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70 R Dental Press Estét, Maringá, v.2, n.1, p. 70-81, jan./fev./mar. 2005
Artigo Inédito
Novo conceito para retenção intra-radicular: Preparo endodôntico para pinos de fibraLeonardo Muniz*
* Mestre em Clínica Odontológica pela FO-UFBA, Professor de Dentística e Clínica integrada da FBDC, Especialista em Endodontia pela FO-UFBA.
ResuMoOs benefícios dos pinos de fibras são reconhecidos, porém em dentes com mínimo remanescente coroná-rio têm sido relatados freqüentes deslocamentos desses pinos, que ocorrem pela dificuldade de adesão no substrato intra-radicular. Den-tre os diversos fatores que contri-buem para estes deslocamentos, o elevado fator configuração cavitá-ria (fator C) do canal radicular e a
PaLavRas-chave: Pinos. Adesão. Retenção.
impossibilidade de se utilizar uma técnica incremental de inserção do cimento resinoso são determinan-tes. Aliado a isso, a falta de adapta-ção do pino em relação às paredes do canal radicular implica numa maior necessidade de cimento re-sinoso, aumentando o estresse na interface adesiva durante a contra-ção de polimerização. Consideran-do a possibilidade de se melhorar a longevidade das restaurações asso-
ciada a pinos, este artigo apresenta uma técnica de preparo para pinos de fibras que objetiva um desgas-te planejado durante o tratamen-to endodôntico, favorecendo uma justaposição do pino em relação às paredes do canal radicular, o que aumenta a retenção mecânica e re-duz o volume de cimento resinoso e, conseqüentemente, o estresse na interface adesiva durante a con-tração de polimerização.
Leonardo Muniz
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IntRodução
Na última década, a reabilitação dos dentes
tratados endodonticamente obteve avanços ex-
pressivos com o surgimento dos pinos de fibras.
Ao contrário dos pinos metálicos e cerâmicos,
esses pinos, independentemente do tipo de fibra,
apresentam módulo de elasticidade próximo ao
da dentina, permitindo a distribuição mais unifor-
me das forças mastigatórias para o remanescen-
te dental, de forma que fraturas radiculares não
são relatadas2, 5 . Além disso, os pinos de fibra não
sofrem corrosão, permitem a economia de tecido
dental e um bom resultado estético3.
Apesar dos benefícios, há uma certa cautela na
indicação dos pinos de fibra, principalmente pela
dificuldade de adesão no interior do canal radicular,
o que pode determinar o deslocamento do pino3, 4.
Essa dificuldade é freqüentemente explicada pela
sensibilidade da técnica adesiva às condições do
substrato, aos materiais e técnicas de cimentação
e à quantidade de tecido coronário remanescen-
te disponível para a adesão. Destacam-se ainda, a
utilização de substâncias químicas e cimentos no
tratamento endodôntico que influenciam na re-
tenção dos pinos intra-radiculares8, 9; a dificuldade
na remoção da guta-percha e cimento obturador,
reduzindo a área disponível para adesão; e a incer-
teza da completa polimerização do adesivo4, 6, 7 .
Além das dificuldades abordadas, o fator con-
figuração cavitária do canal radicular (Fator C) é
muito alto1, o que determina um elevado estres-
se na interface adesiva durante a contração de
polimerização dos materiais resinosos. Recente-
mente, observou-se, em teste push-out, maiores
valores de retenção no terço apical, quando com-
parado ao terço cervical do preparo para pino, o
que foi justificado pela maior volume de cimen-
to resinoso no terço cervical8. Já no terço apical
a proximidade do pino em relação às paredes do
canal, segundo os mesmos autores, favorece a
retenção mecânica do pino e reduz o estresse de
polimerização em função da menor espessura de
cimento resinoso.
Nessa perspectiva, a busca por um preparo que
possibilite uma íntima relação do pino com as pa-
redes do canal é justificada e, quando aliada a um
desgaste mínimo e planejado da raiz, possibilita
menor perda de resistência dental, pois a dentina
desgastada torna o dente mais frágil5.
Considerando o exposto, este artigo tem
como objetivo sugerir um novo conceito e téc-
nica para a modelagem do canal radicular, onde a
partir do diagnóstico e planejamento integrado,
o pino é selecionado antes do tratamento endo-
dôntico e, durante o preparo do canal, se realiza
a modelagem para a cimentação do pino com os
alargadores referentes ao mesmo, racionalizando
o desgaste de dentina.
PRePaRo endodôntIco PaRa PInos de FIbRa
Para ilustrar esta técnica será apresentado um
caso clínico, com o consentimento do paciente,
onde se utilizou pinos de fibra de vidro (FRC-Pos-
tec – Ivoclar/Vivadent) visando a reabilitação do
incisivo central superior direito (ICSD) e do incisi-
vo lateral superior esquerdo (ILSE) do mesmo.
diagnóstico, planejamento e
seleção do pino
A primeira etapa do tratamento consiste no
diagnóstico e planejamento para a reabilitação
dental. Nessa fase, os profissionais envolvidos
definirão a utilização de pinos, a possibilidade de
preservação de tecido dental e a necessidade de
restauração direta ou indireta. Essa escolha é feita
a partir de um exame clínico-radiográfico (Fig. 1),
considerando o número de dentes envolvidos, o
tecido remanescente, a condição periodontal, a
oclusão e, ainda, a idade e as condições sistêmica
e econômica do paciente.
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Figura 1 - a, b) - Aspecto clínico e radiográfico inicial do paciente; c, d) Visão aproximada do ICSD e do ILSE.
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Estabelecida a necessidade de retenção intra-
radicular, o pino e instrumentos rotatórios para
a modelagem do canal são selecionados, previa-
mente ao tratamento endodôntico. A seleção é
baseada na forma, diâmetro e comprimento da
raiz e do canal radicular, aproximando a radiogra-
fia de diagnóstico e os pinos intra-radiculares ou
imagens dos mesmos (Fig. 2A, B).
Preparo inicial do canal radicular e odontometria
Nesta técnica o endodontista é responsável
pela modelagem anatômica do canal radicular.
Os alargadores selecionados devem ser utiliza-
dos após o alargamento inicial do canal e odon-
tometria. A forma de manipulação do forâme
e técnica de preparo apical não serão descrita
neste artigo, ficando a critério do endodontista.
Modelagem anatômica dos terços cervical
e médio do canal radicular
Estabelecido o comprimento de trabalho e,
após o alargamento inicial dos terços cervical
e médio do canal (Fig. 3), utiliza-se o alargador
referente ao pino selecionado, com um cursor
acoplado determinando uma medida de aproxi-
madamente 4 milímetros aquém do ápice (Fig. 4)
mantendo o canal irrigado.
O primeiro alargador empregado deve ter o
diâmetro inferior ao alargador calibrado com o
pino selecionado, favorecendo uma pré-mode-
lagem do conduto, de forma que a utilização do
segundo alargador resulte em menor desgaste
lateral. Esta manobra possibilita uma maior adap-
tação do pino e, conseqüentemente, uma menor
espessura de cimento resinoso.
No caso selecionado para demonstração da
técnica, foi utilizado o sistema de pinos FRC-Pos-
tec (Ivoclar/Vivadent), o qual apresenta um alarga-
dor-guia com dimensão ligeiramente inferior ao
alargador de canal que é calibrado com o pino.
Figura 2 - a) - Imagem radiográfica utilizada para seleção do pino; b) Pino e alargadores selecionados (FRC-Postec, Ivoclar/Vivadent).
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Figura 3 - Lima posicionada e imagem radiográfica para odontometria no ICSD e no ILSE.
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Figura 4 - Imagem clínica e radiográfica do alargador-guia nº 3 (Ivoclar/Vivadent) posicionado nos 2 incisivos, 4mm aquém do comprimento de trabalho, para o preparo dos terços cervical e médio dos canais radicu-lares.
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Após a utilização do alargador-guia (Fig. 5), o
canal não deve mais ser preparado nos terços
médio e cervical e nem escalonado, pois qual-
quer preparo adicional significa a necessida-
de de uma maior película de cimento resino-
so para a adaptação do pino. Posteriormente,
o terço apical deve ser instrumentado de
acordo com a técnica do endodontista, tam-
bém cabendo ao mesmo a opção de utilizar
medicação intra-canal.
obturação e desobstrução do canal radicular
Imediatamente depois da obturação do canal
radicular (Fig. 6), a guta-percha deve ser removi-
da no comprimento referente à preparação para
o pino (Fig. 7A, B) com um instrumento aque-
cido. O uso dos alargadores durante o preparo
facilita essa etapa (Fig. 7C).
O Preparo Trans-Endodôntico para Pinos
de Fibra permite uma integração do endo-
dontista com as demais especialidades e,
após o preparo, o endodontista deverá reen-
viar o paciente para o profissional ou poderá
cimentar o pino, se solicitado.
Figura 5 - Vista oclusal do ICSD antes e depois da utilização do alargador-guia.
Figura 6 - Imagem radiográfica evidenciando a obturação dos canais ra-diculares.
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Refinamento do preparo e teste do pino
Na sessão de cimentação do pino, o canal deve
ser irrigado com álcool e utilizado o alargador ca-
librado com o pino selecionado. Após o preparo,
o pino deve ser testado para confirmação da sua
adaptação clinicamente e pela imagem radiográfica
(Fig. 8). O preparo do pino e do substrato intra-radi-
cular deve ser realizado para a cimentação adesiva,
obedecendo às recomendações do fabricante.
O importante da técnica proposta é que nor-
malmente há um perfeito ajuste entre o pino e as
paredes do canal, reduzindo consideravelmente a
película de cimento resinoso (Fig. 9, 10, 11).
dIscussão
O Preparo Endodôntico para Pinos de Fibra é
indicado em casos de tratamento ou retratamen-
tos de canais radiculares relativamente estreitos
ou insuficientemente alargados.
Esta técnica implica num preparo onde haverá
a necessidade de mínima quantidade de cimento
resinoso, reduzindo o estresse durante a contra-
ção de polimerização, o que no canal radicular
poderá ser crítico por apresentar um elevado fa-
tor de configuração cavitária1. A proximidade do
pino em relação às paredes do canal aumenta sua
retenção mecânica8.
Figura 7 - a) - Imagem radiográfica mostrando a desobstrução dos canais radiculares conservando aproximadamente 4mm de guta-percha; b) Vista oclusal dos dentes após a desobstrução dos terços cervical e médio nos 2 incisivos; c) Notar o menor diâmetro do calcador intra-canal quando com-parado ao alargador-guia nº 3, o que facilita a desobstrução do canal.
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Quanto aos alargadores, os mesmos po-
dem ser utilizados nas fases iniciais do pre-
paro endodôntico, porém em casos de canais
atrésicos, principalmente, molares e pré-mo-
lares ou dentes ântero-inferiores com mais
de um conduto, a utilização do alargador
será mais adequada ao final do preparo do
canal. Quanto à forma do pino, a necessidade
de uma preparação cônica para melhor aces-
so ao terço apical durante o tratamento en-
dodôntico, torna o emprego de pinos cônicos
mais adequado.
As condições de curvatura e a presença de
reabsorções radiculares deverão ser respeita-
das para a determinação do comprimento do
pino. Considerando as dificuldades do preparo
para o pino, torna-se vantajoso o planejamento
integrado e o desgaste realizado pelo endo-
dontista e/ou pelo profissional com o conheci-
mento da anatomia intra-radicular. Dessa for-
ma, a possibilidade de erros será menor, uma
vez que a utilização do alargador ocorre após
a exploração do canal, sendo reconhecidos o
comprimento e detalhes anatômicos da raiz.
Figura 8 - a, b) - Posicionamento dos pinos e confirmação radiográfica da adaptação dos mesmos nos 2 dentes. Notar a proximidade dos pinos em relação às paredes dos canais; c) Vista oclusal após o corte dos pinos.
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Figura 10 - a) - Imagem radiográfica demonstrando a fina camada de cimento resinoso utilizada nos 2 dentes; b) Radiografia realizada após 5 meses sugerindo uma regressão parcial da lesão periapical nos ICSD e ICSE.
Figura 9 - a, b) - Vista oclusal dos pinos prontos para cimentação, evidenciando a perfeita adaptação dos mesmos em relação às paredes dos canais.
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Figura 11 - a, b) - Corte longitudinal de um dente extraído evidenciando a adaptação do alargador de canal nº 3 (Ivoclar/Vivadent) e do pino FRC Postec nº 3 em relação às paredes do canal; c) Imagem radiográfica confirmando a adaptação do pino.
A Odontologia inicia uma nova fase onde
mais importante do que a forma de se restaurar
o dente tratado endodonticamente é o planeja-
mento do tratamento endodôntico para a rea-
bilitação dental.
consIdeRaçÕes FInaIs
O preparo endodôntico para pinos de fibra
não deve ser entendido como uma técnica de
instrumentação do canal radicular, mas um re-
curso técnico que permite, a partir de uma in-
teração da Prótese e da Dentística com a Endo-
dontia, favorecer a seleção de um pino e preparo
do canal radicular, objetivando uma redução de
desgastes desnecessários, que prejudicariam a
resistência da raiz e a retenção do pino.
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New concept for intra-radicular retention: Endodontic preparation for fiber postsThe benefits of fiber posts are known, however in
teeth with little coronary remainder, there have
been frequent reports of displacements of these
posts occurring, because it is difficult for them
to adhere to the intra-radicular substrate. Among
the various factors that contribute towards these
displacements, the high cavitary configuration
factor (factor C) of the root canal and the
impossibility of using an incremental resin cement
insertion technique are determinant. In addition to
this, the lack of post adaptation to the root canal
walls means that more resinous cement is required,
thus increasing the stress at the adhesive interface
during polymerization shrinkage. Considering
the possibility of improving the longevity of
restorations associated with posts, this article
presents a preparation technique for fiber posts,
whose object is planned wear during endodontic
treatment, favoring a juxtaposition of the post in
relation to the root canal walls, which increases
the mechanical retention and reduces the volume
of resinous cement and, consequently, the stress
at the adhesive interface during polymerization
shrinkage.
KEY WORDS: Posts. Adhesion. Retention.
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Leonardo MunizAv. ACM, 2671, Ed. Bahia Center, Sala 305, CidadelaSalvador-BA - CEP: 40180-100. e-mail: [email protected]
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