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Novas drogas… flagelo reeditado? Vítor Ferreira Leite 1 ; Carla Araújo 1 ; Paula Carriço 2 ; Manuela Fraga 2 1 Interno(a) de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; 2 Assistente Graduada de Psiquiatria do Instituto da Droga e Toxicodependência Bibliografia: 1 Henriques S. “Risco cultivado no consumo de drogas”. Sociologia. Lisboa: Publicações Europa-América, ISSN0873-6529 No 40 (Set. 2002), p. 63-85; 2 Madras, B. K. (10 th September 2012). Designer Drugs: An Escalating Public Health Challenge. The Journal Of Global Drug Policy and Practice.; 3 Jason, J. M., Collins, G. M., & Streem, D. M. (April de 2012). Synthetic legal intoxicating drugs: The emerging "incense" and "bath salt" phenomenon. Cleveland Clinic Journal of Medicine, pp. 258 264; 4 União Europeia. Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência. Relatório anual 2012: a evolução do fenómeno da droga na Europa / Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência. Serviço das Publicações, 2012; 5 Seely, A. K., Lapoint, J., Moran, H. J., & Fattore, L. (2012). Spice Drugs are more than harmless herbal blends: A review of the pharmacology and toxicology of synthetic cannabinoids. Progress in Neuro-Psycopharmacology & Biological Psychiatry; 6 Burillo-Putze, G., Climent, B., Echarte, J. L., Munné, P., Miró, Ó., Puiguriguer, J., & Dargan, P. (mayo-agosto de 2011). Drogas emergentes (I): las "smart drugs". An. Sist. Sanit. Navar., pp. 263-274; 7 Corazza, O., Assi, S., Trincas, G., Simonato, P., Corkery, J., Deluca, P., . . . Schifano, F. (2011). Novel Drugs, Novel Solutions: exploring the potentials of web-assistance and multimedia approaches for the prevention of drug abuse. Italian Journal of Addiction, 1. ovas drogas associadas a novas práticas reacendem questões antigas, colocando-as de uma nova forma, à luz da complexidade inerente às sociedades contemporâneas 1 . Num contexto de permeabilidade legislativa emergiu na viragem do milénio uma nova tendência de consumos. Influenciada por exemplos consagrados, dos quais a Holanda é caso paradigmático, surgem em Portugal os conceitos de smartshope “drogas legais”. São mais de 40 as lojas abertas em território nacional, 5 anos volvidos após a inauguração da primeira, em Aveiro. Munidas de argumentos como vanguarda tecnológica e estratégias de marketing incisivas 2 , florescem numa sociedade onde o prazer e o entretenimento assumem papel preponderante 1 . Vendem a preços aliciantes uma ilusão de segurança, sem o estigma da ilegalidade. Recorrem a embalagens coloridas e montras apelativas, cativando adolescentes e jovens adultos. Mensagens na embalagem contraindicando o consumo humano, bem como a disponibilização para fins legais (incensos, fertilizantes ou sais de banho), salvaguardam o vendedor e contornam as autoridades sanitárias 3 . elatório de 2012 do OEDT 4 aponta para 49 as novas substâncias detetadas em circulação, ao longo do ano de 2011. Canabinóides sintéticos, popularizados como ambientadores herbais sob a designação de "Spice" ou “K2, produzem efeitos semelhantes à cannabis. A salvia divinorum”, comercializada como alucinogénio legal, as party pillscomo substituto legal do ecstasy e a Ivory waveno papel da cocaína são algumas das smart drugs mais usadas. A escassa consistência entre as substâncias enunciadas no rótulo e os constituintes reais e, por conseguinte, a manifesta imprevisibilidade dos seus efeitos tornam este fenómeno um perigo de saúde pública e obrigam à reflexão e atuação urgentes 5 . Referem-se alguns dos efeitos destas substâncias nas Figs. 1, 2, 3 e 4. s Governos dos vários países da EU têm feito esforços inequívocos para identificar as novas drogas legais, criando projetos como Psychonaut Web Mapping Project que identifica em tempo-real novas substâncias psicoativas através da monitorização regular da internet (desde a sua criação já permitiu identificar 412 substâncias) 6 e mais recentemente com o surgimento do Recreational Drugs European Network que, entre outras medidas, criou uma plataforma de informação para profissionais de saúde, dado que 57% dos que trabalham no Serviço de Urgência afirmavam possuir conhecimentos “fracos ou básicos” sobre este tipo de substâncias 7 . No entanto, a falta de ensaios clínicos que possam verificar os potenciais efeitos secundários e o fato de não serem detetadas nos exames disponíveis em meio hospitalar 2 fazem com que este processo seja moroso, tornando difícil acompanhar o surgimento das novas drogas e assim impedir este potencial flagelo. Fig. 1. “Salvia divinorum”. Alucinogénico natural, agonista potente dos recetores opióides. Despersonalização, alterações da sensopercepção e desorientação temporo- espacial são alguns dos efeitos comuns. Fig. 2. “Party pills” ou BZP. Equivalente legal do ecstasy. Efeitos simpaticomiméticos, agitação psicomotora, síndrome serotoninérgica, estados confusionais, euforia, alterações sensoriais. Fig. 3. Ivory wave”. Equivalente legal da cocaína. Alguns dos efeitos possíveis são ataques de pânico, paranóia, alterações da sensopercepção e do comportamento. Fig. 4. “Spice” e “K2”. Agonistas sintéticos dos recetores CB1. Alucinações visuais e auditivas, paranóia, ataques de pânico e disforia são alguns dos efeitos habituais. Fig. 5. Smartshop

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Novas drogas… flagelo reeditado?

Vítor Ferreira Leite1; Carla Araújo1; Paula Carriço2; Manuela Fraga2

1 Interno(a) de Pedopsiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra; 2Assistente Graduada de Psiquiatria do Instituto da Droga e Toxicodependência

Bibliografia: 1Henriques S. “Risco cultivado no consumo de drogas”. Sociologia. Lisboa: Publicações Europa-América, ISSN0873-6529 No 40 (Set. 2002), p. 63-85; 2Madras, B. K. (10th September 2012). Designer Drugs: An Escalating Public Health Challenge. The Journal Of Global Drug Policy and Practice.; 3Jason, J. M., Collins, G. M., & Streem, D. M. (April de 2012). Synthetic legal intoxicating drugs: The emerging

"incense" and "bath salt" phenomenon. Cleveland Clinic Journal of Medicine, pp. 258 – 264; 4União Europeia. Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência. Relatório anual 2012: a evolução do fenómeno da droga na Europa / Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência. Serviço das Publicações, 2012; 5Seely, A. K., Lapoint, J., Moran, H. J., & Fattore, L. (2012). Spice Drugs are more than

harmless herbal blends: A review of the pharmacology and toxicology of synthetic cannabinoids. Progress in Neuro-Psycopharmacology & Biological Psychiatry; 6Burillo-Putze, G., Climent, B., Echarte, J. L., Munné, P., Miró, Ó., Puiguriguer, J., & Dargan, P. (mayo-agosto de 2011). Drogas emergentes (I): las "smart drugs". An. Sist. Sanit. Navar., pp. 263-274; 7Corazza, O., Assi, S., Trincas, G., Simonato, P., Corkery, J.,

Deluca, P., . . . Schifano, F. (2011). Novel Drugs, Novel Solutions: exploring the potentials of web-assistance and multimedia approaches for the prevention of drug abuse. Italian Journal of Addiction, 1.

ovas drogas associadas a novas práticas reacendem questões antigas,

colocando-as de uma nova forma, à luz da complexidade inerente às

sociedades contemporâneas1. Num contexto de permeabilidade legislativa

emergiu na viragem do milénio uma nova tendência de consumos.

Influenciada por exemplos consagrados, dos quais a Holanda é caso

paradigmático, surgem em Portugal os conceitos de “smartshop” e “drogas

legais”. São mais de 40 as lojas abertas em território nacional, 5 anos

volvidos após a inauguração da primeira, em Aveiro. Munidas de

argumentos como vanguarda tecnológica e estratégias de marketing

incisivas2, florescem numa sociedade onde o prazer e o entretenimento

assumem papel preponderante1. Vendem a preços aliciantes uma ilusão de

segurança, sem o estigma da ilegalidade. Recorrem a embalagens

coloridas e montras apelativas, cativando adolescentes e jovens adultos.

Mensagens na embalagem contraindicando o consumo humano, bem como

a disponibilização para fins legais (incensos, fertilizantes ou sais de banho),

salvaguardam o vendedor e contornam as autoridades sanitárias3.

elatório de 2012 do OEDT4 aponta para 49 as novas substâncias

detetadas em circulação, ao longo do ano de 2011. Canabinóides sintéticos,

popularizados como ambientadores herbais sob a designação de "Spice"

ou “K2”, produzem efeitos semelhantes à cannabis. A “salvia divinorum”,

comercializada como alucinogénio legal, as “party pills” como substituto

legal do ecstasy e a “Ivory wave” no papel da cocaína são algumas das

smart drugs mais usadas. A escassa consistência entre as substâncias

enunciadas no rótulo e os constituintes reais e, por conseguinte, a

manifesta imprevisibilidade dos seus efeitos tornam este fenómeno um

perigo de saúde pública e obrigam à reflexão e atuação urgentes5.

Referem-se alguns dos efeitos destas substâncias nas Figs. 1, 2, 3 e 4.

s Governos dos vários países da EU têm feito esforços inequívocos

para identificar as novas drogas legais, criando projetos como Psychonaut

Web Mapping Project que identifica em tempo-real novas substâncias

psicoativas através da monitorização regular da internet (desde a sua

criação já permitiu identificar 412 substâncias)6 e mais recentemente com o

surgimento do Recreational Drugs European Network que, entre outras

medidas, criou uma plataforma de informação para profissionais de saúde,

dado que 57% dos que trabalham no Serviço de Urgência afirmavam

possuir conhecimentos “fracos ou básicos” sobre este tipo de substâncias7.

No entanto, a falta de ensaios clínicos que possam verificar os potenciais

efeitos secundários e o fato de não serem detetadas nos exames

disponíveis em meio hospitalar2 fazem com que este processo seja

moroso, tornando difícil acompanhar o surgimento das novas drogas e

assim impedir este potencial flagelo.

Fig. 1. “Salvia divinorum”. Alucinogénico natural, agonista potente dos recetores

opióides. Despersonalização, alterações da sensopercepção e desorientação temporo-

espacial são alguns dos efeitos comuns.

Fig. 2. “Party pills” ou BZP. Equivalente legal do ecstasy. Efeitos simpaticomiméticos,

agitação psicomotora, síndrome serotoninérgica, estados confusionais, euforia,

alterações sensoriais.

Fig. 3. “Ivory wave”. Equivalente legal da cocaína. Alguns dos efeitos possíveis são

ataques de pânico, paranóia, alterações da sensopercepção e do comportamento.

Fig. 4. “Spice” e “K2”. Agonistas sintéticos dos recetores CB1. Alucinações visuais e

auditivas, paranóia, ataques de pânico e disforia são alguns dos efeitos habituais.

Fig. 5. Smartshop