novos atores e relaÇÕes internacionais

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Adriana Capuano de Oliveira - Amncio Jorge de Oliveira - Anatoly S. Kapko - Andr Scamtimburgo - Clia Tolentino Durval de Noronha Goyos - Eiiti Sato - Elson Menegazzo - Fernando Fiamengui - Janina Onuki - Jefferson Aparecido Dias Jos Blanes Sala - Lus Antnio Francisco de Sousa - Lus Antonio Paulino - Marcelo Fernandes de Oliveira - Marcos Cordeiro Pires - Marina Gusmo de Mendona - Mirian C. Loureno Simonetti - Odair da Cruz Paiva - Rita de Cssia Biason - Rosngela de Lima Vieira - Shiguenoli Miyamoto - Thiago Lima - Tullo Vigevani - Yogesh Tyagi

Novos atoresInternacionaisLdia M. Vianna Possas Jos Blanes Sala (Org.)

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LDIA M. VIANNA POSSAS JOS BLANES SALA (ORG.)

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MARLIA 2010

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS Diretora: Profa. Dra. Maringela Spotti Lopes Fujita Vice-Diretor Dr. Heraldo Lorena Guida Copyright 2010 Conselho Editorial CONSELHO EDITORIAL Maringela Spotti Lopes Fujita (Presidente) Adrin Oscar Dongo Montoya Arlenice Almeida da Silva Clia Maria Giacheti Cludia Regina Mosca Giroto Jos Blanes Sala Marcelo Fernandes de Oliveira Maria Rosngela de Oliveira Maringela Braga Norte Neusa Maria Dal Ri Rosane Michelli de Castro

COLABORADORES Lus Antnio Paulino Marcelo Fernandes de Oliveira Rosngela de Lima Vieira Lus Antnio Francisco de Sousa Rodrigo Alves Correia

Ficha catalogrfica Servio de Biblioteca e Documentao Unesp - campus de MarliaN945 Novos atores e relaes internacionais / Ldia M. Vianna Possas, Jos Blanes Sala (orgs.) ; [colaboradores: Lus Antnio Paulino ... et al.]. So Paulo : Cultura Acadmica ; Marlia : Oficina Universitria, 2010. 441 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7983-065-5 1. Relaes internacionais. 2. Brasil Relaes exteriores. 3. BRICs Relaes econmicas exteriores. 4. Migrao. I. Possas, Ldia Maria Vianna. II. Blanes Sala, Jos. III. Paulino, Lus Antnio. CDD 327

S U M R I O

ApresentaoLdia M. Vianna Possas ............................................................... i

PARTE IDANANDO COM OS GIGANTES: O BRASIL E O BRICSApresentao Lus Antonio Paulino ................................................................... 3 A ordem poltica mundial e os novos protagonistas nas relaes internacionais Durval de Noronha Goyos............................................................ 9 A cooperao Brasil Rssia no sculo XXI: balano e perspectivas Anatoly S. Kapko .......................................................................... 19 Os BRICS e a economia mundial Lus Antonio Paulino ................................................................... 29 A insero de Brasil e China no processo de globalizao - 1980-2002 Marcos Cordeiro Pires .................................................................. 41 Dilemas e perspectivas da frica do Sul contempornea Marina Gusmo de Mendona .................................................... 87 O Desafio da Globalizao: A Perspectiva Indiana Yogesh Tyagi ................................................................................ 113

PARTE IIFLUXOS MIGRATRIOS E INDIVIDUALIDADES: NOVOS ATORESE RELAES INTERNACIONAIS

Apresentao Jos Blanes Sala ........................................................................... 133 As migraes internacionais e as polticas dos estados: uma questo de segurana (desde quando?) Adriana Capuano de Oliveira ...................................................... 137 Distantes mas influentes? Participao e representatividade poltica dos migrantes internacionais e seus descendentes Elson Menegazzo ......................................................................... 153 Migraes internacionais ps segunda guerra mundial: dinmica econmica, excluso social e incorporao Odair da Cruz Paiva ................................................................... 179

PARTE IIIATORES SUBNACIONAISApresentao Marcelo Fernandes de Oliveira .................................................... 203 Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais: estados e municpios brasileiros Tullo Vigevani .............................................................................. 207 Cooperao tcnica internacional e financiamento externo: aportes tericos Marcelo Fernandes de Oliveira .................................................... 229 Aspectos constitucionais dos atores subnacionais nas relaes internacionais Jefferson Aparecido Dias .............................................................. 243

PARTE IVOFICINASApresentao Rosngela de Lima Vieira ............................................................ 257 A propsito de atores: um possvel papel do cinema para as RI Clia Tolentino ............................................................................. 261

Globalizao, ambiente e agricultura Mirian Claudia Loureno Simonetti; Andr Scamtimburgo; Fernando Fiamengui ................................................................... 267 A corrupo como uma nova ameaa segurana regional Rita de Cssia Biason .................................................................. 293 A agenda de poltica externa dos EUA para a Amrica Latina: um exame a partir da poltica comercial Thiago Lima ................................................................................. 307

PARTE VFRUM: AS RELAES INTERNACIONAIS COMO READE CONHECIMENTO

Apresentao Lus Antnio Francisco de Sousa ................................................. 331 Relaes Internacionais como rea do conhecimento e sua consolidao nas instituies de ensino e pesquisa Eiiti Sato ....................................................................................... 335 As relaes internacionais como rea de conhecimento Shiguenoli Miyamoto ................................................................... 383 A produo da ps-graduao em RI no Brasil: breve avaliao Janina Onuki; Amncio Jorge de Oliveira ................................... 399

Referncias Bibliogrficas ................................................................. 413

Sobre os autores ............................................................................... 441

PREFCIO

i

APRESENTAO

A Semana de Relaes Internacionais promovida anualmente pelos Conselhos dos Cursos de Relaes Internacionais da Unesp de Marlia e Franca um evento de natureza acadmico - cientifico que vem se consolidando desde 2003 como um espao de debate, de troca de experincias, de pesquisas e principalmente de reflexes sobre temticas inditas que provocadas por conjunturas em mudana colocam para a rea de relaes internacionais questes e problematizaes, confirmando sua relevncia e projeo nacional e internacional. Em 2007 a proposta temtica debruou-se sobre a ao dos NOVOS ATORES e as relaes internacionais, tendo como sede do evento, a cidade de Marlia.1 Para tanto o espao de reflexo concentrou-se em compreender os novos dilemas e atores societais frente s transformaes politico-culturais, bem como os ajustes nas polticas econmicas neoliberais de processos histricos especficos de (re) democratizao, tendo em vista as transformaes observadas a partir da dcada de 1980. Para tanto o desafio proposto foi de analisar como se processou a construo democrtica e os desdobramentos diante da presena de novos protagonistas sociais, de organizaes e movimentos sociais bem com o instituies da sociedade ps industrial, no contexto de1

Trata-se de uma promoo do Conselho de Curso de RI da Unesp/Marlia e contou para sua realizao com o apoio das agncias de fomento (FAPESP, CAPES, Fundunesp), da Pro Reitoria de Ps Graduao e do Programa de Ps Graduao Santiago Dantas

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consolidao e institucionalizao de uma cultura poltica democrtica que obrigatoriamente abriu espaos para formas de ao, de articulao frente os aparelhos polticos burocrticos, colocando frente a frente o Estado e a sociedade civil exigindo ainda uma maior insero no cenrio global. Reconhecemos que ao longo das ltimas dcadas houve significativa aproximao das relaes entre os diversos pases do mundo que levaram a rever hierarquizaes de poder, a questionar hegemonias e rediscutir categorias de anlises capazes de captar processos sutis de insero social e poltica, de mobilizao e organizao frente globalizao evidenciando, por sua vez uma enorme diversidade. O Estado e as sociedades civis nacionais ao intensificarem as relaes possibilitaram vislumbrar novas representaes que foram captadas de forma concreta e material ao mesmo tempo que permitiram condies de aproximao entre os povos mesmo diante das diferenas. Neste sentido o mundo, as distintas sociedades e culturas (re)descobriram a possibilidade de dilogos engendrando articulaes polticas jamais pensadas nas relaes internacionais que ao mesmo tempo se tornaram complexas diante da constatao da pluralidade, de um cenrio mltiplo de posies, de ritmos desconexos de tempo e de polifonia dos sujeitos. Novas questes e temas afloram obrigando as agendas polticas a discutir o meio ambiente, o (des)respeito aos direitos humanos, os fluxos migratrios, o terrorismo, o narcotrfico, o crime organizado internacional e as questes de gnero diante dos movimentos feministas cada vez mais adensados no cenrio poltico. A partir do cotidiano os cidados comuns e as prticas locais ganharam visibilidade confrontando-se de forma simultnea com procedimentos globais. Nas palavras de Alain Touraine (2007)Uma nova cultura se coloca marcada pela priorizao no mais da conquista do mundo tpica da poca da dominao masculina exigindo alquimias mltiplas, que superem as assimetrias e formas de dominao que caracterizaram a modernizao europia.

PREFCIO

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Os Estados e seus respectivos governos bem como organismos supranacionais, diante do descrdito que hoje pesa sobre a poltica e sobre as formas tradicionais de ao e de utopias buscam um novo espao de atuao no mundo. Vivenciando, portanto um processo de mudana, os novos atores procuram inserir-se no jogo, conhecendo as regras e inclusive propondo alternativas que viabilizem a sua incluso. nesse sentido que surgem com importante papel nas relaes internacionais contemporneas figuras no s como as empresas transnacionais, governos de entidades subnacionais,como tambm de organizaes no-governamentais e principalmente grupos de comunidades locais representando os mais variados segmentos da sociedade civil. Para tanto a V Semana, atravs de seminrios cientificos, trouxe para o centro do debate o papel dos Novos Atores evidenciando as possibilidades e as mltiplas formas de insero diante do acesso de pases at ento de economia perifrica ao grande mercado que passaram a exigir novas alquimias conforme nos evidencia o tema Danando com os Gigantes: Brasil e o BRICs; e ainda compreendendo a necessidade de rever os pactos polticos na consolidao de uma Democracia na Amrica Latina e a insurgncia de prticas de populismos(s). Nas mesas redondas discutiu-se a presena de Os Fluxos Imigratrios e Os Atores Subnacionais visando ampliar e rever perspectivas de anlise desses fenmenos no cenrio internacional. Paralelamente ao debate da temtica proposta, um dos pontos de grande relevncia desta semana foi o Frum de Debates visando discutir, aprofundar e consolidar questes que se colocam na contemporaneidade, associando questes tericas que fundamentam a rea de conhecimento das relaes internacionais, vislumbrando as condies de Ensino da disciplina e os objetos de Pesquisas nos Programas de Ps Graduao . Ainda para atender diversidade de objetos e interesses os mini cursos vieram fundamentar e evidenciar as interfaces

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possveis entre os campos do conhecimento cientifico e a rea de relaes internacionais . Deste modo, as reflexes realizadas durante o evento foram traduzidas em artigos e trabalhos que compem as distintas partes desse livro garantindo uma maior proximidade entre as polticas, sejam econmicas e estratgicas, revendo a unipolaridade, categoria em que o poder da maior potncia do planeta enfrenta adversidades que leva os organismos internacionais busca de novas formulas de convvio no cenrio internacional. Diante da pluralidade cultural do mundo que se torna visvel e impactante em um tempo virtual o multilateralismo se apresenta como forma necessria de ampliao da democracia e de diminuio das desigualdades, revendo conceitos e categorias e aprofundando o debate frente aos paradigmas que estruturam os sistemas explicativos e que norteiam o cenrio internacional. O Brasil cada vez mais (re) direciona sua poltica externa com posies mediadas por outros contornos e defendendo uma agenda sobre o desenvolvimento que englobe a luta contra a pobreza, o respeito ao meio ambiente, aos direitos humanos e s diferenas entre os povos do planeta. Pensar em alternativas, rever conceitos, valores e prticas sociais so segundo o diplomata e cientista poltico Sergio Paulo Rouanet, uma forma de retomar a Crise dos Universais dos paradigmas existentes e nos possibilita reincorporar a intelectualidade brasileira na reelaborao de um projeto estratgico nacional. Como intelectuais, professores e alunos fazem parte de uma Comunidade acadmica respeitvel na sociedade brasileira. O nosso compromisso colaborar com o capital intelectual acumulado, as reflexes compartilhadas, as observaes realizadas como frutos das pesquisas que estimulam novas prticas sociais e ampliam e reivindicam a justia e a incluso social revendo a nossa cultura poltica vislumbrando a democracia. O resultado desse trabalho aponta para a compreenso e a reviso de construes histricas tradicionais, principalmente no

PREFCIO

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que tange aos pases perifricos que diante de certos vcios analticos conformavam situaes de misria, de rivalidades quase que congnitas e de difcil superao. As perspectivas ainda so indefinidas, principalmente se pensarmos na trajetria poltica republicana e contempornea quanto governabilidade, a representao poltica e principalmente a integrao econmica sul americana. Eventos acadmicos como este Semana de Relaes Internacionais da Unesp devem ser espaos de diversidade intelectual pelas distintas abordagens e temas de vanguarda, de encontro reflexivo profcuo que estimulem o debate sobre a produo cientfica existente de modo a projetar perspectivas e contribuies originais para as Relaes Internacionais, no somente enquanto a definio de Aes de Poltica Externa, mas de criao de novos instrumentos que levem a garantir participao real de todos os indivduos, independente de classe, sexo, etnia ou raa. Uma Utopia? No, apenas a expresso efetiva de maior representatividade e de insero democrtica no planeta.

Lidia M. V. Possas 2

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Lidia M. V. Possas professora de Relaes Internacionais, com nfase em Histria do Brasil Repblica e Amrica Latina nos cursos de Relaes Internacionais e Cincias Sociais na Faculdade de Filosofia e Cincias da Universidade Estadual Paulista UNESP/Marlia.

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PARTE I

1

PARTE I DANANDO COM OS GIGANTES: O BRASIL E O BRICS

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PARTE I

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APRESENTAO

Lus Antonio Paulino1

O

pano de fundo dos artigos da Parte I deste livro o cenrio em mutao da economia mundial, no qual um conjunto de pases, que antes tinham pouca ou nenhuma influncia sistmcia, aumentam o seu brilho na constelao de poder global, provocando um realinhamento importante nas relaes de poder e na prpria economia-mundo. O aspecto mais conspcuo dessas mudanas a emergncia, entre os pases em desenvolvimento, de um conjunto de novos atores, que esto alterando as tradicionais relaes de equilbrio de poder global, os chamados BRICs.

Os BRICs, acrnimo de Brasil, Rssia, ndia e China e, dentre estes, particularmente os dois ltimos, epitomam, no imaginrio coletivo, esse processo de mudana, mas nem de longe so os nicos atores relevantes no processo. Outros pases do mundo em desenvolvimento, tais como Mxico, frica do Sul eLus Antonio Paulino professor da Universidade Estadual Paulista - Unesp, na Faculdade de Filosofia e Cincias Marlia, no curso de Relaes Internacionais, onde leciona disciplinas nas reas de economia e comrcio internacional. short term consultant do Banco Mundial e membro do Conselho Superior de Comrcio Exterior COSCEX, da Federao das Indstrias do Estado de So Paulo FIESP. Professor do Departamento de Cincias Polticas e Econmicas da Faculdade de Filosofia e Cincias Unesp Marlia [email protected]

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Vietn, contribuem para redesenhar os equilbrios de poder neste incio de sculo, ao mesmo tempo em que o antigo centro, representado pelos Estados Unidos e Unio Europia, tem cada vez mais dificuldade em ditar o ritmo de funcionamento do resto do mundo. Como afirmou Javier Santiso (2008, p. A15), economistachefe do Centro de Desenvolvimento da OCDE, em artigo recente:No se trata de espuma passageira, mas de uma profunda onda duradoura. H 50 anos, as economias da OCDE concentravam 75% do PIB mundial. Agora sua parcela se aproxima de apenas 55% do PIB mundial. A maior parte do crescimento mundial destes ltimos anos se situa nas economias emergentes.

H uma dcada mais de 70% do comrcio mundial estava nas mos dos pases ricos e agora esta proporo apenas 60%. Pela primeira vez, em 2007, a participao dos BRICs na economia mundial igualou a dos Unidos (21% do PIB mundial) (SANTISO, 2008, p. A15). Enquanto h 40 anos, 100% do investimento direto estrangeiro tinham origem nos pases da OCDE, atualmente esse montante de apenas 85%. Jias do antigo imprio britnico como a siderrgica Corus e as fabricantes de automveis Jaguar e Land Rover, so agora propriedade de empresas indianas. A unidade de computadores pessoais da IBM, a Lenovo, passou para o controle estatal chins. No Brasil, o processo de internacionalizao de empresas por meio do investimento direto estrangeiro vai ganhando impulso. Dezenas de empresas brasileiras tm fbricas ou subsidirias em outros pases. A Petrobrs, uma das pioneiras, investe no apenas na Amrica Latina, mas j adquiriu refinarias nos Estados Unidos e no Japo. Aracruz, Coteminas, Companhia Vale do Rio Doce, Embraco, Embraer, Gerdau, Marco Polo, Natura, Odebrecht, Sab, Sadia, Suzano, Tigre, Vicunha, Vipal, Votorantin e WEG, entre outras, estabeleceram ou adquiriram unidades em diversos pases do mundo: Estados Unidos, Unio Europia, Rssia, China e ndia.

PARTE I

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Renomados especialistas em estudos de desenvolvimento, como o economista e historiador Angus Maddison, consultorias e bancos de investimentos de prestgio internacional, como a PriceWaterHouseCoopers (PWC) e o Goldman Sachs debruamse sobre esse fenmeno e tentam prever quando a China, que at meados do sculo XIX concentrava mais de 30% do PIB mundial, superar novamente nos Estados Unidos. Segundo Angus Maddison (2007), em 2015 a economia chinesa ter alcanado a economia americana. Diversos estudos do Goldman Sachs (PURUSHOTHAMAN; WILSON, 2003; GOLDMAN, 2003) apontam que os chamados BRICs (Brasil, Rssia, ndia e China) figuraro, por volta de 2050, entre as quatro maiores economias do mundo. Toda tentativa de antecipar o futuro um exerccio de alto risco, dado o elevado grau de incerteza envolvido nas hipteses assumidas. fato, contudo, que mudanas importantes esto em curso na economia mundial e o Brasil est no olho do furaco. Conseguiremos nos manter nessa onda e deixar definitivamente para trs as frustraes da construo interrompida, verdadeiro trabalho de Ssifo, a que nos condenou o pecado original da explorao colonial, ou seremos engolidos pela onda, morrendo na praia como bolhas de espuma? uma questo totalmente em aberto. Depende, em parte, das restries externas que limitam a capacidade do pas formular sua estratgia de desenvolvimento. Mais importante, contudo, depende da capacidade do Brasil formular polticas adequadas de desenvolvimento que sejam capazes de lidar com essas mesmas restries e o novo quadro que se estabelece da economia global. Nesse sentido, comparar experincias e tentar entender como os principais atores envolvidos nesse processo esto lidando com essa nova situao uma tarefa urgente. No h receita pronta para o sucesso. Como o demonstram os trabalhos apresentados a seguir: o texto de Anatoly S. Kapto, Cnsul Geral da Rssia no Brasil, no qual aborda aborda as reformas

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recentes da economia Rssia; de Durval de Noronha Goyos Jr., sobre a ordem poltica mundial e os novos protagonista nas relaes internacionais; de Lus Antonio Paulino, sobre o novo papel dos BRICS na economia mundial; de Marina Gusmo de Mendona, sobre os dilemas e perspectivas da frica do Sul contempornea; de Marcos Cordeiro Pires, sobre estratgias de insero internacional de Brasil e da Repblica Popular da China e de Yogesh Tyagi, sobre as vises da globalizao a partir da perspectiva indiana, nada bvio quando o tema a estratgia de desenvolvimento. O sucesso atual de pases, como a China e a ndia, se deve, em grande parte, capacidade de combinar elementos da chamada ortodoxia econmica, como a abertura ao comrcio exterior e ao investimento estrangeiro, com elementos altamente heterodoxos, derivados de uma experincia local nica. O que o xito das experincias chinesa e indiana demonstram que, ao contrrio da tabula rasa do Consenso de Washington, preciso identificar prioridades. Ao invs de uma longa e exigente lista de que pr-requisitos institucionais, a maioria dos quais no so causas, mas conseqncias, preciso reconhecer que h fatores que servem de esteio para o crescimento econmico; que o crescimento econmico comandado por um conjunto inicialmente restrito de polticas e iniciativas institucionais, as quais constituem a estratgia de desenvolvimento de cada pas; que os elementos chave dessa estratgia so o investimento em recursos humanos adequados, a existncia da infra-estrutura pblica para suportar o crescimento econmico e um consenso social mnimo em torno dessas mesmas polticas, que galvanize a energia do conjunto da sociedade e motivem os investidores domsticos. No h desenvolvimento nacional sem uma ideologia do desenvolvimento nacional, no sentido de um conjunto de idias que interpretem a realidade nacional a partir de seus prprios valores, e se constituam no motor de transformao dessa prpria realidade. As reformas iniciais necessrias para deslanchar as estratgias de desenvolvimento nunca so, como bem o demonstra a experincia desses pases, meras cpias uma das outras. No geral,

PARTE I

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combinam abordagens mais ou menos ortodoxas com inovaes domsticas no convencionais. Se h, portanto, algo que possamos aprender da anlise comparada da experincia recente das economias emergentes em rpido crescimento que nada bvio. O comrcio internacional pode expandir mercados, facilitar a competio e disseminar conhecimentos, criando oportunidades de crescimento e desenvolvimento humano, mas a liberalizao comercial, por si mesma, no garante o desenvolvimento humano, e sua expanso nem sempre tem um efeito positivo ou neutro nesse desenvolvimento. Pr-condies institucionais e sociais, internas e externas, determinam, em larga medida, se e quando um pas ou grupo populacional se beneficiar do comrcio. A integrao mais profunda na economia global pode tornar os pases em desenvolvimento mais vulnerveis a choques externos. A liberalizao comercial pode resultar em deteriorao dos termos de troca e, em alguns casos, em crescimento empobrecedor, quando o aumento da produo para exportao no absorvido pelos mercados internacionais, causando danos aos termos de troca e perdas na renda real. O comrcio pode tambm aumentar a participao econmica das pessoas, na medida em que cria empregos e facilita o acesso ao crdito e aos mercados de bens. O aprimoramento da capacidade de produo necessria para a conquista de novos mercados contribui no apenas para o crescimento econmico, como para a gerao de conhecimentos e, em ltima instncia, para a elevao do bem-estar material e e o desenvolvimento espiritual da nao. No h, contudo, provas convincentes de que a liberalizao comercial esteja sempre associada ao crescimento econmico (PROGRAMA DAS NAES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2004, p. 74). A integrao na economia global um resultado, no um pr-requisito de uma estratgia bem sucedida de crescimento. Se, por um lado, nenhum pas desenvolveu-se com sucesso virando as costas ao comrcio internacional e aos fluxos de capital de

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longo prazo, a simples abertura para o comrcio e os investimentos externos tambm no logrou faz-lo (PROGRAMA DAS NAES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2004, p. 74). Mais uma vez, retornando ao recente exemplo chins e indiano, a chave do sucesso est em combinar as oportunidades oferecidas pelos mercados globais com estratgias de investimento interno.

PARTE I

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PROTAGONISTAS NAS RELAES INTERNACIONAIS1

A ORDEM POLTICA MUNDIAL E OS NOVOS

Durval de Noronha Goyos2INTRODUO

O

sculo XX caracterizou-se por uma profuso de conflitos militares ininterruptos que marcaram todo o globo e nos quais pereceram aproximadamente 200 milhes de pessoas. Dentre esses conflitos, contam-se duas guerras mundiais, uma de 1914 a 1918 e, a outra, de 1931, quando da invaso japonesa da Manchria, at 1945, ocasio em que se renderam a Alemanha e o Japo. No ocidente, costuma-se datar o incio da Segunda Guerra Mundial quando da invaso da Polnia por tropas nazistas.

Com muita propriedade, Eric Hobsbawm observa que as duas guerras mundiais podem ser interpretadas como uma s guerra dos 30 anos. (HOBSBAWN, 2007, p. 1). De fato, apresenta-se pertinente o comentrio j que os Estados beligerantesTexto bsico da aula magna proferida por ocasio da abertura da semana de relaes internacionais, na Unesp, Marlia, Estado de So Paulo, 24 de setembro de 2007. Advogado qualificado no Brasil, Inglaterra e Gales e Portugal. Fundador e scio snior de Noronha-Advogados. rbitro do Brasil na Organizao Mundial do Comrcio (OMC). Professor de ps-graduao de direito do comrcio internacional. Autor e colunista. Professor de ps-graduao de direito do comrcio internacional Coordenador do curso de direito internacional da Escola Paulista de Direito Professor convidado da Universidade Fudan (China) e Universidade Jawaharlal Nehru (ndia) email: [email protected] 1

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foram, de uma maneira geral, os mesmos, e as causas idnticas ou assemelhadas, apenas agravadas pelos termos tanto draconianos como trgicos do Tratado de Versailles. No incio do sculo passado, o direito internacional pblico foi, nas palavras do professor espanhol Pastor Ridruejo basicamente oligocrtico, isto , concebido por um pequeno grupo de grandes poderes para servir e para legitimar seus prprios interesses. (RIDRUEJO, 1996). Ocorre que diferentes oligocracias podiam ter, e freqentemente tinham, interesses diversos e, s vezes, conflitantes. Na falta de um sistema pacfico e confivel de resoluo de disputas, esses conflitos resultaram no recurso s vias armadas, que trouxeram a morte, a misria e a desesperana na maior parte do mundo. Dessa maneira, em abril de 1945, no final da referida confrontao blica, representantes de 50 Estados, inclusive o Brasil, reuniram-se na Conferncia das Naes Unidas sobre a Organizao Internacional, na cidade de So Francisco, Califrnia, EUA, para deliberar sobre a Carta das Naes Unidas, que foi assinada no dia 26 de junho de 1945. Dela resultou a ONU, que passou a existir formalmente a partir de 24 de outubro de 1945, com sede em Nova Iorque, EUA. A formatao da Carta das Naes Unidas foi inspirada principalmente pelos EUA, a principal potncia ocidental vencedora do conflito mundial e, subsidiariamente, pelo Reino Unido, potncia imperial em declnio, e pela Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS) (GOYOS, 2005, p. 31). Posteriormente, na dcada subseqente, todo um sistema de direito internacional foi criado mediante convenes diversas e organismos multilaterais vrios. Dessa maneira, foram criados o Banco Mundial e o Fundo Monetrio Internacional (FMI), atravs os chamados Tratados de Bretton Woods, de 27 de dezembro de 1945, no incio instrumentos de poltica monetria da chamada guerra fria que se iniciava entre os EUA e a URSS. Em 1947, firmou-se o Acordo Geral de Tarifas e Comrcio, o GATT, com 23 signatrios originrios,

PARTE I

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incluindo-se o Brasil e a China, com o objetivo de regulamentar o comrcio internacional.

A NOVA ORDEM INTERNACIONAL Todos esses tratados, que constituam a chamada nova ordem internacional, visavam em ltima instncia basicamente promover os interesses fundamentais, tanto aqueles polticos como os econmicos, de uma potncia hegemnica, os EUA, e, marginalmente, do ncleo central de seus aliados, uns poucos pases ocidentais e orientais. Contudo, a voracidade da potncia hegemnica era muitas vezes limitada pela ento existncia da guerra fria com a URSS, a qual recomendava em alguns casos a rapina com parcimnia e aes que, embora andinas em resultados, representavam um exerccio de relaes pblicas digno de nota. Da mesma maneira, progressos foram feitos na construo do direito internacional pblico. Em 9 de dezembro de 1948, a Assemblia Geral da ONU aprovava a Declarao Universal dos Direitos Humanos e era assinada a Conveno para a Preveno e Punio do Genocdio. Em agosto de 1949, foram assinadas as quatro convenes de Genebra para a Proteo das Vtimas de Guerra. Posteriormente, vrios diplomas foram assinados visando a limitao da proliferao e o controle de armas nucleares, a promoo dos direitos humanos, dentre outros. Com a queda do muro de Berlim, em 1989, e com a formalizao do colapso da URSS, em 1991, atravs o Tratado de Alma Ata, os freios existentes para a conteno da nica potncia hegemnica remanescente, os EUA, deixaram de existir, j que a ordem jurdica internacional ainda no era forte o suficiente para opor um obstculo de monta aos seus desgnios predatrios. Mais ainda, estrategistas norte-americanos, vislumbraram a oportunidade de impor uma ordem unilateral global, um jus imperium, ao resto da humanidade, reservando-se, e a alguns aliados, a prosperidade e impondo a misria aos alienados. O jus

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imperium caracteriza-se, de um lado, pela manipulao dos organismos internacionais existentes para a obteno dos objetivos nacionais hegemnicos, e de outro, pelo que chamei de a deconstruo do direito internacional existente, naquilo em que limitava a ao da barbrie.

A ORGANIZAO MUNDIAL DO COMRCIO E O INTERESSE AMERICANO Um caso tpico de manipulao dos organismos internacionais o da Organizao Mundial do Comrcio, a OMC, que substituiu o GATT e iniciou atividades em 1995. Ao incluir regras inquas a favorecer enormemente um ncleo central de pases desenvolvidos, em detrimento daqueles em desenvolvimento, o organismo promove a prosperidade seletiva de uns poucos em detrimento dos muitos. Assim, dados de organismos como a ONU, o FMI e o prprio Banco Mundial, atestam que 80% das benesses do sistema multilateral de comrcio da OMC recaem para o ncleo central de pases desenvolvidos, invertendo a relao de benefcio para populao com os pases em desenvolvimento, j que estes com 80% dos habitantes globais ficam apenas com 20% das vantagens. Tais ganhos foram obtidos atravs de tratados desiguais e leoninos como aquele sobre propriedade intelectual, o chamado TRIPS, que assegura um monoplio absoluto sobre o direito imaterial da parte dos grandes conglomerados farmacuticos, sem levar em considerao questes de ordem superior como direitos humanos ou razes de ordem pblica e mesmo os conhecimentos tradicionais, utilizados h milnios. Tambm o chamado TRIMS, o tratado de investimentos no mbito da OMC, permite as polticas de apoio a vantagens comparativas mantidas pelos pases desenvolvidos, enquanto veda as polticas de apoio ao desenvolvimento econmico e tradicionalmente utilizadas pelos pases emergentes, algumas das quais desenvolvidas por organismos da ONU.

PARTE I

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Por sua vez, o chamado GATS, o tratado sobre servios da OMC, ao impedir o acesso a mercado dos provedores dos pases em desenvolvimento, e liberalizar aquele aos prestadores de servios dos pases desenvolvidos, aliena os pases emergentes do comrcio internacional de servios, muito superior ao de bens e mercadorias. Acresce que, nesse setor, no existem mecanismos de defesas, como as salvaguardas (GOYOS, 1995). De resto, a ordem jurdica multilateral da OMC permite a prtica de escandalosos subsdios ao setor agrcola dos pases desenvolvidos, procedimento no permitido em qualquer outra rea, como na industrial, quando naquele segmento em que os pases emergentes tm uma natural vantagem comparativa por diversos fatores, inclusive pelo natural custo inferior da mo de obra.

O CONSELHODECISRIOS

DE

S EGURANA

DA

ONU

E O ANACRONISMO DOS PROCESSOS

De outro lado, o anacronismo dos organismos decisrios da prpria ONU permite sua manipulao e desvirtuamento pelo vcio de fraca representatividade. De fato, os poderes decisrios executivos da ONU so de competncia de um Conselho de Segurana composto de 15 membros, dos quais 5, permanentes, e 10, no permanentes. Os permanentes, a Repblica Popular da China, a Frana, a Federao Russa, o Reino Unido e os EUA, ex vi do disposto no artigo 27, 3 da Carta da ONU, tm o chamado poder de veto. (GOYOS, 1995, p.37). Quanto aos membros no permanentes, eleitos para um mandato no renovvel de dois anos, tm sua composio determinada pela Resoluo nmero 1991, da Assemblia Geral da ONU, que reserva 5 assentos para pases africanos a asiticos; um para a Europa Oriental; dois da Amrica Latina; e dois da Europa Ocidental. Em primeiro lugar, constate-se que o poder de veto estranho ao direito e, por conseguinte, recomendvel sua substituio pelo critrio democrtico da maioria, simples ou qualificada. Em

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segundo lugar, hoje injustificvel a manuteno da dicotomia entre membros permanentes e no permanentes. Acresce que h uma desproporcional representao dos Estados Europeus. O anacronismo da composio do Conselho de Segurana reconhecido universalmente, porm sua estrutura atual atende aos interesses hegemnicos dos EUA e do ncleo central de seus aliados, notadamente o Reino Unido, Estado cliente do primeiro. Algumas frmulas foram apresentadas para a reforma do Conselho, tendo se apresentado como candidatos naturais a membros permanentes o Brasil, a ndia, a frica do Sul, a Alemanha e o Japo. Considerando que a Rssia e a China j fazem parte do Conselho de Segurana como membros permanentes, constata-se o recente protagonismo internacional de Brasil, frica do Sul e ndia, todos pases em desenvolvimento. Vamos ento analisar as razes pelas quais estes pases normalmente apresentam-se aliados nas questes internacionais. Tal como o Brasil, a frica do Sul, a China e a ndia liberaramse em passado recente ou muito recente dos infames grilhes do colonialismo ou do semi-colonialismo. Durante os anos em que foram subjugados, tais pases no puderam realizar os seus respectivos potenciais naturais. Em todos os casos, at mesmo a capacidade de crescimento de mdio prazo foi prejudicada pelo impedimento da formao educacional das populaes nacionais, da parte dos poderes coloniais. De fato, Brasil, China e ndia passaram a perseguir polticas nacionais e independentes quase que contemporaneamente a partir do segundo governo de Getlio Vargas, a partir de 1951, e da vitria da revoluo comunista em 1949, liderada por Mo Tse Tung. Por sua vez, a ndia teve sua independncia reconhecida em 1947 e imediatamente passou a perseguir polticas nacionalistas, sob a liderana de Pandit Nehru. A frica do Sul somente em 1994 libertou-se do odioso regime do apartheid. Com altos e baixos, nas ltimas dcadas, esses pases atingiram notveis conquistas na rea econmica e expressivos

PARTE I

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sucessos de desenvolvimento humano, social e tecnolgico, da mesma maneira que promoveram uma poltica externa benigna e no agressiva. H hoje muita identidade entre eles, o que veio a ser internacionalmente reconhecido. No Brasil, o valor do PIB chegou US$ 1.8 trilho no critrio de paridade do poder de compra e de US$ 1.2 trilho no sistema de taxas de cmbio. Suas reservas externas situam-se em aproximadamente US$ 200 bilhes. Sua populao de cerca de 200 milhes de habitantes. O comrcio externo do pas gera saldos de cerca de US$ 50 bilhes ano. Seu crescimento econmico superior a 5% ao ano. Seus programas sociais so eficazes na integrao social e expressiva reduo da marginalidade econmica. Sua poltica econmica e externa so fatores de estabilidade e prosperidade regional. A China hoje a maior fora motriz do crescimento econmico mundial. Seu PIB no critrio de paridade do poder de compra de US$ 10 trilhes e de US$ 2.5 trilho no sistema de taxas de cmbio. Sua populao de cerca de 1.3 bilho de habitantes. Suas reservas externas situam-se em aproximadamente US$ 1.3 trilho e sua poltica de financiamento dos dficits comerciais americanos tem permitido a continuidade do crescimento econmico mundial. Seu crescimento econmico superior a 9% ao ano. Seus programas sociais so eficazes na integrao social e expressiva reduo da marginalidade econmica. Sua poltica econmica e externa so fatores de estabilidade e prosperidade regional. A ndia tem um PIB de cerca de US$ 4.5 trilhes no critrio de paridade do poder de compra e de US$ 900 bilhes no sistema de taxas de cmbio. Sua populao de cerca de 1.1 bilho de habitantes. Suas reservas externas situam-se em aproximadamente US$ 200 bilhes. Sua economia cresce a cerca de 9% ao ano. O pas pratica eficientes programas de integrao social e reduo da marginalidade econmica. Sua poltica econmica e externa so fatores de estabilidade e prosperidade regional.

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A frica do Sul tem um PIB de cerca de US$ 650 bilhes no critrio de paridade do poder de compra e de cerca de US$ 250 bilhes no sistema de taxas de cmbio. Sua populao de aproximadamente 35 milhes de habitantes. Sua economia cresce cerca de 6% ao ano.Seus programas sociais so eficazes na integrao social e expressiva reduo da marginalidade econmica. Sua poltica econmica e externa, e seu regime democrtico, so paradigmticos e fatores e estabilidade e prosperidade regional. A Federao Russa tem um perfil diverso dos pases que a precederam nesta anlise, j que foi at pouco tempo uma das potncias hegemnicas mundiais. Hoje, procura recuperar sua economia, promover a prosperidade social e buscar um novo horizonte nas relaes internacionais. De qualquer maneira, o PIB da Rssia hoje de US$ 1,7 trilho, de acordo com o critrio de paridade do poder de compra e de US$ 1,1 trilho no sistema de taxas de cmbio. Sua populao de cerca de 145 milhes de pessoas. Sua economia cresce a 7% ao ano. Seu saldo comercial de US$ 130 bilhes ao ano. grande produtora e exportadora de gs e petrleo. A inconsistncia da ordem poltica mundial hodierna tal que a Rssia, ao mesmo tempo em que membro permanente do Conselho de Segurana da ONU excluda da OMC.

OS DESAFIOS DA POLTICA EXTERNA BRASILEIRA Os formuladores da poltica externa brasileira aperceberamse dessas semelhanas e constataram que esses pases partilham igualmente as mesmas vulnerabilidades externas de ordem econmica, poltica, militar, ideolgica e cultural. Para o Brasil, tais disparidadesTm sua origem nas regras e nos mecanismos que constituam a estrutura e a trama das relaes entre o Brasil Colnia e a metrpole portuguesa, no seio da dinmica de expanso do capitalismo a partir de seu centro de irradiao europeu, no impulso de formao do sistema econmico e poltico mundial. (GUIMARES, 2006, p. 22-23).

PARTE I

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Assim, qualquer que seja a estratgia de insero internacional do Brasil, ela dever necessariamente, nas palavras do grande estrategista brasileiro, Embaixador Samuel Pinheiro Guimares (2006, p. 259), ser construda e executada a partir dos trs desafios da sociedade brasileira, que so a reduo das extremas disparidades sociais, a eliminao das crnicas vulnerabilidades externas e a realizao acelerada do seu potencial. Ora, no difcil concluir que os desafios dos demais pases sob anlise so exatamente os mesmos. Igualmente, os obstculos de todos so aqueles constitudos pelos responsveis pela anacrnica, injusta e egosta ordem poltica e econmica internacional. Enfim, como acabar com a tirania poltica, com o infame jus imperium e com a nojenta poltica da promoo da prosperidade seletiva de uns poucos pases em detrimento dos muitos? A construo da necessria cooperao internacional entre os novos protagonistas no tarefa fcil. Em primeiro lugar, h ainda muito desconhecimento. As relaes sul-norte foram por muito tempo privilegiadas, em detrimento das sul-sul. Acresce que se h muitos e substanciais fatores que levam cooperao, por outro lado permanece ainda a competio em muitas reas So ainda as economias emergentes vulnerveis sob muitos aspectos, particularmente na rea social, e portanto sensveis a fortes presses externas. O fato que, pouco a pouco, com a evoluo do crescimento econmico dos novos protagonistas internacionais que, segundo dados da CIA em 15 anos consumiro mais energia do que os EUA e a Unio Europia, juntos, ser muito difcil negar-lhes a correspondente quota em poder poltico internacional. Todavia, parece certo que a oposio haver. Afinal, como diz o ditado, old habits die hard. A poltica externa brasileira do governo Lula contempla a articulao da aproximao real e prtica (alm da retrica) poltica

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e econmica com outros grandes Estados perifricos que tm interesse estratgico em promover a multipolaridade do sistema mundial.(GUIMARAES, 2006, p.294). Para o Brasil, a vigorosa busca do necessrio entendimento internacional com os novos protagonistas dever ser feita levando-se sempre presente a realidade regional e sem prejuzo das excelentes relaes mantidas no continente e, em especial, com a Repblica Argentina.

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A COOPERAO BRASIL RSSIA NO SCULO XXI: BALANO E PERSPECTIVAS

Anatoly S. Kapko 1

G

ostaria, em primeiro lugar, de cumprimentar organizadores e participantes do seminrio, no mbito do qual ns planejamos trocar opinies sobre tal assunto bem interessante da vida internacional contempornea como as possibilidades de ampliao da cooperao entre os estados, cujas economias demonstram os ritmos mais dinmicos de crescimento, Brasil, Rssia, ndia e China. Cientistas polticos e economistas de todo o mundo j conhecem bem a abreviatura BRIC (Brasil, Rssia, ndia e China), O dilogo neste formato os chanceleres dos quatro pases lanaram em setembro de 2006, margem da sexagsima primeira sesso da ONU. Os paises mencionados, dispondo de economias intensivamente crescentes, desempenham papel positivo e considervel no que se refere ao desenvolvimento das relaes internacionais modernas. O fato de que a Rssia membro pleno do G-8 e que o Brasil, ndia e a China j se tornaram participantes tradicionais do segmento ampliado deste grupo, comprova a crescente influncia destes pases.1

Cnsul-Geral da Rssia no Brasil.

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Nossos estados demonstram cada vez mais coincidncia dos interesses em muitos assuntos da agenda global, evidente a aspirao comum de fortalecer o papel central da ONU e a arquitetura multipolar das relaes internacionais, de buscar decises multilaterais dos problemas mundiais mais agudos. Tornando em considerao o tema de nossa conversa, no vou detalhar o dilogo poltico russo-brasileiro: sem exagero, est excelente. Anotarei s que seu desenvolvimento visa formao de relaes privilegiadas da parceria estratgica, tanto no plano bilateral, como no formato de trabalho comum na arena internacional. No meu discurso, a exemplo das relaes russo-brasileiras, eu gostaria de revelar oportunidades que empresas e investidores estrangeiros tm no meu pas, bem corno destacar as caractersticas principais da situao atual e das tendncias de desenvolvimento da economia russa. Penso que esta informao ser interessante para todos aqui presentes. Quero sublinhar que todas as atraentes oportunidades econmicas e de investimentos da Rssia, dos quais eu falarei, esto disposio de todos os nossos os parceiros sem exceo, inclusive indianos e chineses. O Brasil o parceiro comercial principal da Rssia na Amrica Latina e o nosso relacionamento, em minha opinio, pode ser avaliado como um exemplo de cooperao bilateral multifacetada entre os pases com economias de alto ritmo de crescimento. Nos ltimos anos atingimos altos indicadores do comrcio bilateral que em 2006 alcanou cerca de quatro bilhes de dlares norte-americanos. Temos a nossa frente um objetivo ambicioso, mas realista: incrementar o volume do comrcio para o nvel de dez bilhes de dlares ate o ano de 2010. Alm disso, damo-nos conta da necessidade de diversificar a pauta do nosso comrcio, bem como equilibr-lo. com satisfao que destacamos a disposio do governo brasileiro a trabalhar nesse sentido.

PARTE I

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A cooperao entre a Rssia e o Brasil na esfera material em muitos aspetos tem carter privilegiado que corresponde ao esprito e aos princpios da parceria estratgica. O nosso objetivo aqui formar a aliana tecnolgica bilateral, de acordo com a tarefa formulada pelos Presidentes da Rssia e do Brasil e confirmada na declarao conjunta deles, adotada em Moscou em 2005. No sentido mais amplo a criao desta aliana tecnolgica prev a realizao de projetos bilaterais de grande escala nas reas de alta tecnologia. O trabalho nessa direo j se faz, primeiramente na esfera de explorao pacfica do espao exterior. Isto no s o vo do coronel Marcos Pontes com a tripulao russa Estao Espacial Internacional; esto sendo realizados outros projetos concretos de vantagem mtua. Especialistas dos nossos pases trabalham em conjunto para modernizar o veculo-lanador de satlites brasileiro VLS- 1. Em termos prticos discutimos a possibilidade de produzir satlites destinados para o Brasil, bem como da participao do pas no sistema global de navegao por satlites GLONASS que est sendo formado pela Rssia. Avaliamos a perspectiva de usar Alcntara para lanamentos comerciais. No que se refere a construo de avies, hoje ns podemos falar sobre possveis exportaes para o mercado brasileiro de excelentes modelos de helicpteros russos MI-26, MI- 171 A, bem como de avies-anfibios incomparveis Be-103 e Be-200. Est na mesa a proposta da corporao Embraer de fabricao na Rssia de jatos regionais. Est se ampliando a cooperao no setor de energia. Empresas russas forneceram equipamentos para hidroeltricas Porto Ges e Corumb-3. Nossas companhias e especialistas esto prestes a participao ulterior do desenvolvimento da esfera da energia eltrica do Brasil. Estudamos possibilidades de produzir aqui em parceria com os brasileiros turbinas de gs para usinas de energia eltrica. com interesse que acompanhamos os avanos do Brasil na produo e no uso de biocombustvel.

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Iniciou-se dilogo entre empresas Gazprorn e Petrobras visando formar uma cooperao mutuamente vantajosa, inclusive no que se refere ao uso das ltimas tecnologias e know-how russos na explorao e explotao de jazidas de gs no Brasil. Neste contexto, na nossa viso, no futuro se poder tratar tambm da perspectiva de levar a nossa cooperao bilateral aos mercados energticos de terceiros pases, em particular atravs do potencial de Gazprorn no caso da construo de gasoduto Venezuela Brasil Argentina. Recentemente se ampliou significativamente a geografia da cooperao entre institutos de cincia dos nossos pases. Isto tem uma importncia essencial para a realizao russo-brasileira de projetos de grande escala na rea de alta tecnologia. Temos nesse sentido um vasto espectro de possibilidades antes de mais nada, biotecnologia, nanotecnologia, materiais novos, informtica, eletrnica ptica. Passo importante nesta direo ser a possvel adeso do Brasil s atividades do Centro Internacional de Cooperao Cientfico-Tecnolgica e Inovadora Rssia Amrica Latina. Claro, que ainda temos muito a fazer para diversificar a pauta do nosso intercmbio comercial, aumentar a fatia dos produtos da indstria de alta tecnologia. Atualmente a Rssia famosa aqui principalmente por seus fertilizantes que constituem vinte e sete por cento do setor correspondente do mercado brasileiro, enquanto o Brasil exporta quarenta e cinco por cento da carne suna consumida em total na Rssia, quarenta por cento da carne bovina e quinze por cento da carne de aves. Entretanto, j se pode constatar que os parceiros brasileiros exploram o mercado russo comercial de uma maneira bastante eficaz. Porm, o setor de investimentos ainda se mantm quase intacto o raro exemplo de cooperao nessa rea a fbrica da Sadia que est sob a construo na regio de Kaliningrado. Acho que em perspectiva mais prxima o incremento da cooperao na esfera de investimentos com o Brasil, bem como com outros paises estrangeiros, deve se tornar uma das nossas

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tarefas mais prioritrias, levando em conta a favorvel situao econmica e de investimentos na Rssia. A realizao desta tarefa depender muito dos esforos no s dos governos, mas tambm do setor privado, da iniciativa dos empresrios de cada pas. Neste contexto permitam-me passar ao discurso sobre as peculiaridades atuais do desenvolvimento do mercado russo. Eu queria comear pela constatao do fato agradvel de que nos ltimos anos o nosso pas tem mostrado altas taxas do crescimento econmico. Vou citar alguns dados. Em 2006 o crescimento do PIB foi de 6,8%. O crescimento da indstria foi de mais de quatro por cento e o da agricultura de quase trs por centos. O setor de servios, cuja participao na economia de mais de cinqenta por cento, cresceu oito por cento. No total, de 2000 a 2006, o PIB russo aumentou quase sessenta por cento. A taxa mdia anual do crescimento foi de sete por cento, o que mais do que o dobro da taxa mdia anual da economia mundial nesse mesmo perodo. Em 2006. a Rssia tornou-se a dcima maior economia no mundo com o PIB de mais de um trilho de dlares correntes. As reservas internacionais do Banco Central nos ltimos anos tm superado significativamente a dvida pblica externa e agora alcanaram trezentos e vinte bilhes de dlares o que coloca a Rssia entre os trs primeiros pases no mundo nesse segmento. A inflao em 2006 diminuiu para nove por cento. A dvida pblica reduziu-se visivelmente para cerca de quarenta e cinco bilhes de dlares. A conjuntura favorvel dos preos dos principais produtos de exportao russa permitiu acumular no Fundo de Estabilizao cerca de cem bilhes de dlares. Nas condies favorveis do mercado mundial dos recursos energticos aumentaram de forma drstica as exportaes para trezentos e cinco bilhes de dlares em 2006, e o supervit comercial para cento e quarenta e um bilho de dlares. O ano de 2006 foi para ns o ano de transio da poltica de estabilizao e acumulao poltica de desenvolvimento. A

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tarefa principal no ano corrente a transio ao modelo do desenvolvimento econmico por meio da diversificao da economia e ampliao das fontes de investimento e inovao do seu crescimento. Para manter as taxas altas do desenvolvimento da economia e, em particular, da formao bruta do capital fixo e do ingresso dos investimentos estrangeiros, o governo vem continuando as suas atividades visando melhorar o clima de investimentos. Nas empresas com a participao do capital estrangeiro (mais de nove mil) so empregados dois e meio milhes de pessoas, e a participao dessas empresas no PIB russo quase trinta por cento; na produo industrial, cerca de vinte e cinco por cento. O clima de investimentos permanece favorvel. Os peritos avaliam que, pela sua caracterstica, mais prximo ao brasileiro e indiano. Em dezembro de 2005 a Rssia entrou no grupo dos seis pases mais atraentes para investimentos estrangeiros diretos. O fluxo destes significativo. Segundo as estatsticas, no fim de 2006 o seu volume acumulado foi cerca de cento e quarenta bilhes de dlares (aumento de quase trinta por cento em comparao com o fim de 2005). Em 2006 ingressaram na economia russa cinqenta e cinco bilhes de dlares, o que superou o nvel do ano anterior apenas em trs por cento. Ao mesmo tempo os investidores estrangeiros transferiram da Rssia quase quarenta bilhes de dlares. O maior volume do ingresso foi constatado nas reas da indstria de processamento, comrcio (incluindo o exterior) e alimentao, extrao dos recursos naturais, imveis, transporte e comunicao, no setor financeiro. Os lderes em investimentos diretos acumulados na economia russa, segundo os dados de 31 de dezembro de 2006, so Chipre (quase vinte e trs bilhes de dlares), Pases Baixos, EUA, Alemanha, Gr-Bretanha e Ilhas Virgens Britnicas (dois e meio bilhes de dlares). A peculiaridade do aspecto regional do ingresso dos investimentos estrangeiros a sua concentrao alta no pequeno

PARTE I

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grupo das regies. Em particular, em Moscou entraram quase quarenta e cinco por cento do volume total, na regio de Sakhalin e em So Petersburgo cerca de dez por cento em cada um. O impacto positivo ao incremento da atividade de investimento e assegurao do desenvolvimento da economia com base na modernizao tecnolgica tero as medidas previstas nos Rumos Principais da Atividade do Governo no perodo at 2008 e no Programa do Desenvolvimento Econmico e Social da Federao da Rssia em 2006-2008. Entre essas podemos destacar as de modernizao industrial, assegurao do crescimento econmico sustentvel, defesa dos direitos dos proprietrios, reduo da carga tributria total sobre os produtores, apoio s exportaes, melhoramento da gesto corporativa, assegurao da maior transparncia financeira das empresas russas, desenvolvimento do sistema dos crditos hipotecrios, ativao dos bancos russos de fomento. Foram realizadas as aes do aperfeioamento da defesa da propriedade intelectual. Conduz-se o trabalho para assegurar a liberalizao cambial total. Foi reduzida drasticamente a alquota do imposto da renda, diminuda significativamente a alquota do imposto sobre o lucro com simultnea liquidao dos diversos privilgios, anulado completamente os impostos sobre as vendas. Tomamos medidas para simplificar e reduzir a taxao das empresas pequenas. Foi introduzido o imposto nico sobre o lucro presumido com a alquota de seis ou quinze por cento, em conformidade com o objeto de taxao. O efeito positivo da reforma tributria comeou mostrar-se permitindo legalizar at trinta por cento dos investimentos das empresas do setor real da economia. Para o melhoramento do clima de investimento, aumento da abertura e concorrncia global da economia russa o grande significado tem a modernizao do sistema alfandegrio. Foram diminudas as alquotas das tarifas de importao sobre o equipamento tecnolgico usado na metalurgia, indstria de alimentao e farmacutica. No futuro prximo planeja-se a

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reduo ulterior das tarifas de importao sobre o equipamento tecnolgico necessrio para a modernizao das bases de produo, bem como a matria-prima ausente na Rssia, mantendo o nvel necessrio da defesa tarifria dos produtos prontos para o consumo. Em ritmo ativo realiza-se trabalho para aperfeioamento do sistema legal da Federao da Rssia cdigos alfandegrio, civil, de habitao, florestal, etc. Foram aprovados ou entraram em vigor outras leis federais visados a melhorar o clima empresarial e estimular atividade de investimento. Est em andamento a reforma administrativa visada a assegurar a diviso distinta das funes, atribuies e financiamento entre as estruturas da administrao pblica e impedir a interveno excessiva do estado na economia. Trabalhamos ativamente para liquidar a burocratizao econmica e barreiras administrativas que dificultam as atividades dos investidores estrangeiros e empresrios em geral. Est sendo elaborado o conceito da poltica estatal na rea de atrao dos investimentos estrangeiros diretos. Prev-se a incorporao desta no programa estatal de mdio prazo. Foram empreendidos passos importantes nas reformas na rea de energia eltrica, transporte ferrovirio, setor de gs, na soluo dos problemas do setor habitacional. Desde ano de 2006 tm sido realizados quatro projetos nacionais: na educao, sade, habitao e no setor agroindustrial. Para financiar projetos de infra-estrutura e os outros projetos da importncia nacional foi criado o Fundo de Investimentos base da parceria pblico-privada. O volume total do fundo no ano corrente de quatro bilhes e duzentos e sessenta milhes de dlares. Presta-se ateno especial ao desenvolvimento da infraestrutura financeira. Aumento da confiana no sistema bancrio uma das importantssimas tarefas nesta rea. Foi iniciada a realizao da reforma bancria de grande envergadura, cujo objetivo principal o incremento da capitalizao e segurana do sistema bancrio, Todos os bancos russos apresentam os relatrios ao Banco Central de acordo com os padres internacionais.

PARTE I

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Continua sendo a prioridade de nosso trabalho o objetivo de fortalecer a base legislativa da participao da Rssia na cooperao internacional de investimentos. Nos ltimos anos entraram em vigor acordos bilaterais para iseno da dupla tributao com uma srie dos pases estrangeiros que foi tambm assinada com o Brasil. Atualmente esto em vigor quarenta e trs acordos bilaterais para estimulao e proteo mtua dos investimentos, muitos destes so programados para a ratificao. No futuro planejamos comear estas negociaes com o Brasil. O elemento importante da nossa atividade, visada a criar condies favorveis para investimentos estrangeiros e a elevar o patamar da abertura da economia russa, so as negociaes sobre a adeso da Rssia a tais influentes organismos econmicos internacionais como a Organizao Mundial do Comrcio e a Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico. Continua-se o trabalho para adaptar a legislao russa s normas e regras da OMC e OCDE. A Rssia ficou o pleno membro do FATF, Grupo de Ao Financeira Sobre Lavagem de Dinheiro. Hoje em dia a economia russa no nada mais fechada ou subsidiada do que as economias dos pases que so membros dos organismos mencionados. Est sendo realizado o trabalho no mbito das organizaes financeiras e econmicas regionais, em particular, do Banco Europeu de Reconstruo e Desenvolvimento (a fatia da Rssia na sua pasta de crdito atingiu quase quarenta por cento, ou seja, quase dois bilhes de euros), do Banco do Mar Negro de Comrcio e Desenvolvimento (cerca de vinte por cento da sua pasta de crdito). Estuda-se a possibilidade da nossa plena adeso ao Banco Interamericano de Desenvolvimento. Em concluso gostaria de expressar a opinio de que o incremento dos vnculos econmicos, comerciais, financeiros e de investimentos entre os pases que esto se desenvolvendo com a maior dinmica, em particular, entre o Brasil, Rssia, ndia, China, Mxico, frica do Sul lana os alicerces de longo prazo

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para consolidar a cooperao bilateral e multilateral entre eles. Por sua vez, isto corresponde ao nosso objetivo estratgico comum de construir uma ordem mundial mais justa e formar sistema multipolar das relaes internacionais que se baseie na supremacia do direito internacional e que crie as possibilidades para o crescimento e desenvolvimento de todos os estados sem excees.

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OS BRICS

EA

ECONOMIA MUNDIAL

Lus Antonio Paulino1

A

sigla BRIC foi criada pelo pelo economista Jim ONeill, do banco de investimentos Goldman Sachs, para designar os quatro principais pases emergentes do mundo, a saber: Brasil, Rssia, ndia e China. Esses quatro pases, em conjunto, abrigam quase a metade da populao mundial, detm 20% da superfcie terrestre e respondem por cerca de 15% do PIB mundial. Em 2008, os chanceleres dos quatro pases, reunidos na cidade de Ekaterinburg, a 1.600 km de Moscou, oficializaram a associao dos quatro pases como um bloco, para atuar de forma coordenada nos fruns internacionais. Antes, contudo, de se dar como assente que o referido termo expresse, realmente, um fato novo no cenrio econmico e geopoltico internacional, caberia, preliminarmente, uma breve reflexo a respeito do prprio conceito de BRIC e particularmente sobre a pertinncia e o sentido do nome do Brasil estar associado

Lus Antonio Paulino professor da Universidade Estadual Paulista - Unesp, na Faculdade de Filosofia e Cincias Marlia, no curso de Relaes Internacionais, onde leciona disciplinas nas reas de economia e comrcio internacional. short term consultant do Banco Mundial e membro do Conselho Superior de Comrcio Exterior COSCEX, da Federao das Indstrias do Estado de So Paulo FIESP. Professor do Departamento de Cincias Polticas e Econmicas da Faculdade de Filosofia e Cincias Unesp Marlia [email protected]

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a esse grupo de pases, com os quais no partilha muito mais que o fato de ser, como eles, uma grande pas em desenvolvimento. As perguntas que deveramos inicialmente responder seriam as seguintes: 1. No seria o termo BRIC, o que filsofo Thomas Hobbes designou de discurso insignificante? 2. Haveria uma agenda poltica comum a esses pases que nos permitisse considera-los, alm de categoria de anlise, um grupo de interesses?

Em conferncia pronunciada na Universidade de Harvard, em 2005, o historiador Eric Hobsbawn (2007, p. 5), afirmou o seguinte:Diz-se que histria so discursos. No h como entender essa expresso a menos que entendamos a linguagem em que as pessoas pensam, conversam e tomam decises. Entre os historiadores, que se sentem tentados pelo que se denomina a virada lingstica, h mesmo alguns que argumentam que so as idias e os conceitos expressos nas palavras caractersticas do perodo que explicam o que aconteceu e por que aconteceu. Os tempos em que vivemos [...] so o bastante para deixar-nos cticos quanto a essas proposies. Ambas esto saturadas com que o filsofo Thomas Hobbes chamou de discurso insignificante, discurso sem sentido, e suas subvariedades, o eufemismo e a nova lngua de George Orwell, ou seja, o discurso que tem o propsito de falsear e desorientar. Mas, a menos que os fatos mudem, mudar as palavras tambm pouco os muda.

Teria o conceito BRIC, tomando as palavras de Hobsbawn, o propsito de falsear e desorientar ou seria um conceito que nos ajuda a explicar o que acontece e por que acontece hoje no mundo? A tal respeito, tendemos a concordar com as palavras de Santiso (2008, p. A15) para quem,O que estamos vivendo uma mudanas de poca e de paradigma que se assemelha a uma grande transformao, para parafrasear o economista blgaro Karl Polanyi. Os equilbrios e as riquezas dos pases esto se redesenhando a grande velocidade com a

PARTE I emergncia de novos pases, atravs da China, ndia, Brasil, Mxico, frica do Sul e Rssia, para mencionar as economias de ponta, que emergem a partir daquelas que at anteontem eram denominadas pases em desenvolvimento.

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Para alguns, a associao do Brasil a esse grupo de pases dinmicos da sia pode parecer, por diversos motivos, no mnimo imprpria. Afinal, enquanto o Brasil segue a passo arrastado, no ritmo ditado pelo Consenso de Washington, as economias emergentes da sia crescem duas vezes mais rpido, guiados por seu prprio consenso. Dizer que o rpido crescimento daquelas economias se deve ao fato de terem abandonado as polticas voltadas para o desenvolvimento interno e terem abraado as propostas neoliberais baseadas na abertura de mercados seria de fato um discurso insignificante. Alm disso, os laos econmicos e geopolticos dessas economias com Brasil so limitados. Da corrente de comrcio da China que, em 2008, deve ultrapassar dois trilhes de dlares, as trocas com Brasil respondem por cerca de 20 bilhes de dlares, o que equivale a apenas um por cento do total. No plano geopoltico, as preocupaes dos pases asiticos e, em menor grau, da Rssia convergem para o chamado Pacific Rim2 . Como lembra o ex-secretrio de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissenger (2005, p. A19):The center of gravity of world affairs is shifting from the Atlantic, where it was lodged for the past three centuries, to the Pacific. The most rapidly developing countries are in Asia, with a growing means to vindicate their perception of the national interest.

Vistas as coisas desse ngulo faz sentido perguntar: seria de fato o acrnimo BRIC a expresso de um agrupamento de pases que partilham caractersticas ou mesmo interesses comunsO termo Pacific Rim refere-se aos pases e cidades localizados nos limites do Oceano Pacfico. Os centros econmicos mais importantes em torno do Pacific Rim so Hong Kong, Cingapura, Seul, Tquio, Taipei, Cidade de Ho Chi Minh, Sidney, Melbourne, Brisbane, Auckland, Santiago, San Francisco, Seatle, San Diego, Portaland e Vancouver.2

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ou apenas mais uma inveno Wall Street com o propsito de compeli-los prtica do confidence building, ou seja, deixar de pensar por conta prpria e seguir as polticas recomendadas pelo chamado Consenso de Washington? A considerar o que afirmam os j mencionados estudos do Goldman Sachs, no teramos dvida em afirmar que a segunda alternativa a mais provvel. Afinal, as hipteses que deveriam ser respeitadas (estabilidade macroeconmica, instituies estveis, abertura comercial, melhoria da educao) para que esses pases cumpram o destino previsto tm o selo neoliberal do Consenso de Washington. Poderamos, entretanto, colocar a questo de outro modo: que motivos teria Wall Street para estimular nesses quatro pases prtica alienante do confidence building se no enxergasse neles um potencial efetivo de deslocamento da hegemonia mundial? No seria parte de uma viso mais realista de como enfrentar o desafio da emergncia desses novos plos dinmicos da economia mundial, particularmente a China, diante da falncia do projeto do Sculo XXI Americano evidenciado pelo fracasso americano no Iraque e, mais recentemente, pela crise que devastou a economia dos Estados Unidos? A esse respeito Henry Kissinger, em artigo publicado em 2005 (p. A19), afirma:The strategic equation in Asia is altogether different. U.S. policy in Asia must not mesmerize itself with the Chinese military buildup. There is no doubt that China is increasing its military forces, which were neglected during the first phase of its economic reform. But even at its highest estimate, the Chinese military budget is less than 20 percent of Americas; it is barely, if at all, ahead of that of Japan and, of course, much less than the combined military budgets of Japan, India and Russia, all bordering China not to speak of Taiwans military modernization supported by American decisions made in 2001. Russia and India possess nuclear weapons. In a crisis threatening its survival, Japan could quickly acquire them and might do so formally if the North Korean nuclear problem is not solved. When China affirms its cooperative intentions and denies a military challenge, it expresses less a preference than the strategic realities. The challenge China poses for the medium-term future will, in all likelihood, be political and economic, not military.

PARTE I

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Se os fatos acima descritos no nos autorizam a considerar o Brasil e os demais BRICs como aves de um mesmo bando, no possvel negar que, por circunstncias histricas distintas, somos, eventualmente, companheiros de viagem, que tentam chegar ao mesmo destino. Temos um propsito comum: o desenvolvimento; partilhamos de condies semelhantes: grande extenso territorial, grande populao, abundncia de recursos naturais, nvel de renda per capita e desenvolvimento semelhante; h complementaridades econmicas que podem ser exploradas em benefcio mutuo; o peso relativo de cada pas em suas respectivas regies grande; no existem conflitos de interesse importantes que nos coloquem em campos opostos em questes decisivas para todos, como tem demonstrado a sintonia desses pases em organismos internacionais como a ONU e a OMC. H, portanto, inmeras razes para desenvolver estratgias de cooperao mtua em torno de questes de interesse comum, sejam nos fruns globais como a ONU, OMC, FMI, sejam nas relaes bilaterais. Colocada a questo nessa perspectiva, nos parece que o estudo comparado desse agrupamento de pases algo oportuno, no apenas pelas razes j mencionadas, mas tambm pelos seguintes fatos: 1. So quatro grandes pases em desenvolvimento que enfrentam desafios mais ou menos semelhantes no que diz respeito ao desenvolvimento e elevao da qualidade de vida da populao e vm adotando estratgias de desenvolvimento distintas frente aos desafios da globalizao. Particularmente no que diz respeito ndia e China, de um lado, e Brasil, de outro, possvel distinguir estratgias de desenvolvimento bastante diferentes. Enquanto os pases asiticos mantm o foco de suas polticas no crescimento econmico, por meio de um controle rgido dos fluxos de capitais e das taxas de cmbio e de polticas industriais ativas voltadas para a inovao tecnolgica, a poltica macroeconmica do Brasil, cujo nico foco a estabilidade da moeda, se caracteriza pela prtica de

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elevadas taxas de juros, sobrevalorizao cambial e nenhum controle sobre o fluxo de capitais. O estudo comparado dessas diferentes estratgias de desenvolvimento nos parece de suma importncia para que o Brasil possa romper o estgio de semi-estagnao pelo qual tem passado dos ltimos 25 anos.

Taxas de crescimento anual1991/2002 14,00 12,00 10,00 6,40 6,50 5,80 8,00 (em %) 6,00 2,70 3,50 3,10 4,00 2,00 0,00 Mundo Russia China India -2,00 -4,00 Pases em Desenvolvimento Pases Desenvolvidos Brasil 2,30 2,60 2,20 4,70 6,90 6,40 2002/2006 2007*

11,80 10,30 10,50

8,50 8,50

Fonte: BIRD, FMI, UNTACT, apud Delfim Neto, A. (2007)

2. Pela primeira vez na histria, o Brasil exportou mais para os pases em desenvolvimento do que para os pases desenvolvidos. Em 2006, o valor das exportaes brasileiras para os pases em desenvolvimento somou US$ 67,8 bilhes, enquanto as exportaes para os pases desenvolvidos foram de US$ 67,2 bilhes. Entre as razes apontadas para essa mudana, h o fato de os pases em desenvolvimento estarem crescendo e comprando mais alimentos e produtos bsicos, itens importantes de nossa pauta de exportao; o protecionismo dos pases ricos para esses mesmos produtos;

-3,10

2,80 3,40

5,00

PARTE I

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a pauta bastante diversificada dos produtos brasileiros e a perda de competitividade e de mercados para os produtos manufaturados nos pases ricos devido valorizao do cmbio. H que se considerar, ainda, o prprio esforo da atual poltica externa brasileira de intensificar as chamadas relaes SulSul, que na prtica representa um esforo maior de aproximao econmica e poltica entre os pases em desenvolvimento. Segundo o ex-Ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, esses nmeros mostram que as empresas descobriram que existem outros mercados a explorar alm dos tradicionais e que se trata de uma tendncia irreversvel (BARROS, 2007, p. B1).

Exportaes do Brasil70 60 50 US$ bi 40 30 20 10 0

59,8 52,4

56,4

62,7

67,8

42,8

2004 Pases desenvolvidos

2005

2006

Pases em Desenvolvimento

Fonte: MDIC

3. Desde 2000, o comrcio Brasil-sia apresentou um crescimento de 193%, com destaque para a China e para ndia, cujo crescimento foi, respectivamente, de 610% e 394% no perodo considerado. Esses dados revelam o potencial de crescimento de comrcio entre o Brasil e os pases da sia. O conjunto de 21 pases que constituem a rea de Cooperao sia-Pacfico (Apec), entre os quais se incluem Rssia e China, representa cerca de 46% do PIB mundial. Em agosto de 2007

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realizou-se, em Braslia, o 3 Foro de Cooperao Amrica Latina sia do Leste (Focolal), onde se evidenciou o mtuo interesse dos pases latinos e asiticos de intensificarem as trocas comerciais e a interconexo das respectivas cadeias produtivas e investimentos recprocos (MARIN, 2007a, p. B1).

US$ bilhes

7.723

936 1.474 2.410

1.962 3.106 5.068

3.829 3.839

731 737 1.468

647 901 1.548

Tailndia

Malsia

JapoExportaes

IndonsiaImportaes

481 650 1.131

ndia

Coria do Sul

Cingapura

943 1.188 2.131

Corrente de Comrcio

Fonte: MDIC

4. Com relao China, o comrcio bilateral entre os dois pases j se encontra, em 2007, na casa dos US$ 20 bilhes. A China j o segundo parceiro comercial do Brasil, atrs apenas dos Estados Unidos, superando a Argentina que sempre ocupou essa posio. Se considerarmos, entretanto, que as exportaes e importaes chinesas devem chegar, em 2007, casa dos US$ 2 trilhes, a participao brasileira no comrcio global chins mal chega a 1%, com o agravante de que mais de 90% de nossas importaes da China so de produtos industriais, enquanto 65% de nossas exportaes para aquele pas so de soja e minrio de ferro. Existe, portanto, um enorme potencial de crescimento do comrcio bilateral entre os dois pases. A misso brasileira chefiada pelo secretrio-executivo do Ministrio do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, acompanhado de 34 empresrios brasileiros que visitou a China em setembro de 2007 para discutir acordos de harmonizao estatstica para

8.399 7.989 China

16.389

Comrcio Brasil-sia (2006)

PARTE I

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melhorar o controle dos fluxos de comrcio entre os dois pases revela a importncia crescente do comrcio bilateral entre Brasil e China. A economia chinesa, medida pela paridade do poder de compra, j representa 50% do PIB dos Estados Unidos. Entre 2002 e 2006, respondeu por 1/3 do crescimento do planeta (ROMERO, 2008, p. A2). A crescente necessidade da China de recursos, para alimentar uma economia que cresce continuamente a taxas de cerca de 10% ao ano nos ltimos 20 anos, tem fomentado suas relaes comerciais com pases ricos em matrias-primas, mantendo aquecido o mercado mundial de commodities. A China , atualmente, o segundo maior consumidor de petrleo do mundo, atrs apenas dos Estados Unidos, e compra quantidades crescentes de minrio de ferro, cobre, nquel e alumnio (TREVISAN, 2006, p. 5). O consumo chins de alumnio, cobre, nquel e minrio de ferro, como frao do consumo mundial dessas mercadorias, saltou de 7% em 1990 para 20% em 2005. Em 2004, a China respondeu por 31% do aumento da demanda de petrleo (ZWEIG; JIANHAI, 2004, p. 25). Entre 2002 e 2006, a respondeu por 29% do crescimento global (LAMUCCI, 2007, p. A4).

5. As relaes Brasil-ndia adquirem cada vez mais importncia. Aps uma reduo das exportaes do Brasil para aquele pas de US$ 621 milhes, em 1994, para US$ 285 milhes, em 2001, houve uma retomada das relaes bilaterais de comrcio. As trocas bilaterais, entre 2004 e 2006, dobraram, alcanando US$ 2,4 bilhes. Entre 2000 e 2006, as exportaes brasileiras do Brasil para a ndia apresentaram um aumento de 331%, alcanando US$ 936 milhes e as importaes subiram 444% e atingiram o valor de US$ 1,474 bilho. Da mesma forma que em relao China, as exportaes brasileiras concentram-se em produtos bsicos e relativamente poucos itens. Petrleo, sulfetos de minrio de cobre e leo de soja responderam por 48% dos embarques brasileiros para a ndia. Em discurso no encerramento do Seminrio Empresarial ndiaBrasil, paralelo visita oficial do presidente Lula ndia em

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junho de 2007 o governo brasileiro anunciou o objetivo de quadruplicar as trocas comerciais entre os dois pases em quatro anos e alcanar US$ 10 bilhes em 2010. (MARIN, 2007b, p. B13). Vigora atualmente um acordo de preferncias tarifrias entre a ndia e o Mercosul que envolve 20% das linhas tarifrias entres esses parceiros cerca de 900 produtos mas existe a possibilidade de se ampliar essa preferncia para 50%. A ampliao das preferncias depende, contudo, da ratificao do acordo inicial pelo Congresso do Brasil, o qual j foi aprovado pela Argentina, Paraguai e Uruguai, mas segue pendente no Parlamento brasileiro, apesar do apoio do governo. O acordo assinado em 2004 reduz a zero as tarifas para 3% dos produtos, reduz em 20% as tarifas para 10% dos produtos e em 10% para 87% das mercadorias. Segundo estudos de inteligncia comercial realizados pelo Itamaraty, h fortes oportunidades para o comrcio de produtos como leo de soja, minrio de ferro, couro, celulose e papel, produtos da indstria automotiva e de equipamentos para produo de lcool. Recentemente, 32 empresas indianas investiram no Brasil, principalmente em informtica e servios. Atradas pela disponibilidade de mo-de-obra de baixo custo, pela produtividade do desenvolvedor de software brasileiro, por um fuso horrio mais adequado ao atendimento de clientes nos Estados Unidos e na Europa, alm da semelhana entre os processos bancrios, diversas empresas indianas apostam no Brasil como plataforma de exportao de servios de TI. A TCS (Tata Consultancy Services), brao na rea de servios do grupo Tata, do empresrio Ratan Tata, cujas 96 empresas produzem de ch a automveis, e que tm um valor de mercado de US$ 57 bilhes, instalou-se no Brasil em 2005 e deve terminar 2007 com cerca de 2000 funcionrios (TREVISAN, 2007, p. B1). No sentido oposto, empresas brasileiras investiram naquele pas em minerao e engenharia, dada o grande potencial existente naquele pas na rea de infra-estrutura, na qual se estima, sero necessrios investimentos de US$ 320 bilhes (MOREIRA, 2007, p. A5) e h planos de investimento de US$ 120 bilhes entre 2007 e

PARTE I

39

2012 (LEO, 2007, p. A6). No plano geopoltico, observa-se uma crescente aliana entre os dois pases nos diversos fruns multilaterais com mandato global, como a OMC e a ONU, em torno de temas que vo desde a Rodada Doha at o Conselho de Segurana da ONU, passando pelo acordo comum dos dois pases com a frica do Sul, conhecido como IBAS.

6. No caso da Rssia, a aproximao poltica e econmica do Brasil tambm tem apresentado importantes avanos. A pauta de intercmbio comercial bastante variada. As crises financeiras que atingiram os dois pases (1998/1999) afetaram a balana comercial, mas observou-se recuperao a partir de 2001. Entre 2002 e 2005, as exportaes brasileiras para a Rssia aumentaram de US$ 1,252 bilho para US$ 2,917 bilhes. A aproximao poltico-diplomtica, que incluiu visita do Presidente Fernando Henrique a Moscou em 2002, do Presidente Putin ao Brasil, em 2005, resultou em importantes acordos de cooperao cientfico-tecnolgica. A Rssia vem procurando diversificar sua economia, e vem dando grande ateno cooperao com o Brasil nos segmentos de altas tecnologias, em especial nos setores da gerao de energia, aeroespacial e defesa. Entre 1999 e 2007 a economia russa cresceu 69% e suas exportaes de gs e petrleo saltaram de U$ 76 bilhes para US$ 350 bilhes (WOLF, 2008, p. A11). A agenda de reformas que o governo russo vem promovendo para dinamizar sua economia tem inmeros elementos em comum a atual agenda brasileira. O governo russo est realizando um conjunto de reformas macro e microeconmicas, entre as quais se destacam a reduo da carga tributria sobre as atividades produtivas, medidas de apoio exportao, melhora da gesto corporativa visando dar maior transparncia financeira s empresas russas, o desenvolvimento de um sistema de crditos hipotecrios e ativao dos bancos russos de fomento.

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CONCLUSO A agenda de pesquisa sobre os BRICs nos parece bastante promissora. A diversidade dos estudos aqui apresentados, sua riqueza terica e as pistas que abrem para pesquisas futuras so a demonstrao factual dessa afirmativa. Sem querer fechar prematuramente uma agenda que mal se abre, duas linhas de investigao esto claramente delineadas: 1. As mudanas necessrias na ordem internacional tendo em vista a necessidade de adaptar a superestrutura institucional a uma nova realidade econmica e poltica mundial no mais condizente aquela herdada da Segunda Guerra Mundial, consubstanciada nas chamadas instituies de Bretton Woods. A poca dos imprios e do mundo eurocntrico acabou, mas o arcabouo institucional que o sustenta, mesmo carcomido, continua em p. A violncia com que o imprio americano age e reage no mundo, cujo exemplo mais conspcuo a Guerra do Iraque, mais sinal de fraqueza do que fora; a expresso do que Giovanni Arrighi de forma esclarecedora denomina dominao sem hegemonia. (ARRIGHI, 2007 p. 175). 2. A importncia dos estudos de polticas comparadas dos pases em desenvolvimento. A tentativa de entender o sucesso ou fracasso das polticas econmicas dos pases em desenvolvimento a partir da agenda da boa governana preconizada pelo Consenso de Washington est claramente superada. O paradigma terico a ele subjacente um velho barril que no suporta mais a presso do vinho novo, representando pelo sucesso de economias emergentes como a China e a ndia.

PARTE I

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A INSERO DE BRASIL E CHINA NO PROCESSO DE GLOBALIZAO - 1980 - 2002

Marcos Cordeiro Pires11 INTRODUO

uma tarefa spera comparar dois pases com processos sociais to diferentes quanto Brasil e China no perodo de 1980 a 2002. Em princpio, um leitor mais exigente poderia dizer que se trata de uma comparao entre gua e azeite. No obstante, o exerccio intelectual de analisar este assunto se justifica por tentar compreender duas estratgias polticas de insero na economia mundial que apresentaram resultados dspares, e buscar apreender as especificidades de cada experincia. As trajetrias econmicas do Brasil e da Repblica Popular da China apresentam sentidos diferentes no perodo de 1980 a 2006. Enquanto o primeiro amarga um longo perodo de estagnao, a segunda apresenta um vigoroso crescimento no mesmo intervalo de tempo. Isto provoca surpresa, pois entre 1930 e 1980 o Brasil foi um dos pases que apresentou os maiores ndices de crescimento econmico do mundo, em mdia de 6,5%.

Professor do Departamento de Cincias Polticas e Econmicas da Faculdade de Filosofia e Cincias Unesp Marlia - [email protected]

1

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Porm, no perodo 1980-2006, a mdia de crescimento do Produto interno foi de apenas 2,5%. Em contrapartida, a Repblica Popular da China, aps 150 anos de estagnao, que coincidiram com a decadncia do Imprio e as guerras civis do perodo republicano, apresentou um crescimento mdio anual de 5,0%, entre 1949 e 1980, e 10% no perodo de 1980-2006. O grfico 1, que trata da evoluo do PIB neste perodo, ilustra esta afirmao.1200

1000

800

600

400

200

0 1983 2003 1981 1982 1985 1987 1988 1990 1991 1993 1994 1996 1997 1999 2000 2002 2005 2006 1980 1984 1986 1989 1992 1995 1998 2001 2004

China

Brasil

Grfico 1 Evoluo do PIB de Brasil e China 1980-2006 ndice: 1980=100.Fonte: Elaborado pelo autor a partir de dados extrados de: Brasil: IBGE/SCN; China NBS.

Do que se pode depreender da leitura do grfico 1, o PIB brasileiro cresceu neste perodo apenas 75%, enquanto que o chins cresceu mais de 1.100%! Em linhas gerais, podem ser mencionados alguns eventos que podem dar pistas sobre o desempenho de cada pas. No Brasil, a crise da dvida externa e a conseqente crise fiscal que a acompanhou, entre 1981 e 1994, em conjunto com a adoo de polticas inadequadas, foram responsveis pela estagnao; na China, a poltica de modernizao implementada

PARTE I

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pelo Partido Comunista Chins e acelerada sob a liderana de Deng Xiaoping, a partir de 1978, pode ser responsabilizada pelo vigoroso crescimento. No primeiro, como forma de superar a dcada perdida foram adotadas as polticas neoliberais impostas pelos organismos financeiros internacionais; na segunda, foram introduzidos mecanismos de mercado, entre os quais o investimento externo teve um papel significativo, sob o controle poltico do Estado. No primeiro, foi aplicado o receiturio conhecido como o Consenso de Washington; no segundo, uma estratgia de liberalizao sob controle do Estado, um modelo recm batizado Consenso de Pequim. Se observados superficialmente, tais processos histricos parecem ser excludentes, j que o Brasil estagnou e a China cresceu rapidamente. No entanto, eles pertencem a nico processo scio-econmico, que inspirou a reestruturao produtiva em nvel mundial aps o incio da longa recesso iniciada nos anos (19)70, no caso as polticas de liberalizao, desregulamentao e privatizao, vulgarizadas como neoliberalismo. As idias de liberalizao, desregulamentao, privatizao, abertura econmica e financeira floresceram nos anos (19)80, fosse pela influncia de Margareth Thatcher e Ronald Reagan, fosse sob as condicionalidades impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial aos pases subdesenvolvidos (particularmente os da Amrica Latina) no bojo das renegociaes da dvida externa. Essas idias foram popularizadas como o Consenso de Washington, termo cunhado por John Williamson, em 1989, aps uma reunio do Instituto de Economia Internacional, que contou com a presena, entre outros, de economistas do FED, do FMI, do BIRD e do BID. Posteriormente, nos anos (19)90, foram aplicadas nas economias do antigo Bloco Sovitico, como um tratamento de choque para recriar o sistema capitalista naqueles pases. O resultado dessas polticas foi a abertura forada de mercados e a possibilidade de as empresas multinacionais usufrurem mundialmente de diversas vantagens como o diferencial de salrios, o cmbio desvalorizado, o tamanho do mercado de consumo, as matrias-primas e fontes energticas baratas, mercado

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de trabalho desregulamentado, taxas de juros baixas, baixas restries ambientais etc. importante frisar que as regras do jogo que aparentemente estavam disposio tanto da China como dos pases latino-americanos levaram a caminhos opostos, refletindo a ao poltica de cada uma das elites nacionais. Na Amrica Latina o resultado final da integrao forada ao sistema econmico mundial foi o fracasso, que se verificou entre 1998 e 2001 na totalidade dos pases da regio, excetuando Cuba. evidente que cada pas tem suas idiossincrasias, mas o fracasso generalizado na estratgia de integrao subordinada ao receiturio de Washington deve indicar algum mal congnito desse projeto. Em contraposio, apesar de a China apoiar seu desenvolvimento nesse mesmo ambiente mundial de liberalizao, seu resultado foi o inverso daquele alcanado pelos pases da Amrica Latina. Para responder a essa situao, preciso compreender alguns aspectos da estratgia em que se baseou a experincia chinesa, como quatro mil anos de histria, o poder poltico centralizado em Pequim sob o controle do PCCh e as aes econmicas descentralizadas entre provncias e municipalidades; a estratgia de soltar as pequenas e reter as grandes empresas estatais e reuni-las em grande conglomerados; a poltica de priorizar a educao, tal como fizeram antes Taiwan, Coria do Sul ou Singapura; negociar o ingresso de empresas multinacionais mediante o compromisso de transferncia de tecnologia e dentro dos objetivos nacionais; estimular uma poltica das inovao tecnolgica; o cmbio desvalorizado etc.. Tais caractersticas se distanciam bastante de polticas do Consenso de Washington, apesar de estarem inseridas num contexto por ele determinado. Joshua C. Ramo, ex-editor da revista Times, denominou a estratgia chinesa de desenvolvimento como o Consenso de Pequim, num texto publicado em 2004 pelo The Foreign Policy Centre, do Reino Unido, num claro contraponto ao Consenso de Washington. Antes de buscar explicaes econmicas, o autor privilegiou outros aspectos como a liderana do Estado, as polticas pblicas e o consenso social por detrs de uma estratgia de

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desenvolvimento. De acordo com Ramo, so trs as caractersticas centrais (ou como ele denomina, os teoremas) que explicam o sucesso chins: (a) os investimentos em alta tecnologia, inovao e educao; (b) o crescimento econmico acompanhado de medidas que garantam maior equidade e sustentabilidade; e (c) um ambiente de mobilizao nacional, denominado por ele de autodeterminao. Tais estratgias se inserem num projeto nacional de reerguimento da China, cujo marco foi a vitoriosa Revoluo de 1949. No entanto, antes de se contraporem, preciso reafirmar que ambos os consensos fazem parte de um mesmo processo, cada um alimentando o outro. o custo China que fora para baixo os custos produtivos em escala mundial. a estrutura produtiva chinesa que leva runa estratgias de sindicatos de trabalhadores de defender empregos e salrios em cada nao Alm disso, as exportaes chinesas, cuja taxa de expanso tem se situado acima de 20% ao ano na ltima dcada, tem permitido uma reduo da inflao mundial, ao baratear o preo de bens de consumo.. Ademais, o grand