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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos nas conferências aqui publicadas. Novembro 2008 644 v. 54 Sumário Sobre Terrorismos ................................................... 3 Antonio Celso Alves Pereiea A Terceira Abertura dos Portos – A Reforma Portuária e o Interesse Nacional ........................... 42 Juan Clinton Llerena Os 20 Anos da Constituição Federal de 1988 ........ 67 J. Bernardo Cabral Síntese da Conjuntura Expectativas Inflacionárias ................................... 84 Ernane Galvêas Problemas Nacionais Conferências pronunciadas nas reuniões semanais do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo

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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidosnas conferências aqui publicadas.

Novembro2008

644v. 54

Sumário

Sobre Terrorismos ................................................... 3Antonio Celso Alves Pereiea

A Terceira Abertura dos Portos – A ReformaPortuária e o Interesse Nacional ...........................42Juan Clinton Llerena

Os 20 Anos da Constituição Federal de 1988 ........ 67J. Bernardo Cabral

Síntese da ConjunturaExpectativas Inflacionárias ...................................84Ernane Galvêas

Problemas NacionaisConferências pronunciadas nas reuniõessemanais do Conselho Técnico daConfederação Nacional do Comérciode Bens, Serviços e Turismo

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Solicita-se aos assinantes comunicarem qualquer alteração de endereço.

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A íntegra das duas últimas edições desta publicação estão disponíveis noendereço www.portaldocomercio.org.br, no link Produtos e Serviços –Publicações – Periódicos.

Publicação MensalEditor-Responsável: Gilber to PaimProjeto Gráfico:Coordenação de Documentação e Informação/Unidade de Programação VisualImpressão: Imo’s Gráfica

Carta Mensal |Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços eTurismo – v. 1, n. 1 (1955) – Rio de Janeiro: CNC, 1955-

100 p.MensalISSN 0101-4315

1. Problemas Brasileiros – Periódicos. I. Confederação Nacional doComércio de Bens, Serviços e Turismo. Conselho Técnico.

Confederação Nacional do Comérciode Bens, Serviços e Turismo

v. 54, n. 644, Novembro 2008

BrasíliaSBN Quadra 01 Bloco B no 14, 15o ao 18o andarEdifício Confederação Nacional do ComércioCEP 70041-902PABX (61) 3329-9500 | 3329-9501E-mail: [email protected]

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3Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

1) Introdução

O terrorismo, em suas mais variadas manifestações, é uma for ma violenta de ação política que investe contra as liberdades

fundamentais e a democracia, espalha o medo, viola a soberaniados Estados, desestabiliza governos legitimamente constituídos,criando, assim, sérios obstáculos à segurança e à paz mundial.

Praticado por indivíduos, por grupos ou por Estados, o terrorismose manifesta, em cada época histórica, com características espe-ciais. Assim, aparece, entre outras causas, motivado pela força demovimentos ideológicos, pelo fervor fundamentalista de religiõesbeligerantes, pela ambição do expansionismo militar, político e eco-nômico de Estados, pelos projetos de libertação nacional, ou pelodesejo de grupos ou indivíduos de conquistar ou manter o poder nointerior do Estado.

Sobre Terrorismos

Antonio Celso Alves PereiraProfessor de Direito Internacional Público e ex-Reitor da Universidade doEstado do Rio de Janeiro – UERJ. Professor de Relações Internacionais daUniversidade Federal do Rio de Janeiro. Presidente da Sociedade Brasileira deDireito Internacional.

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4 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

Nestes tempos iniciais do Terceiro Milênio, o terrorismo entrou demaneira trágica e definitiva na agenda internacional, a partir dosatentados do dia 11 de setembro de 2001. Não se trata mais deação política violenta, com implicações estritamente locais, comoacontecia nos séculos anteriores. Nos séculos XIX e nos primeirosanos do século XX, por exemplo, o terrorismo era um fenômenointerno, portanto, espacialmente limitado. Constituía-se em açõesdesesperadas e violentas, praticadas por pequenos grupos ideológi-cos e, às vezes, por indivíduos isoladamente, com a finalidade dederrubar um regime político, eliminar pessoas e governos tirânicos,ou, como pretendiam os anarquistas, negar todos os valores estabe-lecidos, suprimir todo e qualquer tipo de autoridade, em suma, li-quidar com o Estado e a propriedade. Eram, portanto, grupos ideo-logicamente definidos, e que, a exemplos de todos os outros gruposradicais da época, como os de inspiração nacionalista, cometiamatentados apenas contra as autoridades públicas; não era o assassi-nato aleatório do terrorismo de hoje.

Foi com esse espírito que, de 1865 a 1914, nacionalistas e anar-quistas mataram reis, presidentes, primeiros-ministros e outras au-toridades em vários países da Europa e nos Estados Unidos. Em1897, um anarquista italiano assassinou o primeiro ministro espa-nhol, Antonio Cánovas de Castillo. Após uma sucessão de atenta-dos a bomba contra várias autoridades francesas, outro anarquistaitaliano, Jerônimo Santo Caserio, em 24 de junho de 1894, ma-tou a punhaladas o Presidente da França, Sadi Carnot. NaSuíça, Luigi Luccheni, também anarquista, em 1898, agindo porconta própria, com o punhal que ele próprio construíra em casa apartir de uma velha lima, uma vez que lhe faltava o recurso neces-sário – doze francos – para comprar um estilete, assassinou a impe-ratriz Elizabeth da Áustria (Sissi). Na Rússia, até ser completamen-

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5Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

te exterminada, em 1885, pela repressão czarista, a Narodnaya Vo-lia – Vontade do Povo –, organização terrorista de inspiração soci-alista, cometera dezenas de atentados que culminaram com o as-sassinato do Tzar Alexandre II, atingido por uma bomba, em 1° demarço de 1881.

Na virada de 1899 para 1900, em Monza, Gaetano Bresci, um anar-quista de 31 anos, tecelão de seda em Nova Jersey, matou comquatro tiros de pistola disparados a menos de dois metros de dis-tância, o rei da Itália, Umberto I. Em 1901, Leon Czolgosz, anar-quista americano de 28 anos, influenciado pela doutrina de EmmaGoldman, abateu a tiros de revólver o Presidente dos EUA, Wil-liam McKinley, durante a Exposição Pan-Americana, em Búfalo(New York). E em Portugal, influenciados pela onda de assassina-tos políticos que se sucediam na Europa, Buiça e Costa, na manhãde 1º de fevereiro de 1908, em Lisboa, liquidaram o rei D. Carlos eseu filho, o príncipe herdeiro Luiz Filipe. Nesse rol de assassinatosde altas autoridades em vários países por grupos anarquistas ounacionalistas, por sua importância na história contemporânea, jáque servira aos austríacos de pretexto para declararem guerra à Sér-via, em 28 de julho de 19l4, destaca-se o atentado perpetrado emSarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, por Gravilo Princip, estu-dante bósnio de dezenove anos, pobre e tuberculoso, que matou oarquiduque Francisco Ferdinando e sua mulher Sophie, herdeirosdo trono do Império Austro-Húngaro.1 Como já foi dito, esse aten-tado terrorista é apontado, quase sempre, como causa da eclosãoda Primeira Guerra Mundial; entretanto, tal fato “proveu não a cau-sa, mas apenas a ocasião para que, primeiro os Bálcãs, depois aEuropa e em seguida o resto do planeta pegassem em armas”.2 Essaforma de terrorismo, praticada por pequenos grupos de idealistas, e

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6 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

muitas vezes por indivíduos isoladamente, pode-se dizer, extinguiu-se com a Primeira Guerra Mundial. Contudo, duas exceções à natu-reza seletiva desses atentados, podem ser apontadas como precur-soras do atual terrorismo. Em 1912, apareciam os primeiros atosterroristas com as características de hoje. Macedônios, hostis à Tur-quia, colocaram bombas em composições ferroviárias transportan-do passageiros em território turco. Por outro lado, durante o séculoXIX, apenas se tem notícia de um atentado que pode ser classifica-do como de massa: em 4 de maio de 1886, nos Estados Unidos, umgrupo anarquista fez explodir uma bomba durante uma passeata desindicalistas em Chicago matando onze pessoas e ferindo mais decem.

Na segunda metade do século XX o terrorismo passou a ser formade luta de movimentos políticos e de grupos ideológicos radicais detodos os tipos, à esquerda ou à direita, quase sempre voltados paraa luta de libertação nacional, no contexto do processo de descolo-nização que se processava nos primeiros anos logo após a SegundaGuerra Mundial.

Analisando comparativamente a natureza dos terrorismos do sécu-lo passado com o atual, Bernard Lewis3 comenta que durante osúltimos anos da presença do Império Britânico no Oriente Médio, aInglaterra se viu às voltas com o terrorismo dos gregos em Chipre,dos judeus na Palestina e dos árabes em Aden. Esses movimentos,embora guiados por particularidades políticas que os diferenciavamem suas raízes, tinham em comum o fervor nacionalista e a simila-ridade em suas ações táticas. “Seu propósito – escreve Lewis – erapersuadir o poder imperial de que permanecer na região não com-pensava o custo em sangue. Seu método era atacar militares e, emmenor proporção, pessoal administrativo e bases militares. Todos

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7Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

os três operavam apenas dentro de seu próprio território e geral-mente evitavam danos colaterais”.

2) A polêmica em torno da definição de terrorismo

O dicionário “Aurélio” assim define o terrorismo: 1) “Modo de coa-gir, ameaçar ou influenciar outras pessoas, ou de impor-lhes a von-tade pelo uso sistemático do terror. 2) Forma de ação política quecombate o poder estabelecido mediante o emprego da violência”.Outro dicionário importante da língua portuguesa, o “Houaiss”,4

informando que o termo entrou na língua portuguesa em 1836, re-gistra a seguinte conceituação: “1. Modo de impor a vontade pelouso sistemático do terror. 2. Emprego sistemático da violência parafins políticos, especialmente a prática de atentados e destruiçõespor grupos cujo objetivo é a desorganização da sociedade existentee a tomada do poder. 3. Regime de violência instituído por um go-verno. 4. Atitude de intolerância e de intimidação adotada pelosdefensores de uma ideologia, sobretudo nos campos literário e ar-tístico, em relação àqueles que não participam de suas convicções”.

Em Informe da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas,5

a relatora sublinha, com propriedade, que a palavra terrorismo con-tém uma substancial carga emotiva e política, e que, nessa perspec-tiva, os estudiosos do problema têm destacado, acertadamente, queexiste uma tendência, no âmbito dos círculos que o analisam, deconfundir juízos de valor e qualificar de terrorismo toda atividadeou comportamento violentos aos que se opõem ou, pelo contrário,rechaçar o termo quando se refere a situações com as quais simpa-tizam. Nessa linha, o Informe chama ainda a atenção para o fato deque a palavra terrorismo, quando mencionada, exige, quase sem-

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8 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

pre, opiniões de conteúdo moral (subjetivo): nessa linha, certas for-mas de violência política são justificadas, enquanto outras não osão. Um mesmo tipo de conduta ou comportamento poderá ser con-siderado como terrorismo por determinado observador e, por ou-tro, como ação patriótica, política e moralmente correta.

A palavra “terrorismo” apareceu pela primeira vez em 1798, noSuplemento do Dicionário da Academia Francesa. Referia-se aoregime de terror em que a França mergulhara entre setembro de1793 e julho de 1794, sob o comando de Robespierre. Este, à fren-te do Comitê de Salvação Pública da Convenção Nacional, justifi-cava a violência apontando-a como a única medida eficaz para conteras ações contra-revolucionárias. Em apenas dez meses, 16.594 acu-sados de conspiração foram guilhotinados, após passarem por pro-cessos sumaríssimos, uma vez que a lei que instituíra o terror esgo-tava o processo no tribunal revolucionário, vedando, assim, qual-quer forma de apelação ou recurso. Portanto, o termo “terrorismo”surgiu, de início, para significar a violência perpetrada pelo próprioEstado contra seus cidadãos.6

A palavra “terror” deriva dos verbos latinos terrere e territare, quesignificam atemorizar, espantar.7 A utilização do terror como formade ação política sempre esteve presente na história da humanidade.Na Antiguidade o terrorismo foi de uso constante na estratégia dedominação de Roma e dos impérios orientais. Os propositais ata-ques às populações civis nos territórios bárbaros pelas legiões ro-manas, ações denominadas “guerras destrutivas”, correspondem aoque hoje chamamos de terrorismo de Estado. “Conquanto muitascampanhas militares romanas foram empreendidas como puniçãopor traição ou rebelião, outras ações destrutivas emanavam do sim-ples desejo de impressionar povos recém-conquistados com o te-

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9Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

mível poder de Roma, e assim (esperava-se) minar qualquer apoio alíderes locais. (...) nesta como em tantas outras coisas, o maior Es-tado da Antiguidade forneceu uma notável quantidade de prece-dentes para muitas repúblicas e impérios que mais tardes surgiramno Ocidente”.8

Na Renascença, Maquiavel receitava o terror como instrumentopara conservar o principado. Assim, deveria o príncipe, sem consi-derações de qualquer ordem, periódica e necessariamente espalharo terror entre os homens, para intimidá-los e submetê-los ao seupoder.

Um dos primeiros teóricos do terrorismo na era moderna foi o ale-mão Karl Heizen, em seu ensaio Der Mord (O assassinato), escritoem 1848. Heizen, democrata radical, afirmava que todos os meioseram justificáveis e deviam ser tentados para acelerar o advento dademocracia:

Se para destruir o partido dos bárbaros for necessário mandar paraos ares a metade de um continente e provocar um banho de sangue,não devemos apelar para nenhum escrúpulo consciência. Quem nãoestá disposto a sacrificar-se, dar a própria vida pela satisfação desaber que vai exterminar um milhão de bárbaros não é um autên-tico republicano.9

Voltando à questão da definição de terrorismo, pode-se afirmar,considerando a complexidade do tema, ou seja, por suas implica-ções não só jurídicas, como também sociais, econômicas e, sobre-tudo, ideológicas, religiosas e políticas, que este é um fenômenoque figura entre as categorias jurídicas de conceito indeterminado.Desde 1937, ocasião em que a Liga das Nações, em razão do assas-sinato do rei da Sérvia, Alexandre I e do ministro do Exterior da

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10 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

França, Louis Barthou, em Marselha, em outubro de 1934, patroci-nou uma Conferência Internacional para nomear a natureza jurídi-ca do terrorismo, defini-lo e estabelecer uma normativa para regu-lá-lo internacionalmente, que se tenta chegar a um conceito de acei-tação geral, o que, até hoje, não se conseguiu. A dificuldade maiorestá no seguinte: como já ficou dito, o que é ato de terrorismo paraum, para outro é luta pela liberdade. “Terroristas são desarraigadosque perderam toda a conexão interior com uma ordem social huma-na regulada. Cheios de ódio a toda e qualquer autoridade, sua in-quietação e impaciência só podem ser mitigadas pelo permanentetormento e preocupação com desintegração de qualquer coisa queexista no momento”. Quem fala assim? Pergunta Norberto Elias. Eele próprio responde: Adolf Hitler, em discurso à nação alemã em30 de junho de 1934.10 Terroristas, segundo o filosofo Roberto Ro-mano, em muitos casos, são paranóicos que almejam o poder e quelutam contra paranóicos que estão no poder.

Os terroristas produzem, sine ira et studio, racionalmente, amorte coletiva. Nenhum defensor dos direitos humanos pode sentirsimpatia por aqueles deuses, pois eles julgam-se acima do humano,imaginando-se os únicos repositórios da Justiça, a quem tudo e to-dos devem obedecer. Se existe poder totalitário, este é do terrorista.Paranóicos que almejam o poder alegam lutar contra paranóicosque já estão no exercício do mando.11

Sabe-se que, desde as primeiras décadas do século passado, deze-nas de definições de terrorismo foram apresentadas sem que qual-quer delas tenha recebido uma consagração geral no âmbito do Di-reito Internacional. Assim, na Convenção para a Prevenção e oCastigo do Terrorismo, aprovada em 1937, que a Segunda Guerra

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11Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

Mundial impediu que entrasse em vigor, em seu artigo 1º, § 2º, apre-sentava a seguinte definição:

atos de terrorismo são ações criminosas dirigidas contra um Estadocom o objetivo de criar um estado de terror na mente de determinadapessoa ou grupos de pessoas ou no público em geral.12

Em 1970 a Comissão Jurídica Interamericana apresentava a seguintedefinição de terrorismo no artigo 4º projeto de Convenção que se-ria apresentado, sem sucesso, à Assembléia Geral Extraordináriaque se reuniria naquele ano:

serão considerados atos de terrorismo os que, entre a população deum Estado ou num setor da mesma, produzam terror ou intimida-ção e criem um perigo comum contra a vida, a saúde, a integridadecorporal ou a sua natureza, possam causar ou causam grandesestragos, perturbações graves da ordem ou calamidades públicas,pelo apoderamento, posse violenta ou sinistro causado a navios,aeronaves ou a outros meios de transporte.

Em 11 de março de 2005, ainda sob o impacto do atentado contraa Estação Ferroviária de Atocha, perpetrado em 2004 pela Al-Qae-da, realizou-se, em Madrid, uma Conferência sobre Terrorismo, con-vocada sob os auspícios das Nações Unidas. O Secretário-geral daentidade, Kofi Annan, exortou os Estados presentes a envidar es-forços no sentido de aprovar uma ampla e completa convençãocobrindo todas as facetas do terrorismo. Nessa oportunidade, KofiAnnan, propôs a seguinte definição para o terrorismo:

Qualquer ato que tem como objetivo causar a morte ou provocarferimentos graves em civis ou qualquer pessoa que não participaativamente das hostilidades numa situação que visa intimidar a

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12 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

população ou compelir um governo ou uma organização internacio-nal a fazer ou a deixar de fazer qualquer ato.

Para o Departamento de Estado dos Estados Unidos a palavra ter-rorismo significa:

violência premeditada, com motivações políticas, perpetrada contraalvos de não-combatentes por grupos ou por agentes clandestinos,geralmente com o propósito de influenciar a opinião pública. Otermo “grupo terrorista” significa qualquer grupo praticante ou quetenha importantes subgrupos que praticam terrorismo internacio-nal. E o termo “terrorismo internacional” significa terrorismo en-volvendo cidadãos ou o território de mais de um país.13

Considerando o que ficou acima exposto, deve-se, contudo, atentarpara o fato de que, nem sempre um ato de violência constitui umaação terrorista, mesmo quando a vítima é uma personalidade políti-ca. A tentativa de assassinato do presidente dos Estados Unidos,Ronald Reagan, em 1981, é um exemplo de violência sem conota-ção política. O autor dos disparos, John Hinckley Jr., agiu isolada-mente, motivado por questões pessoais, e, ao que parece, não pre-tendia com seu ato tresloucado fazer propaganda política ou ideo-lógica. De forma diferente, o assassinato do primeiro-ministro deIsrael, Yitzhak Rabin, em 4 de novembro de 1995, como três tirosdisparados pelo extremista israelense de ultradireita, Yigal Amir,figura no rol dos lamentáveis atentados terroristas realizados nosanos finais do século XX, e sua finalidade era exatamente interrom-per o processo de paz com os palestinos, que parecia avançar nostermos dos Acordos de Oslo.

Deve-se salientar que a ausência de uma definição de terrorismo noDireito Internacional, a sua não tipificação como delito autônomo,

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13Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

impede que se dê o tratamento jurídico adequado nas ações de en-frentamento do problema por parte dos Estados. A ONU e outrasorganizações internacionais, até o presente momento, em várias con-venções, resoluções e declarações, já aprovadas, não conseguiramchegar a uma conceituação que pudesse receber aprovação geral.

3) As várias formas de manifestação do terrorismo

Terrorismo de Estado. Como se sabe, o recurso ao terror por par-te do Estado é fato que tem suas origens na ação violenta dos im-périos e das cidades-Estados da Antiguidade. O terror tem sidousado pelo poder governante para conter ou destruir a oposiçãopolítica ou ideológica, bem como aniquilar as manifestações arma-das no interior do Estado, enfim, para preservar a ordem estabele-cida. Pode ser internacional ou interno. Além disso, caracteriza-setambém por atividades como seqüestro e assassinato de opositorespolíticos, liquidação de minorias raciais ou religiosas (genocídio),tortura, desaparecimento forçado de pessoas, prisões arbitrárias,utilizando, para isso, a polícia ou os órgãos de regulagem e controlepertencentes ao aparato de Estado, como serviços secretos, forçasde segurança e até as Forças Armadas.14 O terrorismo de Estado,embora constante no cotidiano dos regimes ditatoriais, pode ser, emuitas vezes é, usado por Estados democráticos, como a França naArgélia ou os Estados Unidos em várias fases de sua ação externa.

Esta forma de terrorismo, como se sabe, não se configura so-mente pela iniciativa direta do Estado em ações de terror, maspor quaisquer outros meios, como a proteção de terroristas, finan-ciamento e apoio logístico aos grupos e indivíduos envolvidosnessa atividade.15

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14 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

Não se pode deixar de mencionar que, muitas vezes, ações terroris-tas são empreendidas por indivíduos ou grupos envolvidos em lutade libertação de libertação nacional em revide ao terror praticadopelas metrópoles com o objetivo de aniquilar os movimentos deinsurreição armada, amedrontar a população, enfim, liquidar comqualquer iniciativa separatista de suas colônias ou territórios ocu-pados.16

Nos anos imediatamente anteriores e durante a Segunda GuerraMundial, o terrorismo foi adotado como política de Estado pelostotalitarismos nazifacista e soviético. Lênin, Trotsky e, mais tarde,Stalin, além de Hitler, Franco e Mussolini, fizeram do terrorismo deEstado, portanto, da violência, o instrumento central de suporte àssuas ações políticas. Assim, prender, torturar, desapropriar bens,desaparecer com pessoas e grupos, ou mesmo com comunidadesinteiras no interior do próprio Estado, ou, internacionalmente, sub-jugar países militarmente mais fracos, aparecem como medidas jus-tificáveis diante das chamadas “razões de Estado”.

No período da Guerra Fria – 1948/1989 – os governos dos Esta-dos Unidos, em sua cruzada contra o comunismo, autorizaram aCIA a apoiar com armas e outros recursos grupos terroristas emvárias partes do mundo, desde que agissem contra a extinta UniãoSoviética, seus satélites e simpatizantes. Foi assim que se deu, nosanos 70, a criação das brigadas islamitas em vários países muçul-manos, grupos que eram rotulados pela CIA como “lutadores pelaliberdade” e por eles próprios como Mujahedin – soldados de Deus.Foi numa dessas que a CIA recrutou, treinou e financiou OsamaBin Laden, para lutar contra os soviéticos no Afeganistão. Foi comapoio norte-americano que Bin Laden iniciou a montagem da redeterrorista transnacional que redundaria na famigerada Al-Qaeda.

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15Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

Um dos acontecimentos mais marcantes da história do terrorismointernacional de Estado durante a Guerra Fria foi o atentado terro-rista contra o Papa João Paulo II. Hoje se sabe, em decorrência dadivulgação de documentos da Stasi, a polícia política da antiga Ale-manha Oriental, que a polícia secreta búlgara fazia o serviço sujopara a KGB, ficara encarregada de executar o Papa polonês. O go-verno comunista da antiga URSS resolvera assassinar o Sumo Pon-tífice, porque ele estaria interferindo e prejudicando os interessessoviéticos na Polônia. Os búlgaros contrataram o turco Ali Agcapara executar o Papa, o que ele tentou concretizar, no dia 13 demaio de 1981, na Praça de São Pedro, disparando vários tiros, pra-ticamente a queima-roupa (6 metros), dois dos quais atingiram JoãoPaulo II e quase o mataram.

Muitas vezes o terrorismo de Estado tem amplas conotações racis-tas, como a política de apartheid implantada pela minoria brancaque detinha o poder na África do Sul. Nessa mesma linha a notóriaKu Klux Kan, criada no Tennessee, em 1866, originalmente comoclube de veteranos confederados para lutar pela supremacia brancapor meio da intimidação e da violência contra negros recém-liber-tados. Ao encerar suas atividade em 1890, esta primeira Ku KluxKan era apontada nos Estados Unidos como uma das organizaçõessecretas mais ferozes e odiadas do país.17 No início do século XXfoi criada outra Ku Klux Kan, em Atlanta, na Geórgia que atuavana mesma linha terrorista e de permanente violação dos direitoshumanos. Tolerada e protegida pelas autoridades dos Estados dosul dos Estados Unidos – muitos de seus membros eram funcioná-rios do aparato policial –, suas células espalhavam o terror, sempreà noite, com seus militantes mascarados e portando uma cruz. Ini-cialmente agia apenas contra negros, mas, por volta dos anos 20,quando contava com mais de quatro milhões de membros, princi-

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16 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

palmente nas localidades do sul, passou também a perseguir, tortu-rar e matar judeus, mexicanos, latinos, homossexuais e membros deorganizações sindicais. Hoje, embora não extinta, não funciona maiscomo sociedade secreta. Segundo as entidades de defesa dos direi-tos civis nos Estados Unidos, ela é responsável por mais 1.500mortes por linchamento. Há registros de ataques terroristas da KuKlux Kan até 1980.

Terrorismo, luta de libertação nacional e autodeterminaçãodos povos. Um dos mais importantes desdobramentos dos resulta-dos da Segunda Guerra Mundial foi, sem dúvida, a dissolução dosgrandes impérios coloniais. Um por um esses impérios sucumbiramdiante da insurgência dos movimentos de libertação nacional e dasguerrilhas populares. Sobre estas, é conveniente assinalar que, mui-tas vezes, são confundidas com movimentos terroristas, porém, emsua concepção clássica, a guerrilha, de um modo geral, realiza ata-ques contra objetivos militares e alvos estratégicos determinados.A falta de uma definição de terrorismo no quadro do Direito Inter-nacional mantém a polêmica centrada na discussão sobre naturezadas ações empreendidas pelos movimentos de libertação nacional,ou seja, se o recurso ao terror contra o colonizador seria uma inicia-tiva legal, no contexto do princípio da autodeterminação dos po-vos. Os atos dos movimentos separatistas nomeados pelo coloni-zador como ação terrorista, tinham, contudo, destino certo, isto é,objetivavam atingir somente as autoridades e as forças estrangeirasque dominavam os territórios coloniais. Os insurretos, antes de tudo,buscavam conquistar a simpatia da população para formar seu pró-prio exército, fortalecer o apoio à sua causa e obter a independên-cia. Entretanto, é preciso ficar claro que não existe bom terrorismo.

As lutas de libertação nacional deram origem a vários grupos terro-

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17Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

ristas e a importantes figuras que os comandavam como MenahenBegin, Yasser Arafat, George Habash na Palestina; Abdelaziz Bu-teflika na Argélia e Nelson Mandela na África do Sul. Hoje o terro-rismo passa por uma nova etapa. É o chamado “novo terrorismo”.A legitimidade da luta dos chechenos pela autodeterminação deseu território fica extremamente prejudicada diante do terrorismoem massa que o movimento passou a empreender. Basta, para isso,mencionar sua última ação terrorista, o ataque à escola em Beslan,na Ossétia do Norte, que resultou na morte de 338 reféns, compreen-dendo 156 crianças, além de 31 terroristas. Este ataque não podeser amparado pelas normas internacionais que consagram o princí-pio da autodeterminação dos povos. Ainda no contexto dos movi-mentos de libertação nacional o ETA – Euskadi Ta Askatasuna –Pátria Basca e Liberdade, fundado em 1959 para lutar pela autode-terminação do País Basco e combater o franquismo, também per-deu a legitimidade quando partiu para os atentados em massa. Cite-se, por exemplo, o atentado de 14/7/1986, a um bar em Madrid doqual resultaram 12 civis mortos; o ataque a um shopping center emBarcelona, em 19/6/1987, com 21 mortos e 45 feridos. Além deresponsável por mais de 800 mortes, o ETA, em 20 de dezembrode 1973, conseguiu grande repercussão internacional ao matar oAlmirante Carrero-Blanco, primeiro-ministro e herdeiro do franquis-mo. O IRA, Exército Republicano Irlandês, até renunciar à lutaarmada em 28 de julho de 2005, era uma das mais antigas organiza-ções terroristas da Europa. Criado em 1919 para tentar expulsar osbritânicos da Irlanda do Norte, e acabar com a fronteira entre asduas partes da Ilha, pode ser classificado como movimento políti-co-religioso e, nos anos 60, quando a maioria dos movimentos ter-roristas de libertação nacional era marxista, o IRA era apontadocomo um verdadeiro anacronismo por sua filiação católica fervoro-

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18 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

sa, e por suas fontes de financiamento oriundas exclusivamente dedoações de católicos irlandeses.18

O terrorismo anticolonial foi parte importante na estratégia de in-dependência da Argélia, Indonésia, Malásia, na antiga Indochina,dos judeus na Palestina, contra os ingleses, e, ainda hoje, é a formade luta, nessa mesma região, dos árabes palestinos contra Israel,principalmente a partir de 1967, ocasião em que se intensificam asações terroristas da Al-Fatah, da Frente Popular de Libertação daPalestina, e, no presente momento, do Hammas e do Hezbollah.Não se pode esquecer de mencionar o movimento nacional doscurdos que, no Iraque, e, principalmente, na Turquia, recorrem aatos terroristas para manter viva sua luta em busca da unidade e daindependência nacional. Concluindo essas observações sobre o ter-rorismo no contexto das lutas de libertação nacional, pode-se dizerque o recurso ao terror sem qualquer preocupação com a popula-ção civil transforma a guerra pela autodeterminação em ação ilegí-tima, uma vez que viola princípios e direitos consagrados em váriosinstrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos.Atentados ou ataques a tropas e instalações militares são atos deguerra. Ataque à população civil constitui violação dos direitoshumanos.

Terrorismo revolucionário urbano. Na década de 60 surgiramvários grupos terroristas que se proclamavam movimentos guerri-lheiros urbanos, quase todos de inspiração marxista. Assim, apare-ceram as Brigadas Vermelhas, em 1969, na Itália, com o objetivo derealizar a revolução proletária. Seu feito maior foi assassinar, em1978, o ex-premier Aldo Moro. Seus atentados visavam sempre po-líticos e empresários. As Brigadas Vermelhas foram completamen-te desarticuladas pelos serviços secretos italianos na última década

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19Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

do século passado. Na Alemanha, em 1960, foi criado o Baader-Meinhof, cujo nome oficial era Fração do Exército Vermelho. Em nomeda luta de classes, iniciou suas ações terroristas em 1970, tendocomo alvos personalidades políticas e militares. Com a prisão deseus líderes Ulrike Meinhof e Andréas Baader o grupo intensificoua violência, mas, em 1998, acabou dissolvido. É importante salien-tar que a motivação dos terroristas das Brigadas Vermelhas e do Baa-der-Meinhof para a luta armada era meramente ideológica. Seus mem-bros eram recrutados na classe média alta, eram professores, estu-dantes de famílias abastadas e intelectuais. Antonio Negri, filósofoe cientista político, autor de um livro de enorme sucesso, Império,foi preso e condenado pela justiça italiana sob a acusação de ser umdos líderes das Brigadas Vermelhas.

Na década de 70 surgiu no Japão, inspirado no Baader-Meinhof, oNippon Serigun, ou Brigadas Vermelhas Japonesas, grupo terrorista queaté hoje se mantém fiel aos seus propósitos originais, quais sejam:oposição radical aos Estados Unidos e ao modelo monárquico ja-ponês e a destruição do Estado de Israel. Ainda como exemplosdesse tipo de terrorismo surgido no século passado, chama-se a aten-ção para o maoista Sendero Luminoso, organização terrorista lideradapelo professor universitário Abimael Gusman, que está preso noPeru. O Sendero é responsável por mais de 30 mil mortes. Entre1987 e 1992, a organização foi extremamente ativa. Além de lutarpela implantação de um governo comunista, o Sendero opõe-se aoutro grupo terrorista peruano, o Movimento Revolucionário Tupac Ama-ru, acusado por Abimael Gusman de ser apenas um grupo pequenoburguês. As Farcs, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia,criadas em 1964 como braço armado do Partido Comunista, comseus 17 mil guerrilheiros, intentam tomar o poder e liquidar com a

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20 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

burguesia colombiana. Estão envolvidas com o tráfico de drogas.Ainda na Colômbia, merecem destaque o grupo de extrema direita“Autodefesas Unidas da Colômbia” (AUC), organização que sur-giu, em 1997, da união de várias entidades paramilitares. Luta con-tra as Farcs e contra as forças do governo colombiano.

Terrorismo religioso. O terrorismo de fundo religioso, tal comose percebe hoje, tem suas origens na Antiguidade. Como exemplo,pode-se destacar o terror de Estado imposto pelos imperadores ro-manos aos adeptos do cristianismo nos primeiros tempos de propa-gação dessa fé. Era justificado pelo Estado Romano, entre outrasalegações, no fato dos cristãos não reconhecerem o imperador ro-mano como deus, uma vez que, em todo o Império, ele era vistocomo figura sagrada e objeto de culto.

O terrorismo fundamentalista moderno de grupos ou de Estado,como fé combativa, tem suas raízes em acontecimentos importan-tes da história das principais religiões. Os judeus, pelo culto de suareligião étnica, pelo fato de terem um forte sentido de vida comuni-tária e fidelidade às suas tradições e costumes, constituem a naçãoque, historicamente, mais sofreu com a discriminação de cunho re-ligioso e cultural ao longo dos séculos. Nessa perspectiva, nuncaserá demais denunciar a violência, a segregação, as perseguições detodo o tipo que esse povo extraordinário foi vítima, passando pordiásporas, exílios, escravidão, redução em guetos, tortura e mortepela Inquisição e, por fim, o Holocausto, que quase extingue a grandenação judaica.

Na história do terrorismo individual costuma-se apontar como anotícia mais antiga nessa matéria a constituição e as atividades dobraço armado da seita judaica dos zelotes, grupo que passou à his-

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21Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

tória com o nome de sicarii, ou seja, ativistas judeus comandadospor Eleazar, que se serviam de uma adaga de lâmina recurvada, deorigem persa, pelos romanos denominada sicae, para perpetrar seusatentados contra as autoridades imperiais que espalhavam o terrorpor meio de crucificações e execuções sumárias em massa, paramanter a ocupação militar do Império Romano na Palestina. Ri-chard Horsley, professor de religião na Universidade de Massachu-setts explica que “tanto em suas circunstâncias quanto em suas tá-ticas, os sicários se assemelham a certos movimentos terroristasanticoloniais do século XX, como a Frente de Libertação Nacional,na Argélia, e o Zionist Irgun Svai Leumi, na Palestina. Dadas as suasimpressionantes semelhanças, faz sentido abordar esses antigos ter-roristas judeus em comparação com estudos sobre grupos terroris-tas modernos”.19

Pode-se buscar na Idade Média, nas Cruzadas empreendidas pelaIgreja contra hereges e para retomada dos lugares santos na Palesti-na, o início do terrorismo cristão. A Cruzada genocida contra osAlbigenses, em 1209, é um bom exemplo. Também chamados cáta-ros, e declarados hereges em diversos Concílios da Igreja Católicapor suas convicções centradas no gnosticismo maniqueísta e naoposição que faziam à hierarquia eclesiástica, foram passados pelasarmas do exército de 60 mil homens enviado pela Igreja para ocu-par o norte do Languedoc, nas montanhas a nordeste dos Pirineus,e liquidar com a rebeldia. Em meio à matança generalizada – só nacidade de Beziers 15 mil homens, mulheres e crianças foram mor-tos – um oficial perguntou ao enviado do Papa Inocêncio III comodistinguir hereges e crentes verdadeiros e ouviu a seguinte respos-ta: “Mate-os todos; Deus reconhecerá os seus”. Essa guerra duroumais de 40 anos, e ceifou mais de um milhão de vidas.20

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22 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

No âmbito do Islã, a seita ismaelita dos nizaristas, ou dos “assassi-nos”, foi a precursora dos atuais ataques suicidas. O uso da violên-cia pelos movimentos terroristas islâmicos nos tempos atuais tem,portanto, suas raízes históricas em movimentos que, a partir de in-terpretações tendenciosas do Alcorão, elegeram a violência comoforma de luta para manter o político subordinado à revelação e,assim, liquidar com as tendências secularistas no mundo mulçuma-no. Pelo terror que disseminou no mundo entre os sunitas do séculoXI ao século XIII, é conveniente destacar a seita ismaelita dos Ni-zaritas, ou Ordem dos Assassinos, assim chamada porque os seus inte-grantes, antes de praticar os atentados, faziam uso de haxixe. Noséculo XIII, com as invasões mongóis, os Assassinos foram liquida-dos.21

Nas últimas décadas do século XX o fundamentalismo ressurgiu deforma vigorosa no âmbito das principais religiões. A conquista dopoder no Irã pelos aiatolás xiitas provocou o renascimento do fun-damentalismo islâmico e, dentro dele, da prática do ataque suicidana luta político-religiosa. Até então o ataque suicida tinha sido uti-lizado pelos citados Assassinos, nos séculos XI a XIII. O primeiroatentado suicida da época contemporânea se deu no Líbano, em1983, e foi perpetrado contra a embaixada americana e realizadopelos xiitas do Hesbolah. A partir daí outros movimentos terroris-tas islâmicos – Hammas e Jihad Islâmica, que são sunitas radicais, ea transnacional do terror, a Al-Qaeda –, passaram também aos ata-ques suicidas.

As correntes secularistas partidárias da modernização da sociedademulçumana, da separação entre Estado e Religião, e todas as pes-soas que têm uma percepção do tema de modo não coincidentecom os valores religiosos fundamentalistas, são vistas como extre-

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23Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

mamente perigosas e, portando, são perniciosas à sociedade dosverdadeiros crentes. Portanto, por acreditarem que a sociedade mo-derna, secular e liberal vai acabar com a religião, os fundamentalis-ta, tanto islâmicos quanto judeus e cristãos, apoiados em interpre-tações tendenciosas de seus Livros Sagrados, entendem que o ini-migo deve ser destruído em nome de Deus.22 É bom observar quenem todo fundamentalista é terrorista.

Os fundamentalistas cristãos norte-americanos rejeitam as desco-bertas da biologia e da física sobre as origens da vida e afirmam queo Livro do Gênesis é cientificamente exato em todos os detalhes.Foi assim que, nos primórdios da Idade Moderna, prosperou pelaInquisição a perseguição a cientistas, astrônomos e a todos aquelesque buscavam entender o Universo fora do contexto religioso.23

Numa época de avanços sociais de toda a ordem, os fundamenta-listas judeus e mulçumano observam, cada um, sua lei reveladacom uma rigidez maior do que nunca e têm, em relação ao conflitoárabe-palestino-israelense, uma visão exclusivamente religiosa. Ofundamentalismo das correntes mais radicais em qualquer das gran-des religiões, se opõe ao secularismo afirmando que este rejeita asoberania divina e, como tal, deve ser eliminado. O fundamentalis-mo visa, portanto, acima de tudo, recuperar a autoridade sobre atradição sagrada, conclamando o fiel a retornar a uma tradição per-dida, a recuperar valores que predominavam numa época anterior,presumivelmente mais pura e mais íntegra.24

No continente indiano o terrorismo étnico-religioso entrou defini-tivamente na história da Índia e do Paquistão, com o assassinato deGandhi em 1948 por um fanático hinduísta. Décadas depois outroassassinato de grande repercussão internacional chocaria a opinião

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24 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

pública mundial. Com 10 tiros, a primeira-ministra da Índia, IndiraGhandi, foi assassinada por dois terroristas sikhs. O Sikhismo é umadas cinco grandes religiões da Índia.

Terrorismo de massa. Organizado em rede, transnacionalizado,interligado com outras internacionais criminosas, e contando comfabulosos recursos financeiros, o “novo terrorismo” ataca de formaindistinta instalações, forças militares e a população civil, realizan-do ações espetaculares, que são levadas aos lares de todo o mundopela Internet, pelos jornais e pela mídia televisiva ávida por sensa-cionalismo São claras as diferenças com o “velho terrorismo”. Porexemplo: antes terroristas seqüestravam aviões para negociar. Hojeo seqüestro de avião é usá-lo como arma. Foram-se os tempos doterrorista que agia isolado e por idealismo. Hoje a ação terrorista éuma forma de guerra assimétrica. Em conseqüência do desenvolvi-mento das tecnologias da informação, sobretudo da mídia eletrôni-ca, que permite a formação de redes por comunicação virtual, asmanifestações terroristas visam a opinião pública mundial e nãoobjetivos locais determinados e limitados. Por meio da imprensadivulgam suas ações violentas, suas mensagens ideológicas, forne-cem o “produto” que alimenta a sociedade do espetáculo e da ima-gem, espalhando o medo e insegurança por toda a parte.25 Comoguerra assimétrica, tem como principal objetivo não a derrota ouenfraquecimento militar do inimigo incomensuravelmente mais forte,mas, como faz a Al-Qaeda, intenta obter uma vitória psicológica,espalhando o pânico no seio da população.26

As armas de destruição em massa – nucleares, químicas e biológi-cas – se usadas por terroristas, podem causar tragédias de incomen-suráveis conseqüências na vida dos seres humanos. A possibilidadedo recurso a esse tipo de arma por parte do terrorismo internacio-

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25Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

nal nunca deixou de estar entre as preocupações dos órgãos de se-gurança dos principais Estados do mundo, principalmente após osatentados com gás sarin realizados pela seita japonesa Aum Shinri-Rikyo, em 27/7/1994, em Matsumoto, no Japão – 7 mortos e 144feridos –, e, em 20/3/1995, no metrô de Tóquio, 12 mortos e maisde 1.000 feridos. O terrorismo checheno vem, há tempos, amea-çando o governo russo com atentados aos reatores nucleares dopaís. Esta, segundo especialistas no assunto, seria a forma mais baratae viável para se realizar um atentado terrorista nuclear.

Ciberterrorismo. Este termo surgiu por volta dos anos 80 do sé-culo passado para nomear o ataque premeditado a centros de dadosde órgãos de segurança, de bancos, de sistemas de informação, decentros e de programas de computador, além da invasão de compu-tadores pessoais com evidentes objetivos políticos. Diferentemen-te do terrorismo clássico, que quase sempre tem como objetivo mataras suas vítimas, o ciberterrorismo procura espalhar o pânico, inter-romper ou alterar fluxos de informação por meio da invasão deredes, tudo isso com objetivos políticos. Tais atividades podem tam-bém ser dirigidas pelo ciberterrorista aos centros de computação desistemas de defesa, de controle de trânsito nas grandes cidades enas vias férreas, de distribuição de água e energia, das redes bancá-rias, podendo, desta forma, espalhar o terror e causar sérios danos àpopulação e à segurança do Estado.

Ecoterrorismo. É uma das mais novas manifestações de terroris-mo interno. Surgiu nos Estados Unidos já há algum tempo. Duasorganizações são citadas como as mais atuantes na proteção domeio ambiente por meio da violência: a Earth Liberation Front – Fren-te de Libertação da Terra e a Animal Liberation Front – Frente deLibertação dos Animais. Os grupos que as compõem vêm agindo

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na clandestinidade. Não se sabe quando e como foram criadas. Seusmembros se escondem tão bem que a polícia norte-americana nun-ca conseguiu identificá-los. Atacam com bombas, incendeiam fa-zendas, lojas, serrarias, construtoras, residências, restaurantes defast-food e companhias de bioengenharia e laboratórios que fazemtestes utilizando animais. Da mesma forma, sabotam a construçãode estradas, investem, portanto, contra todos que são por eles clas-sificados como inimigos do planeta Terra. Por meio de telefonemasanônimos, ou de escritos deixados nos locais dos atentados, a ELFe a ALF atuam por todo o território dos Estados Unidos, sem umcomando unificado, com suas células unidas pela identidade ideo-lógica e uma diretriz voltada contra qualquer um que esteja causan-do damos ao meio ambiente ou sacrificando animais em benefíciopróprio. Em atentado à Empresa de Engarrafamento de Água deMichigan, deixaram o seguinte aviso: “água para a vida, não para olucro!” De 1996 até o presente momento, essas organizações co-meteram mais de 700 atentados que resultam em milhões de dóla-res de prejuízos.

Nos dias 8 a 11 de março de 2005, 55 chefes de Estado ou degovernos, sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso, reuni-ram-se na capital espanhola para discutir os impactos da ação ter-rorista internacional na democracia e na segurança dos Estados. OClube de Madrid, afirmando que o terrorismo é uma séria ameaçaao Estado Democrático de Direito, portanto aos direitos e garan-tias fundamentais consagrados constitucionalmente, nas conclusõesdo evento, deixou claro que o terrorismo é um crime contra a hu-manidade, na medida em que não respeita os princípios básicos dodireito à vida, do direito à paz, enfim, não considera o princípio dadignidade humana. Os 55 chefes de Estado e de governo assim semanifestaram em relação ao terrorismo:

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27Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

1. O terrorismo é uma ameaça à democracia e só pode ser vencidoatravés da plena mobilização dos valores e recursos da democracia.

2. O terrorismo é uma ameaça global que só pode ser enfrentadoatravés da plena mobilização da comunidade internacional e doscidadãos.

3. Não é possível nem aceitável exigir a promoção da liberdade e dademocracia no plano nacional como meta prioritária e, ao mesmotempo, adotar políticas que enfraquecem a democracia no planoglobal.27

4) As Nações Unidas, o Terrorismo e os DireitosHumanos. A luta contra o terrorismo internacional

Os atentados levados a cabo pela Al-Qaeda contra os Estados Uni-dos no dia 11 de setembro aceleraram as preocupações das NaçõesUnidas no sentido de criar normas internacionais para prevenir elutar contra o terrorismo, bem como promover a cooperação entreos Estados, desde que tais empresas se desenvolvam sob a égidedos direitos humanos. Nessa perspectiva, o Comitê contra o Terro-rismo, criado pelo Conselho de Segurança pela Resolução nº 1.373(2001), em sua Recomendação nº 8, deixa claro que “não se podeconseguir a segurança em detrimento dos direitos humanos”.28

As Nações Unidas patrocinaram as negociações e a celebração devárias convenções para a repressão ao terrorismo, instrumentos queestão em vigor e que têm grande importância no esforço para con-ter esse tipo de crime internacional. São as seguintes:

Convenção para a Repressão ao Apoderamento Ilícito de Aerona-ves – Haia, 1970.

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28 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança daAviação Civil. Montreal, 1971.

Convenção para Prevenir e Punir Crimes Praticados contra PessoasInternacionalmente Protegidas, inclusive Agentes Diplomáticos.Nova Iorque, 1973.

Convenção Internacional contra a Tomada de Reféns. Nova Ior-que, 1979.

Convenção sobre a Proteção Física de Materiais Nucleares. Viena,1980.

Protocolo para a Repressão de Atos Ilícitos de Violência nos Aero-portos Destinados à Aviação Civil Internacional. Montreal, 1988.

Convenção para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança daNavegação Marítima. Roma, 1988.

Convenção Internacional para a Supressão de Atentados Terroris-tas a Bomba. Nova Iorque, 1997.

Protocolo para a Supressão de Atos Ilícitos contra a Segurança dasPlataformas Fixas Situadas na Plataforma Continental. Roma, 1998.

Convenção para a Supressão do Financiamento do Terrorismo. NovaIorque, 1999.

Ainda com relação às iniciativas da ONU no combate ao terroris-mo é importante registrar a Resolução nº 1.373, de 28 de setembrode 2001, do Conselho de Segurança. Este documento, reiterandomanifestações anteriores da ONU sobre o tema, como a Resolução

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29Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

nº 2.625 (XXV) da Assembléia Geral, reafirmada pela Resoluçãonº 1.189, de 1998, do Conselho de Segurança, insta todos os Esta-dos-membros das Nações Unidas a se absterem de organizar, insti-gar, colaborar ou participar de atos terroristas em outros Estados,ou concordar com atividades organizadas dentro de seu territóriocom o objetivo de executar e financiar tais atos. Seguindo essa dire-triz, a Resolução nº 1.373 chama a atenção para a estreita ligaçãoentre o terrorismo internacional, o crime transnacional organizado,a lavagem de dinheiro, o tráfico ilegal de drogas e de armas e amovimentação de material nuclear, substâncias químicas e biológi-cas, propondo, no caso, uma ampla cooperação entre os Estadospara enfrentar a ameaça do terrorismo à segurança internacional.

No âmbito regional, deve-se descartar a Convenção Européia paraa Supressão do Terrorismo, Conselho da Europa, 27 de janeiro de1977, e a Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, aprova-da pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanosreunida, em Barbados, no dia 3 de junho de 2002.

Essa Convenção, na linha de todos os documentos internacionaissobre o terrorismo desde o primeiro tratado celebrado sobre o temaem 1937, não define o terrorismo e não aborda o terrorismo deEstado. No artigo 1º está expresso que a Convenção Interamerica-na contra o Terrorismo tem como objeto prevenir, sancionar, e eli-minar o terrorismo. Em seus 23 artigos, faz remissão a todos osinstrumentos internacionais aplicáveis ao tema (art. 2º), lista asmedidas que os Estados-Partes devem tomar para prevenir, com-bater e erradicar o terrorismo (art.4º), conclama as Partes a identifi-car, embargar e congelar fundos que possam ser destinados ao fi-nanciamento de atividades terroristas (art. 5º), e, no artigo 15, dis-põe que todas as medidas adotadas pelas Partes para combater as

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atividades terroristas devem plenamente respeitar os direitos hu-manos, e as Cartas da ONU e da OEA, o direito internacional hu-manitário, o direito internacional dos direitos humanos e o direitointernacional dos refugiados.

Com relação ao direito de asilo e ao instituto da extradição, a Con-venção Interamericana estabelece no artigo 11 a “inaplicabilidadeda exceção por delito político”, ou seja, nenhum dos delitos nomea-dos nos instrumentos internacionais de prevenção e repressão aoterrorismo, que figuram no artigo 2º da Convenção, poderá ser con-siderado como crime político ou delito conexo com um delito polí-tico. Da mesma forma, nos termos do artigo 13 – denegação deasilo – os Estados-Partes, de acordo com seu direito interno e como direito internacional, deverão adotar as medidas jurídicas cabí-veis para assegurar que o asilo não se outorgue às pessoas contra asquais hajam fundadas provas de prática de atividade terrorista, oude que estas possam estar enquadradas como responsáveis por qual-quer dos delitos mencionados nos instrumentos internacionais enu-merados no artigo 2º da Convenção. No artigo 12 fica expressa amesma denegação para o indivíduo que solicite a condição de refu-giado, isto é, os Estados-Partes não podem conceder o estatuto derefugiado a quem cometeu os ilícitos designados nos tratados arro-lados no artigo 2º da Convenção.

Os Estados Unidos, dispondo hoje, como se sabe, de um podernacional sem paralelo na história da humanidade, com uma capaci-dade militar que conta com orçamento anual de mais de quatrocen-tos bilhões de dólares, apesar disso, 11 de setembro de 2001 des-pertou os norte-americanos para a realidade de que a sua fortalezanacional não podia ser mais considerada inexpugnável, que não maisse poderia levar em conta a assertiva de que o país não sofreria

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31Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

ataques ao seu território, porque a resposta militar seria arrasadora,restava também bastante claro que, diante de um novo tipo de ini-migo, transnacionalizado, não estatal, atuando em rede, e de umanova forma de guerra – a guerra assimétrica –, tornara-se vulnerável einseguro.

Em razão disso, as políticas adotadas pelo Presidente Bush paratentar resolver a questão da vulnerabilidade do país diante das re-des transnacionais de terrorismo, cada medida anunciada, cada novamensagem presidencial ao Congresso norte-americano, surpreen-dem o mundo pelo radicalismo, pela exacerbação do unilateralis-mo, por ignorarem o Direito Internacional, por não levarem em contaa opinião de seus aliados tradicionais, e, do ponto de vista interno,por violarem a Constituição e romperem com as melhores tradiçõesdemocráticas da grande nação norte-americana.

Consagrada como “Doutrina Bush”, a nova estratégia destaca, en-tre seus pilares, o contraterrorismo e a legítima defesa preventiva. Formu-lada pelo Conselho de Segurança Nacional, mais precisamente pelaentão assessora presidencial Condolezza Rice, e anunciada de for-ma definitiva pelo presidente em discurso na Academia Militar deWest Point, em 1/6/2002, representa radical mudança dos concei-tos geoestratégicos que vigoravam no país desde a Guerra Fria. Vê-se, claramente, que sua finalidade é a criação de instrumentos le-gais para controle absoluto de todas as atividades individuais, prin-cipalmente de imigrantes, e, da mesma forma, de concessão ao pre-sidente de poderes para atacar preventivamente, em qualquer partedo mundo, grupos terroristas ou Estados hostis aos norte-america-nos.

Uma outra medida do governo que vem sendo denunciada como

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absurda, considerando as tradições democráticas dos Estados Uni-dos, e, ainda, o pioneirismo do país na luta pelos direitos humanos– a Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776, inspirou a Decla-ração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, da RevoluçãoFrancesa –, consiste no expediente destinado a criar um espaçoextrajudicial que facilita o traslado de prisioneiros a outros países,para serem interrogados mediante tortura. Esta política foi adotadapelos franceses na guerra de independência da Argélia. Foi cunhadapor Maurice Duverger como facisme a l’exterieur, para definir a práti-ca, por parte de Estados democráticos, de recorrer à tortura fora desuas fronteiras.29

Entidades como a American Civil Liberties Union e a American BarAssocition30 têm sistematicamente denunciado essas situações, afir-mando que não se sabe hoje quem e quantas são as pessoas queestão presas, e onde estão encarceradas, acusadas de atividadescontra a segurança dos Estados Unidos. Os processos por meio dosquais o governo norte-americano vem conduzindo a luta contra oterrorismo, para muitos analistas, apontam para um renascimentodo macarthismo, isto é, uma visão paranóica, violenta e maniqueís-ta da segurança nacional.

A reação aos ataques terroristas tem levado à violação de normasdo Direito Internacional Humanitário, como vem acontecendo comos prisioneiros talibãs presos na Base norte-americana de Guantá-namo, em Cuba. Os artigos 4º da III Convenção e 43 e 44 do Proto-colo I, estabelecem: “Qualquer membro das forças armadas de uma Parteem conflito é combatente e qualquer combatente capturado pela Parte adversá-ria ser prisioneiro de guerra”.

Os prisioneiros talibãs na base de Guantánamo são, portanto, prisio-

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33Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

neiros de guerra e não terroristas como o governo dos Estados Uni-dos pretende classificá-los. Estavam sob o comando do depostogoverno do Afeganistão, e, se eram radicais religiosos, isso não temqualquer importância. Eram combatentes das Forças Armadas deum Estado, portanto, de acordo com a Terceira Convenção de Ge-nebra de 1949, devem ser tratados como prisioneiros de guerra,têm direito, em qualquer circunstância, ao respeito à sua pessoa e àsua honra, não podendo sofrer tortura física ou mental, ou qualquerforma de coerção para fornecer informações ao seu captor. Não é oque vem acontecendo nas prisões da Base norte-americana de Guan-tánamo, em Cuba.

Os russos, em sua luta contra o terrorismo checheno, vêm violandosistematicamente os direitos humanos. Proclamam, como os ameri-canos, um pretenso direito de legítima defesa preventiva, coisa quenão existe em Direito Internacional – o artigo 51 da Carta da ONUregulamenta o assunto, admitindo a legítima defesa individual oucoletiva somente como revide a uma agressão armada.31 Para Hil-debrando Accioly a “legítima defesa só existe em face de uma agressãoinjusta e atual, contra a qual o emprego da violência é o único re-curso possível”.32

5) Conclusões

O terrorismo, como forma de ação política violenta, em qualquerdas modalidades em que se manifesta, viola direitos fundamentaisestabelecidos nas constituições estatais e nos tratados e conven-ções internacionais voltados à proteção dos direitos humanos. Alémdisso, atenta contra a soberania dos Estados, constituindo-se emfator inibidor do desenvolvimento econômico, político e social das

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34 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

sociedades nacionais. A opinião pública mundial abomina o terro-rismo, porém, não aceita que o seu combate se dê em detrimentodas liberdades fundamentais, dos direitos civis, do respeito às nor-mas do Direito Internacional Geral, do Direito Internacional dosDireitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário. A pro-pósito disso, é conveniente salientar que Resolução AG/RES, 1840(XXXII-O/02), que aprovou a Convenção Interamericana contra oTerrorismo afirma que “a luta contra o terrorismo deve realizar-se empleno respeito aos direitos nacional e internacional, aos direitos humanos e àsinstituições democráticas, para preservar o Estado de Direito, as liberdades eos valores democráticos no Hemisfério, elementos indispensáveis para umaeficiente luta contra o terrorismo”.

Notas

1Gravilo Princip, contando com o apoio de oficiais dissidentes doExército sérvio e o suporte da organização sérvia União ou Morte,mais conhecida como Mão Negra, em seguida a tentativa fracassadade seus companheiros de acabar com as vidas do casal imperial edo governador da Bósnia, General Oskar Potiorek, conseguiu liqui-dar os arquiduques, com dois tiros certeiros, disparados a queima-roupa, a uma distância de 1,50m.

2 FROMKIN, David. O Último Verão Europeu – Quem Começou a Gran-de Guerra de 1914? Rio de Janeiro: Objetiva, 2005, p. 20-21. Nestaobra o autor aponta e analisa os fatos históricos que, em sua opi-nião, levaram à Primeira Guerra Mundial.

3 A Crise do Islã – Guerra Santa e Terror. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEditor, 2004, p. 136

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35Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

4 Segundo o mesmo dicionário, o termo ingressa na língua portu-guesa pelo Novo diccionario critico e etymologico da lingua portugueza, deautoria de Francisco Solano Constâncio, editado em Paris, 1836.

5 Ver o documento “Terrorismo e Direitos Humanos” E/CN.4.Sub.2/201/31 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas –Comissão de Direitos Humanos: Subcomissão de Promoção e Pro-teção dos Direitos Humanos. 53º período de sessões. Informe pre-parado pela Sra. Kalliopi K. Koufa, Relatora Especial. 27/6/2001.

6 O “terror” foi implantado na França por Robespierre pela Lei de22 do mês prairial, ou seja, nono mês do calendário revolucionário(corresponde ao período de 20 de maio a 18 de junho).

7 A palavra território tem a mesma derivação.

8 CARR, Caleb. A Assustadora História do Terrorismo. São Paulo:Ediouro, 2002, p. 29.

9 Ver Ramonet, Ignácio. Guerras del Siglo XXI – Nuevos miedos, nuevasamenazas. Barcelona: Mondadori, 2002, p. 57-58.

10 Esta manifestação de Hitler sobre o terrorismo está no excelenteensaio A Razão Terrorista, do filósofo Roberto Romano, no terceirocapítulo de sua obra já citada, às p. 76.

11 ROMANO, Roberto, op. cit. p. 76.

12 Cf. Nascimento e Silva. Geraldo Eulálio. Terrorismo e DireitosHumanos. In: Os Rumos do Direito Internacional dos Direitos Humanos– Ensaios em Homenagem ao Professor Antônio Augusto Cançado Trinda-de. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005, p. 206.

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36 Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

13 Departamento de Estado dos Estados Unidos da América. ProgramasInternacionais de Informação. Disponível no site http://terrorismo.embaixada-americana.org.br. Consulta em 19/9/2005. O Departa-mento de Estado comenta ainda o seguinte: “Nenhuma definiçãode terrorismo conseguiu um consenso universal. Para os propósitosdeste relatório, porém, escolhemos a definição de terrorismo conti-da no Título 22 do Código dos EUA, seção 2656f(d)”.

14 Ver o documento “Terrorismo e Direitos Humanos” E/CN.4.Sub.2/201/31 do Conselho Econômico e Social das Nações Uni-das já citado.

15 O Irã e a Síria, por exemplo, apóiam totalmente o grupo libanêsHesbolah que hoje, além de atividades terroristas contra Israel apartir do sul do Líbano, é também um partido político com muitainfluência no mesmo Líbano. Nessa perspectiva, por se envolve-rem diretamente com grupos terroristas e por agirem, muitas vezesforçados pelas circunstâncias, de forma marginal no sistema inter-nacional, alguns países acabaram rotulados pelos norte-americanoscomo “Estados bandidos” “Estados loucos”, ou pertencente aochamado Eixo do Mal. Irã, Líbia, Síria, Cuba e Coréia do Norte. OIraque, ao que parece, por enquanto, fica fora da lista; a Líbia, pelobom comportamento de Kadaffi nos últimos tempos, está, gradual-mente, saindo da marginalidade. Todavia, não tenhamos dúvida deque o unilateralismo da República Imperial dos Estados Unidos daAmérica arranjará outros para completar ou ampliar a lista

16 Nos anos imediatamente posteriores ao término da Segunda GuerraMundial os Estados colonialistas recorreram ao terror para tentarimpedir o sucesso dos movimentos separatistas. Assim se deu naArgélia, na antiga Indochina e no Oriente Médio, por exemplo. Os

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recentes atentados terroristas praticados por separatistas cheche-nos de credo islâmico não podem ser analisados fora do contextodo processo de dominação russa na Chechênia, desde os tempos doterror imposto por Stalin à região. Durante a Segunda Guerra Mun-dial, em fevereiro de 1944, com o propósito de impedir que umapossível aliança entre os chechenos e Hitler pudesse abrir à Alema-nha o acesso à grande produção de petróleo do Mar Cáspio, sediadana cidade de Baku, Stálin ordenou à sua polícia secreta, o NKVD,que deportasse para as estepes do Cazaquistão as populações che-chena e ingushétia. Nos anos seguintes, mais de um terço dos521.647 deportados morreriam em campos de concentração. So-mente em 1953, após a morte de Stálin, Krushev permitiria o retor-no dos sobreviventes ao norte do Cáucaso. Da mesma forma selva-gem, o Presidente Putin vem enfrentando o separatismo checheno.Em fevereiro de 2000 os russos arrasaram Grosny, a capital da Che-chênia, o que obrigou 370 mil pessoas a abandonarem a cidade.Reagindo à política de terror do Estado russo, os separatistas revi-dam com mais terror, o que acaba prejudicando a legitimidade desua luta pela liberação nacional. Apoiados pela Máfia chechena epelo terrorismo islâmico transnacional, os separatistas chechêniosiniciaram, em setembro de 1999, uma série de atentados que, comtoda a razão, causou enorme indignação de todo o mundo. Em ou-tubro de 2002, um comando formado por 50 terroristas chechenosinvadiu o teatro Dubrovka, em Moscou, e, durante três dias, toma-ram, 800 espectadores como reféns. Acabaram dominados após ainvasão do teatro por Forças Especiais do Ministério do Interiorrusso. Morreram neste atentado 50 chechenos e 128 reféns intoxi-cados por um misterioso gás empregado pelas forças russas; emagosto de 2002, os chechenos abateram um avião militar russomatando 114 pessoas; em 3 de setembro de 2004 terroristas che-

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chenos tomaram uma escola da cidade de Beslan, na Ossétia doNorte, causando a morte de 339 pessoas, em sua maioria, crianças.

17 Em certa fase de sua atuação, o poder da Ku Klux Kan era de talordem que acabou por influenciar a formação de outros grupos se-melhantes, como as organizações terroristas “Camélia Branca”, “LigaBranca”, “Círculo Invisível” e “Rostos Pálidos”, todas com a fina-lidade de linchar e matar negros.

18 O IRA é responsável por mais de 1.800 mortes, entre as quais oassassinato de Lord Mountbatten, preceptor do Príncipe Charles eúltimo vice-rei da Índia. Em 1998 assinou o cessar fogo com osbritânicos e hoje concentra a luta unionista na ação do braço políti-co da organização, o Sinn Fein.

19 HORSLEY, Richard. Jesus e o Império – O reino de Deus e a novadesordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 49.

20 No caso das Cruzadas para libertar os lugares sagrados na Pales-tina basta-nos a lembrança da famosa sentença do cruzado São Luiz,pronunciada acerca da impossibilidade, segundo ele, de qualquerdiálogo com judeus e mulçumanos: “Com essa gente, há apenas umargumento; a espada. É preciso enfiá-la no seu ventre”. Ver NEF,John U. Alicerces Culturais da Civilização Industrial. Rio de Janeiro:Presença, 1964, p. 121.

21 Fundada no século XI por Hassan ibn al-Sabbah, a Ordem dosAssassinos tinha uma visão trágica do mundo, considerando-o per-didamente maculado pela heresia e pela corrupção dos governan-tes. Apontava como inimigos os adeptos do Islamismo sunita e asdinastias que governavam os Estados mulçumanos.

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39Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 6 44, p. 3-41, nov. 2008

22 Os fundamentalistas cristãos não estão fora do contexto de vio-lência e de terror que impera no Oriente Médio e em outras partesdo mundo. Basta citar os ataques das milícias cristãs terroristas li-banesas aos campos de refugiados de Sabra e Chatila, nos arredoresde Beirute, em 1982, onde foram massacrados 2.500 civis palesti-nos e libaneses desarmados. Essa insensatez chocou a opinião pú-blica mundial. Até hoje Ariel Sharon, que na ocasião comandava astropas israelenses que ocupavam o Líbano, se defende da acusaçãode que o ataque se deu com sua permissão.

23 O movimento fundamentalista cristão mais perigoso dos EstadosUnidos é a “Identidade Cristã”. Chefiado por Eric R. Rudolph essegrupo terrorista pratica freqüentemente atentados contra bares delésbicas e é responsável pelo atentado a bomba durante as Olimpía-das de Atlanta, em 1996. Eles proclamam que a ONU, o PartidoDemocrata dos EUA, o FMI, as empresas de cartão de crédito, ascampanhas e os programas de controle de armas e os judeus detodo o mundo são aliados de Satã e planejam controlar o mundo eacabar com as liberdades individuais. Nos anos 80 e 90 do séculopassado a Identidade Cristã estabeleceu várias comunidades emOklahoma, Arkansas e Missouri denominadas O Pacto, A Espadae o Braço do Senhor, e uma escola paramilitar num acampamentodenominado Elohim City que era freqüentado por Timothy Mac-Veigh, fanático por armas e que praticou um dos maiores atentadosterroristas da história dos Estados Unidos ocorrido Oklahoma Cityem 19 de abril de 1995.

24 Cf. BINGEMER, Maria Clara Cucchetti – (Organizadora). Vio-lência e Religião. PUC/Rio/Loiola, 2001, p. 262.

25 O atentado perpetrado por Timothy MacVeigh, em Oklahoma

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City, 19 de abril de 1995, é um exemplo do terrorismo individual demassa. Com três toneladas de um explosivo caseiro esse terroristadestruiu o edifício onde funcionavam vários departamentos doGoverno norte americano. Morreram 168 pessoas, entre elas 19crianças que estavam na creche do prédio. McVeigh foi preso e exe-cutado com uma injeção letal, em julho de 2001. Os atentados de11 de setembro em Nova Iorque, de Bali, na Indonésia, em 2003,onde 187 pessoas foram mortas e 309 restaram feridas, de Madrid,2004, 191 mortos e centenas de feridos e, o mais recente, de Lon-dres, no dia 7/7/2005 no qual morreram 37 pessoas e mais de 700ficaram feridas, foram todos planejados e perpetrados pela Al-Qae-da, grupo que recorre sempre ao terrorismo de massa e, como sesabe, somente em ações espetaculares.

26 Como registra Roberto Romano, “A imprensa não raro é refém ecúmplice dos terroristas. (...) A grande manobra da mídia capitalis-ta é utilizar o terrorismo como fonte de notícias que vendem osseus produtos aos bilhões de humanos, aumentando a sua possibi-lidade de cobrança de anunciantes e dos governos, ao mesmo tem-po em que aumentando o potencial terrorista produz consenso aoredor dos “perigos” que rondam o mundo do mercado e da ‘liberda-de’. Ver, desse autor, O Desafio do Islã e outros Desafios. São Paulo:Perspectiva, 2004, p. 62.

27 Ver O Globo, “Caderno Economia”, edição de 8/3/2005.

28 Ver documento ONU-A/57/273 S/202875 – Informe do GrupoAssessor sobre as Nações Unidas e o Terrorismo.

29 Essa terceirização da tortura é assinalada por Ignácio Ramonet, aoregistrar que, em comentário na CNN, o republicano Tucker Carl-

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son deixou claro o seguinte: “la tortura no está bien. Pero el terro-rismo es peor. De modo que, en determinada circusntancia, la tor-tura es un mal menor. Por su parte, Seteve Chapman recordava enel Chicago Tribune que un Estado democrático como Israel no dudaen aplicar la tortura,’ pressiones fisicas moderadas’ al 85% de losdetenidos palestinos”. Ver, do autor, Guerra del Siglo XXI. Barcelo-na: Editorial Mondadori, 2002, p. 61-62.

30 A American Bar Assocition é a entidade corporativa dos advogadosdos Estados Unidos.

31 Com esse mesmo sentido, a legítima defesa está consagrada noartigo 21 da Carta da OEA

32 Manual de Direito Internacional Público. Atualizado por G. E. doNascimento e Silva. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 124.

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A Terceira Aberturados Portos – A ReformaPortuária e o InteresseNacional

Juan Clinton LlerenaConselheiro da Confederação Nacional do Comércio

Introdução

Em Março do ano passado tive a oportunidade de expor neste Conselho minha visão da situação portuária brasileira, deta-

lhando os seus principais problemas. Fui extremamente cáustico eapresentei um panorama pessimista e desencorajador, pois já está-vamos no 14º ano desde a promulgação da Lei de ModernizaçãoPortuária (Lei nº 8.630, de 1993), e, embora tivéssemos obtidomuitos avanços, ainda nos faltava solucionar sérios problemas bá-sicos. Naquela palestra, como também na de hoje, o assunto estárestrito à questão PORTO.

Não considero menos importantes os assuntos ligados ao transpor-te aquaviário, ou seja, NAVEGAÇÃO DE LONGO CURSO ECABOTAGEM, TRANSPORTE FLUVIAL, modalidades estas

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que, embora essenciais para a economia brasileira, até há poucotempo têm sido relegadas a um segundo plano pelas autoridades doPaís. Ter negligenciado esses segmentos no passado foi não apenasuma clara demonstração da ignorância política das nossas autorida-des, mas um verdadeiro crime de lesa-pátria. Mas, no fundo, meparece que a culpa desse esquecimento é da própria sociedade. Éincompreensível que nossas grandes Confederações (Indústria, Co-mércio, Transporte, Agricultura), bem como as demais organiza-ções empresariais, em vez de cobrar, de forma agressiva e contí-nua, soluções para os problemas do transporte aquaviário, fiquemesperando por iniciativas do governo.

Devemos continuar pensando no País que desejamos legar aos nos-sos descendentes, mas é preciso que nossas propostas ganhem con-sistência e se tornem exigências de políticas públicas, pois somenteassim o País poderá se livrar do jugo dos políticos imediatistas,interessados exclusivamente no resultado das próximas eleições. Foidessa forma, gerando um clamor contínuo e vigoroso que a AçãoEmpresarial Integrada promoveu a SEGUNDA ABERTURA DOSPORTOS, através da promulgação, quinze anos atrás, da Lei deModernização Portuária. Pensem, agora, no que as quatro Confe-derações Nacionais poderiam fazer, unidas, em defesa de qualquertema que seja do interesse da sociedade, promovendo estudos de-bates e ações políticas. Repito, senhores, se “todo o poder emana dopovo, e em seu nome será exercido...” nós somos o poder, nós somos oGoverno, pois temos delegação de grandes e expressivos setores dasociedade para influir e gerar políticas públicas que definirão osdestinos do País.

E com isso voltamos ao nosso assunto de hoje, PORTO.

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I. Criação da Secretaria Especial de Portos

Em Março de 2007 formulei críticas severas à omissão do Governoque, até então, ainda não implementara plenamente a Lei de Mo-dernização Portuária. Alertei para as constantes tentativas de des-virtuamento dos propósitos dessa lei que, cotidianamente, enfrentaexageros regulatórios e uma forte interferência burocrática oriundadas inúmeras autoridades que fiscalizam as atividades portuárias.Deixei no ar a pergunta: Para modernizar nossos portos o que faltaa nós, governo e empresários? Convicção? Coragem? Ou VontadePolítica?

No entanto, dois meses mais tarde, em 31 de maio de 2007, tive aoportunidade de assistir na FIESP, em São Paulo, à apresentaçãoda nova Secretaria Especial de Portos da Presidência da República,um órgão com status de Ministério criado pela MP nº 369, de 7 demaio de 2007, posteriormente convertida na Lei nº 11.513, de 5 desetembro de 2007. O próprio Secretário, Ministro Pedro Brito doNascimento, explicitou os objetivos, competências e programas donovo órgão diante de vereadores, prefeitos da baixada santista,empresários, trabalhadores portuários, administradores de portos edemais representantes da sociedade portuária de Santos e do Esta-do de São Paulo. No final da apresentação, confesso que, emboraminha presença tivesse por objetivo apresentar as queixas e críticasempresariais de sempre quanto ao descaso do Governo com as ques-tões portuárias, estava tão satisfeito com o que ouvira que pedi apalavra, que faço questão de transmitir aos senhores e registrar oque então disse ao ministro, bem como repetir a curta e encorajado-ra resposta que dele recebi:

– Sr. Ministro, amanhã, dia 1º de junho, completo 60 anos de porto, e esta é

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45Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 644, p. 42-66, nov. 2008

a primeira vez que ouço um ministro apresentar um projeto que atende a todae qualquer reivindicação que o empresário portuário possa ter. Mas pergunto:o Governo, como sempre fez, irá implementar esse projeto unilateralmente, outenciona fazê-lo em parceria com os empresários?

Respondeu o ministro:

– Em parceria com os empresários!

Essas palavras foram ditas não em tom de resposta, mas, sim, comouma firme declaração. Não me envergonho de dizer que, a despeitoda minha idade e dos meus 60 anos de experiência lidando comautoridades portuárias e de navegação, senti uma surpresa e alegriajuvenis, pois tive imediata consciência de que estava presenciandoum momento histórico. Quem sabe, pensei na hora, vamos, final-mente, iniciar a Terceira Abertura dos Portos?

II. O Grande Diferencial Institucional

Já me manifestei a este Conselho com referência ao cunho unilate-ral, autocrático, que as autoridades têm sempre emprestado à pro-mulgação de novas regras, resoluções ou instruções que adotam,fazendo-o sem consultar ou discutir seu conteúdo com aqueles quedeverão segui-las, parecendo muito mais que vivemos numa mo-narquia absolutista do que num sistema republicano, democrático eparticipativo. Infelizmente continuamos a nos comportar muito maiscomo súditos do que como cidadãos. Como um breve exemplo des-sa autocracia, podemos citar os exageros burocráticos cometidosno início da implementação do ISPS Code (Código de Segurança eProteção de Embarcações e Instalações Portuárias). As primeirasdeliberações das autoridades brasileiras, todas autocráticas, tive-

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46 Car ta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 644, p. 42-66, nov. 200 8

ram que ser alteradas e reeditadas devido à sua inaplicabilidadeprática, e o formato ideal só foi alcançado, mais adiante, por meiodos resultados obtidos por grupos de trabalho que incluíram repre-sentantes dos terminais portuários administrados pela iniciativa pri-vada além da participação do Governo.

No entanto, para nossa grata surpresa, o padrão que tem norteado,até agora, a implementação da SEP tem se revelado muito maisparticipativo. Quando veio ao Rio de Janeiro, acompanhado de seusprincipais auxiliares, para repetir na FIRJAN a exposição que fizerapoucos dias antes em São Paulo, o Ministro Pedro Brito, logo apóso seu pronunciamento, abriu a palavra aos presentes para que semanifestassem aberta e francamente, tendo registrado, pessoalmente,todas as críticas, sugestões, esperanças e expectativas em relação àSEP que lhe foram apresentadas naquela ocasião. Sem dúvida, to-dos os presentes saíram animados desse encontro, mas de certa for-ma ainda céticos, talvez perplexos, pois a tarefa a que a SEP sepropunha realizar iria contrariar os interesses de grupos dentro efora do Governo – especialmente aqueles que ainda encaram o por-to como uma atividade-fim em si mesma, e não como um impor-tantíssimo elo da cadeia logística indispensável à realização do nossoComércio Exterior.

O fato é que, a despeito das desilusões do passado e do ceticismode muitos, presenciamos uma guinada histórica: temos agora umministro evidentemente disposto a realizar a modernização portuá-ria tão ansiada pelo País. E isto somente está sendo possível por-que a sociedade brasileira se conscientizou, finalmente, de que OFUTURO DO BRASIL DEPENDE DOS PORTOS.

As diretrizes para um novo modelo de gestão portuária apresenta-

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47Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 644, p. 42-66, nov. 2008

das pelo Ministro Pedro Brito coincidem com os anseios do setorempresarial e têm em vista prosseguir na implementação plena daLei nº 8.630, e reparar distorções em sua interpretação por algunssetores do Governo. O objetivo é (1) consolidar os marcos regula-tórios1 – eliminando as incertezas que desestimulam os investimen-tos no setor; (2) modernizar as administrações portuárias dotando-lhes de mecanismos de gestão por resultados; (3) definir políticaspúblicas objetivas e claras, principalmente na formulação de pla-nos de outorgas; (4) fortalecer e definir corretamente a posição dosCAPs em relação às Administrações Portuárias (Cias. Docas e au-tarquias); (5) acabar com a interferência político-partidária na no-meação de administradores dos portos, substituindo-os por execu-tivos profissionais; e (6) instituir o Programa Permanente de Dra-gagem de manutenção dos acessos hidroviários aos portos com basede contratação por resultados (metas de manutenção das profundi-dades de projeto dos canais), contemplando a execução desses ser-viços de forma contínua.

O que chama a atenção é o fato do ministro ter plena consciênciade que a excessiva interferência burocrática tem impedido a eficá-cia e a eficiência da gestão portuária pois são constantes os obstá-culos criados pela interferência absurda de inúmeros entes burocrá-ticos2 – entre ministérios, agências e secretarias – que, praticamen-te, se esmeram em constantes tentativas de desvirtuar os propósi-tos e objetivos da Lei de modernização dos Portos. Tudo isso talvezexplique por que, na visão do governo, foi necessário criar umaSecretaria Especial de Portos ligada direta e expressamente à Presi-dência da República, dando à gestão dos portos o status de ministé-rio e fazendo-a competir com o Ministério dos Transportes na alo-cação de recursos do Orçamento Nacional.

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Esse conjunto de diretrizes apresentadas pode representar o resga-te da confiança perdida do setor empresarial nas decisões oficiais,que até então provinham de burocratas ou de políticos sem vínculocom o porto ou com o Comércio Exterior. Basta dizer que, nestesquinze anos de vigência da Lei dos Portos, não chegou nem a seresboçada pelo Governo uma minuta de proposta para o estabeleci-mento da política portuária nacional. Mais ainda, o Conselho deIntegração das Políticas de Transporte, criado pela Lei nº 10.233,de 2001 – a mesma lei que criou as agências reguladoras de trans-porte – até hoje, sete anos depois, não foi instalado pelo Governo.Por isso acredito que, com a implantação da SEP, parte dessa lacu-na legal deva ser preenchida, pois a Secretaria já sinalizou a insti-tuição de uma política portuária nacional baseada em parâmetrosempresariais de gestão na governança participativa, justamente oque a Lei nº 8.630 preconizou há quinze anos – através do modeloinstituído para os CAPs – e que até hoje não se pôde ou não se quisefetivar nos portos.

III. Os Fatos Marcantes

Os acontecimentos desde junho de 2007 vêm me convencendo deque estamos, realmente, diante da TERCEIRA ABERTURA DOSPORTOS DO BRASIL. Pode-se afirmar que, nesse primeiro anode existência da SEP, foi feito mais do que nos oito anos anteriores.Senão vejamos:

• Logo após a criação da SEP, foi firmado pelas quatro Confedera-ções Nacionais (Agricultura, Comércio, Indústria e Transporte) umdocumento dirigido ao Ministro Pedro Brito3, no qual credenciarama Comissão Portos e avalizaram sua participação como represen-

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49Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 644, p. 42-66, nov. 2008

tante do Setor Empresarial nas questões portuárias, encarregada depromover a discussão com o Governo de seus “planos de recuperaçãono curto espaço de tempo”, e consolidar o apoio empresarial às açõesconsensadas.

• A Comissão Portos, no cumprimento da missão delegada pelasConfederações, promoveu uma reunião plenária, em dezembro de2007, com o Ministro Pedro Brito, realizada na Associação Comer-cial do Rio e Janeiro, à qual compareceram mais de 80 representan-tes de entidades empresariais, operadores de terminais, arrendatá-rios, usuários, enfim, os representantes dos principais atores da cenaportuária. Não vou detalhar aqui os pleitos das entidades empresa-riais4, mas foi ressaltado ao ministro que falta, ainda, o governopromover a implementação de alguns pontos da Lei dos Portos quepermanecem intocados. Resumidamente, foi destacada a importân-cia de se criar um novo modelo de gestão para os portos, capaz dedar-lhes independência e, ao mesmo tempo, “blindá-los” contra in-terferências político-partidárias.

Nessa reunião com o ministro, o setor empresarial destacou a açãoequivocada da primeira diretoria da Agência Nacional de Transpor-tes Aquaviários (ANTAQ), que extrapolou sua competência legalde ente regulador e fiscalizador ao editar normas e resoluções con-flitantes com os dispositivos do marco regulatório em vigor – a Leinº 8.630.

Foi também destacada para o ministro a preocupação empresarialcom os elevados passivos das Cias. Docas, os quais, em sua maio-ria, resultam de reclamações trabalhistas de seus próprios quadrosfuncionais, e que, em grande parte das ações, os advogados dasCias. Docas que atuam na defesa da Cia. são beneficiários de tais

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50 Car ta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 644, p. 42-66, nov. 200 8

ações. Tudo isso tem feito com que tais ações não venham sendoenfrentadas de maneira adequada, e que, por isso mesmo, estão seconstituindo num novo e relevante passivo operacional cujo resga-te dificilmente deixará de se transformar num novo item de custopara o comércio exterior, minando a competitividade do exporta-dor nacional.

• Nessa mesma reunião histórica, o Setor Empresarial, tendo emvista as projeções para os próximos cinco anos de um acréscimo daordem de 50% na movimentação de cargas nos portos brasileiros,solicitou ao ministro a atenção urgente de sua Secretaria na formu-lação de medidas capazes de promover – seja por ações do Gover-no ou da Iniciativa Privada – o aumento da capacidade operacionaldos portos. Dentre elas as mais importantes seriam a aceleração doprocesso de licitações para o arrendamento5 das áreas públicas oci-osas existentes na orla portuária, o qual se encontra paralisado háanos, bem como o estímulo à implantação de novos terminais pri-vativos através de regras claras e compatíveis com os princípios daLei nº 8.630, que assegurem às empresas segurança jurídica e osprazos indispensáveis à amortização dos pesados investimentos,de acordo com o que determina a Lei de Modernização dos Portos.

• Ainda nessa reunião, foram solicitadas urgentes providências parasolucionar os problemas criados pela falta de dragagem de manu-tenção dos acessos aquaviários aos portos, bem como a interven-ção da SEP junto aos Ministérios da Previdência e do Trabalho eEmprego para equacionar a questão do excesso de trabalhadoresavulsos nos portos. Há, hoje, um contingente expressivo de traba-lhadores em condições legais de se aposentar, ou que se encontramfisicamente incapacitados por motivos diversos para a atividadeportuária, que aguarda há anos a regulamentação pelo governo de

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51Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 644, p. 42-66, nov. 2008

um regime de aposentadoria especial para o trabalho portuário, oque, do ponto de vista social, seria a melhor saída.

• Finalmente, solicitou-se ao ministro a busca de soluções para asfreqüentes greves dos agentes do serviço público, que oneram eimpedem a realização do trabalho portuário e que, em alguns por-tos, paralisam a atividade no porto por quase um terço do ano.

A resposta do ministro, mais uma vez, surpreendeu a todos os pre-sentes:

– A Pauta da Comissão Portos é a nossa pauta. Só a ordem das prioridadesé que será prerrogativa da Secretaria.

IV. Os Resultados que Estão Sendo Obtidos

As promessas feitas pela SEP estão sendo cumpridas. Prova dissofoi a imediata mudança do critério de indicação dos administrado-res das Companhias Docas, que até então era político-partidário e,agora, passou a ser pelo conhecimento técnico e pela capacidadegerencial dos executivos. Com raríssimas exceções, já foram substi-tuídos os apadrinhados políticos nas administrações portuárias.

Também foi enfrentado, imediatamente, o grave problema da dra-gagem, ou melhor, da ausência de dragagem, tendo a SEP buscadocriar, através de legislação específica, um novo regime jurídico paraa contratação desses serviços, de modo a garantir a manutençãopermanente dos acessos aquaviários. Ao permitir a contratação,inclusive por licitações internacionais, de dragagem de manuten-ção do calado de projeto pelo período de seis anos, o novo regimeprotege os portos da descontinuidade dos serviços e do conseqüen-

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52 Car ta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 644, p. 42-66, nov. 200 8

temente assoreamento dos seus canais de acesso. Obteve primeiroa edição de uma medida provisória e, depois, sua transformação,no Congresso, na legislação de que necessitávamos, a qual permite,inclusive, a participação de empresas estrangeiras no processo delicitação.

Outra importante vitória para o Setor Portuário foi a obtenção pelaSEP, em 31 de dezembro de 2007, da prorrogação por mais trêsanos do REPORTO (Programa Especial que permite importaçõesde equipamento portuário com isenções fiscais) algo imprescindí-vel para os operadores de carga e cuja legislação estava para expirarsem muita esperança de ser renovada. A vigência do Reporto pormais três anos ocorreu num momento crucial, pois permitirá que osterminais e os portos brasileiros adquiram novos equipamentos deúltima geração capazes de colocá-los em condições compatíveiscom os seus principais concorrentes internacionais. Além disso, essaprorrogação vai lhes permitir sofisticar e modernizar suas instala-ções e equipamentos à medida que a dragagem esperada permita aoperação dos navios de maior porte que passarão a ser construídoscomo resultado das obras do Canal do Panamá.

O Secretário Especial de Portos interveio pessoalmente junto aosMinistérios do Trabalho e da Previdência para que, em conjuntocom os operadores portuários e os presidentes das três Federaçõesnacionais de trabalhadores avulsos, comecem a discutir meios eprocessos capazes de solucionar a aposentadoria do excesso de con-tingente nos portos. Sua intenção, bem como a do Setor Empresa-rial e das atuais lideranças dos trabalhadores, é buscar a pacificaçãodas relações trabalhistas, começando por uma análise nacional docontingente verificando quais os trabalhadores que podem se apo-sentar seja pelo tempo de serviço, pela idade ou por sua incapaci-

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53Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 644, p. 42-66, nov. 2008

dade de saúde. O objetivo é enxugar o quadro excessivo dos avul-sos para então serem negociadas as novas convenções de trabalho.Ressalte-se que tudo isso tem sido feito em comum acordo com ostrabalhadores.

A SEP está atualmente esboçando e preparando um novo PlanoPortuário Nacional (por Decreto) o qual vem sendo ansiosamenteaguardado desde abril. A demora prende-se ao fato de haver inú-meras pressões sobre o Governo, bem como uma indefinição políti-ca por parte deste quanto à flexibilização da parte referente à ope-ração de cargas de terceiros (adicionais), movimentadas nos termi-nais privativos, o que vem sendo exigido por futuros investidores econdenado pelos atuais arrendatários de terminais públicos, os quaisconsideram como uma concorrência desigual e predatória.

V. A Importância do Decreto Presidencial para o Futurodos Portos

Acredito ser importante ressaltar que a Lei nº 8.630 resultou de uminédito pacto social firmado no Congresso Nacional e que precisa,por isso mesmo, ser defendida e preservada. Nenhum segmentopode considerá-la perfeita, mas como resultado de um amplo con-senso resultante de longos debates no Congresso essa lei representatudo aquilo que é importante para o País, e, ao mesmo tempo, me-nos lesivo para os interesses dos diversos setores da Sociedade.Portanto, alterar essa lei ou revogá-la no todo ou em parte, certa-mente, é um crime de lesa-pátria, pois impedirá ao País colocar-seem condições de competição no comércio mundial cada vez maisglobalizado.

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Um dos fatos mais importantes desse novo Decreto Presidencialfoi a informação dada pelo Ministro Pedro Brito, em recente reu-nião, que o seu texto contemplará os princípios e objetivos da Leide Modernização dos Portos, como é conhecida a Lei no 8.630, de1993, e a ela se subordinará integralmente. Com isso é de seesperar que o Decreto Presidencial estabeleça os parâmetros de umapolítica portuária nacional, bem como dispositivos para desfazer osatuais gargalos, pontos nodais e lacunas normativas relativas às ati-vidades portuárias.

VI. Os Impulsos à Modernização X os Antigos Obstáculos

Não há dúvida que a SEP representa um impulso à modernizaçãodos portos, e que tenha corrigido distorções, porém coloco de ladomeu evidente entusiasmo já expressado, e, com absoluta franque-za, devo dizer que ainda, permanecem antigos obstáculos e dificul-dades que não foram removidos, e que, sem nos dispormos a umafirme ação para solucioná-los ou removê-los, dificilmente atingire-mos a plena modernização portuária.

Embora tenha sido dado um passo gigantesco ao se remover osapadrinhados políticos da administração dos portos, substituindo-os por profissionais competentes, de reputação ilibada, a estruturadas administrações e seus sistemas de gestão continuam arcaicos,incapazes de atuar com a agilidade requerida pelo atual ritmo docomércio exterior. Também é preocupante a situação das ligaçõeslogísticas terrestres dos portos com os seus hinterlands, na medidaem que estas se encontram saturadas e requerem urgentes amplia-ções e novas ligações, tanto rodoviárias quanto ferroviárias. Estegargalo logístico está afetando diretamente os setores de mineração

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55Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 644, p. 42-66, nov. 2008

e agropecuária, inviabilizando ao País a exportação das commoditiesdestes setores cujos preços no mercado mundial se encontram emplena alta, o que, por conseqüência, está onerando e descapitali-zando esses setores produtivos. Nesse sentido, houve uma impor-tante vitória estratégica da SEP que logrou incluir aos acessos ter-restres aos portos do Rio de Janeiro no Programa de Aceleração doCrescimento (PAC), mas os demais portos permanecem à mercê daboa vontade do Ministério dos Transportes.

Especificamente em relação à administração dos portos, precisa-mos nos deter sobre esse problema e buscar instituir um sistemaque garanta a continuidade administrativa, tal como temos na inicia-tiva privada, impedindo-se que a cada mudança no Governo, sejatroca de Presidente da República, Ministro, Governador ou Prefei-to, toda a composição da alta administração do porto seja revista.Ouvimos muita discussão sobre estadualização, municipalizaçãoou privatização. Mas é preciso deixar claro que, sem uma profundaalteração da concepção do ente encarregado da administração exe-cutiva do porto, estadualizar ou municipalizar, a despeito dos seusferrenhos defensores, não nos serve, pois será, meramente pular dofogo para a frigideira. De nada adianta mostrar os exemplos do ex-terior, por mais sucesso que tenham tido na Europa: nossa realida-de jurídica é outra, haja vista os tristes resultados da experiência deestadualização dos portos de Paranaguá e Rio Grande. Temos detirar o Estado, a máquina pública, da Administração Executiva doPorto. Quanto à privatização, que sempre considero a melhor for-ma de administrar, lembremo-nos que o Governo retirou os portosdo Plano Nacional de Desestatização (PND) e que, portanto, tem-porariamente, não é hipótese a se considerar, até mesmo pela filo-sofia política do partido do Presidente da República.

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Acredito, firmemente que cada porto deverá ter a opção de decidir,através da sua comunidade portuária reunida no Conselho de Au-toridade Portuária, se quer se estadualizar, municipalizar ou conti-nuar na esfera federal, mas sempre na condição de que sejaconstituído um modelo de administração profissional, priva-do, cujas bases sejam os resultados e a continuidade admi-nistrativa.

Gostaria de deixar aqui uma recomendação resultante, na qual bus-co reunir um pouco de bom senso, prática e objetividade. Que es-ses dois anos que restam ao atual Governo sejam aproveitados ple-namente, já que se conseguiu colocar nos postos de administraçãoportuária verdadeiros profissionais, competentes e de confiança dosenhor ministro, que eles (1) aproveitem para sanear as finançasdessas companhias falidas; (2) se empenhem em cobrar dos deve-dores; e (3) busquem soluções para os atuais problemas com oscredores. Que sejam assinados contratos com os administradoresna base de resultados, dando-lhes garantia e blindagem para quetenham continuidade, seja quem for presidente, governador, pre-feito ou ministro. Que se busque resolver o problema dos enormespassivos trabalhistas, abrindo o capital das Cias. Docas e se promo-va o pagamento com ações, para torná-los acionistas partícipes doresultado da eficiência da empresa. Que se liquidem todos os ati-vos não operacionais, e se vendam todos os ativos hoje sucateados.Sejamos práticos, e ao fim de dois anos teremos companhias opera-cionalmente enxutas, não deficitárias, o que permitirá que sejam,então, tomadas as decisões complementares sobre o seu futuro ope-racional. Nada radical nessa recomendação. Radical, e tolo, é man-ter o status-quo inoperante e arcaico.

O grevismo do serviço público no porto é, a meu ver, de uma total

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57Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 644, p. 42-66, nov. 2008

irresponsabilidade ética e moral, por mais justa que seja a reclama-ção do “injustiçado”. É a Polícia Federal, são os fiscais sanitários,são os fiscais da alfândega, todos engajados em serviços essenciais,que interrompem ou paralisam as operações portuárias, pois semeles a carga não sai, nem entra no porto. O Governo não pareceestar suficientemente empenhado em resolver esse problema.

As áreas de fiscalização – trabalhista, sanitária e de preservaçãoambiental – são aquelas em que a sanha punitiva do poder públicomais mostra sua interferência. As multas, por exemplo, na fiscaliza-ção trabalhista são tão severas e despropositadas que se teme pelofuturo de muitos OGMOs (Órgãos Gestores de Mão-de-Obra)

Na área trabalhista, os conflitos são crônicos e refletem a resistên-cia dos sindicatos de trabalhadores contra a modernização. Os pas-sivos trabalhistas contra os OGMOs são de tal monta que dá parasugerir que está sendo orquestrado para levá-los à falência. As equi-pes das diversas fainas ainda são exageradamente numerosas comose não houvesse quase total mecanização nas operações. No mo-mento está havendo um progresso, pois existem negociações pro-porcionadas pelo Ministro Brito como mencionado acima.

A praticagem continua cara e monopolista embora esse problemajá esteja sendo enfrentado pela SEP.

O sistema jurídico da dragagem foi mudado para melhor e satisfa-tório, mas, fora algumas operações anteriormente iniciadas, colo-car em prática está sendo demorado.

Gostaria de lhes repetir palavras de um conhecido profissional doramo “de forma sistemática, o poder público continua adotando uma postura

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58 Car ta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 644, p. 42-66, nov. 200 8

punitiva perante os agentes produtivos do setor portuário, seja embargandoobras e paralisando atividades, seja multando ou acionando judicialmenteempresas e organizações mesmo quando a correção das infrações identificadasnão estão ao seu alcance”.

Finalizando, gostaria de confidenciar aos colegas deste Conselhoque, ao longo desses anos de luta nas questões do porto, o que maisme incomodou foi, sempre, a falta de união dos empresários, desuas entidades representativas, da falta de uma ação conjugada e,com as rara exceções de praxe, do assunto porto jamais encontrareco nos pronunciamentos das lideranças empresariais. Esquecem-se de que, do outro lado, os trabalhadores desenvolveram uma es-trutura de apoio firmemente embasada na união e no apoio recí-proco, enquanto, do nosso lado, cada um fala por si e todos os es-forços acabam ficando nas mãos de uns poucos idealistas. Precisa-mos, agora, mais do que nunca, nos unirmos, debatermos as ques-tões portuárias e, coletivamente, buscarmos as soluções que se fa-zem indispensáveis.

Senhores, nada é mais maravilhoso e instigante intelectualmentedo que a discussão colegiada, principalmente por um colegiado comoeste Conselho Técnico que temos na CNC, e também nas demaisConfederações empresariais. A divergência de experiências e vivên-cias, bem como as nossas idades – afinal somos todos jovens epodemos continuar a sê-lo se assim o quizermos – são o temperofundamental para que o setor empresarial possa buscar as alternati-vas que poderão melhor servir ao País. Hoje todos nós nos encon-tramos libertos de interesses pessoais, e o que dizemos, e fazemos,representa, verdadeiramente, o que melhor acreditamos. Somos daConfederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo,e o comércio, em todo o mundo, se desenvolveu com os portos, que

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são o instrumento indispensável para que as mercadorias cheguemaos seus centros de comércio, portanto porto é, realmente, em mi-nha opinião, assunto de interesse fundamental, estratégico, para odesenvolvimento da atividade comercial no País. Debrucemo-noscoletivamente sobre os portos, busquemos soluções, esse é o nossotrabalho e o nosso desafio, e, principalmente, o nosso legado aosnossos descendentes.

Muito Obrigado

Notas

1 Anexo I: Marcos regulatórios que regem a atividade portuária.

2 Anexo II: Quadro demonstrativo das entidades públicas que inter-ferem na atividade do porto. Fonte: CODESA – porto de Vitória,ES.

3 Anexo III: Carta enviada ao SEP pelas quatro ConfederaçõesNacionais.

4 Anexo IV: Pleitos Empresariais entregues ao Ministro Pedro Brito.

5 Anexo V: Processo de Arrendamento Longo e Complexo.

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1) Anexo I: Os marcos regulatórios que regem aatividade portuária.

1. Marcos regulatórios existentes:

1. Lei n° 8.630/93 alterada pelas Leis n° 11.314/06 e 11.518/07;2. Lei n° 8.987/95 (Lei das Concessões);3. Lei nº 9.074/95 (altera a Lei de Concessões) alterada pelasLeis nº 9.432/96 e 9.648/96;4. Lei n° 9.277/96 (Delegação de Portos);5. Lei nº 9.309/96 (Revoga o ATP);6. Lei nº 9.432/96 (Tráfego aquaviário)7. Lei n° 9.537/97 (Segurança da Navegação – LESTA);8. Lei nº 9.648/96 (Reordena tráfego aquaviário);9. Lei n° 9.719/98 (Trabalho Portuário – GEMPO);10. Lei n° 10.233/01 (Criação da ANTAq);11. MP n° 2.174-28/01 (Institui o PDV);12. MP n° 2.217-3/01 (Revalida termos da 8.630 para a ANTAq);13. Lei n° 11.314/06 (altera a Lei nº 8.112/90 – Regime dosServidores Civis);14. Lei n° 11.518/07 (Criação da SEP);15. Lei n° 11.610/07 (Institui o Programa Nacional de Dragagem);16. NR-29 (MTE) Trabalho Portuário;• Diversos Decretos;• Diversas Portarias Ministeriais;• Diversas Resoluções da ANTAq (Ex.: 55 e 517).

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64 Car ta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 644, p. 42-66, nov. 200 8

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65Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 644, p. 42-66, nov. 2008

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66 Car ta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 644, p. 42-66, nov. 200 8

Palestra pronunciada em 26 de Agosto de 2008

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67Carta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 54, n . 644, p. 67-83, nov. 2008

“Os 20 anos da ConstituiçãoFederal de 1988”J. Bernardo CabralPresidente da Ordem dos Advogados do Brasil (1981/1983). Relator-geralda Assembléia Nacional Constituinte (1987/1988). Presidente da Comissãode Relações Exteriores da Câmara dos Deputados (1989). Ministro de Estadoda Justiça (15.03.90 a 09.10.90). Senador (1995/2002). Presidente daComissão de Constituição e Justiça do Senado Federal (1997/1998 e 2001/2002). Consultor da Presidência da Confederação Nacional do Comércio deBens, Serviços e Turismo, a partir de 1º de fevereiro de 2003. Doutor HonorisCausa da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UNIRIO – (maio/2005).

A palavra do relator: ontem, há vinte anos

Bernardo Cabral

Longo e amadurecido processo de reflexão sobre os mais lídi- mos anseios da Nação brasileira encontrou há 20 anos no

Congresso Nacional, em 5 de outubro de 1988, solene momentode coroamento e de concreção histórica. Àquela altura, após maisde ano e meio de estudos e acalorados debates, veio a lume aConstituição democrática do novo Brasil, há tempo reclamada eesperada.

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Vale lembrar que sua promulgação ocorreu após sofrimentos e ten-sões, pondo fim à longa noite de arbítrio e de precariedade jurídicados governos autoritários que se haviam abatido sobre o País. Apartir daí, passamos a respirar os ares saudáveis e vivificantes dasliberdades públicas e das garantias civis restauradas, com a supera-ção da longa era de autoritarismo e da prolongada fase de transiçãoque lhe sucedeu.

Como constituintes, foram titulados quinhentos e vinte e um brasi-leiros já no exercício de seus mandatos parlamentares, Senadoresda República e Deputados Federais, portadores de mandatos con-gressuais considerados, pelas vicissitudes e pelas circunstâncias doprocesso histórico, como portadores de poderes de representativi-dade também constituinte. Os melindres da transição democráticae a urgência de refundação da República não contemplavam outrasolução. Com respaldo dessa legitimação conferida sem limitações,fundada no próprio ato convocatório da Assembléia Nacional Cons-tituinte, decidiu-se ab ovo pelo mais difícil e pelo mais autêntico:estruturar aos poucos, tijolo sobre tijolo, piso sobre piso, o grandeedifício da Lei Maior. Abriu-se mão da comodidade do pré-molda-do e das estruturas pré-fabricadas, em nome da proposta de reali-zar-se artigo por artigo a construção político-jurídica do novo Bra-sil. Diversamente do que ocorrera a priori, e de forma contrária aoque era desejado por desautorizadas vozes tonitruantes, deliberou-se a partir do nada, até a redação final do texto definitivo. Preferiu-se à sólida estaca de um anteprojeto de encomenda, formulado porjurista ou comissões deles, o caminho mais árduo da abertura dasenda constituinte primacial, a começar do próprio povo, de seusanseios, de suas idéias e convicções, de seus equívocos e de seusacertos.

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Uma vez mais estava o Brasil mobilizado para a tarefa de elaborarnova Carta fundamental. Tratava-se de reordenar de forma demo-crática o País, e de reconciliá-lo com as suas convicções e tradiçõesjurídicas, após rupturas recorrentes da ordem constitucional e dosdesmandos derivados do exercício do poder fundado na precarie-dade da força. Com efeito, a necessidade para a sociedade brasileirade Constituição livremente votada era premente. Sem ela, valoresfundamentais em que se deve basear o convívio civilizado, a ordempública e o Estado democrático de direito permaneciam letra mor-ta, como discursos inconseqüentes da intelighenzia perdida nas pro-postas acadêmicas e nos devaneios filosóficos. A sobrepairar todasessas necessidades havia ademais o desafio de elaborar-se Consti-tuição que ao tempo em que espelhasse relações sociais de sua épo-ca, sem engessar ou amordaçar as instituições, também estivesseapta a constituir instrumento de progresso social.

Logo nos albores dos trabalhos preparatórios, elegeu-se o método aser utilizado pelo Congresso Constituinte. Tratava-se de forma detrabalho que privilegiava a espontaneidade das contribuições emvez de adotar o texto de juristas notáveis a ser tomado como baserígida. Metodologia extremamente fluida e com acentuado poten-cial dispersivo, é verdade, era portadora, no entanto, dos vícios edas virtudes do assembleismo democrático e republicano. Reali-zou-se conforme esse espírito de ampla consulta, desde os traba-lhos iniciais, levantamento das aspirações nacionais mais intensas,expressas pelos constituintes e ainda pelo próprio povo, por meiodas emendas populares. Nesse estágio, o objetivo era o de se elabo-rar documento que refletisse a consciência da maioria da popula-ção, como corolário do princípio basilar da vida em sociedade.

Em ritmo de ordem de batalha, foi montada logo ao início das ati-

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vidades da Assembléia Nacional Constituinte, em 1º de fevereirode 1987, estrutura singela, mas eficiente, composta de subcomis-sões e comissões temáticas, como fóruns de debates e de negocia-ção. Tinha-se com isso um conjunto de núcleos aptos a dar visãoabrangente da realidade brasileira. A partir deles, dispunha-se desuporte aos debates específicos que iriam se seguir, conducentes àredação dos artigos e de seus consectários legais. Como resultado,temos hoje documento de marcante sincretismo e pluralismo, noqual se podem entrever os mais distintos segmentos sociais, com asdiversas partes que compõe o todo social a fazer refletir diferentesclivagens ideológicas. Tratou-se, malgrado o vaticínio pesaroso decertos inimigos declarados da Constituinte congressual brasileira,de trabalho extremamente profícuo, que permitiu que soubéssemosaquilo que segmentos importantes da sociedade brasileira tinham apropor, quais os seus anseios e quais os seus temores.

Nesses palcos setoriais transcorreu a primeira etapa do grande es-forço: justapondo idéias, amalgamando propostas, formulando tex-tos, classificando, cotejando e, ao final, buscando criar consensopara redação comum. As subcomissões foram paulatinamente cons-truindo a parte que lhes cabia, da engenharia constituinte, a partirdos alicerces do que mais tarde seria uma grande construção. Seustrabalhos não eram um diktat setorial: pelo contrário, decorriam deintensas discussões entre os constituintes, a repercutir temas disse-cados em assembléias públicas, com enorme participação popular,para ao final serem consolidados em cuidadosos pareceres. Ao fime ao cabo, votados em sessões de grande atividade e por vezes ele-trizantes, os pareceres davam forma a textos articulados com amelhor técnica legislativa possível. Dessa maneira, sem poder con-tar com os prodígios das televisões legislativas e institucionais que

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hoje dão tanta transparência os trabalhos legislativos, a Constituin-te ganhou o Brasil sem campanhas publicitárias ou divulgações demídia paga. Todos queriam ver-se de alguma forma representadosno texto constitucional, dos mais importantes segmentos profissio-nais às mais debilitadas minorias, a revelar a confiança popular deque as normas que estivesse na Lei Maior iriam impor-se com efe-tividade e realismo.

Nessa fase de maturação das grandes linhas a serem adotadas, ondeo volume de contribuições era notável, foi importante o trabalhode apoio dado pelas assessorias técnicas da Câmara dos Deputadose do Senado Federal, por meio do Prodasen e da sua Gráfica. Diri-gidas por executivos da mais alta qualificação, as instituições de-ram suporte valioso aos trabalhos constituintes, em momento queainda havia grande carência de recursos informáticos e de engenha-ria industrial. Porém, a qualidade pessoal e a dedicação de funcio-nários e diretores que trabalharam na Constituinte supriram todasas possíveis carências materiais e técnicas dos idos anos 1980.

Aliás, dedicação e doação profissional foram tônicas do CongressoNacional naqueles dias, com constantes tensões pairando no ar: oscorredores estavam em dias de grandes deliberações repletos depopulares, cidadãos, muitos sem qualquer credencial, que circula-vam de um gabinete ao outro, de uma comissão a outra, a abordarconstituintes, convocando-os a ouvirem suas idéias e aspirações,em sadia prática de lobismo à outrance. Não eram poucos os autoresde idéias geniais, sempre dispostos a salvar o Brasil a qualquer pre-ço, oferecendo suas inteligências em troca de um cafezinho ou ape-nas de alguma atenção. Vivia-se a democracia de fato, um momen-to em que a atividade política era genuinamente de res publica, comosempre deveria sê-lo, a seguir o sentido etimológico da palavra. É

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oportuno recordar que a participação da cidadania aqui menciona-da foi poderoso vetor de atuação política, a aplacar iras e ressenti-mentos, e a reconverter conflitos potenciais em sinergias construti-vas, com abundante exercício de ativa participação da sociedade.Aprendíamos o verdadeiro sentido da pluralidade republicana, e,como tal, a militância popular era valiosa ferramenta a serviço datransição democrática e da consolidação do estado democrático dedireito. Etapa ali iniciada, mas sempre por fazer, em prol da con-solidação das instituições públicas e do aprimoramento da prática eda cultura política.

Também merece referência, por coerência histórica, registrar o ladopesaroso do processo. Tanto na fase de instalação dos trabalhos,como já em fases avançadas do iter constituinte, lamentávamos aexistência de poucas e agressivas especulações desairosas de críti-cos apressados, indisfarçados cultores de catástrofes. Marginaliza-dos dos trabalhos constituintes senão por suas arrogâncias e limi-tações de comportamento, não se limitavam a criticar sem funda-mento, para debochar e prever a falência do País. É provável quena qualidade de Relator Geral da Assembléia Nacional Constituintetenha acabado por me transformar no destinatário dos rancoresacumulados de muitas dessas Cassandras desamadas de seu tem-po e pour cause olvidadas até por seus contemporâneos. Perderamsuas credibilidades e comprometeram suas biografias com bazó-fias de humor primitivo, a criticar de forma desarrazoada e ranco-rosa. A elas a história se incumbiu de corrigir, acabando por reve-lar o quanto estavam erradas e, no que diz respeito ao presenteartigo, o quanto foram inimigos gratuitos da Constituição de 1988e do povo brasileiro.

Dentre ataques dos mais solertes, pela linha do escárnio e da pura

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provocação questionava-se a natureza do Poder Constituinte, comargumentos precários e sem qualquer respaldo de juristas minima-mente respeitáveis. Como clínicos gerais de tragédias políticas anun-ciadas, e com a soberba que costuma adornar os espíritos primiti-vos, tais aloprados de outras épocas afirmavam pretender com suascríticas delirantes “prevenir um desastre social”. Imbuído do deverde defender o processo constituinte que se desenvolvia com entu-siasmo e com rara participação popular, logo em fevereiro de 1988dei resposta a tais ataques, na forma de publicação que denominei“O Poder Constituinte – Fonte Legítima – Soberania – Liberdade”(Centro de Documentação e Informação, Câmara dos Deputados,Brasília, 1988) jamais contraditada ou minimamente questionada,tendo sido referência em recorrentes trabalhos acadêmicos que setem publicado acerca de nosso processo constituinte, tanto na dou-trina brasileira, quanto em estudos comparatistas e em universida-des estrangeiras. Não é sem razão que Jorge Miranda é constanteem afirmar, do alto de sua cátedra, na Universidade de Lisboa, quea Constituição de 1988 propiciou o desenvolvimento dos estudosconstitucionais de forma sem precedentes, colocando a doutrinabrasileira no cerne da comunidade juscientífica mundial.

Em função desses ataques despropositados, torna-se imperioso lem-brar o contexto em que foi elaborada nossa última Lei Maior, nasegunda metade dos anos 80. O primeiro ponto a destacar diz res-peito ao perfil do órgão ao qual se houve por bem confiar a feiturado Pacto fundamental e os limites do possível com que se teve delidar no decorrer dos trabalhos.

Instalada a Assembléia Nacional Constituinte em 1º de fevereirode 1987, mereceu destaque o seguinte rol de fatos, aqui situadosem sua seqüência cronológica: aprovação do Regimento Interno,

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em 24 de março de 1987, com a instalação e inauguração de 24subcomissões, entre 7 e 25 de maio de 1987; de 26 de maio a 15 dejunho de 1987, instalação e inauguração de 8 comissões temáticas.Logo em seguida, de 17 de junho a 18 de novembro de 1987, dá-sea instalação e o início do funcionamento da Comissão de Sistema-tização e de Plenário, fadada a transformar-se no núcleo centraliza-dor de todo o processo em sua fase bruta, para a discussão e aapresentação de emendas. Ao final, realizadas 123 reuniões da Co-missão de Sistematização, foram produzidos textos para discussãoe votação, e apresentadas 35.111 emendas, das quais 122 delas denatureza popular. Em 27 de janeiro de 1988 ocorre a votação doProjeto-final em 1º turno. São apresentadas mais 2.045 propostas,muitas delas voltadas a propor reforma regimental, de iniciativa doautodenominado grupo político Centrão. Antes de se iniciar a vota-ção do Projeto em Segundo Turno, de 1º de junho a 2 de setembrode 1988, já contávamos com a realização de 119 sessões e 732votações, com o tempo de trabalho computado de 476 horas e 32minutos. Em seguida, com a votação de 2º turno, foram apresenta-das mais 1.834 emendas e realizadas 38 sessões, para as quais seutilizaram 142 horas e 10 minutos de trabalho.

Com o contentamento geral, chegou-se à votação da redação finaldo texto constituinte, o que ocorreu de 13 a 22 de setembro de1988, ocasião em que ainda se fizerem presentes 833 emendas, como objetivo de corrigir artigos em sua acepção formal, sanar omis-sões, falhas ou contradições. Realizadas todas as oito sessões pre-vistas, computou-se tempo de trabalho, apenas nessa fase, de 27horas e 41 minutos.

Como resumo final de todas as atividades foram realizadas 330 ses-sões plenárias, em 309 dias, com as Comissões Temáticas e as Sub-

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comissões a trabalhar por um total de 1.109 horas. A Comissão deSistematização esteve reunida por 263 horas e o Plenário por 1.304horas e 16 minutos. Como total geral de Emendas, tivemos 62.160,excetuadas as que foram examinadas apenas nas Comissões e Subco-missões, em um total de 21.337. Ao todo, foram mais de 80.000emendas, lidas uma a uma por mim e por meus assessores diretos,em jornadas de trabalho insano, imbuídas de autêntico compromis-so com o êxito da empreitada que a todos emulava.

Devo fazer particular menção a um dos fatos marcantes de todo oprocesso constituinte, verificado em 22 de março de 1988, a cha-mada superterça, quando se votou em definitivo o sistema de go-verno. Venceu sem surpresas a Emenda Humberto Lucena pelopresidencialismo, por 344 contra 212, com três abstenções. Con-fesso que à época me perguntava como era possível abster-se emrelação a tema tão candente para a definição do processo político.Afonso Arinos liderou os discursos pelo parlamentarismo, comonão poderia deixar de ser, seguido, dentre outros, por José VianaFilho e José Fogaça. Vivaldo Barbosa, depois de Humberto Luce-na, encaminhou a votação pelo presidencialismo, seguido de outrosinflamados oradores. Tratou-se de uma das mais longas e flamantessessões do Congresso Constituinte, na qual se aprovou ainda omandato de cinco anos para o Presidente da República. Depois dehoras de antológicos debates, discursos e apartes, Doutor Ulysses,ao meu lado, finalmente comandou: “Acionem o botão do painelvermelho, vamos votar!”. A sorte do Brasil parecia estar lançada esó restava esperar pelo iminente resultado. Porém essa é outra his-tória, que ainda haverá de ser contada.

Abstraídos os detratores mencionados, o texto da Constituição de1988 é prodigioso, descontados os naturais problemas de qualquer

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obra decorrente do labor humano. Hoje, não são poucos os trata-distas de direito constitucional comparado que citam o modelo bra-sileiro, classificando-o de diploma exemplar, profundamente reno-vador, à altura do melhor que o constitucionalismo moderno podeproduzir, incluídas nesse rol as inexcedíveis virtudes das Constitui-ções de Espanha e de Portugal.

Em análise abrangente que possamos realizar sobre a Constituiçãobrasileira, o primeiro dado a destacar é de natureza topográfica, porassim dizer, mas igualmente de conteúdo: o texto se instaura com aindicação dos princípios fundamentais, direitos individuais, garan-tias fundamentais e direitos sociais. Em vez de clássica exposiçãovestibular da estrutura do Estado e de seus Poderes, deu-se preva-lência ao cidadão e ao trabalho: não apenas uma questão de ordemdas coisas, mas uma cabal opção axiológica. Afinal, uma verdadei-ra Constituição cidadã, como bem a qualificou o saudoso e notávelhomem público Ulisses Guimarães, bastando examinar de formasumária seus títulos para reforçar tal convicção.

No que concerne ao conteúdo material do texto constitucional bra-sileiro, cumpre destacar alguns atributos de seus dispositivos, paraa consecução e a consolidação do Estado democrático de direito.Nesse sentido, vale referir: a expressa consagração do respeito aosdireitos humanos como princípio fundamental; o alargamento dasgarantias fundamentais, com ênfase para o habeas data, o mandatode injunção, a garantia do devido processo legal, o mandato de se-gurança coletivo, a imprescritibilidade de certos delitos gravíssi-mos; a consagração constitucional dos direitos fundamentais do tra-balhador, com particular referência ao fortalecimento do sindicatoe à ampliação do direito de greve; a maior dimensão do sufrágiouniversal e do direito de votar e de ser votado; a redefinição das

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competências normativas, conferindo aos Estados e ao DistritoFederal poderes jamais antes concedidos; a atribuição ao Municí-pio de efetivos instrumentos de autonomia; o fortalecimento e au-mento de atribuições do Legislativo, que é a casa do povo, deslo-cando o Executivo da posição majestática, antes detida; os poderesde investigação próprios das autoridades judiciais conferidas àsComissões Parlamentares de Inquérito; a reformulação da partilhatributária, de sorte a viabilizar a federação; o estabelecimento, pio-neiro no patamar da Constituição, de uma clara e ordenada políticaurbana; o regramento, voltado para os interesses da sociedade, dosistema financeiro nacional; a elaboração, por vez primeira, de umaestrutura integral da seguridade social; a total reformulação da dis-ciplina fundamental da educação e da cultura, assentando a ampli-tude de seus fins e a generalização de seus beneficiários, priorizan-do o sistema público como destinatário dos recursos arrecadadosda população; os capítulos absolutamente inovadores e exemplaresda comunicação social, ciência e tecnologia, desportos; o do meioambiente, primeira consagração mundial do tema em sede consti-tucional, com a dignidade de direito público subjetivo, de naturezadifusa; o combate sem trégua à corrupção, através do fortalecimen-to do Ministério Público; a preocupação específica com o idoso, acriança, o adolescente e as populações indígenas, todos enfim jus-tamente considerados como titulares de atenção especial; a revalo-rização da família, com o reconhecimento de seu novo perfil e aabolição das discriminações entre os filhos; o fim da censura.

Por oportuno, cumpre tecer alguns comentários sobre o problemada revisão constitucional. Surgiu de emenda de autoria do Deputa-do Joaquim Beviláqua, com a justificativa de que – imitando, emparte, a Carta portuguesa – logo após a promulgação da nossa Cons-

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tituição, no ano seguinte, teríamos a eleição para Presidente da Re-pública, o que de resto efetivamente aconteceu. Haveria, ainda,três anos para concluir a legislação ordinária e complementar fal-tante, bem como para sanar as arestas, os senões, as imperfeiçõesque porventura permanecessem no texto original. Infelizmente, aslegislações ordinária e complementar não foram realizadas como aexpediência que se esperava e a revisão prevista tão pouco logrouêxito. Como se vê, os Constituintes de 1988 tinham a mais absolutarazão de incluir tantos anos como prazo para a revisão.

Quanto à apregoada ingovernabilidade que a nova Lei Maior cau-saria, trata-se de argumento que não se põe de pé, por razões inar-redáveis. A mais veemente delas, a decorrer da natureza dos fatos éa que sinaliza para a realidade circunstante: afinal, vivemos perío-do dos mais estáveis da história republicana, não obstante grandesdificuldades verificadas, com crises inauditas superadas, dentro damais perfeita ordem constitucional. Presidente da República à épo-ca da promulgação da Constituição, José Sarney concluiu seu man-dato em 15 de março de 1990, data em que assumiu o novo Presi-dente eleito, Fernando Collor. Esse, afastado pelo impeachment, teveo restante do seu mandato cumprido pelo Vice-presidente ItamarFranco, na mais perfeita ordem jurídico-política. A seguir, tivemosoito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, até a eleiçãoe reeleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É importantereferir que sob a ordem da Constituição de 1988 sucessivos planoseconômicos foram implantados no País, desde os mais ortodoxosaté os mais experimentais, para que se pudesse finalmente por co-bro à inflação que corroía o País e as esperanças de seu povo.

Ora, se o País fosse ingovernável, só para citar o período Collor,nem o Vice-presidente Itamar Franco teria assumido, tal como

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aconteceu com o Pedro Aleixo, no ciclo anterior, nem o mandatoteria se concluído com forma e figura do direito constitucional àépoca vigente. Vale dizer, deve-se à Constituição de 1988 a conti-nuidade, a solidez e a estabilidade de período democrático sem pre-cedentes na história republicana do Brasil, e mesmo inaudito emrelação a nossos vizinhos e a nosso sofrido subcontinente.

Houve, no entanto, quem pretendesse debitar à Constituição todosos equívocos presumíveis de uma sociedade portadora de proble-mas seculares. Isolar a Constituição brasileira e o processo consti-tuinte de seu contexto sócio-histórico é esquecer a natureza huma-na do processo, a par de suas vicissitudes e de suas contingências.Em período de acirramentos ideológicos incontornáveis, da quedado muro de Berlim, agravados pelas circunstâncias internacionaisdo fim do bipolarismo e da Guerra Fria, o Brasil da Constituintevivia no plano interno as agruras econômicas da década perdida.Claro que tudo isso refluiu na qualidade dos trabalhos, quando par-ticiparam da sua feitura atores das mais diversas origens, de ban-queiros a operários, ex-cassados, ex-guerrilheiros convertidos à vidademocrática, banidos de volta à pátria, revanchistas, e toda umagama de personagens de variegadas tendências e intenções. Se porum lado tal pluralidade conspirava para o detalhismo condenáveldo texto final, como se vê na parte referente às relações de trabalhoe ao papel do Estado na economia, por outro enriquecia a massacrítica que falava pelo Brasil. Era o respaldo do País de fato que talpluralismo proporcionava à Assembléia Nacional Constituinte. Paísnão rara vez desordenado e ilógico, sempre passional, representadocom fidelidade no meio constituinte, como projeção mais que ve-rossímil, a refletir realidade inconteste do que somos de fato, doscondomínios de luxo aos grotões, “do Brasil e dos Brasis” na ex-pressão insuperável de Josué de Castro.

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Parece-me necessário agregar uma palavra sobre a questão federa-tiva e de seu deslinde no texto constitucional. Apesar de ser o Bra-sil uma Federação, as principais decisões sempre foram tomadaspelo Governo Central. Com a Constituição de 1988, a Federaçãoficou restabelecida, inclusive com a possibilidade de o Estado-mem-bro legislar de forma concorrente sobre uma série de matérias e, oque é digno de destaque, dispor de recursos para por em prática suaadministração. Foi com a Constituição que fizemos que se desseênfase a descentralização administrativa, comprovando que o me-lhor governo é o que governa mais perto do cidadão, apto a recla-mar os seus direitos à Prefeitura ou ao Governo do Estado, com asfacilidades de que jamais disporia se fosse obrigado constantemen-te a recorrer ao Poder Central, no Planalto Central. Como decorrên-cia, houve a elevação do percentual de arrecadação dos dois maisprodutivos impostos federais: o imposto de renda e o imposto so-bre produtos industrializados, destinados a integrar o Fundo deParticipação dos Municípios e o Fundo de Participação dos Esta-dos e do Distrito Federal.

É imperioso registrar que a perda do poder central determinadopela Constituição de 1988 foi de natureza política e não derivadode questão orçamentária, tendo a Lei Maior estipulado que a desti-nação das verbas a que tinham direito os Estados-membros a elesfossem repassadas diretamente, sem intermediários. No passado –e esse ambiente parece não de todo superado –, prefeitos e gover-nadores vinham sistematicamente ao Poder Central, em atitude in-devida de pedir e pleitear favores, sendo com freqüência destinatá-rios de cooptação e de barganha de política menor. Em troca, apretender apenas a percepção do que lhes era de direito, eram agra-vados com a obrigação de orientar suas bancadas para apoiar polí-

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ticas oficiais. Quanto à volta nociva de tal ambiência, isso se dácontra o espírito constitucional. E mais, decorre do abuso de im-postos indiretos e cumulativos, como o COFINS, o PIS, a Contri-buição sobre o Lucro Líquido, CSLL, sem ocorrer o mesmo comimpostos diretos sobre a renda. Enfim, não há repasse apropriadopara Estados e Municípios.

Quanto à convocação de uma miniconstituinte ou das especula-ções acerca de novo pacto constituinte, como algumas vozes isola-das têm aventado, é necessário contrapor importantes argumentos.Quando vamos à gênese da Constituinte de 1988 verificamos terela decorrido de um claro processo histórico: no primeiro semestrede 1964, sob os impulsos de um movimento popular, fruto ou nãode equívoco, as Forças Armadas, com o apoio, manipulado ou não,de significativa parcela da classe política (parlamentares, governa-dores e prefeitos), destituíram o Presidente da República e opera-ram lesões na ordem político-institucional vigente, por meio dosatos institucionais. Após breve convivência entre a Constituição de1946 e os atos institucionais, o Congresso Nacional foi chamado ainstitucionalizar o quadro jurídico resultante, com nova Constitui-ção, que foi promulgada a 24 de janeiro de 1967, em vigor a 15 demarço do mesmo ano.

Durou pouco e, no curto espaço de tempo de sua vigência, ouvi-ram-se os primeiras clamores em favor da convocação de uma As-sembléia Nacional Constituinte, idéia que, informalmente, foi de-fendida, desde abril de 1964, pelo saudoso Senador pela Bahia,Aluísio de Carvalho Filho. A idéia não prosperou, e a 13 de dezem-bro de 1968 o estamento militar impôs ao Presidente da Repúblicaa edição do Ato Institucional nº 5, que promoveu a completa rup-tura político-institucional.

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Eis aí o motivo forte, de então, para a convocação da AssembléiaNacional Constituinte: a completa ruptura político-institucional. Edela decorreram todas as ações políticas que então tiveram curso.

Como no momento é imponderável que se cogite de qualquer criseinstitucional ou de rupturas jurídicas sob qualquer plano, com opleno funcionamento dos Poderes do Estado, livres e independen-tes entre si, em tempo excepcional de liberdade de imprensa e daplenitude do Estado de Direito, a idéia de novo pacto constituinteé de todo perfunctória.

A doutrina consiste em ver a Constituição como lei fundamental,onde se resguardam, acima e à margem das lutas de grupos e ten-dências, princípios básicos que incorporados ao seu texto tornam-se indiscutíveis e insuscetíveis de mudanças banais. Como não sãotodos os dias aqueles em que uma comunidade política adota novosistema constitucional ou assume novo destino, cumpre extrair daConstituição tudo o que comporta sua virtualidade, em vez de, atodo instante, modificar-se-lhe o texto, a reboque de interesses cir-cunstanciais.

Tendo procurado traçar – ainda que com cores esmaecidas – o re-trato desses anos da instalação da Assembléia Nacional Constitu-inte e de seus resultados, devo, agora, a guisa de consideração final,registrar que a memória da história presente não permite a quemquer que seja – nem ao mais competente nem ao mais arguto –agredir a verdade, sob pena de ser confrontado pela realidade cir-cunstante. E os fatos não são mera opinião: decorridas duas déca-das da vigência da Constituição de 1988, período em que o Paístem vivido estabilidade política paradigmática, com avanços eco-nômicos e sociais particularmente positivos, é sempre curioso lem-

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brar os famosos pessimistas ou inimigos da Assembléia NacionalConstituinte. Seu brado de guerra era no sentido de que a Consti-tuição de 1988 tornaria o País ingovernável. E, de forma mais áci-da, que “o único artigo irrecusável era o que previa, no Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias, a revisão em cinco anos”.Estavam errados. Viveram por códigos errados, não conseguiramser protagonistas lúcidos de seu próprio tempo.

Palestra pronunciada no dia 23 de setembro de 2008

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Ernane GalvêasEx-Ministro da Fazenda

Síntese da ConjunturaExpectativas Inflacionárias

A inflação não é uma alta de preços derivada basicamente das expectativas do mercado. É lógico que há casos em que os

produtores remarcam os preços de seus produtos diante da expec-tativa de que seus custos vão aumentar e, portanto, agem preventi-vamente. Pode até ocorrer que esses produtores, antecipando umaalta de custos, aumentem seus estoques, para vendê-los mais adiantee, aí sim, pela redução da oferta, podem produzir uma alta de pre-ços. Mas esses são casos de exceção e não configuram a forma nor-mal de funcionamento do mercado. Há aumento de estoques pla-nejado e não planejado. Quando ocorre uma elevação de estoques,não planejada, sucede uma queda de preços.

Assim sendo, se alguém diz que o Banco Central eleva os jurosbásicos para prevenir uma alta de preços derivada de uma expecta-tiva inflacionária, está cometendo uma heresia.

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Normalmente, a inflação (alta geral de preços) ocorre quando há umaescassez de oferta, durante período relativamente prolongado, na pro-dução, ou uma pressão de demanda, baseada em uma elevação desalários, expansão do crédito ou aumento dos gastos públicos.

O único indicador válido para justificar a política monetária é orelacionado ao volume de crédito. A expansão do crédito, seja parafinanciar o consumo ou os investimentos, acima do crescimentonominal da produção, poderá ter efeito inflacionário. Aí, então, oBanco Central trata de reduzir o volume dos empréstimos median-te a elevação da taxa de juros, no pressuposto de que essa elevaçãodos juros provoque uma queda na liquidez e na demanda agregada(de consumo e de investimentos).

É um engano pensar que quando os analistas de mercado proje-tam uma alta de preços isso seja suficiente para fazer com que ocomércio ou os produtores elevem seus preços, na expectativa deque, amanhã, os preços vão subir. Isto simplesmente não existe.Expectativas podem se transformar em fatos, em realidade, masisso também pode não acontecer. Expectativas são meras expecta-tivas. Dificilmente, alguém compra mais ou compra menos, em fun-ção das expectativas. O único agente que atua constantemente emfunção das expectativas é o Banco Central.

De acordo com alguns analistas, ex-diretores do Banco Central, atrajetória de alta dos juros, desde abril deste ano, irá se refletir emqueda no ritmo da economia nacional, no início do ano 2009. Issoé o que todos esperam, isto é, que em função dos acontecimentosna área externa, a economia mundial poderá ter uma ligeira reces-são no próximo ano e, portanto, não cabe atribuir esse fato aosjuros do Banco Central.

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O presidente do Banco Central do Brasil disse, em Nova York, que“a política monetária vem controlando os efeitos da aceleração dainflação em 2008 e corrigindo as expectativas do mercado”. O pre-sidente do FED, o BC americano, mais humilde, declarou que, naconjuntura atual, de alta volatilidade nos mercados financei-ros, os economistas não sabem quais os fatores que determi-nam as expectativas inflacionárias.

Em matéria de expectativas, é importante acompanhar as negocia-ções coletivas, no 2º semestre, das grandes categorias do trabalho:petroleiros, bancários, metalúrgicos, químicos e comerciários.

Na opinião do Ministro Delfim Neto, “o efeito principal do aumen-to do juro básico pelo Banco Central é a valorização do câmbio. Ainflação vem de fora, não tem nada a ver com as taxas de jurosbrasileiras”.

CONTRADIÇÕES DA POLÍTICA ECONÔMICA

Ao aumentar para 13% (+0,75%) a taxa de juros SELIC, o BancoCentral atua pesadamente para coibir o que parece ser uma ameaçapotencial de inflação. A razão principal da elevação dos juros éconter a expansão do crédito, que alimenta o consumo e o investi-mento. Acontece que os empréstimos do sistema financeiro há maisde dois anos estão crescendo ao ritmo alucinante de cerca de 30%ao ano. Nos últimos 12 meses até julho, o volume de crédito subiu32,7%. Os grandes bancos oficiais – BNDES, CEF e BB – estãoexpandindo aceleradamente suas aplicações. O BNDES já expan-diu 60% neste ano e está avidamente captando mais recursos, paraampliar seus financiamentos.

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É evidente essa disparidade de comportamento. E a conclusão ló-gica é de que o BC está equivocado, agravando a situação do Te-souro Nacional e inviabilizando uma política fiscal de redução dosgastos públicos. Até julho, o Tesouro Nacional já pagou R$ 106,8bilhões de juros sobre a dívida pública.

O BANCO CENTRAL E A INFLAÇÃO

Os Bancos Centrais têm duas funções básicas, no contexto da polí-tica econômica global, conforme consta de seus Estatutos:

1ª) Promover a adequada expansão da liquidez e do crédito, a fimde evitar que as altas ou baixas acentuadas de preços (inflação/deflação), possam produzir queda nas atividades econômicas. Essatarefa pode incluir a supervisão da taxa de câmbio, com a finalida-de de preservar o equilíbrio do balanço de pagamentos;

2ª) Regular e disciplinar a atuação das instituições financeiras, jun-tamente com outras agências regulatórias, a fim de assegurar umaredução dos riscos e uma sólida administração dos recursos captadosno mercado, evitando prejuízos aos depositantes e investidores.

O simples enunciado dessas diretrizes básicas indica que a políticamonetária não pode atuar na contramão da política fiscal, associa-das, no caso do Brasil, aos inúmeros programas governamentais.De um modo geral, a segunda função básica do Banco Central temsido exercida de maneira precária e insuficiente, o que somente sepercebe nos momentos de crise. Quanto à primeira função, tudo seresume em agir como emprestador de última instância, ou seja re-gular o acesso dos bancos ao Banco Central, através da taxa dejuros.

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A inflação pode ser definida como um problema de oferta e procu-ra, em que a demanda agregada (consumo + investimentos) ex-ante,é persistentemente superior à oferta (PIB potencial). O importante,absolutamente importante, é identificar as causas básicas e as ori-gens da inflação. No caso do Brasil atual, não há dúvidas de que ainflação está associada:

1º) Às pressões inflacionárias que vêm de fora, a partir da elevaçãodos preços do petróleo, das matérias-primas e dos alimentos, cujaorigem está na demanda abrupta da China.

2º) Às pressões inflacionárias que vêm do excesso de gastos dosetor público, hoje ao redor de 40% do PIB, aumentando continua-mente, inclusive, e destacadamente, em razão do absurdo montan-te de juros pagos sobre a dívida do Governo e da crescente despesacom pessoal. Aqui se incluem, necessariamente, os gastos do Ban-co Central para comprar dólares e acumular reservas cambiais.

3º) À expansão do crédito bancário e comercial, que financia o con-sumo de bens duráveis, ao lado da expansão do crédito subsidiadopara investimentos, oferecidos pelas instituições oficiais, como oBNDES, a CEF e o Banco do Brasil.

Estas considerações são feitas a partir da última decisão do BancoCentral do Brasil, de elevar em 0,75 pontos percentuais a taxa dejuros básica, que hoje alcança o nível mais alto do mundo. Nosúltimos dois anos, pelo menos, a inflação no mundo e no Brasil temsido comandada pelas pressões de demanda da China, baseadasprincipalmente nos preços do petróleo. Mas o nosso Banco Centralentende que é ele que comanda o mercado, através da Selic fixadapelo Copom. Paciência.

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O PIB POTENCIAL

A capacidade técnica instalada do setor produtivo é um conceitomóvel, que caminha em compasso com a demanda. O conceito deplena capacidade é teoricamente diferente do conceito de plenoemprego da mão-de-obra, embora a ele associado, eis que, na medi-da em que se aproxima de seu nível técnico, adiciona-se um novoturno de trabalho ou aumenta o número de horas extras trabalha-das. Esse é o momento em que se revigoram as iniciativas de ex-pansão do capital fixo.

O conceito do “hiato inflacionário” conduz ao entendimento deque, a partir do pleno emprego, toda tentativa de aumentar a de-manda agregada resulta em pressão inflacionária. O mesmo se infe-re da “Curva de Phillips”, segundo a qual o salário real aumentanecessariamente, puxando a alta dos preços (inflação), na medidaem que o mercado se aproxima do pleno emprego da mão-de-obra.

Essas considerações nos levam a acreditar que há um importantegrau de incertezas em relação à política monetária, no que tange aocontrole das atividades econômicas pela via da manipulação da taxade juros.

Indústria

A produção industrial brasileira registrou em julho expansão emdez das 14 regiões avaliadas pelo IBGE, com uma alta de 1% sobrejunho, na média nacional. Goiás (3,1%), Pará e Amazonas (amboscom 2,3%) apresentaram maior crescimento. As quedas foram apu-radas em Pernambuco (-3,2%), Ceará (-1,4%), Rio Grande do Sul(-1,1%) e região Nordeste (-1%). Em relação a julho de 2007, a

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atividade industrial avançou em 13 das 14 regiões pesquisadas, commédia nacional de 8,5%. No acumulado do ano, todas as regiõesapresentam resultados positivos na produção industrial, com des-taque para o Espírito Santo (12,8%), Paraná (11,8%) e São Paulo(10%).

O INA, indicador do nível de atividade da indústria paulista, tevebaixa de 3% em agosto contra julho, segundo levantamento daFIESP. Na comparação com agosto do ano passado, o indicadorapresenta um incremento de 3,9%. No acumulado do ano até omês passado, o INA mostrou alta de 8,3% sobre o mesmo períodoem 2007.

O Nível de Utilização da Capacidade Instalada ficou em 82,8% emagosto, ante 84% em julho e 82,6% em agosto de 2007. O total desalários pagos teve baixa de 2,4% em agosto sobre julho e incre-mento de 7% sobre agosto/07. As horas trabalhadas cresceram 0,1%no confronto com julho e tiveram ganho de 3,1% frente a agosto de2007. No acumulado do ano, a alta é de 5,2%.

O consumo de energia elétrica no Brasil subiu 4,2%, de janeiro aagosto, em alta de 6,4% contra agosto/07. As classes comercial eresidencial foram destaque, registrando expansões de 10,5% e 7%,respectivamente.

A produção média de petróleo em agosto foi de 1,885 milhão debarris por dia, o que representa um aumento de 4,3% sobre o volu-me produzido em agosto de 2007 e de 1% em relação ao mês ante-rior. A produção de gás natural chegou a 52,734 milhões de metroscúbicos por dia, 22,5% acima de agosto de 2007 e de 0,9% sobrejulho de 2008.

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A produção de aço bruto cresceu 6,9% em agosto, ante agosto/07,acumulando 7,5% em oito meses, com destaque no consumo paraa construção habitacional, cujo financiamento cresceu 102% nosúltimos 12 meses.

Para desenvolver a área do pré-sal, a Petrobras listou 234 enco-mendas de grande porte – entre plataformas, navios, sondas e ou-tras unidades de produção – e 112,6 mil novos trabalhadores.

Segundo a Abimaq, o setor de máquinas e equipamentos, de janei-ro a agosto, avançou 24,9% sobre igual período de 2007, mas aindústria automobilística sinaliza fase de desaceleração.

Comércio

No mês de julho, o comércio varejista apresentou uma queda, emvolume, de 0,2% na série com ajuste sazonal, interrompendo o cres-cimento observado nos quatro meses anteriores. Em relação, po-rém, ao mesmo mês do ano passado, as vendas em volume cresce-ram 11,0% e, nos sete primeiros meses do ano, 10,6%.

O faturamento dos supermercados, no acumulado do ano até agos-to, teve aumento real de 9,36%, de acordo com a Abras. Em agos-to, com relação ao mesmo mês do ano passado, o aumento foi de12,47% e no confronto com julho, de 3,25%.

De janeiro a julho, as vendas de combustíveis pelas distribuidorastotalizaram 9,8% acima de igual período no ano passado, de acordocom a ANP.

As vendas no pequeno varejo tiveram alta de 13,2%, em julho, na

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comparação com julho/07, segundo a Fecomércio-SP. No acu-mulado do ano, a alta foi de 9,1%.

Segundo a Fecomércio-RJ, em julho, o faturamento do comérciocresceu 2,5%, com destaque para o segmento de bens não durá-veis, com aumento expressivo de 3,1%.

O número de cheques devolvidos caiu 2% nos primeiros oito me-ses deste ano, segundo a Serasa. Em agosto, a inadimplência re-cuou 5,3% em relação a agosto/07 e 9,5% em relação ao mês dejulho.

Agricultura

A alta volatilidade está presente em todos os mercados. Em 16/9,na Bolsa de Chicago, as principais commodities agrícolas sofrerambaixa de 5%. Mas uma semana depois, em 22/09, na mesma Bol-sa, as cotações da soja, milho e trigo registraram alta de 3,9%, emmédia. Entretanto, em relação ao 1º semestre, houve queda de 12%,que não afetou os produtores brasileiros, eis que beneficiados poruma desvalorização cambial de 17,3%, desde 1º de agosto.

Mercado de Trabalho

Segundo o IBGE, a taxa média anual de desocupação caiu substan-cialmente -12,3% para 11,5% em 2004, 9,8% em 2005, 10% em2006, 9,3% em 2007. De janeiro a agosto deste ano a taxa média dedesemprego no Brasil ficou em 8,2%.

Nas seis regiões metropolitanas pesquisadas, o desemprego foi de7,6%, em agosto, uma redução de 0,5 ponto percentual em relação

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a julho (8,1%) e de 1,9 ponto percentual em relação a igual mês de2007 (9,5%). A renda real do trabalhador cresceu 5,7% em agosto,frente a igual mês de 2007, o melhor resultado desde junho de 2006.

Segundo o Caged houve geração de 239.123 empregos com cartei-ra assinada no mês de agosto – o maior saldo da série histórica,comparado com 133.329 postos de trabalho, em agosto/07. Noacumulado dos oito meses, a abertura dos postos de trabalho atin-giu 1.803.729 ante 1.355.824 de janeiro a agosto de 2007.

Pesquisa do DIEESE mostra que das 309 negociações de reajus-tes salariais feitas no primeiro semestre do ano, 86% asseguraram,no mínimo, a recomposição da inflação. Destas, 74% tiveram au-mento real de salário.

Ainda segundo o DIEESE, o desemprego na região metropolitanade São Paulo, registrou ligeira queda e ficou em 14% em agosto,ante 14,1% em julho. A taxa de desemprego em seis regiões metro-politanas do País, caiu em Porto Alegre (11,9% para 11,3%), emRecife (de 21,6% para 21,3%), Salvador (20,4% para 19,99%), alémde São Paulo. Por outro lado, o desemprego subiu no Distrito Fede-ral (15,8% para 15,9%) e em Belo Horizonte (9,6% para 9,7%).

Inflação

Apesar da desvalorização da taxa de câmbio em 4,3% em agosto e17,1% em setembro, tudo indica que o impacto sobre a inflação novarejo não será significativo. O IGP-/FGV de setembro subiu ape-nas 0,11%, após fechar com deflação de 0,32% em agosto. O IPCA-15/IBGE subiu em setembro 0,26%, basicamente o mesmo nívelde agosto.

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O Banco Central do Brasil continua praticando uma política mone-tária contraditória. Elevou a taxa básica de juros para 13,75%, emagosto, e no final de setembro estimulou a expansão de crédito,mediante redução nos recolhimentos compulsórios dos bancos. Se-gundo a pesquisa Focus, junto ao sistema bancário, a taxa Selic vaichegar a 14,75%, no final do ano. Um desastre para as contas dosetor público.

O saldo das operações de crédito no sistema financeiro atingiram,em agosto, R$ 1.110,4 bilhões, um aumento de 18,6% no ano e31,8% em 12 meses, sendo 35,4% para o comércio, 39,9% paraServiços e 28,9% para pessoas físicas.

O BNDES continua expandindo fortemente suas operações e vaireceber mais R$ 7 bilhões do FGTS, devendo alcançar um total deaplicações de R$ 85 bilhões, no final do ano.

Setor Fiscal

O Governo federal arrecadou R$ 53,93 bilhões em agosto e elevoupara R$ 443,56 bilhões o resultado acumulado nos oito primeirosmeses deste ano. Na comparação com o mesmo mês do ano passa-do, houve aumento de 4,27% e de janeiro a agosto o crescimentoreal foi de 10,33%.

O superávit primário do setor público, que ficou em R$ 10,184bilhões em agosto, não foi suficiente para cobrir os juros. No ano, aeconomia que o País fez para pagar juros acumula R$ 108,409 bi-lhões, mais que o saldo em todo o ano de 2007, mas o pagamentode juros sobre a dívida pública atingiu R$ 119,3 bilhões, deixandoum déficit nominal de R$ 10,9 bilhões.

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A desvalorização cambial sobre as reservas em dólares representouum ganho contábil fiscal de cerca de R$ 40 bilhões, o que contri-buiu para puxar a dívida líquida para baixo em R$ 6 bilhões, embo-ra ainda R$ 71,4 bilhões acima de 31/12/2007. A dívida brutacresceu R$ 1,8 bilhão em agosto e a dívida mobiliária subiu R$ 18,8bilhões, atingindo R$ 1.223,2 bilhões, porém, igualando ao saldodo final do ano passado.

Segundo o IBPT, a carga tributária atingiu, no 1º semestre, 37,3%do PIB, contra 36,0% em igual período de 2007.

Setor Externo

As exportações em agosto alcançaram US$ 20,0 bilhões, contra US$17,3 de importações, acumulando, no ano, um saldo de US$ 19,7bilhões na balança comercial. Nos últimos três meses, as exporta-ções apresentam média mensal de US$ 20,0 bilhões e as importa-ções de US$ 17,3 bilhões. Estima-se que a balança comercial en-cerre o ano com saldo entre US$ 25 bilhões e US$ 28 bilhões, em-bora o ritmo das exportações possa cair, pela redução dos financia-mentos em ACC (menos 30% em 12 meses). No período janeiro/setembro, as exportações crescem à taxa de 29,4% e as importa-ções de 53,2%.

No mercado externo, a situação é confusa e de alta volatilidade, acomeçar pela crise do sistema financeiro americano, que se espalhapela Europa e pelo resto do mundo. Entretanto, o nível de consu-mo nos Estados Unidos ainda não sofreu o impacto da crise, comexceção da habitação e da indústria automobilística. A China estáperdendo vigor na expansão industrial, especialmente na indústriasiderúrgica, e deverá diminuir as importações, agravando a situa-

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96 Car ta Mensa l . Rio de Janeir o, v. 5 4, n . 644, p. 84-96, nov. 200 8

ção do comércio internacional, inclusive as exportações brasileirasde minério de ferro, de matérias-primas metálicas, de celulose, cou-ro e produtos agrícolas. O mundo não está administrando ade-quadamente as relações comerciais e financeiras com a Chi-na, uma ameaça em perspectiva.

Também a Rússia entra em declínio, com a desvalorização do ru-blo, maiores pressões inflacionárias e grandes perdas na Bolsa deValores.

O Governo brasileiro está adotando um conjunto de medidas paramanter o ritmo das exportações, no que será ajudado pela desvalo-rização do Real, que caminha para R$ 2,00/US$. O volume de in-vestimentos estrangeiros diretos ainda não foi afetado pela crise, oque deixa entrever que o Brasil será menos afetado pelos aconteci-mentos externos, na medida em que preservar os grandes projetosde infra-estrutura e da indústria básica, em andamento. Os IDE,até agosto, atingiram US$ 25,9 bilhões, um pouco acima dos ingres-sos no mesmo período de 2007.