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Nova Inglaterra Revista Próxima Viagem Outubro, 2007

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Matéria: Nova Inglaterra Revista: Próxima Viagem

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Nova InglaterraRevista Próxima Viagem

Outubro, 2007

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Os caminhos inspiradores daOs caminhos inspiradores da

POR PAULO D’AMARO | FOTOS DE ÉRICO HILLER

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O PortlandHeadlight, no

Maine, é apenasum dos belosfaróis que se

espalham pelacosta da região.Como ele, todos

atraem visitantesem busca dos

fascinantescenários da

Nova Inglaterra

Dirigimos 1400 quilômetros ao longo da costa e pelo interiorda região que tem o mais belo outono dos Estados UnidosDirigimos 1400 quilômetros ao longo da costa e pelo interiorda região que tem o mais belo outono dos Estados Unidos

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ONDE TUDO COMEÇOU1o dia: Plymouth • Cape Cod

Você, obviamente, já ouviu muito falar de Boston, amaior e mais famosa cidade da Nova Inglaterra. Antes detudo, resista à tentação de incluí-la em seu roteiro. Bostoné um mundo à parte e vale uma viagem por si só. Aqui, elaserá apenas o ponto de partida. A idéia é descer do avião,ligar o possante alugado e começar pelo começo: Ply-mouth, o lugar onde os Estados Unidos nasceram.

A menos de uma hora de Boston pela célere Rota 93,Plymouth é um recanto venerado pelos ianques. Foi aquique o principal grupo de colonizadores chegou em 1620,vindo da Inglaterra, a bordo do navio Mayflower. No anoseguinte, esses pioneiros criaram o Dia de Ação de Gra-ças, o mais importante feriado americano, para celebraro sucesso de sua vida no novo continente.

Hoje, a vila costeira encanta com seus monumentos ea réplica da nau pioneira. Prepare-se para duas surpre-sas. Logo à entrada da cidade, fica a Uai Brasil, uma lojade conveniência onde os mineiros Cláudio e Fernandavendem desde pão de queijo até CDs de sertanejo — sim,até aqui... Não se impressione: são mais de 300 000 bra-zucas só no Estado de Massachusetts. Mais inesperadoque ouvir um disco de Teodoro e Sampaio, é descobrirque americanos costumam vir aqui para reverenciar umarocha. Sim, a Plymouth Rock, um pedregulho de 1,5

Nova York e Chicago são urbanas e cheias deagitos. Miami e Las Vegas são extravagantese exageradas. Los Angeles e São Franciscosão pop, jovens e informais. Se os EstadosUnidos se resumissem a isso, certamente fal-taria algo. Mas não falta. No nordeste do país,beirando o Canadá, um reduto de tradição enatureza singular garante paisagens e emo-ções que nenhuma outra parte da terra do TioSam pode proporcionar. É a Nova Inglaterra,onde se misturam cenários costeiros inspi-radores, florestas bucólicas e cidadezinhasaconchegantes, que transbordam história,elegância e bem-estar. PRÓXIMA VIAGEM ro-dou de carro por cinco Estados dessa regiãoúnica. O resultado é um roteiro para vocêdesvendá-la em sete dias. Isso se você resis-tir à tentação de passar mais tempo em cadaum dos trechos. Confira a seguir.

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Em Plymouth, uma pedra atrai os visitantes:foi nela que os pioneiros desembarcaram

FESTA, SOSSEGOE HISTÓRIA

Em Provincetown,o agito rola dia e

noite. Ao contráriodas bucólicas

praias escondidaspenínsula afora

(acima). EmPlymouth, a

réplica do navioMayflower evoca

o início dacolonização (na

página anterior).

metro que, segundo consta, serviu de escada para os pe-regrinos que desciam do navio. Ou seja, foi o primeiro“pedaço” da América pisado pelos colonizadores.

A tal pedra é só o sólido tira-gosto. A costa rochosa se-gue para o sul, dando origem a belas faixas de areia. Es-tamos no rumo do balneário mais chique do nordesteamericano: Cape Cod — o refúgio dos bostonianos abas-tados. Ao longo dessa pe-nínsula, hotéis de charme ecasas de praia se espalham,colorindo as pequenas es-tradinhas que escorrem daRota 6 rumo ao mar. São maisde 100 quilômetros de via principal cortados por “estradascênicas”, como eles chamam aqui. Perca-se por Eastham,Chatham, Harwich... Condados de nome tipicamenteinglês, que revelam bosques, lagunas e praias peculiares,de panorama estranhamente convidativo, já que a águaé fria e o clima, quase sempre também.

A Rota 6 passa por retiros de paz absoluta, territóriode aves marinhas. Termina, porém, na cidade mais fes-teira do nordeste americano: Provincetown, um lugarcolorido, repleto de lojas, galerias de arte e bares. Aequipe de PRÓXIMA VIAGEM chegou a ela em plenanoite de segunda-feira e encarou uma maré de gentevindo de lá para cá. Faz sentido: absolutamente tudo es-tava funcionando. Inclusive a deliciosa PortugueseBakery, na Commercial Street, onde se faz fila para co-mer as malassadas — uma espécie de pão-doce lusitanoproduzido aqui desde o começo do século 20.

Não faltam na vila estabelecimentos com a bandeira domovimento gay friendly. Por isso, há quem a considere acapital homossexual do nordeste. Engano. O lugar é, sim,um reduto de tolerância: famílias, casais heterossexuais eidosos em férias convivem em harmonia com a galera GLS,em ruas, bares e casas noturnas. Porque, em Cape Cod, seralegre não é privilégio de apenas um grupo de pessoas.

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O GLAMOUROSOMUNDO DOS KENNEDY2o dia: Hyannis • Martha’s Vineyard

Tudo bem, a viagem é de carro, mas, seguindo para osul de Cape Cod, você achará um lugar em que vale apena largar o veículo no estacionamento por algumashoras. É o porto de Hyannis. Daqui parte o Hy Line Pru-dence, um pequeno navio da Primeira Guerra Mundial,que hoje leva curiosos até a região onde a família Ken-nedy preserva quatro mansões, no Estreito de Nantucket.Vale o aviso: por medida de segurança, o barco passa tãolonge dos casarões dos Kennedy que nem com binócu-lo se tem noção do luxo que encerram. No caso da man-são do presidente John Fitzgerald Kennedy, a coisacomplica ainda mais: seu inimigo republicano JosephMcCarthy fez-lhe a desfeita de construir sua residênciade verão logo à frente, no final dos anos 1950, obstruin-do a visão de lado a lado.

Se não dá pra ver direito, então por que gastar horaspreciosas a bordo do tal barquinho em Hyannis? Porqueas belezas do caminho, estas sim, são muito visíveis.Entre elas, alguns dos faróis mais antigos do país, alémde marcos históricos, como o centenário Hyannis PortBreakwater. É o maior e mais antigo quebra-mar da cos-ta leste americana, com 351 metros de comprimento, ca-prichosamente driblado por pequenos pesqueiros eadornado por aves marinhas. Os Kennedy, que que nãosão Kennedy por acaso, escolheram o canto mais belodo litoral de Massachusetts para se estabelecer.

De suas mansões, era fácil também embarcar paraMartha’s Vineyard, provavelmente a ilha mais disputa-da dos Estados Unidos. Tanto que é preciso reservar,com alguns dias de antecedência, um lugar para seu car-ro no ferry boat que leva a ela . Fique atento: se você de-cidir ir sem reserva, pode ter de esperar horas pela tra-vessia ou mesmo deixá-la para o dia seguinte.

Martha’s Vineyard sempre foi uma espécie de play-ground dos poderosos americanos. E a palavra playground,

POESIA NAPAISAGEMA atmosferacosteira ao sul deCape Cod revelacenários poéticos.Assim comoo carrossel maisantigo do paíse as centenáriascasinhasvitorianas deOak Bluffs, emMartha’s Vineyard(na páginaseguinte).

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no caso, cabe perfeitamente. Aqui fica o carrossel maisantigo dos Estados Unidos — e possivelmente do mundo.É o Flying Horses, um brinquedo que, desde 1886, faza alegria das crianças e fascina os adultos, com seus ca-valos de madeira esculpidos e pintados pelos melhoresartesãos do século19. Mais antigo que ele, só o Lê Galo-pant, de Liege, na Bélgica, inaugurado um ano antes.Mas historiadores acredi-tam que a versão americanafazia parte de um circo mui-to antes de ser instalada emMartha’s Vineyard.

A música do Flying Hor-ses, à moda dos antigos realejos, evoca a sensação de vol-tar ao passado, assim como as Gingerbread Cottages, omaior conjunto de construções vitorianas (do final doséculo 19) preservado nos Estados Unidos. Fincadas bemno centro da vila de Oak Bluffs, são mais de 300 casinhascoloridas, algumas com 120 anos de idade. O lugar virouuma espécie de museu vivo, já que as residências sãohabitadas. Ali mora, por exemplo, a aposentada Elea-

Em Martha’s Vineyard sobrevive o maiorconjunto de casas vitorianas da América

nor Shabica, de 83 anos. Com o marido, Anthony Sha-bica, um dos cientistas que desenvolveram a penici-lina nos anos 1950, ela viajou por mais de oitenta paí-ses ao longo da vida. “Eu vi coisas lindas no mundotodo, mas não troco este lugar por nada”, diz a riso-nha velhinha, tricotando na varanda da casa amarelacomprada por seu pai em 1918.

Martha’s Vineyard é assim. Um recanto de bucolismo,lotado de artesãos, ricaços em férias e gente que decidiupor uma vida alternativa, numa ilha onde a vida flui eminigualável placidez. A exceção é quando chega o cineas-ta Steven Spielberg — outro fã incondicional da ilha. Foiaqui que ele filmou o frenético Tubarão, em 1974. Só umgênio para transformar estas paragens num lugar assus-tador — apenas nas telas, felizmente.

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ENTRE IATESE RAQUETES3o dia: Newport

Se você for a Los Angeles, na Califórnia, verá a garota-da nas ruas com vistosas camisas dos Lakers, o time debasquete em que jogou Magic Johnson. Em Nova York,todo mundo tem um boné do Yankees, que está para obeisebol assim como o Flamengo ou o Corinthians estãopara o futebol. No Texas, só dá o uniforme azul do DallasCowboys, o esquadrão de futebol americano com a tor-cida mais fanática dos Estados Unidos. Agora, se você fora Newport, no Estado de Rhode Island, esqueça essesesportes da plebe. Aqui, a gurizada veste coletes salva-vidas, camisetas polo e bonés da America’s Cup.

“America’s, o quê?”, há de perguntar o leitor. Explica-se: America’s Cup é uma competição de veleiros queacontece desde 1851 — o mais antigo troféu em disputano esporte mundial. Durante 132 anos, ela foi realizadanas águas de Newport, o que tornou esta cidade a capi-tal americana do iatismo e dos esportes náuticos.

Não é difícil perceber a tradição marinheira. Ao diri-gir pela cidade, você depara com hoteizinhos batizadosde Admiral’s Inn ou Mariner’s House e vê propagandade excursões oferecidas em escunas (mas escunas de

verdade, movidas a vela, feitas de madeira, e não os ba-rulhentos barcos a motor que assim se vendem no lito-ral brasileiro). Até mesmo nos próprios iates da Ame-rica’s Cup você pode passear, se quiser.

O.k., a idéia deste roteiro é dirigir, e não navegar... Tudobem: ao contornar o waterfront — é assim que se chama arecuperadíssima região portuária — , você verá centenasde veleiros colorindo o cenário. O passeio melhora ain-da mais conforme se segue pela Ocean Drive rumo aoParque Estadual de Fort Adams. Nesse lugar, despontauma antiga fortaleza que defendia Newport dos piratas,no passado. Ao lado, espalham-se escolas de náutica e omuseu do iatismo, onde vez por outra aparece a taça daAmerica’s Cup. Sem falar da casa em que morou o presi-dente americano Dwight Eisenhower. Tudo de frentepara a Baía de Narragansett e para a Pell Bridge, que ligaNewport ao continente.

Os veleiros, porém, têm um rival em Newport: as raque-tes. Conforme se vai ao centro da cidade, longe do mar, sur-ge o Hall da Fama do Tênis. Não se trata de um simplesmuseu. Além de um acervo histórico pra lá de interessante(que incluem fotos e entrevistas dos brasileiros Maria Es-ther Bueno e Gustavo Kuerten), esse lugar é uma espécie detemplo do esporte, onde ocorrem torneios amistosos e be-neficentes. Enquanto a equipe de PRÓXIMA VIAGEMdesvendava o lugar, ninguém menos que Joe McEnroe e

As Mansõesde Newport

Ao voltar daSegunda Guerra,

o comandanteamericano Dwight

Eisenhower sóqueria paz. E ele aencontrou em um

rochedo à beira-mar. Sua casa

(acima) é apenasuma das mansões

de Newport. Háoutras bem

mais famosas esuntuosas, como

a The Breakers,com setenta

quartos,construída pelo

magnata dasferrovias CorneliusVanderbilt II. Ou a

Rosecliff, onde foifilmado O GrandeGatsby, em 1974.

Sem falar naMarble House,

que custou US$ 11milhões, em 1892,

devido ao salãorevestido de ouro.

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Jim Courier se enfrentavamna quadra de grama, assistidospor Matts Wilander, ToddMartin, Wayne Ferreira e ou-tros medalhões.

O elo de ligação entre essas quadras cheias de celebrida-des e os românticos píeres com seus veleiros é o centrovelho, onde se garimpam tesouros como a Sinagoga Tou-ro — a mais antiga dos Estados Unidos, edificada em 1763,e única sobrevivente do período colonial. Ou o JailhouseHotel, que já foi a cadeia da cidade e hoje abriga visitantes.

Nessa porção histórica, aliás, vale a pena estacionar paracurtir uma especialidade local. É o fudge, um tipo de docede leite com vários sabores: amêndoas, chocolate, bauni-lha... Há uma loja em cada esquina, com cozinheiros pre-parando o puxa-puxa em panelões à vista de todos.

Longe das calorias do fudge, o entorno da cidade tam-bém reserva atrações históricas, ainda que isoladas. É ocaso da St. Mary’s Church, onde John Kennedy e Jac-queline Bouvier se casaram, em 1953. Ou, ainda, doOceancliff Hotel, construído em 1896 e hoje sede de fes-tas de formatura da Universidade Harvard.

Mas nada supera a Bellevue Avenue, famosa pelospalacetes e os das imediações — doze no total. Os casa-rões são resultado de um curioso modismo: no final doséculo 19, os mais notórios milionários do país decidiramerguer casas de veraneio em Newport. E o fizeram, so-bretudo, nesta via, que se tornou a avenida mais rica dosEstados Unidos (confira no destaque da página anterior).

Para os mortais, o que vale é que essas mansões têm asfachadas expostas ao público (ao contrário, por exemplo,das moradas de celebridades de Hollywood, quase todasescondidas atrás de muros). Seis dessas residências foramdeclaradas Patrimônio Cultural dos Estados Unidos e oconjunto todo passou a ser conhecido como uma únicaatração, batizada de “As Mansões de Newport”. Muitas fi-cam abertas a visitação. Outras abrigam concertos e expo-sições de arte. Para quem dirige até elas, um aviso: nempense em estacionar sobre o gramado...

ENTRE DOISAMORESA tradição

marinheira seexpressa no

cenário e naspessoas —

inclusivea gurizada, que

aprende a velejardesde cedo.Já a paixão

pelo tênis ésintetizada noHall da Fama,

onde a históriado esporteé contada.

Newport é da aristocracia: aqui, o beisebole o basquete dão lugar ao iatismo e ao tênis

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A AMÉRICAVOLTA NO TEMPO4o dia: Sturbridge • Shelburne Falls

À primeira vista, pode parecer que tudo o que há deaprazível na Nova Inglaterra fica à beira-mar. Nada maisfalso. Pegar a estrada rumo ao interior é garantia de boassurpresas. E o melhor é que tudo fica pertinho. No sul doEstado de Massachusetts, a pouco mais de uma hora denossa última parada, Newport, está a cidadezinha deSturbridge. Não há lugar melhor para entender a histó-ria da Nova Inglaterra. Aqui começa a Reserva Nacionalde Shetucket. Ou, como é mais conhecida, The Last GreenValley (em português, O Último Vale Verde). Como diz onome, é o único lugar de toda a região intocado pelo ho-mem. Oportuno lembrar que foi em Massachusetts quea colonização americana se iniciou de fato. Mesmo assim,esse corredor de florestas e campos passou intacto por ci-clos agrícolas, industriais e imobiliários. Ele se estende

até o Estado de Connecticut, ao sul. Por isso, dirigir porsuas estradinhas e caminhos é garantia de flagrar vida sel-vagem — algo raro na região mais desenvolvida do país.

E não é apenas a natureza que se preservou nessas pla-gas. Ao se aproximar de Sturbridge, o viajante é incenti-vado por placas a rodar por Old Sturbrige Village, umareconstrução em detalhes de como era a vida dos pionei-ros no final do século 18, começo do 19. Não pense queé um museuzinho qualquer. Trata-se de uma enormeárea rural, com dezenas de edificações — da igreja ao moi-nho, passando por celeiros e pomares —, onde gente ves-tida a caráter trabalha como nos velhos tempos, colhen-do frutas, tosando ovelhas, cortando madeira a machada-das. Você pode circular por toda a propriedade e conver-sar com esses “moradores” (na verdade, muitos vestemroupas modernas no fim do dia e voltam para suas casasque têm televisor, microondas e carro na garagem...).

Há um certo ar fake em alguns momentos. Mas há tam-bém boas doses de autenticidade. Como no caso do ser-ralheiro Carl Austin, de 63 anos, que há mais de trinta fa-

brica panelas, funis e ferra-mentas de latão — sempre àmoda do século 19. “Em queano estamos? 1830, ora bolas!”,brinca o simpático ancião.

Esquisitices divertidas co-mo essa são pródigas conforme se desbrava o interior daNova Inglaterra. Porque é fato que os americanos conse-guem transformar qualquer coisa irrisória em atração tu-rística. Vide a minúscula Shelburne Falls. Quando umpontilhão ferroviário foi desativado, nos anos 1920, a pri-meira idéia era demoli-lo, dada a rudeza de suas formas.Dois vizinhos da estrutura, Antoinette e Walter Burnham,tiveram a idéia de instalar ali uma floreira, em 1929. Des-de então, a armação de 140 metros de comprimento tor-nou-se o maior jardim suspenso sobre um rio do planeta,com 500 espécies diferentes de flores e plantas decorati-vas. Foi batizada de Bridge of Flowers e virou meta de via-jantes de todo o país. Para melhorar ainda mais o cenário,durante uma seca, na década de 1970, descobriu-se que aolado havia um raro fenômeno geológico: enormes craterase fendas na pedra maciça do fundo do rio, produzidas pelaerosão glacial há milhares de anos. Não deu outra: o rio foirepresado e desviado de seu curso, para deixar os espan-tosos desenhos na rocha à vista de todos. Com flores e fen-das, Shelburne Falls entrou para os guias de viagem.

O interior traz surpresas como a vila ondeos cidadãos vivem à moda do século 19

ECOS DOPASSADOEm Old SturbridgeVillage, a réplicade uma cidade doséculo 19 atraiuo ferreiroCarl Austin (napágina seguinte),que recria desdepanelas de latãoaté aparelhosauditivos deoutrora. EmShelburne Falls, aponte ferroviáriacomporta umjardim com 500espécies de flores.

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O OUTONO CHAMA5o dia: Vermont

Depois de dirigir por Massachusetts e Rhode Island, éum choque chegar ao Estado de Vermont. Este lugarfoge dos padrões da Nova Inglaterra, mas, ao mesmo tem-po, exibe dois de seus mais notórios símbolos.

Vamos por partes. Para começar, trata-se do único Es-tado da região desprovido de litoral. Nada de praias, ro-chedos e faróis. É um rincão rural, onde as vilas rareiam

e as cidades grandes nem sonham existir.Só um Estado é menos populoso: o ge-

lado Wyoming. Os 600 000 habitan-tes de Vermont caberiam em um

único bairro de São Paulo, oGrajaú, na Zona Sul.

Não bastasse isso, é também o Estado mais pobre daNova Inglaterra (se é que essa palavra pode ser usadaaqui), onde o viajante vez por outra flagra casebres mo-destos à beira da estrada, em contraste com as mansõesde Cape Cod ou Newport. Na alçada cultural, em vez doHall da Fama do Tênis ou das casas vitorianas de Martha’sVineyard, Vermont apresenta esquisitices como o Museuda Precisão Mecânica, na cidade de Windsor, e o Museudo Xarope de Bordo Doce (o maple syrup), em Rutland.

Por outro lado, este lugar é conhecido pela espetacularcoloração de sua vegetação nooutono. Também pelas pon-tes cobertas, uma tradição queremonta ao século 19. Aquifica, por exemplo, a Cornish-Windsor — a maior via desse

tipo com mão-dupla já construída, com 140 metros deextensão. Não há catálogo turístico, livro ou reportagemsobre a Nova Inglaterra que não mostre essas “marcas re-gistradas”. Por isso, dirigir de sul a norte pelas estradasdesta pequena e pitoresca província é uma experiênciainstigante, irresistível e nada convencional.

Vermont é diferente de tudo: rústico e poucohabitado. Mas inconfundivelmente belo

ENCANTOSDA FLORESTAEm Vermont,a magia daspontes cobertasse mistura aoencanto davegetaçãoavermelhada,conformeo tempo esfria.

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