novos panoramas para o ensino...
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
RONALD LIMA DA SILVA
NOVOS PANORAMAS PARA O ENSINO RELIGIOSO:
Uma análise do modelo das Ciências da Religião para o
Ensino Religioso nas escolas públicas, tendo em vista
os aspectos da transdisciplinaridade, transreligiosidade
e pluralismo religioso
São Bernardo do Campo
2017
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
RONALD LIMA DA SILVA
NOVOS PANORAMAS PARA O ENSINO RELIGIOSO:
Uma análise do modelo das Ciências da Religião para o
Ensino Religioso nas escolas públicas, tendo em vista
os aspectos da transdisciplinaridade, transreligiosidade
e pluralismo religioso
Orientador: Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, da
Universidade Metodista de São Paulo, como
requisito parcial para obtenção do Grau de
Mestre.
São Bernardo do Campo — 2017
A dissertação de mestrado intitulada “NOVOS PANORAMAS PARA O ENSINO
RELIGIOSO: Uma análise do modelo das Ciências da Religião para o Ensino
Religioso nas escolas públicas, tendo em vista aspectos da transdisciplinaridade,
transreligiosidade e pluralismo religioso”, elaborada por RONALD LIMA DA SILVA
foi apresentada e aprovada em 09 de março de 2017, perante banca examinadora composta
por Prof. Dr. Cláudio de Oliveira Ribeiro (UMESP), Prof. Dr. Luiz Jean Lauand (UMESP)
e Prof. Dr. João Décio Passos (PUC/SP).
______________________________________________
Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
______________________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do PPGCR – UMESP
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião
Área de Concentração: Linguagens da Religião
Linha de pesquisa: Teologias das Religiões e Cultura
Ao meu pai, Job Gilson (in memoriam), que faleceu durante este curso de mestrado, com todo meu amor e gratidão, por tudo que fez por mim ao longo de minha vida. Desejo poder ter sido merecedor do esforço dedicado por ele em todos os aspectos, especialmente quanto à minha formação.
Ao meu jovem sobrinho, Matheus Marques, que está lutando fortemente contra duas agressivas leucemias. Você tem sido uma inspiração para eu continuar fazendo e lutando pelo que eu amo.
AGRADECIMENTOS
Esta é uma página que poucos leem, mas que o autor não se pode furtar a escrever:
nela apresento minha gratidão a quem se tornou cúmplice da dissertação que acabei
escrevendo:
Deus: por Sua presença constante e por todo bem a mim concedido;
Daniele, minha esposa: pela saudade contida, apoio, paciência e carinho;
Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro: pelas orientações, constante incentivo e
compreensão nos momentos mais difíceis;
Rev. Flávio dos Santos: pelos conselhos e incentivos que me
conduziram até aqui;
CNPq: pelo patrocínio integral;
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião: pelo
apoio, confiança e acolhida;
SILVA, Ronald Lima da. NOVOS PANORAMAS PARA O ENSINO RELIGIOSO: Uma
análise do modelo das Ciências da Religião para o Ensino Religioso nas escolas públicas,
tendo em vista os aspectos da transdisciplinaridade, transreligiosidade e pluralismo
religioso. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião. São Bernardo do Campo:
Universidade Metodista de São Paulo, 2017. 149 p.
RESUMO
O escopo desta pesquisa objetiva evidenciar a contribuição que o Ensino Religioso
(ER) nas escolas públicas é capaz de proporcionar para o desenvolvimento de uma cultura
de paz, de tolerância, de respeito e de convivência harmoniosa em sociedade, em meio a
aguçados conflitos. Dentro de um contorno pedagógico, o ER, em conformidade com os
Parâmetros Curriculares Nacionais e a legislação educacional brasileira, abriga, não
obstante seus limites e ambiguidades, a diversidade de crenças e o pluralismo religioso.
Assim, esta pesquisa visa discutir e realçar o modelo das Ciências da Religião para o ER na
escola pública, tendo em vista a sua fundamentação transdisciplinar e transreligiosa,
perpassada pela Teologia do Pluralismo Religioso. Tal visão procura utilizar a força ética
das religiões como proposta para uma ética civil global, cujo desafio constitui-se num
campo inovador a ser explorado no currículo escolar brasileiro. Como elemento da
formação e do desenvolvimento para a cidadania, essa matéria escolar pode incentivar,
favorecer e/ou promover o respeito entre grupos religiosos e também com setores não
religiosos em vista da construção de uma ética global. É fato que, na vida em sociedade,
estão presentes as religiões, e mesmo os não crentes necessitam entender, tolerar, respeitar e
conviver com os crentes e vice-versa. Sendo assim, a disciplina de ER, se vista nesta
perspectiva, pode promover uma educação para a tolerância, o respeito, o convívio pacífico
entre as pessoas de convicções religiosas diferentes, e entre religiosas e não religiosas.
Visando contribuir com esta visão, sistematizamos algumas bases teóricas sobre a temática.
Palavras-chaves: Ensino Religioso; Transdisciplinaridade; Transreligiosidade; Ethos;
Pluralismo Religioso.
SILVA, Ronald Lima da. NEW SCENARIOS FOR RELIGIOUS EDUCATION: An
analysis of the model of the Religious Sciences for Religious Education in public schools, in
view of transdisciplinarity, transreligiosity and religious pluralism. Dissertation in Science
of Religion. São Paulo Methodist University: São Bernardo do Campo, 2017. 149 p.
ABSTRACT
The scope of this research aims to highlight the contributions from the Religious
Education (RE) to the public schools, and its capacity to contribute to development of the
peace culture, tolerance, respect and harmonious coexistence in society, in the face of the
scathing conflits. In the pedagogical profile, the RE, in conformed to the National
Curricular Parameters and the Brazilian educational legislation, despite of its limits and
ambiguities, holds the diversity of believes and the religious pluralism. This way,
considering the transdisciplinary and transreligious basis of Sciences of Religion, which is
permeated by the Theology of the Religious Pluralism, this research purposes to discuss and
point out the Sciences of Religion model to the RE in public school. Such a view intends to
utilize the religions ethical power as a proposal for a global civilly ethical, whose challenge
is constituted in a innovate field to be explore in the Brazilian scholar curriculum. As an
element of training and development for the citizenship, this school subject can incentive,
benefit, and/ or can further the respect between religious groups and nonreligious sectors as
well, in order to build a global ethical. Accordingly, it’s fact that religions are present in the
life in society, and even people non-believers need to understand, tolerate, respect and
coexistent with the believers and vice versa. Therefore, the RE subject can promote an
education for the tolerance, respect, and peaceful coexistence between people with different
religious convictions, believers or non-believers as well.
Keywords: Religious Education; Transdisciplinary; Transreligiosity; Ethos; Religious.
SUMÁRIO
Introdução ______________________________________________________________ 11
Capítulo 1: Os Modelos de Ensino Religioso no Brasil e os desdobramentos de um novo
conceito de ensino religioso ________________________________________________ 16
Introdução ____________________________________________________________ 16 1) Os Modelos de Ensino Religioso ________________________________________ 17
1.1) O Modelo Catequético ___________________________________________________ 21 1.2) O Modelo Teológico _____________________________________________________ 23 1.3) O Modelo das Ciências da Religião _________________________________________ 25
2) Um novo conceito de Ensino Religioso ___________________________________ 28 3) Educação religiosa e Ciências da Religião _________________________________ 37
3.1) A área das Ciências da Religião ____________________________________________ 37 3.2) Ciências da Religião e Fenomenologia da Religião _____________________________ 39 3.3) Contribuições das Ciências da Religião para o Ensino Religioso ___________________ 45 3.4) Formação de docentes para Ensino Religioso __________________________________ 49 3.4.1) O papel das licenciaturas em Ciências da Religião __________________________ 49 3.4.2) Proposta de diretrizes curriculares nacionais para a formação do docente de Ensino
Religioso__________________________________________________________________ 52 Considerações Finais ____________________________________________________ 58
Capítulo 2: Bases teóricas de um novo fundamento epistemológico para o Ensino Religioso
_______________________________________________________________________ 59 Introdução ____________________________________________________________ 59 1) Considerações Preliminares: Críticas à existência de Ensino Religioso nas escolas
públicas ______________________________________________________________ 60 2) A nova epistemologia para o Ensino Religioso: Inteligência Geral _____________ 66 3) O que é transdisciplinaridade? __________________________________________ 69 4) O que é transreligiosidade? ____________________________________________ 72 5) Metodologia Transdisciplinar e Ensino Religioso na Escola Pública ____________ 74
5.1) Complexidade: Ensino Religioso e Incerteza __________________________________ 77 5.2) Complexidade: Ensino Religioso e Laicidade _________________________________ 82 5.3) Níveis de realidade: Ciência e Tradição, a complementariedade dos opostos _________ 83
5.4) Lógica do Terceiro incluído: justiça religiosa __________________________________ 87 6) Ensino Religioso e a Legislação da Educação no Brasil: Desafios e Perspectivas __ 92 Considerações Finais ____________________________________________________ 97
Capítulo 3: O Ensino Religioso diante do Pluralismo Religioso e da Ética Mundial _____ 98 Introdução ____________________________________________________________ 98 1) Pluralismo Religioso e Teologia ________________________________________ 99
1.1) Globalização e pluralidade religiosa _______________________________________ 100 1.2) Teologia do Pluralismo Religioso _________________________________________ 103
2) Ensino Religioso e Ética Mundial: a formação para a paz ___________________ 109 2.1) Fundamentos da ética e alteridade _________________________________________ 109 2.2) Ethos e direitos humanos: um legado da diversidade cultural ____________________ 114 2.2.1) O Ethos: Lugar onde se habita: _______________________________________ 115 2.2.2) Ethos: Liberdade e Diversidade: ______________________________________ 117 2.2.3) Ethos, Diversidade Religiosa e Direitos Humanos ________________________ 121 2.3) A Educação na perspectiva do Ethos _______________________________________ 126
Considerações Finais ___________________________________________________ 131
Conclusão _____________________________________________________________ 132
Referências Bibliográficas ________________________________________________ 135
INTRODUÇÃO
Uma característica expressiva da vivência em sociedade é o fenômeno religioso. E
como está presente na vida social, o fenômeno religioso também incidi na ambiência
escolar.
Na sala de aula deparamos com crenças, práticas, ideais, posturas, comportamentos e
atitudes fundamentadas em convicções religiosas. A vivência escolar também agrega
crenças diferentes. A formação do individuo desenvolvida na escola deve proporcionar a
convivência, a tolerância e a paz entre os cidadãos que compartilham crenças religiosas
divergentes, pois a convivência não obriga a pessoa a aceitar valores ou ideais com as quais
não se identifica, mas o obriga a respeitá-los. As divergências de crenças religiosas não
justificam a não convivência pacífica e harmoniosa entre os seres humanos em sociedade.
É fato que, na vida em sociedade, estão presentes as religiões, e mesmo os não
crentes necessitam entender, tolerar, respeitar e conviver com os crentes e vice-versa. Sendo
assim, a disciplina de ER, se vista nesta perspectiva, pode promover uma educação para a
tolerância, o respeito, o convívio pacífico entre as pessoas de convicções religiosas
diferentes, e entre religiosas e não religiosas.
A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da diversidade das
culturas de nosso mundo. [...] é a harmonia na diferença; é uma virtude que torna a
paz possível e contribui para substituir uma cultura de guerra por uma cultura de
paz; não é concessão, condescendência, indulgência; é, antes de tudo, uma atitude
ativa fundada no reconhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das
liberdades fundamentais do outro (DECLARAÇÃO, 1995, n.p.).
12
Tolerância em nosso trabalho, portanto, preconiza o reconhecimento do outro como
um ser de direito. De modo que, seja qual for a atitude que se apresente como algo que force
alguém a adotar uma decisão contrária as suas convicções religiosas, é capaz de lesar o
direito às liberdades fundamentais do outro.
Nota-se, em nosso país, o desrespeito entre grupos religiosos. Obviamente que esse
tipo de atitude é resultado de uma construção histórica, ou seja, o desrespeito e a
intolerância entre pessoas que possuem convicções religiosas divergentes não é um
fenômeno que teve origem nos dias atuais. No entanto, é importante lembrar que a liberdade
religiosa é um direito humano internacionalmente reconhecido, ao passo que a intolerância
transgride os direitos humanos, põe em risco à democracia e a paz.
A inexistência de uma ação de respeito e tolerância para com a diversidade religiosa
presente na escola pode acarretar na propagação de preconceitos e discriminações. Levando
em conta que a escola precisa por em execução a formação política e social dos alunos
como cidadãos, é essencial que ela propague valores éticos fundamentados na convivência
harmoniosa entre as pessoas, a despeito das diversidades, até mesmo de natureza religiosa.
A força ética das religiões pode fornecer o substrato para uma ética civil global,
podendo ser capaz de colaborar para a formação de uma cultura de paz e tolerância entre os
seres humanos. Visto nesta perspectiva, o ER enquanto disciplina escolar, possibilita
contribuir para promover a tolerância e o respeito entre as pessoas, estimulando o convívio
pacífico entre pessoas que têm convicções religiosas distintas. Mesmo aqueles que não são
religiosos, necessitam aprender a coexistir com outros que possuem suas crenças religiosas.
Isso pode ajudar a diminuir a intolerância religiosa presente na sociedade.
A compreensão de ER presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN´s
(BRASIL, 1998) conjectura novos panoramas para a sua prática pedagógica. Podemos
considerar inovadoras suas perspectivas, que servem de fundamentos à ação docente. Os
apontamentos de caráter normativo (os quais veremos mais detalhadamente no primeiro
capítulo) presentes nos PCN´s apresentam uma mudança emblemática no ER.
Neste palco de transmudação, esta dissertação consiste em apresentar o trabalho que
os Parâmetros Curriculares Nacionais (permeado no viés das Ciências da Religião e aliado
13
aos aspectos da transdisciplinaridade, transreligiosidade e pluralismo religioso)
desempenham para a evolução da pedagogia do ER. Diante das condições impostas pelo
vigente contexto sociocultural complexo e pluralmente religioso, é de extrema necessidade
harmonizá-lo as propostas atuais dos Parâmetros Curriculares Nacionais ― cujas
proposituras discorremos nesta pesquisa. Ou seja, procuramos incluir o ER numa proposta
pedagógica que se lance numa nova cosmovisão, respondendo aos anseios por uma
educação religiosa democrática, que possibilite levar em consideração a diversidade das
expressões religiosas.
Temos a intenção de progredir no processo que caracterize o ER dentro de um perfil
pedagógico. Ao longo desta dissertação buscamos detectar como essa disciplina escolar
pode contribuir para a educação destinada a paz e ao convívio harmonioso entre as pessoas
com crenças religiosas diferenciadas, mesmo reconhecendo o quadro religioso conflitivo da
sociedade atual. Para isso, vamos identificar algumas tendências significativas e descrevê-
las.
Dentro da realidade social negada pelas variadas formas opressivas de vida da
cultura dominante com seus desdobramentos sociais injustos (incluindo a supressão da
religião e crenças do outro dominado), é que nascem as lutas contra aos mais variados
exemplos de dominação e discriminação do outro. Surgem igualmente dimensões
afirmativas da pluralidade de caminhos para o reconhecimento humano.
O conhecimento religioso, como sistematização de uma das dimensões da relação do
ser humano é um instrumento que auxilia na superação das ambiguidades e das contradições
de respostas isoladas de cada cultura e grupo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais visam
renovar o ER num contexto de rápidas mudanças que questionam as muitas formas de
existir e de agir das comunidades culturais de cada indivíduo.
O ER sempre fez parte do quadro da Educação no Brasil, mas se vê hoje desafiado a
sanear as ambiguidades e distorções históricas para manter-se nos sistemas escolares.
Durante o período Colonial foi entendido como catequese eclesial, o que era bastante
conveniente aos interesses do Padroado. Com a República e a consequente separação entre
Igreja e Estado em 1889, surgiram os primeiros questionamentos a um modelo de ER
14
confessional, uma vez que violava o princípio de laicidade do Estado (JUNQUEIRA, 2002;
FIGUEIREDO, 1995). Mas é somente durante o século XX que surge a necessidade de uma
nova consciência, uma ética global decorrente do pluralismo cultural e religioso presente no
Brasil e no mundo. Por isto, a nova LDBN nº. 9.394, alterada em seu artigo 33, de 25 de
julho de 1997, contempla a diversidade religiosa e veta o uso do proselitismo. Assim, o
modelo de ER confessional avança para a modalidade Teológica e das Ciências da Religião
(PASSOS, 2007; SOARES, 2010). Porém, pensamos que ainda é preciso construir uma
proposta de ER mais amplo e que responda melhor a necessidade da formação integral dos
estudantes e aos desafios de uma sociedade complexa e globalizada.
De fato, com a legislação da LDB/97 houve uma mudança de paradigma na
concepção de ER que passou a ser compreendido como parte integrante da formação básica
do cidadão e área de conhecimento. Tal feito nos coloca diante de um novo desafio:
fundamentar mais substancialmente o ER no contexto da escola pública. Dessa forma, esta
pesquisa tem como objetivo geral analisar como a metodologia transdisciplinar e
transreligiosa na disposição das Ciências da Religião, em diálogo com as concepções do
pluralismo religioso, pode abalizar o ER escolar no contexto de uma sociedade laica. Como
recursos metodológicos, optamos por utilizar a pesquisa bibliográfica através de autores que
trabalham a temática do ER, das Ciências da Religião, da transdisciplinaridade, da
transreligiosidade, do pluralismo religioso e do ethos, dentre os quais: João Décio Passos,
Sérgio Rogério Azevedo Junqueira, Anísia de Paulo Figueiredo, Afonso M. L. Soares,
Gilbraz Aragão, Ana Maria Tepedino, Edgar Morin, e Basarab Nicolescu. Nossa pesquisa,
portanto, será estritamente bibliográfica, ou seja, partirá basicamente de uma leitura crítica e
reflexiva de autores e autoras que trabalharam os referidos temas.
Assim, defenderemos a necessidade de um modelo mais integral para o estudo do
fenômeno religioso pela abordagem transdisciplinar associada aos conceitos de
complexidade (MORIN, 2000; 2002; 2010a; 2010), níveis de realidade e terceiro incluído
(NICOLESCU, 1999; 2002), transreligiosidade (ARAGÃO, 2010; 2015), com o ideal de
fomentar a formação dos estudantes numa perspectiva de integralidade e da cidadania
(PASSOS, 2007; SOARES, 2010), conforme expresso no artigo 33 da LDB nº 9.394/96,
com a nova redação do Artigo 33. Esta, propõe um novo paradigma para o ER; discorrendo
15
a necessidade da escola pública e laica se tornar um lugar, um ethos, de conhecimento de
saberes teóricos e práticos, de convivências prazerosas, de interações, de reconhecimento
dos diferentes em suas diferenças, da cumplicidade e da sabedoria em exercícios de
alteridade, da construção de identidades dialógicas, da percepção da cultura como espaço da
construção de valores sociais, epistêmicos e étnicos, do reconhecimento de que somos seres
humanos com direitos e deveres. Será apresentada a relevância da reflexão teológica sobre o
pluralismo religioso no Brasil e sua contribuição para o ER em escolas públicas num Estado
laico, possibilitando pistas para a superação da intolerância e do exclusivismo pela abertura
ao diálogo inter-religioso (BOFF 1983; 1999; 2002; 2004; TEIXEIRA 1993; 1995; 2001;
20114; 2007; 2012; QUEIRUGA, 1997; 1998; 1999; 2001; QUADROS 2004; CROATTO
1984; 2002; 2010). Defenderemos a importância da escola pública quanto a se tornar um
tempo/espaço/lugar do ethos da solidariedade e da responsabilidade para o livre e pleno
desenvolvimento de todos os educandos, contemplando todas as etnias, culturas e
expressões religiosas e não religiosas; como conhecer, respeitar e conviver com os
diferentes ethos religiosos e não religiosos sem ferir e violar os direitos e deveres de
estudantes e educadores (KÜNG 1998; 1998; VAZ, 1995; DUSSEL, 1997; AGOSTINI,
1993).
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CAPÍTULO 1: OS MODELOS DE ENSINO RELIGIOSO
NO BRASIL E OS DESDOBRAMENTOS DE UM NOVO
CONCEITO DE ENSINO RELIGIOSO
“A Religião gera a separatividade;
a Espiritualidade abraça a diversidade e promove união”.
(Autor Desconhecido)
Introdução
A finalidade deste capítulo é apresentar as tipologias de ER no Brasil ao longo da
história em suas respectivas cosmovisões: o Modelo Catequético, o Modelo Teológico e o
Modelo das Ciências da Religião e avaliá-los no sentido de e realçar o modelo das Ciências
da Religião como um novo conceito de ER, cujo método, suas contribuições para o ER e
para a formação de docentes nas escolas públicas brasileiras consideramos mais adequados
e relevantes.
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A análise desses modelos será a base para críticas e apontamentos posteriores que
faremos no segundo e terceiro capítulo desta dissertação. Portanto, este capítulo, por ser
descritivo, é um item importante para nossa pesquisa e para a apresentação de novos
panoramas para o ER nas escolas públicas, especialmente tendo em vista os aspectos da
transdisciplinaridade, transreligiosidade e pluralismo religioso, que veremos adiante.
Três passos serão dados em nossa descrição. O primeiro fará uma descrição dos três
modelos de ER existentes na história do ER no Brasil. Será exposto cada modelo de ER em
seus respectivos períodos na história do Brasil e suas características. O segundo passo
consiste em descrever um novo conceito de ER, sua aplicação pedagógica, sua metodologia
e sua utilidade para a formação cidadã. E o terceiro passo exporá a educação religiosa vista
sob a perspectiva das Ciências da Religião. Será apresentada detalhadamente as
contribuições das Ciências da Religião para o ER e as propostas da formação de docentes
para o ER.
1) Os Modelos de Ensino Religioso
Dentro de um panorama histórico, podemos identificar a composição de três modelos
bases do ER no Brasil: o Catequético, o Teológico e o das Ciências da Religião ― ou
Modelo Fenomenológico (PASSOS, 2006, p.21-45). Nos diferentes períodos de nossa
história encontramos a predominância de algum deles. Atualmente, frente à complexidade
do fenômeno religioso podemos confirmar que ainda os três modelos prevalecem no
exercício pedagógico dos professores do ER.
Mesmo perante os progressos na configuração do estatuto epistemológico da
disciplina, e da legislação atual que adota o modelo oferecido pelas Ciências da Religião,
ainda há uma intensa presença dos modelos anteriores. Uma simples observação ao campo
com professores do ER seria capaz de identificar isso. Acreditamos que a deficiência está na
formação dos professores e na dificuldade da implementação de cursos de licenciatura em
Ciências da Religião.
O ER adquire traços diferenciados de acordo com o ambiente escolar. Se a disciplina é
proporcionada em uma escola pública ela necessita se orientar precisamente pela legislação
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civil, no caso a lei 9.475 de 1997 (BRASIL, 1997). Já no caso das escolas confessionais
encontramos outro rumo para a disciplina. Não que elas não estejam obrigadas a cumprir a
lei, elas devem cumpri-la, todavia, a confessionalidade da instituição conservar-se
preservada de tal modo que o ER na escola confessional toca na fé religiosa professada pela
escola. Esse fato é garantido pela legislação, nos variados Estados do Brasil.
Em linhas gerais, como expusemos, sobressaem no Brasil três modelos referenciais de
ER. O primeiro deles, de cosmovisão unireligiosa, é denominado Catequético. Este modelo
prevaleceu na escola pública desde o período Colonial até as últimas décadas do século XX,
e mesmo hoje ainda há resquícios de sua prática. Oficialmente foi corroborado pela LDBEN
n° 4.024 de 1961. Com as mudanças no panorama social, político e cultural da sociedade
brasileira nas décadas de 70 e 80, outro modelo foi adotado, de cunho plurireligioso e
antropológico, intitulado Teológico, regulamentado pela legislação das LDBEN nº 5.692/71.
Esta alternativa pareceu, a princípio, ser uma boa opção para a efetivação do ER na escola
laica, pois tratada Religião enquanto dimensão essencial do ser humano, sem fechar-se a
outras experiências de fé. Porém, como não há teologia aconfessional ou supraconfessional
(SENA, 2007, p. 92), este modelo terminou por induzir a catequese dissimulada, gerando
novas discussões e polêmicas.
Mais recentemente, devido a outras reformas no campo da Educação nacional, a
regulamentação da LDBEN nº 9.394/96, alterada em seu art. 33, estabeleceu nova
modalidade de ER, agora sob o prisma de respeito à diversidade cultural e religiosa no
Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Esta nova legislação teve o mérito de
homologar o modelo de ER Fenomenológico ou das Ciências da Religião (PCNER, 2009;
PASSOS, 2007; SENA 2006; SOARES, 2010); o que mais adiante foi implementado pelas
Resoluções do CEB/CNE nº 02/98 e CNE/ nº 07 de 14 de dezembro de 2010, que situaram o
ER como área de conhecimento e componente curricular obrigatório no Ensino
Fundamental, ficando aos Estados o papel de regulamentá-lo conforme as leis próprias.
Porém, quando tudo parecia caminhar para um desfecho cobiçado pelos profissionais
da área da educação que ansiavam a superação de modelos de ER que não mais respondiam
adequadamente a conjuntura religiosa e cultural no Brasil, novas dificuldades surgiram,
19
sobretudo, em razão de não haver uma diretriz nacional comum que norteie a
implementação do ER nos Estados, havendo grande disparidade na interpretação das leis. O
Rio de Janeiro, por exemplo, chegou a estabelecer em seu sistema de ensino um modelo de
ER Catequético (Lei nº 3.459/2000), embaraçando seu processo de efetivação conforme a
LDBEN nº 9.394/96, alterada em seu art. 33. São Paulo também apresentou suas
dificuldades. Conforme PASSOS (2007), a Igreja Católica neste Estado buscou oficializar
um ER confessional, inclusive convocando suas forças para agilizar este processo junto às
escolas de São Paulo:
“A Pastoral Regional do Ensino Religioso realizará encontro anual de educador e
agentes de pastoral educativos, visando à implantação e à dinamização de Ensino
Religioso confessional católico nas escolas estaduais e municipais” (Publicado no
Jornal O São Paulo, de 12 de abril de 2006).
Ao lado destes acontecimentos, foi assinado em 2008, pelo então presidente Luis
Inácio Lula da Silva e o Papa Bento XVI, o Acordo Brasil – Santa Sé, que defende
abertamente a confessionalidade do ER na escola pública, gerando grande polêmica em
nível nacional.
O fato é que, às vésperas de legitimar um ER com base científica na escola pública do
Brasil, nos vimos, mais uma vez, envoltos em disputas entre Igreja e Estado (JUNQUEIRA,
2002). Até hoje esta disciplina não conseguiu desvencilhar-se do “campo de negociações
das confissões religiosas e do Estado” (PASSOS, 2007, p. 67), desordenando seu processo
de efetivação escolar. Hoje se aguarda pela decisão do Supremo Tribunal Federal, que
valerá para todas as escolas públicas do país.
Em contrapartida, toda esta tensão também teve efeitos positivos, pois muitas
universidades, educadores, intelectuais e o FONAPER1 engajaram na luta por um projeto de
1 O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER) é uma associação civil de direito privado,
de âmbito nacional, sem vínculo político-partidário, confessional e sindical, sem fins econômicos, que
congrega, conforme seu estatuto, pessoas jurídicas e pessoas naturais identificadas com o Ensino Religioso,
sem discriminação de qualquer natureza. Foi criado em 1995 e, ao longo de sua existência, vem buscando
acompanhar, organizar e subsidiar o esforço de professores, pesquisadores, sistemas de ensino e associações
na efetivação do Ensino Religioso como componente curricular. O FONAPER é um espaço de discussão e
ponto aglutinador de idéias, propostas e ideais na construção de propostas concretas para a operacionalização
do Ensino Religioso na escola. Para conhecer melhor o FONAPER e seu trabalho, consulte seu site:
http://www.fonaper.com.br/
20
ER secular, independente dos sistemas religiosos e vedadas quaisquer formas de
proselitismo. Nossa discussão acerca dos modelos de ER se coloca nesta perspectiva, de
contribuir com este esforço de legitimar na escola pública do Brasil um modelo de ER que
respeite a pluralidade religiosa enquanto direito do cidadão e projete uma Educação crítica e
criativa para os alunos.
Sendo assim, iremos analisar neste tópico a validade de cada um destes modelos,
tendo em vista seus aspectos políticos, pedagógicos e epistemológicos.
Acima, já mencionamos três modelos de ER relacionados no Brasil. Mas é importante
observar que existem várias tentativas de construir tipologias para o ER no sentido de
facilitar sua análise. Para GRUEN (1995), por exemplo, os três modelos de ER são
designados como: Catequético, Ecumênico e Interconfessional. Já para PASSOS (2007), é
possível catalogar no país os modelos de ER: Catequético, Teológico e o das Ciências da
Religião. E SOARES (2010, p. 120), aponta em seu estudo a existência de outra tipologia
presente no país:
Giseli do Prado Siqueira, identifica quatro modelos de Ensino Religioso: o modelo
confessional, ligado a uma religião, o ecumênico, organizado entre as
denominações cristãs; o modelo baseado no estudo do fenômeno religioso,
sugerido pelo FONAPER; e um quarto, que define o Ensino Religioso como
educação da religiosidade, tendo como base o pensamento de Paul Tillich e W.
Gruen (SOARES, 2010, p. 120).
De modo que seria impossível trabalhar com todas as perspectivas. Assim, adotaremos
para esta pesquisa a tipologia sugerida por João Décio Passos, sobretudo, em razão de nos
possibilitar uma visão cronológica e diacrônica do ER na história do Brasil, o que facilita
sua análise no que diz respeito aos fundamentos teóricos e metodológicos de cada modelo,
de onde decorrem seus conteúdos, posturas políticas e didáticas na relação professor-aluno,
como explica o autor.
Para PASSOS (2007, p. 56-68), três modelos de ER estão presentes hoje nas escolas
do Brasil: o Catequético, o Teológico e o das Ciências da Religião. Conforme ele,
Podemos dizer que os três modelos têm sua concretização numa certa sequência
cronológica. O modelo catequético é o mais antigo; está relacionado, sobretudo, a
contextos em que a religião gozava de hegemonia na sociedade, embora ainda
sobreviva em muitas práticas atuais que continuam apostando nessa hegemonia,
utilizando-se, por sua vez, de métodos modernos. Ele é seguido do modelo
21
teológico que se constrói num esforço de diálogo com a sociedade plural e
secularizada e sobre bases antropológicas. O último modelo, ainda em construção,
situa-se no âmbito das Ciências da Religião e fornece referências teóricas e
metodológicas para o estudo e o ensino da religião como disciplina autônoma e
plenamente inserida nos currículos escolares (PASSOS, 2007. p. 54).
De modo que já se percebe claramente em sua colocação a defesa do modelo das
Ciências da Religião. Outros pesquisadores como SOARES (2010) JUNQUEIRA (2002),
SILVA (2004) e SENA (2007), também comungam da mesma ideia. O que nos interessa,
enfim, é discutir agora as bases teóricas e metodológicas destas três propostas e entrever que
modelo responde com maior ganho a necessidade do ER enquanto área de conhecimento no
contexto da escola laica.
Mas antes disto, ainda devemos considerar nossa pretensão de trabalhar com
categorias ou modelos de ER. Em nossa perspectiva estas categorias não são tomadas como
delimitações cabais, mas sim, “tendências, mapas ideais extraídos a partir de práticas
concretas da realidade; úteis, portanto, para a visualização da prática do que está
acontecendo em sala de aula” (SOARES, 2007, p. 120). Em outras palavras, o uso da
categoria de modelos de ER nesta pesquisa deve-se a razão de que, do ponto de vista
epistemológico, eles nos permitem uma abordagem diacrônica da história do ER no Brasil
(PASSOS, 2007).
1.1) O Modelo Catequético
Conforme PASSOS (2007, p. 54), dos três modelos referendados, o Catequético é o
mais antigo e se relaciona com os contextos de hegemonia católica do período Colonial e
Imperial (1500-1889). O modelo catequético no ER é proselitista, objetiva à geração de
novos fiéis mediante a propagação de sua doutrina religiosa. O ER teve seu início no Brasil
como uma catequese que pretendia desenvolver a cristandade portuguesa nas “Índias”. Seus
vieses são ontológicos, ou seja, essencialistas, não históricos e tão pouco existenciais.
A catequese era levada para dentro das escolas confessionais e públicas, servindo
como motivação espiritual, como base teórica e como estratégica para o Ensino
Religioso. Num passado não muito remoto, foi a principal base do Ensino
Religioso. (...) Essa ligação manteve uma continuidade entre as comunidades
religiosas e as escolas e reproduziu no interior destas as catequeses das Igrejas que
conquistavam espaço. Ainda que estejamos longe de uma legitimação dessa
22
prática, o modelo catequético ainda subsiste em algumas práticas do Ensino
Religioso (PASSOS, 2006, p.29).
Na busca da conquista espiritual do Brasil, a catequese teve um importante papel no
que tange a ultrapassar os limites das comunidades religiosas, ou seja, atravessar a esfera
das comunidades religiosas no intuito de angariar novos fiéis. Inúmeras vezes, em um
passado não muito longe, a catequese, que ensinava a religião oficial do Estado ― no caso o
catolicismo―, era apresentada dentro da escola pública. O ER, assim, se instrumentava num
artifício eclesiástico na escola pública. Utilizamos o diagrama oferecido por João Décio
Passos (PASSOS 2007, p.59) para mostrar esse modelo:
Cosmovisão Unirreligiosa
Contexto Político Aliança Igreja-Estado
Fonte Conteúdos doutrinais
Método Doutrinação
Afinidade Escola tradicional
Objetivo Expansão das Igrejas
Responsabilidade Confissões religiosas
Riscos Proselitismo e intolerância
Este modelo, portanto, está organizado para a confessionalidade. Seu contexto político
inicial é da aliança entre Igreja e Estado, sustentado por uma visão unirreligiosa da
sociedade, onde cabia a Igreja a responsabilidade sobre seus conteúdos e professores.
Oficialmente veio a ser corroborado pelo sistema nacional de ensino em 1961, com a
LDBEN n° 4.024/61.
No campo da Educação, este modelo apresenta grande afinidade com a escola
tradicional, e seus métodos se enquadram no ensino de conteúdos prefixados, com
estratégias bancárias e posturas autoritárias. Busca no contexto da atual sociedade moderna
reconquistar a hegemonia de outrora, onde as confissões religiosas se impunham no
contexto da sala de aula.
Para PASSOS (2007, p. 59-60), trata-se de um modelo defasado, impossível de
efetivar-se na atual conjuntura moderna, onde a Igreja e o Estado encontram-se separados; a
não ser por alguma espécie de acordo entre ambos, o que é pouco provável diante da atual
consciência educacional e religiosa que alcançamos nestes últimos tempos.
23
A consciência hoje é de que o estudo do fenômeno religioso deve-se dar a partir da
escola, e não de uma ou mais denominações ou religiões como foi no passado. Claro que
não se nega ao cidadão o direito a adquirir uma adequada formação para o exercício de sua
religiosidade, porém, que isso aconteça fora do contexto escolar. Conforme o FONAPER,
Por questões éticas e religiosas, e pela própria natureza da escola, não é função
dela propor aos estudantes aos educadores a adesão e vivência desses
conhecimentos, enquanto princípios de conduta religiosa e confessional, já que
esses sempre são propriedade de uma determinada religião (PCNER, 1997, p.22).
Claro que ainda há uma resistência a que este modelo se perpetua no seio das escolas,
mesmo porque, é portador de longa tradição no interior das Igrejas cristãs históricas, vem do
fato de tender fortemente ao proselitismo e a intolerância religiosa, o que se mostra
inconcebível no contexto dos novos tempos.
1.2) O Modelo Teológico
O segundo modelo surge com o objetivo de superar a prática catequética e responder
melhor ao contexto de uma sociedade plural e secularizada. Esta é uma perspectiva
“ecumênica” do ER. Alguns autores (por exemplo, Sérgio Junqueira, 2002), preferem
denominar esse modelo de interconfessional, inter-religioso e inter-relacional, o qual se
desenvolveu, sobretudo, a partir da LDB nº 5.692/71, tendo forte influência do Concílio do
Vaticano II realizado na década de 1960. Quanto a nós, continuaremos usando a definição
de João Décio Passos, que assim se refere ao modelo Teológico.
A teologia não configura, necessariamente, conteúdos confessionais nas
programações de Ensino Religioso, mas age, sobretudo como um pressuposto que
sustenta a convicção dos agentes e a própria motivação da ação; a missão de
educar é afirmada como um valor sustentado por uma visão transcendente do ser
humano. A religiosidade é, portanto, uma dimensão humana a ser educada, o
princípio ‘fundante’ e o objetivo fundamental do Ensino Religioso escolar
(PASSOS, 2006, p.31).
Essa visão, conquanto revele uma disposição democrática da disciplina de ER,
também parte do dado da fé nas diversas designações religiosas. Avoca a modernidade, e
em certo modo, procura o diálogo entre as diferentes confissões religiosas e a sociedade.
Proporciona o respeito e o diálogo entre as religiões, objetivando a formação integral do ser
24
humano. A disciplina de ER é apresentada sob o viés interdisciplinar na conjuntura escolar.
Abaixo, apresentamos o quadro indicado por João Décio Passos (2007, p.63).
Cosmovisão Plurirreligiosa
Contexto Político Sociedade secularizada
Fonte Antropologia, teologia do pluralismo
Método Indução
Afinidade Escola Nova
Objetivo Formação religiosa dos cidadãos
Responsabilidade Confissões religiosas
Riscos Catequese disfarçada
Do ponto de vista pedagógico é pautado pela antropologia da religião. Entende a
religiosidade como uma dimensão integrante ao ser humano, sendo, portanto, um valor
importante a ser educado. Caracteriza-se ainda por um avanço no sentido de superar a visão
de cristandade medieval, assumindo uma cosmovisão plurirreligiosa (PASSOS, 2007, p. 60)
da comunidade humana. As propostas elencadas por GRUEN (1995) na década de 70
evidenciam muito bem este modelo de ER na escola.
Seu contexto histórico-político é a sociedade secularizada, moderna, em diálogo com
a pluralidade cultural e religiosa do país, dentro de um horizonte de afinidades ecumênicas.
A finalidade primeira é aperfeiçoar o homem religioso, contribuindo com a formação
integral do cidadão, objetivo geral da Educação moderna.
Entretanto, a responsabilidade pelos conteúdos e a habilitação de seus professores
ainda recaem sobre os sistemas religiosos, o que leva ao risco de uma catequese disfarçada.
“Mesmo embasado nessa antropologia e na convicção do respeito às diversidades, o risco
desse modelo afigura ser o de uma catequização disfarçada, não tanto pelos seus conteúdos,
mas pela responsabilidade ainda delegada às confissões religiosas” (PASSOS, 2007, p. 64).
De fato, como não existe teologia aconfessional ou supraconfessional (SENA, 2007,
p. 92), qualquer uma das religiões que assumir sua condução pode, facilmente, “estender
para dentro da escola suas comunidades confessionais e suas reproduções doutrinais”
(PASSOS, 2007, p. 61), o que iria de encontro ao princípio de laicidade do Estado moderno.
25
No campo da Educação, esta proposta possui grande afinidade com a Escola Nova,
caracteriza-se pelo método da indução e valoriza a individualidade do educando. Destaca-se
por “demarcar sua distinção da catequese e de afirmar o direito à pluralidade religiosa, bem
como o valor do diálogo inter-religioso e da prática ecumênica no processo educativo”
(PASSOS, 2007, p. 64). A visão é da Educação enquanto processo de humanização da
pessoa e de um agir ético no mundo, pois conforme afirma a CNBB em seus estudos2, toda
ação educativa se situa num contexto filosófico e de valores:
Toda proposta de educação é também uma proposta de valores, de um tipo de
homem e de um tipo de sociedade [...] um processo de humanização, expressão de
um projeto utópico, o homem novo e a nova sociedade, que impulsiona para a
transformação do mundo de opressão (PASSOS, 2007. p. 62).
Assim, o homem aqui é visto como um projeto infinito, aberto à transcendência,
disposto a uma realidade maior do que ele próprio. Educar é afirmar este horizonte, e
encaminhar o ser humano a uma ação libertadora e uma sociedade mais justa. Já a
metodologia, é da argumentação racional teológico-confessional, onde a filosofia se coloca
como serva da teologia para pensar o ER.
Entretanto, nenhum destes dois modelos responde às exigências didático-
metodológicas de um contexto escolar laico, precisando assim, serem substituídos por uma
proposta mais ampla que garanta a autonomia epistemológica e pedagógica do ER na
escola, como veremos a seguir.
1.3) O Modelo das Ciências da Religião
O terceiro modelo de ER tem sua base teórica nas Ciências da Religião. Na visão do
modelo das Ciências da Religião, o ER adquire sua autonomia como área do conhecimento
e como saber com estatuto epistemológico e pedagógico próprios. Também é denominado
como modelo fenomenológico. A legislação brasileira para o ER adota esse modelo. Sua
responsabilidade é da comunidade científica e do Estado, admitindo um objeto de estudo
“maior do que a confessionalidade presente em cada denominação religiosa”
2 Para um maior aprofundamento sobre o assunto consultar: CNBB. Estudos da CNBB n. 41. Para uma pastoral
da educação.
26
(JUNQUEIRA, CORRÊA e HOLANDA, 2007, p. 51). Efetivamente, a disciplina de ER, no
contexto das escolas públicas, não necessita mais ser desempenhada por um teólogo, mas
por um cientista da religião, com as apropriadas capacidades pedagógicas para o
desempenho da docência. Conforme PASSOS (2006, p. 32),
As Ciências da Religião podem oferecer a base teórica e metodológica para a
abordagem da dimensão religiosa em seus diversos aspectos e manifestações,
articulando-a de forma integrada com a discussão sobre a educação.
Conforme essa concepção para o ER, a religião é uma elaboração histórica e
sociocultural. Esta proposta não parte da profissão de fé do aluno/a nem do professor/a.
Analisa-se a religião como fenômeno humano, utilizando o auxílio das variadas ciências:
Psicologia, Antropologia, Sociologia, entre outras. Essa perspectiva visa à formação e
desenvolvimento para a cidadania do educando. Assume a religião como algo que aceita a
compreensão da realidade social e a vivência plena da cidadania. PASSOS (2007, p.66)
considera:
Cosmovisão Transreligiosa
Contexto Político Sociedade secularizada
Fonte As Ciências da Religião
Método Indução
Afinidade Epistemologia atual
Objetivo Educação do cidadão
Responsabilidade Comunidade científica e do Estado
Riscos Neutralidade científica
O modelo das Ciências da Religião assume uma cosmovisão transreligiosa3 da religião
e se baseia na redação da LDB nº 9.394/96, com a nova redação do Artigo 33,
implementando um novo paradigma educacional, mais tarde ratificado pela Resolução do
CEB/CNE nº 02/98 e CNE/ nº 07 de 14 de dezembro de 2010, que situaram o ER como área
de conhecimento.
Conforme PASSOS, (2007, p. 64), este terceiro modelo rompe com os dois anteriores
e funda uma epistemologia abalizada em diferentes campos de estudo, como a História,
3 Mais adiante, especialmente no terceiro capítulo de nossa pesquisa, conceituaremos com Gilbraz Aragão o
termo transreligioso.
27
Filosofia, Fenomenologia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, etc., sendo caracterizado
ainda por uma intencionalidade educativa clara e pelo método indutivo.
Este modelo está em vias de desenvolvimento, mas já se encontra contemplado em
algumas propostas pedagógicas, como na dos Parâmetros Curriculares do FONAPER. Sua
cosmovisão se distingue dos demais modelos por ser secularizada e transreligiosa, estando
em grande afinidade com a epistemologia atual. Também assume o método da indução e sua
responsabilidade é da comunidade científica e do Estado.
Passa-se a afirmar aqui a necessidade da educação religiosa em outros termos, não
mais enquanto direito do cidadão ou dimensão antropológica que precisa ser educada,
Trata-se de reconhecer sim, a religiosidade e a religião como dados antropológicos
e socioculturais que devem ser abordados no conjunto das demais disciplinas
escolares por razões cognitivas e pedagógicas. O conhecimento da religião faz
parte da educação geral e contribui com a formação completa do cidadão,
devendo, assim, estar sob responsabilidade dos sistemas de ensino e submetido às
mesmas exigências das demais áreas do saber que compõem os currículos
escolares (PASSOS, 2006, p. 65).
A proposta, então, é de um conhecimento universal, tomando como ponto de partida o
fenômeno religioso, fundamentado nas Ciências da Religião e sob a responsabilidade da
comunidade científica e do Estado, capaz de possibilitar uma visão ampla das diversidades
da Religião, e ao mesmo tempo, da singularidade que caracteriza o fenômeno religioso.
Neste sentido, trata-se de uma visão transreligiosa que pode sintonizar-se com a
visão epistemológica atual, sendo que busca superar a fragmentação do
conhecimento posta pelas diversas ciências com suas especializações e alcançar
horizontes de visão mais amplos sobre o ser humano (PASSOS, 2007, p.66).
Para PASSOS ainda, a afirmação deste modelo acarretará em muitos desafios, tanto de
ordem política, quanto histórica. Isto dependerá em muito dos trabalhos de profissionais da
Educação, autoridades políticas e do próprio MEC. Para ele, o encaminhamento final está
relacionado à transposição didática da área de Ciências da Religião para o ER, como
também, a habilitação dos professores de ER pela Licenciatura em Ciências da Religião.
As dificuldades, por fim, se devem à politização da disciplina, que a situa no campo
de disputa entre Igreja e Estado. Porém, a própria Lei n. 9.475/97 abriu caminho para a
afirmação de um modelo de ER secularizado e nos impõe agora a tarefa de construir para o
28
ER “um perfil pedagógico de releitura das questões religiosas da sociedade, baseado na
compreensão de ‘área de conhecimento’ e orientado pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais” (OLIVEIRA et. al., 2007, p. 58).
2) Um novo conceito de Ensino Religioso
Partindo de suas novas diretrizes legais, o ER adota uma perspectiva que prioriza mais
a diversidade e a pluralidade de expressões religiosas. Avançando nesse princípio, o
respeito pela liberdade religiosa de cada educando pode ser possibilitado pela escola por
meio de educadores habilitados, instruídos devidamente, ocasionando assim a consolidação
para qualquer Governo, fundamentando-se em seu sistema ou na ideologia que o infunda.
A renovação do conceito de um novo ER, da sua aplicação pedagógica, do
estabelecimento de seus conteúdos e definição de sua metodologia, fornece à escola o
respaldo adequado que qualquer ser humano precisa para produzir o seu conhecimento
religioso. Adotando essa visão, as metodologias não são critérios, parâmetros, para a
aprovação ou reprovação, mas motivos para uma análise individual no prosseguimento do
seu processo de aprendizagem.
Assim, a escola pode se tornar em uma agência significativamente expressiva para
uma sociedade. O ER é tido transformador da educação (e da sociedade), uma vez que seu
objetivo é a formação e as outras disciplinas intentam mais informar. Desse ponto que o ER
é eficiente, porquanto se ocupa com a educação e não somente com a instrução.
De acordo com a afirmação acima, o desafio no processo de ensino-aprendizagem
busca, pela via do respeito, convivência, tolerância e paz, uma educação mais adequada, por
um sistema educacional em que possa haver igualdade de expressão, em que, segundo Edgar
Morin (MORIN, 2002), as diferenças não sejam destruídas, mas integradas
(transdisciplinaridade). Quanto ao foco na busca de separar entre o certo e o errado no
processo do ER, está na busca da integração dos saberes, uma integração que não deve
significar a desintegração da própria religião, da cultura, do saber e dos conhecimentos em
geral do outro. Esta concepção visa realçar que a partir da perspectiva da
transdisciplinaridade, O ER nas escolas públicas buscará a realidade que está entre e além
29
das disciplinas científicas, possibilitando gerar uma atitude transreligiosa, que parte da
experiência do sagrado ou divino e por isso não contradiz nenhuma tradição religiosa e
envolve até as correntes ateias. Trata-se de favorecer o diálogo inter-religioso (pluralismo
religioso), pela percepção de uma experiência comum, entre e para além das religiões. A
qualidade de tal escolha (transdisciplinaridade) deve levar em consideração os critérios das
definições das informações, a coerência, na compreensão e levantamento das questões da
divergência entre os princípios fundamentais que devem ser continuamente estudados,
revisados. Nesse sentido, é importante pôr em ação a não fragmentação também da
formação de um profissional, cuja reflexão e ação norteiam o seu trabalho.
Este novo conceito de ER pode se transformar num elemento extremamente útil para a
formação cidadã, posto que a transdisciplinaridade no ER engendra uma atitude
transcultural e transreligiosa. A atitude transcultural e transreligiosa designa a abertura de
todas as culturas e religiões para aquilo que as atravessa e as ultrapassa, indicando que
nenhuma cultura e religião se constituem em um lugar privilegiado a partir do qual podemos
julgar universalmente as outras culturas, como nenhuma religião pode ser a única verdadeira
― mesmo que cada uma possa se experimentar como absolutamente verdadeira e universal.
O ER engloba a condição de cidadão, faz parte da cidadania, o que inclui que ainda
perante a negação da religiosidade humana é imperativo procurar compreender o outro,
estando à disposição para preparar o cidadão para manter a sua religião e respeitar a religião
alheia. O conceito de tolerância, entretanto, precisa ir muito além da expectativa, posto que
o ser religioso é um dado cultural vigente em cada cultura e de larga representação no
Brasil. É um progresso considerar o ER como elemento integrante da formação básica do
cidadão.
Uma das conquistas na contemporaneidade foi o direito da cidadania proposto na
carta dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos elaborada na Assembleia Nacional
Francesa (1789). Posteriormente, esta concepção foi resgatada pelas nações
modernas na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), pela qual cada
cidadão tem o direito de expressar-se diferentemente, portanto, o pluralismo na
sociedade não é um problema, mas um contínuo aprender a viver (JUNQUEIRA,
2002, p. 19).
Assim sendo, o cidadão tem o direito de executar com liberdade sua religião, e
ademais, a religiosidade passa a achar espaço nas ambiências escolares. Com isso, o
30
dispositivo legal objetiva enfatizar a importância do fenômeno religioso para o
entendimento da realidade social ao mesmo tempo em que insiste que ao cidadão não pode
faltar o conhecimento dos valores religiosos de nossa cultura.
O estudo da religião se torna uma via indispensável na tarefa urgente de educar
para a convivência universal, e mais, para a sobrevivência humana e ecológica em
tempos de crise planetária. O conhecimento das alteridades religiosas é um
objetivo educacional sem o qual não se podem conhecer verdadeiramente as
particularidades e a totalidade que compõem nossa vida sempre mais globalizada
e, com maior razão, a lógica religiosa inerente a muitos conflitos mundiais em
franco curso ou, cinicamente, anunciados por certos blocos de poder (PASSOS,
2007, p. 125).
A concepção de conhecimento geralmente está agregada, latente ou patentemente, a
uma imagem metafórica que, em grande parte, estabelece o papel das disciplinas. Por meio
desses conhecimentos possibilita ao educando o saber de si, e durante o seu trajeto na
caminhada escolar compreenderá com mais nitidez a sua procura do Transcendente que
colaborará para a formação de cidadania.
É a reflexão a partir do conhecimento que possibilita uma compreensão do ser
humano como finito. É na finitude que se procura fundamentar o fenômeno
religioso, que torna o ser humano capaz de construir-se na liberdade. Entende-se
também que a Escola é o espaço de construção de conhecimentos e principalmente
de socialização de conhecimentos historicamente produzidos e acumulados. O
conhecimento religioso deve estar disponível a todos os que a ele queiram ter
acesso (FONAPER, 1997, p. 21).
A tradição religiosa de cada educando é o que vai fazer a diferença na ideia de
integração entre a formação pessoal e social, entre o desenvolvimento das personalidades
individuais e o absoluto exercício da cidadania sem proselitismo de qualquer tradição.
Desse modo o ER articula o dado antropológico, ao conceber o fenômeno religioso a partir
da abertura do ser humano para a transcendência, e o elemento sociológico, ao considerar a
importância da religião na vida social. Todos esses elementos se encontram conjugados a
partir da dimensão pedagógica, uma vez que o objetivo principal do ER é a formação para a
cidadania e a convivência universal, descobrindo as diferentes alteridades religiosas.
Um conhecimento político ou religioso pode não interessar a um grupo, mas, uma
vez produzido, é patrimônio humano e como tal deve estar disponível. O
conhecimento religioso é um conhecimento disponível e, por isso, a Escola não
pode recusar-se a socializá-lo. Por questões éticas e religiosas, e pela própria
natureza da Escola, não é função dela propor aos educandos a adesão e vivência
desses conhecimentos, enquanto princípios de conduta religiosa e confessional, já
31
que esses são sempre propriedade de uma determinada religião (FONAPER, 1997,
p.22).
Através dos conteúdos o conhecimento do fenômeno religioso é propiciado,
respeitando as características de cada educando dentro da série que se encontra engajado.
Deve-se fazer um elo com os eixos organizadores do ER através das culturas e tradições
religiosas, teologias, textos sagrados, ritos e ethos que apoiam a pluralidade religiosa do
Brasil, valorizando a vivência religiosa de cada educando.
Toda a proposta para o trabalho realizado no Ensino Religioso está baseada no
respeito à diferença. O outro é sempre o diferente; sua história é diferente. Sua
vida e o modo de enxergá-la é diverso. Suas manifestações culturais são diferentes
e, sempre, muito bonitas, se pensadas na prerrogativa da diferença cultural. Assim,
sua religiosidade se manifesta diferentemente e isto não deveria ser motivo de
surpresa. Esta é a razão que justifica um Ensino Religioso que se pauta pela
perspectiva da ciência da religião (MENEGHETTI, 2002, p.53).
A história e o conhecimento do fenômeno religioso são ao mesmo tempo construídos e
revelados. Diante dessa complexidade é necessário que o educador seja proprietário de
conhecimento para a sensibilização que o educando precisa para desvendar o mistério do
sentido da vida pelo sentido da vida além da morte, tema presente nas Tradições Religiosas.
O homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra
como algo absolutamente diferente do profano. [...] Encontramo-nos diante do ato
misterioso: a manifestação de algo ‘de ordem diferente’ – de uma realidade que
não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem parte integrante do nosso
mundo ‘natural’, ‘profano’ (ELIADE, 2001, p. 17).
Esse pressuposto sugere alguns embates entre os pesquisadores na área de ER.
Enquanto uma disciplina escolar, não pode o ER ignorar a dimensão de transcendência do
ser humano, ficando reduzido meramente ao dado racional. Há experiências que procuram
transformar o ER numa aula de História das Religiões. O caminho não é esse. O objetivo é
proporcionar, ainda que no plano da fenomenologia, uma experiência humana significativa
que envolva a dimensão do Sagrado presente nas diferentes tradições religiosas. Assim, essa
experiência é complexa, holística, pois procura atingir o ser humano como um todo, e não
apenas seu aspecto intelectual.
O Ensino Religioso poderá despertar o aluno para os aspectos transcendentes da
existência como: a busca do sentido radical da vida, a descoberta de seu
compromisso com o social e a conscientização de ser parte de um todo. Esse
processo de despertar e descobrir, que é permeado de ações, gestos e palavras,
32
símbolos e valores, que só adquirem significação na vivência, na participação e na
partilha (JUNQUEIRA, 2002, p. 91).
É ao longo do percurso do Ensino Fundamental que se constrói a compreensão sobre
as reflexões concebidas do fenômeno religioso, nas indagações existenciais: Quem sou? De
onde vim? Para onde vou? Associada a este fato, cresce a consciência da necessidade de
organizações de conteúdos que contribuirá para situar as atenções sobre a construção dos
significados da pluralidade religiosa.
Na compreensão dos diferentes significados dos símbolos religiosos na vida e na
convivência, espera-se que o educando chegue ao significado dos símbolos mais
importantes de cada tradição religiosa, a partir do seu contexto socio-cultural, e
que, na comparação do(s) seu(s) significado(s), desenvolva um entendimento e
respeito crescentes na convivência da sala de aula e nos diferentes grupos
(FONAPER, 1997, p. 45).
A educação, segundo a concepção de Paulo Freire, busca promover condições para
que o ser humano supere as limitações próprias de sua condição de oprimido. O
reconhecimento de que o ser humano não está pronto e se sabe assim, faz com que este
busque formas para construir sua própria existência. Esta busca, para que seja legítima, deve
partir do sujeito em sua própria iniciativa, levando em conta a sua realidade e seu contexto
existencial.
O comportamento dos oprimidos é um comportamento prescrito. Faz-se à base de
pautas estranhas a eles – as pautas dos opressores. Os oprimidos, que introjetam a
‘sombra’ dos opressores e seguem suas pautas, temem a liberdade, na medida em
que esta, implicando a expulsão desta sombra, exigiria deles que ‘preenchessem’ o
‘vazio’ deixado pela expulsão do outro ‘conteúdo’ – o de sua autonomia (FREIRE,
1988, p.34).
Os pressupostos didáticos do ER, para serem bem desenvolvidos, pedem o bom uso
dos meios auxiliares de ensino-aprendizagem. Solicitam também, que os educadores
conheçam os fundamentos da sua pedagogia amparados em argumentos que sejam acolhidos
de acordo com a necessidade na sintonia escola – vida.
O processo de construção de conhecimento desenvolve-se no convívio humano, na
interação entre indivíduo e cultura na qual vive, na qual se forma e para qual se
forma. Por isso, fala-se em aquisição de competências, à medida que o indivíduo
se apropria de elementos com significação na cultura. Nesse contexto o Ensino
Religioso ocupa relevante papel educacional. Portanto, não há real construção de
conhecimentos sem que resulte, do mesmo movimento, uma construção de
competências (JUNQUEIRA, 2002a, p. 25).
33
Portanto, é preciso operacionalizar os pressupostos do ER, explicitando a concepção
do ser humano, da cultura, da sociedade e da história, na qual o ser humano assume um
valor inquestionável da sociedade, da justiça, da solidariedade e da igualdade.
Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é educação sem refletir sobre o
próprio homem. Por isso, é preciso fazer um estudo filosófico-antropológico.
Comecemos por pensar sobre nós mesmos e tratemos de encontrar, na natureza do
homem, algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o
processo de educação... A educação é uma reposta da finitude na infinitude. A
educação é possível para o homem, por que este é inacabado e sabe-se inacabado
(FREIRE, 2006, p. 27).
Quando falamos de ER, a referência é explícita à opção por uma ética de respeito ao
outro, do diálogo, acentuando o caráter comunitário e, portanto, o relacionamento social
como fator básico dos pressupostos educacionais. Nesta perspectiva, é fundamental que o
ER, desde cedo, ensine os nossos educandos a lidar com clareza com os conflitos religiosos,
não os ignorando, nem os radicalizando, mas tentando superá-los dialeticamente com
sínteses novas e perspectivas fecundas.
A promoção da dignidade humana perpassa, entre outros pontos, pelo respeito e
reconhecimento das diferentes formas de religiosidades, tradições e/ou movimentos
religiosos, bem como daqueles que não seguem forma alguma de religião ou crença
religiosa. A condição necessária para o exercício do diálogo é o reconhecimento do Outro4,
como um legítimo interlocutor:
Sem alteridade não há diálogo. Por isso, se o pluralismo é condição sine qua non
para o diálogo, esta será garantida por uma atitude relacional, capaz de romper
com uma visão do outro que o toma como uma abstração ou uma configuração
psíquica. (TEIXEIRA, 1993, p. 26).
Para TEIXEIRA (2004), no diálogo inter-religioso não se pode violar, apagar ou negar
o dado essencial da diversidade dentre as religiões. Ao contrário, dever-se-á (re)conhecer
singularidades e especificidades de cada tradição e/ou movimento religioso. No exercício do
diálogo não há fusão e nem confusão, mas este exige abertura e distanciamento de
autossuficiências que dificultam e limitam a compreensão de que cada religião é um
4 O termo “Outro” (com a inicial em maiúsculo) quer representar os “Outros” e “Outras”, que para LEVINAS
(2005), representa aquele que não pode ser contido, que conduz para além de todo contexto e do ser. O Outro
não pode ser reduzido a um conceito; é rosto, presença viva que interpela, convoca, desafia e constrói.
34
fragmento em processos de crescimento e afirmação. “O diálogo não enfraquece a fé, como
alguns temem, mas possibilita um aprofundamento e ampliação de seus horizontes”
(TEIXEIRA, 2004, p. 19).
O diálogo é processo mediador, articulador, fomentador e criador de possibilidades
para o reconhecimento do Outro no processo educativo, através do qual é possível construir
explicações e referenciais que escapam do uso ideológico, doutrinal e catequético
(FONAPER, 1997).
Na dinâmica da abertura (pró)vocada pelo diálogo, irrompem possibilidades da
construção de outros desenhos – fios – nas e para tramas identitárias individuais e coletivas.
Na concepção de FREIRE (1988), o diálogo é instrumento educativo que propicia e
encaminha à libertação comunitária. Nesse exercício, saberes diferentes são socializados,
revendo situações, limites, posturas, decisões, num movimento que atinge, emociona,
desaloja e desafia o individual e o coletivo. Nesse lugar de encontro “não há ignorantes
absolutos, nem sábios absolutos: há homens que em comunhão buscam saber mais”
(FREIRE, 1988, p. 81), conhecendo-se e reconhecendo-se sujeitos e agentes da e na
história.
Diante das cegueiras de caráter religioso que contribuem para a manutenção de
complexos processos de exclusões e desigualdades, a educação através do ER e as religiões
são apontadas como ambientes privilegiados à constituição de uma cultura dos direitos
humanos.
O teólogo Hans Küng (1998, p. 186), em sua obra Projeto da ética mundial, enfatiza
que não haverá futuro no planeta sem o exercício de uma ética mundial, um estado de paz
no mundo. Para ele, o problema consiste no confronto entre a “minha” crença e a crença do
“outro”. Nesse campo, situa-se o risco do conflito, mas também a possibilidade do diálogo.
Nesse sentido, o ER comprometido com a promoção dos direitos humanos elegerá o
diálogo como metodologia privilegiada para o aprendizado. O diálogo possibilitará o
conhecimento do Outro em alteridade, incentivando a convivência com as diferenças numa
perspectiva de descoberta e releitura do religioso em seus diferentes aspectos.
35
Ao socializar e promover o diálogo acerca das diferentes vivências, percepções e
elaborações religiosas que integram o substrato cultural da humanidade, a educação
oportunizará a liberdade de expressão religiosa. Desse modo, problemáticas que envolvem
questões como discriminação étnica, cultural e religiosa têm a oportunidade de sair das
sombras, que levam à proliferação de ambiguidades nas falas e nas atitudes, para serem
trazidas à luz, como elementos de aprendizagem, enriquecimento e crescimento do contexto
escolar como um todo (BRASIL, 1997).
Assim, o estudo, a pesquisa e o diálogo sobre a diversidade cultural religiosa se
apresentam como um dos elementos para a formação integral do ser humano no espaço
escolar e encaminham vivências fundamentadas nos direitos humanos e direito à diferença
(OLIVEIRA, 2003).
O despertar desta nova compreensão se apresenta com uma das mais importantes
contribuições da escola na atualidade: a participação coletiva na busca pelo término de
conflitos religiosos, violações dos direitos humanos e desrespeitos à liberdade de
pensamento, consciência, religião ou de qualquer convicção. Isso corrobora com a
concretização da Declaração para Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e
Discriminação com Base em Religião ou Convicção (ONU, 1981), assim estabelecida:
Artigo 2º
§ 1°. Ninguém será objeto de discriminação por motivos de religião ou convicções
por parte de nenhum estado, instituição, grupo de pessoas ou particulares.
§ 2°. Aos efeitos da presente declaração, entende-se por intolerância e
discriminação baseadas na religião ou nas convicções toda a distinção, exclusão,
restrição ou preferência fundada na religião ou nas convicções e cujo fim ou efeito
seja a abolição ou o fim do reconhecimento, o gozo e o exercício em igualdade dos
direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Artigo 3º
A discriminação entre os seres humanos por motivos de religião ou de convicções
constitui uma ofensa à dignidade humana e uma negação dos princípios da Carta
das Nações Unidas, e deve ser condenada como uma violação dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais proclamados na Declaração Universal de
Direitos Humanos e enunciados detalhadamente nos Pactos internacionais de
direitos humanos, e como um obstáculo para as relações amistosas e pacíficas
entre as nações.
[...]
Artigo 5°
[...]
§ 3°. A criança estará protegida de qualquer forma de discriminação por motivos
de religião ou convicções. Ela será educada em um espírito de compreensão,
36
tolerância, amizade entre os povos, paz e fraternidade universal, respeito à
liberdade de religião ou de convicções dos demais e em plena consciência de que
sua energia e seus talentos devem dedicar-se ao serviço da humanidade.
Artigo 6º
[...]
e) A de ensinar a religião ou as convicções em lugares aptos para esses fins.
[...]
Considerando que a escola não é espaço para ensinar a religião ou convicções de uma
determinada confessionalidade, mas lugar de construção de conhecimentos sobre a
diversidade cultural religiosa brasileira e mundial, cabe aos educadores e aos educandos
refletir sobre as diversas experiências religiosas que os cercam; analisar o papel dos
movimentos e tradições religiosas na estruturação e manutenção das diferentes culturas;
compreender que cada sujeito ou grupo social possui seus próprios referenciais para lidar
com os desafios da vida cotidiana e, acima de tudo, execrar toda e qualquer forma de
discriminação e preconceito.
Oportunizar tempos, espaços e lugares ao estudo científico e respeitoso da diversidade
cultural religiosa, entendida como patrimônio da humanidade (UNESCO, 2001), significa
romper com diferenciais de poder (da cultura religiosa dominante, o cristianismo), com
relações de poder que encobrem e naturalizam estereótipos, discriminações e preconceitos.
Reconhecer o religioso em sua diversidade, em vez de excluí-lo da escola, ou aprisioná-lo
sob os imperativos de uma perspectiva proselitista, implica mudar não apenas as intenções
do que se quer transmitir, mas os processos internos que são desenvolvidos. Essa mudança
necessária perpassa a utilização de outra base epistemológica, de perspectiva transcultural,
transreligiosa e transdisciplinar, numa adoção de métodos pedagógicos que abarquem a
complexidade das culturas, das religiões e das relações humanas (nosso assunto do segundo
e terceiro capítulo desta pesquisa).
À escola, enquanto lugar de trânsito de culturas, não compete homogeneizar a
diversidade religiosa, mas garantir a liberdade religiosa, por meio da igualdade de acesso ao
conhecimento de todas as culturas, tradições/grupos religiosos e não religiosos, promovendo
os direitos humanos.
37
3) Educação religiosa e Ciências da Religião
Na seleção dos conteúdos a serem trabalhados em sala de aula no ER é importante que
se faça uso das Ciências da Religião, uma vez que os Parâmetros Curriculares Nacionais
abordam o elemento religioso a partir da sua fenomenologia, isto é, de sua manifestação
enquanto cultura produzida pelo ser humano. Nesse sentido a fenomenologia vê a religião
como uma produção do homo religiosus, do ser humano que produz religião.
O uso das ciências vinculadas ao fenômeno religioso compreende basicamente o
recurso à História das Religiões, à Sociologia da Religião e à Psicologia da Religião. Na
esfera dos saberes encontra-se a Filosofia da Religião, a Teologia, a Teologia das Religiões
e a Fenomenologia da Religião. A utilização dos pressupostos das diferentes ciências e
saberes no campo religioso permitem uma melhor abordagem dos conteúdos no ER. Deste
modo, a seleção dos temas de estudo, mesmo tratando do horizonte religioso, encontra o
respaldo de diferentes ciências e conhecimentos sistematizados (CROATTO, 2002, p.17-
27).
Os conteúdos fundamentais das diferentes religiões podem ser condensados a partir da
seguinte sistematização: A Experiência Religiosa; O Símbolo; O Mito; O Rito e A Doutrina.
Todas as religiões possuem esses elementos como partes indispensáveis de sua organização
e constituição. Desse modo, a atuação docente no ER não pode ignorar esses elementos.
Antes, deve incorporá-los no desenvolvimento dos temas de estudo em suas atividades
didático-pedagógicas (CROATTO, 2002, p.11).
3.1) A área das Ciências da Religião
Uma vez que visamos adotar a área das Ciências da Religião para o ER, passa a ser
importante examinar um pouco melhor suas constituintes. A origem das Ciências da
Religião remonta ao final séc. XVIII, mas sua institucionalização se dá somente no séc.
XIX, quando é criada a primeira cátedra da área na Suíça, em 1873. Posteriormente viria a
se firmar também na Holanda, França, Bélgica e Alemanha (USARSKI, 2007, p. 56). O
foco das Ciências da Religião é a religião enquanto fenômeno presente na história de todos
38
os povos e em todas as culturas. No entanto, por ser uma área recente nas universidades, seu
estatuto ainda está em processo de consolidação. Conforme TEIXEIRA (2007, p. 64),
As Ciências da Religião vêm se firmando cada vez mais nos panoramas
acadêmicos internacional e nacional. Trata-se de um campo disciplinar marcado
por uma estrutura dinâmica e aberta, cujo estatuto epistemológico permanece ainda
em processo de definição.
De modo que ainda não há um consenso em torno do seu objeto e método de pesquisa.
Afinal, a Ciência da Religião possui um método, ou vários: Ciências da Religião? Seu
objeto é unitário: a religião, ou plural, as religiões? Mas não é nosso objetivo fechar esta
questão. A discussão é bem vinda, e precisa se estender mais. Porém, assumimos nesta
pesquisa as Ciências da Religião, com a cosmovisão transdisciplinar e transreligiosa, que
analisa a religião de vários ângulos através da fenomenologia, sociologia, história,
psicologia, antropologia etc., que nos coloca em afinidade com as epistemologias atuais.
No Brasil, as Ciências da Religião é uma área ainda mais nova. Em 2016, existem no
país dez cursos de pós-graduação em Ciências da Religião, todos recomendados pelo
Capes5, inclusive em Universidade públicas, como a Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF/Mestrado e Doutorado), Universidade Federal da Paraíba (UFPB/Mestrado) e
Universidade do Estado do Pará (UEPA/Mestrado), as demais são privadas, como a
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP/Mestrado e Doutorado). Aqui o campo
acadêmico é marcado pela inter, multi e transdisciplinaridade e pluralismo metodológico,
pois capta o fenômeno religioso a partir da metodologia de várias disciplinas, dentre as
quais, a História das Religiões, Filosofia da Religião, Psicologia da Religião, Teologia,
Fenomenologia da Religião, Sociologia da Religião, Antropologia da Religião e o estudo
comparado das religiões.
Quanto a seu procedimento metodológico, na área das Ciências da Religião ainda se
discute a plausibilidade do “ateísmo metodológico”, que arrazoa a possibilidade de uma
postura neutra por parte do pesquisador ao investigar o fenômeno religioso. Mas nessa
questão também há controvérsias. PONDÉ (2001, p. 57), por exemplo, argumenta que tal
procedimento não ajuda, até o contrário, conduz o pesquisador a uma militância
5 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, ligada ao Ministério da Educação, que se
encarrega de avaliar a pós-graduação stricto sensu.
39
antirreligiosa, prejudicando o conhecimento do outro, sendo preferível o risco do contágio à
“carência epistemológica”.
De fato, sobretudo na pesquisa qualitativa, não é aconselhado desmerecer a relação
objeto e sujeito, que iremos aprofundar mais a frente ao tratar do método fenomenológico.
Assim, nas ciências humanas, diverso das naturais, o que se conhece está nesta relação, que
têm, certamente, implicações importantes na pesquisa e até pode ajudar. Se nas ciências
naturais se pretende evitar ao máximo o envolvimento do pesquisador, nas humanas o que
se tem a fazer é tirar proveito desse envolvimento.
3.2) Ciências da Religião e Fenomenologia da Religião
Como vimos, o campo acadêmico das Ciências da Religião é marcado pela
interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, transdisciplinaridade e pluralismo
metodológico, já que capta o fenômeno religioso a partir da metodologia de várias
disciplinas. Em nossa compreensão, a Fenomenologia da Religião é a melhor opção para o
estudo da religião, por isto, passa a ser necessário, também, compreendermos melhor a
relevância da abordagem fenomenológica da religião.
O termo fenomenologia da religião foi criado pelo holandês Pierre Daniel Chantepie
de La Saussaye (1848-1920), em 1887, embora não significasse ainda um novo método, mas
apenas uma terminologia para as religiões comparadas. Conforme GOTO (2004), o primeiro
trabalho que se destacou por uma abordagem propriamente fenomenológica, foi do holandês
e historiador Gerardus van der Leeuw (1890-1950), quando escreveu a Fenomenologia da
Religião (1933). Aqui, LEEUW retoma dois conceitos de HUSSERL: a epoché, que diz
respeito à suspensão de juízo, dos pré-conceitos6; e a visão eidética, que se refere à busca
intuitiva de essências, ao significado da experiência religiosa para o individuo, e os aplica a
fenomenologia da religião.
6 Conforme Rui Josgrilberg, a maioria dos praticantes da fenomenologia, recomenda a epoché para se apoiar nas
condições originárias do fenômeno. A epoché é uma suspensão provisória das mediações deformantes
(mesmo aquelas necessárias ao conhecimento empírico). Pela epoché pretende-se ater-se ao fenômeno num
exercício de recuperar o movimento formador originário (JOSGRILBERG, 2015).
40
O campo de domínio da fenomenologia da religião é praticamente ilimitado, pois
emprega em seu processo de análise métodos de diversas ciências, tais como a
antropológica, histórica, psicológica, sociológica, etc. No entanto, difere-se essencialmente
destas escolas por procurar compreender o que a experiência religiosa significa para o
sujeito religioso.
Alguns dos maiores nomes na contemporaneidade dizem respeito a Rudolf Otto
(1869-1937), com O Sagrado (1917) onde, apesar de não tratar-se de uma obra
especificamente fenomenológica, assume tais pressupostos; e Mircea Eliade (1907-1986),
com O Sagrado e o Profano (1957), onde o autor explica “o sagrado” através de uma
relação binária com o “profano”7.
Quanto à aplicação própria do método fenomenológico à religião, CROATTO (2001,
p. 25) nos esclarece da seguinte forma:
Aplicada à(s) religião(ões), a fenomenologia não estuda os fatos religiosos em si
mesmos (o que é tarefa da história das religiões), mas sua intencionalidade (seu
eidos) ou essência. A pergunta do historiador é sobre quais são os testemunhos do
ser humano religioso, a pergunta do fenomenólogo é sobre o que significam. Não o
que significam para o estudioso, mas para o homo religiosus, que vive a
experiência do sagrado e a manifesta nesses testemunhos ou fenômenos.
GOTO (2004) também nos ajuda a compreender a especificidade do método em
destaque, sobretudo, em sua caracterização frente à metodologia da teologia e filosofia:
A fenomenologia religiosa supõe a pesquisa histórica dos fatos religiosos e
emprega o método comparativo na classificação dos mesmos, mas vai mais a
fundo, pois estuda o significado destes fenômenos como expressão do pensamento
e do sentimento do homem com respeito a Deus. No entanto, ela não supõe a
existência de Deus, como a teologia, nem emite um juízo de valor sobre os
sistemas religiosos, como a filosofia. Ela é uma ciência profundamente humana.
Mas dentre suas importantes contribuições para o ER, poderíamos destacar que sua
metodologia sedimenta a capacidade de abertura à alteridade, tão cara aos nossos dias. De
fato, ao tratar a diversidade cultural e religiosa como um valor, a Fenomenologia da
Religião nos ensina o respeito e a valorização de todas as religiões,
7 A Fenomenologia da Religião Clássica está associada a autores como Nathan Söderblom (1866-1931),
Geerardus van der Leeuw (1890-1950), Joachim Wach (1898-1955), Friedrich Heiler (1892-1967), Gustav
Mensching (1901-1978) e Rudolf Otto (1869-1937), conforme USARSKI (2006).
41
A fenomenologia religiosa, metodologicamente, quer ultrapassar aquele conceito
de uma religião ‘mais verdadeira’ que toda religião tem dentro de si. O ponto de
vista fenomenológico é justamente o inverso, porque propõe uma abertura a
respeito de outras religiões e culturas. Isso não impede a crença numa determinada
religião, apenas exclui os pré-conceitos existentes na diversidade religiosa que
causam certa ‘superioridade’ diante das outras (GOTO, 2004, p. 62).
Assim, o modelo das Ciências da Religião como defendido por PASSOS (2007),
SOARES (2010) e JUNQUEIRA (2002), dentre outros, atende melhor às exigências de uma
escola laica, que se tornou também espaço da pluralidade religiosa presente no país. Já não é
mais judicioso usar o espaço escolar como sala de catequese de determinada religião.
Conforme JUNQUEIRA (2002, p.137-138),
“Diante da crescente consciência do respeito e da valorização do pluralismo de
expressões, entre as quais a religiosa, é inadmissível e inviável que uma ou várias
tradições religiosas utilizem a escola para formar os seus fieis”.
Somos então a favor de uma compreensão mais integral da experiência religiosa, onde
a investigação fenomenológica se destaca como a melhor opção para o ER enquanto área de
conhecimento no meio escolar, como também entendeu o FONAPER e diversos outros
organismos e pensadores interessados em sua efetivação. Num contexto de pluralismo
religioso e alteridade, não há como recusar um modelo como este que contribui com a
formação geral dos estudantes. Precisamos então de uma nova caracterização para o ER,
notadamente fundado nas Ciências da Religião.
Com essa compreensão, o Ensino Religioso na escola brasileira propõe estudar e
interpretar o fenômeno religioso com base no convívio social dos alunos,
constituindo-o objeto de estudo e conhecimento na diversidade cultural-religiosa
do Brasil. Contribui na busca de respostas aos questionamentos existenciais dos
estudantes, no entendimento da identidade religiosa, na convivência com as
diferenças e na alteridade, numa perspectiva de compromisso histórico diante da
vida e da transcendência (JUNQUEIRA, 2007, p. 102).
No entanto, somos ainda defensores de um avanço maior para o ER, de um
aprofundamento do olhar, ou uma atitude que nos possibilite transgredir a própria
racionalidade científica. Precisamos de um novo quadro teórico, mais amplo e mais
dinâmico, que contemple vários campos do saber, da Ciência, da Tradição, da Arte, da
Religião e da Filosofia. Em poucas palavras, precisamos de uma fundamentação
transdisciplinar e transreligiosa para o ER na escola (assunto este que será melhor
explicado e articulado nos próximos capítulos de nossa pesquisa). A fundamentação nas
42
Ciências da Religião não é mais o bastante, mas pode ser o passo inicial. Colocamo-nos
então como TEIXEIRA (2011, p.848), a favor uma compreensão mais integral do fenômeno
religioso em sala de aula, onde
[...] urge recuperar e valorizar outras dimensões da razão que não conseguem ser
apreendidas ou reconhecidas pelos aportes de uma restrita racionalidade
“científica”. Como indica Giovanni Magnani, não só no âmbito da fenomenologia
da religião, como também nos campos da psicologia, sociologia e antropologia da
religião toma-se cada vez mais distância de posicionamentos reducionistas.
Ainda resta dizer algo sobre o próprio Método Fenomenológico. Fenomenologia vem
do grego phainomenon, aparecimento, e logos, estudo de, resultando na ciência ou estudo
dos fenômenos, de modo que diz respeito àquilo que aparece, àquilo que se mostra. O
termo surgiu em 1764 com o suíço Johann Heinrich Lambert (1728-1777), mas só ganhou
notoriedade com o alemão Edmund Husserl (1859-1938), até se tornar um método
dominante no séc. XX, embora existam diversas teorias fenomenológicas na atualidade e
atitudes polêmicas, como a redução fenomenológica (MOREIRA, 2002).
Muito ainda tem que ser aprofundado em termos de metodologia científica, mas em
linhas gerais, abraçamos a ideia que,
A fenomenologia é uma tentativa de compreender a essência da experiência
humana, seja ela psicológica, social, cultural ou religiosa, a partir da análise das
suas manifestações, que chamamos de fenômenos. É uma tentativa de
compreensão não do ponto de vista do observador, mas do ponto de vista da
própria pessoa que teve a experiência. No meio linguístico e antropológico, isso
seria chamado de ponto de vista êmico8.
A visão êmica em HUSSERL retrata a visão de quem está sendo observado pelo
pesquisador, já que se busca a compreensão do ponto de vista de quem teve a experiência
religiosa, e não de quem investiga.
Há então uma crítica ao objetivismo das ciências positivas, que negam qualquer
relação sujeito e objeto; ou seja, enquanto as ciências tratam seus objetos como existentes
independentemente de quem os observa, a fenomenologia tematiza o sujeito que constitui os
8 Disponível em
http://instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=549&catid=38&Itemid
=5 Acesso em 30/06/2016.
43
objetos, o eu transcendental; de modo que não se observa o mundo de fora, de maneira
objetiva, mas a partir da visão do sujeito.
Para HUSSERL, enfim,
Fenomenologia – designa uma ciência, uma conexão de disciplinas científicas;
mas, ao mesmo tempo e acima de tudo, ‘fenomenologia’ designa um método e
uma atitude intelectual: a atitude intelectual especificamente filosófica, o método
especificamente filosófico (BORBA, 2010).
De forma que, além de um método científico, o pensar fenomenológico é também uma
filosofia, uma atitude, um aprofundamento do olhar que prima pelo ponto de vista do
sujeito, e não do mundo de fora. Consonante à vivência da religiosidade, de um povo ou de
um individuo, a fenomenologia preocupa-se mais com a experiência cotidiana, do que com
a complexidade dos ritos e mitos das tradições.
A religiosidade de um povo se manifesta não apenas em rituais complexos e mitos
dos tempos primordiais, mas também na experiência cotidiana em todas as áreas
da vida. A forma de entrar ou sair de uma casa, um simples gesto no momento da
caça ou pesca, a dieta alimentar, a direção do olhar ao se aproximar de
determinado objeto, o pronunciar discreto de determinadas palavras ao entrar na
água e coisas semelhantes podem expressar muito da religiosidade local9.
De modo que, também no campo da religiosidade humana, o investigador deve dar
ênfase ao fenômeno experienciado pelo sujeito, conformem seu ponto de vista,
[...] a fenomenologia preocupa-se com o aparecimento. Disso, podemos
depreender que a fenomenologia descreve e relaciona-se com o fenômeno vivido
pelo sujeito (experiências psicológicas, social, cultural ou religiosa). Na
fenomenologia a ênfase consiste não na compreensão de quem observa, mas no
ponto de vista do sujeito que teve a experiência – do homo religiosus10.
É importante realçar que a intuição, como método fenomenológico, parte de um saber
do sentido e da essência efetivado nesse domínio que possui características que não são
possíveis nem na ciência formal, nem na ciência empírica, no entanto, a intuição doadora
originária é uma fonte de legitimação do conhecimento. Ou seja, em oposição ao princípio
nominalista que atribui ao conhecimento intuitivo somente a esfera do sensível,
9 Disponível em
http://instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=549&catid=38&Itemid
=5 Acesso em 30/06/2016.
10 Disponível em http://periodicos.uesb.br/index.php/cmp/article/viewFile/2596/2265. Acesso em 30/06/2016.
44
JOSGRILBERG (2015) interpretando HUSSERL amplia a intuição perceptiva com o
conhecimento intelectivo imediato (universal). Ou seja, não se trata de conhecimento
abstrativo. O saber do sentido ou a ciência da essência (intuída imediatamente a partir da
percepção e das vivencias intencionais) tem validade independente e segue seu caminho
próprio tornando-se a crítica final ao ceticismo e ao relativismo.
As coisas além de nós (transcendentes a nós) são dadas e percebidas
intencionalmente de modo imanente tendo características inteligíveis próprias sem
que as características singulares e temporais da coisa externa interfiram na sua
inteligibilidade primeira de dado imanente. O modo das coisas aparecerem como
existentes é muito diferente do modo de as coisas transcendentes aparecerem como
imanentes e implicam em dois métodos diferentes de conhecimento: o
fenomenológico e o empírico. A fenomenologia investiga a manifestação das coisas
nessa imediaticidade ou imanência. A riqueza dessa experiência permite uma
investigação do sentido das coisas de modo independente das investigações que
partem da existência transcendente das coisas (abordagens empíricas). Embora os
dois modos de produzir conhecimento necessitem dialogar e um possa contribuir
para o outro, temos, do ponto de vista metodológico, dois modos inteiramente
diversos ou duas atitudes muito deferentes de abordagem do objeto. A idealidade das
coisas não é dada de modo empírico ou por abstração da experiência da coisa
existente; não é uma generalização. A idealidade é dada na intuição universal da
coisa, esfera a ser explorada reflexivamente e analiticamente com a descrição de
suas propriedades (JOSGRILBERG, 2015, p. 11).
Conforme o exposto acima, percebemos que a questão da relação com sentido está no
centro das preocupações da fenomenologia. Assim, para a fenomenologia, o sentido é uma
relação ontológica originária e não é possível para ela uma explicação empírica ou através
de métodos dedutivos da linguística, por exemplo (JOSGRILBERG, 2015).
A fenomenologia trata de elucidar nossa relação com o sentido das coisas
descrevendo como chegamos a ele, como o pensamos, especialmente através da
linguagem, e como analisamos sua estrutura. Fica claro que para a fenomenologia o
sentido tem uma dimensão pré-linguística embora o sentido seja dado em posição de
linguagem. A fenomenologia explicita metodicamente o saber do sentido das coisas.
Nossa relação com o sentido é mais complexa do que a relação com o significado na
língua. Essas vivências intencionais precedem e preparam as significações dadas nas
experiências e linguagens cotidianas ou os conceitos das ciências empíricas, das
ciências formais. [...] Através dessa experiência bem focada e intensificada busca-se
chegar a possibilidades aberta pela intuição originária do sentido, e expressá-las,
mesmo que parcialmente, numa descrição em significados linguísticos. O
significado não iguala o sentido; é um recorte do mesmo. Ele inclui a relação
ontológica com o sentido sem que o iguale. A fenomenologia é ontológica porque
trata do sentido ou o modo de ser das coisas originariamente (JOSGRILBERG,
2015, p. 12).
45
Numa linguagem mais simples, somente através de uma atitude intuitiva é possível se
aproximar do sentido real do fenômeno religioso, pois o mesmo não é algo deduzido
logicamente.
Portanto, a fenomenologia eidética é a que mais nos interessa nessa pesquisa (sem os
pressupostos husserlianos da fenomenologia transcendental); a fenomenologia das essências
ou eidética deve ser completada pela hermenêutica por suas implicações interpretativas para
a Religião no processo educativo. Considerando que a fenomenologia se transforma em
hermenêutica em sua relação com o mundo e com a vida de forma geral, ela (a
fenomenologia) abre a possibilidade de uma compreensão dialética entre um mundo onde
cabem muitos.
O prolongamento hermenêutico da fenomenologia abre uma porta de diálogo com
outras instâncias que se preocupam com a elaboração cultural do sentido. Por este motivo,
que é mister seu método nas Ciências da Religião, posto que traz uma nova contribuição
para a compreensão e o reconhecimento da Religião como um saber em face de outras
formas de saber, como o científico.
3.3) Contribuições das Ciências da Religião para o Ensino Religioso
A partir da legislação da LDB nº 9.394/96, modificada em seu art. 33, houve uma
mudança de paradigma na concepção de ER, que passou a ser compreendido como parte
integrante da formação básica do cidadão e área de conhecimento. O grande desafio agora é
ser estruturado de modo a respeitar à diversidade cultural e religiosa do Brasil e superar as
abordagens confessionais, ou seja, assumir um caráter escolar, com abordagem
eminentemente científica. Em outras palavras,
O ER escolar, exatamente por ser escolar, justifica-se como componente curricular
enquanto expressão de uma abordagem científica. O processo de ensino
aprendizagem pode e deve decodificar valores e tradições, porém, dentro de um
discurso regrado por fundamentos teóricos e regras metodológicas, ou seja, dentro
de uma dinâmica lógica enraizada nas ciências (PASSOS, 2007, p.28).
Neste sentido, as Ciências da Religião pode fundamentar legitimamente o ER na
escola, pois goza de aporte teórico-metodológico maior do que a confessionalidade. A
46
Ciência da Religião é uma área de conhecimento com episteme própria, fundamentada na
concepção de que o eixo da religiosidade é uma forma, entre tantas outras, de explicar a
existência humana. Seu objeto de estudo é a análise dos elementos comuns e específicos às
diversas religiões, isto é, o fenômeno religioso em si e nas suas múltiplas expressões.
Assim, seu objeto é maior do que a confessionalidade presente em cada denominação
religiosa. Trata-se de uma ciência construída, em seus princípios e métodos, dentro da
tradição das ciências modernas (JUNQUEIRA, MENEGHETI e WASCHOWIZ, 2002).
Também para SOARES, (2010, p.11), as Ciências da Religião são, de fato, a área que
pode contribuir com maior ganho para a fundamentação do ER na escola, pois:
O olhar que lançamos sobre o fenômeno religioso não é confessional, nem
pertence a esta ou àquela ‘teologia’, sua base epistemológica é a Ciência da
Religião. Essa abordagem possibilita a análise diacrônica e sincrônica do
fenômeno religioso, a saber, o aprofundamento das questões de fundo da
experiência e das expressões religiosas, a exposição panorâmica das tradições
religiosas e as suas correlações socioculturais. Trata-se, portanto, de um enfoque
multifacetado que busca luz na História, na Sociologia, na Antropologia e na
psicologia da Religião, contemplando, ao mesmo tempo, o olhar da Educação.
Além de fornecer a perspectiva, a área de conhecimento da Ciência da Religião
favorece práticas do respeito, do diálogo e do ecumenismo entre as religiões.
Contribui desse modo, com uma educação para a cidadania, que, mesmo sem ser
anticonfessional, transcende esses comportamentos para poder incidir na formação
integral do ser humano.
De modo que fica manifesto que as Ciências da Religião nos coloca diante de um
novo paradigma ou cosmovisão do ER, não mais doutrinal (modelo catequético) ou
axiológica (modelos teológico), mas transreligiosa.
Nesse sentido, trata-se de uma visão transreligiosa que pode sintonizar-se com a
visão epistemológica atual, que busca superar a fragmentação do conhecimento
posta pelas diversas ciências com suas especializações e alcançar horizontes de visão
mais amplos sobre o ser humano (SOARES e SENA 2007, p.33).
Vejamos que nesta perspectiva o ER escolar é mais do que educação da religiosidade,
pois se destina não ao aperfeiçoamento religioso do estudante, mas à cidadania plena. Aqui
o objeto de estudo – a religião – passa a ser de responsabilidade da comunidade científico-
acadêmica e do Estado, fundamentado em conhecimentos científicos e em valores. Num
artigo intitulado “O Ensino Religioso e as Ciências da Religião11”, TEIXEIRA chega a
11 Consulte o artigo completo em http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-
47
destacar diversos elementos que justificariam a adoção das Ciências da Religião como base
para o ER, dentre os quais destacamos ipsis literis:
O aperfeiçoamento do olhar e da escuta do mundo da alteridade, pois a
Antropologia da Religião nos possibilita uma sensibilidade maior no conhecimento
do outro, que é sempre um mistério e extremamente complexo, exigindo de nós
uma atitude de abertura e despojamento para conhecê-lo melhor;
A consciência de que há uma grande responsabilidade na tarefa do estudo do
fenômeno religioso, de modo que tanto educador quanto educando, precisam
assumir uma abordagem honesta e digna deste fenômeno; supondo mais do que
mera rapsódia de observações exteriores e frias;
Garantir o reconhecimento da alteridade e o respeito à sua dignidade, eliminando as
formas de proselitismo e linguagem exclusivista; pois toda religião é importante e
igual às demais;
Reconhecer a positividade de um mundo plural e diversificado, onde o pluralismo
religioso é concebido como traço de riqueza e valor, não a simples expressão de
uma conjuntura passageira; por isto, o desafio aqui será sempre potencializar a
perspectiva dialogal;
Por fim, recuperar a força espiritual das religiões, capazes de oferecer ao homem
um horizonte de sentido maior e caminhos de compaixão e cuidado da vida.
E em termos práticos em sala de aula, USARSKI esclarece que a contribuições das
Ciências da Religião para o ER,
[...] consiste em possibilitar [ao aluno] comparações contrastantes entre sistemas
de referência. Aprende-se que nenhum ser humano que tem sua língua, seus
pensamentos e seus valores pode viver sem um sistema de referência. Aprende-se
também que nenhum sistema de referência pode ou deve reclamar para si validade
absoluta. Com isso, desmascara-se qualquer forma de eurocentrismo como uma
ilusão perigosa (USARSKI, apud SOARES, 2010, p. 124).
Assim, com base em todo exposto até aqui podemos observar que o modelo da
Ciência da Religião rompe com o modelo Catequético e com o modelo Teológico em nome
5841.2011v9n23p839. Acesso em 30/06/2016.
48
da autonomia epistemológica e pedagógica da disciplina de ER. Ele toma como pressuposto
do ER a educação do cidadão, sem proselitismo. E reconhece a religiosidade e a religião
como dados antropológicos e socioculturais, que devem ser abordados no conjunto das
demais disciplinas acadêmicas por razões cognitivas e pedagógicas.
Nas palavras de Afonso Maria Ligorio Soares,
[...] a ciência da religião é um novo paradigma para a disciplina de Ensino
Religioso que nos traz um novo rumo, uma nova proposta, uma nova
epistemologia para este componente curricular. Este paradigma apresentado possui
por sua vez uma neutralidade religiosa, o que lhe permite uma fundamentação
científica (LIGORIO, Afonso Maria e STIGAR, Robson, 2016, p.10).
USARSKI (2007) apresenta a Ciência da Religião como uma disciplina empírica que
investiga sistematicamente a religião em todas as suas manifestações, porém um elemento
chave é o compromisso de seus representantes com o ideal da neutralidade frente aos
objetos de estudo. Não se questiona a “verdade” ou a “qualidade” de uma religião.
Outrossim, é que uma das funções do ER é a crítica ao conhecimento tecnicista que
instrumentaliza o conhecimento no domínio de algum aspecto restrito da realidade, “a
crítica ao positivismo que coloca a ciência a única versão da verdade e a crítica a
neutralidade das ciências como abordagem definitiva da realidade” (PASSOS, 2007, p.43).
Isto significa que quando estudamos a religião ele leva em si o confronto com as
diferentes formas de modelos e compartilhamento da busca de valores culturais e sociais. A
religião faz parte desta dinâmica social de ensino porque leva uma enorme quantidade de
valores e isso é o que faz do ER uma disciplina no currículo escolar. O valor religioso
contribui para a formação dos valores dos cidadãos e mais do que isso, representa uma
ajuda na convivência harmônica do homem. Assim, a escola deve assumir isso em sua tarefa
educativa como lugar de reflexão sobre a realidade a partir das referências oferecidas pelas
ciências sobre os mais diversos elementos que dão forma a sociedade. Portanto, a tarefa de
educar o indivíduo sobre a religião é de todos, bem como sua religiosidade. Partindo desta
dinâmica e deste entendimento da realidade, o modelo da Ciência da Religião para o ER nas
escolas públicas poderá construir um cidadão livre e responsável. Se este não for mais
religioso, o que poderá ocorrer, deverá ser mais ético e consciente da força da religião na
vida pessoal e individual (PASSOS, 2007).
49
Diante do exposto e também de tantos problemas enfrentados ao longo da história da
educação, diante do pluralismo religioso, diante do processo de secularização da sociedade
e de tantas variáveis, apresentamos nessa pesquisa a necessidade de um Novo Paradigma
para construir a sua epistemologia, a Ciência da Religião para este componente curricular,
tanto para a definição dos conteúdos, formação de professores, como da própria substituição
da nomenclatura “Ensino Religioso” por “Ciência da Religião” (LIGORIO, Afonso Maria e
STIGAR, Robson, 2016, p. 15).
Enfim, temos a Ciência da Religião como um novo modelo fenomenológico para a
disciplina de ER, pois a mesma seria capaz de estudar cientificamente o fato religioso,
sendo os graduados e pós-graduados em Ciência da Religião os profissionais mais
qualificados a lecionar a disciplina ER, cujo assunto vermos no próximo tópico.
3.4) Formação de docentes para Ensino Religioso
A adoção do modelo das Ciências da Religião incide também na formação de docente
para o ER. Nesta perspectiva, a Licenciatura nas Ciências da Religião seria o caminho mais
acertado. Conforme PASSOS (2007, p.114), “As Ciências da Religião podem oferecer a
base teórica para o ER, posicionando-se como mediação epistemológica para suas
finalidades educacionais em cursos de licenciaturas”.
3.4.1) O papel das licenciaturas em Ciências da Religião
De fato, a Licenciatura em Ciências da Religião seria o lugar privilegiado para a
formação deste profissional, pois se concentra na formação do cidadão, e não na educação
da religiosidade, como nos demais modelos estudados. Aqui o ato de ensinar adquire uma
nova roupagem, não mais numa perspectiva doutrinário/aquisitivo, mas
pedagógico/dialógico. No dizer de PASSOS (2007, p. 124),
A prática pedagógica dialógica, tão bem pautada por Paulo Freire, exige uma
relação crítica e construtiva entre educadores e educandos com seus respectivos
universos culturais. Também no caso do ER, o ato de ensinar não significa
transferir conhecimento religioso, mas assumir a religião como um dado a ser
50
conhecido como parte da apreensão da realidade da formação do sujeito e da
responsabilidade para com a sociedade.
Assim, o modelo das Ciências da Religião apresenta avanços tanto no campo
pedagógico, quanto epistemológico, pois supera uma concepção de ensino bancário
(FREIRE, 1992) e possibilita aos docentes uma visão plural, inter e transdisciplinar
(NICOLESCU, MORIN, 2002) da realidade. Tal feito nos coloca, enfim, diante de um novo
processo de renovação da prática pedagógica do ER, que pode ser aperfeiçoado,
significativamente, pela atitude da transdisciplinaridade e transreligiosidade; da qual nos
ocuparemos propriamente no próximo capítulo.
Há também de se ressaltar que o professor de ER nas escolas públicas deve adotar
uma postura de alteridade e reverência diante do pluralismo religioso na cultura hodierna. O
professor de ER deve estar atento à linguagem de seus educandos, facilitando o aprendizado
do sagrado. Tematizar o sagrado como pertencente ao aspecto transcendente-cultural é de
suma importância para o campo religioso e contextualizar a questão do fenômeno religioso
na perspectiva da pluralidade é um exercício absolutamente necessário. Não é possível
refletir sobre o conhecimento numa perspectiva fragmentária, individual, separada.
Compreender o contexto atual no qual acontecem as diversas experiências humanas exige
compreensão redimensionada sobre o todo e as partes que o constituem.
O professor habilitado em ER insere-se num contexto que dele exige uma constante
busca de conhecimento religioso pelos processos de investigação que possibilitem o
aperfeiçoamento de suas políticas pedagógicas. Espera-se que este profissional seja capaz
de:
Acolher a própria diversidade pela reverência na alteridade;
Articular e facilitar o diálogo a partir das questões suscitadas nos processos de
ensino-aprendizagem dos educandos;
Considerar a família e a comunidade religiosa como espaços privilegiados para
a vivência religiosa e para as opções dos educandos;
Colocar seu conhecimento e sua experiência pessoal a serviço da dignidade do
educando, incluindo a questão da liberdade religiosa, subsidiando-o no
51
entendimento do fenômeno religioso e a sua relação com a pluralidade e
especificidades culturais;
Reconhecer a pluralidade cultural da comunidade onde atuará e assumir a
diversidade nos seus múltiplos aspectos;
Compreender o fenômeno religioso, como parte do fenômeno humano
contextualizado no espaço e no tempo cultural, social, religioso e noutras
dimensões;
Habilitar-se na capacidade de interpretar o fenômeno religioso, com diferentes
leituras, através das ciências, religião, sociologia, psicologia, antropologia,
filosofia, teologia e outras áreas de conhecimento;
Reconhecer as manifestações do fenômeno religioso nas diferentes tradições
religiosas e suas teologias;
Analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e manutenção das
diferentes culturas e manifestações sociais dos diferentes grupos religiosos;
Habilitar-se a ser capaz de diferentes leituras, na perspectiva hermenêutica dos
textos e narrativas sagradas advindos das diferentes matrizes religiosas
presentes na cultura brasileira (africanas, indígenas, ocidentais e orientais);
Perceber o sentido da atitude moral, como uma das consequências do
fenômeno religioso sistematizado pelas tradições religiosas nas diferentes
matrizes religiosas e como expressão da consciência e resposta pessoal ou
comunitária das pessoas envolvidas nos respectivos fatos (FONAPER, 2004, p.
29-30.).
Compreender e articular os aspectos da transdisciplinaridade,
transreligiosidade e pluralismo religioso.
O ser professor de ER apresenta desafios: além de estar aberto ao outro, acolher o
diferente e conhecer as tradições religiosas ele precisa conhecer o conteúdo, o objeto de
estudos, a experiência religiosa e o sincretismo religioso que faz parte dos educandos. O
perfil desejado do professor de ER é de alguém disponível para o diálogo, capaz de articulá-
52
lo a partir de questões suscitadas no processo de aprendizagem, ser o interlocutor entre a
escola e a comunidade e mediar os conflitos. O ER
pretende ser um serviço ao crescimento global da pessoa, mediante uma cultura
atenta também à dimensão religiosa da vida [...] poderá responder à função própria
da escola, que é chamada a favorecer nos educandos uma atitude de confronto,
diálogo e convivência democrática (JUNQUEIRA, 1998, p. 102).
A tarefa dos professores do ER é a de educar para o respeito, a liberdade e a
convivência solidária. Educar pelos conteúdos, métodos e linguagens, mas, sobretudo, pela
coerente vivência desses valores.
3.4.2) Proposta de diretrizes curriculares nacionais para a formação do docente de
Ensino Religioso
O artigo 33 da LDBEN nº 9.394/96 ganhou nova redação pelo presidente do Conselho
Nacional de Educação, o qual estabeleceu nova modalidade de ER sob o viés do respeito à
diversidade cultural e religiosa no Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Esta
nova legislação validou o modelo das Ciências da Religião em conformidade com a
Resolução CNE/CP 1/02 e a Resolução CNE/CP 2/02:
Art. 1º A presente resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Graduação em Ciências da Religião – Licenciatura em Ensino
Religioso, definindo princípios, concepções, condições e procedimentos a serem
observados na elaboração dos projetos político-pedagógicos, pelos órgãos dos
sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior em todo o país (grifo
nosso).
Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Ciências
da Religião – Licenciatura em Ensino Religioso aplicam-se à formação inicial para o
exercício da docência do Ensino Religioso na Educação Básica.
Com a mudança de paradigma da concepção do ER, não mais de caráter confessional
e/ou interconfessional, mas enquanto estudo do fenômeno religioso na diversidade cultural
religiosa do Brasil, surge a demanda de novas propostas de formação docente para esta área
do conhecimento (Resolução CNE/CEB n° 2/98 e Resolução CNE/CEB n° 4/10). Diante de
tal desafio, emergem novos projetos para a habilitação dos professores de ER, em
conformidade com a legislação educacional em vigor, para criação de cursos de licenciatura
de graduação plena, em diferentes Estados da Federação. Santa Catarina foi o primeiro a
53
elaborar e autorizar, em 1996, o curso de Graduação em Ciências da Religião-Licenciatura
em Ensino Religioso, seguido, no decorrer dos anos, por outros Estados, a saber: Pará,
Maranhão, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Norte.
Nesses Estados, pela primeira vez na história brasileira, a formação de docentes para o
ER seguiria os mesmos trâmites previstos para a formação de profissionais das demais áreas
de conhecimento (art. 62 da LDB nº 9.394/96), assegurando aos egressos o acesso à carreira
do magistério, disponibilizando à sociedade brasileira educadores habilitados capazes de
valorizar e reconhecer a diversidade cultural religiosa.
Sabe-se que a formação de educadores para ER, na atualidade, requer a consideração
das diferentes vivências, percepções e elaborações em relação ao religioso que integra o
substrato cultural dos povos, cujos relatos e registros elaborados sistematicamente pela
humanidade se constituem em uma rica fonte de conhecimentos a instigar, desafiar,
conflitar e subsidiar o cotidiano das gerações (OLIVEIRA et al., 2007). Para tanto, são
imprescindíveis processos de formação docente que discutam e pesquisem, com
profundidade, a complexidade do fenômeno religioso, a fim de que cada educador
reconheça a diversidade cultural religiosa em seus múltiplos aspectos.
A mudança da concepção de ER e, consequentemente, do perfil de seu professor,
como profissional integrante do sistema escolar e portador de conhecimentos e habilidades
apropriadas para a realização dos objetivos do mesmo, aponta para a necessidade de uma
formação específica, em nível superior, em cursos de licenciatura de graduação plena.
O art. 33 (redação alterada pela Lei nº 9.475/97) e o art. 62 da LDBEN nº 9.394/96,
especifica que a formação de docentes para atuar na Educação Básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos
superiores de educação. A Resolução CEB/CNE nº 2/98, institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental conferindo ao ER status de área do conhecimento,
por fazer compor a base nacional comum. E a recente Resolução CNE/CEB n° 4, de 13 de
julho de 2010, ao instituir as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação
Básica reafirma o ER como área de conhecimento integrante da base nacional da Educação
54
Básica, constituindo os fundamentos basilares para a proposição de Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs) para curso de licenciatura em ER.
No entanto, em grande parte do território nacional, devido à inexistência de diretrizes
e políticas públicas de formação de docentes para o ER, a concretização dos objetivos desse
componente, de forma pedagogicamente adequada, inserida no conjunto dos princípios e
fins da educação nacional (arts. 2º e 3º da LDB nº 9.394/96), ainda permanece como um dos
grandes desafios presentes no sistema educacional brasileiro.
A ausência de diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores de ER e
a consequente diminuta oferta de cursos de formação inicial em nível de licenciatura,
compromete não somente a compreensão e sua configuração enquanto área de
conhecimento, mas também a mudança de concepção da sociedade brasileira sobre a sua
condição de componente curricular, regido por normas que o incluem em igual condição no
conjunto das demais áreas de conhecimento do sistema público de ensino.
Diante de tal quadro, o FONAPER, buscando contribuir na qualificação de educadores
com competência para interagirem qualitativamente nos processos educacionais de forma
transdisciplinar, com habilidades exigidas pela complexidade sociocultural da questão
religiosa e pelas especificidades pedagógicas desse componente curricular, ao longo de seus
15 anos, tem realizado e encaminhado ao Conselho Nacional de Educação (CNE)
proposições para definição/consolidação de Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores para Ensino Religioso.
Buscando definir as bases sobre as quais se devem construir as diretrizes curriculares
nacionais para a formação docente em nível superior, curso de licenciatura de graduação
plena, cursos de pós-graduação e outras modalidades de formação continuada, já em 1997, o
FONAPER encaminhou às universidades brasileiras uma proposta de Diretrizes elaborada
com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Ensino Religioso. Depois de
amplamente discutida com representantes das mesmas, uma proposta para Diretrizes
Curriculares dos Cursos Superiores na Área de Ensino Religioso foi encaminhada pelo
FONAPER ao Conselho Nacional de Educação/CNE em 15 de julho de 1998.
55
A primeira proposição do FONAPER de Diretrizes Curriculares dos Cursos
Superiores na Área do Ensino Religioso estava embasada no art. 210 da Constituição
Federal, na Lei n° 9.475/97, nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso
(PCNER) e em outros ditames legais da educação brasileira. Essa buscou construir
fundamentos epistemológicos para o ER, destacando as dimensões antropológica,
sociológica, filosófica, histórica, geográfica, psicológica, teológica e ética do conhecimento
religioso.
O documento justificou a necessidade social de graduação em ER, afirmando que já
não é possível pensar em educação de qualidade que não contemple a dimensão religiosa do
ser humano, dimensão essa que, muitas vezes, é confundida com o ensino da religião e/ou
catequese, ou proselitismo.
Para produzir o perfil desejado para os educadores de ER, a estrutura geral do curso de
licenciatura, apresentada no dossiê, em conformidade com a Resolução CNE/CP n° 2/02,
deverá ter carga horária de, no mínimo, 2.800 horas, nas quais a articulação teoria-prática
garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos
componentes comuns:
1.800 horas de conteúdos curriculares de natureza científico-cultural, incluídos
nesses os fundamentos da Educação; os fundamentos epistemológicos do ER;
conhecimento sobre as culturas e tradições religiosas de matriz ocidental, oriental,
indígena e africana; formação pedagógica; pesquisa em Educação, entre outros;
400 horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso;
400 horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda
metade do curso;
200 horas de atividades acadêmico-científico-culturais (aproveitamento de
conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas
independentes, tais como monitorias, programas de iniciação científica e extensão
universitária; estudos complementares; cursos e projetos realizados em áreas
56
afins; participação em eventos científicos no campo das ciências humanas; entre
outros).
Por fim, o dossiê aponta que o processo periódico e sistemático de avaliação a ser
implementado nos cursos de licenciatura em ER, deverá utilizar procedimentos e processos
diversificados, incluindo os conteúdos trabalhados, desempenho do quadro de formadores e
qualidade da vinculação com escolas, dentre outros procedimentos internos e externos, que
permitam a identificação das diferentes dimensões dos objetos, estruturas, sujeitos e
situações avaliadas.
Assim, o Curso de Graduação em Ciências da Religião-Licenciatura em Ensino
Religioso não está vinculado a uma religião ou a uma teologia, mas às Ciências da Religião
enquanto aporte teórico que lhe oferece possibilidade de investigação das diversas
manifestações do fenômeno religioso na história e nas sociedades, ao mesmo tempo em que
é regido por princípios e fundamentos da Ciência da Educação, enquanto área de
conhecimento, levando em conta todas as áreas, subáreas e especialidades.
Podemos assim observar que a Lei n° 9.475/97 mudou o paradigma do ER no Brasil:
de confessional e interconfessional para transconfessional, das denominações religiosas para
o Estado, ou seja, para as redes estaduais e municipais de ensino. O Fórum Nacional
Permanente de Ensino Religioso (FONAPER) assumiu o papel, juntamente com os
Conselhos Estaduais de Ensino Religioso (CONERs), não só de assessorar a implantação
dessa nova disciplina como também contribuir para a formação desse novo professor.
Diante do que até aqui expusemos, percebe-se que não precisamos de mais leis para a
elaboração de um ER de qualidade no país, mas sim que as legislações produzidas sejam
cumpridas. Ao passo que o ER deva ser efetivamente assumido pelas redes de ensino
(estaduais, municipais, particulares e confessionais). Independente de ser escola pública,
particular ou confessional, o ER deve ser programado e executado pedagogicamente de
forma respeitosa e dialogante com os demais saberes da escola. Justifica-se esta posição,
pois mesmo as escolas confessionais têm, em seu alunado, seguidores de mais diversas
tradições religiosas. Afirma-se, portanto, que o ER escolar em geral deve ser
transconfessional. A escola não pode ser transformada em espaço de catequização ou
57
doutrinação, conforme já discorremos. Esse é um papel das famílias e das igrejas, não das
escolas.
Outrossim, afirma-se que o ER exige um professor de formação diferenciada. O que
está acontecendo nas redes estaduais e municipais de ensino público, hoje, é que, por serem
as aulas de ER de pouca carga horária, não compensa que se gastem energias e recursos
financeiros para formar um professor para uma só disciplina que, além de mal remunerado,
tem pequena baixa carga horária, o que o obrigaria a trabalhar em turmas e turnos diferentes
e até em escolas diversas. Fica mais em conta para as redes qualificarem esse docente
mediante cursos breves de formação ou de especialização que abrir concurso público e
contratar novos profissionais.
Entretanto, baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) ousa-se oferecer
uma proposta de formação de professor que supere a fragmentação: o Novo Professor com
formação acadêmica em Ciências da Religião. Isto facilitaria o trabalho inter e
transdisciplinar na escola, pois todos os docentes teriam uma formação básica comum.
Critica-se hoje a formação fragmentada do professor especialista numa só disciplina.
O próprio Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação estão propondo a
revisão curricular por grandes áreas, na educação básica. Por que não repensar também a
formação de um Novo Professor de educação básica, mais aberto, com competências e
habilidades para trabalhar inter e transdisciplinarmente? A formação do Novo Professor de
ER, tendo por base as Ciências da Religião, está de certa forma dentro dessa formação
proposta mais abrangente. Hoje, os conhecimentos se fundem e se complementam para
formar uma ciência. Nenhum conhecimento se esgota em si mesmo, pois, para ser
construído e se desenvolver, apropria-se do conhecimento de outras ciências.
Por fim, percebe-se que dentre todas as dificuldades encontradas que expomos para a
implementação do ER em escolas públicas na proposta das Ciências da Religião, pode-se
afirmar, em resumo, que o maior entrave é de natureza política. Não há valorização,
investimento e interesse por parte dos governos em investimentos na formação de Novos
Professores para o ER e na aplicação das leis já elaboradas. Pode-se dizer, também, que
outro problema que deparamos para a execução do ER no viés das Ciências da Religião no
58
chão das escolas públicas, se dá porque cada escola possui seu projeto pedagógico. Ou seja,
cada escola é jurisdicionada por seu projeto pedagógico, cada qual possui intencionalidades
e ênfases particularmente definidas a partir de seus objetivos e planos pedagógicos.
Considerações Finais
Tendo em vista que o objetivo geral desta dissertação consiste em realçar a relevância
do modelo das Ciências da Religião para o ER nas escolas públicas, vimos primeiramente as
tipologias de ER no Brasil ao longo da história em suas respectivas cosmovisões e métodos
(o Modelo Catequético e o Modelo Teológico), cujas tipologias antecederam o Modelo das
Ciências da Religião. Assim, pode-se perceber o desenvolvimento metodológico (método
fenomenológico) e de cosmovisão (transreligiosa) que este último modelo produziu.
A análise desses modelos precedentes e os desdobramentos de um novo conceito de
ER foram passos dados a fim de fornecer-nos as bases para novos apontamentos, novos
aportes, novas perspectivas para o ER nas escolas públicas.
Neste novo conceito, baseado nas Ciências da Religião, destacamos em nossa
descrição um novo conceito de ER, cuja aplicação pedagógica é caracterizada pela
abordagem fenomenológica, perpassada por uma atitude transdisciplinar, transreligiosa e
transcultural, cujos aspectos compreende-se elementos úteis para a formação cidadã.
Assim, pode-se notar no pano de fundo desta nova visão estão aspectos da
transdisciplinaridade, da transreligiosidade, do pluralismo religioso e da ética civil global,
cujos assuntos serão objetos de nossa análise e discorrimento nos capítulos subsequentes.
59
CAPÍTULO 2: BASES TEÓRICAS DE UM NOVO
FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO PARA O ENSINO
RELIGIOSO
“O Conhecimento não é nem exterior nem interior:
é simultaneamente exterior e interior”. (Basarab Nicolescu)
Introdução
Neste capítulo se objetiva conceituar transdisciplinaridade e transreligiosidade, a fim
de que se avance no desafio de uma nova epistemologia para o ER que contempla uma
inteligência geral, que considera a complexidade em suas várias matizes, incluindo sua
interlocução com o ER. Examinaremos a relação entre complexidade e ER levando em
consideração os aspectos da incerteza e laicidade. Analisaremos os níveis de realidade e a
lógica do Terceiro incluído, cujas teorias elucidam porque este trabalho se coloca a favor da
permanência do ER na escola, uma vez que tais propostas nos sinalizam a necessidade de
uma inteligência geral e a formação multidimensional dos estudantes, além de favorecer a
60
democracia de ideias e a ecologia de culturas, posturas necessárias ao contexto globalizante
e complexo do nosso tempo.
Por fim, busca-se responder a uma pergunta inquietante, porém necessária: Como
colocar em prática as teorias até aqui estudadas no chão da escola pública? Refletir essa
questão é importante porque a despeito de termos uma teoria muito bem elaborada sobre
perspectivas que se adequam ao contexto complexo e plural do nosso tempo, assim como
leis que regulamentam o ER no Brasil, no entanto, estruturá-las na prática no cotidiano das
escolas públicas no Brasil é um enorme desafio.
1) Considerações Preliminares: Críticas à existência de
Ensino Religioso nas escolas públicas
No capítulo anterior vimos três tipos de modelos de ER no Brasil que perduraram ao
longo da história brasileira e ainda perduram nos dias atuais. E apesar do FONAPER
(Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso) e outros profissionais renomados da
área da Educação considerarem mais adequado o Modelo das Ciências da Religião para o
ER no atual contexto cultural-religioso-plural no Brasil, devido a sua nova epistemologia,
seu avanço teórico-metodológico em relação aos modelos Catequético e Teológico (abertura
a fundamentação transdisciplinar e transreligiosa) para o ER, no entanto, há os que o
rechaçam. Há vozes igualmente destacadas no cenário da educação no Brasil que se
colocam contra todos os modelos de ER e afirmam que o ER não deveria ser uma disciplina
ministrada em salas de aula de escolas públicas. Estes (as) repelem todo tipo de associação
entre religião e escola pública.
Embora não seja objeto de nossa pesquisa, daremos alguns exemplos para ampliar o
leque de nossas reflexões. Na opinião do membro da Associação Nacional de Advogados e
Juristas Brasil-Israel, Carlos Roberto Schlesinger, o ER não deveria existir em forma
alguma; mas se existir, a única forma de se compatibilizar o caráter laico do Estado é a
adoção do modelo não confessional. Ele afirmou acreditar que o apropriado ao país seria a
61
adoção do ensino da história das religiões de forma a se ensinar o respeito à crença e à
cultura do outro12.
Roseli Fischmann (2008), estudiosa do tema, ao manifestar que é contra todos os
modelos de ER nas escolas, argumenta que a escola pública não é lugar de religião. A
autora defende a ideia de que misturar escola com religião é ilegal; a formação religiosa é
um papel que não cabe a escola pública, segundo a autora. Alega que no artigo 19 da
Constituição, há dois incisos claros: O primeiro afirma ser vedado à União, aos Estados, aos
Municípios e ao Distrito Federal estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. O
outro proíbe criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. Ambos são os
responsáveis pela definição do Estado laico, deixando-o imparcial e evitando privilegiar
uma ou outra religião, para que não haja diferenças entre os brasileiros. O argumento de
FISCHMANN repousa sobre a ideia de que se o Estado é laico, a escola pública ― que é
parte desse Estado ― também deve sê-lo.
Segundo a autora, é importante separar a religião do cotidiano escolar. Conforme seu
pensamento, a escola pública não pode se transformar em centro de doutrinação ao sabor da
cabeça de um ou de outro, posto que o espaço público é de todos. Além disso, o respeito à
diversidade é um conteúdo pedagógico. É importante aprender a conviver com as diferenças
e a valorizá-las e não criar um ambiente de homogeneização, em que aquela pessoa que não
se enquadra é deixada à parte ou vista com desconfiança e preconceito.
Todavia, nosso contraponto em tais objeções contra o ER incide por entendermos que
tais opiniões divergentes não levam em consideração o fato da importância das questões da
espiritualidade no que se refere ao conjunto de elementos que constituem uma proposta
educacional de relevo, desde a educação infantil até a educação superior, cuja concepção é
defendida por grande parte dos estudiosos da ciência da educação.
12 Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jun-16/barroso-promete-liberar-acao-ensino-religioso-
segundo-semestre. Acesso em 15 de setembro de 2016.
62
SENA afirma que “Uma escola inteligente não pode deixar de fora o conteúdo
religioso. Pôr para escanteio essa noção é esquisito, pois, se ela não é estranha à vida, como
pode ser estranha à escola?” (SENA, 2007, p.19).
Maria Cândida Moraes (1997, p. 108), tratando da importância do ER nas escolas e do
seu novo paradigma para a Educação, assim refere:
Tanto a física quanto a mística mostram que o mundo exterior e o interior são apenas
dois lados de um mesmo tecido, no qual todas as forças e os eventos, todas as
formas de consciência e todos os objetos estão entrelaçados numa rede inseparável
de relações interdependentes. Demonstram também a existência de uma unidade
essencial entre todas as coisas e todos os eventos, e que o indivíduo e sua
consciência são partes integrantes dessa unidade, sendo a realidade externa idêntica
à realidade interna. Com base na convergência entre ciência e mística, de que forma
a educação poderá colaborar com o novo pensamento científico, no sentido de
despertar maior consciência espiritual em nossas crianças?
O texto mencionado é apenas mais uma tentativa para alertar sobre a importância do
papel da escola na formação dos alunos, para além dos elementos relativos à informação e
ao desenvolvimento de habilidades profissionais técnicas, elementos fundamentais, mas não
suficientes para constituir o conceito de formação integral do ser humano.
A UNESCO realizou um estudo internacional13 acerca da importância da educação
religiosa, aprovando como um instrumento importante para auxiliar os alunos a se
conduzirem para uma vida com sentido, inclusive em âmbito mundial. Deste modo, não é
propondo a incultura religiosa e excluindo o ER da escola que contribuímos para a
formação do cidadão, mas sim, possibilitando o acesso apropriado à sua reflexão na escola
pública (SOARES, 2007), uma vez que se trata de um componente que colabora com a
educação integral do aluno.
Ademais, entende-se que este tipo de conhecimento (experiência religiosa e
procedimentos pedagógicos) estão relacionados entre si. E ainda se deve considerar que não
se trata de um patrimônio exclusivo das religiões, posto que todo conhecimento religioso,
enquanto conhecimento humano, é patrimônio de toda humanidade (PCNER, 1995), e como
tal, deve estar disponível à sociedade por meio dos sistemas de ensino do Estado.
13 Este estudo foi publicado em junho de 2003 e se encontra disponível em UNESCO\Agência Internacional de
Educação. Educationandreligion: the paths oftolerance. Prospects, revista quadrimestral de educação
comparada, v.XXXIII, n. 126, jun. 2003.
63
Por isto, ratificamos a relevância e necessidade do ER no meio escolar, uma vez que a
religião se trata de “um referencial primordial” (ELIADE, 2001) que integra a sociedade e a
história humana de todos os tempos. E se há uma produção de conhecimento religioso nas
sociedades, este conhecimento precisa “estar disponível a todos os que a ele quiserem ter
acesso” (PCNER, 2009). Dito de outra forma, se a religiosidade constitui uma dimensão
presente no indivíduo e na sociedade (PASSOS, 2007; RUEDELL, 2007), não pode
ausentar-se da escola e da vida de uma criança (SOARES, 2010; LEAL, 2005;
JUNQUEIRA, 2002). Nas palavras de SENA (2007, p. 17),
Se, como dissemos, a religião está presente em todas as sociedades e momentos da
história, fica evidente que ela não pode ausentar-se da vida de uma criança.
Remarquemos: independentemente de seguir uma religião formal ou não, todos os
seres humanos têm o que chamamos de religiosidade, ou seja, um sentimento que
questiona ou crê sobre forças superiores e anteriores que nos podem auxiliar,
proteger, punir, apoiar ou castigar. Isso significa que a presença da religiosidade na
vida de uma criança, assim como sua reflexão e conversa, é fundamental.
Por isto, reconhecemos a obrigação de sistematizar o ER na escola pública do Brasil,
pois o próprio processo de formação cidadã (LDBEN/97, art. 33) inclui este aspecto. Na
verdade,
A Educação do cidadão é um processo complexo que inclui múltiplos aspectos,
inclusive o religioso, sendo este último um dado antropológico e sócio cultural
presente na história da humanidade. Tal ensino estaria, portanto, fundado na
factualidade e na relevância do preceito religioso para a vida social, fazendo parte
de um projeto mais amplo que não coloca a priori a religiosidade dos sujeitos
como algo a ser educado, mas, antes, os próprios sujeitos, independentemente de
suas adesões de fé (PASSOS, 2007, p. 33).
De fato, a escola do séc. XXI precisa responder a problemas fundamentais e globais
(MORIN, 2010a e b) da era moderna, de renovação do conhecimento, de conexão de
saberes, o que já tem despertado a reflexão de importantes nomes no contexto mundial,
como Edgar Morin e Basarad Nicolescu. É neste sentido que o presente trabalho se propõe a
contribuir para a fundamentação do ER na escola pública, e também, com a melhoria e a
qualidade da própria prática educacional, em resposta a complexidade do mundo
contemporâneo (MORIN, 2009).
Por certo, a compreensão científica da realidade não representa a realidade como tal
(veremos de forma mais abrangente essa concepção ainda nesse capítulo). Na verdade,
64
existem outras vias de conhecimento possível e é exatamente aqui que nossa linha de
pesquisa se diverge dos opositores de qualquer modelo de ER nas escolas públicas, pois
entendemos que os mesmos reduzem o conceito de religião a um tipo de saber de menor
valor, quando comparado ao conhecimento científico. Conforme USARSKI (2006, p. 122),
“Nossa racionalidade científica é, entre outras, também somente uma maneira de
interpretação de realidade, mas não é a forma privilegiada de compreensão”, nem a única,
de modo que a arte, a filosofia, a tradição e os símbolos também são instâncias de saberes
que precisam ser considerados na apreensão da realidade e da vida humana. Não é sem
razão que “Há cientistas, hoje, que afirmam que ‘uma pessoa com fé vive melhor’”
(CORDEIRO, 2008, p. 50).
Desta forma, ratificamos a necessidade do debate atual sobre o ER, uma vez que
acreditamos que ao lado de outros campos de saber, o ER pode acrescentar à visão sobre a
realidade mais um modo de discuti-la, principalmente ao adotar uma metodologia pautada
na interdisciplinaridade (RODRIGUES; JUNQUEIRA, 2009, p. 26), na
transdisciplinaridade (NICOLESCU, 2002) e na transreligiosidade (ARAGÃO, 2010), de
modo que não estamos tratando apenas da efetivação plena do ER na rede pública, mas
também, da qualidade da Educação brasileira e do papel da escola na formação das novas
gerações. Em outras palavras,
A discussão do ER não se inscreve, fundamentalmente, na esfera do debate sobre o
direito ou não à religiosidade, mas do direito à educação de qualidade que prepare
o cidadão para visões e opções conscientes e críticas em seus tempos e espaços
(PASSOS, 2007).
Assim, é fundamental as discussões epistemológicas que envolvem o ER; precisa ser
enfrentada com seriedade, pois não é possível manter uma disciplina na escola sob a tutela
das religiões onde a lei proíbe o proselitismo. Parece-nos ainda bastante inconsequente
sustentar no currículo escolar uma disciplina que é ao mesmo tempo “obrigatória” e
“facultativa”, causando mais incertezas.
Assim, superados estes entraves será possível pensar parâmetros curriculares mínimos
para o ER e definir o processo de formação de seus professores, uma vez que pela resolução
65
do Conselho de Educação Básica já se trata de uma “área de conhecimento” (CEB, nº
04/98), de forma que,
[...] as áreas de conhecimento para serem reconhecidas como tais devem possuir
consistência própria, ou seja, terem objetos, metodologias e teorias que
acumuladas componham um conjunto coerente e consistente que normalmente
adquire o status de ciência (SENA, 2007, p. 24-25).
Se a comunidade científica fixa os conteúdos e habilita os professores para as demais
áreas curriculares, por que não fazer o mesmo com relação ao ER?
Isto não se trata de uma tarefa simples ou fácil, ainda há muitas disputas políticas em
jogo (JUNQUEIRA e WAGNER, 2004), como as que se vê materializadas nos ditames do
Acordo Brasil ― Santa Sé, onde as confissões cristãs defendem um ER doutrinal, pelejando
com outros setores da sociedade que almejam uma base leiga e científica para o ER escolar.
Não obstante, busca-se nessa pesquisa criticar as posições laicizantes, as quais se
apresentam sob um viés ideológico, em contraposição aos movimentos pela própria
laicidade, posto que o movimento laicizante defendidos por alguns teóricos é uma
roupagem nova do positivismo comtiano, que tenta banir o ER das escolas públicas, à
revelia da Constituição.
Assim, neste trabalho buscamos realçar a importância da religião no método das
Ciências da Religião no ER na formação dos (as) alunos (as), cujo objeto de estudo ― isto
é, aquilo com que os conteúdos escolares devem se envolver no campo do ER ― é o
fenômeno religioso em todas as suas dimensões e manifestações, produto sempre das
construções culturais e, portanto, em diálogo permanente com a História, a Antropologia, e
a Sociologia da Religião, além dos outros campos do conhecimento.
A aptidão da cultura brasileira para a miscigenação, sua capacidade de includência do
outro diferente, sua capacidade de interligar elementos isolados em mesclas ricas e
consistentes de valores e sentidos, faz com que a sociedade brasileira seja um lugar
privilegiado no qual podem ser construídas compreensões redimensionadas da questão da
espiritualidade, tornando-a componente fundamental para entender a totalidade do tecido
social nas escolas públicas.
66
2) A nova epistemologia para o Ensino Religioso:
Inteligência Geral
Vimos como ao longo da história diversos paradigmas nortearam a Educação e a
prática do ensino escolar, sobretudo, o paradigma newtoniano-cartesiano. A revisão de
paradigmas da atualidade está permitindo uma nova lógica na Educação em prol de um ser
humano visto de forma mais integral. Em nossa compreensão, uma das propostas mais
adequadas para a escola do futuro passa pela substituição da lógica binária pela lógica
ternária de Stéphane Lupasco (1987) e do físico romeno Basarab Nicolescu (1999; 2002)
que permitem o desenvolvimento da abordagem transdisciplinar na educação (MORIN,
2002). Por certo, a lógica da identidade e da não contradição, apesar das importantes
conquistas técnico-científicas dos últimos séculos, engendra uma “inteligência cega”,
reducionista e especializada (MORIN, 2002; NOCOLESCU, 1999; MORAES, 2010) que
nos distanciou de nós mesmos através de uma visão fragmentada do mundo e da vida. A
razão analítica deixou marcas profundas na história da humanidade, gerando uma crise
global e sem precedentes na corrida humana. Nas palavras de GUERREIRO (2003, p. 25),
Esta crise manifesta-se na economia mundializada, com o crescente abismo entre
ricos e pobres em todo o mundo, e nas relações sociais, com índices aterradores de
violência urbana; na política, com uma incapacidade dos governos de gerenciar
crises e problemas que estão fora do alcance dos Estados Nacionais, além de
problemas com a corrupção e pressão dos agentes especuladores internacionais. Na
cultura vivemos a massificação e a banalização do real, com a espetacularização da
vida e da morte, e a exploração desenfreada do sexo e do consumo. Os índices de
devastação planetária são alarmantes e a natureza dá sinais da agonia em que a
terra tem vivido: desertificação, mudanças climáticas abruptas, aquecimento
global, inundações, ondas de calor, etc.
Para Basarab Nicolescu, hoje a humanidade alcançou pela primeira vez na história a
possibilidade de aniquilar a si mesma, e este potencial de destruição inédito se verifica em
uma tripla dimensão: material, biológica e espiritual; pois “Na era da razão triunfante, o
irracional é mais atuante que nunca” (NICOLESCU, 1999, p. 16). Mas claro que não
queremos postular nenhuma visão cataclísmica da modernidade, apenas queremos acentuar
a necessidade de mutação positiva, de um despertar de uma nova consciência no contexto
dos nossos dias, como dizia Nicolescu. O que propomos é uma lógica mais poderosa do que
67
a lógica da simplificação e do dualismo cartesiano. Conforme PRADA; MARCILIO (2009,
p. 11),
[...] as críticas feitas ao paradigma cartesiano por autores como CAPRA (1992),
GROF (1987), MORIN (1995) e SANTOS (2004) nos permite ter uma visão do
mundo fundamentada no racionalismo, no cientificismo, no mecanicismo, no
dualismo e no individualismo. Assim sendo, o paradigma dominante assume uma
concepção antropológica reducionista do homem frente à complexidade do ser
humano e em diferentes campos da cultura e do conhecimento (na ciência, na
religião, na política, na filosofia e na educação) onde a visão newtoniana-
cartesiana é predominante.
A aposta destes pensadores está em um tipo de conhecimento capaz de provocar uma
verdadeira reviravolta na história humana, uma revolução copernicana, através da
epistemologia transdisciplinar e integração dos saberes. E neste projeto a Educação tem um
papel fundamental, embora para isto, também deva ser ressignificada. Conforme
OLIVEIRA (2007, p. 10), “As escolas precisam passar por profundas transformações em
suas práticas e culturas para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo”. E na verdade,
nenhuma Educação formal, empirista, estritamente racional e de caráter binário, responderá
mais a complexidade do nosso tempo. O próprio contexto nos leva a superar a lógica da
identidade e construir uma lógica mais geral para a Educação no terceiro milênio.
Desta feita, precisamos hoje de uma Educação da complexidade, que, aliás, é uma
condição inerente ao próprio homem (GUERREIRO, 2003). É preciso superar certa prática
educacional de saber especializado e pouco imaginativo que mediou por séculos a Educação
ocidental. A alternativa é a abordagem transdisciplinar, que já vem sendo alimentado há
décadas pela UNESCO, a exemplo do que aconteceu por ocasião do I Fórum de Ciência e
Cultura, realizado em 1986 em Veneza-Itália. Em particular, MORIN tem dado uma imensa
contribuição quanto a este desafio. Suas obras, destacando especialmente, “Os sete saberes
necessários à educação do futuro”, “A cabeça bem-feita” e “A religação dos saberes”,
mostram seu esforço pelo campo do conhecimento. Para MORIN, a construção de uma
sociedade justa e igualitária só é possível por meio de uma nova e complexa compreensão
do mundo, onde a Educação tem sim um papel decisivo.
Conforme ALMEIDA (2004), as preocupações de MORIN para o campo da Educação
podem ser destacadas a partir de sete princípios,
68
A aposta de Edgar Morin numa educação para a complexidade permite enunciar
uma agenda de múltiplos princípios, que sintetizo assim: 1. Pensar a educação
como uma atividade humana cercada de incertezas e indeterminações, mas
também comprometida com os destinos dos homens, mulheres e crianças que
habitam nossa “terrapátria”; 2. Praticar uma ética da competência que comporte ao
mesmo tempo um pacto com o presente sem esquecer nosso compromisso com o
futuro; 3. Buscar as conexões existentes entre o fenômeno que queremos
compreender e o seu ambiente maior; 4. Abdicar da ortodoxia, das fáceis respostas
finalistas e completas; 5. Exercitar o diálogo entre os vários domínios das
especialidades; 6. Deixar emergir a complementaridade entre arte, ciência e
literatura; 7. Transformar nossos ensinamentos em linguagens que ampliem o
número de interlocutores da ciência14.
A necessidade de uma reforma educacional é muito clara, e poderá também estimular
uma nova metodologia para o ER. Contudo, isto exigirá grande esforço, pois lidamos com
uma prática secular. Para ALMEIDA (2010, p. 29-30), o processo não se dará sem uma
dinâmica tensional, de resistência à mudança, mas nem por isto desatinamos.
Como tudo que é da ordem da cultura, trata-se de uma dinâmica tensional que
comporta resistência à mudança, campos de colisão, olhares desconfiados,
desclassificações apriorísticas, luta para manter discursos de autoridade e antigos
poderes discursivos, acusações de não cientificidade, de falta de rigor e de
ausência de comprovação.
É preciso ultrapassar fronteiras das diferentes disciplinas, do conhecimento em áreas
de saberes, que só produzem experts, ilhas isoladas de saberes, mas que pouco ajudam na
condução das nossas vidas. Basta considerar os inúmeros problemas demográficos,
climáticos e de esgotamento dos recursos naturais da nossa época. O mal é que a
hiperespecialização “torna o especialista ignorante no que se refere a tudo aquilo que não
está contemplado por sua disciplina e que torna o não-especialista um ignorante alienado
com respeito ao mundo em que vive, deixando a cargo dos experts a palavra final sobre a
vida” (TEPEDINO, 2009, p. 170-171).
O desafio é construir um tipo de Educação que leve em conta todas as dimensões do
ser humano, incluindo a objetividade, a subjetividade, a intuição e a experiência interior. A
Educação hoje deve se vê desafiada a promover a inteligência geral, apta e referir-se ao
complexo, ao contexto, de modo multidimensional e dentro da concepção global, baseada
na consciência do ser humano como indivíduo e parte da sociedade e da espécie (MORIN,
14http://www.uesb.br/labtece/artigos/Um%20itiner%C3%A1rio%20do%20pensamento%20de%20Edgar%20Mo
rin.pdf>. Acesso em julho de 2016.
69
2002). Não é sem razão que, a própria Escola para Edgar Morin, já é uma entidade
complexa.
Enfim, no que diz respeito ao ER, a lógica transdisciplinar também lhe favorece, pois
ao mesmo tempo em que lhe ajuda a superar modelos simplificadores e doutrinários, lhe
aperfeiçoa para poder conjugar em sala de aula certeza-incerteza, conservadorismo-
inovação, ordem-desordem, laicidade e diversidade religioso-cultural. A metodologia
transdisciplinar nos gerirá nesta tarefa, como notaremos mais adiante. Com penhor, este é o
modelo de ER que almejamos para hoje, pois correspondente às “exigências de uma
Educação globalizadora, multidimensional e circular dos saberes” (SOMMERMAN, 2009),
imersa num mundo com “problemas globais” (MORIN, 2002, 2009a; 2009b).
3) O que é transdisciplinaridade?
Transdisciplinaridade é uma abordagem científica e cultural que prima pelo diálogo e
unidade entre as diversas disciplinas e áreas de conhecimento. Ainda não há um consenso
sobre ela, mas inicialmente poderíamos dizer que não se trata de um novo conhecimento,
uma nova religião ou filosofia, muito menos uma nova metafísica. Conforme TEPEDINO
(2009, p.184),
A transdisciplinaridade é a busca pela construção de uma metodologia rica em
complexidade e distante do paradigma simplificador. De acordo com Basarab
Nicolescu, é o estágio final de uma visão evolucionista de ciência que começa com
a disciplinaridade, evolui para a multidisciplinaridade, daí para a
interdisciplinaridade e, finalmente, para a transdisciplinaridade.
No que diz respeito ao termo, surgiu com Jean Piaget durante o I Seminário
Internacional sobre pluri e interdisciplinaridade, realizado em Nice, na França, em 1970,
quando ele definiu que a transdisciplinaridade seria uma etapa superior a pluri e
interdisciplinaridade.
Segundo Piaget, a interdisciplinaridade seria uma forma de se chegar à
transdisciplinaridade. A interdisciplinaridade considera um diálogo entre as
disciplinas, porém continua estruturada nas esferas da disciplinaridade. A
transdisciplinaridade, por sua vez, alcançaria um estágio onde não haveria mais
fronteiras entre as disciplinas e se consideraria outras fontes e níveis de
conhecimento (MENEZES; SANTOS, 2002).
70
Posteriormente, a metodologia da transdisciplinaridade seria definida pela Carta da
Transdisciplinaridade, documento elaborado pela UNESCO e adotado no Primeiro
Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, realizado na Arrábida, Portugal, em 1994; sob
a responsabilidade de Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu.
Para NICOLESCU (1999), referência mundial no assunto, “A transdisciplinaridade,
como o prefixo ‘trans’ indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as
disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina”; onde sua
finalidade é a compreensão do mundo atual, para o qual, um dos imperativos é a unidade do
conhecimento.
A transdisciplinaridade inaugura uma nova atitude, um novo diálogo entre as mais
diferentes áreas de saberes, como também expresso na Carta da Transdisciplinaridade, Art.
5º,
A visão transdisciplinar é deliberadamente aberta na medida em que ela ultrapassa o
domínio das ciências exatas pelo seu diálogo e a sua reconciliação não somente com
as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a poesia e a experiência
interior.
Conforme MENEZES; SANTOS (2002, p. 75)
Princípio teórico que busca uma intercomunicação entre as disciplinas, tratando
efetivamente de um tema comum (transversal). Ou seja, na transdisciplinaridade
não existem fronteiras entre as disciplinas. A ideia de transdisciplinaridade surgiu
para superar o conceito de disciplina, que configura-se pela departamentalização
do saber em diversas matérias. Ou seja, considera que as práticas educativas foram
centradas num paradigma em que cada disciplina é abordada de modo fragmentado
e isolada das demais. Isto resultaria também na fragmentação das mentalidades,
das consciências e das posturas que perdem assim a compreensão do ser, da vida,
da cultura, em suas relações e inter-relações.
De modo que o objetivo é a compreensão do mundo presente e seus diversos níveis de
realidade. De fato, recentes contribuições da Física Quântica constatam a existência de
diferentes níveis de realidade, onde a “coexistência entre pares de contraditórios
mutuamente exclusivos” é perfeitamente possível (NICOLESCU, 1999), o que coloca em
xeque os princípios da lógica binária clássica, que tomava como base os axiomas da
“identidade” (A é A); “não-contradição” (A não é não-A) e “terceiro excluído”.
71
Assim, a nova lógica transdisciplinar supera o princípio de identidade e contradição
pelo de complexidade. Nota-se que se trata de uma metodologia fundamentalmente aberta,
dialogal, relacional, para além das fronteiras das ciências exatas, humanas e existenciais; o
que está em acordo com o art. 5 da Carta: “A visão transdisciplinar está resolutamente
aberta na medida em que ela ultrapassa o domínio das ciências exatas por seu diálogo e sua
reconciliação não somente com as ciências humanas, mas também com a arte, a literatura, a
poesia e a experiência espiritual”.
No contexto da Educação, brota a necessidade de romper com certa tendência
pedagógica que ainda privilegia a compartimentalização ao invés da coordenação e
intercâmbio entre todas as disciplinas. Para GADOTTI (2000, p. 43), “a
transdisciplinaridade na educação é entendida como a coordenação de todas as disciplinas e
interdisciplinas do sistema de ensino inovado sobre a base de uma axiomática geral, ética,
política e antropológica”, o que pode favorecer uma qualidade de Educação que passe a
levar em conta todas as dimensões do ser humano, como objetividade, a subjetividade, a
intuição e a experiência interior.
Edgar Morin, um dos redatores da Carta da UNESCO, é um dos maiores
pesquisadores sobre estudos em transdisciplinaridade no mundo. E a escolha também desse
pensador para embasar nossa pesquisa se dá em função da importância do seu pensamento
para a Educação, posto que de acordo com os seus princípios acerca da
transdisciplinaridade, o conhecimento somente será emancipador quando conseguir
envolver as diversas áreas, isto é, unir as partes de um todo, mantendo relação entre os
diversos caminhos que se seguem para se obter um conhecimento geral (MORIN, 2009b,
1999, 2006, 2002).
Enfim, a lógica transdisciplinar oferece uma visão mais geral e globalizante da
realidade, contudo jamais esgotando sua complexidade. A metodologia de conhecimento
transdisciplinar, considera a complexidade da realidade, onde complexus é entendido como
aquilo que é tecido junto (MORIN, 2006). MORIN critica essa ideia de separar para melhor
compreender o todo. Sua ideia é de que o problema do conhecimento acumulado visto de
forma descompartimentalizado – ainda hoje presente no sistema educacional brasileiro –,
72
sem nenhum processo para organizar todo esse conhecimento, também produz uma cegueira
do conhecimento, ou erro do conhecimento, ou ilusão do conhecimento. Na Teoria da
Complexidade de Edgar Morin, fica claro a denúncia desse reducionismo porque não se
pode ter conhecimento do todo por meio de suas partes, pois o todo é maior que a soma de
suas partes: A+B não é simplesmente A+B, mas sim um terceiro elemento C, que possui
características próprias.
4) O que é transreligiosidade?
A função de toda teologia, dentro de uma sadia compreensão das coisas, seria
terapeutizar as contradições que surgem naturalmente dentro das religiões – e entre elas – e
estabelecer o diálogo contraditorial. Esse diálogo do antagonismo é possível e necessário
porque há algo que ultrapassa e perpassa todas as culturas e religiões.
A transdisciplinaridade, busca da realidade que está entre e além das disciplinas
científicas, pode gerar uma atitude transreligiosa, que, segundo ARAGÃO,
...parte da experiência do sagrado ou divino e por isso não contradiz nenhuma
tradição religiosa e envolve até as correntes ateias. Trata-se de favorecer o diálogo
inter-religioso, pela percepção de uma experiência comum, entre e para além das
religiões. Afinal, se as oito mil disciplinas precisam se comunicar na academia, em
vista da comum missão de compreender – e salvar – os fenômenos da vida, as dez
mil religiões contadas no planeta precisam se entender um pouco sobre o significado
da salvação que pregam (ARAGÃO, 2015).
Conforme já visto no primeiro capitulo, a transdisciplinaridade produz uma postura
transcultural e transreligiosa. A postura, a disposição transcultural e transreligiosa indica
abertura àquilo que está ao mesmo tempo entre, através e além das diferentes culturas e
religiões; isto aponta a premissa que nenhuma cultura ou religião está num universalismo
imperante ou num nível superior estabelecido em detrimento das demais, a partir da qual
seja capaz de julgar as distintas culturas e religiões se referenciando como única verdadeira,
exclusiva ― ainda que cada cultura e religião possa se praticar como definitivamente
verdadeira e global. A postura transreligiosa (assim como a transdisciplinaridade) é
imperativa para compreender o mundo atual, suas culturas e religiões, numa integração do
conhecimento. Em um mesmo nível de realidade, as culturas e religiões seriam
possivelmente antagônicas e excludentes, mas se considerarmos um outro nível ao menos,
73
surge um terceiro que, incluído, as pode reconciliar. Trata-se da base antropológica que nos
constitui a todos e exige uma atitude ética, ou daquilo que é mais humano no humano e
também no cósmico – e por isso sagrado ou divino.
ARAGÃO ilustra:
Assim que, em uma companhia artística com atores de diferentes culturas, durante o
espetáculo eles revelam qualidades que atravessam e transcendem as suas culturas
originais. Assim também, em um encontro inter-religioso, a certo momento surge
uma compreensão que não aniquila as diferentes verdades e experiências místicas,
mas as atravessa e ultrapassa (ARAGÃO, 2015, p. 21).
Assim, para Basarab Nicolescu a transdisciplinaridade origina uma atitude
transreligiosa, que se inicia da experiência do divino ou transcendente e por esse motivo não
apresenta contradição a nenhuma tradição religiosa e abarca inclusive os movimentos ateus.
A postura transreligiosa nos possibilita instruir-se, tolerar, respeitar e apreciar as
singularidades das tradições religiosas e ateias que nos são estranhas, para melhor perceber
as estruturas comuns nas quais elas estão fundamentadas e, assim, chegar a uma visão
transreligiosa do mundo (NICOLESCU, 2000).
O modelo transreligioso da realidade lança uma nova luz, então, sobre o sentido do
sagrado.
Uma zona de absoluta resistência liga o sujeito e o objeto, os níveis de realidade e os
níveis de percepção. Para o pensamento transreligioso, há um movimento de
travessia simultânea dos níveis de realidade e dos níveis de percepção. Este
movimento segue em sentido ascendente e também descendente pelos níveis de
realidade e de percepção. E a zona de resistência absoluta [...] é o espaço de
coexistência da transascendência e da transdescendência, ou de transcendência e
imanência. Em outras palavras, é ao mesmo tempo transcendência imanente e
imanência transcendente (ARAGÃO, 2015 p. 22).
A palavra sagrado, pois, para Basarab Nicolescu, é a que designa essa zona de
absoluta resistência15, como um terceiro incluído que reconcilia esses movimentos em
tensão. Esse terceiro é o espaço de unidade entre o tempo e o não-tempo, o causal e o a-
causal. É a origem última dos nossos valores humanos, que está entre e para além das
religiões.
15 Estudaremos zona de absoluta resistência no tópico “Níveis de realidade: Ciência e Tradição, a
complementariedade dos opostos” deste capítulo.
74
Em consequência, um fiel pode reconhecer nas outras religiões caminhos de busca do
sagrado pelo ser humano, que se questiona e procura. Esta antropologia pode ser
estabelecida como base comum para todas as religiões. Quando essa experiência do sagrado
é corrompida, a história se perverte. Também pode ser integrada nesses dados
antropológicos a concepção teológica de um Deus criador, aquilo que se chamou teologia
natural ou a percepção do sobrenatural como inscrito na natureza humana mesma.
Todos os seres humanos, portanto, individual e coletivamente, têm o direito de buscar
a verdade e se pode assumir, sem que isso diminua a própria tradição, que todas as religiões
são caminhos para Deus. Pode-se também admitir que exista, de fato e de direito, um
encontro plural com a divindade ― mesmo que na hora de estabelecer a verdade dessas
experiências, parta-se sempre da própria crença, para se perceber pelo diálogo, justamente,
aquilo que está entre e além.
Por fim, pode-se dizer que o conceito de transreligiosidade baseado em Gilbraz
Aragão trata de uma abordagem integral do conhecimento, que situe e relacione tanto as
crenças mais tradicionais das grandes religiões, quanto os princípios culturais e científicos
modernos e pós-modernos, buscando um novo lugar para a religiosidade no mundo: o de
uma espiritualidade transreligiosa – em diálogo com uma ciência transdisciplinar.
5) Metodologia Transdisciplinar e Ensino Religioso na
Escola Pública
Uma vez que já foram elucidados os conceitos de transdisciplinaridade e
transreligiosidade em nosso trabalho, podemos nos aprofundar na necessidade de uma
proposta metodológica que envolva tais conceitos.
Conforme as resoluções da CEB nº 2 de 1998 e 2010,
do Conselho Nacional de Educação, O ER, disciplina de matrícula facultativa,
compreendida como parte integrante da formação do cidadão, constitui-se em uma
das dez áreas do conhecimento do Ensino Fundamental (OLIVEIRA, 2008, p. 7).
75
Assim, a disciplina deve ser tratada como área de conhecimento, com objetivos,
métodos e linguagem própria, igual a qualquer outra disciplina. No entanto, o que se
constata é que ela permanece recebendo um tratamento todo diferenciado e, sequer, o MEC
estabeleceu seus parâmetros curriculares; como ainda permanecem abertas muitas questões
relacionadas à habilitação de seus professores na rede pública de todo o país. O material
didático do ER, por exemplo, não é avaliado pelo Ministério da Educação, não há um
conteúdo mínimo estabelecido e não há uma diretriz nacional comum para a formação dos
seus professores.
Assim, o próprio contexto aponta para a necessidade de uma proposta mais clara de
ER para o país. No capítulo I vimos como PASSOS (2007) procura enfrentar a questão
propondo a transposição metodológica dos conteúdos das Ciências da Religião para o ER, o
que possibilitaria sua autonomia dessa área de conhecimento. Entendemos que a
contribuição de PASSOS é importante, mas que ainda pode ser aperfeiçoada por uma nova
lógica do pensamento.
O Brasil é uma república laica, assim como o México, a Espanha e a França, que
devem exercer uma posição neutra no campo religioso. Conforme DINIZ (2010), a
laicidade de um Estado pode se atualizar de duas formas no relacionamento com as
religiões: pela neutralidade confessional, onde não há privilegio de nenhuma religião, nem
expressões religiosas ligadas às mesmas; pela pluriconfessionalidade, segundo a qual o
Estado deve garantir o direito à liberdade religiosa e à igualdade entre as religiões, onde o
cidadão tanto pode seguir uma religião, majoritária ou minoritária, ou não adotar religião
alguma. Desta feita,
O desafio passa a ser o de como assegurar que o Ensino Religioso proteja o marco
da laicidade e promova a formação básica comum e o respeito ao pluralismo
(DINIZ, 2010, p. 37).
Para isto, apostamos a epistemologia transdisciplinar de Basarab Nicolescu e Edgar
Morin para o ER, como meio de garantir o dispositivo da laicidade do Estado, a justiça
religiosa (igualdade entre as religiões) e a liberdade de crença dos estudantes. É através da
lógica transdisciplinar que poderemos respeitar os princípios éticos constitucionais e
acordos internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil nas últimas décadas, a
76
exemplo da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais – UNESCO, ratificado no país por meio do Decreto Legislativo n. 485/2006.
Ora, sendo o ER de condição constitucional no Brasil, cabe ao mesmo reafirmar em
sua prática os direitos à diversidade religiosa e à liberdade de crença e de expressão, bem
como, o respeito à existência de cidadãos que não professam religião alguma e que estão na
escola. Nas palavras de DINIZ (2010, p. 99):
Para a manutenção do Ensino Religioso em um país laico, faz-se necessário que
sua prática promova a garantia de direitos que se desdobram ou reforçam a partir
da condição laica assumida por nossa republica democrática, como a liberdade de
consciência, a igualdade de direitos, as liberdades individuais e a não
discriminação.
De modo que passa a ser então uma questão de direito que o cidadão brasileiro tenha
uma Educação fundada noutra base epistemológica mais integradora e menos
simplificadora, mais dialógica e menos doutrinária, capaz de responder ao desafio da
laicidade do Estado e a necessidade de uma Educação de qualidade. Para além de
reconhecer a liberdade de crença e a justiça religiosa, é preciso ainda articular a
multireferencialidade e a multidimensionalidade das pessoas e do mundo, o que não será
possível diante de uma epistemologia tácita, fechada, cartesiana.
A própria complexidade dos problemas atuais nos impulsiona a incorporar na
Educação novas formas de pensar a realidade, novas posturas de ensinar e aprender, novos
conceitos e novas atitudes que nos possibilitem superar um posicionamento simplificador e
fragmentário. A prática educacional moderna requer uma aprendizagem contextualizada,
globalizada e criadora (SANTOS; SOMMERMAN, 2009), fruto de um novo diálogo entre
os saberes (NICOLESCU, 1999; 2002; MORIN, 2000; 2005; 2010; 2010b) que engendra
uma perspectiva diversificada do conhecimento e dos indivíduos.
Este é o desafio que passamos a enfrentar agora com base no modelo transdisciplinar,
que se apoia nos três pilares fundamentais da complexidade, dos níveis de realidade e do
terceiro incluído (NICOLESCU, 1999).
77
5.1) Complexidade: Ensino Religioso e Incerteza
Desde as contribuições de Newton, os pilares da certeza fundamentam a ciência
clássica. O princípio da ordem, da separabilidade, da redução e da lógica indutivo-dedutivo-
identitária sustentam uma lógica que torna o sujeito incapaz de conceber a unidade do
múltiplo ou a multiplicidade do uno. Por consequência, essa conjunção produz um saber
cego sobre o todo complexo, ignorando o singular, a existência, o sujeito, a afetividade, os
sofrimentos, os gozos, os desejos, as finalidades, o espírito, a consciência humana (MORIN;
MOIGNE, 2000).
A prática do ER esteve baseada comumente no paradigma da certeza e da
simplificação. Pouco se deu atenção à complexidade presente na ordem/desordem,
um/múltiplo, todo/partes, objeto/meio ambiente, objeto/sujeito, claro/escuro. O comum foi
compreender o ER como Ensino de Religião, dogmático e fechado a um sistema
padronizador e único. A existência de outros credos religiosos e cosmologias do saber
foram ignoradas. No entanto, o novo contexto em que nos situamos hoje requer outro tipo
de atitude, outra lógica do saber, de modo que, ensinar a incerteza passa a ser um saber
necessário à educação religiosa.
Esta nova proposta epistemológica supera o paradigma cartesiano e considera a uno-
diversidade do ser humano, das culturas e da história. A complexidade se reconhece,
portanto, pelos traços negativos: incertezas, insuficiência da lógica. Mas se reconhece
também pelos traços positivos: o tecido comum onde se unem o um e o múltiplo, o
universal e o singular, a ordem e a desordem e a organização (MORIN; MOIGNE, 2000).
Contudo, o que é complexidade? Em sua obra Introdução ao pensamento completo,
Edgar Morin nos apresenta a necessidade do pensamento complexo, não como uma solução,
mas como um desafio. O desafio de reunir. O desafio de tratar as incertezas. Em outras
palavras,
A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido
junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o
paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é
efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,
determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a
complexidade se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do
78
inextricável, da desordem, da ambiguidade, da incerteza... (MORIN, 2006, p.
13,14).
Seu objetivo é religar saberes dispersos, superar as dicotomias, dirimir as brumas e as
obscuridades do conhecimento, pois “As ameaças mais graves em que incorre a humanidade
estão ligadas ao progresso cego e incontrolado do conhecimento (armas termonucleares,
manipulações de todo tipo, desregramento ecológico, etc.)” (MORIN, 2006, p. 9).
Foi DESCARTES quem sugeriu a primeira separação de conhecimentos delimitando
dois campos distintos: o sujeito e as coisas. Essa primeira disjunção afastou a filosofia
(problemas do sujeito) da ciência (questões das coisas externas ao sujeito). E o sujeito
filósofo foi ficando cada vez mais ensimesmado; enquanto o sujeito cientista foi ficando
cada vez mais distante e isolado do objeto do conhecimento. Assim, a ciência desenvolveu-
se buscando esvaziar qualquer subjetividade no trato do objeto. A ideia é de que essa
objetividade reflita a verdade científica. Aqui se estabelece um abismo entre a reflexividade
filosófica e a objetividade científica. E assim a Ciência ficou sem consciência, sem
consciência moral, reflexiva ou subjetiva (MORIN, 2010c).
Outra importante questão levantada por MORIN se refere a uma real inadequação de
um conhecimento simplificado e fragmentado frente os grandes problemas do nosso tempo,
cada vez mais polidisciplinares, globais e planetários,
Há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados,
fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou
problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais,
transnacionais, globais, planetários (MORIN, 2010a).
De modo que a formação do aluno futuro não pode prescindir de uma visão global e
complexa, sob risco de formarmos um cidadão incapaz de lidar com os problemas do nosso
tempo.
Conforme MORIN; MOIGNE, (2000) o pensamento complexo é aquele que lida com
a incerteza, e sempre esteve presente na história da humanidade, tanto no Ocidente quanto
no Oriente, mas ganha força maior à medida que começam a se dissolver os quatro pilares
da certeza que sustentaram a ciência clássica: principio da ordem: que postulava um
universo regido por leis imutáveis, deterministas (Newton), principio da separabilidade,
79
que estabelece a lógica de que, para resolver um problema, é preciso decompô-los em
elementos simples (Descartes); principio da redução, que limita os elementos conhecidos
do sistema ao que é mensurável e o principio da razão que assegura a validade formal das
teorias e raciocínios.
Assim, para MORIN; MOIGNE (2000), a conjunção dos quatro pilares determina o
pensamento simplificador e este só concebe os objetos simples que obedecem às leis gerais.
Produz um saber anônimo, cego, sobre todo o contexto e todo o complexo; ignora o
singular, o concreto, a existência, o sujeito, a afetividade, os sofrimentos, os gozos, os
desejos, as finalidades, o espírito, a consciência. Ele considera o cosmos, a vida, o ser
humano, como máquinas deterministas triviais através das quais poderiam prever todos os
outputs (resultados) se conhecêssemos todos os inputs (entradas).
No entanto, a ciência do séc. XX veio causar um abalo sísmico nestes pilares e fundou
outros: da desordem, da não separabilidade, da não redutibilidade e da incerteza lógica. Mas
apenas nos dias atuais o paradigma da complexidade começa a ganhar força. Conforme
MORIN; MOIGNE (p. 205-206),
Na época contemporânea, o pensamento complexo começa seu desenvolvimento
na confluência de duas revoluções científicas. A primeira revolução introduz a
incerteza com a termodinâmica, a física quântica e a cosmofísica. Essa revolução
científica desencadeou as reflexões epistemológicas de Popper, Kuhn, Holton,
Lakátos, Feyrabend, que mostraram que a ciência não era a certeza, mas a
hipótese, que uma teoria provada não o era em definitivo e se mantinha
‘falsificável’, que existia o não científico (postulados, paradigmas, themata) no
seio da própria cientificidade. A segunda revolução científica, mais recente, ainda
indetectada, é a revolução sistêmica nas ciências da Terra e a ciência ecológica.
Ela não encontrou ainda seu prolongamento epistemológico (que os meus próprios
trabalhos anunciam).
Dentre as muitas contribuições do método estabelecido por MORIN, destacamos com
Conceição Almeida (2004, p. 9) especificamente:
Trata-se de um método capaz de absorver, conviver e dialogar com a incerteza; de
tratar da recursividade e dialogia que movem os sistemas complexos; de
reintroduzir o objeto no seu contexto, isto é, de reconhecer a relação parte-todo
conforme uma configuração hologramática; de considerar a unidade na diversidade
e a diversidade na unidade; de distinguir, sem separar nem opor; de reconhecer a
simbiose, a complementaridade, e por vezes mesmo a hibridação, entre ordem e
desordem, padrão e desvio, repetição e bifurcação, que subjazem aos domínios da
matéria, da vida, do pensamento e das construções sociais; de tratar do paradoxo
como uma expressão de resistência ao dualismo disjuntor e, portanto, como foco
80
de emergências criadoras e imprevisíveis; de introduzir o sujeito no conhecimento,
o observador na realidade; de religar, sem fundir, ciência, arte, filosofia e
espiritualidade, tanto quanto vida e ideias, ética e estética, ciência e política, saber
e fazer.
Como se vê o pensamento complexo compreende a incerteza, indeterminações e
fenômenos aleatórios, sem um anular a existência do outro. E pensando numa reformulação
do conhecimento, MORIN estabelece sete princípios complementares e interdependentes:
sistêmico ou organizacional, onde ele coloca que o todo é mais que a soma das partes,
sendo impossível conhecer o todo sem conhecer as partes, ou conhecer as partes sem
conhecer o todo; hologramático, segundo o qual a parte está no todo, e o todo está na parte;
circulo retroativo, onde a causa age sobre o efeito e o efeito age sobre a causa engendrando
um novo efeito; circulo recursivo, que mostra que os produtos originam aquilo que produz,
perpetuando uma auto-eco-organização, superando a ideia linear de causa e efeito;
autonomia e dependência do sujeito-objeto; dialógico onde o conhecimento nasce do
diálogo entre termos antagônicos e conflitantes e o princípio da reintrodução do
conhecimento em todo o conhecimento (MORIN; MOIGNE, 2000).
Assim, a complexidade engendra uma racionalidade aberta e transdisciplinar, que
permite a multiplicidade, a interação e o entrelaçamento de fenômenos que compõem o
mundo, as sociedades e os sistemas de vida, mesmo os aparentemente antagônicos. E é
precisamente nesta perspectiva que enxergamos a possibilidade de estabelecer uma
aproximação entre duas experiências cognitivas, simultaneamente assimétricas, opostas e
complementares: Ciência e Tradição (ALMEIDA, 2010).
A incidência da crítica de MORIN compete a compartimentação e disciplinarização de
saberes. Entretanto, para ALMEIDA (2010, p. 13), não basta apenas “religar áreas de
disciplinas internas ao conhecimento científico, sendo necessário aproximar domínios de
saberes identificados como opostos e contraditórios por força de um processo civilizacional
pautado pela monocultura da mente”.
É preciso religar estratégias distintas de compreensão do mundo, engendrar maior
acuidade, sensibilidade e abertura do pensamento, considerar um horizonte maior do
conhecimento e da cultura.
81
Para ALMEIDA (2010), houve ao longo da história uma desclassificação dos saberes
da tradição, comumente entendidos como inferiores, sem fundamento, um estágio
balbuciante do pensamento. Hoje se faz necessário reconstruir a simbiose destas duas faces
do conhecimento, reconhecer sua complementaridade, pois na verdade, os métodos,
modelos de pensamento e estratégias de que se vale a tradição muito têm a oferecer aos
métodos, modelos e estratégias do pensamento científico.
De fato, não é mais aceitável situar a Ciência como um saber distinto e superior aos
demais, a todos os outros saberes, como a filosofia, religião e artes. Faz-se necessário
compreender que a racionalidade científica não corresponde à única perspectiva de
conhecimento possível e válido, existem outras produções de conhecimento, outras formas
de saber e conhecer.
E se primamos por um projeto de Educação transformadora, isto é ainda mais
necessário, uma vez que uma configuração da Ciência como forma privilegiada de saber
favorece e sustenta uma sociedade que naturaliza, justifica ou autoriza a divisão
em classes e a exclusão social, e isso por meio da bipolarização sucessiva:
aristocratas e povo, cultura erudita e popular, elite intelectual e cidadão comum,
alfabetizados e analfabetos. Uma arquitetura perversa é posta em ação. ‘Dividir
para reinar’. A fórmula é também a de Maquiavel para dominar a cidade; a de
Descartes para dominar a dificuldade intelectual, e a de Taylor para reger as
operações do trabalhador na empresa (ALMEIDA, 2010, p. 44).
Assim, fazer aproximar, relacionar e dialogar Ciência e Tradição favorece a um
pensamento aberto e dialogal, e não simplificador. Por certo, a própria aptidão cerebral
humana engendra dois modos de operação do pensamento: o simbólico/mítico/mágico e o
empírico/lógico/racional, que estão sempre imbricados em todo o homem e em todas as
sociedades humanas, de modo que a unidualidade do pensamento humano é
simultaneamente mito-lógica, abstrato-concreto, imaginário-real (MORIN, 1975).
Por isso nos colocamos a favor da permanência do ER na escola, pois além de
concorrer à inteligência geral e a formação multidimensional dos estudantes, favorece a
democracia de ideias e a ecologia de culturas, posturas necessárias ao contexto globalizante
e complexo do nosso tempo (MORIN, 2002; 2010a; 2010b).
82
5.2) Complexidade: Ensino Religioso e Laicidade
Aqui alcançamos enormes ganhos, novas posturas, atitudes e mentalidades. Um ER
com base na complexidade se abre à comunicabilidade e valoração de todos os sistemas ou
confissões religiosas, favorecendo a justiça religiosa (DINIZ, 2010, p. 99). Não há
hegemonia de um domínio sobre o outro, Ciência ou Tradição, mas abertura e respeito às
diversas formas de representação do mundo, à diversidade religiosa e à liberdade de crença.
O ER com base na complexidade postula, antes de tudo, uma democracia de ideias, uma
ecologia das culturas.
O pensamento único e padronizador, mesmo científico, foi sempre um equívoco na
história da humanidade e só gerou intolerância e guerra entre os homens. Da mesma forma,
um modelo de ER doutrinador, só favoreceu atitudes sectárias e proselitistas. Hoje
precisamos de uma ciência plural, capaz de dialogar com outras narrativas em direção a um
tempo de paz, da mesma forma que precisamos de um modelo de ER aberto e dialogal,
capaz de responder de modo adequado aos desafios de um mundo plural e uma sociedade
diversificada.
Enriquecido pela complexidade, não apenas o ER, mas todo o sistema educacional,
ganha por suplantar uma ideia de educação bancária (FREIRE, 1997) onde o aluno-banco-
de-dados apenas acumula informações e conhecimentos sem saber articulá-los e refletir
sobre o mundo. Por isto MORIN (2010b) retomando MONTAIGNE alerta que “é melhor
uma cabeça bem-feita do que bem cheia”.
É sob esta nova lógica que o ER pode formar estudantes, futuros cidadãos, capazes de
pensar o mundo por meio da diversidade, sustentando vários pontos de vista, mesmo
contraditórios em certo nível de realidade, inaugurando uma nova ética de conhecer e viver.
A lógica da ordem e da doutrina fortalece o determinismo e os fundamentalismos religiosos,
a lógica da incerteza e do diálogo inaugura um novo tempo de paz entre os homens e
mulheres pós-modernos, sejam crentes, ateus ou agnósticos, o que sobressai é o respeito
pelo “Outro Eu”.
83
5.3) Níveis de realidade: Ciência e Tradição, a complementariedade dos opostos
Uma questão fundamental para o entendimento da transdisciplinaridade são os
diferentes níveis de realidade. Compreendamos inicialmente estes dois conceitos. Conforme
NICOLESCU (1999, p. 30), “realidade” é “aquilo que resiste às nossas experiências,
representações, descrições, imagens ou formalizações matemáticas”; já “níveis” de
realidade dizem respeito a
um conjunto de sistemas variantes sob a ação de um número de leis gerais: por
exemplo, as entidades quânticas submetidas às leis quânticas, as quais estão
radicalmente separadas das leis do mundo macrofísico. Isto quer dizer que dois
níveis de realidade são diferentes se, passando de um ao outro, houver ruptura das
leis e ruptura dos conceitos fundamentais (como, por exemplo, a causalidade)
(NICOLESCU, 1999, 31).
Ou seja, dois níveis de realidade são diferentes em suas leis e em sua lógica. Por isso,
existe uma descontinuidade na estrutura dos níveis da realidade, de modo que, cada nível da
realidade, está associado com o seu próprio espaço-tempo. Como consequência desta nova
lógica, PANÃO (2009) nos esclarece que,
a introdução de níveis de Realidade induz a uma estrutura da Realidade
multidimensional e multireferencial. Ambas as noções de “Real” e “níveis da
Realidade” relacionam-se com aquilo que é considerado ser “natural” e “social” e,
por isso, é aplicável ao estudo da natureza e da sociedade. A nossa abordagem não
é hierárquica. Não há nível fundamental. Mas a sua ausência não significa uma
dinâmica anárquica, mas coerente, de todos os níveis da Realidade, os já
descobertos ou que o serão no futuro. Cada nível é caracterizado pela sua
imperfeição: as leis que governam este nível são apenas parte da totalidade das leis
que governam todos os níveis. E mesmo a totalidade das leis não se exausta na
totalidade da Realidade: temos também de considerar o Sujeito e a sua interacção
com o Objecto. O conhecimento está aberto para sempre.
Conforme LIMA (2003) é possível compreender o conceito de níveis de realidade a
partir do seguinte exemplo: “No nível do mundo sensível, dois corpos não podem ocupar o
mesmo espaço no mesmo momento. No mundo psíquico isto é possível, trata-se de dois
diferentes níveis de realidade”. O fato é que, se outrora a pesquisa disciplinar estudava
apenas um nível de realidade ou fragmentos de um nível de realidade, esta nova
metodologia trabalha a partir da dinâmica decorrente da ação simultânea de diferentes
níveis de realidade.
84
Diferente do enfoque tradicional-disciplinar-simplificador, esta nova metodologia traz
à tona uma multiplicidade, antes impensável, dos modos de conhecimento; fazendo emergir
uma nova visão de realidade com dados inteiramente originais. Segundo SOMMERMAN
(2003, p. 114),
[...] foi a física, considerada a ciência mais fundamental dentre todas as ciências,
que trouxe os dados que permitiram a emergência de um novo diálogo não só entre
todas as disciplinas científicas, mas entre estas e os conhecimentos não
disciplinares das culturas do passado, da arte e das tradições, ou seja, que permitiu
a emergência da transdisciplinaridade.
Conforme Edgar Morin (2010c), todas as ciências hoje têm muito a aprender, tanto no
relacionamento entre si, quanto com as demais áreas dos saberes, como a filosofia, arte ou
religião. A relatividade de EINSTEIN, a microfísica, a termodinâmica e a microbiologia
provocaram uma verdadeira revolução no campo do conhecimento humano. Verdades
absolutas e certezas fechadas caíram por terra. Assim, sabe-se hoje que toda a Realidade é
incerta e de natureza complexa, comportando o acaso, a probabilidade e a incerteza.
É apenas dentro desta lógica ternária transdisciplinar que podemos promover o
diálogo entre Ciência e Religião, onde se faz possível dialogar até mesmo com o
antagonismo (certeza-incerteza, ordem-desordem, onda-partícula, ciência-tradição). Talvez
assim consigamos superar a ruptura contemporânea entre um saber cada vez mais
cumulativo e um ser interior cada vez mais empobrecido, como alude a Carta da
Transdisciplinaridade. Não é possível mais pensar numa Educação autêntica que não seja
global. Por certo,
Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração do conhecimento. Deve
ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar
reavalia o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo na
transmissão dos conhecimentos (Carta da Transdisciplinaridade, artigo 11).
E é precisamente disto que carecemos em nossos dias, de uma Educação que leve em
consideração a multidimensionalidade humana. Vale então a assertiva de André Malraux,
ainda no ano de 1955, “Nosso século, com a psicanálise, redescobriu os demônios no
homem – a tarefa que nos aguarda agora é de redescobrir seus deuses” (MALRAUX, apud
NICOLESCU, 1999 p. 138); de modo que se faz bom e necessário o estudo e a análise do
conhecimento religioso no meio escolar.
85
De fato, se o objetivo último de toda Educação é favorecer ao aluno uma formação
integral e abrangente, isto inclui, necessariamente, a decodificação do fenômeno religioso,
que suplanta a condição de uma Educação racionalizadora e profissionalizante, por uma
integral e cidadã.
A Educação do cidadão é um processo complexo que inclui múltiplos aspectos,
inclusive o religioso, sendo este último um dado antropológico e sociocultural
presente na história da humanidade. Tal ensino estaria, portanto, fundado na
factualidade e na relevância do preceito religioso para a vida social, fazendo parte
de um projeto mais amplo que não coloca a priori a religiosidade dos sujeitos
como algo a ser educado, mas, antes, os próprios sujeitos, independentemente de
suas adesões de fé (PASSOS, 2007, p. 33).
Assim, está claro que
Uma escola inteligente não pode deixar de fora o conteúdo religioso. Pôr para
escanteio essa noção é esquisito, pois, se ela não é estranha à vida, como pode ser
estranha à escola? (SENA, 2007, 19).
Trata-se então de transgredir as fronteiras, não apenas epistemológicas, mas também
paradigmáticas, pois como nos coloca ESPÍRITO SANTO (2011), “transgressão é
possibilidade de transcendência”.
E isto vale ainda, talvez especialmente, para a condição do Ensino Básico, pois,
Se, como dissemos, a religião está presente em todas as sociedades e momentos da
história, fica evidente que ela não pode ausentar-se da vida de uma criança.
Remarquemos: independentemente de seguir uma religião formal ou não, todos os
seres humanos têm o que chamamos de religiosidade, ou seja, um sentimento que
questiona ou crê sobre forças superiores e anteriores que nos podem auxiliar,
proteger, punir, apoiar ou castigar. Isso significa que a presença da religiosidade na
vida de uma criança, assim como sua reflexão e conversa, é fundamental (SENA,
2007, p. 17).
Por isto, cabe superar um falso tipo de conceito de nível de realidade única. Sabe-se
hoje que existem diferentes níveis de realidade, e não somente aquele percebido pelos
nossos sentidos. Para ARAGÃO (2009), a lógica transdisciplinar engendra uma atitude
transreligiosa, uma abertura de todas as religiões, onde nenhuma se considera a única
verdadeira, embora seja possível experimentar-se como absolutamente verdadeira e
universal. Quando se considera outros níveis de realidade, as religiões que podiam ser
antagônicas e excludentes, se abrem para um novo dinamismo, o do estado T, que pode
reconciliá-las numa camada mais profunda da realidade.
86
Trata-se da base antropológica que nos constitui a todos e exige uma atitude ética,
ou daquilo que é mais humano no humano e também no cósmico – por isso sagrado
ou divino (ARAGÃO, 2015, p. 21).
Deteremo-nos melhor sobre este novo dinamismo (do estado T) mais adiante.
Mas note que a transdisciplinaridade não é religiosa, nem areligiosa, e sim,
transreligiosa. Por isto capaz de atingir mesmo os agnósticos e ateus, pois
fundamentalmente, todos se definem em relação a ela.
A atitude transreligiosa não está em contradição com nenhuma tradição religiosa e
nenhuma corrente agnóstica ou ateia, na medida em que estas tradições e estas
correntes reconhecem a presença do sagrado. Esta presença do sagrado é, de fato,
nossa transpresença no mundo. (NICOLESCU, 1999, p. 63).
Em NICOLESCU, o Sagrado está entre e para além de todas as religiões, e representa
a zona de absoluta resistência, o estado T, a fonte de nossos valores humanos que opera a
unificação dos contraditórios em um nível diferente de realidade.
Desta feita, percebe-se como a lógica ternária transdisciplinar aperfeiçoa e favorece o
estudo e a experiência do Transcendente para além das certezas e religiosas, procurando
pontos de vista a partir dos quais seja possível torná-los interativos. Assim, por meio da
lógica do Terceiro Incluído, o ensino transreligioso sucede uma prática binário-disjuntivo
por uma complexa, onde se confronta com os paradoxos do real (ordem/desordem,
parte/todo, singular/plural, sujeito/objeto), tornando o conhecimento mais significativo e
abrangente. Trata-se então de usar estratégias não-lineares, mais sensíveis e abertas aos
diferentes níveis de percepção e de realidade.
Assim, a transdisciplinaridade propõe o diálogo entre os diferentes saberes do ser
humano, de forma que, arte, filosofia, ciência e religião se complementam e aperfeiçoam,
favorecendo um conhecimento não fragmentado e uma epistemologia global. No que diz
respeito à Educação e ao ER favorece e articula a multireferencialidade e a
multidimensionalidade do ser humano e do mundo, abrindo-se a uma perspectiva
diversificada do conhecimento e dos indivíduos.
Em linhas gerais o desafio é aplicar à prática educacional todos os princípios
sugeridos pela complexidade, como a visão Hologramática, a Complementaridade dos
87
Opostos, a Autopoiése, e a Incerteza, inaugurando uma prática educacional de natureza
complexa e engendrando “Uma realidade, portanto, constituída de processos globais,
integradores, não-lineares e auto-eco-organizadores” (MORAES; VALENTE, 2008, p19).
Tal prática inusitada até já se apresenta, pelo menos inicialmente, nas experiências de
salas de aula do país. Quando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS) recomendam o
trabalho com os temas transversais, naturalmente recorre a uma lógica deste tipo, que
articula os conhecimentos das diversas disciplinas transgredindo suas fronteiras, mas
alcançando uma visão mais plena e abrangente do conhecimento e da vida (SANTOS,
2009). Com a obrigatoriedade da Música nos currículos escolares a partir de 2012, espera-se
que estas experiências, cada vez mais, se multipliquem nas escolas brasileiras.
Finalmente, se o mundo hoje caminha na direção de um conhecimento mais
abrangente e significativo, não faz sentido rumarmos no caminho inverso, precisamos
avançar para o novo paradigma. Os modelos tradicionais de ER representam uma estrutura
educacional defasada e não mais respondem a exigências do nosso tempo. Por isto,
ratificamos a opção pela abordagem transdisciplinar da religião, capaz de primar pela
formação integral do ser humano.
5.4) Lógica do Terceiro incluído: justiça religiosa
O terceiro milênio supõe uma estrutura de pensamento aberta e acolhedora, não
obstante as reações culturais e religiosas de caráter mais fechado, violenta e de tendências
fundamentalistas. O próprio impacto cultural da revolução quântica levantou questões para
muitos dogmas filosóficos que sustentavam a ciência contemporânea, como por exemplo, a
existência de um único nível de Realidade. Muitas das posturas fechadas de outrora
negavam a pluralidade complexa da realidade, todavia, a lógica do terceiro incluído conduz
a um novo tempo de paz e diálogo. É com base nesta nova lógica, nova epistemologia, que
se pode favorecer um encontro real com o outro, o diferente, garantindo a diferença e o
respeito a esta pluralidade, quer cultural ou religiosa. Para muitos estudiosos estas são as
urgências para o nosso tempo, como coloca CAMPOS (2009),
88
Precisamos hoje de uma base epistemológica e uma nova lógica que prime pela
relação, abertura, criatividade, respeito e garantia das diferenças; que favoreça as
relações, as interações e as emergências, e não a dicotomia e a polaridade
existente. Alguns filósofos da alteridade como Santos (2003) e Lévinas (1988) já
postulavam uma razão dialógica, de acolhimento mútuo das culturas e da
descoberta do “rosto do Outro” enquanto dimensão sagrada da existência humana.
O grande desafio que se coloca então é o de construirmos um quadro mais amplo
para tratar das verdadeiras questões, como o respeito à pluralidade religiosa e
cultural do nosso tempo.
Desde a formulação da lógica aristotélica, a verdade ou a validade do conhecimento
estavam universalmente submetidas ao princípio da não contradição, não podendo existir
nenhum outro dinamismo que fosse ao mesmo tempo A e não-A. A contradição era
sinônima de erro e incoerência de pensamento. Vivemos por longos séculos sob este
paradigma, de um universo linear e determinista, porém, com o desenvolvimento da física
quântica este axioma passou a ser modificado, concretizando nova evolução do quadro
lógico do conhecimento humano.
Conforme Gilbraz Aragão (2009),
É dentro desse quadro evolutivo que se compreende o “pensamento complexo” e a
sua “lógica transdisciplinar”, desenvolvida por Basarab Nicolescu. O
desenvolvimento da física quântica levou ao aparecimento de pares de
contraditórios mutuamente exclusivos (A e não-A): onda e corpúsculo,
continuidade e descontinuidade, separabilidade e não separabilidade, causalidade
local e causalidade global, simetria e quebra de simetria, reversibilidade e
irreversibilidade do tempo. Tais pares são mutuamente opostos quando analisados
através da lógica clássica e dos seus axiomas: identidade: A é A; não contradição:
A não é não-A; e o terceiro excluído: não existe um terceiro termo T (T de
“terceiro incluído”) que é, ao mesmo tempo A e não-A.
A formulação desta nova lógica deve-se em primeiro lugar as contribuições de
Stéphane Lupasco, importante filósofo romeno que desenvolveu a lógica da não-
contradição, onde o Terceiro Incluído (T) é ao mesmo tempo A e não-A, mais tarde
reforçada pelas contribuições de Basarab Nicolescu e os níveis de realidade.
Desta feita,
O pensamento de Nicolescu apoia-se na reflexão do filósofo e cientista Stéphane
Lupasco. Este, no livro L’expérience microphysique etlapensé e humaine, lançado
originalmente em 1941, formulou uma nova lógica, a partir do que a experiência
da microfísica permite revelar do pensamento humano. Para ele, fomos fortemente
marcados pela lógica clássica, com sua noção de objeto e o princípio de não-
contradição, que serviram de substrato epistemológico a toda reflexão científica
até o começo do século XX (ARAGÃO, 2009).
89
Para NICOLESCU (1999) então, dois níveis de Realidade são diferentes em suas leis
e em sua lógica. Passando de um nível para outro, aquilo que antes era contraditório no
nível 1, pode ser unificado no nível 2 com o estado T, onde se faz possível a “coexistência
entre pares de contraditórios mutuamente exclusivos” (onda-corpúsculo, separabilidade-
não-separabilidade). E aqui passaremos a compreender melhor sobre o estado T.
Aos diferentes níveis de Realidade, estão associados diferentes níveis de percepção,
que nos capacitam a inteligência destes níveis,
Os diferentes níveis de Realidade são acessíveis ao conhecimento humano graças à
existência de diferentes níveis de percepção, que se encontram em correspondência
biunívoca com os níveis de Realidade. Esses níveis de percepção permitem uma
visão cada vez mais geral, mais unificadora, mais abarcadora da Realidade, sem
jamais exauri-la completamente (NICOLESCU, 2007).
O próprio NICOLESCU (2002, p. 51) propõe uma representação simbólica da ação da
lógica do Terceiro Incluído por meio de um gráfico, assim como vemos a seguir,
T
................................................................................Nível de Realidade 1
................................................................................Nível de Realidade 2
A não-A
De modo que, o estado T opera a unificação dos contraditórios, porém, em um nível
diferente de realidade. Assim,
O meio incluído é de fato um Terceiro Incluído. Se permanecermos em um único
nível de Realidade, toda a manifestação parece uma luta entre dois elementos
contraditórios. A terceira dinâmica, aquela do estado-T, é exercido em um outro
nível de Realidade, onde quilo que percebemos como desunido está de fato unido e
aquilo que parece contraditório é percebido como não contraditório
(NICOLESCU, 2002, p.51).
Ou seja, a concepção de níveis de realidade inaugura uma nova lógica, antagônica e
complementar à lógica aristotélica do princípio de identidade e não-contradição. A lógica
90
transdisciplinar nos situa assim diante da possibilidade de encontrar em presença de dois
pares de opostos (A e não-A) um terceiro dinamismo, o do estado T, situado num outro
nível de Realidade; que é ao mesmo tempo A e não-A. Se na lógica clássica os pares
contraditórios eram vistos como um erro, nesta nova lógica “onda e corpúsculo”,
“continuidade e descontinuidade”, “separabilidade e não separabilidade” etc., nos dão a
entender que alcançamos uma camada mais profunda da Realidade, pois o estado T opera a
unificação dos contraditórios.
De fato, a matéria, como já defendia Max Planck16, é tão somente uma modalidade de
energia, mas existem outras. Um pensamento único, uma lógica binária, não pode dar conta
da infinita diversidade das manifestações da energia em nosso mundo, isto é incompatível
com a visão transdisciplinar. Apenas a lógica do Terceiro Incluído pode nos ajudar a
compreender o conjunto da realidade que nos cerca.
Estamos então diante de um novo paradigma para a Educação e o ER. Uma lógica
binária jamais poderá promover a conciliação dos opostos ou diferentes, mas o contrário
rechaça o pensamento único e segregador, favorecendo superar a totalidade hegemônica, a
indiferença e autossuficiência religiosa. Aqui não há espaços para julgar algo mais certo ou
mais verdadeiro, mas sim, espaços comuns de respeito, liberdade e paz entre todos.
Para NICOLESCU (1999, p. 121), aqui podemos falar de um novo Princípio de
Relatividade, onde outros pontos de vista são valorizados e reconhecidos como iguais.
Um novo Princípio de Relatividade emerge da coexistência entre a pluralidade
complexa e a unidade aberta: nenhum nível de Realidade é um lugar privilegiado a
partir do qual se possa compreender todos os outros níveis de Realidade. Um nível
de Realidade é o que é porque todos os outros níveis existem ao mesmo tempo.
Esse princípio de Relatividade é o que origina uma nova perspectiva na religião,
na política, na arte, na educação e na vida social. E quando a nossa perspectiva
sobre o mundo muda, o mundo muda. Na visão transdisciplinar, a Realidade não é
só multidimensional, é também multirreferencial.
Assim, a abordagem transdisciplinar nos propõe considerarmos a Realidade de modo
multidimensional, estruturada em múltiplos níveis, e não unidimensional, como fez no
pensamento clássico. Quando aplicada à prática do ER, este novo paradigma supõe que
16 Max Karl Ernst Ludwig Planck foi um físico alemão. É considerado o pai da física quântica e um dos físicos
mais importantes do século XX. Planck foi laureado com o Nobel de Física de 1918, por suas contribuições
na área da física quântica.
91
nenhuma religião ou cultura se arrogue ter a última palavra ou ser depositária da verdade
absoluta. Por certo, muitas guerras e conflitos internacionais tiveram como base uma
ideologia religiosa. Já a lógica do Terceiro Incluído implica uma filosofia da liberdade e da
tolerância, do respeito e do reconhecimento da dignidade humana.
A diversidade religiosa sempre esteve presente na história humanidade, porém muitas
vezes foi negada, inclusive nos contextos escolares. A opção por uma nova lógica de
abertura e valoração da alteridade inaugura um tempo de paz, onde é possível operar uma
conciliação de contrários. Um ER pautado por esta prática favorece comportamentos mais
abertos e tolerantes por parte dos estudantes, valores mais que necessários em um país
plural e diversificado como o nosso. Por certo,
A diversidade é uma das marcas da vida social brasileira. Atualmente convivem,
no território nacional, mais de 200 etnias indígenas, uma marcante população
formada por descendentes de povos africanos e um grupo também numeroso de
imigrantes e descendentes de povos originários de diferentes continentes, tradições
culturais e religiosas. (OLIVEIRA, 2007, p. 19).
Realidade que não pode ser negada, mas assumida por um novo comportamento. E
esta é, por certo, a ideia de Edgar Morin (2002, p. 55), para quem,
[...] a educação do futuro deve ser responsável para que a ideia de unidade da
espécie humana não apague a ideia de diversidade e que a da sua diversidade não
apague a de unidade. Há uma unidade humana. Há uma diversidade humana. A
unidade não está apenas nos traços biológicos da espécie humana homo sapiens. A
diversidade não está apenas nos traços psicológicos, culturais e sociais do ser
humano. Existe também diversidade propriamente biológica no seio da unidade
humana; não apenas existe unidade cerebral, mas mental, psíquica, afetiva,
intelectual; além disso, as mais diversas culturas e sociedades têm princípios
geradores ou organizacionais comuns. É a unidade humana que traz em si os
princípios de suas múltiplas diversidades. Compreender o humano é compreender
sua unidade na diversidade, sua diversidade na unidade. É preciso conceber a
unidade do múltiplo, a multiplicidade do uno.
A lógica do Terceiro Incluído é então uma lógica de inclusão, ética, solidária e cidadã,
capaz de favorecer até mesmo o diálogo intercultural e inter-religioso, pois aqui uma
verdade não é adversária da outra. Modelos estreitos, fundados na rigidez dogmática,
passam a dialogar, assumindo uma atitude transreligiosa, que deverá ser compreendida da
forma adequada, como apresenta Basarab Nicolescu (1999, p. 63),
A atitude transreligiosa não está em contradição com nenhuma tradição religiosa e
com nenhuma corrente agnóstica ou ateísta, quando essas tradições e correntes
92
reconhecem a presença do sagrado. Na verdade, a presença do sagrado é a nossa
transpresença no mundo. Se fosse difundida, a atitude transreligiosa tornaria
impossível qualquer guerra religiosa.
Enfim, os três pilares da transdisciplinaridade podem contribuir com a efetivação
plena do ER na escola secular, uma vez que se pauta por uma epistemologia científica que
favorece a alteridade e a pluralidade de visões. Isto vai além de um respeito ou diálogo entre
as tradições religiosas, antes tem a ver com um diálogo fecundo entre os saberes da ciência
e da tradição, o que pode enriquecer o próprio conhecimento humano. E mesmo aqueles que
não confessam credo algum, também devem aprender a relação com o Outro sem reduzi-lo a
si. É preciso compreender o outro em sua diferença, em sua impossibilidade de dominação,
não enquanto alter-ego.
6) Ensino Religioso e a Legislação da Educação no Brasil:
Desafios e Perspectivas
Iniciamos este capítulo discorrendo sobre um fator conflitante: Como colocar em
prática as teorias até aqui estudadas no chão da escola pública?
Ao longo desta pesquisa estamos tratando (e ainda trataremos) sobre a importância da
transdisciplinaridade, da transreligiosidade, do pluralismo religioso, do Ethos, cujos
conceitos articulados dentro do modelo das Ciências da Religião constituem-se um desafio
inovador a ser explorado no currículo escolar das escolas públicas no Brasil em busca de
uma educação para a tolerância, o respeito, a paz e a formação cidadã. Entretanto, como
empregar essa proposta de forma concreta no cotidiano das escolas públicas? Esta
problemática é de natureza curricular, ou formativa, ou das instituições de ensino superior,
ou de políticas Municipais e Estaduais? Ou estas questões se complementam? Esta é uma
interessante questão para refletirmos nas próximas linhas.
O ano de 2010 é considerado o ano brasileiro do ER e, portanto, o ano celebrativo das
iniciativas, das pesquisas, congressos, simpósios, seminários, teses, publicações que
buscaram e buscam a estruturação curricular desse ensino e seu status quo de componente
curricular. São experiências louváveis e significativas do ponto de vista acadêmico,
93
pedagógico e institucional. As legislações estaduais e municipais que o regulamentam
enquanto componente curricular a partir da Lei n° 9.475/97 é um dado significativo.
Portanto, é de conhecimento de todos que o acompanhamento na
implantação/implementação desse componente curricular nos sistemas de ensino e das
propostas dos cursos de licenciatura (para formação dos professores de ER), é de
competências dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Educação. Ou seja,
mesmo com as legislações vigentes, com os PCNER, com as proposições das Diretrizes
Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (Resolução CNE/CEB nº 2/98), com as
novas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica (Resolução CNE/CEB
nº 4/10), reconhecendo o ER como área de conhecimento, contudo, tais determinações
legais formuladas e estabelecidas nos citados documentos ainda não foram efetivamente
implementadas no Brasil.
Embora a efetivação desse ensino esteja respaldada no contexto escolar pela
legislação educacional, o ER está incluído e excluído ao mesmo tempo. Incluído como
disciplina dos horários normais e área de conhecimento das escolas públicas de educação
básica; e excluído quando mencionado de matrícula facultativa tanto na Constituição
Federal de 1988 como na Lei nº 9.475/97.
Assim, no campo jurídico não são poucos os estudiosos que afirmam que o Brasil tem
uma legislação muito bem elaborada, rica em detalhes e bastante qualificada em termos de
princípios e concepções de sociedade e de ser humano. O grande problema, em síntese, diz
respeito ao campo de sua aplicação. Há dificuldades para normatizar a operacionalização
das leis e, quando esse passo está vencido, os desafios permanecem no campo da aplicação
propriamente dita e da supervisão sobre a aplicação. Esse é, entre outros, um dos problemas
enfrentados pelo ER, considerando-se, ainda que mencionado no art. 210 da Constituição
Federal (BRASIL, 1999), e, portanto, assegurado de antemão, que ele depende das
legislações dos Sistemas Estaduais e Municipais de Educação e, ainda, das possibilidades
reais de exequibilidade, tais como docentes capacitados, orientações dos sistemas de ensino
para as escolas, absorção das horas-aulas na composição dos horários, e outros. Em paralelo
ocupam o mesmo espaço os interesses políticos, os órgãos de classe, as formas de gestão da
94
escola, as questões corporativas e inúmeros outros elementos que compõem a sociedade
civil e escolar.
Não obstante a problemática já mencionada de operacionalizar, por em execução,
nossa legislação, há outro antagonismo de cunho político que impôs (e impõe) dificuldades
para efetivar no chão das escolas públicas nossa proposta teórica articulada nesta pesquisa
para o ER: o Acordo com a Santa Sé.
Entre as várias situações enfrentadas, no final do ano de 2008, segmentos da
sociedade civil brasileira, envolvidos com a temática do ER e, mais especialmente, a
comunidade acadêmica (professores de ER, teólogos, cientistas da religião e lideranças das
diversas Tradições Religiosas) foi surpreendida pelo ato do Exmo. Presidente da República
do Brasil, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva que, em visita à Itália, assinou um Acordo com a
Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, o qual trata, em seu art.
11, de um reposicionamento do governo frente à questão do ER, já amplamente legislado
desde 1997, com a assinatura da Lei n° 9.475/97.
Sobre esse fato, primeiramente, o Acordo atropela e ignora a legislação existente, não
a reconhecendo como elemento norteador das ações da escola no campo do ER. É como
legislar sobre o já legislado, supondo-se que os gestores das escolas desconhecem a Lei e,
pior que isso, ignoram sua importância constitucional como garantidora dos direitos
individuais dos alunos. Para melhor entender a situação do Acordo em seu art. 11, faz-se
necessário retomar os princípios argumentativos que nortearam a discussão na década de
1990 e que foram preservados na legislação de 1997, e não considerados pelos formuladores
do Acordo.
O texto do art. 11 do Acordo está pautado em um princípio argumentativo doutrinário
desconsiderando a concepção multicultural como determinante da vida societária brasileira.
Isto é: historicamente, a cultura nacional tem se notabilizado por ser includente, receptiva,
acolhedora nas diferenças, em permanente processo de auto-organização, caracterizando-se
também por uma prática popular religiosa, estabelecida e reconhecida como constitutiva da
personalidade de base do povo brasileiro. Essa é a religiosidade estabelecida pela prática.
As questões doutrinárias não têm sido o eixo principal da discussão realizada no âmbito da
95
escola, embora estejam contempladas em um dos cinco eixos dos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Religioso. Trazer essa questão, conforme disposto no art. 11 do
Acordo, é remeter novamente o problema para o contexto da Igreja, saindo, pois, do campo
das Ciências da Religião e do cotidiano da prática escolar.
Em segundo lugar, o art. 11 do Acordo é desnecessário, pois o texto da Lei n°
9.745/97 é claro, objetivo, e resultou de muita discussão acumulada entre os poderes
públicos e os representantes legítimos da escola e das diversas tradições religiosas. Voltar a
ele, pois, não se justifica, porque não há qualquer sinal claro de que precise ser revisto,
considerando-se que nenhum processo avaliativo foi realizado desde a promulgação e a
aplicação da Lei.
O momento agora não é de retornar a essa questão, ao contrário, é de avançar,
afirmando as necessidades já evidenciadas: criar cursos de Licenciatura em Ensino
Religioso em todo o território nacional e, por consequência, reconhecer a profissão de
professor de ER, além de buscar a integração dos sistemas de ensino, em nível municipal e
estadual, garantindo que as práticas previstas em Lei sejam materializadas através de
medidas orgânicas e funcionais.
No ER previsto no art. 33 da LDBEN nº 9.394/96 não se encontram conteúdos de uma
determinada religião ou confissão religiosa, isto é, o ER escolar não pode ser confessional.
O fundamental é a discussão sobre a importância da religiosidade e do fenômeno religioso
na vida das pessoas e das sociedades. O § 1º do art. 11 do Acordo, ao contrário, ao anunciar
um ER “católico e de outras confissões religiosas”, limita sua abordagem e centraliza no
cristianismo o viés de abordagem da problemática, retroagindo ao espírito da Lei nº
5.692/71, já superada e, portanto, revogada, em razão da nova fonte legal aprovada em
1996.
Atualmente no Brasil vivemos um imbróglio político, uma controvérsia de lei, cuja
polêmica traz um entrave no que tange a implementação do ER no modelo das Ciências da
Religião nas escolas públicas. A problemática se dá porque a despeito dos avanços que o
FONAPER já promoveu para a inserção do atual modelo epistemológico fixados no PCN,
esbarramos em projetos de leis estaduais que problematizam, relativizam, não permitem
96
criar um consenso para o estabelecimento de um único modelo epistemológico desta
disciplina (ER).
Vê-se na sociedade brasileira (por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro) o
ressurgimento de uma questão que envolve o Estado e a religião, cuja temática sempre foi
extremamente sensível. O ex-governador Anthony Garotinho, em sua gestão, promulgou a
lei 3459 em 14 de setembro de 2000 regulamentando a implantação do ER confessional na
grade curricular das escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, ignorando os marcos
estabelecidos primeiramente pela Constituição de 1988, em seguida pela LDB (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação) na nova LDBN nº. 9.394, alterada em seu artigo 33, de 25
de julho de 1997 que contempla a diversidade religiosa e veta o uso do proselitismo,
avançando do modelo de ER confessional para a modalidade das Ciências da Religião. Ou
seja, os avanços na área do ER visando superar questões conflitivas entre Estado e religião
desde a instauração da República, onde ao invés da educação ser religiosa, deve ser laica, se
viu novamente em debates e tensões.
A questão debativa que se impõe para nossa reflexão é: Os Estados modernos apelam
à constituição de leis que garantem a laicidade, à promoção do desenvolvimento ético-
cidadão dos alunos nas escolas públicas, à alteridade no diálogo inter-religioso, como
fundação ideológica da sua existência. Ao mesmo tempo é preparado para infringir um ou
todos destes princípios no interesse da auto-preservação.
Assim, percebe-se que o maior obstáculo para empregar o que em nossa pesquisa
estamos apontando, de forma concreta no chão das escolas públicas, é de natureza política.
A não exequibilidade, portanto, se dá porque não há interesse político em investir na
Educação. De modo que se pode elaborar a melhor e resolutiva proposta teórica para o ER,
mas em nada adianta se não conseguirmos aplicá-las na dimensão concreta das escolas
públicas. Esbarramos, por assim dizer, em uma questão governamental. Deste modo,
ressaltamos que nosso trabalho nesta dissertação é apenas elaborar uma proposta teórica que
objetiva mostrar um projeto curricular no ER que julgamos significativo para a construção
da uma cultura de paz, convívio e respeito, bem como a formação cidadã no Brasil.
97
Por fim, pode-se dizer, também, que outro problema que deparamos para a execução
do ER no viés das Ciências da Religião no chão das escolas públicas, se dá porque cada
escola possui seu projeto pedagógico. Ou seja, cada escola é jurisdicionada por seu projeto
pedagógico, cada qual possui intencionalidades e ênfases particularmente definidas a partir
de seus objetivos e planos pedagógicos.
Considerações Finais
Neste capítulo objetivou-se elucidar os conceitos da transdisciplinaridade e
transreligiosidade para apresentar a importância e a pertinência de uma nova episteme, que
contempla o pensamento complexo em seus variados campos, incluindo o ER, objeto de
nosso estudo neste trabalho. Assim, considerando os apontamentos estudados neste capítulo
que culminou na máxima da lógica do Terceiro Incluído, pode-se observar a possibilidade
de novas perspectivas para o ER nas escolas públicas no Brasil.
Salvo os imbróglios políticos e as controvérsias de lei as quais vimos que apresentam
dificuldades para colocarmos o modelo das Ciências da Religião com interlocuções na
transdisciplinaridade e transreligiosidade em prática no cotidiano das escolas públicas no
Brasil, os assuntos deste capítulo podem ajudar a lançar luz para avançarmos em nossa
proposta teórica que objetiva apresentar um projeto curricular para o ER significativo na
formação cidadã no Brasil e para uma cultura de paz, convívio e respeito a partir de uma
ética civil global influenciada pelos valores do pluralismo religioso; cujos assuntos serão os
elementos do terceiro capítulo.
98
CAPÍTULO 3: O ENSINO RELIGIOSO DIANTE DO
PLURALISMO RELIGIOSO E DA ÉTICA MUNDIAL
“Mostra-te menos absoluto em teus julgamentos,
nem te acredites o único detentor da verdade”
(Sófocles, Antígona)
Introdução
Até aqui foram analisadas as tipologias de ER no Brasil ao longo da história em suas
respectivas cosmovisões: o Modelo Catequético, o Modelo Teológico e o Modelo das
Ciências da Religião. Foi possível avaliar o modelo das Ciências da Religião como o mais
adequado em termos de metodologia e conceituação para a formação de docente nas escolas
públicas brasileiras, assim como sua utilidade quanto a aplicação pedagógica para a
formação cidadã numa sociedade cada vem mais plural. Vimos, igualmente, os aspectos da
transdisciplinaridade e transreligiosidade e sua importância para a conceituação de novas
perspectivas para o ER nas escolas públicas que aponta para uma epistemologia complexa,
uma inteligência geral, uma democracia de ideias, também necessárias ao contexto global
complexo do nosso tempo.
99
Este capítulo, no entanto, pretende mostrar a relevância do ER nas escolas públicas
para a formação da paz e cidadã diante da pluralidade cultural e religiosa em nosso
contexto. Para isto analisaremos aspectos do pluralismo religioso presente na sociedade
brasileira e suas múltiplas representações culturais e éticas, aspectos da globalização, e
ethos como patrimônio da diversidade religiosa e cultural da humanidade.
Basicamente alguns passos serão dados neste momento. Inicialmente será realizada
uma descrição das múltiplas representações religiosas nas ambiências escolares. Será
conceituado brevemente o que é o pluralismo religioso, seu valor e sua inevitabilidade no
contexto brasileiro. Posteriormente veremos aspectos sobre a globalização e a pluralidade
religiosa, onde perceberemos que ser humano é existir numa multiplicidade de
possibilidades, dimensões e visões da realidade. Será observado que o pluralismo está
presente de muitas formas e nas mais diversas áreas da vida (pluralismo econômico,
político, ético, teológico, cultural). Neste sentido, o ER pode se constituir num acesso social
relevante para articular essas pluralidades dentro do contexto de uma ética global que
estimula a promoção da cidadania, o respeito e convívio pacífico, tendo em vista que no
quadro sociorreligioso há fortes sinais de conflitividade e violência. Por fim, será exposto o
ethos como um legado (espaço-lugar-tempo) da diversidade cultural-religiosa e a
importância do ER na perspectiva do ethos.
1) Pluralismo Religioso e Teologia
Mais do que a convivência pacífica na sociedade, o ER poderia levar seus alunos/as à
valorização e ao respeito pelo Sagrado presente nas diferentes religiões. Mesmo diante do
antagonismo presente entre as religiões, o ER pode estimular a descoberta da face de um
mesmo Deus presente em todas elas.
O ER, uma vez situado no horizonte da teologia do pluralismo religioso, promove o
enriquecimento da compreensão das diferentes expressões de divindade. Partindo dessa
perspectiva, Deus assume um rosto plural e diverso. Essa contribuição permite uma grande
riqueza cultural e teológica para os educandos/as. É preciso que tenhamos um bom
100
entendimento sobre o que seja essa teologia do pluralismo religioso, que serve de
fundamento epistemológico para a disciplina escolar de ER.
1.1) Globalização e pluralidade religiosa
O processo de globalização está provocando uma profunda e talvez definitiva
mudança no mundo todo. Processo este que criou rede de comunicações instantâneas e fez
nosso mundo encolher (WILFRED, 2002, p.33). Entretanto, a facilidade de comunicação e
o acesso das culturas entre si não tendem a convergir numa cultura mundial universalizada,
mas, sim, fazer surgir um cenário para a expressão de diferenças (PRANDI, 1997, p. 68). É
o que sugere o sociólogo Reginaldo Prandi: “Se, de um lado, estão em curso processos de
integração cultural no plano global, de outro a situação vem tendendo ao pluralismo”
(PRANDI, 1997, p. 68). Daí o apontamento nessa pesquisa quanto a pertinência e a
importância do ER nesse contexto plural e globalizado.
O ocidente tem sentido fortemente o impacto do pluralismo, como também de duas
outras correntes coexistentes na pós-modernidade, que perfazem o trio de embate:
globalização/pluralização/secularização. A secularização é uma consequência direta da
pluralização, que só se toma efetiva e nos atinge de forma significativa em nível de
globalização. Como muitos se tornaram os representantes religiosos devido à pluralização
trazida pela globalização, a secularização passou a ser, então, uma tentativa de desvincular o
poder político e social da religião. Principalmente porque a opulenta diversidade não mais
permitiria que o domínio político ficasse em detenção de uma única religião ou confissão
religiosa.
Desde o advento da cultura moderna, o modelo pluralista tem causado uma grande
mudança no pensamento do ocidente, até então norteado principalmente pela religião. O
pluralismo secularizou a sociedade e, desta forma, “diversas religiões podem coexistir
porque a ordem social e a política não precisam da religião para legitimar-se e fazer-se
respeitar” (OLIVEIRA, 2002, p.18).
101
A partir destas mudanças ocorridas e em processo, pode-se ter ideia do impacto da
pós-modernidade sobre a religião (mais especificamente o cristianismo no ocidente) como
até hoje conhecida17. Porém, muito mais do que apenas a influência da pós-modernidade, o
pluralismo é primeiramente “uma condição existencial do ser humano ― existimos em uma
realidade múltipla e complexa de cores, diversidades e dimensões que constituem a própria
natureza de um modo geral. Ser humano é existir numa multiplicidade de possibilidades,
dimensões e visões da realidade” (SCHOCK, 2012, p. 49). O pluralismo está presente de
muitas formas, em muitos lugares. Há o pluralismo como parte da economia e da política,
da ciência e da ética, da cultura e da religião. Ser humano é ser plural. Assim, o ER se
constituiu num instrumento social importante na possibilidade da construção de uma ética
global e formação da cidadania.
Devido à estreita relação com a cultura, o fator religioso do pluralismo precisa ser
estudado e compreendido a partir de suas raízes histórico-filosóficas e o contexto social e
ideológico de onde emerge. De outra forma, a expressão religiosa pode ser deslocada do seu
eixo identitário, deixando-a, assim, até mesmo desprovida de significação, sem razão de ser
e sem explicação para quem, de fora para dentro, procura compreender determinada
expressão religiosa. Por isto, uma atitude simplista para com esta realidade não levará a uma
compreensão satisfatória. Deste modo, cabe ao ER mais uma atitude sensível à pluralidade,
consciente da complexidade sócio-cultural da questão religiosa, se quisermos, de alguma
forma, compreendê-la.
E para fins pedagógicos, esclarecedores e norteadores em nossa pesquisa, vale
conceituar o que se compreende por pluralismo religioso. Consideramos, pelo menos, três
visões convergentes: A primeira entende o pluralismo religioso como “o grande número de
expressões e crenças religiosas existentes [...], que se mantém vivas como expressão e
manifestação de fé de um determinado grupo de pessoas” (BOBSIN, 2002, p. 22). Ou, a
ideia do pluralismo religioso que está relacionada “à necessidade que o ser humano tem de
atribuir sentido à sua vida” (OLIVEIRA, 2002, p. 18). Por último que “a pluralidade de
17 Apesar de que este quadro não esteja perfeitamente definido, no sentido de estarmos vivendo aspectos da pós-
modernidade, estando ainda ligados à era moderna (há quem diga que ainda estamos em plena modernidade
com apenas tendências pós-modernas – MARTINS, 2002), muito no cenário mundial está mudado ou
mudando. A insegurança gerada no mundo religioso devido a este processo de mudança é justificável.
102
religiões pode ser inclusive compreendida como consequência da liberdade humana e da
diversidade do ser humano na busca de uma resposta ao impulso divino [...]” (PIVA, 1996,
p. 14.).
O pluralismo religioso, em seus vários aspectos, pode ser abordado a partir de duas
perspectivas fundamentais:
[...] primeiramente, o pluralismo religioso na perspectiva sociológico-
antropológica se apresenta como realidade histórica e cultural que condiciona e dá
legitimidade a vários aspectos da realidade social e individual da vida humana. A
religião aparece dentro desta perspectiva como o coração da cultura. Ela oferece à
visão do mundo a questão do sentido último e ao ethos sua motivação mais
profunda. E age sobre a pessoa semelhante aos padrões culturais. Em segundo
lugar, o pluralismo religioso como enfoque teológico se apresenta como busca do
transcendente, da divindade, do sagrado que dá significado e responde as questões
fundamentais da existência humana, presente nas várias tradições religiosas. Nesta
procura de ‘unidade na diversidade’, há um reconhecimento de que em todas as
religiões se aspira por uma Realidade Última, que está além dos limites da história,
que possa conceder libertação ou salvação para os diversos males da condição
humana (SCHOCK, 2012, p. 50-51.).
O ser humano sempre procurou uma expressão, uma afirmação religiosa, algo em que
pudesse fundamentar sua vida, mesmo que a isto ele não chame de religião. Ele procura por
algo que não seja tão mutável, algo que lhe possa dar alguma certeza, alguma referência ao
absoluto. Nesta busca ele precisa descobrir o que é suficientemente bom para ele e, por
questão de identidade, ele procurará o que é o melhor ― o que ele julga ser o melhor, o
certo, o absoluto. No pensamento do mundo pós-moderno, o que se tornou fator
diferenciador na mente daqueles que já o assimilaram é que “o que é plural não pode ser
estruturado numa sequência evolucionária, ou ser visto em estágios inferiores ou superiores;
nem pode ser classificado como ‘certo’ ou ‘errado’” (SCHOCK, 2012, p.52) ― para o
pluralismo/pluralista não é mais uma questão de ser melhor ou pior religião, mas, sim,
questão de ser apenas mais uma expressão religiosa entre tantas.
É ainda relevante mencionar que há uma preocupação de que o pluralismo tenha
intenção, ou que, mesmo não intencionalmente, venha a dar vazão a uma corrente de
pensamento que busque através de elementos como a equiparação das religiões transformá-
las numa só religião mundial (este mesmo temor já foi verificado quanto à cultura diante da
globalização). No entanto, ao mesmo tempo surge a preocupação por parte de alguns
103
pensadores em delinear alguns traços do pluralismo, contrários a este temor. Segundo
Eduardo Rosa Pedreira, o pluralismo não tem o interesse de “fundir as diferenças inerentes a
cada religião em um pacote multirreligioso” (PEDREIRA, 1998, p. 123). SCHOCK
descreve que a “Pluralidade não deve ser confundida com formas de sincretismo que
combine as diferenças históricas e culturais das religiões para que seu centro comum possa
ser institucionalizado” (SCHOCK, 2012, p.52). E, para Elói Dionísio Piva, “a pluralidade
das religiões não é de fato um fenômeno que deve desembocar necessariamente numa
religião única” (PIVA, 1996, p. 14). Dado esses panos de fundo, podemos observar o quanto
o ER pode ser salutar nas escolas públicas, quando utilizado numa epistemologia
fenomenológica (modelo das Ciências da Religião), perpassado por uma fundamentação
transdisciplinar, em diálogo com a teologia do pluralismo religioso, através da prática
transreligiosa, por uma ética global, objetivando a cidadania, a tolerância, o respeito, a paz e
o convívio harmonioso nesse atual contexto social globalizado e plural.
1.2) Teologia do Pluralismo Religioso
A teologia do pluralismo religioso é uma resposta oportuna diante de inúmeros
conflitos e tensões com motivação religiosa presentes nos dias atuais. Ela mais se aproxima
do nosso interesse na construção de uma teologia do ER. Essa teologia emerge a partir do
diálogo inter-religioso. A afirmação da Divindade, do Sagrado, do nome de Deus, serve de
fundamento na busca da união de todas as religiões no serviço da promoção da paz e da
justiça no mundo; e, em tempos de crise ecológica e aquecimento global, da preservação da
natureza (TEIXEIRA, 1995, p. 59).
Nessa perspectiva teológica, o diálogo assume um importante papel. O diálogo é, em
primeiro lugar, uma atitude e, posteriormente, um método. Ele permite o reconhecimento da
alteridade e da reciprocidade da outra religião. A postura de diálogo parte do pressuposto de
que seus agentes estão em um plano de igualdade. Não há privilégios e nem concessões.
Todos se reconhecem como filhos/as de um mesmo Deus. Portanto, a teologia do pluralismo
religioso pede que se vá além do diálogo a fim de que todas as religiões se empenhem em
um efetivo serviço à humanidade. Ela pede um compromisso social para a vida planetária.
104
Resgata a força ética das religiões para a promoção da paz e do bem entre os seres
humanos18.
Essa visão teológica enfoca as diferentes tradições religiosas em uma perspectiva de
unidade e comunhão. Não se trata de uma visão fragmentada das religiões, mas de uma
interconexão entre as partes. Uma religião não é compreendida isolada da outra. Essa é a
beleza desse novo paradigma teológico. O diálogo é possível, mas mais que isso, a
fraternidade, a ética mundial é possível. Assim, no ER, esse ambiente de liberdade se torna
imprescindível para o estudo, respeito e apreciação das diferentes religiões no ambiente
escolar e também fora dele.
Na teologia do pluralismo religioso o diálogo torna possível porque uma verdade (seja
ela religiosa, ética, cultural, social, etc.) não é compreendida isolada de outras verdades. Ou
seja, o que estamos indicando, em outras palavras, é que a busca desenfreada e angustiada
pela verdade, tende a criar fundamentalistas; isso porque uma vez que se se imagina ter
descoberto a verdade ― seja a verdade religiosa, ou política, ou existencial, ou de qualquer
natureza ―, de alguma maneira o individuo se sente em superioridade àqueles que não a
descobriram; e a partir daí, mesmo que seja nominalmente por amor, ou por
fundamentalismo assumido, se tenta de alguma forma colonizar o outro e fazer com que o
outro descubra a verdade, cuja verdade, é claro, é aquela imaginada ter sido descoberta pelo
fundamentalista. Todavia, ainda que os indivíduos compartilhem da mesma visão, a mesma
religião, as mesmas crenças, as mesmas filosofias, os mesmos símbolos, a mesma fé, no
entanto, ainda assim haverá distinções entre as pessoas; existirão diferenciações entre a
verdade de um indivíduo em relação à verdade do outro. Ao passo que, dois indivíduos,
podem ter em comum a crença na mesma expressão de fé, ter a mesma religião, o mesmo
partido político, a mesma filosofia, contudo, ao caminharem com convívio cotidiano, as
diferenças e disparidades se manifestarão ― os casais o sabem muito bem! ― Esse
fenômeno não acontece porque a verdade de um individuo seja melhor ou pior em relação
18 São teólogos do pluralismo religioso: John Hick, Paul Knitter, Raimundo Panikkar, Hans Küng, Julio de Santa
Ana, Claude Geffré, André Torres Queiruga, Roger Haight, Jacques Dupuis, José Maria Vigil, entre outros.
Para uma visão geral da teologia do pluralismo religioso sugerimos uma investigação sobre as obras: “A
Teologia das Religiões em foco: um guia para visionários”, de Claudio de Oliveira Ribeiro e Daniel Souza
(Paulinas 2012); e “Teologia das Religiões”, de Faustino Teixeira (Paulinas, 1995).
105
ao outro, mas porque cada cidadão é um ponto de vista; tudo o que um indivíduo vê, ele o
vê a partir da perspectiva de sua cosmovisão; ele é o mundo; ele é um ponto de vista; ele é a
vista de um ponto; o ponto é ele. E é deste ângulo que o individuo alimenta o seu olhar, o
seu entendimento, a sua interpretação daquilo que ele próprio, no fim das contas, chamará
de verdade.
Portanto, mesmo que a verdade do indivíduo A seja assimilada pelo indivíduo B, o
qual considere que essa verdade faça sentido para ele, ao entender assim, essa verdade do
indivíduo A se adaptará a verdade do indivíduo B, porque a sua verdade tem a ver com a
sua história, com o seu caminho, com as suas impressões, com a sua cultura, com a
geografia onde ele nasceu, com os pais que o criaram, com a educação que ele teve, com os
significados que ele projetou nas experiências que ele teve durante a vida, portanto, é
inteiramente dele, é o seu olhar, é a sua construção, é a sua perspectiva, é o seu ponto de
vista.
Assim, o entendimento de que a verdade é algo absolutamente relativizado (incluindo
aqui a verdade religiosa), pode promover grande liberdade para o ER escolar. Nesse viés,
defendemos a ideia de que o a teologia do pluralismo religioso pode se configurar num
método adequado no contexto do ER nas escolas públicas na atual configuração social no
Brasil. Consideramos que parte dos processos de intolerâncias, desrespeitos, aviltamentos,
alienações, etc., que tanto são promovidos, nascem dessa perspectiva (verdades
absolutizadas), onde ainda hoje, grande parcela dos indivíduos que constituem a sociedade
concluem que descobriram a verdade, e ao pensar que descobriram a tal verdade, iniciam os
movimentos de tentativa de colonização do outro. Deste mote nascem os proselitismos e os
fundamentalismos religiosos; são as verdades com suas tonalidades, suas variações, suas
interpretações, tentando se impor sobre o pensamento do outro.
Contudo, esse novo paradigma teológico apresenta a proposta de que o indivíduo anda
em liberdade e ele cresce quando a sua verdade se soma a do outro numa relação
interpessoal; e mesmo que as verdades sejam, a priori, absolutamente antagônicas entre si,
há nelas componentes que podem agregar cada indivíduo e fazer com que suas verdades se
expandam, ampliem.
106
Ademais, a ideia da teologia das religiões é de que a consciência não é um movimento
individual, como se o cidadão por adquirir maior conhecimento esteja mais “consciente”.
Pelo contrário, a compreensão é de que a consciência é um movimento coletivo. Por
exemplo: Alguém, isolada e individualmente, sabe menos; por isso, inclui o outro; e ao
incluir o outro eles passam a saber mais. Consequentemente, não sou eu, somos nós, e o nós
expande a nossa possibilidade de entendimento (embora, individualmente, jamais os seres
humanos cheguem a um entendimento pleno da verdade; porque a mente humana individual
é fragmentada; cada ser humano vê através da cronologia do tempo – do seu tempo – ; todo
indivíduo se baseia, se limita, pelo tempo, pelo espaço. Isto posto, como alguém pode dizer
que sabe a verdade?).
O que discorremos no parágrafo acima é o conceito de alteridade. É ser capaz de
apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua
diferença. Aqui entra a perspectiva da generosidade. Só existe generosidade na medida em
que percebo o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim. Então sou capaz
de entrar em relação com ele pela única via possível (posto que se tirar essa via, caio no
colonialismo, vou querer ser como ele ou que ele seja como sou) a via do amor, se
quisermos usar uma expressão evangélica; a via do respeito, se quisermos usar uma
expressão ética; a via do reconhecimento dos seus direitos, se quisermos usar uma
expressão jurídica; a via do resgate do realce da sua dignidade como ser humano, se
quisermos usar uma expressão moral. Ou seja, isso supõe a via mais curta da comunicação
humana, que é o diálogo e a capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de
vida e da sua interioridade.
Não obstante suas vantagens, a teologia do pluralismo religioso apresenta uma série
de questionamentos às religiões. O primeiro deles se dirige à teologia enquanto tal, isto é, à
fé religiosa de uma determinada denominação. O exclusivismo sai de cena para dar lugar a
uma postura mais humilde diante das outras religiões. Todas as religiões são iguais,
verdadeiras, reveladas e fundadas por um mesmo Deus ou Divindade (QUEIRUGA, 1997,
p. 59). O ER contempla as dimensões da pluralidade e diversidade religiosa presentes em
nossa sociedade. A Igreja Católica Romana no Brasil, por exemplo, mesmo com suas
107
contradições internas, afirma a configuração pedagógica do ER como algo que se distancia
da catequese.
Há grande preocupação em estabelecer a identidade do Ensino Religioso escolar,
distinto da catequese, principalmente nas escolas da rede oficial, frente ao
pluralismo de crenças dos alunos/as, das famílias e dos professores/as. Nota-se
também uma busca de precisão nos seus objetivos, métodos, conteúdos e
linguagem que permitam um referencial básico a fim de que os temas não sejam
apresentados de forma vaga, neutra, imprecisa ou confusa, sob pretexto de atender
à pluralidade de religiões dos educandos/as (CNBB, 1992, n.º42).
A preocupação com uma teologia que responda à configuração do ER como disciplina
escolar na rede pública de ensino emerge do fundamento epistemológico da disciplina. Os
estudos e pesquisas sobre a identidade pedagógica do ER prosseguem. O perfil pedagógico
parece mais claro. A prática se distancia da catequese. Aliás, realizar catequese na escola
pública seria uma transgressão da lei, e, portanto, ocasionaria crime, uma vez que contraria
o dispositivo legal que proíbe o proselitismo religioso na escola pública.
Uma teologia do ER se apoia no teocentrismo do pluralismo religioso atual. É preciso
afirmar Deus como Pai/Mãe da humanidade e de toda obra da criação. Desse modo, o nome
mais utilizado entre as religiões para expressar reverência à Fonte originária de todo ser, ou
seja, Deus, é Senhor. Dizer que Deus é o Senhor, não significa afirmar uma imagem
autoritária, patriarcal e machista de Deus. Um dos sinônimos para o termo Senhor, pode ser
Abbá, expressão utilizada por Jesus para chamar Deus carinhosamente de Pai.
Aplicado a Deus, Senhor quer dizer Criador do Céu e da Terra porque tirou todas
as coisas do nada para serem expressões de sua superabundância de vida e de
amor. Pelo fato de ser Criador, Deus sempre está presente em cada coisa, em sua
raiz mais íntima. Se, por absurdo, suspendesse por um momento sua vontade
criadora, todos os seres voltariam ao nada (BOFF, 1999, p, 24).
Na configuração de uma teologia para o ER não há que se insistir em uma imagem já
superada de Deus. O Deus “Todo-Poderoso”, da “onipotência arbitrária” é deixado de lado
para que o Deus do amor “ágape”, da “compaixão” e da “misericórdia” tome o seu lugar.
Deus tem muitos nomes e é celebrado através de vários cultos nas diferentes religiões. Na
Bíblia, Deus é chamado com o nome hebraico de Javé, na versão grega é Kyrios, que quer
dizer Senhor. Um mesmo Deus, com nomes e expressões diferentes. No livro sagrado dos
cristãos/as, Deus, sobretudo no Antigo Testamento, possui vários nomes: Javé, El, El
108
Shadai, Elohim, Asherá, Goel, entre outros. Isso nos dá margem para defender um
politeísmo na própria Bíblia. Deus possui formas e teologias diferenciadas na Sagrada
Escritura.
O nome Senhor impõe respeito. Tem forte sentido político. No Brasil, por muito
tempo, vigorou a política dos senhores de engenho e dos coronéis. Eles foram senhores em
nossas terras. Deixamos claro que chamar Deus de Senhor não tem mais esse sentido. O
problema é re-significar esse conceito. Não desejamos que a relação senhor/escravo, seja
transferida para o relacionamento entre Deus e a humanidade. No sentido que defendemos,
afirmar o teocentrismo no pluralismo religioso, e particularmente no Brasil, considerando a
tradição teológica latino-americana, é defender uma nova ordem política e social em nosso
país.
Há uma luta entre os vários senhores no mundo para ver quem é mais senhor.
Entretanto, as pessoas religiosas de todos os credos negam o título de “senhor” a
esses pretensiosos títeres dos povos. Em nome do verdadeiro Senhor do Céu e da
Terra, desmascaram-nos como falsos senhores, porque seu poder se constrói à
custa do empobrecimento das grandes maiorias e da pilhagem sistemática dos
recursos da Terra. Numa perspectiva global, são mais produtores de morte que de
vida (BOFF, 1999, p. 25).
Afirmar o primado de Deus entre as religiões significa promover a reconciliação e a
fraternidade entre os seres humanos. Mais ainda, significa rejeitar o projeto dos destruidores
da obra da criação, e se empenhar em um projeto de libertação integral do ser humano.
Trata-se de uma re-fraternização da humanidade. Isso não significa a eliminação das
diferenças, mas a comunhão íntima e o profundo respeito entre as religiões (QUADROS,
2004, p.73-86).
Os grandes mestres espirituais como Buda, Moisés, Cristo, Krishna e outros eram
tidos como senhores pelos discípulos e pelas multidões. Entretanto, eles se
consideravam simples servos de Deus e de toda a criatura humana. Essa atitude de
serviço que rompe barreiras e que inclui a todos traz como efeito a paz, a paz
verdadeira que todos ansiamos (BOFF, 1999, p. 26).
Uma nova imagem de Deus será construída, considerando a teologia da criação e do
pluralismo religioso. Essa imagem de Deus será rica, diversa e promoverá a comunhão entre
as diferentes religiões.
109
2) Ensino Religioso e Ética Mundial: a formação para a paz
Vimos na primeira parte deste capítulo que o pluralismo religioso é capaz de
promover o enriquecimento da compreensão das diferentes expressões de divindade num
contexto social cada vez mais plural, globalizado e secularizado. Nesse viés, nos ocupamos
em compreender o que consiste a teologia do pluralismo religioso para avaliar sua utilidade
no que diz respeito ao seu fundamento epistemológico para a disciplina escolar do ER —
uma vez que nesta perspectiva teológica o diálogo assume uma importante atitude e também
um método, que permite o reconhecimento da alteridade e da reciprocidade da outra
religião. A partir desses pressupostos, foi possível observar a pertinência da teologia do
pluralismo religioso para o ER no atual contexto plural e globalizado.
Agora, na segunda parte deste capítulo, vamos nos dedicar ao diálogo inter-religioso
pelo prisma da ética. Será elucidado o ethos e os direitos humanos como um legado da
diversidade cultural e religiosa, para posteriormente analisarmos a educação na perspectiva
do ethos.
2.1) Fundamentos da ética e alteridade
Ética é o conjunto de princípios (a teoria) que normatiza a conduta real, chamada:
moral. Não são sinônimos! São partes distintas de uma mesma realidade. Pode-se dizer que
“a ética e a moral são como a teoria e a prática” (GAARDER, 2000, p. 264).
Há muitos modelos éticos pelos quais as pessoas podem reger suas vidas, como o
hedonismo, o naturalismo, o relativismo, a ética estética, a racionalista, a da intuição, etc.
No entanto, antes de se aceitar qualquer modelo proposto, há se de perguntar se ele próprio
é eticamente aceitável, se é bom, se é correto (GAARDER, 2000, p. 273). O autor indica
dois princípios do Novo Testamento como caminhos para o comportamento ético correto:
“amar ao próximo como a si mesmo e tratar os outros como gostaria de ser tratado”
(GAARDER, 2000, p. 273). Estes princípios também são conhecidos como o Mandamento
do Amor e Regra de Ouro. Este imperativo categórico faria cada religião refletir se seria
conveniente e benéfico que todas as outras tradições religiosas assumissem a mesma postura
110
que ela no diálogo inter-religioso. Se o reflexo fosse invariavelmente a mesma postura, cada
tradição se certificaria do que realmente quer do diálogo.
Os quatro pontos principais, os fundamentos da ética seriam o senso de
responsabilidade, a consciência, o conjunto de valores e normas e a experiência-ética-
prática (GAARDER, 2000, p. 278-279). Para o autor, a simples teorização é infrutífera.
Somente a prática do diálogo pode apontar caminhos seguros e concretos para o próprio
diálogo. Para o autor, a ausência de qualquer um destes quatros pontos no diálogo inter-
religioso “pode indicar que um grande problema se aproxima” (GAARDER, 2000, p. 279).
Claude Geffté nos mostra que, apesar dos diferentes critérios de verdade (revelação
divina, livros sagrados, mitos, etc.), não necessariamente aceitos por outras tradições
religiosas, deve ser possível encontrar um critério de convergência ética que “coincida com
o verdadeiro humano tal como é reconhecido pela consciência humana universal”
(TEIXEIRA, 1993, p. 70) ― o mesmo tipo de convicções básicas que tornaram possível a
codificação jurídica dos Direitos do Homem. É neste sentido que a ética tem sido indicada
por muitos teólogos da atualidade como o possível caminho das religiões em busca da
construção da paz mundial (MANCINI, 2000, p. 69).
Na busca de um mundo reconciliado por este e outros ideais, o diálogo inter-religioso
a partir da ética não somente se faz imprescindível, como também renova a esperança de
compreender e ser compreendido, de respeitar e ser respeitado, de aceitar e ser aceito.
Quando se fala em possibilidade de ética mundial e formação para a paz, vale também
lembrar que no contexto das teologias contemporâneas, a imagem masculina de Deus tem
sido fortemente questionada. Historicamente as religiões, com poucas exceções, ganharam
feições de sistemas patriarcais. Muitas delas se organizaram como verdadeiros patriarcados,
promovendo a exclusão da mulher (REIMER, 2004, p. 35-48).
Se admitirmos que o ser humano enquanto masculino e feminino é
verdadeiramente semelhante a Deus, então somos induzidos, pela lógica da própria
afirmação, a admitir que Deus mesmo é prototipicamente masculino e feminino.
Na ocorrência que nos interessa, o feminino do ser humano constituiria um registro
revelador do Feminino de Deus. Podemos falar de um Feminino em Deus? É-nos
lícito invocar a Deus como minha Mãe, assim como aprendemos do Senhor a
invocá-lo como nosso Pai? (BOFF, 1983, p.94).
111
A tradição teológica nos afirma que Deus está livre de qualquer determinação sexual e
genital. Deus não tem sexo, não é homem e nem mulher. Nessa racionalidade Deus é puro
Espírito. Mas, não poderíamos nos perguntar sobre um Deus sexuado? E onde ficaria o
feminino de Deus? Em algumas religiões africanas e ameríndias Deus tem representação
feminina, e não masculina. E, suas comunidades, se organizam como matriarcados.
As religiões patriarcais têm uma expressão privilegiadamente masculina na sua
organização, na sua política, nos seus conteúdos e no exercício do poder religioso.
Mas, para além disso, elas contém algo profundamente feminino, quase
matricêntrico que é a preocupação com o bem-estar das pessoas, com a superação
do sofrimento, com o consolo nas aflições, com a ajuda nas diferentes
necessidades do dia-a-dia. A religião na sua base originária é materna, é protetora
e aconchegante. É claro que estas características não significam a exclusão dos
homens, mas significam algo importante nas origens do sentimento religioso. As
mais antigas representações religiosas da humanidade são femininas ou mais
precisamente são projeções das experiências femininas de maternidade e
fertilidade. As representações masculinas de Deus como Espírito além da terra,
como distinto e separado, são bem mais recentes e de certa forma apropriaram-se
das experiências femininas fundadoras (GEBARA, 2000, p.101).
Recuperar a dimensão feminina de Deus é levar em conta a reivindicação do
movimento feminista no campo da teologia, e mais ainda, realizar justiça para com as
mulheres de hoje. Mesmo diante das religiões patriarcais, podemos redescobrir e re-
significar o lugar da mulher, tanto nas escrituras patriarcais, quanto na formulação dos
conceitos teológicos e da doutrina religiosa.
Hoje só fazemos justiça à nossa experiência do Divino se a traduzirmos em termos
masculinos e simultaneamente femininos. Deus emerge como Pai e como Mãe ou,
numa linguagem inclusiva que supera justaposições, como Pai maternal e como
Mãe paternal. Mais radicalmente ainda, muitas feministas falam do Deus e da
Deusa. Ou para mostrar a unidade de Deus – que não se divide, como nos seres
humanos em macho e fêmea –, escrevem-no da seguinte forma Deus/a (BOFF,
2002, p.87).
Algumas religiões promoveram uma legitimação histórica da discriminação contra a
mulher, reservando a ela um papel coadjuvante na história humana, e promovendo relações
injustas e desiguais entre homens e mulheres. A proposta atual é redescobrir o Feminino de
Deus. Perceber Deus como Mãe.
Em muitas das questões urgentes do nosso tempo o consenso entre as religiões é
instável e relativo, quando não inexistente. Essa atitude mostra a diversidade entre as
religiões. Um projeto de ética mundial, a partir das religiões, não significa a ausência ou o
112
extermínio do pensamento divergente. As tensões e embates fomentam a criticidade das
pessoas religiosas, o que nem sempre é desejado pelos detentores do poder, inclusive
religioso. De qualquer forma, é frutífero que haja entre as religiões diferentes pontos de
vista. A história mostra que o conhecimento progride por rupturas, assim a divergência de
ideias pode ter em si as sementes da novidade.
Os desafios colocados pela modernidade às religiões, na maioria das vezes, não
recebem a atenção que deveriam por parte das autoridades religiosas. As divergências
doutrinais não devem promover a violência e a intolerância entre as pessoas de fé. Os
problemas éticos da humanidade permanecem com respostas insuficientes. É preciso um
esforço efetivo de reconciliação e paz entre as religiões. Necessitamos de uma teologia da
paz. Afinal, a paz no mundo será uma expressão da paz possível entre as religiões.
Todas as religiões do mundo devem hoje reconhecer a sua co-responsabilidade
pela paz mundial. Por isso, deve-se repetir sempre de novo a tese, para a qual eu
tenho encontrado em todo o mundo cada vez maior apoio: Não haverá paz entre as
nações sem uma paz entre as religiões. Em resumo: sem paz entre as religiões não
haverá paz no mundo! (KÜNG, 1998, p. 109).
As religiões possuem uma força ética muito grande. Por responderem aos
questionamentos existenciais mais profundos do ser humano, ela possui uma importância
fundamental para a uma configuração de um modelo ético para os dias atuais. O teólogo
alemão Hans Küng, defende a aliança de crentes e não-crentes em uma ética mundial. Desse
modo, as religiões abriam mão de sua pretensão à hegemonia para colaborar com o
progresso da humanidade na busca da justiça e da paz. A ética mundial considera a força
ética das religiões, contudo, não pede adesão de fé. Trata-se de uma ética civil e não
religiosa, todavia, as religiões não estão isentas de cumprirem a finalidade de se tornarem
um serviço efetivo à humanidade, especialmente à humanidade que sofre, com as guerras e
todo o tipo de violação da dignidade humana.
Muitas vezes, o estabelecimento de direitos humanos aconteceu numa luta ferrenha
com as religiões estabelecidas. Para a paz entre os povos, para a cooperação
internacional na política, na economia, na cultura e em organizações internacionais
como a ONU e a UNESCO, é de grande importância que as pessoas religiosas –
sejam elas judias, cristãs, muçulmanas, hindus, sihks, budistas, confucionistas,
taoístas, ou seja lá o que for – reconheçam que pessoas não religiosas, quer se
entendam como ‘humanistas’ ou ‘marxistas’, a seu modo também se engajam pela
dignidade humana e pelos direitos humanos. Também elas podem defender uma
ética humana (KÜNG, 1998, p.61).
113
A afirmação dos direitos humanos, da preservação da natureza, da paz advinda da
justiça e da solução de conflitos e problemas que vitimam o mundo servirão de fundamento
para essa ética mundial. Podemos falar de uma ética de coalisão. Isso significa que as
religiões, deverão se preparar para viver sua fé em diálogo, isto é, em uma abertura ao
diferente e, em uma disposição para colaborar com a humanidade.
Se uma tal coalisão entre crentes e não-crentes é necessária no interesse de uma
ética mundial, pode ela também ser concretamente realizada? Sim, porque junto
com os crentes também os não-crentes podem resistir contra todo tipo de nihilismo
trivial, contra todo o cinismo difuso e contra a frieza social. Sim, em conjunto
pode haver engajamento de forma convencida e convincente pelo seguinte: Para
que o direito fundamental de todas as pessoas (independente de sexo, nação,
religião, raça ou classe) por uma vida humana digna seja realizado cada vez mais e
que não seja sempre mais ignorado (KÜNG, 1998, p.63).
Não haverá lugar para o fundamentalismo religioso. Assistimos em nossos dias
inúmeros conflitos com inspiração religiosa, isso mostra quão urgente é uma ética mundial
e, ao mesmo tempo, quão distantes estamos dela. Nesse sentido, muito poderá contribuir o
ER escolar ao defender a tolerância religiosa e a visão transreligiosa entre os alunos/as. Ao
mostrar que o Sagrado perpassa todas as religiões, o ER poderá contribuir com a ética
mundial.
Leonardo Boff nos mostra que
Em momentos críticos como os que vivemos, revisitamos a sabedoria ancestral dos
povos e nos colocamos na escola de uns e outros. Todos nós fazemos aprendizes e
aprendentes. Importa construir um novo ‘ethos’ (modelação da casa humana) que
permita uma nova convivência entre os humanos com os demais seres da
comunidade biótica, planetária e cósmica; que propicie um novo encantamento
face à majestade do universo e à complexidade das relações que sustentam todos e
cada um dos seres (BOFF, 2004, p.27).
A ética mundial também se faz ecológica e cósmica (REIMER, 2004, p.49-72). Em
nosso planeta a vida da biodiversidade está ameaçada, é preciso também contemplar a
dimensão da reconstrução do nosso próprio habitat, a Terra. Não haverá ética mundial sem
que antes os seres humanos repensem suas relações com a natureza. Fala-se muito de
desenvolvimento sustentável. Precisamos “curar” as feridas da Terra. Salvar nossos rios,
nossa fauna e nossa flora. Do contrário, não haverá mais vida sobre a Terra. Assistimos a
inúmeras catástrofes naturais em nosso tempo, muitas delas são respostas da natureza à
destruição da vida do planeta causada pelos seres humanos, particularmente pela
114
mentalidade difundida pelo capitalismo industrial, do lucro advindo da expropriação da
natureza. O ER poderá recuperar a dimensão de uma cosmovisão sagrada da natureza. As
relações com o meio-ambiente deixarão de ser utilitaristas e serão perpassadas por uma
teologia da criação, por uma cosmovisão religiosa muito maior. Assim, também as religiões
poderão ajudar a salvar a vida ameaçada do planeta.
2.2) Ethos e direitos humanos: um legado da diversidade cultural
Os modos diversos de ser e estar de todos os seres, de modo específico os humanos,
revelam-se em direitos e deveres. Direitos em usufruir e acessar possibilidades descritas nas
leis e na ética e deveres para com os outros seres no respeito e garantia da dignidade da vida
e da existência. Encontramos essa prerrogativa na Constituição Federal (BRASIL, 1988,
art.5°), na afirmação de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.
O ser possuidor de direitos é ser portador de responsabilidade diante e com o Outro.
Somos, acima de tudo, revestidos de deveres para com o Outro, o qual exige acolhida e
hospitalidade, critérios fundamentais da dignidade humana. É nessa direção que inúmeros
documentos normativos e legais asseguram como princípio fundamental que todos são
iguais em direitos e deveres. Isso demonstra que vivemos e habitamos um ethos no qual o
respeito mútuo é constitutivo de uma educação em e para os direitos humanos.
Este tópico discute o conceito e a natureza do ethos, legado cultural humano
decorrente do movimento incessante de busca de lugares seguros para a existência em um
mundo de finitudes e incertezas. Assim, o ethos configura-se como uma segunda natureza,
produzida pelos próprios humanos. Neste habitat coexistem diversas expressões religiosas e
não religiosas que precisam ser respeitadas e reconhecidas, desafio que recai sobre a
educação e à própria escola, lugar de encontro de diversos ethos e, por isso, local de
aprendizado das habilidades necessárias para ver e questionar as cegueiras da
homogeneidade, do etnocentrismo e da indiferença.
115
2.2.1) O Ethos: Lugar onde se habita:
A definição da palavra ethos tem vários significados. Por exemplo, Nilo Agostini
(1993, p. 21-22) compreende o termo como “ponto de partida para a compreensão do que
funda o humanum, ou seja, ele é como que o alicerce que sustenta o humano. [...] Um modo
habitual/próprio de interpretar e habitar o mundo”. Para Enrique Dussel (1997), representa
um sistema de atitudes que sustenta uma visão de mundo, a qual os gregos chamam de
ethos. Nesse sentido, podemos verificar que o termo ethos remete a um direito, um lugar, no
qual todos os humanos são seus habitantes. É pelo ethos que todos os seres vivos são e
estão na existência.
Historicamente, em um primeiro momento, a palavra ethos significou morada ou
guarida dos animais, e somente mais tarde o termo foi utilizado no âmbito humano,
conservando, de alguma forma, esse primeiro sentido de lugar de resguardo, de refúgio, de
espaço vital seguro. Entretanto, essa dimensão físico-material de morar foi ampliada para a
dimensão existencial, assinalando-se com isso que o ethos é o lugar humano de segurança
existencial. É nesse lugar que o ser se constitui e se configura nas mais profundas condições
de humano – se faz como alguém e com alguém – a outridade19. Ethos trata-se, então, de um
lugar costumeiro, habitual, familiar. Por isso, em parte, ethos significa também: costume e
uso. Remete, assim, para uma maneira habitual de comportamento.
O ethos é a casa do homem. O homem habita sobre a terra acolhendo-se ao
recesso seguro do ethos. Este sentido de um lugar de estada permanente e
habitual, de um abrigo protetor, constitui a raiz semântica que dá origem à
significação do ethos como costume, esquema praxeológico durável, estilo de
vida e ação. A metáfora da morada e do abrigo indica justamente que, a partir
do ethos, o espaço do mundo torna-se habitável para o homem. O domínio da
physis ou o reino da necessidade é rompido pela abertura do espaço humano do
ethos no qual irão inscrever-se os costumes, os hábitos, as normas e os
interditos, os valores e as ações. (VAZ, 1995, p.12-13).
Constatamos que o ethos, enquanto espaço humano, não está dado, mas sim
construído e “incessantemente reconstruído” (VAZ, 1995, p.13). É nesse processo que o
19 É uma exigência que se impõe para cada um de nós. Outridade é o ser Outro sem ser compreendido, mas tão
somente acolhido e hospitalizado (hóspede) em nosso lar. É alguém especial, mas não necessariamente
conhecido, humano em sua alteridade (Tarcísio Alfonso Wickert, apud FLEURI, 2013, p. 41).
116
humano se mostra essencialmente inacabado, como ser de abertura para o mundo, para o
bem, que a ética manifesta-se como um saber racional do ethos.
Como hábito, ação continuada ou reiteração de uma conduta, o ethos refere-se já não
mais a um lugar ou espaço, mas ao tempo, à continuidade temporal. Por isso é que podemos
dizer que o ethos é uma maneira habitual e contínua de comportamento, uma forma de ser
no tempo, um jeito de ser específico dos seres humanos.
O ethos é o lugar onde se vive e se torna humano. É o alicerce que sustenta o humano,
ou seja, “o ethos é o gênio protetor do homem” (VAZ, 1995, p. 13).
Para que o ethos seja o lugar-morada onde se expressa e exprime o jeito humano de
ser, foi necessário a elaboração de costumes, preceitos morais, regras e conceitos de ética,
direito e justiça para sustentá-lo. Por isso, é do ethos que “emanam o conjunto de
evidências, símbolos, mitos, valores e práticas que sustentam e regulamentam tanto a vida
individual quanto coletiva” (AGOSTINI, 1993, p. 23). Desse modo, o ethos permanece para
além dos indivíduos. Ele se converte em uma continuidade que cria uma consistência para a
existência. Quer dizer, o ethos acaba configurando um modo de ser e de estar ante o mundo
e os outros: ele é uma forma de relação. Mas, é uma forma de relação adquirida. Ela já está
ali antes de o indivíduo nascer. E, uma vez nascido, cada ser será moldado pelo conjunto de
relações fazendo com que sua existência se desenvolva a partir de uma maneira específica.
O ethos revela que a vida humana sempre será atravessada pelas coordenadas do
espaço e tempo segundo a estrutura de um grupo cultural. As pessoas e as comunidades
sempre serão referenciadas a partir de um sistema de relações que fará com que a vida seja
vivida de uma maneira específica e não de outra. Ela sempre será percebida a partir de um
ethos.
O ethos, nesse caso, denota uma constância no agir que se contrapõe ao impulso
do desejo (órexis). Essa constância do ethos como disposição permanente é a
manifestação e como que o vinco profundo do ethos como costume, seu
fortalecimento e o relevo dado às suas peculiaridades. O modo do agir (tropos)
do indivíduo, expressão da sua personalidade ética, deverá traduzir, finalmente, a
articulação entre o ethos como caráter e o ethos como hábito. (VAZ, 1995, p.
14).
Portanto, o ethos tem em si a ideia de estabilidade, consistência e persistência,
características que dão caráter configurador ao ser humano. Entretanto, enquanto ação, o
117
ethos implica também dinamismo, movimento, transformação e diversidade. O ethos-hábito
não é inerte, mas, ao contrário, é atividade permanente, livre criação e recriação, livre
renovação de si mesmo, desde si mesmo (Tarcísio Alfonso Wickert, apud FLEURI, 2013, p.
42).
Nesse contexto podemos dizer que o ethos é uma nova natureza criada acima da
primeira natureza e a partir dela. Contudo, ela é a natureza humana, forma definida e
determinada de ser. O ethos transcende permanentemente a natureza, criando uma nova
ordem de necessidades, um novo destino, embora seja sempre provisório e mutável. Nas
palavras de AGOSTINI (1993, p. 24), o ethos
[...] é um sistema de disposições adquiridas (estrutura estruturada), ao mesmo
tempo em que surge como “gerador” de estratégias, que se refazem e/ou se
adaptam segundo as circunstâncias e os desafios (estrutura estruturante).
Assim, pode-se afirmar que no ER das escolas públicas é muito importante articular o
fato de que nenhum ethos, mesmo que configurador, é definitivo. É aberto, uma construção
constante e eminentemente humana, lugar e território da liberdade e da fraternidade entre
todos os seres. É o recanto e o canto da vida e do viver. É a voz da natureza, o olhar dos
seres – sentido e sentimento de todos. É o estar sendo na diversidade e no respeito à
alteridade, multiplicidade e unidade.
2.2.2) Ethos: Liberdade e Diversidade:
Pensar ou refletir sobre o ethos e sua relação com os direitos humanos implica
necessariamente entender os (des)dobramentos e (des)contextos da sociedade em que
vivemos. Isso mostra que devemos pensar a sociedade a partir e com a diversidade cultural.
Não é possível pensar ou entender o ethos sem os pressupostos dessas diversidades – na
perspectiva de sua liberdade. Todos devem ser respeitados nas suas mais diversas
manifestações.
A liberdade é um direito imanente a todos, por isso, fundamental na construção de
uma sociedade justa e solidária. Como já vimos ao longo deste trabalho, esse princípio está
explicitado na Constituição Federal (BRASIL, 1988, art. 5º, VI), que estabelece ser
“inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
118
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas
liturgias”. Ainda no art. 5º, inciso VIII, este documento declara que
“ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção
filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos
imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”.
A definição de ethos oferecida por DUSSEL (1997) referenda um sistema de atitudes
derivado dos valores ou visões de mundo, em que as religiões têm um lugar significativo.
Um exemplo citado pelo autor pode auxiliar a compreender a relação de interdependência
entre ethos e religião. O relato busca responder à pergunta: Quais as atitudes de um hindu e
um asteca perante um prisioneiro?
[...] um hindu, por sua visão do mundo, por sua noção do maya, por sua tensão a
confundir-se diante do Brama, indiferentemente, deixará aquele homem em
liberdade, e com grande tolerância não tentará faze-lhe nada, já que o
fundamento de sua atitude é matar seu desejo, para liberar-se do individual;
enquanto que o asteca, que pensa que esse prisioneiro lhe transmitirá a vitalidade
de seu sangue ao deus, para que aquele subsista, o sacrificará. Um terá uma
atitude agressiva, outro de sumo pacifismo. Estas atitudes são regidas por
princípios; são estes princípios fundamentais objetivos, visões de mundo, que
vão dar origem a um sistema de atitudes. (DUSSEL, 1997, p. 74).
O exemplo coloca a religião em dois âmbitos, ou seja, dos valores e visões de mundo,
quando os alimenta com sua doutrina explicativa e, no ethos ou sistema de atitudes, quando
a religião, pelo rito, materializa essas atitudes. Dito de outra forma, o ethos, por meio de um
sistema de atitudes e, através de símbolos, objetos, ritos e lugares sagrados, é a
manifestação concreta de um sistema de valores ou visão do mundo. A interdependência
entre valores e atitudes é evidente e a correlação entre ethos e religião é visível. Nessa
compreensão, a ameaça ao sistema de atitudes de um determinado grupo é a ameaça do seu
sistema de valores e visão de mundo. Portanto, se faz mister entendermos o sentido do
conceito de liberdade usado nesse contexto.
A liberdade pressupõe três critérios fundamentais: a) para se configurar uma ação
como sendo livre, o ser humano deve querer determinadas ações, ou seja, ele quer fazer ou
realizar determinados atos; b) além do querer, deve saber o que fazer. Quer realizar
determinados atos, mas sabe o que vai fazer para realizar isso. Aqui está a consciência do
sujeito da ação, ele sabe exatamente o que fazer e como fazer para realizar determinados
atos de modo livre; c) querer fazer e saber o que fazer o remete para o próximo passo: ele
119
pode fazer aquilo que quer e sabe o que fazer? Este terceiro requisito é exatamente o
momento no qual devemos parar e pensar nas consequências dos atos – isso é liberdade.
Percebemos, assim, que liberdade não é a ausência de dever, mas exatamente o
contrário, a liberdade é essencialmente responsabilidade. Nesse contexto, direitos humanos
e diversidade cultural e religiosa estão implicadas diretamente. Não podemos pensar os
direitos humanos sem a liberdade, nem o ethos sem as diversidades de expressões religiosas
e não religiosas, sem o respeito às diferenças. A liberdade é um valor que perpassa o
reconhecer e ser reconhecido pelo Outro, daquilo que cada um representa e expressa na
vida, como máxima da dignidade humana, dos direitos e dos deveres.
O ethos seria, então, o ponto de partida que oferece pistas para a organização das
diversas relações das pessoas, mas também se (re)configura frente aos novos desafios que
exigem a construção de sempre outros critérios que orientem o agir humano em liberdade.
Corresponde à ética realizar esse exercício. O seu caráter reflexivo e sistematizador lhe
permite “investigar os valores e as normas [...] e depurá-los para que possam inspirar e guiar
da melhor forma possível a vida humana tendo em vista a sua realização plena”
(AGOSTINI, 1993, p. 23).
Entretanto, a moral é a encarregada de especificar os costumes e as normas que
conduzem as relações humanas num espaço e tempo determinado. Ela
[...] pode ser concebida como um conjunto fechado de normas ou como a busca
responsável de organizar e sistematizar valores e regras que sejam válidas num
determinado tempo e espaço ou que tenham incidência e valor mais abrangente.
(AGOSTINI, 1993, p. 23).
Mediante a articulação dinâmica desses três elementos (os valores; as normas e suas
depurações) se constrói em cada tempo e espaço (cultura), um modo próprio de sustentar e
promover a vida.
O ethos é uma segunda natureza, ou natureza moral; também a morada interior; o
habitat espiritual do ser humano (seu horizonte espaço-temporal); o modo de ser
costumeiro; a qualidade do viver; a forma de ser; a disposição ou atitude perante o
mundo e os outros; o caráter do ser humano: sua liberdade, seu ser ético. Isso
significa que o ethos configura o humano como um ser relacional e toda relação é
ética, o que implica num (re)pensar toda ação humana como uma ação
responsabilizadora pelo passado, presente e futuro da humanidade. Tudo que
fazemos deve ser pensado nas suas reais consequências para o mundo – para o nosso
habitat (FLEURI, 2013, p. 45,46).
120
Segundo HALL (2005, p. 88), há dois movimentos na busca de uma construção e
entendimento do ethos: o de tradição e de tradução. O primeiro aponta para as tentativas de
construir um ethos puro, a fim de restaurar a coesão, a unidade e a consolidação perante a
indeterminação e o relativismo procedente das culturas híbridas. O segundo movimento,
tradução, assinala a experiência daquelas pessoas que transpassam as fronteiras sem nunca
poder retornar. O vínculo com seus lugares e tradições de origem permanece, mas são
obrigadas a negociar com os novos ethos nos quais vivem, sem serem assimiladas e
perderem totalmente sua identidade de ethos.
Contudo, essas pessoas não ficarão divididas, elas serão unificadas, mas não no
sentido antigo. Elas “são, irrevogavelmente o produto de várias histórias e culturas
interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias ‘casas’ (e não uma casa em
particular)” (HALL, 2005, p. 89). Este hibridismo, fusão entre diferentes tradições culturais,
é entendido como uma poderosa fonte criativa, produzindo novos ethos.
Entretanto, outro movimento está em andamento: uma interação consciente e
premeditada entre o micro e o macro ethos. Essa é uma perspectiva presente nos trabalhos,
por exemplo, de Hans Küng (1998), cuja proposta final é a de moldar e nutrir um
macroethos (o ethos mundial), a partir dos impulsos do microethos. Em um mundo
caracterizado pela diversidade de crenças e convicções religiosas e não religiosas, o
microethos pode ser pensado para além das religiões. Todo ser humano deve ser
compreendido a partir de sua dignidade, enquanto humano, não enquanto natureza
supostamente religiosa, pois “[...] pessoas não religiosas também estão imbuídas de
orientações éticas fundamentais e que levam uma vida moralmente orientada” (1998, p. 60).
É preciso reconhecer na história da humanidade, a existência de inúmeras pessoas não
religiosas engajadas na defesa da dignidade humana, que demostraram corresponsabilidade
para consigo, o Outro e o mundo.
É inegável, pois que muitas pessoas secularizadas vivem hoje uma moral, que se
orienta pela dignidade de qualquer pessoa humana. [...] fazem parte hoje a razão,
a autonomia, a liberdade de consciência, a liberdade religiosa e os demais
direitos da pessoa humana como foram sendo conquistados no decorrer da
história. [...] é de grande importância que as pessoas religiosas – sejam elas
121
judias, cristãs, muçulmanas, hindus, sihks, budistas, confucionistas, taioístas ou
seja lá o que for – reconheçam que pessoas não religiosas, quer se entendam
como “humanistas” ou “marxistas”, a seu modo, também se engajam pela
dignidade humana e pelos direitos humanos. (KÜNG, 1998, p. 61).
Neste sentido, o ER proporcionando uma educação em/para os direitos humanos deve
reconhecer os distintos microethos, religiosos ou não, para uma convivência em e com
dignidade em uma sociedade caracterizada pela diversidade cultural.
2.2.3) Ethos, Diversidade Religiosa e Direitos Humanos
O ethos é diverso porque o ser humano é diverso, resultado das múltiplas interações
subjetivas e intersubjetivas com o Outro em suas diferenças. Sendo diferente em si, não lhe
é possível constituir-se na homogeneidade.
Somos todos diferentes e temos o direito de sermos assim respeitados e tratados
política, religiosa e legalmente. No entanto, histórica e cotidianamente convivemos com
violências, escravidões, genocídios, colonialismos, perseguições e intolerâncias de várias
ordens, entre elas a religiosa. Nesse sentido, somos portadores de morte e não de vida – bem
supremo e valor maior.
O pobre, o dominado, o índio massacrado, o negro escravo, o asiático das
guerras do ópio, o judeu nos campos de concentração, a mulher objeto sexual, a
criança sujeita a manipulações ideológicas (também a juventude, a cultura
popular e o mercado subjugados pela publicidade) não conseguirão tomar como
ponto de partida, pura e simplesmente, a ‘estima de si mesmo’. O oprimido, o
torturado, o que vê ser destruída a sua carne sofredora, todos eles simplesmente
gritam, clamando por justiça: Tenho fome! Não me mates! Tem compaixão de
mim! – é o que exclamam esses infelizes. (DUSSEL apud ROSA, 2011, p. 18-
19).
À medida que um grupo ou religião gera intolerâncias de caráter religioso, ele
nega a dignidade e a prática dos direitos humanos. Seja qual for a manifestação,
religiosa ou não religiosa, esta deve alicerçar seus princípios em um ethos de
corresponsabilidade para com o humano. O profundo respeito e reverência ao
Outro, com o sentido de hierofania é sempre manifestação, revelação e mistério
para nós – é Rosto – completamente diferente em suas diferenças (LEVINAS,
1980). Nesse sentido, devemos lutar contra qualquer prática que atente contra a
vida e os direitos humanos.
O debate em torno dos direitos humanos visa a despertar para a luta e a conquista de
direitos para assegurar a promoção da dignidade nos contextos onde ela tem sido
desrespeitada. O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (BRASIL, 2006, p.
122
15) desafia e convoca para “em tempos difíceis e conturbados por inúmeros conflitos, nada
mais urgente e necessário que educar em direitos humanos, tarefa indispensável para a
defesa, o respeito, a promoção e a valorização desses direitos”. Esse, portanto, é um desafio
que talvez possa ser alçado pelo ER.
Uma educação em e para os direitos humanos exige outra escola e outro educador.
Precisamos de sujeitos comprometidos e responsáveis pela causa educacional, que é uma
causa social, portanto, política. Falar em direitos humanos implica perceber que existem
milhões de pessoas que ainda não têm seus direitos respeitados e reconhecidos. Por isso,
pelo mundo muitas organizações governamentais e não governamentais estão cada vez mais
unidas em torno de uma luta comum: garantir dignidade aos seres humanos em geral, mas
especialmente aos que são desrespeitados e lesados em seus direitos. E por que não
referendar o ER em prol deste objetivo?
A luta pelos direitos humanos é uma luta pela paz mundial, que se reverte no bem
viver para todos os seres. Parte do respeito e da liberdade inalienável de todos os humanos –
seres de direitos iguais. Um ER pautado nessas premissas carrega em si possibilidades de e
para outras vivências na/para dignidade humana.
Atitudes de justiça e injustiça são construções sociais que tanto podem ser coletivas
como individuais, mas a mudança de hábito somente ocorre quando estamos convencidos
dessa mudança, quando ela traz em si mesma um valor próprio. Essas mudanças são
questões educadoras, olhares e vozes que se direcionam a várias direções. Essa construção é
fundamental à medida que somos seres humanos que pertencem a algum lugar, ocupando
determinado espaço. Esse pertencimento nos dá a direção na vida e na educação.
Quando não sabemos e não reconhecemos em nós mesmos e nos outros a que mundo
ou lugar nós pertencemos, nada é possível transformar para melhor. O ER, quiçá, poderá
proporcionar ao (à) cidadão (ã) a realidade de que situar-se e encontrar-se com e em alguém
é um passo fundamental para acolhida e construção de novos saberes e novas práticas. Jaz
aqui o solo primordial de um olhar para a outridade, um estabelecer outras relações
123
intersubjetivas e humanas. É fundamental entender como a ética da alteridade20 serve de
mola propulsora para a ética da libertação latino-americana. Por isso que
[...] o pensamento levenasiano, à medida que põe a responsabilidade ou o
assumir-o-outro como princípio que antecede qualquer consciência reflexiva,
permite à Filosofia da Libertação situar outrem como origem e raiz da afirmação
do eu-próprio. Assim, Levinas se constitui num dos principais suportes teóricos
da proposta libertadora latino-americana. (ROSA, 2011, p. 134).
Devemos lembrar que a filosofia da libertação latino-americana visa a pensar e refletir
sobre as condições sociais e econômicas dos sujeitos excluídos e oprimidos da América
Latina. Trata-se de pensar o Outro como rosto, como corpo espoliado e sofredor. Nesse
sentido,
partindo de Levinas, Dussel desenvolve a Ética da Libertação enquanto
perspectiva em que o rosto do outro é assumido como critério de reflexão e ação.
O encontro com o outro não permite que se estabeleça uma atitude de
indiferença. O outro, que é sempre exterioridade em relação a mim, transborda
toda totalidade e é livre de qualquer amarra ontologizante. Por isso, a relação
que se estabelece é uma relação de respeito e de escuta, que não busca uma mera
compreensão do outro a fim de simplesmente dominá-lo. O outro se apresenta
como realidade infinita. (ROSA, 2011, p. 134).
Para isso, é necessário considerar que somos seres naturalmente diferentes,
constituídos como diferentes social e culturalmente. Essas diferenças ocorrem a partir da
construção da pessoa no âmbito social e psicológico. Essa construção implica ser pensada a
partir de diversos valores, tais como: morais, religiosos, simbólicos, sociais, etc.
Mas, ao mesmo tempo em que somos uma construção social, somos uma constante
constelação entretecida pelas subjetividades e saberes (re)construídos e (re)elaborados
constantemente. O nosso modo de ser e estar é o nosso modo diferente de ser, estar e
pertencer de modo diverso como existentes. Existir significa relacionar-se, relacionar-se
implica em também haver conflitos, e conflitos significam que a diversidade se expressa e
se impõe como dinamicidade da própria vida. Por isso, muitas vezes aquilo que não
gostamos no Outro é justamente aquilo que é conflitante em nós mesmos. Nesse sentido e
20 Ética da Alteridade é o modo como nós tratamos respeitosamente o Outro ser humano. Este modo é o da
responsabilidade por todos aqueles que são excluídas do bem viver na sociedade atual. Alteridade, porque a
diversidade cultural e religiosa e não religiosa se constitui a partir de todas as diferenças existentes entre nós.
Somos todos diferentes, e essa é uma riqueza natural. Quanto mais diverso for o mundo, mais aumentam as
nossas responsabilidades.
124
contexto, o desafio da diversidade cultural e religiosa se mostra em nós e entre nós
(FLEURI, 2013, p. 50).
Aqui reside o grande desafio do ER: educar para o reconhecimento e respeito aos
diferentes nas suas diferenças. Nesse sentido, a Resolução CNE/CEB 4/2010 ressalta que a
escola deve oferecer uma educação de qualidade social:
Art. 9º A escola de qualidade social adota como centralidade o estudante e a
aprendizagem, o que pressupõe atendimento aos seguintes requisitos:
I – revisão das referências conceituais quanto aos diferentes espaços e tempos
educativos, abrangendo espaços sociais na escola e fora dela;
II – consideração sobre a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento
à pluralidade e à diversidade cultural, resgatando e respeitando as várias
manifestações de cada comunidade; [...]
IX – realização de parceria com órgãos, tais como os de assistência social e
desenvolvimento humano, cidadania, ciência e tecnologia, esporte, turismo,
cultura e arte, saúde, meio ambiente. (BRASIL, 2010).
O ER nas escolas públicas deve ser pensado em conjunto com a sociedade como um
ethos da diversidade cultural, na sua totalidade dos diferentes em suas diferenças.
À medida que somos todos diferentes, os conflitos são inevitáveis, mas é exatamente
no âmbito dos conflitos, lugar das manifestações das diferenças, que nós nos construímos
dialogicamente como identidades. Abertura constante para o mundo, possibilidade de
sermos sempre diferentes em cada endereço existencial. Por isso é necessário criarmos um
espaço para o diálogo, um lugar do encontro de todas as vozes.
O ser humano se realiza na comunidade, na relação intersubjetiva do indivíduo
com o outro, efetivada pela força da palavra dialógica Eu-Tu. O eu não passa de
uma abstração. Ele só é na relação. Pode-se entender que o eu se torna realmente
eu quando, ao proferir Tu, entra no domínio do nós. O eu torna-se real, atual
wirklich, quando adentra na esfera do nós. (ZUBEN, 2003, p. 17).
Essa condição comunitária acontece à medida que estabelecemos o diálogo entre
todos. ZUBEN, ao retomar os postulados de Martin Buber, destaca a ontologia da relação,
que não é uma abstração, mas é a própria experiência existencial se revelando:
A ontologia da relação será o fundamento para uma antropologia que se
encaminha para uma ética do inter-humano. Diz-se então que o homem é um
ente de relação ou que a relação lhe é essencial ou fundamento de sua existência.
(ZUBEN, 2003, p. 31).
A razão moderna estabeleceu padrões de condutas de modo linear, analítico
padronizado, portanto homogêneo. Essa é a conduta das exclusões e das polarizações, do
125
certo e do errado, do verdadeiro e do falso. Institui a verdade absoluta e em nome dela se
mutila, invizibiliza e mata milhões de seres humanos. Essa verdade impõe como certo, nas
culturas, uma única identidade; nas religiões, uma só crença; na filosofia, o dogmatismo
racional; nas ciências, o positivismo.
Essas verdades assumidas e politicamente impostas como verdades absolutas não
conseguem lidar com os diferentes. Frente a essas diretrizes que conduzem o ser humano às
práticas de discriminação de qualquer natureza, a Secretaria dos Direitos Humanos elaborou
um Programa denominado Brasil sem Homofobia, lançado em 2004, visando ao
combate à violência e à discriminação contra GLTB e de promoção da cidadania
de homossexuais, Brasil sem Homofobia sinaliza, de modo claro, à sociedade
brasileira que, enquanto existirem cidadãos cujos direitos fundamentais não sejam
respeitados por razões relativas à discriminação por: orientação sexual, raça, etnia,
idade, credo religioso ou opinião política, não se poderá afirmar que a sociedade
brasileira seja justa, igualitária, democrática e tolerante. (BRASIL, 2004, p. 13-
14).
O Brasil assume a sua caminhada em direção ao enfrentamento e ao combate a todas
as formas de discriminação, pois tem como meta de nação a construção de uma cultura de
paz. Os direitos são assegurados quando verdadeiramente todos são tratados com dignidade
e igualdades de direito. Uma cultura de paz requer de todos nós um comprometimento com
a liberdade, a dignidade e com a vida. Por isso que,
[...] quando falamos em cultura, não nos limitamos a uma visão tradicional de
cultura como conservação, seja dos costumes, das tradições, das crenças e mesmo
dos valores-muitos dos quais devem, é evidente, serem conservados. A cultura de
respeito à dignidade humana orienta-se para a mudança no sentido de eliminar
tudo aquilo que está enraizado nas mentalidades por preconceitos, discriminação,
não aceitação dos direitos de todos, não aceitação da diferença. (BENEVIDES,
2007, p. 1).
A argumentação da autora implica na construção de outra mentalidade que prioriza a
liberdade, justiça, igualdade, solidariedade, cooperação e a paz. É essa a outra cultura que
deve ser construída na sociedade e nas escolas, quem sabe pelo ER... É a conscientização
para a não discriminação e exclusão. BENEVIDES (2007, p. 7) enfatiza que “o objetivo
desta educação na escola é fundamentar o espaço escolar como uma verdadeira esfera
pública democrática”.
Apenas com uma educação em/para/com direitos humanos pautada na ética da
alteridade construiremos uma cultura de paz e uma sociedade na qual todos os seres vivos
126
devem ter seus direitos assegurados e garantidos. E o ER pode ser esse instrumento para a
construção desse ideal.
2.3) A Educação na perspectiva do Ethos
Tanto a preparação quanto a prática transformadora na perspectiva do ethos precisam
ser guiadas por uma intenção significadora a ser apropriada pela atividade subjetiva do
conhecimento, isto é, será necessário que o cidadão volte a aproximar-se do senso de
solidariedade e seja educado para mais responsabilidade. E a construção desta nova
subjetividade passa impreterivelmente pela revalorização da função materna (energia
estruturadora que nos torna sensíveis a tudo o que tem a ver com a vida e a cooperação),
pelo desenvolvimento de uma consciência ecológica e pela redescoberta do transcendente.
Por isso, mais uma vez, reitera-se que o espaço e o tempo educativos constituem um
momento privilegiado, único e irrenunciável com vistas ao crescimento integral da pessoa.
Espaço e tempo estes, que a tornam capaz de transformar e disponibilizar os conhecimentos
adquiridos em benefício social, ajudando os outros a compreender e enfrentar os constantes
e complexos desafios que a história incessantemente apresenta.
Entendida como processo sistemático de transmissão e socialização do legado cultural
e histórico de todos os povos e todas as culturas do mundo ao longo dos tempos, a educação
constitui uma pergunta universal. É fora de dúvida que sempre houve a preocupação de
como transmitir e corroborar visões de mundo, como transmitir e ensinar técnicas de
sobrevivência, como transmitir e assegurar sistemas de valores. Muito mais que antes,
atualmente o papel da educação (incluindo o ER nas escolas públicas) vem sendo
questionado e desafiado a redefinir-se face ao confronto da diversidade cultural com a
globalização econômico-política e a homogeneização dos costumes.
Os sistemas únicos e as teorias gerais, propiciadores de ideias claras e distintas no
modo linear e causal de educar, ficaram comprometidos com a emergência da
multiplicidade de novas teorias demandando interdependência e circularidade na disposição
e compreensão do real. Até mesmo os critérios e fundamentos da pedagogia crítica de
tradição humanista passaram a ser questionados.
127
Vivemos em uma época que corretamente renunciou à Teoria Unificada, uma
época na qual nos damos conta de que a história (tal como a “individualidade”, a
“subjetividade”, o “gênero”, a “cultura”) é composta de uma variedade de
fragmentos e não de inteiros epistemológicos sem rachaduras ou imperfeições
(SILVA, 2000, p. 26).
Apesar de privilegiar o conhecimento técnico e científico, por razões sócio-culturais, a
educação escolar não pode mais ignorar as outras formas de conhecimento. Como
instituição aberta ao universo da cultura, a escola, por meio do ER, deve equacionar-se com
todos os acontecimentos e todas as experiências protagonizadas pelo ser humano; inclusive
a experiência religiosa. “Como toda experiência humana, ela também tende à comunicação
e à socialização. Precisa ‘ser dita’; daí escolher tantos caminhos para realizá-la”
(CROATTO, 2002, p. 9). Quer dizer, também para as questões de dimensão religiosa está
sendo colocado o desafio de adequá-las ao complexo sócio-cultural a fim de favorecer uma
educação de futuros profissionais que corresponda às demandas do tempo e às necessidades
do contexto.
Nesta perspectiva, o ER é uma reflexão crítica sobre a práxis que estabelece
significados, já que a dimensão religiosa passa a ser compreendida como compromisso
histórico diante da vida e do transcendente. E contribui para o estabelecimento de novas
relações do ser humano com a natureza a partir do progresso da ciência e da técnica
(PCNER, 1998, p. 21).
Há que se admitir, portanto, que a recuperação da questão do sagrado, como substrato
da humanitas estruturada e fundamentada no ethos do ER, também deve se fazer presente
no processo de formação dos professores. Entenda-se sagrado não como credo confessional,
mas como mística do compromisso com o conhecimento, com a vida e com a alteridade,
pois “a educação espiritual, embora possa ter um conteúdo teórico, é essencialmente
vivencial” (CARDOSO, 1995, p. 62).
Não apenas a dimensão espiritual, mas o cerne do processo educacional enquanto tal
baseia-se preponderantemente nas relações concretas e vivenciais que educandos e
educadores paulatinamente vão tecendo e estabelecendo. Ora, sendo uma prática, a
educação ganha corpo e realidade histórico-social no pensar e no fazer de seus agentes
128
profissionais para além do ambiente escolar e do aspecto didático-curricular. Conforme
SEVERINO,
a formação do profissional da educação não diz respeito apenas à formação de
professores. A docência em ambientes escolares não exaure o campo de atuação do
profissional, pois educação não é sinônimo de ensino e sim uma intervenção mais
abrangente alcançando outros espaços da vida da sociedade. A característica
referencial do trabalho educativo é a educabilidade, da qual a docência formal é
uma mediação fundamental, mas não exclusiva (SEVERINO, 2001, p. 141).
Abrangendo os vários aspectos, esse processo ocorre de diversas formas e em diversos
contextos de modo simultâneo: o familiar, o comunitário, o escolar e, inclusive, o religioso.
LIBÂNEO (1998, p. 44) afirma que a “aprendizagem de conceitos, habilidades e valores
envolve sentimentos e emoções, ligados às relações familiares, escolares e aos outros
ambientes em que os alunos vivem”.
Nesse sentido, entende-se que a relação pedagógico-educacional do profissional de
ensino ultrapassa o sentido estrito referido pela documentação oficial quando se refere às
habilidades dos que atuam nas instituições de educação formal. O trabalho do profissional
da educação não se restringe apenas a fazer aulas (RIOS, 2001, p. 27), mas deve
sobremaneira colaborar e contribuir “na explicitação e construção dos significados
educativos de toda situação de existência coletiva” (SEVERINO, 2001, p. 142) visando à
formação humana em sua integralidade.
Conforme postula ZABALA (2002, p. 53-57), a finalidade do ensino é levar o ser
humano a seu pleno desenvolvimento nas diferentes dimensões que o constituem: social,
interpessoal, pessoal e profissional. Na dimensão social, deverá aprender a participar
ativamente da transformação da sociedade com o objetivo de que seja cada vez mais justa,
solidária e democrática. Na dimensão interpessoal, precisará saber relacionar-se, educando-
se para a tolerância, a participação, a cooperação e a sadia convivência. Na dimensão
pessoal, necessitará autoconhecer-se, aprendendo a pensar por si mesmo e ser capaz de
exercer responsável e criticamente a própria autonomia e liberdade. Na dimensão
profissional, deverá dispor de conhecimentos e habilidades concernentes ao exercício de
tarefas ou atividades adequadas às suas necessidades e capacidades.
129
Considerando que a religiosidade vem sendo focalizada neste trabalho como valor
constituinte da condição humana, insistimos também na relevância do desenvolvimento da
dimensão espiritual do ser humano como horizonte de sentido na resolução das questões
existenciais e como força unificadora na disposição e vivência dos valores ético-culturais.
A reconstrução desta perspectiva subjetiva do ser humano demanda uma prática
docente e uma abordagem de conteúdos voltadas para a vivência cotidiana dos educandos
em seu momento histórico e preocupadas com a extensão social do conhecimento.
**********************
Neste sentido, ethos e diversidade cultural são a razão da própria educação em e para
direitos humanos. Não podemos pensar em eixos temáticos de ensino fragmentados nos
espaços educacionais. Precisamos pensar na totalidade, os fatos, seres, ideias interligadas
entre si, pois o ser humano é uma totalidade. É nesse sentido que o Ministério da Educação
(MEC), por meio do Conselho Nacional de Educação (CNE), definiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Resolução n° 4/2010), que assim se
refere ao currículo:
Art. 13. O currículo, assumindo como referência aos princípios educacionais
garantidos à educação, assegurados no artigo 4º desta Resolução, configura-se
como o conjunto de valores e práticas que proporcionam a produção, a
socialização de significados no espaço social e contribuem intensamente para a
construção de identidades socioculturais dos educandos.
Essas diretrizes refletem uma preocupação voltada ao ser humano em sua totalidade
enquanto diverso. Busca-se inserir o sentido da alteridade, jeito próprio de se fazer humano,
relação intersubjetiva e responsável pelos outros.
Nesse sentido, a grande questão que se apresenta é: Como pensar/fazer o ER nas
escolas públicas em, com e para a dignidade humana e construir o diálogo entre e com
saberes na elaboração de conhecimentos com e para a cidadania?
A escola precisará tornar-se lugar de conhecimento de saberes teóricos e práticos; das
convivências prazerosas; dos conflitos em relações e interações; do reconhecimento dos
diferentes em suas diferenças; da cumplicidade e da sabedoria em exercícios de alteridade;
da construção de identidades dialógicas, não lineares e analíticas; da percepção da cultura
130
como espaço da construção de valores sociais, epistêmicos e étnicos; do reconhecimento de
que somos seres humanos com direitos e deveres.
Nessa direção, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica
(BRASIL, 2010) afirmam no
Art. 20. O respeito aos educandos e a seus tempos mentais, socioemocionais,
culturais e identitários é um princípio orientador de toda a ação educativa, sendo
responsabilidade dos sistemas a criação de condições para que crianças,
adolescentes, jovens e adultos, com sua diversidade, tenham a oportunidade de
receber a formação que corresponda à idade própria de percurso escolar.
O ER nas escolas, ao assumir e incorporar essa diretriz, poderá ser um
tempo/espaço/lugar do ethos da solidariedade e da responsabilidade para o livre e pleno
desenvolvimento de todos os educandos, contemplando a diversidade das etnias, culturas e
expressões religiosas e não religiosas. Mas como conhecer, respeitar e conviver com os
diferentes ethos religiosos e não religiosos sem ferir e violar os direitos e deveres de
estudantes e educadores?
Em primeiro lugar, todos os seres humanos interagem com os outros de muitos modos,
e são esses modos de interação que devemos descobrir e respeitar. A escola é o lugar do
encontro de diversos ethos, portanto, inúmeras visões de mundo se apresentam mutuamente.
O educador é o interlocutor dos mais variados mundos e modos de vivê-lo. É nisso que
reside o sucesso do aprendizado e da vivência dos direitos humanos. O educador precisa
permitir e viabilizar que os diversos ethos dialoguem entre si e sobre si, pois são mundos e
diferentes formas de leitura desses mundos trazidas pelos sujeitos a partir das suas
experiências e interpretações.
Em segundo lugar, o ethos é a expressão dos saberes de cada um, seus dilemas e
crises. É também o lugar das manifestações do sagrado e do profano, das ciências e do bom
senso. A escola tem o privilégio de ser o habitat do humano em seus múltiplos aspectos,
respeitando e reconhecendo sua diversidade. É uma questão de justiça respeitar a todos pelo
simples fato de serem humanos. Nisso reside a luta por um ER em/com/para os direitos
humanos, pois, acima de tudo, direitos humanos é construir sujeitos de e com direitos e
deveres.
131
Considerações Finais
Esse capítulo fechou o círculo da proposta desta dissertação. Unido às perspectivas
dos capítulos precedentes — onde se buscou analisar a importância do modelo das Ciências
da Religião para o ER, bem como os aspectos da transdisciplinaridade e transreligiosidade
—, completou-se com este capítulo uma proposta de ER que objetiva uma educação mais
integral. Ela se revela como responsável, completa, consequente e comprometida com a
construção da cidadania, objetivando a busca de convivência harmoniosa de pessoas de
diferentes religiões e culturas, em um cenário marcado por tensões, formas e culturas de
violências entre os grupos. A meta seria promover a dignidade humana, o diálogo, o
respeito e a paz através do espaço-tempo-e-lugar caracterizado pelo ER nas escolas
públicas.
Para isto, foram apresentados o desafio do ER diante do pluralismo religioso e de uma
ética global. Assim, pode-se perceber as múltiplas representações religiosas, culturais e
éticas que jazem nas ambiências escolares as quais desafiam o ER em como pensar/fazer
seu papel nas escolas públicas, articulando o encontro de diversos ethos para a dignidade
humana, construindo o diálogo entre e com saberes na elaboração de conhecimentos com e
para a cidadania, objetivando a formação para paz.
Ao analisarmos os aspectos da globalização e o crescimento da pluralidade religiosa,
pode-se perceber a multiplicidade de possibilidades que envolve ser humano em suas visões
da realidade, e que o pluralismo, portanto, está presente de muitas formas. Ser humano é ser
plural. De modo que o ER pode se constituir numa via social importante para articular essas
pluralidades dentro do contexto de uma ética global que estimula a promoção da cidadania,
o respeito e convívio pacífico.
Por fim, possibilitou-se analisar o ethos como um legado da diversidade cultural e o
ER na perspectiva do ethos. Vimos que a força ética das religiões pode nos fornecer
elementos essenciais para a tolerância, o respeito, o convívio e a formação da paz entre os
diferentes.
132
CONCLUSÃO
A história do ER nas escolas públicas no Brasil é de avanços e retrocessos, e também
inconclusa. O ER sempre fez parte do desenvolvimento da educação nacional, mas precisa
hoje ser pensado dentro de uma proposta pedagógica que o liberte do peso da filiação
religiosa (JUNQUEIRA, 2002) que tanto lhe embaraçaram nos últimos séculos. O que
estamos propondo, em sintonia com diversos setores que avaliam a temática, é uma nova
atitude educacional, uma abertura epistemológica, sobretudo, que transcenda certo mal-
entendido laicismo (LEAL, 2005) que procura relegar o ER da escola pública a uma
concepção catequético-doutrinal ou teológico-confessional.
Não é excluindo o ER do currículo que resolveremos o problema da laicidade escolar,
mas ofertando um ensino público desprovido de inferência religiosa dominante. A exclusão
da educação religiosa na escola pode favorecer a fenômenos religiosos patológicos. Uma
das principais tarefas do ER na educação hoje seria, dentro do quadro conflitivo que
vivenciamos, contribuir com o diálogo em um mundo plural, construindo relacionamentos
recíprocos e voltados para a paz mundial (KÜNG, 1998).
O ER no contexto hodierno se vê desafiado na tentativa de ajudar a remediar as
ambiguidades e distorções da religião em geral e de determinadas expressões religiosas em
particular, aberrações que hoje, verificamos em conflitos, violências, guerras e ações
133
terroristas. Nesta mesma perspectiva, é tarefa fundamental do ER ajudar a definir critérios
éticos civis e globais de autenticidade religiosa pelos quais as pessoas possam conviver
pacífica e respeitosamente em meio as diferenças culturais e religiosas, contribuindo de
modo substancial na educação para a cidadania e a construção de sociedades mais humanas.
Trata-se de uma temática relevante para os nossos dias, sobretudo, dentro da
globalização em curso e diante de conflitos mundiais estabelecidos no planeta.
Desta forma, conforme já mencionamos nesta pesquisa, não é propondo a incultura
religiosa e excluindo o ER da escola que contribuímos para a formação do cidadão, mas sim
possibilitando o acesso apropriado à sua reflexão na escola pública, uma vez que se trata de
um componente que colabora com a educação integral do aluno.
Assim, nesta dissertação pode ser visto a importância de nos conscientizar de que a
própria história do ER no Brasil já demonstra sua ambiguidade e complexidade, o que
envolve aspectos políticos, jurídicos, religiosos e epistemológicos, os quais foram tratados
ao longo de nosso trabalho.
O ER como integrante do corpo curricular da formação básica do cidadão mostra que
a legislação educacional do Brasil considera e respeita a dimensão transcendente do ser
humano. Por muito tempo o fenômeno religioso foi excluído das matrizes escolares no
Brasil. Esse tipo de atitude, no fundo, revelava uma violência ao homo religiosus. Esta
pesquisa procurou demonstrar como as diferentes religiões podem favorecer a formação de
uma cultura da paz e da convivência harmoniosa entre os povos de culturas distintas, ainda
que estejam mergulhados em um quadro conflitivo e violento.
A atual legislação educacional numa visão mais holística do ser humano visa corrigir
as deficiências do passado. Na análise dessa nova proposta de ER no Brasil, a pluralidade é
respeitada e assegurada no desenvolvimento da disciplina. Já no campo da formação
didática dos professores, permanece uma lacuna que entrava o desenvolvimento de uma
prática pedagógica, por parte do docente, que esteja em conformidade com a avançada
legislação para o ER. Falta a capacitação profissional dos docentes para a atuação na área
do ER. Essa talvez seja a principal dificuldade enfrentada hoje, aliada ao preconceito que a
disciplina ainda tem, tanto entre os professores quanto entre os alunos.
134
O nosso trabalho buscou ser uma tentativa de promover o conhecimento da nova
proposta de ER presente na Lei N.º 9.475/1997 e nos Parâmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Religioso. Procurou-se realçar a elaboração da nova epistemologia para o ER na
escola pública a partir dos pressupostos da legislação (o modelo das Ciências da Religião),
tendo em vista a sua fundamentação transdisciplinar e transreligiosa, perpassada pela
Teologia do Pluralismo Religioso, objetivando utilizar a força éticas das religiões como
proposta para uma ética civil global. Este desafio constitui-se num campo inovador a ser
explorado no currículo escolar brasileiro. Essa é uma visão nova. Para muitos estudiosos o
diálogo entre a teologia e o ER não assume a proposta epistemológica da disciplina,
portanto, o modelo das Ciências da Religião pela fundamentação transdisciplinar e
transreligiosa, perpassada pela teologia do pluralismo religioso nos pareceu adequada para a
atual conjuntura social.
As propostas pedagógicas da escola deverão assegurar o tratamento interdisciplinar e
transdisciplinar, contextualizado para os conhecimentos do ER. O mesmo não pode ceder à
ingenuidade de negar o papel das tecnologias nos processos históricos e sociais e sim
promover os conhecimentos para o ER numa coligação à concepção de uma educação para a
liberdade, que proporcione a autonomia e a desalienação.
Quando a escola promove condições de aprendizado em todas as disciplinas, o
entusiasmo nos fazeres e a paixão nos desafios constroem a própria cidadania em sua
prática, dando condições para a formação dos valores humanos necessários e fundamentais,
como objetivos principais da educação.
Multipliquei-me, para me sentir.
Para me sentir, precisei sentir tudo. Transbordei, não fiz senão extravasar-me.
Despi-me, entreguei-me, E há em cada canto da minha alma,
Um altar a um deus diferente.
Fernando Pessoa
135
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