notas - arendt, hannah. a condição humana (cap. 2)

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Hannah Arendt – A condição humana Cap. II 4 – O homem: animal social ou político Arendt retoma o pensamento Aristotélico na antiga polis grega para buscar uma definição daquelas características exclusivas da condição humana. Paralelamente, vai fazendo comparações com os conceitos romanos que, muitas vezes, tratavam-se de releituras do pensamento grego. Inicialmente coloca-se a contraposição entre o zoon politikon (Aristóteles) e o animal sociales (romano). Arendt coloca que o político e o social não eram a mesma coisa. Pela acepção romana, o caráter social, ou seja, a necessidade de viver na companhia de outros homens seria uma condição humana fundamental, enquanto que, para os gregos, essa condição não é exclusividade do ser humano, na verdade, a condição fundamental seria a forma de organização política. A política grega era o espaço onde reinavam duas características humanas: a ação, práxis, e o discurso, lexis. Com o tempo, o discurso foi assumindo papel ainda mais central frente a ação. O conceito por trás do discurso era a resolução dos conflitos por meio da persuasão e convencimento, ao contrário do uso da violência ou de ordens, para os gregos, características reinantes no âmbito da vida familiar ou nos governos despóticos. Havia então a diferença entre o espaço público e o privado. Uma diferença entre o que era próprio e o que era comum. 5 – A polis e a família Hannah Arendt segue apontando a dificuldade em se distinguir as esferas privada, política e social. Principalmente, na antiguidade, para se definir o que seria a esfera social, que não se enquadra na definição estrita nem do que é privado, nem do que é público.

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Notas sobre o capítulo 2 de "A condição Humana" de Hannah Arendt.

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Hannah Arendt A condio humanaCap. II4 O homem: animal social ou polticoArendt retoma o pensamento Aristotlico na antiga polis grega para buscar uma definio daquelas caractersticas exclusivas da condio humana.Paralelamente, vai fazendo comparaes com os conceitos romanos que, muitas vezes, tratavam-se de releituras do pensamento grego.Inicialmente coloca-se a contraposio entre o zoon politikon (Aristteles) e o animal sociales (romano). Arendt coloca que o poltico e o social no eram a mesma coisa.Pela acepo romana, o carter social, ou seja, a necessidade de viver na companhia de outros homens seria uma condio humana fundamental, enquanto que, para os gregos, essa condio no exclusividade do ser humano, na verdade, a condio fundamental seria a forma de organizao poltica.A poltica grega era o espao onde reinavam duas caractersticas humanas: a ao, prxis, e o discurso, lexis. Com o tempo, o discurso foi assumindo papel ainda mais central frente a ao.O conceito por trs do discurso era a resoluo dos conflitos por meio da persuaso e convencimento, ao contrrio do uso da violncia ou de ordens, para os gregos, caractersticas reinantes no mbito da vida familiar ou nos governos despticos.Havia ento a diferena entre o espao pblico e o privado. Uma diferena entre o que era prprio e o que era comum.

5 A polis e a famliaHannah Arendt segue apontando a dificuldade em se distinguir as esferas privada, poltica e social. Principalmente, na antiguidade, para se definir o que seria a esfera social, que no se enquadra na definio estrita nem do que privado, nem do que pblico.A esfera privada tratava-se de todas as atividades relativas manuteno da vida e da sobrevivncia humanas. A vida familiar e a economia estariam, ento, restritas esfera privada, portanto, no tinham relao com a poltica, para os gregos.LIBERDADE: era o propsito da esfera pblica. A esfera privada era o terreno da necessidade, a organizao pr-poltica, onde, uma vez que todos esto submetidos necessidade de manter a vida. O uso da fora e da violncia sobre o outro condio justificvel para se vencer a necessidade. O homem senhor dentro do seu lar, sobre seus familiares e escravos, como forma de vencer a necessidade e alcanar a liberdade.A vitria sobre a necessidade era condio essencial para a existncia da liberdade na polis. A liberdade caracterstica da esfera poltica, na esfera pblica.A polis diferencia-se da famlia pois apenas reconhece iguais, enquanto que na famlia reina a mais severa das desigualdades. A liberdade na polis significava, ao mesmo tempo, no estar sujeito s necessidades, no ser comandado por outro e tambm no comandar.No pensamento (e no mundo) moderno, a divisa entra a vida privada e a vida pblica foi ficando cada vez mais tnue. Os interesses privados passaram a fazer parte da preocupao da esfera poltica e a organizao social se configura em torno desses interesses particulares.Arendt aponta ainda que, na Idade Mdia, a esfera pblica foi absorvida pela poder da Igreja Catlica, e a grande parte dos conflitos passou para a jurisdio da esfera privada. Essa era caracterstica no feudalismo, onde o senhor feudal tinha plenos poderes sobre aqueles que encontravam-se sobre sua propriedade ou servido, inclusive de aplicar-lhes a lei (algo que na antiguidade no era conhecido fora da polis). Na polis, a poltica no estava submetida necessidade, mas acontecia o movimento contrrio. Alcanar a vida na polis era o objetivo pelo qual os indivduos buscavam a vitria sobre a necessidade. A vida na polis era considerada a vida boa, em contraposio vida daqueles que ainda no haviam se libertado das necessidades.6 A ascenso do socialA sociedade passa da esfera meramente particular (administrao caseira) para a esfera pblica.A nova esfera social transformou todas as comunidades modernas em sociedades de operrios e de assalariados; em outras palavras, essas comunidades concentraram-se imediatamente em torno da nica atividade necessria para manter a vida o labor.(p.56)A sociedade a forma na qual o fato da dependncia mtua em prol da subsistncia, e de nada mais, adquire importncia pblica, e na qual as atividades que dizem respeito mera sobrevivncia so admitidas em praa pblica. (p.56)A promoo do labor estatura de coisa pbica liberou esse processo de sua recorrncia circular e montona e transformou-o em rpida evoluo, cujos resultados, em poucos sculos, alteraram inteiramente todo o mundo habitado. O fato mais importante nesse crescimento foi a organizao, visvel na diviso do trabalho, algo que no seria possvel se permanecesse restrito esfera privada.7 A esfera pblica: o comumDois conceitos de pblico: 1 - aquilo que trazido a pblico, que pode ser sentido (escutado, visto) pelos outros. O ser humano percebe a realidade e a reconhece a partir das sensaes sobre os fatos e quando estes so compartilhados por outros. Os sentimentos, sensaes, enquanto restritos ao aspecto privado, ntimo, nunca tero a mesma realidade daqueles expostos a pblco2 - o mundo, no no sentido espacial-geogrfico, mas compreendido como o espao no qual esto presentes os homens e, ao mesmo tempo, intermedia suas relaes. o espao pblico propriamente dito.O significado da vida pblica a juno desses dois conceitos. Ser visto e ouvido por outros importante pelo fato de que todos veem e ouvem de ngulos diferentes (p.67). Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, numa variedade de aspectos, sem mudar de identidade, de sorte que os que esto sua volta sabem que veem o mesmo na mais completa diversidade, pode a realidade do mundo manifestar-se de maneira real e fidedigna(67)A realidade garantida pelo fato de que, apesar das diferenas de posio e da resultante variedade de perspectivas, todos esto interessados no mesmo objeto.Os gregos afirmavam que na esfera pblica que o homem pode imortalizar-se, a ao (prxis) permite ao homem transcender o prprio tempo.

7 A esfera privada: a propriedadeA partir dessa conceituao de esfera pblica, o significado original de privado, remetendo privao, retoma seu sentido. Uma vida exclusiva na esfera privada representava ser destitudo de coisas essenciais vida verdadeiramente humana; a privao do homem de viver no mundo comum, na realidade, de ser visto e ouvido pelos outros, de uma relao objetiva com eles decorrente do fato de ligar-se e separar-se deles mediante um mundo comum de coisas, e privado da possibilidade de realizar algo mais permanente que a prpria vida (p.68).Para Arendt, assim como no pensamento romano, a forma de relao entre as duas esferas a coexistncia. Nenhuma das esferas se justifica ou se realiza sem a existncia da outra.Relao PROPRIEDADE X RIQUEZA: Na antiguidade, a relao entre propriedade e riqueza no era direta como se concebe no mundo moderno. A propriedade era considerada o mais importante aspecto da esfera privada. Ela representava que aquele indivduo tinha seu lugar no mundo e, a partir dali, lhe era possvel ser considerado cidado e participar da vida pblica. A existncia de propriedade e ausncia de riqueza em nada alterava o status de cidadania na cidade antiga, ao contrrio, a destituio da propriedade, mesmo num indivduo rico, o destituiria da participao na esfera pblica. A principal funo da propriedade no era o acmulo de riqueza ou a dedicao s artes ou cincias, mas aspirar esfera pblica, considerado, na antiguidade, a funo mais elevada.A riqueza privada era condio para a admisso na vida pblica mais como ausncia de pobreza do que de acmulo de riqueza, uma vez que a riqueza significava que o indivduo tinha a liberdade de dispor de seu tempo sem ter a necessidade de se dedicar a prover sua prpria subsistncia, estaria livre para exercer a atividade poltica.Por fim, a autora faz uma crtica ao fenmeno moderno de valorizao da acumulao de riqueza enquanto caracterstica que se coloca acima da propriedade privada. A importncia da propriedade passa a ser entendida enquanto meio para acumulao de riqueza e, mesmo assim, passvel de ser sacrificada quando entra em conflito com a acumulao de riqueza.

9 O social e o PrivadoComo j foi colocado na seo A ascenso do Social, a preocupao individual com a propriedade privada ascendeu de preocupao individual para preocupao pblica. Logo que passou esfera pblica, a sociedade assumiu o disfarce de uma organizao de proprietrios que, ao invs de se arrogarem acesso esfera pblica em virtude de sua riqueza, exigiram dela proteo para o acmulo de mais riqueza (p. 78)A riqueza, porm, ao contrrio do mundo comum, tem, por natureza, o carter de ser finita, no tem longevidade, uma vez que, por definio, acumulada para o uso e consumo. Sem o processo de acumulao, a riqueza recairia, naturalmente, no processo de desintegrao.A riqueza comum, portanto, jamais pode tornar-se comum no sentido que atribumos ao mundo comum; permaneceu ou, antes, destinava-se a permanecer estritamente privada. Comum era somente o governo, nomeado para proteger uns dos outros os proprietrios privados na luta competitiva por mais riqueza. (p. 79)No mundo moderno, ambas as esferas fundiram-se na chamada esfera social. A esfera pblica se tornou funo da privada, e esta ltima tornou-se a nica preocupao comum.DUAS importantes feies no privativas da privatividade e o perigo de se ameaar a existncia da propriedade privada. A segunda feio que as quatro paredes da propriedade particular de uma pessoa oferecem o nico refgio seguro contra o mundo pblico comum no s contra tudo o que nele ocorre, mas tambm contra a sua prpria publicidade, contra o fato de ser visto e ouvido (p. 81)