoreça as

relações, as interações e as emergências, e não a dicotomia e a polaridade

existente. Alguns filósofos da alteridade como Santos (2003) e Lévinas (1988) já

postulavam uma razão dialógica, de acolhimento mútuo das culturas e da

descoberta do “rosto do Outro” enquanto dimensão sagrada da existência humana.

O grande desafio que se coloca então é o de construirmos um quadro mais amplo

para tratar das verdadeiras questões, como o respeito à pluralidade religiosa e

cultural do nosso tempo.

Desde a formulação da lógica aristotélica, a verdade ou a validade do conhecimento

estavam universalmente submetidas ao princípio da não contradição, não podendo existir

nenhum outro dinamismo que fosse ao mesmo tempo A e não-A. A contradição era

sinônima de erro e incoerência de pensamento. Vivemos por longos séculos sob este

paradigma, de um universo linear e determinista, porém, com o desenvolvimento da física

quântica este axioma passou a ser modificado, concretizando nova evolução do quadro

lógico do conhecimento humano.

Conforme Gilbraz Aragão (2009),

É dentro desse quadro evolutivo que se compreende o “pensamento complexo” e a

sua “lógica transdisciplinar”, desenvolvida por Basarab Nicolescu. O

desenvolvimento da física quântica levou ao aparecimento de pares de

contraditórios mutuamente exclusivos (A e não-A): onda e corpúsculo,

continuidade e descontinuidade, separabilidade e não separabilidade, causalidade

local e causalidade global, simetria e quebra de simetria, reversibilidade e

irreversibilidade do tempo. Tais pares são mutuamente opostos quando analisados

através da lógica clássica e dos seus axiomas: identidade: A é A; não contradição:

A não é não-A; e o terceiro excluído: não existe um terceiro termo T (T de

“terceiro incluído”) que é, ao mesmo tempo A e não-A.

A formulação desta nova lógica deve-se em primeiro lugar as contribuições de

Stéphane Lupasco, importante filósofo romeno que desenvolveu a lógica da não-

contradição, onde o Terceiro Incluído (T) é ao mesmo tempo A e não-A, mais tarde

reforçada pelas contribuições de Basarab Nicolescu e os níveis de realidade.

Desta feita,

O pensamento de Nicolescu apoia-se na reflexão do filósofo e cientista Stéphane

Lupasco. Este, no livro L’expérience microphysique etlapensé e humaine, lançado

originalmente em 1941, formulou uma nova lógica, a partir do que a experiência

da microfísica permite revelar do pensamento humano. Para ele, fomos fortemente

marcados pela lógica clássica, com sua noção de objeto e o princípio de não-

contradição, que serviram de substrato epistemológico a toda reflexão científica

até o começo do século XX (ARAGÃO, 2009).

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Para NICOLESCU (1999) então, dois níveis de Realidade são diferentes em suas leis

e em sua lógica. Passando de um nível para outro, aquilo que antes era contraditório no

nível 1, pode ser unificado no nível 2 com o estado T, onde se faz possível a “coexistência

entre pares de contraditórios mutuamente exclusivos” (onda-corpúsculo, separabilidade-

não-separabilidade). E aqui passaremos a compreender melhor sobre o estado T.

Aos diferentes níveis de Realidade, estão associados diferentes níveis de percepção,

que nos capacitam a inteligência destes níveis,

Os diferentes níveis de Realidade são acessíveis ao conhecimento humano graças à

existência de diferentes níveis de percepção, que se encontram em correspondência

biunívoca com os níveis de Realidade. Esses níveis de percepção permitem uma

visão cada vez mais geral, mais unificadora, mais abarcadora da Realidade, sem

jamais exauri-la completamente (NICOLESCU, 2007).

O próprio NICOLESCU (2002, p. 51) propõe uma representação simbólica da ação da

lógica do Terceiro Incluído por meio de um gráfico, assim como vemos a seguir,

T

................................................................................Nível de Realidade 1

................................................................................Nível de Realidade 2

A não-A

De modo que, o estado T opera a unificação dos contraditórios, porém, em um nível

diferente de realidade. Assim,

O meio incluído é de fato um Terceiro Incluído. Se permanecermos em um único

nível de Realidade, toda a manifestação parece uma luta entre dois elementos

contraditórios. A terceira dinâmica, aquela do estado-T, é exercido em um outro

nível de Realidade, onde quilo que percebemos como desunido está de fato unido e

aquilo que parece contraditório é percebido como não contraditório

(NICOLESCU, 2002, p.51).

Ou seja, a concepção de níveis de realidade inaugura uma nova lógica, antagônica e

complementar à lógica aristotélica do princípio de identidade e não-contradição. A lógica

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transdisciplinar nos situa assim diante da possibilidade de encontrar em presença de dois

pares de opostos (A e não-A) um terceiro dinamismo, o do estado T, situado num outro

nível de Realidade; que é ao mesmo tempo A e não-A. Se na lógica clássica os pares

contraditórios eram vistos como um erro, nesta nova lógica “onda e corpúsculo”,

“continuidade e descontinuidade”, “separabilidade e não separabilidade” etc., nos dão a

entender que alcançamos uma camada mais profunda da Realidade, pois o estado T opera a

unificação dos contraditórios.

De fato, a matéria, como já defendia Max Planck16, é tão somente uma modalidade de

energia, mas existem outras. Um pensamento único, uma lógica binária, não pode dar conta

da infinita diversidade das manifestações da energia em nosso mundo, isto é incompatível

com a visão transdisciplinar. Apenas a lógica do Terceiro Incluído pode nos ajudar a

compreender o conjunto da realidade que nos cerca.

Estamos então diante de um novo paradigma para a Educação e o ER. Uma lógica

binária jamais poderá promover a conciliação dos opostos ou diferentes, mas o contrário

rechaça o pensamento único e segregador, favorecendo superar a totalidade hegemônica, a

indiferença e autossuficiência religiosa. Aqui não há espaços para julgar algo mais certo ou

mais verdadeiro, mas sim, espaços comuns de respeito, liberdade e paz entre todos.

Para NICOLESCU (1999, p. 121), aqui podemos falar de um novo Princípio de

Relatividade, onde outros pontos de vista são valorizados e reconhecidos como iguais.

Um novo Princípio de Relatividade emerge da coexistência entre a pluralidade

complexa e a unidade aberta: nenhum nível de Realidade é um lugar privilegiado a

partir do qual se possa compreender todos os outros níveis de Realidade. Um nível

de Realidade é o que é porque todos os outros níveis existem ao mesmo tempo.

Esse princípio de Relatividade é o que origina uma nova perspectiva na religião,

na política, na arte, na educação e na vida social. E quando a nossa perspectiva

sobre o mundo muda, o mundo muda. Na visão transdisciplinar, a Realidade não é

só multidimensional, é também multirreferencial.

Assim, a abordagem transdisciplinar nos propõe considerarmos a Realidade de modo

multidimensional, estruturada em múltiplos níveis, e não unidimensional, como fez no

pensamento clássico. Quando aplicada à prática do ER, este novo paradigma supõe que

16 Max Karl Ernst Ludwig Planck foi um físico alemão. É considerado o pai da física quântica e um dos físicos

mais importantes do século XX. Planck foi laureado com o Nobel de Física de 1918, por suas contribuições

na área da física quântica.

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nenhuma religião ou cultura se arrogue ter a última palavra ou ser depositária da verdade

absoluta. Por certo, muitas guerras e conflitos internacionais tiveram como base uma

ideologia religiosa. Já a lógica do Terceiro Incluído implica uma filosofia da liberdade e da

tolerância, do respeito e do reconhecimento da dignidade humana.

A diversidade religiosa sempre esteve presente na história humanidade, porém muitas

vezes foi negada, inclusive nos contextos escolares. A opção por uma nova lógica de

abertura e valoração da alteridade inaugura um tempo de paz, onde é possível operar uma

conciliação de contrários. Um ER pautado por esta prática favorece comportamentos mais

abertos e tolerantes por parte dos estudantes, valores mais que necessários em um país

plural e diversificado como o nosso. Por certo,

A diversidade é uma das marcas da vida social brasileira. Atualmente convivem,

no território nacional, mais de 200 etnias indígenas, uma marcante população

formada por descendentes de povos africanos e um grupo também numeroso de

imigrantes e descendentes de povos originários de diferentes continentes, tradições

culturais e religiosas. (OLIVEIRA, 2007, p. 19).

Realidade que não pode ser negada, mas assumida por um novo comportamento. E

esta é, por certo, a ideia de Edgar Morin (2002, p. 55), para quem,

[...] a educação do futuro deve ser responsável para que a ideia de unidade da

espécie humana não apague a ideia de diversidade e que a da sua diversidade não

apague a de unidade. Há uma unidade humana. Há uma diversidade humana. A

unidade não está apenas nos traços biológicos da espécie humana homo sapiens. A

diversidade não está apenas nos traços psicológicos, culturais e sociais do ser

humano. Existe também diversidade propriamente biológica no seio da unidade

humana; não apenas existe unidade cerebral, mas mental, psíquica, afetiva,

intelectual; além disso, as mais diversas culturas e sociedades têm princípios

geradores ou organizacionais comuns. É a unidade humana que traz em si os

princípios de suas múltiplas diversidades. Compreender o humano é compreender

sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso conceber a

unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno.

A lógica do Terceiro Incluído é então uma lógica de inclusão, ética, solidária e cidadã,

capaz de favorecer até mesmo o diálogo intercultural e inter-religioso, pois aqui uma

verdade não é adversária da outra. Modelos estreitos, fundados na rigidez dogmática,

passam a dialogar, assumindo uma atitude transreligiosa, que deverá ser compreendida da

forma adequada, como apresenta Basarab Nicolescu (1999, p. 63),

A atitude transreligiosa não está em contradição com nenhuma tradição religiosa e

com nenhuma corrente agnóstica ou ateísta, quando essas tradições e correntes

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reconhecem a presença do sagrado. Na verdade, a presença do sagrado é a nossa

transpresença no mundo. Se fosse difundida, a atitude transreligiosa tornaria

impossível qualquer guerra religiosa.

Enfim, os três pilares da transdisciplinaridade podem contribuir com a efetivação

plena do ER na escola secular, uma vez que se pauta por uma epistemologia científica que

favorece a alteridade e a pluralidade de visões. Isto vai além de um respeito ou diálogo entre

as tradições religiosas, antes tem a ver com um diálogo fecundo entre os saberes da ciência

e da tradição, o que pode enriquecer o próprio conhecimento humano. E mesmo aqueles que

não confessam credo algum, também devem aprender a relação com o Outro sem reduzi-lo a

si. É preciso compreender o outro em sua diferença, em sua impossibilidade de dominação,

não enquanto alter-ego.

6) Ensino Religioso e a Legislação da Educação no Brasil:

Desafios e Perspectivas

Iniciamos este capítulo discorrendo sobre um fator conflitante: Como colocar em

prática as teorias até aqui estudadas no chão da escola pública?

Ao longo desta pesquisa estamos tratando (e ainda trataremos) sobre a importância da

transdisciplinaridade, da transreligiosidade, do pluralismo religioso, do Ethos, cujos

conceitos articulados dentro do modelo das Ciências da Religião constituem-se um desafio

inovador a ser explorado no currículo escolar das escolas públicas no Brasil em busca de

uma educação para a tolerância, o respeito, a paz e a formação cidadã. Entretanto, como

empregar essa proposta de forma concreta no cotidiano das escolas públicas? Esta

problemática é de natureza curricular, ou formativa, ou das instituições de ensino superior,

ou de políticas Municipais e Estaduais? Ou estas questões se complementam? Esta é uma

interessante questão para refletirmos nas próximas linhas.

O ano de 2010 é considerado o ano brasileiro do ER e, portanto, o ano celebrativo das

iniciativas, das pesquisas, congressos, simpósios, seminários, teses, publicações que

buscaram e buscam a estruturação curricular desse ensino e seu status quo de componente

curricular. São experiências louváveis e significativas do ponto de vista acadêmico,

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pedagógico e institucional. As legislações estaduais e municipais que o regulamentam

enquanto componente curricular a partir da Lei n° 9.475/97 é um dado significativo.

Portanto, é de conhecimento de todos que o acompanhamento na

implantação/implementação desse componente curricular nos sistemas de ensino e das

propostas dos cursos de licenciatura (para formação dos professores de ER), é de

competências dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação. Ou seja,

mesmo com as legislações vigentes, com os PCNER, com as proposições das Diretrizes

Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (Resolução CNE/CEB nº 2/98), com as

novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (Resolução CNE/CEB

nº 4/10), reconhecendo o ER como área de conhecimento, contudo, tais determinações

legais formuladas e estabelecidas nos citados documentos ainda não foram efetivamente

implementadas no Brasil.

Embora a efetivação desse ensino esteja respaldada no contexto escolar pela

legislação educacional, o ER está incluído e excluído ao mesmo tempo. Incluído como

disciplina dos horários normais e área de conhecimento das escolas públicas de educação

básica; e excluído quando mencionado de matrícula facultativa tanto na Constituição

Federal de 1988 como na Lei nº 9.475/97.

Assim, no campo jurídico não são poucos os estudiosos que afirmam que o Brasil tem

uma legislação muito bem elaborada, rica em detalhes e bastante qualificada em termos de

princípios e concepções de sociedade e de ser humano. O grande problema, em síntese, diz

respeito ao campo de sua aplicação. Há dificuldades para normatizar a operacionalização

das leis e, quando esse passo está vencido, os desafios permanecem no campo da aplicação

propriamente dita e da supervisão sobre a aplicação. Esse é, entre outros, um dos problemas

enfrentados pelo ER, considerando-se, ainda que mencionado no art. 210 da Constituição

Federal (BRASIL, 1999), e, portanto, assegurado de antemão, que ele depende das

legislações dos Sistemas Estaduais e Municipais de Educação e, ainda, das possibilidades

reais de exequibilidade, tais como docentes capacitados, orientações dos sistemas de ensino

para as escolas, absorção das horas-aulas na composição dos horários, e outros. Em paralelo

ocupam o mesmo espaço os interesses políticos, os órgãos de classe, as formas de gestão da

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escola, as questões corporativas e inúmeros outros elementos que compõem a sociedade

civil e escolar.

Não obstante a problemática já mencionada de operacionalizar, por em execução,

nossa legislação, há outro antagonismo de cunho político que impôs (e impõe) dificuldades

para efetivar no chão das escolas públicas nossa proposta teórica articulada nesta pesquisa

para o ER: o Acordo com a Santa Sé.

Entre as várias situações enfrentadas, no final do ano de 2008, segmentos da

sociedade civil brasileira, envolvidos com a temática do ER e, mais especialmente, a

comunidade acadêmica (professores de ER, teólogos, cientistas da religião e lideranças das

diversas Tradições Religiosas) foi surpreendida pelo ato do Exmo. Presidente da República

do Brasil, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva que, em visita à Itália, assinou um Acordo com a

Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, o qual trata, em seu art.

11, de um reposicionamento do governo frente à questão do ER, já amplamente legislado

desde 1997, com a assinatura da Lei n° 9.475/97.

Sobre esse fato, primeiramente, o Acordo atropela e ignora a legislação existente, não

a reconhecendo como elemento norteador das ações da escola no campo do ER. É como

legislar sobre o já legislado, supondo-se que os gestores das escolas desconhecem a Lei e,

pior que isso, ignoram sua importância constitucional como garantidora dos direitos

individuais dos alunos. Para melhor entender a situação do Acordo em seu art. 11, faz-se

necessário retomar os princípios argumentativos que nortearam a discussão na década de

1990 e que foram preservados na legislação de 1997, e não considerados pelos formuladores

do Acordo.

O texto do art. 11 do Acordo está pautado em um princípio argumentativo doutrinário

desconsiderando a concepção multicultural como determinante da vida societária brasileira.

Isto é: historicamente, a cultura nacional tem se notabilizado por ser includente, receptiva,

acolhedora nas diferenças, em permanente processo de auto-organização, caracterizando-se

também por uma prática popular religiosa, estabelecida e reconhecida como constitutiva da

personalidade de base do povo brasileiro. Essa é a religiosidade estabelecida pela prática.

As questões doutrinárias não têm sido o eixo principal da discussão realizada no âmbito da

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escola, embora estejam contempladas em um dos cinco eixos dos Parâmetros Curriculares

Nacionais para o Ensino Religioso. Trazer essa questão, conforme disposto no art. 11 do

Acordo, é remeter novamente o problema para o contexto da Igreja, saindo, pois, do campo

das Ciências da Religião e do cotidiano da prática escolar.

Em segundo lugar, o art. 11 do Acordo é desnecessário, pois o texto da Lei n°

9.745/97 é claro, objetivo, e resultou de muita discussão acumulada entre os poderes

públicos e os representantes legítimos da escola e das diversas tradições religiosas. Voltar a

ele, pois, não se justifica, porque não há qualquer sinal claro de que precise ser revisto,

considerando-se que nenhum processo avaliativo foi realizado desde a promulgação e a

aplicação da Lei.

O momento agora não é de retornar a essa questão, ao contrário, é de avançar,

afirmando as necessidades já evidenciadas: criar cursos de Licenciatura em Ensino

Religioso em todo o território nacional e, por consequência, reconhecer a profissão de

professor de ER, além de buscar a integração dos sistemas de ensino, em nível municipal e

estadual, garantindo que as práticas previstas em Lei sejam materializadas através de

medidas orgânicas e funcionais.

No ER previsto no art. 33 da LDBEN nº 9.394/96 não se encontram conteúdos de uma

determinada religião ou confissão religiosa, isto é, o ER escolar não pode ser confessional.

O fundamental é a discussão sobre a importância da religiosidade e do fenômeno religioso

na vida das pessoas e das sociedades. O § 1º do art. 11 do Acordo, ao contrário, ao anunciar

um ER “católico e de outras confissões religiosas”, limita sua abordagem e centraliza no

cristianismo o viés de abordagem da problemática, retroagindo ao espírito da Lei nº

5.692/71, já superada e, portanto, revogada, em razão da nova fonte legal aprovada em

1996.

Atualmente no Brasil vivemos um imbróglio político, uma controvérsia de lei, cuja

polêmica traz um entrave no que tange a implementação do ER no modelo das Ciências da

Religião nas escolas públicas. A problemática se dá porque a despeito dos avanços que o

FONAPER já promoveu para a inserção do atual modelo epistemológico fixados no PCN,

esbarramos em projetos de leis estaduais que problematizam, relativizam, não permitem

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criar um consenso para o estabelecimento de um único modelo epistemológico desta

disciplina (ER).

Vê-se na sociedade brasileira (por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro) o

ressurgimento de uma questão que envolve o Estado e a religião, cuja temática sempre foi

extremamente sensível. O ex-governador Anthony Garotinho, em sua gestão, promulgou a

lei 3459 em 14 de setembro de 2000 regulamentando a implantação do ER confessional na

grade curricular das escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, ignorando os marcos

estabelecidos primeiramente pela Constituição de 1988, em seguida pela LDB (Lei de

Diretrizes e Bases da Educação) na nova LDBN nº. 9.394, alterada em seu artigo 33, de 25

de julho de 1997 que contempla a diversidade religiosa e veta o uso do proselitismo,

avançando do modelo de ER confessional para a modalidade das Ciências da Religião. Ou

seja, os avanços na área do ER visando superar questões conflitivas entre Estado e religião

desde a instauração da República, onde ao invés da educação ser religiosa, deve ser laica, se

viu novamente em debates e tensões.

A questão debativa que se impõe para nossa reflexão é: Os Estados modernos apelam

à constituição de leis que garantem a laicidade, à promoção do desenvolvimento ético-

cidadão dos alunos nas escolas públicas, à alteridade no diálogo inter-religioso, como

fundação ideológica da sua existência. Ao mesmo tempo é preparado para infringir um ou

todos destes princípios no interesse da auto-preservação.

Assim, percebe-se que o maior obstáculo para empregar o que em nossa pesquisa

estamos apontando, de forma concreta no chão das escolas públicas, é de natureza política.

A não exequibilidade, portanto, se dá porque não há interesse político em investir na

Educação. De modo que se pode elaborar a melhor e resolutiva proposta teórica para o ER,

mas em nada adianta se não conseguirmos aplicá-las na dimensão concreta das escolas

públicas. Esbarramos, por assim dizer, em uma questão governamental. Deste modo,

ressaltamos que nosso trabalho nesta dissertação é apenas elaborar uma proposta teórica que

objetiva mostrar um projeto curricular no ER que julgamos significativo para a construção

da uma cultura de paz, convívio e respeito, bem como a formação cidadã no Brasil.

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Por fim, pode-se dizer, também, que outro problema que deparamos para a execução

do ER no viés das Ciências da Religião no chão das escolas públicas, se dá porque cada

escola possui seu projeto pedagógico. Ou seja, cada escola é jurisdicionada por seu projeto

pedagógico, cada qual possui intencionalidades e ênfases particularmente definidas a partir

de seus objetivos e planos pedagógicos.

Considerações Finais

Neste capítulo objetivou-se elucidar os conceitos da transdisciplinaridade e

transreligiosidade para apresentar a importância e a pertinência de uma nova episteme, que

contempla o pensamento complexo em seus variados campos, incluindo o ER, objeto de

nosso estudo neste trabalho. Assim, considerando os apontamentos estudados neste capítulo

que culminou na máxima da lógica do Terceiro Incluído, pode-se observar a possibilidade

de novas perspectivas para o ER nas escolas públicas no Brasil.

Salvo os imbróglios políticos e as controvérsias de lei as quais vimos que apresentam

dificuldades para colocarmos o modelo das Ciências da Religião com interlocuções na

transdisciplinaridade e transreligiosidade em prática no cotidiano das escolas públicas no

Brasil, os assuntos deste capítulo podem ajudar a lançar luz para avançarmos em nossa

proposta teórica que objetiva apresentar um projeto curricular para o ER significativo na

formação cidadã no Brasil e para uma cultura de paz, convívio e respeito a partir de uma

ética civil global influenciada pelos valores do pluralismo religioso; cujos assuntos serão os

elementos do terceiro capítulo.

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CAPÍTULO 3: O ENSINO RELIGIOSO DIANTE DO

PLURALISMO RELIGIOSO E DA ÉTICA MUNDIAL

“Mostra-te menos absoluto em teus julgamentos,

nem te acredites o único detentor da verdade”

(Sófocles, Antígona)

Introdução

Até aqui foram analisadas as tipologias de ER no Brasil ao longo da história em suas

respectivas cosmovisões: o Modelo Catequético, o Modelo Teológico e o Modelo das

Ciências da Religião. Foi possível avaliar o modelo das Ciências da Religião como o mais

adequado em termos de metodologia e conceituação para a formação de docente nas escolas

públicas brasileiras, assim como sua utilidade quanto a aplicação pedagógica para a

formação cidadã numa sociedade cada vem mais plural. Vimos, igualmente, os aspectos da

transdisciplinaridade e transreligiosidade e sua importância para a conceituação de novas

perspectivas para o ER nas escolas públicas que aponta para uma epistemologia complexa,

uma inteligência geral, uma democracia de ideias, também necessárias ao contexto global

complexo do nosso tempo.

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Este capítulo, no entanto, pretende mostrar a relevância do ER nas escolas públicas

para a formação da paz e cidadã diante da pluralidade cultural e religiosa em nosso

contexto. Para isto analisaremos aspectos do pluralismo religioso presente na sociedade

brasileira e suas múltiplas representações culturais e éticas, aspectos da globalização, e

ethos como patrimônio da diversidade religiosa e cultural da humanidade.

Basicamente alguns passos serão dados neste momento. Inicialmente será realizada

uma descrição das múltiplas representações religiosas nas ambiências escolares. Será

conceituado brevemente o que é o pluralismo religioso, seu valor e sua inevitabilidade no

contexto brasileiro. Posteriormente veremos aspectos sobre a globalização e a pluralidade

religiosa, onde perceberemos que ser humano é existir numa multiplicidade de

possibilidades, dimensões e visões da realidade. Será observado que o pluralismo está

presente de muitas formas e nas mais diversas áreas da vida (pluralismo econômico,

político, ético, teológico, cultural). Neste sentido, o ER pode se constituir num acesso social

relevante para articular essas pluralidades dentro do contexto de uma ética global que

estimula a promoção da cidadania, o respeito e convívio pacífico, tendo em vista que no

quadro sociorreligioso há fortes sinais de conflitividade e violência. Por fim, será exposto o

ethos como um legado (espaço-lugar-tempo) da diversidade cultural-religiosa e a

importância do ER na perspectiva do ethos.

1) Pluralismo Religioso e Teologia

Mais do que a convivência pacífica na sociedade, o ER poderia levar seus alunos/as à

valorização e ao respeito pelo Sagrado presente nas diferentes religiões. Mesmo diante do

antagonismo presente entre as religiões, o ER pode estimular a descoberta da face de um

mesmo Deus presente em todas elas.

O ER, uma vez situado no horizonte da teologia do pluralismo religioso, promove o

enriquecimento da compreensão das diferentes expressões de divindade. Partindo dessa

perspectiva, Deus assume um rosto plural e diverso. Essa contribuição permite uma grande

riqueza cultural e teológica para os educandos/as. É preciso que tenhamos um bom

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entendimento sobre o que seja essa teologia do pluralismo religioso, que serve de

fundamento epistemológico para a disciplina escolar de ER.

1.1) Globalização e pluralidade religiosa

O processo de globalização está provocando uma profunda e talvez definitiva

mudança no mundo todo. Processo este que criou rede de comunicações instantâneas e fez

nosso mundo encolher (WILFRED, 2002, p.33). Entretanto, a facilidade de comunicação e

o acesso das culturas entre si não tendem a convergir numa cultura mundial universalizada,

mas, sim, fazer surgir um cenário para a expressão de diferenças (PRANDI, 1997, p. 68). É

o que sugere o sociólogo Reginaldo Prandi: “Se, de um lado, estão em curso processos de

integração cultural no plano global, de outro a situação vem tendendo ao pluralismo”

(PRANDI, 1997, p. 68). Daí o apontamento nessa pesquisa quanto a pertinência e a

importância do ER nesse contexto plural e globalizado.

O ocidente tem sentido fortemente o impacto do pluralismo, como também de duas

outras correntes coexistentes na pós-modernidade, que perfazem o trio de embate:

globalização/pluralização/secularização. A secularização é uma consequência direta da

pluralização, que só se toma efetiva e nos atinge de forma significativa em nível de

globalização. Como muitos se tornaram os representantes religiosos devido à pluralização

trazida pela globalização, a secularização passou a ser, então, uma tentativa de desvincular o

poder político e social da religião. Principalmente porque a opulenta diversidade não mais

permitiria que o domínio político ficasse em detenção de uma única religião ou confissão

religiosa.

Desde o advento da cultura moderna, o modelo pluralista tem causado uma grande

mudança no pensamento do ocidente, até então norteado principalmente pela religião. O

pluralismo secularizou a sociedade e, desta forma, “diversas religiões podem coexistir

porque a ordem social e a política não precisam da religião para legitimar-se e fazer-se

respeitar” (OLIVEIRA, 2002, p.18).

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A partir destas mudanças ocorridas e em processo, pode-se ter ideia do impacto da

pós-modernidade sobre a religião (mais especificamente o cristianismo no ocidente) como

até hoje conhecida17. Porém, muito mais do que apenas a influência da pós-modernidade, o

pluralismo é primeiramente “uma condição existencial do ser humano ― existimos em uma

realidade múltipla e complexa de cores, diversidades e dimensões que constituem a própria

natureza de um modo geral. Ser humano é existir numa multiplicidade de possibilidades,

dimensões e visões da realidade” (SCHOCK, 2012, p. 49). O pluralismo está presente de

muitas formas, em muitos lugares. Há o pluralismo como parte da economia e da política,

da ciência e da ética, da cultura e da religião. Ser humano é ser plural. Assim, o ER se

constituiu num instrumento social importante na possibilidade da construção de uma ética

global e formação da cidadania.

Devido à estreita relação com a cultura, o fator religioso do pluralismo precisa ser

estudado e compreendido a partir de suas raízes histórico-filosóficas e o contexto social e

ideológico de onde emerge. De outra forma, a expressão religiosa pode ser deslocada do seu

eixo identitário, deixando-a, assim, até mesmo desprovida de significação, sem razão de ser

e sem explicação para quem, de fora para dentro, procura compreender determinada

expressão religiosa. Por isto, uma atitude simplista para com esta realidade não levará a uma

compreensão satisfatória. Deste modo, cabe ao ER mais uma atitude sensível à pluralidade,

consciente da complexidade sócio-cultural da questão religiosa, se quisermos, de alguma

forma, compreendê-la.

E para fins pedagógicos, esclarecedores e norteadores em nossa pesquisa, vale

conceituar o que se compreende por pluralismo religioso. Consideramos, pelo menos, três

visões convergentes: A primeira entende o pluralismo religioso como “o grande número de

expressões e crenças religiosas existentes [...], que se mantém vivas como expressão e

manifestação de fé de um determinado grupo de pessoas” (BOBSIN, 2002, p. 22). Ou, a

ideia do pluralismo religioso que está relacionada “à necessidade que o ser humano tem de

atribuir sentido à sua vida” (OLIVEIRA, 2002, p. 18). Por último que “a pluralidade de

17 Apesar de que este quadro não esteja perfeitamente definido, no sentido de estarmos vivendo aspectos da pós-

modernidade, estando ainda ligados à era moderna (há quem diga que ainda estamos em plena modernidade

com apenas tendências pós-modernas – MARTINS, 2002), muito no cenário mundial está mudado ou

mudando. A insegurança gerada no mundo religioso devido a este processo de mudança é justificável.

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religiões pode ser inclusive compreendida como consequência da liberdade humana e da

diversidade do ser humano na busca de uma resposta ao impulso divino [...]” (PIVA, 1996,

p. 14.).

O pluralismo religioso, em seus vários aspectos, pode ser abordado a partir de duas

perspectivas fundamentais:

[...] primeiramente, o pluralismo religioso na perspectiva sociológico-

antropológica se apresenta como realidade histórica e cultural que condiciona e dá

legitimidade a vários aspectos da realidade social e individual da vida humana. A

religião aparece dentro desta perspectiva como o coração da cultura. Ela oferece à

visão do mundo a questão do sentido último e ao ethos sua motivação mais

profunda. E age sobre a pessoa semelhante aos padrões culturais. Em segundo

lugar, o pluralismo religioso como enfoque teológico se apresenta como busca do

transcendente, da divindade, do sagrado que dá significado e responde as questões

fundamentais da existência humana, presente nas várias tradições religiosas. Nesta

procura de ‘unidade na diversidade’, há um reconhecimento de que em todas as

religiões se aspira por uma Realidade Última, que está além dos limites da história,

que possa conceder libertação ou salvação para os diversos males da condição

humana (SCHOCK, 2012, p. 50-51.).

O ser humano sempre procurou uma expressão, uma afirmação religiosa, algo em que

pudesse fundamentar sua vida, mesmo que a isto ele não chame de religião. Ele procura por

algo que não seja tão mutável, algo que lhe possa dar alguma certeza, alguma referência ao

absoluto. Nesta busca ele precisa descobrir o que é suficientemente bom para ele e, por

questão de identidade, ele procurará o que é o melhor ― o que ele julga ser o melhor, o

certo, o absoluto. No pensamento do mundo pós-moderno, o que se tornou fator

diferenciador na mente daqueles que já o assimilaram é que “o que é plural não pode ser

estruturado numa sequência evolucionária, ou ser visto em estágios inferiores ou superiores;

nem pode ser classificado como ‘certo’ ou ‘errado’” (SCHOCK, 2012, p.52) ― para o

pluralismo/pluralista não é mais uma questão de ser melhor ou pior religião, mas, sim,

questão de ser apenas mais uma expressão religiosa entre tantas.

É ainda relevante mencionar que há uma preocupação de que o pluralismo tenha

intenção, ou que, mesmo não intencionalmente, venha a dar vazão a uma corrente de

pensamento que busque através de elementos como a equiparação das religiões transformá-

las numa só religião mundial (este mesmo temor já foi verificado quanto à cultura diante da

globalização). No entanto, ao mesmo tempo surge a preocupação por parte de alguns

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pensadores em delinear alguns traços do pluralismo, contrários a este temor. Segundo

Eduardo Rosa Pedreira, o pluralismo não tem o interesse de “fundir as diferenças inerentes a

cada religião em um pacote multirreligioso” (PEDREIRA, 1998, p. 123). SCHOCK

descreve que a “Pluralidade não deve ser confundida com formas de sincretismo que

combine as diferenças históricas e culturais das religiões para que seu centro comum possa

ser institucionalizado” (SCHOCK, 2012, p.52). E, para Elói Dionísio Piva, “a pluralidade

das religiões não é de fato um fenômeno que deve desembocar necessariamente numa

religião única” (PIVA, 1996, p. 14). Dado esses panos de fundo, podemos observar o quanto

o ER pode ser salutar nas escolas públicas, quando utilizado numa epistemologia

fenomenológica (modelo das Ciências da Religião), perpassado por uma fundamentação

transdisciplinar, em diálogo com a teologia do pluralismo religioso, através da prática

transreligiosa, por uma ética global, objetivando a cidadania, a tolerância, o respeito, a paz e

o convívio harmonioso nesse atual contexto social globalizado e plural.

1.2) Teologia do Pluralismo Religioso

A teologia do pluralismo religioso é uma resposta oportuna diante de inúmeros

conflitos e tensões com motivação religiosa presentes nos dias atuais. Ela mais se aproxima

do nosso interesse na construção de uma teologia do ER. Essa teologia emerge a partir do

diálogo inter-religioso. A afirmação da Divindade, do Sagrado, do nome de Deus, serve de

fundamento na busca da união de todas as religiões no serviço da promoção da paz e da

justiça no mundo; e, em tempos de crise ecológica e aquecimento global, da preservação da

natureza (TEIXEIRA, 1995, p. 59).

Nessa perspectiva teológica, o diálogo assume um importante papel. O diálogo é, em

primeiro lugar, uma atitude e, posteriormente, um método. Ele permite o reconhecimento da

alteridade e da reciprocidade da outra religião. A postura de diálogo parte do pressuposto de

que seus agentes estão em um plano de igualdade. Não há privilégios e nem concessões.

Todos se reconhecem como filhos/as de um mesmo Deus. Portanto, a teologia do pluralismo

religioso pede que se vá além do diálogo a fim de que todas as religiões se empenhem em

um efetivo serviço à humanidade. Ela pede um compromisso social para a vida planetária.

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Resgata a força ética das religiões para a promoção da paz e do bem entre os seres

humanos18.

Essa visão teológica enfoca as diferentes tradições religiosas em uma perspectiva de

unidade e comunhão. Não se trata de uma visão fragmentada das religiões, mas de uma

interconexão entre as partes. Uma religião não é compreendida isolada da outra. Essa é a

beleza desse novo paradigma teológico. O diálogo é possível, mas mais que isso, a

fraternidade, a ética mundial é possível. Assim, no ER, esse ambiente de liberdade se torna

imprescindível para o estudo, respeito e apreciação das diferentes religiões no ambiente

escolar e também fora dele.

Na teologia do pluralismo religioso o diálogo torna possível porque uma verdade (seja

ela religiosa, ética, cultural, social, etc.) não é compreendida isolada de outras verdades. Ou

seja, o que estamos indicando, em outras palavras, é que a busca desenfreada e angustiada

pela verdade, tende a criar fundamentalistas; isso porque uma vez que se se imagina ter

descoberto a verdade ― seja a verdade religiosa, ou política, ou existencial, ou de qualquer

natureza ―, de alguma maneira o individuo se sente em superioridade àqueles que não a

descobriram; e a partir daí, mesmo que seja nominalmente por amor, ou por

fundamentalismo assumido, se tenta de alguma forma colonizar o outro e fazer com que o

outro descubra a verdade, cuja verdade, é claro, é aquela imaginada ter sido descoberta pelo

fundamentalista. Todavia, ainda que os indivíduos compartilhem da mesma visão, a mesma

religião, as mesmas crenças, as mesmas filosofias, os mesmos símbolos, a mesma fé, no

entanto, ainda assim haverá distinções entre as pessoas; existirão diferenciações entre a

verdade de um indivíduo em relação à verdade do outro. Ao passo que, dois indivíduos,

podem ter em comum a crença na mesma expressão de fé, ter a mesma religião, o mesmo

partido político, a mesma filosofia, contudo, ao caminharem com convívio cotidiano, as

diferenças e disparidades se manifestarão ― os casais o sabem muito bem! ― Esse

fenômeno não acontece porque a verdade de um individuo seja melhor ou pior em relação

18 São teólogos do pluralismo religioso: John Hick, Paul Knitter, Raimundo Panikkar, Hans Küng, Julio de Santa

Ana, Claude Geffré, André Torres Queiruga, Roger Haight, Jacques Dupuis, José Maria Vigil, entre outros.

Para uma visão geral da teologia do pluralismo religioso sugerimos uma investigação sobre as obras: “A

Teologia das Religiões em foco: um guia para visionários”, de Claudio de Oliveira Ribeiro e Daniel Souza

(Paulinas 2012); e “Teologia das Religiões”, de Faustino Teixeira (Paulinas, 1995).

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ao outro, mas porque cada cidadão é um ponto de vista; tudo o que um indivíduo vê, ele o

vê a partir da perspectiva de sua cosmovisão; ele é o mundo; ele é um ponto de vista; ele é a

vista de um ponto; o ponto é ele. E é deste ângulo que o individuo alimenta o seu olhar, o

seu entendimento, a sua interpretação daquilo que ele próprio, no fim das contas, chamará

de verdade.

Portanto, mesmo que a verdade do indivíduo A seja assimilada pelo indivíduo B, o

qual considere que essa verdade faça sentido para ele, ao entender assim, essa verdade do

indivíduo A se adaptará a verdade do indivíduo B, porque a sua verdade tem a ver com a

sua história, com o seu caminho, com as suas impressões, com a sua cultura, com a

geografia onde ele nasceu, com os pais que o criaram, com a educação que ele teve, com os

significados que ele projetou nas experiências que ele teve durante a vida, portanto, é

inteiramente dele, é o seu olhar, é a sua construção, é a sua perspectiva, é o seu ponto de

vista.

Assim, o entendimento de que a verdade é algo absolutamente relativizado (incluindo

aqui a verdade religiosa), pode promover grande liberdade para o ER escolar. Nesse viés,

defendemos a ideia de que o a teologia do pluralismo religioso pode se configurar num

método adequado no contexto do ER nas escolas públicas na atual configuração social no

Brasil. Consideramos que parte dos processos de intolerâncias, desrespeitos, aviltamentos,

alienações, etc., que tanto são promovidos, nascem dessa perspectiva (verdades

absolutizadas), onde ainda hoje, grande parcela dos indivíduos que constituem a sociedade

concluem que descobriram a verdade, e ao pensar que descobriram a tal verdade, iniciam os

movimentos de tentativa de colonização do outro. Deste mote nascem os proselitismos e os

fundamentalismos religiosos; são as verdades com suas tonalidades, suas variações, suas

interpretações, tentando se impor sobre o pensamento do outro.

Contudo, esse novo paradigma teológico apresenta a proposta de que o indivíduo anda

em liberdade e ele cresce quando a sua verdade se soma a do outro numa relação

interpessoal; e mesmo que as verdades sejam, a priori, absolutamente antagônicas entre si,

há nelas componentes que podem agregar cada indivíduo e fazer com que suas verdades se

expandam, ampliem.

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Ademais, a ideia da teologia das religiões é de que a consciência não é um movimento

individual, como se o cidadão por adquirir maior conhecimento esteja mais “consciente”.

Pelo contrário, a compreensão é de que a consciência é um movimento coletivo. Por

exemplo: Alguém, isolada e individualmente, sabe menos; por isso, inclui o outro; e ao

incluir o outro eles passam a saber mais. Consequentemente, não sou eu, somos nós, e o nós

expande a nossa possibilidade de entendimento (embora, individualmente, jamais os seres

humanos cheguem a um entendimento pleno da verdade; porque a mente humana individual

é fragmentada; cada ser humano vê através da cronologia do tempo – do seu tempo – ; todo

indivíduo se baseia, se limita, pelo tempo, pelo espaço. Isto posto, como alguém pode dizer

que sabe a verdade?).

O que discorremos no parágrafo acima é o conceito de alteridade. É ser capaz de

apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua

diferença. Aqui entra a perspectiva da generosidade. Só existe generosidade na medida em

que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim. Então sou capaz

de entrar em relação com ele pela única via possível (posto que se tirar essa via, caio no

colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como sou) a via do amor, se

quisermos usar uma expressão evangélica; a via do respeito, se quisermos usar uma

expressão ética; a via do reconhecimento dos seus direitos, se quisermos usar uma

expressão jurídica; a via do resgate do realce da sua dignidade como ser humano, se

quisermos usar uma expressão moral. Ou seja, isso supõe a via mais curta da comunicação

humana, que é o diálogo e a capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de

vida e da sua interioridade.

Não obstante suas vantagens, a teologia do pluralismo religioso apresenta uma série

de questionamentos às religiões. O primeiro deles se dirige à teologia enquanto tal, isto é, à

fé religiosa de uma determinada denominação. O exclusivismo sai de cena para dar lugar a

uma postura mais humilde diante das outras religiões. Todas as religiões são iguais,

verdadeiras, reveladas e fundadas por um mesmo Deus ou Divindade (QUEIRUGA, 1997,

p. 59). O ER contempla as dimensões da pluralidade e diversidade religiosa presentes em

nossa sociedade. A Igreja Católica Romana no Brasil, por exemplo, mesmo com suas

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contradições internas, afirma a configuração pedagógica do ER como algo que se distancia

da catequese.

Há grande preocupação em estabelecer a identidade do Ensino Religioso escolar,

distinto da catequese, principalmente nas escolas da rede oficial, frente ao

pluralismo de crenças dos alunos/as, das famílias e dos professores/as. Nota-se

também uma busca de precisão nos seus objetivos, métodos, conteúdos e

linguagem que permitam um referencial básico a fim de que os temas não sejam

apresentados de forma vaga, neutra, imprecisa ou confusa, sob pretexto de atender

à pluralidade de religiões dos educandos/as (CNBB, 1992, n.º42).

A preocupação com uma teologia que responda à configuração do ER como disciplina

escolar na rede pública de ensino emerge do fundamento epistemológico da disciplina. Os

estudos e pesquisas sobre a identidade pedagógica do ER prosseguem. O perfil pedagógico

parece mais claro. A prática se distancia da catequese. Aliás, realizar catequese na escola

pública seria uma transgressão da lei, e, portanto, ocasionaria crime, uma vez que contraria

o dispositivo legal que proíbe o proselitismo religioso na escola pública.

Uma teologia do ER se apoia no teocentrismo do pluralismo religioso atual. É preciso

afirmar Deus como Pai/Mãe da humanidade e de toda obra da criação. Desse modo, o nome

mais utilizado entre as religiões para expressar reverência à Fonte originária de todo ser, ou

seja, Deus, é Senhor. Dizer que Deus é o Senhor, não significa afirmar uma imagem

autoritária, patriarcal e machista de Deus. Um dos sinônimos para o termo Senhor, pode ser

Abbá, expressão utilizada por Jesus para chamar Deus carinhosamente de Pai.

Aplicado a Deus, Senhor quer dizer Criador do Céu e da Terra porque tirou todas

as coisas do nada para serem expressões de sua superabundância de vida e de

amor. Pelo fato de ser Criador, Deus sempre está presente em cada coisa, em sua

raiz mais íntima. Se, por absurdo, suspendesse por um momento sua vontade

criadora, todos os seres voltariam ao nada (BOFF, 1999, p, 24).

Na configuração de uma teologia para o ER não há que se insistir em uma imagem já

superada de Deus. O Deus “Todo-Poderoso”, da “onipotência arbitrária” é deixado de lado

para que o Deus do amor “ágape”, da “compaixão” e da “misericórdia” tome o seu lugar.

Deus tem muitos nomes e é celebrado através de vários cultos nas diferentes religiões. Na

Bíblia, Deus é chamado com o nome hebraico de Javé, na versão grega é Kyrios, que quer

dizer Senhor. Um mesmo Deus, com nomes e expressões diferentes. No livro sagrado dos

cristãos/as, Deus, sobretudo no Antigo Testamento, possui vários nomes: Javé, El, El

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Shadai, Elohim, Asherá, Goel, entre outros. Isso nos dá margem para defender um

politeísmo na própria Bíblia. Deus possui formas e teologias diferenciadas na Sagrada

Escritura.

O nome Senhor impõe respeito. Tem forte sentido político. No Brasil, por muito

tempo, vigorou a política dos senhores de engenho e dos coronéis. Eles foram senhores em

nossas terras. Deixamos claro que chamar Deus de Senhor não tem mais esse sentido. O

problema é re-significar esse conceito. Não desejamos que a relação senhor/escravo, seja

transferida para o relacionamento entre Deus e a humanidade. No sentido que defendemos,

afirmar o teocentrismo no pluralismo religioso, e particularmente no Brasil, considerando a

tradição teológica latino-americana, é defender uma nova ordem política e social em nosso

país.

Há uma luta entre os vários senhores no mundo para ver quem é mais senhor.

Entretanto, as pessoas religiosas de todos os credos negam o título de “senhor” a

esses pretensiosos títeres dos povos. Em nome do verdadeiro Senhor do Céu e da

Terra, desmascaram-nos como falsos senhores, porque seu poder se constrói à

custa do empobrecimento das grandes maiorias e da pilhagem sistemática dos

recursos da Terra. Numa perspectiva global, são mais produtores de morte que de

vida (BOFF, 1999, p. 25).

Afirmar o primado de Deus entre as religiões significa promover a reconciliação e a

fraternidade entre os seres humanos. Mais ainda, significa rejeitar o projeto dos destruidores

da obra da criação, e se empenhar em um projeto de libertação integral do ser humano.

Trata-se de uma re-fraternização da humanidade. Isso não significa a eliminação das

diferenças, mas a comunhão íntima e o profundo respeito entre as religiões (QUADROS,

2004, p.73-86).

Os grandes mestres espirituais como Buda, Moisés, Cristo, Krishna e outros eram

tidos como senhores pelos discípulos e pelas multidões. Entretanto, eles se

consideravam simples servos de Deus e de toda a criatura humana. Essa atitude de

serviço que rompe barreiras e que inclui a todos traz como efeito a paz, a paz

verdadeira que todos ansiamos (BOFF, 1999, p. 26).

Uma nova imagem de Deus será construída, considerando a teologia da criação e do

pluralismo religioso. Essa imagem de Deus será rica, diversa e promoverá a comunhão entre

as diferentes religiões.

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2) Ensino Religioso e Ética Mundial: a formação para a paz

Vimos na primeira parte deste capítulo que o pluralismo religioso é capaz de

promover o enriquecimento da compreensão das diferentes expressões de divindade num

contexto social cada vez mais plural, globalizado e secularizado. Nesse viés, nos ocupamos

em compreender o que consiste a teologia do pluralismo religioso para avaliar sua utilidade

no que diz respeito ao seu fundamento epistemológico para a disciplina escolar do ER —

uma vez que nesta perspectiva teológica o diálogo assume uma importante atitude e também

um método, que permite o reconhecimento da alteridade e da reciprocidade da outra

religião. A partir desses pressupostos, foi possível observar a pertinência da teologia do

pluralismo religioso para o ER no atual contexto plural e globalizado.

Agora, na segunda parte deste capítulo, vamos nos dedicar ao diálogo inter-religioso

pelo prisma da ética. Será elucidado o ethos e os direitos humanos como um legado da

diversidade cultural e religiosa, para posteriormente analisarmos a educação na perspectiva

do ethos.

2.1) Fundamentos da ética e alteridade

Ética é o conjunto de princípios (a teoria) que normatiza a conduta real, chamada:

moral. Não são sinônimos! São partes distintas de uma mesma realidade. Pode-se dizer que

“a ética e a moral são como a teoria e a prática” (GAARDER, 2000, p. 264).

Há muitos modelos éticos pelos quais as pessoas podem reger suas vidas, como o

hedonismo, o naturalismo, o relativismo, a ética estética, a racionalista, a da intuição, etc.

No entanto, antes de se aceitar qualquer modelo proposto, há se de perguntar se ele próprio

é eticamente aceitável, se é bom, se é correto (GAARDER, 2000, p. 273). O autor indica

dois princípios do Novo Testamento como caminhos para o comportamento ético correto:

“amar ao próximo como a si mesmo e tratar os outros como gostaria de ser tratado”

(GAARDER, 2000, p. 273). Estes princípios também são conhecidos como o Mandamento

do Amor e Regra de Ouro. Este imperativo categórico faria cada religião refletir se seria

conveniente e benéfico que todas as outras tradições religiosas assumissem a mesma postura

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que ela no diálogo inter-religioso. Se o reflexo fosse invariavelmente a mesma postura, cada

tradição se certificaria do que realmente quer do diálogo.

Os quatro pontos principais, os fundamentos da ética seriam o senso de

responsabilidade, a consciência, o conjunto de valores e normas e a experiência-ética-

prática (GAARDER, 2000, p. 278-279). Para o autor, a simples teorização é infrutífera.

Somente a prática do diálogo pode apontar caminhos seguros e concretos para o próprio

diálogo. Para o autor, a ausência de qualquer um destes quatros pontos no diálogo inter-

religioso “pode indicar que um grande problema se aproxima” (GAARDER, 2000, p. 279).

Claude Geffté nos mostra que, apesar dos diferentes critérios de verdade (revelação

divina, livros sagrados, mitos, etc.), não necessariamente aceitos por outras tradições

religiosas, deve ser possível encontrar um critério de convergência ética que “coincida com

o verdadeiro humano tal como é reconhecido pela consciência humana universal”

(TEIXEIRA, 1993, p. 70) ― o mesmo tipo de convicções básicas que tornaram possível a

codificação jurídica dos Direitos do Homem. É neste sentido que a ética tem sido indicada

por muitos teólogos da atualidade como o possível caminho das religiões em busca da

construção da paz mundial (MANCINI, 2000, p. 69).

Na busca de um mundo reconciliado por este e outros ideais, o diálogo inter-religioso

a partir da ética não somente se faz imprescindível, como também renova a esperança de

compreender e ser compreendido, de respeitar e ser respeitado, de aceitar e ser aceito.

Quando se fala em possibilidade de ética mundial e formação para a paz, vale também

lembrar que no contexto das teologias contemporâneas, a imagem masculina de Deus tem

sido fortemente questionada. Historicamente as religiões, com poucas exceções, ganharam

feições de sistemas patriarcais. Muitas delas se organizaram como verdadeiros patriarcados,

promovendo a exclusão da mulher (REIMER, 2004, p. 35-48).

Se admitirmos que o ser humano enquanto masculino e feminino é

verdadeiramente semelhante a Deus, então somos induzidos, pela lógica da própria

afirmação, a admitir que Deus mesmo é prototipicamente masculino e feminino.

Na ocorrência que nos interessa, o feminino do ser humano constituiria um registro

revelador do Feminino de Deus. Podemos falar de um Feminino em Deus? É-nos

lícito invocar a Deus como minha Mãe, assim como aprendemos do Senhor a

invocá-lo como nosso Pai? (BOFF, 1983, p.94).

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A tradição teológica nos afirma que Deus está livre de qualquer determinação sexual e

genital. Deus não tem sexo, não é homem e nem mulher. Nessa racionalidade Deus é puro

Espírito. Mas, não poderíamos nos perguntar sobre um Deus sexuado? E onde ficaria o

feminino de Deus? Em algumas religiões africanas e ameríndias Deus tem representação

feminina, e não masculina. E, suas comunidades, se organizam como matriarcados.

As religiões patriarcais têm uma expressão privilegiadamente masculina na sua

organização, na sua política, nos seus conteúdos e no exercício do poder religioso.

Mas, para além disso, elas contém algo profundamente feminino, quase

matricêntrico que é a preocupação com o bem-estar das pessoas, com a superação

do sofrimento, com o consolo nas aflições, com a ajuda nas diferentes

necessidades do dia-a-dia. A religião na sua base originária é materna, é protetora

e aconchegante. É claro que estas características não significam a exclusão dos

homens, mas significam algo importante nas origens do sentimento religioso. As

mais antigas representações religiosas da humanidade são femininas ou mais

precisamente são projeções das experiências femininas de maternidade e

fertilidade. As representações masculinas de Deus como Espírito além da terra,

como distinto e separado, são bem mais recentes e de certa forma apropriaram-se

das experiências femininas fundadoras (GEBARA, 2000, p.101).

Recuperar a dimensão feminina de Deus é levar em conta a reivindicação do

movimento feminista no campo da teologia, e mais ainda, realizar justiça para com as

mulheres de hoje. Mesmo diante das religiões patriarcais, podemos redescobrir e re-

significar o lugar da mulher, tanto nas escrituras patriarcais, quanto na formulação dos

conceitos teológicos e da doutrina religiosa.

Hoje só fazemos justiça à nossa experiência do Divino se a traduzirmos em termos

masculinos e simultaneamente femininos. Deus emerge como Pai e como Mãe ou,

numa linguagem inclusiva que supera justaposições, como Pai maternal e como

Mãe paternal. Mais radicalmente ainda, muitas feministas falam do Deus e da

Deusa. Ou para mostrar a unidade de Deus – que não se divide, como nos seres

humanos em macho e fêmea –, escrevem-no da seguinte forma Deus/a (BOFF,

2002, p.87).

Algumas religiões promoveram uma legitimação histórica da discriminação contra a

mulher, reservando a ela um papel coadjuvante na história humana, e promovendo relações

injustas e desiguais entre homens e mulheres. A proposta atual é redescobrir o Feminino de

Deus. Perceber Deus como Mãe.

Em muitas das questões urgentes do nosso tempo o consenso entre as religiões é

instável e relativo, quando não inexistente. Essa atitude mostra a diversidade entre as

religiões. Um projeto de ética mundial, a partir das religiões, não significa a ausência ou o

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extermínio do pensamento divergente. As tensões e embates fomentam a criticidade das

pessoas religiosas, o que nem sempre é desejado pelos detentores do poder, inclusive

religioso. De qualquer forma, é frutífero que haja entre as religiões diferentes pontos de

vista. A história mostra que o conhecimento progride por rupturas, assim a divergência de

ideias pode ter em si as sementes da novidade.

Os desafios colocados pela modernidade às religiões, na maioria das vezes, não

recebem a atenção que deveriam por parte das autoridades religiosas. As divergências

doutrinais não devem promover a violência e a intolerância entre as pessoas de fé. Os

problemas éticos da humanidade permanecem com respostas insuficientes. É preciso um

esforço efetivo de reconciliação e paz entre as religiões. Necessitamos de uma teologia da

paz. Afinal, a paz no mundo será uma expressão da paz possível entre as religiões.

Todas as religiões do mundo devem hoje reconhecer a sua co-responsabilidade

pela paz mundial. Por isso, deve-se repetir sempre de novo a tese, para a qual eu

tenho encontrado em todo o mundo cada vez maior apoio: Não haverá paz entre as

nações sem uma paz entre as religiões. Em resumo: sem paz entre as religiões não

haverá paz no mundo! (KÜNG, 1998, p. 109).

As religiões possuem uma força ética muito grande. Por responderem aos

questionamentos existenciais mais profundos do ser humano, ela possui uma importância

fundamental para a uma configuração de um modelo ético para os dias atuais. O teólogo

alemão Hans Küng, defende a aliança de crentes e não-crentes em uma ética mundial. Desse

modo, as religiões abriam mão de sua pretensão à hegemonia para colaborar com o

progresso da humanidade na busca da justiça e da paz. A ética mundial considera a força

ética das religiões, contudo, não pede adesão de fé. Trata-se de uma ética civil e não

religiosa, todavia, as religiões não estão isentas de cumprirem a finalidade de se tornarem

um serviço efetivo à humanidade, especialmente à humanidade que sofre, com as guerras e

todo o tipo de violação da dignidade humana.

Muitas vezes, o estabelecimento de direitos humanos aconteceu numa luta ferrenha

com as religiões estabelecidas. Para a paz entre os povos, para a cooperação

internacional na política, na economia, na cultura e em organizações internacionais

como a ONU e a UNESCO, é de grande importância que as pessoas religiosas –

sejam elas judias, cristãs, muçulmanas, hindus, sihks, budistas, confucionistas,

taoístas, ou seja lá o que for – reconheçam que pessoas não religiosas, quer se

entendam como ‘humanistas’ ou ‘marxistas’, a seu modo também se engajam pela

dignidade humana e pelos direitos humanos. Também elas podem defender uma

ética humana (KÜNG, 1998, p.61).

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A afirmação dos direitos humanos, da preservação da natureza, da paz advinda da

justiça e da solução de conflitos e problemas que vitimam o mundo servirão de fundamento

para essa ética mundial. Podemos falar de uma ética de coalisão. Isso significa que as

religiões, deverão se preparar para viver sua fé em diálogo, isto é, em uma abertura ao

diferente e, em uma disposição para colaborar com a humanidade.

Se uma tal coalisão entre crentes e não-crentes é necessária no interesse de uma

ética mundial, pode ela também ser concretamente realizada? Sim, porque junto

com os crentes também os não-crentes podem resistir contra todo tipo de nihilismo

trivial, contra todo o cinismo difuso e contra a frieza social. Sim, em conjunto

pode haver engajamento de forma convencida e convincente pelo seguinte: Para

que o direito fundamental de todas as pessoas (independente de sexo, nação,

religião, raça ou classe) por uma vida humana digna seja realizado cada vez mais e

que não seja sempre mais ignorado (KÜNG, 1998, p.63).

Não haverá lugar para o fundamentalismo religioso. Assistimos em nossos dias

inúmeros conflitos com inspiração religiosa, isso mostra quão urgente é uma ética mundial

e, ao mesmo tempo, quão distantes estamos dela. Nesse sentido, muito poderá contribuir o

ER escolar ao defender a tolerância religiosa e a visão transreligiosa entre os alunos/as. Ao

mostrar que o Sagrado perpassa todas as religiões, o ER poderá contribuir com a ética

mundial.

Leonardo Boff nos mostra que

Em momentos críticos como os que vivemos, revisitamos a sabedoria ancestral dos

povos e nos colocamos na escola de uns e outros. Todos nós fazemos aprendizes e

aprendentes. Importa construir um novo ‘ethos’ (modelação da casa humana) que

permita uma nova convivência entre os humanos com os demais seres da

comunidade biótica, planetária e cósmica; que propicie um novo encantamento

face à majestade do universo e à complexidade das relações que sustentam todos e

cada um dos seres (BOFF, 2004, p.27).

A ética mundial também se faz ecológica e cósmica (REIMER, 2004, p.49-72). Em

nosso planeta a vida da biodiversidade está ameaçada, é preciso também contemplar a

dimensão da reconstrução do nosso próprio habitat, a Terra. Não haverá ética mundial sem

que antes os seres humanos repensem suas relações com a natureza. Fala-se muito de

desenvolvimento sustentável. Precisamos “curar” as feridas da Terra. Salvar nossos rios,

nossa fauna e nossa flora. Do contrário, não haverá mais vida sobre a Terra. Assistimos a

inúmeras catástrofes naturais em nosso tempo, muitas delas são respostas da natureza à

destruição da vida do planeta causada pelos seres humanos, particularmente pela

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mentalidade difundida pelo capitalismo industrial, do lucro advindo da expropriação da

natureza. O ER poderá recuperar a dimensão de uma cosmovisão sagrada da natureza. As

relações com o meio-ambiente deixarão de ser utilitaristas e serão perpassadas por uma

teologia da criação, por uma cosmovisão religiosa muito maior. Assim, também as religiões

poderão ajudar a salvar a vida ameaçada do planeta.

2.2) Ethos e direitos humanos: um legado da diversidade cultural

Os modos diversos de ser e estar de todos os seres, de modo específico os humanos,

revelam-se em direitos e deveres. Direitos em usufruir e acessar possibilidades descritas nas

leis e na ética e deveres para com os outros seres no respeito e garantia da dignidade da vida

e da existência. Encontramos essa prerrogativa na Constituição Federal (BRASIL, 1988,

art.5°), na afirmação de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.

O ser possuidor de direitos é ser portador de responsabilidade diante e com o Outro.

Somos, acima de tudo, revestidos de deveres para com o Outro, o qual exige acolhida e

hospitalidade, critérios fundamentais da dignidade humana. É nessa direção que inúmeros

documentos normativos e legais asseguram como princípio fundamental que todos são

iguais em direitos e deveres. Isso demonstra que vivemos e habitamos um ethos no qual o

respeito mútuo é constitutivo de uma educação em e para os direitos humanos.

Este tópico discute o conceito e a natureza do ethos, legado cultural humano

decorrente do movimento incessante de busca de lugares seguros para a existência em um

mundo de finitudes e incertezas. Assim, o ethos configura-se como uma segunda natureza,

produzida pelos próprios humanos. Neste habitat coexistem diversas expressões religiosas e

não religiosas que precisam ser respeitadas e reconhecidas, desafio que recai sobre a

educação e à própria escola, lugar de encontro de diversos ethos e, por isso, local de

aprendizado das habilidades necessárias para ver e questionar as cegueiras da

homogeneidade, do etnocentrismo e da indiferença.

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2.2.1) O Ethos: Lugar onde se habita:

A definição da palavra ethos tem vários significados. Por exemplo, Nilo Agostini

(1993, p. 21-22) compreende o termo como “ponto de partida para a compreensão do que

funda o humanum, ou seja, ele é como que o alicerce que sustenta o humano. [...] Um modo

habitual/próprio de interpretar e habitar o mundo”. Para Enrique Dussel (1997), representa

um sistema de atitudes que sustenta uma visão de mundo, a qual os gregos chamam de

ethos. Nesse sentido, podemos verificar que o termo ethos remete a um direito, um lugar, no

qual todos os humanos são seus habitantes. É pelo ethos que todos os seres vivos são e

estão na existência.

Historicamente, em um primeiro momento, a palavra ethos significou morada ou

guarida dos animais, e somente mais tarde o termo foi utilizado no âmbito humano,

conservando, de alguma forma, esse primeiro sentido de lugar de resguardo, de refúgio, de

espaço vital seguro. Entretanto, essa dimensão físico-material de morar foi ampliada para a

dimensão existencial, assinalando-se com isso que o ethos é o lugar humano de segurança

existencial. É nesse lugar que o ser se constitui e se configura nas mais profundas condições

de humano – se faz como alguém e com alguém – a outridade19. Ethos trata-se, então, de um

lugar costumeiro, habitual, familiar. Por isso, em parte, ethos significa também: costume e

uso. Remete, assim, para uma maneira habitual de comportamento.

O ethos é a casa do homem. O homem habita sobre a terra acolhendo-se ao

recesso seguro do ethos. Este sentido de um lugar de estada permanente e

habitual, de um abrigo protetor, constitui a raiz semântica que dá origem à

significação do ethos como costume, esquema praxeológico durável, estilo de

vida e ação. A metáfora da morada e do abrigo indica justamente que, a partir

do ethos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem. O domínio da

physis ou o reino da necessidade é rompido pela abertura do espaço humano do

ethos no qual irão inscrever-se os costumes, os hábitos, as normas e os

interditos, os valores e as ações. (VAZ, 1995, p.12-13).

Constatamos que o ethos, enquanto espaço humano, não está dado, mas sim

construído e “incessantemente reconstruído” (VAZ, 1995, p.13). É nesse processo que o

19 É uma exigência que se impõe para cada um de nós. Outridade é o ser Outro sem ser compreendido, mas tão

somente acolhido e hospitalizado (hóspede) em nosso lar. É alguém especial, mas não necessariamente

conhecido, humano em sua alteridade (Tarcísio Alfonso Wickert, apud FLEURI, 2013, p. 41).

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humano se mostra essencialmente inacabado, como ser de abertura para o mundo, para o

bem, que a ética manifesta-se como um saber racional do ethos.

Como hábito, ação continuada ou reiteração de uma conduta, o ethos refere-se já não

mais a um lugar ou espaço, mas ao tempo, à continuidade temporal. Por isso é que podemos

dizer que o ethos é uma maneira habitual e contínua de comportamento, uma forma de ser

no tempo, um jeito de ser específico dos seres humanos.

O ethos é o lugar onde se vive e se torna humano. É o alicerce que sustenta o humano,

ou seja, “o ethos é o gênio protetor do homem” (VAZ, 1995, p. 13).

Para que o ethos seja o lugar-morada onde se expressa e exprime o jeito humano de

ser, foi necessário a elaboração de costumes, preceitos morais, regras e conceitos de ética,

direito e justiça para sustentá-lo. Por isso, é do ethos que “emanam o conjunto de

evidências, símbolos, mitos, valores e práticas que sustentam e regulamentam tanto a vida

individual quanto coletiva” (AGOSTINI, 1993, p. 23). Desse modo, o ethos permanece para

além dos indivíduos. Ele se converte em uma continuidade que cria uma consistência para a

existência. Quer dizer, o ethos acaba configurando um modo de ser e de estar ante o mundo

e os outros: ele é uma forma de relação. Mas, é uma forma de relação adquirida. Ela já está

ali antes de o indivíduo nascer. E, uma vez nascido, cada ser será moldado pelo conjunto de

relações fazendo com que sua existência se desenvolva a partir de uma maneira específica.

O ethos revela que a vida humana sempre será atravessada pelas coordenadas do

espaço e tempo segundo a estrutura de um grupo cultural. As pessoas e as comunidades

sempre serão referenciadas a partir de um sistema de relações que fará com que a vida seja

vivida de uma maneira específica e não de outra. Ela sempre será percebida a partir de um

ethos.

O ethos, nesse caso, denota uma constância no agir que se contrapõe ao impulso

do desejo (órexis). Essa constância do ethos como disposição permanente é a

manifestação e como que o vinco profundo do ethos como costume, seu

fortalecimento e o relevo dado às suas peculiaridades. O modo do agir (tropos)

do indivíduo, expressão da sua personalidade ética, deverá traduzir, finalmente, a

articulação entre o ethos como caráter e o ethos como hábito. (VAZ, 1995, p.

14).

Portanto, o ethos tem em si a ideia de estabilidade, consistência e persistência,

características que dão caráter configurador ao ser humano. Entretanto, enquanto ação, o

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ethos implica também dinamismo, movimento, transformação e diversidade. O ethos-hábito

não é inerte, mas, ao contrário, é atividade permanente, livre criação e recriação, livre

renovação de si mesmo, desde si mesmo (Tarcísio Alfonso Wickert, apud FLEURI, 2013, p.

42).

Nesse contexto podemos dizer que o ethos é uma nova natureza criada acima da

primeira natureza e a partir dela. Contudo, ela é a natureza humana, forma definida e

determinada de ser. O ethos transcende permanentemente a natureza, criando uma nova

ordem de necessidades, um novo destino, embora seja sempre provisório e mutável. Nas

palavras de AGOSTINI (1993, p. 24), o ethos

[...] é um sistema de disposições adquiridas (estrutura estruturada), ao mesmo

tempo em que surge como “gerador” de estratégias, que se refazem e/ou se

adaptam segundo as circunstâncias e os desafios (estrutura estruturante).

Assim, pode-se afirmar que no ER das escolas públicas é muito importante articular o

fato de que nenhum ethos, mesmo que configurador, é definitivo. É aberto, uma construção

constante e eminentemente humana, lugar e território da liberdade e da fraternidade entre

todos os seres. É o recanto e o canto da vida e do viver. É a voz da natureza, o olhar dos

seres – sentido e sentimento de todos. É o estar sendo na diversidade e no respeito à

alteridade, multiplicidade e unidade.

2.2.2) Ethos: Liberdade e Diversidade:

Pensar ou refletir sobre o ethos e sua relação com os direitos humanos implica

necessariamente entender os (des)dobramentos e (des)contextos da sociedade em que

vivemos. Isso mostra que devemos pensar a sociedade a partir e com a diversidade cultural.

Não é possível pensar ou entender o ethos sem os pressupostos dessas diversidades – na

perspectiva de sua liberdade. Todos devem ser respeitados nas suas mais diversas

manifestações.

A liberdade é um direito imanente a todos, por isso, fundamental na construção de

uma sociedade justa e solidária. Como já vimos ao longo deste trabalho, esse princípio está

explicitado na Constituição Federal (BRASIL, 1988, art. 5º, VI), que estabelece ser

“inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos

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cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas

liturgias”. Ainda no art. 5º, inciso VIII, este documento declara que

“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção

filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos

imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.

A definição de ethos oferecida por DUSSEL (1997) referenda um sistema de atitudes

derivado dos valores ou visões de mundo, em que as religiões têm um lugar significativo.

Um exemplo citado pelo autor pode auxiliar a compreender a relação de interdependência

entre ethos e religião. O relato busca responder à pergunta: Quais as atitudes de um hindu e

um asteca perante um prisioneiro?

[...] um hindu, por sua visão do mundo, por sua noção do maya, por sua tensão a

confundir-se diante do Brama, indiferentemente, deixará aquele homem em

liberdade, e com grande tolerância não tentará faze-lhe nada, já que o

fundamento de sua atitude é matar seu desejo, para liberar-se do individual;

enquanto que o asteca, que pensa que esse prisioneiro lhe transmitirá a vitalidade

de seu sangue ao deus, para que aquele subsista, o sacrificará. Um terá uma

atitude agressiva, outro de sumo pacifismo. Estas atitudes são regidas por

princípios; são estes princípios fundamentais objetivos, visões de mundo, que

vão dar origem a um sistema de atitudes. (DUSSEL, 1997, p. 74).

O exemplo coloca a religião em dois âmbitos, ou seja, dos valores e visões de mundo,

quando os alimenta com sua doutrina explicativa e, no ethos ou sistema de atitudes, quando

a religião, pelo rito, materializa essas atitudes. Dito de outra forma, o ethos, por meio de um

sistema de atitudes e, através de símbolos, objetos, ritos e lugares sagrados, é a

manifestação concreta de um sistema de valores ou visão do mundo. A interdependência

entre valores e atitudes é evidente e a correlação entre ethos e religião é visível. Nessa

compreensão, a ameaça ao sistema de atitudes de um determinado grupo é a ameaça do seu

sistema de valores e visão de mundo. Portanto, se faz mister entendermos o sentido do

conceito de liberdade usado nesse contexto.

A liberdade pressupõe três critérios fundamentais: a) para se configurar uma ação

como sendo livre, o ser humano deve querer determinadas ações, ou seja, ele quer fazer ou

realizar determinados atos; b) além do querer, deve saber o que fazer. Quer realizar

determinados atos, mas sabe o que vai fazer para realizar isso. Aqui está a consciência do

sujeito da ação, ele sabe exatamente o que fazer e como fazer para realizar determinados

atos de modo livre; c) querer fazer e saber o que fazer o remete para o próximo passo: ele

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pode fazer aquilo que quer e sabe o que fazer? Este terceiro requisito é exatamente o

momento no qual devemos parar e pensar nas consequências dos atos – isso é liberdade.

Percebemos, assim, que liberdade não é a ausência de dever, mas exatamente o

contrário, a liberdade é essencialmente responsabilidade. Nesse contexto, direitos humanos

e diversidade cultural e religiosa estão implicadas diretamente. Não podemos pensar os

direitos humanos sem a liberdade, nem o ethos sem as diversidades de expressões religiosas

e não religiosas, sem o respeito às diferenças. A liberdade é um valor que perpassa o

reconhecer e ser reconhecido pelo Outro, daquilo que cada um representa e expressa na

vida, como máxima da dignidade humana, dos direitos e dos deveres.

O ethos seria, então, o ponto de partida que oferece pistas para a organização das

diversas relações das pessoas, mas também se (re)configura frente aos novos desafios que

exigem a construção de sempre outros critérios que orientem o agir humano em liberdade.

Corresponde à ética realizar esse exercício. O seu caráter reflexivo e sistematizador lhe

permite “investigar os valores e as normas [...] e depurá-los para que possam inspirar e guiar

da melhor forma possível a vida humana tendo em vista a sua realização plena”

(AGOSTINI, 1993, p. 23).

Entretanto, a moral é a encarregada de especificar os costumes e as normas que

conduzem as relações humanas num espaço e tempo determinado. Ela

[...] pode ser concebida como um conjunto fechado de normas ou como a busca

responsável de organizar e sistematizar valores e regras que sejam válidas num

determinado tempo e espaço ou que tenham incidência e valor mais abrangente.

(AGOSTINI, 1993, p. 23).

Mediante a articulação dinâmica desses três elementos (os valores; as normas e suas

depurações) se constrói em cada tempo e espaço (cultura), um modo próprio de sustentar e

promover a vida.

O ethos é uma segunda natureza, ou natureza moral; também a morada interior; o

habitat espiritual do ser humano (seu horizonte espaço-temporal); o modo de ser

costumeiro; a qualidade do viver; a forma de ser; a disposição ou atitude perante o

mundo e os outros; o caráter do ser humano: sua liberdade, seu ser ético. Isso

significa que o ethos configura o humano como um ser relacional e toda relação é

ética, o que implica num (re)pensar toda ação humana como uma ação

responsabilizadora pelo passado, presente e futuro da humanidade. Tudo que

fazemos deve ser pensado nas suas reais consequências para o mundo – para o nosso

habitat (FLEURI, 2013, p. 45,46).

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Segundo HALL (2005, p. 88), há dois movimentos na busca de uma construção e

entendimento do ethos: o de tradição e de tradução. O primeiro aponta para as tentativas de

construir um ethos puro, a fim de restaurar a coesão, a unidade e a consolidação perante a

indeterminação e o relativismo procedente das culturas híbridas. O segundo movimento,

tradução, assinala a experiência daquelas pessoas que transpassam as fronteiras sem nunca

poder retornar. O vínculo com seus lugares e tradições de origem permanece, mas são

obrigadas a negociar com os novos ethos nos quais vivem, sem serem assimiladas e

perderem totalmente sua identidade de ethos.

Contudo, essas pessoas não ficarão divididas, elas serão unificadas, mas não no

sentido antigo. Elas “são, irrevogavelmente o produto de várias histórias e culturas

interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias ‘casas’ (e não uma casa em

particular)” (HALL, 2005, p. 89). Este hibridismo, fusão entre diferentes tradições culturais,

é entendido como uma poderosa fonte criativa, produzindo novos ethos.

Entretanto, outro movimento está em andamento: uma interação consciente e

premeditada entre o micro e o macro ethos. Essa é uma perspectiva presente nos trabalhos,

por exemplo, de Hans Küng (1998), cuja proposta final é a de moldar e nutrir um

macroethos (o ethos mundial), a partir dos impulsos do microethos. Em um mundo

caracterizado pela diversidade de crenças e convicções religiosas e não religiosas, o

microethos pode ser pensado para além das religiões. Todo ser humano deve ser

compreendido a partir de sua dignidade, enquanto humano, não enquanto natureza

supostamente religiosa, pois “[...] pessoas não religiosas também estão imbuídas de

orientações éticas fundamentais e que levam uma vida moralmente orientada” (1998, p. 60).

É preciso reconhecer na história da humanidade, a existência de inúmeras pessoas não

religiosas engajadas na defesa da dignidade humana, que demostraram corresponsabilidade

para consigo, o Outro e o mundo.

É inegável, pois que muitas pessoas secularizadas vivem hoje uma moral, que se

orienta pela dignidade de qualquer pessoa humana. [...] fazem parte hoje a razão,

a autonomia, a liberdade de consciência, a liberdade religiosa e os demais

direitos da pessoa humana como foram sendo conquistados no decorrer da

história. [...] é de grande importância que as pessoas religiosas – sejam elas

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judias, cristãs, muçulmanas, hindus, sihks, budistas, confucionistas, taioístas ou

seja lá o que for – reconheçam que pessoas não religiosas, quer se entendam

como “humanistas” ou “marxistas”, a seu modo, também se engajam pela

dignidade humana e pelos direitos humanos. (KÜNG, 1998, p. 61).

Neste sentido, o ER proporcionando uma educação em/para os direitos humanos deve

reconhecer os distintos microethos, religiosos ou não, para uma convivência em e com

dignidade em uma sociedade caracterizada pela diversidade cultural.

2.2.3) Ethos, Diversidade Religiosa e Direitos Humanos

O ethos é diverso porque o ser humano é diverso, resultado das múltiplas interações

subjetivas e intersubjetivas com o Outro em suas diferenças. Sendo diferente em si, não lhe

é possível constituir-se na homogeneidade.

Somos todos diferentes e temos o direito de sermos assim respeitados e tratados

política, religiosa e legalmente. No entanto, histórica e cotidianamente convivemos com

violências, escravidões, genocídios, colonialismos, perseguições e intolerâncias de várias

ordens, entre elas a religiosa. Nesse sentido, somos portadores de morte e não de vida – bem

supremo e valor maior.

O pobre, o dominado, o índio massacrado, o negro escravo, o asiático das

guerras do ópio, o judeu nos campos de concentração, a mulher objeto sexual, a

criança sujeita a manipulações ideológicas (também a juventude, a cultura

popular e o mercado subjugados pela publicidade) não conseguirão tomar como

ponto de partida, pura e simplesmente, a ‘estima de si mesmo’. O oprimido, o

torturado, o que vê ser destruída a sua carne sofredora, todos eles simplesmente

gritam, clamando por justiça: Tenho fome! Não me mates! Tem compaixão de

mim! – é o que exclamam esses infelizes. (DUSSEL apud ROSA, 2011, p. 18-

19).

À medida que um grupo ou religião gera intolerâncias de caráter religioso, ele

nega a dignidade e a prática dos direitos humanos. Seja qual for a manifestação,

religiosa ou não religiosa, esta deve alicerçar seus princípios em um ethos de

corresponsabilidade para com o humano. O profundo respeito e reverência ao

Outro, com o sentido de hierofania é sempre manifestação, revelação e mistério

para nós – é Rosto – completamente diferente em suas diferenças (LEVINAS,

1980). Nesse sentido, devemos lutar contra qualquer prática que atente contra a

vida e os direitos humanos.

O debate em torno dos direitos humanos visa a despertar para a luta e a conquista de

direitos para assegurar a promoção da dignidade nos contextos onde ela tem sido

desrespeitada. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2006, p.

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15) desafia e convoca para “em tempos difíceis e conturbados por inúmeros conflitos, nada

mais urgente e necessário que educar em direitos humanos, tarefa indispensável para a

defesa, o respeito, a promoção e a valorização desses direitos”. Esse, portanto, é um desafio

que talvez possa ser alçado pelo ER.

Uma educação em e para os direitos humanos exige outra escola e outro educador.

Precisamos de sujeitos comprometidos e responsáveis pela causa educacional, que é uma

causa social, portanto, política. Falar em direitos humanos implica perceber que existem

milhões de pessoas que ainda não têm seus direitos respeitados e reconhecidos. Por isso,

pelo mundo muitas organizações governamentais e não governamentais estão cada vez mais

unidas em torno de uma luta comum: garantir dignidade aos seres humanos em geral, mas

especialmente aos que são desrespeitados e lesados em seus direitos. E por que não

referendar o ER em prol deste objetivo?

A luta pelos direitos humanos é uma luta pela paz mundial, que se reverte no bem

viver para todos os seres. Parte do respeito e da liberdade inalienável de todos os humanos –

seres de direitos iguais. Um ER pautado nessas premissas carrega em si possibilidades de e

para outras vivências na/para dignidade humana.

Atitudes de justiça e injustiça são construções sociais que tanto podem ser coletivas

como individuais, mas a mudança de hábito somente ocorre quando estamos convencidos

dessa mudança, quando ela traz em si mesma um valor próprio. Essas mudanças são

questões educadoras, olhares e vozes que se direcionam a várias direções. Essa construção é

fundamental à medida que somos seres humanos que pertencem a algum lugar, ocupando

determinado espaço. Esse pertencimento nos dá a direção na vida e na educação.

Quando não sabemos e não reconhecemos em nós mesmos e nos outros a que mundo

ou lugar nós pertencemos, nada é possível transformar para melhor. O ER, quiçá, poderá

proporcionar ao (à) cidadão (ã) a realidade de que situar-se e encontrar-se com e em alguém

é um passo fundamental para acolhida e construção de novos saberes e novas práticas. Jaz

aqui o solo primordial de um olhar para a outridade, um estabelecer outras relações

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intersubjetivas e humanas. É fundamental entender como a ética da alteridade20 serve de

mola propulsora para a ética da libertação latino-americana. Por isso que

[...] o pensamento levenasiano, à medida que põe a responsabilidade ou o

assumir-o-outro como princípio que antecede qualquer consciência reflexiva,

permite à Filosofia da Libertação situar outrem como origem e raiz da afirmação

do eu-próprio. Assim, Levinas se constitui num dos principais suportes teóricos

da proposta libertadora latino-americana. (ROSA, 2011, p. 134).

Devemos lembrar que a filosofia da libertação latino-americana visa a pensar e refletir

sobre as condições sociais e econômicas dos sujeitos excluídos e oprimidos da América

Latina. Trata-se de pensar o Outro como rosto, como corpo espoliado e sofredor. Nesse

sentido,

partindo de Levinas, Dussel desenvolve a Ética da Libertação enquanto

perspectiva em que o rosto do outro é assumido como critério de reflexão e ação.

O encontro com o outro não permite que se estabeleça uma atitude de

indiferença. O outro, que é sempre exterioridade em relação a mim, transborda

toda totalidade e é livre de qualquer amarra ontologizante. Por isso, a relação

que se estabelece é uma relação de respeito e de escuta, que não busca uma mera

compreensão do outro a fim de simplesmente dominá-lo. O outro se apresenta

como realidade infinita. (ROSA, 2011, p. 134).

Para isso, é necessário considerar que somos seres naturalmente diferentes,

constituídos como diferentes social e culturalmente. Essas diferenças ocorrem a partir da

construção da pessoa no âmbito social e psicológico. Essa construção implica ser pensada a

partir de diversos valores, tais como: morais, religiosos, simbólicos, sociais, etc.

Mas, ao mesmo tempo em que somos uma construção social, somos uma constante

constelação entretecida pelas subjetividades e saberes (re)construídos e (re)elaborados

constantemente. O nosso modo de ser e estar é o nosso modo diferente de ser, estar e

pertencer de modo diverso como existentes. Existir significa relacionar-se, relacionar-se

implica em também haver conflitos, e conflitos significam que a diversidade se expressa e

se impõe como dinamicidade da própria vida. Por isso, muitas vezes aquilo que não

gostamos no Outro é justamente aquilo que é conflitante em nós mesmos. Nesse sentido e

20 Ética da Alteridade é o modo como nós tratamos respeitosamente o Outro ser humano. Este modo é o da

responsabilidade por todos aqueles que são excluídas do bem viver na sociedade atual. Alteridade, porque a

diversidade cultural e religiosa e não religiosa se constitui a partir de todas as diferenças existentes entre nós.

Somos todos diferentes, e essa é uma riqueza natural. Quanto mais diverso for o mundo, mais aumentam as

nossas responsabilidades.

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contexto, o desafio da diversidade cultural e religiosa se mostra em nós e entre nós

(FLEURI, 2013, p. 50).

Aqui reside o grande desafio do ER: educar para o reconhecimento e respeito aos

diferentes nas suas diferenças. Nesse sentido, a Resolução CNE/CEB 4/2010 ressalta que a

escola deve oferecer uma educação de qualidade social:

Art. 9º A escola de qualidade social adota como centralidade o estudante e a

aprendizagem, o que pressupõe atendimento aos seguintes requisitos:

I – revisão das referências conceituais quanto aos diferentes espaços e tempos

educativos, abrangendo espaços sociais na escola e fora dela;

II – consideração sobre a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento

à pluralidade e à diversidade cultural, resgatando e respeitando as várias

manifestações de cada comunidade; [...]

IX – realização de parceria com órgãos, tais como os de assistência social e

desenvolvimento humano, cidadania, ciência e tecnologia, esporte, turismo,

cultura e arte, saúde, meio ambiente. (BRASIL, 2010).

O ER nas escolas públicas deve ser pensado em conjunto com a sociedade como um

ethos da diversidade cultural, na sua totalidade dos diferentes em suas diferenças.

À medida que somos todos diferentes, os conflitos são inevitáveis, mas é exatamente

no âmbito dos conflitos, lugar das manifestações das diferenças, que nós nos construímos

dialogicamente como identidades. Abertura constante para o mundo, possibilidade de

sermos sempre diferentes em cada endereço existencial. Por isso é necessário criarmos um

espaço para o diálogo, um lugar do encontro de todas as vozes.

O ser humano se realiza na comunidade, na relação intersubjetiva do indivíduo

com o outro, efetivada pela força da palavra dialógica Eu-Tu. O eu não passa de

uma abstração. Ele só é na relação. Pode-se entender que o eu se torna realmente

eu quando, ao proferir Tu, entra no domínio do nós. O eu torna-se real, atual

wirklich, quando adentra na esfera do nós. (ZUBEN, 2003, p. 17).

Essa condição comunitária acontece à medida que estabelecemos o diálogo entre

todos. ZUBEN, ao retomar os postulados de Martin Buber, destaca a ontologia da relação,

que não é uma abstração, mas é a própria experiência existencial se revelando:

A ontologia da relação será o fundamento para uma antropologia que se

encaminha para uma ética do inter-humano. Diz-se então que o homem é um

ente de relação ou que a relação lhe é essencial ou fundamento de sua existência.

(ZUBEN, 2003, p. 31).

A razão moderna estabeleceu padrões de condutas de modo linear, analítico

padronizado, portanto homogêneo. Essa é a conduta das exclusões e das polarizações, do

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certo e do errado, do verdadeiro e do falso. Institui a verdade absoluta e em nome dela se

mutila, invizibiliza e mata milhões de seres humanos. Essa verdade impõe como certo, nas

culturas, uma única identidade; nas religiões, uma só crença; na filosofia, o dogmatismo

racional; nas ciências, o positivismo.

Essas verdades assumidas e politicamente impostas como verdades absolutas não

conseguem lidar com os diferentes. Frente a essas diretrizes que conduzem o ser humano às

práticas de discriminação de qualquer natureza, a Secretaria dos Direitos Humanos elaborou

um Programa denominado Brasil sem Homofobia, lançado em 2004, visando ao

combate à violência e à discriminação contra GLTB e de promoção da cidadania

de homossexuais, Brasil sem Homofobia sinaliza, de modo claro, à sociedade

brasileira que, enquanto existirem cidadãos cujos direitos fundamentais não sejam

respeitados por razões relativas à discriminação por: orientação sexual, raça, etnia,

idade, credo religioso ou opinião política, não se poderá afirmar que a sociedade

brasileira seja justa, igualitária, democrática e tolerante. (BRASIL, 2004, p. 13-

14).

O Brasil assume a sua caminhada em direção ao enfrentamento e ao combate a todas

as formas de discriminação, pois tem como meta de nação a construção de uma cultura de

paz. Os direitos são assegurados quando verdadeiramente todos são tratados com dignidade

e igualdades de direito. Uma cultura de paz requer de todos nós um comprometimento com

a liberdade, a dignidade e com a vida. Por isso que,

[...] quando falamos em cultura, não nos limitamos a uma visão tradicional de

cultura como conservação, seja dos costumes, das tradições, das crenças e mesmo

dos valores-muitos dos quais devem, é evidente, serem conservados. A cultura de

respeito à dignidade humana orienta-se para a mudança no sentido de eliminar

tudo aquilo que está enraizado nas mentalidades por preconceitos, discriminação,

não aceitação dos direitos de todos, não aceitação da diferença. (BENEVIDES,

2007, p. 1).

A argumentação da autora implica na construção de outra mentalidade que prioriza a

liberdade, justiça, igualdade, solidariedade, cooperação e a paz. É essa a outra cultura que

deve ser construída na sociedade e nas escolas, quem sabe pelo ER... É a conscientização

para a não discriminação e exclusão. BENEVIDES (2007, p. 7) enfatiza que “o objetivo

desta educação na escola é fundamentar o espaço escolar como uma verdadeira esfera

pública democrática”.

Apenas com uma educação em/para/com direitos humanos pautada na ética da

alteridade construiremos uma cultura de paz e uma sociedade na qual todos os seres vivos

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devem ter seus direitos assegurados e garantidos. E o ER pode ser esse instrumento para a

construção desse ideal.

2.3) A Educação na perspectiva do Ethos

Tanto a preparação quanto a prática transformadora na perspectiva do ethos precisam

ser guiadas por uma intenção significadora a ser apropriada pela atividade subjetiva do

conhecimento, isto é, será necessário que o cidadão volte a aproximar-se do senso de

solidariedade e seja educado para mais responsabilidade. E a construção desta nova

subjetividade passa impreterivelmente pela revalorização da função materna (energia

estruturadora que nos torna sensíveis a tudo o que tem a ver com a vida e a cooperação),

pelo desenvolvimento de uma consciência ecológica e pela redescoberta do transcendente.

Por isso, mais uma vez, reitera-se que o espaço e o tempo educativos constituem um

momento privilegiado, único e irrenunciável com vistas ao crescimento integral da pessoa.

Espaço e tempo estes, que a tornam capaz de transformar e disponibilizar os conhecimentos

adquiridos em benefício social, ajudando os outros a compreender e enfrentar os constantes

e complexos desafios que a história incessantemente apresenta.

Entendida como processo sistemático de transmissão e socialização do legado cultural

e histórico de todos os povos e todas as culturas do mundo ao longo dos tempos, a educação

constitui uma pergunta universal. É fora de dúvida que sempre houve a preocupação de

como transmitir e corroborar visões de mundo, como transmitir e ensinar técnicas de

sobrevivência, como transmitir e assegurar sistemas de valores. Muito mais que antes,

atualmente o papel da educação (incluindo o ER nas escolas públicas) vem sendo

questionado e desafiado a redefinir-se face ao confronto da diversidade cultural com a

globalização econômico-política e a homogeneização dos costumes.

Os sistemas únicos e as teorias gerais, propiciadores de ideias claras e distintas no

modo linear e causal de educar, ficaram comprometidos com a emergência da

multiplicidade de novas teorias demandando interdependência e circularidade na disposição

e compreensão do real. Até mesmo os critérios e fundamentos da pedagogia crítica de

tradição humanista passaram a ser questionados.

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Vivemos em uma época que corretamente renunciou à Teoria Unificada, uma

época na qual nos damos conta de que a história (tal como a “individualidade”, a

“subjetividade”, o “gênero”, a “cultura”) é composta de uma variedade de

fragmentos e não de inteiros epistemológicos sem rachaduras ou imperfeições

(SILVA, 2000, p. 26).

Apesar de privilegiar o conhecimento técnico e científico, por razões sócio-culturais, a

educação escolar não pode mais ignorar as outras formas de conhecimento. Como

instituição aberta ao universo da cultura, a escola, por meio do ER, deve equacionar-se com

todos os acontecimentos e todas as experiências protagonizadas pelo ser humano; inclusive

a experiência religiosa. “Como toda experiência humana, ela também tende à comunicação

e à socialização. Precisa ‘ser dita’; daí escolher tantos caminhos para realizá-la”

(CROATTO, 2002, p. 9). Quer dizer, também para as questões de dimensão religiosa está

sendo colocado o desafio de adequá-las ao complexo sócio-cultural a fim de favorecer uma

educação de futuros profissionais que corresponda às demandas do tempo e às necessidades

do contexto.

Nesta perspectiva, o ER é uma reflexão crítica sobre a práxis que estabelece

significados, já que a dimensão religiosa passa a ser compreendida como compromisso

histórico diante da vida e do transcendente. E contribui para o estabelecimento de novas

relações do ser humano com a natureza a partir do progresso da ciência e da técnica

(PCNER, 1998, p. 21).

Há que se admitir, portanto, que a recuperação da questão do sagrado, como substrato

da humanitas estruturada e fundamentada no ethos do ER, também deve se fazer presente

no processo de formação dos professores. Entenda-se sagrado não como credo confessional,

mas como mística do compromisso com o conhecimento, com a vida e com a alteridade,

pois “a educação espiritual, embora possa ter um conteúdo teórico, é essencialmente

vivencial” (CARDOSO, 1995, p. 62).

Não apenas a dimensão espiritual, mas o cerne do processo educacional enquanto tal

baseia-se preponderantemente nas relações concretas e vivenciais que educandos e

educadores paulatinamente vão tecendo e estabelecendo. Ora, sendo uma prática, a

educação ganha corpo e realidade histórico-social no pensar e no fazer de seus agentes

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profissionais para além do ambiente escolar e do aspecto didático-curricular. Conforme

SEVERINO,

a formação do profissional da educação não diz respeito apenas à formação de

professores. A docência em ambientes escolares não exaure o campo de atuação do

profissional, pois educação não é sinônimo de ensino e sim uma intervenção mais

abrangente alcançando outros espaços da vida da sociedade. A característica

referencial do trabalho educativo é a educabilidade, da qual a docência formal é

uma mediação fundamental, mas não exclusiva (SEVERINO, 2001, p. 141).

Abrangendo os vários aspectos, esse processo ocorre de diversas formas e em diversos

contextos de modo simultâneo: o familiar, o comunitário, o escolar e, inclusive, o religioso.

LIBÂNEO (1998, p. 44) afirma que a “aprendizagem de conceitos, habilidades e valores

envolve sentimentos e emoções, ligados às relações familiares, escolares e aos outros

ambientes em que os alunos vivem”.

Nesse sentido, entende-se que a relação pedagógico-educacional do profissional de

ensino ultrapassa o sentido estrito referido pela documentação oficial quando se refere às

habilidades dos que atuam nas instituições de educação formal. O trabalho do profissional

da educação não se restringe apenas a fazer aulas (RIOS, 2001, p. 27), mas deve

sobremaneira colaborar e contribuir “na explicitação e construção dos significados

educativos de toda situação de existência coletiva” (SEVERINO, 2001, p. 142) visando à

formação humana em sua integralidade.

Conforme postula ZABALA (2002, p. 53-57), a finalidade do ensino é levar o ser

humano a seu pleno desenvolvimento nas diferentes dimensões que o constituem: social,

interpessoal, pessoal e profissional. Na dimensão social, deverá aprender a participar

ativamente da transformação da sociedade com o objetivo de que seja cada vez mais justa,

solidária e democrática. Na dimensão interpessoal, precisará saber relacionar-se, educando-

se para a tolerância, a participação, a cooperação e a sadia convivência. Na dimensão

pessoal, necessitará autoconhecer-se, aprendendo a pensar por si mesmo e ser capaz de

exercer responsável e criticamente a própria autonomia e liberdade. Na dimensão

profissional, deverá dispor de conhecimentos e habilidades concernentes ao exercício de

tarefas ou atividades adequadas às suas necessidades e capacidades.

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Considerando que a religiosidade vem sendo focalizada neste trabalho como valor

constituinte da condição humana, insistimos também na relevância do desenvolvimento da

dimensão espiritual do ser humano como horizonte de sentido na resolução das questões

existenciais e como força unificadora na disposição e vivência dos valores ético-culturais.

A reconstrução desta perspectiva subjetiva do ser humano demanda uma prática

docente e uma abordagem de conteúdos voltadas para a vivência cotidiana dos educandos

em seu momento histórico e preocupadas com a extensão social do conhecimento.

**********************

Neste sentido, ethos e diversidade cultural são a razão da própria educação em e para

direitos humanos. Não podemos pensar em eixos temáticos de ensino fragmentados nos

espaços educacionais. Precisamos pensar na totalidade, os fatos, seres, ideias interligadas

entre si, pois o ser humano é uma totalidade. É nesse sentido que o Ministério da Educação

(MEC), por meio do Conselho Nacional de Educação (CNE), definiu as Diretrizes

Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Resolução n° 4/2010), que assim se

refere ao currículo:

Art. 13. O currículo, assumindo como referência aos princípios educacionais

garantidos à educação, assegurados no artigo 4º desta Resolução, configura-se

como o conjunto de valores e práticas que proporcionam a produção, a

socialização de significados no espaço social e contribuem intensamente para a

construção de identidades socioculturais dos educandos.

Essas diretrizes refletem uma preocupação voltada ao ser humano em sua totalidade

enquanto diverso. Busca-se inserir o sentido da alteridade, jeito próprio de se fazer humano,

relação intersubjetiva e responsável pelos outros.

Nesse sentido, a grande questão que se apresenta é: Como pensar/fazer o ER nas

escolas públicas em, com e para a dignidade humana e construir o diálogo entre e com

saberes na elaboração de conhecimentos com e para a cidadania?

A escola precisará tornar-se lugar de conhecimento de saberes teóricos e práticos; das

convivências prazerosas; dos conflitos em relações e interações; do reconhecimento dos

diferentes em suas diferenças; da cumplicidade e da sabedoria em exercícios de alteridade;

da construção de identidades dialógicas, não lineares e analíticas; da percepção da cultura

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como espaço da construção de valores sociais, epistêmicos e étnicos; do reconhecimento de

que somos seres humanos com direitos e deveres.

Nessa direção, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica

(BRASIL, 2010) afirmam no

Art. 20. O respeito aos educandos e a seus tempos mentais, socioemocionais,

culturais e identitários é um princípio orientador de toda a ação educativa, sendo

responsabilidade dos sistemas a criação de condições para que crianças,

adolescentes, jovens e adultos, com sua diversidade, tenham a oportunidade de

receber a formação que corresponda à idade própria de percurso escolar.

O ER nas escolas, ao assumir e incorporar essa diretriz, poderá ser um

tempo/espaço/lugar do ethos da solidariedade e da responsabilidade para o livre e pleno

desenvolvimento de todos os educandos, contemplando a diversidade das etnias, culturas e

expressões religiosas e não religiosas. Mas como conhecer, respeitar e conviver com os

diferentes ethos religiosos e não religiosos sem ferir e violar os direitos e deveres de

estudantes e educadores?

Em primeiro lugar, todos os seres humanos interagem com os outros de muitos modos,

e são esses modos de interação que devemos descobrir e respeitar. A escola é o lugar do

encontro de diversos ethos, portanto, inúmeras visões de mundo se apresentam mutuamente.

O educador é o interlocutor dos mais variados mundos e modos de vivê-lo. É nisso que

reside o sucesso do aprendizado e da vivência dos direitos humanos. O educador precisa

permitir e viabilizar que os diversos ethos dialoguem entre si e sobre si, pois são mundos e

diferentes formas de leitura desses mundos trazidas pelos sujeitos a partir das suas

experiências e interpretações.

Em segundo lugar, o ethos é a expressão dos saberes de cada um, seus dilemas e

crises. É também o lugar das manifestações do sagrado e do profano, das ciências e do bom

senso. A escola tem o privilégio de ser o habitat do humano em seus múltiplos aspectos,

respeitando e reconhecendo sua diversidade. É uma questão de justiça respeitar a todos pelo

simples fato de serem humanos. Nisso reside a luta por um ER em/com/para os direitos

humanos, pois, acima de tudo, direitos humanos é construir sujeitos de e com direitos e

deveres.

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Considerações Finais

Esse capítulo fechou o círculo da proposta desta dissertação. Unido às perspectivas

dos capítulos precedentes — onde se buscou analisar a importância do modelo das Ciências

da Religião para o ER, bem como os aspectos da transdisciplinaridade e transreligiosidade

—, completou-se com este capítulo uma proposta de ER que objetiva uma educação mais

integral. Ela se revela como responsável, completa, consequente e comprometida com a

construção da cidadania, objetivando a busca de convivência harmoniosa de pessoas de

diferentes religiões e culturas, em um cenário marcado por tensões, formas e culturas de

violências entre os grupos. A meta seria promover a dignidade humana, o diálogo, o

respeito e a paz através do espaço-tempo-e-lugar caracterizado pelo ER nas escolas

públicas.

Para isto, foram apresentados o desafio do ER diante do pluralismo religioso e de uma

ética global. Assim, pode-se perceber as múltiplas representações religiosas, culturais e

éticas que jazem nas ambiências escolares as quais desafiam o ER em como pensar/fazer

seu papel nas escolas públicas, articulando o encontro de diversos ethos para a dignidade

humana, construindo o diálogo entre e com saberes na elaboração de conhecimentos com e

para a cidadania, objetivando a formação para paz.

Ao analisarmos os aspectos da globalização e o crescimento da pluralidade religiosa,

pode-se perceber a multiplicidade de possibilidades que envolve ser humano em suas visões

da realidade, e que o pluralismo, portanto, está presente de muitas formas. Ser humano é ser

plural. De modo que o ER pode se constituir numa via social importante para articular essas

pluralidades dentro do contexto de uma ética global que estimula a promoção da cidadania,

o respeito e convívio pacífico.

Por fim, possibilitou-se analisar o ethos como um legado da diversidade cultural e o

ER na perspectiva do ethos. Vimos que a força ética das religiões pode nos fornecer

elementos essenciais para a tolerância, o respeito, o convívio e a formação da paz entre os

diferentes.

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CONCLUSÃO

A história do ER nas escolas públicas no Brasil é de avanços e retrocessos, e também

inconclusa. O ER sempre fez parte do desenvolvimento da educação nacional, mas precisa

hoje ser pensado dentro de uma proposta pedagógica que o liberte do peso da filiação

religiosa (JUNQUEIRA, 2002) que tanto lhe embaraçaram nos últimos séculos. O que

estamos propondo, em sintonia com diversos setores que avaliam a temática, é uma nova

atitude educacional, uma abertura epistemológica, sobretudo, que transcenda certo mal-

entendido laicismo (LEAL, 2005) que procura relegar o ER da escola pública a uma

concepção catequético-doutrinal ou teológico-confessional.

Não é excluindo o ER do currículo que resolveremos o problema da laicidade escolar,

mas ofertando um ensino público desprovido de inferência religiosa dominante. A exclusão

da educação religiosa na escola pode favorecer a fenômenos religiosos patológicos. Uma

das principais tarefas do ER na educação hoje seria, dentro do quadro conflitivo que

vivenciamos, contribuir com o diálogo em um mundo plural, construindo relacionamentos

recíprocos e voltados para a paz mundial (KÜNG, 1998).

O ER no contexto hodierno se vê desafiado na tentativa de ajudar a remediar as

ambiguidades e distorções da religião em geral e de determinadas expressões religiosas em

particular, aberrações que hoje, verificamos em conflitos, violências, guerras e ações

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terroristas. Nesta mesma perspectiva, é tarefa fundamental do ER ajudar a definir critérios

éticos civis e globais de autenticidade religiosa pelos quais as pessoas possam conviver

pacífica e respeitosamente em meio as diferenças culturais e religiosas, contribuindo de

modo substancial na educação para a cidadania e a construção de sociedades mais humanas.

Trata-se de uma temática relevante para os nossos dias, sobretudo, dentro da

globalização em curso e diante de conflitos mundiais estabelecidos no planeta.

Desta forma, conforme já mencionamos nesta pesquisa, não é propondo a incultura

religiosa e excluindo o ER da escola que contribuímos para a formação do cidadão, mas sim

possibilitando o acesso apropriado à sua reflexão na escola pública, uma vez que se trata de

um componente que colabora com a educação integral do aluno.

Assim, nesta dissertação pode ser visto a importância de nos conscientizar de que a

própria história do ER no Brasil já demonstra sua ambiguidade e complexidade, o que

envolve aspectos políticos, jurídicos, religiosos e epistemológicos, os quais foram tratados

ao longo de nosso trabalho.

O ER como integrante do corpo curricular da formação básica do cidadão mostra que

a legislação educacional do Brasil considera e respeita a dimensão transcendente do ser

humano. Por muito tempo o fenômeno religioso foi excluído das matrizes escolares no

Brasil. Esse tipo de atitude, no fundo, revelava uma violência ao homo religiosus. Esta

pesquisa procurou demonstrar como as diferentes religiões podem favorecer a formação de

uma cultura da paz e da convivência harmoniosa entre os povos de culturas distintas, ainda

que estejam mergulhados em um quadro conflitivo e violento.

A atual legislação educacional numa visão mais holística do ser humano visa corrigir

as deficiências do passado. Na análise dessa nova proposta de ER no Brasil, a pluralidade é

respeitada e assegurada no desenvolvimento da disciplina. Já no campo da formação

didática dos professores, permanece uma lacuna que entrava o desenvolvimento de uma

prática pedagógica, por parte do docente, que esteja em conformidade com a avançada

legislação para o ER. Falta a capacitação profissional dos docentes para a atuação na área

do ER. Essa talvez seja a principal dificuldade enfrentada hoje, aliada ao preconceito que a

disciplina ainda tem, tanto entre os professores quanto entre os alunos.

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O nosso trabalho buscou ser uma tentativa de promover o conhecimento da nova

proposta de ER presente na Lei N.º 9.475/1997 e nos Parâmetros Curriculares Nacionais do

Ensino Religioso. Procurou-se realçar a elaboração da nova epistemologia para o ER na

escola pública a partir dos pressupostos da legislação (o modelo das Ciências da Religião),

tendo em vista a sua fundamentação transdisciplinar e transreligiosa, perpassada pela

Teologia do Pluralismo Religioso, objetivando utilizar a força éticas das religiões como

proposta para uma ética civil global. Este desafio constitui-se num campo inovador a ser

explorado no currículo escolar brasileiro. Essa é uma visão nova. Para muitos estudiosos o

diálogo entre a teologia e o ER não assume a proposta epistemológica da disciplina,

portanto, o modelo das Ciências da Religião pela fundamentação transdisciplinar e

transreligiosa, perpassada pela teologia do pluralismo religioso nos pareceu adequada para a

atual conjuntura social.

As propostas pedagógicas da escola deverão assegurar o tratamento interdisciplinar e

transdisciplinar, contextualizado para os conhecimentos do ER. O mesmo não pode ceder à

ingenuidade de negar o papel das tecnologias nos processos históricos e sociais e sim

promover os conhecimentos para o ER numa coligação à concepção de uma educação para a

liberdade, que proporcione a autonomia e a desalienação.

Quando a escola promove condições de aprendizado em todas as disciplinas, o

entusiasmo nos fazeres e a paixão nos desafios constroem a própria cidadania em sua

prática, dando condições para a formação dos valores humanos necessários e fundamentais,

como objetivos principais da educação.

Multipliquei-me, para me sentir.

Para me sentir, precisei sentir tudo. Transbordei, não fiz senão extravasar-me.

Despi-me, entreguei-me, E há em cada canto da minha alma,

Um altar a um deus diferente.

Fernando Pessoa

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