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Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida sob qualquer forma ou meio, eletrónico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou armazenamento de informação sem o consentimento prévio, por escrito, do proprietário. Um agradecimento a Kate Wheeler FICHA TÉCNICA Título original: A Monster Calls Autor: Patrick Ness A partir de uma ideia original de Siobhan Dowd Texto © 2011 Patrick Ness Ilustrações © 2011 Jim Kay Edição publicada por acordo com Walker Books Limited, 87 Vauxhall Walk, London, SE11 5HJ Todos os direitos reservados Citação de An Experiment in Love, de Hilary Mantel, reproduzida sob autorização de HarperCollins Publishers Ltd. © Hilary Mantel 1995 Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2015 Tradução: Ana Cristina Pais Ilustrações: Jim Kay Composição: Ana Sena Impressão e acabamento: Multitipo - Artes Gráficas, Lda. Depósito legal nº 386 147/14 1ª edição, Lisboa, fevereiro, 2015 Reservados todos os direitos para Portugal à EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 Barcarena [email protected] www.presenca.pt

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Page 1: NOTA DO AUTOR · 11 SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE O monstro apareceu passava pouco da meia-noite. Como sempre acontece com os monstros. Conor estava acordado quando ele chegou

Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida sob qualquer forma ou meio, eletrónico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou armazenamento de informação sem o consentimento prévio, por escrito,

do proprietário.

Um agradecimento a Kate Wheeler

FICHA TÉCNICA

Título original: A Monster CallsAutor: Patrick Ness

A partir de uma ideia original de Siobhan DowdTexto © 2011 Patrick NessIlustrações © 2011 Jim Kay

Edição publicada por acordo com Walker Books Limited, 87

Vauxhall Walk, London, SE11 5HJ Todos os direitos reservados

Citação de An Experiment in Love, de Hilary Mantel, reproduzida sob autorização de HarperCollins Publishers

Ltd. © Hilary Mantel 1995 Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2015

Tradução: Ana Cristina PaisIlustrações: Jim Kay

Composição: Ana Sena Impressão e acabamento: Multitipo

- Artes Gráficas, Lda. Depósito legal nº 386 147/14

1ª edição, Lisboa, fevereiro, 2015

Reservados todos os direitos para Portugal à

EDITORIAL PRESENÇAEstrada das Palmeiras, 59

Queluz de Baixo2730-132 Barcarena

[email protected]

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NOTA D O AU TOR

Não cheguei a conhecer Siobhan Dowd. Conheço-a apenas da

forma como a maioria dos leitores a conhecerão: através dos

seus magníficos livros. Quatro romances eletrizantes para ado-

lescentes, dois publicados em vida, dois após a sua morte pre-

matura. Se ainda não os leram, têm de o fazer imediatamente.

Este teria sido o seu quinto livro. Tinha as personagens, uma

premissa e um começo. O que não teve, infelizmente, foi tempo.

Quando me perguntaram se não queria pensar em transfor-

mar o trabalho dela num livro, hesitei. O que não faria – o que

não podia fazer – era escrever um romance que copiasse o

registo dela. Isso seria prestar-lhe um mau serviço, a ela, ao

leitor e, acima de tudo, à história. Não me parece que a boa

literatura possa funcionar dessa maneira.

Ora uma coisa que as boas ideias têm de bom é que geram

outras ideias. Quase sem eu querer, as ideias de Siobhan ins-

piravam-me novas ideias, e comecei a sentir aquele bichinho

pelo qual todos os escritores anseiam: começar a pôr as coisas

por palavras; enfim, contar uma história.

Senti – e sinto – como se me tivessem passado o testemu-

nho numa corrida de estafetas, como se uma escritora de grande

talento me tivesse dado a história dela e dito: «Força! Vai em

frente. Faz acontecer». E foi isso que tentei fazer. O meu único

critério foi: escrever um livro que eu achasse que Siobhan iria gos-

tar. Não havia nenhum outro critério que realmente importasse.

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E agora chegou o momento de passar o testemunho a todos

vós, leitores. As histórias não acabam nos escritores, indepen-

dentemente de quantos tenham iniciado a corrida. Eis o que

Siobhan e eu imaginámos. Portanto força. Vai em frente.

Faz acontecer.

Patrick Ness

Londres, fevereiro de 2011

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Pa r a Siob h a n

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Lá diz o ditado que «só se é jovem uma vez», mas não será

antes uma fase que perdura no tempo? Mais anos do que aque-

les que conseguimos suportar.

Hilary Mantel, An Experiment in Love

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S ET E M I N U TO S DE P OIS DA M E I A -NOI T E

O monstro apareceu passava pouco da meia-noite.

Como sempre acontece com os monstros.

Conor estava acordado quando ele chegou.

Tivera um pesadelo. Bem, não um pesadelo. O pesadelo.

Aquele que, ultimamente, tinha muitas vezes. Aquele com a

escuridão, e o vento, e os gritos. Aquele com as mãos que lhe

escapavam, por muito que as tentasse agarrar. Aquele que ter-

minava sempre com…

– Vai-te embora – sussurrou Conor para a escuridão do seu

quarto, tentando repelir o pesadelo e impedir que o seguisse

para o mundo de vigília. – Agora vai-te embora.

Deu uma olhadela ao relógio que a mãe colocara na mesa

de cabeceira. 0h07. Sete minutos depois da meia-noite. O que

era tarde para uma noite com escola no dia seguinte. Tarde,

com toda a certeza, para uma noite de domingo.

Não contara a ninguém do pesadelo. Nem à mãe, natural-

mente, nem a mais ninguém; nem sequer ao pai no seu tele-

fonema quinzenal (mais coisa menos coisa); e seguramente não

contara à avó, nem a ninguém da escola. Claro que não.

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O que acontecia no pesadelo era algo que mais ninguém

jamais precisaria de saber.

Conor olhou para o quarto, piscando os olhos estremu-

nhado, e franziu o sobrolho. Estava a escapar-lhe alguma

coisa. Sentou-se na cama, um pouco mais desperto. O pesa-

delo sumia-se, mas havia alguma coisa que ele não sabia ao

certo o que era, algo diferente, algo…

Pôs-se à escuta, esforçando-se por distinguir algo no meio

do silêncio, mas só conseguiu ouvir a casa silenciosa em seu

redor, o latejo esporádico do vazio do andar de baixo ou o

restolhar da roupa de cama do quarto da mãe, ao lado do dele.

Nada.

E depois algo. Algo que ele percebeu ser aquilo que o tinha

acordado.

Alguém chamava por ele.

– Conor!

Sentiu um assomo de pânico, as entranhas a revolverem-se.

Tê-lo-ia seguido? Teria, de alguma forma, conseguido sair do

pesadelo e…?

– Não sejas parvo – disse para si mesmo. – Já és muito

crescido para acreditares em monstros.

E era. Ainda no mês passado fizera treze anos.

Os monstros eram coisa de bebés. Os monstros

eram coisa de quem ainda fazia chichi na

cama. Os monstros eram coisa de…

– Conor!

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Lá estava outra vez. Conor engoliu em seco. Aquele mês de

outubro estava a ser invulgarmente quente e a janela do quarto

estava aberta. Talvez as cortinas a bater umas nas outras com a

leve brisa pudessem soar a…

– Conor!

Pronto, não era o vento. Era, sem dúvida, uma voz, porém

uma voz que não reconhecia. Não era a da mãe dele, isso era

certo. Não era de todo uma voz de mulher e, num momento de

loucura, perguntou-se se o pai não teria vindo de surpresa da

América e chegado demasiado tarde para telefonar e…

– Conor!

Não. Não era o pai. Aquela voz tinha um timbre, um tim-

bre monstruoso, selvagem e ameaçador.

Ouviu então o rangido intenso de madeira lá fora, como se

algo gigantesco estivesse a andar sobre um soalho de madeira.

Não queria ir ver. Porém, ao mesmo tempo, havia uma

parte dele que estava mortinha por espreitar.

Agora completamente desperto, atirou a roupa para trás,

saiu da cama e foi até à janela. À meia-luz pálida da lua, vis-

lumbrou distintamente a torre da igreja no cimo da pequena

colina por trás da casa dele, contornada pelos carris dos com-

boios, duas linhas de aço duro que resplandeciam sombria-

mente no meio da noite. A lua incidiu igualmente sobre o

cemitério contíguo à igreja, cheio de lápides que já mal se

conseguiam ler.

Conor avistou igualmente o grande teixo que se erguia no

meio do cemitério, uma árvore tão antiga que quase parecia ser

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feita da mesma pedra que a igreja. Só sabia que era um teixo

porque a mãe lhe dissera, a primeira vez quando era pequeno,

para se certificar de que não comia as bagas, que eram

venenosas, e novamente no ano anterior, quando começara

a olhar pela janela da cozinha com uma expressão estranha

no rosto e a dizer:

– Sabes, é um teixo.

E depois ouviu novamente o seu nome.

– Conor!

Como se lhe estivesse a ser sussurrado em ambos os ouvi-

dos.

– Mas que…? – disse Conor com o coração aos saltos,

subitamente impaciente pelo que quer que fosse acontecer.

Uma nuvem pôs-se à frente da lua, cobrindo toda a pai-

sagem com um manto de escuridão, e uma rajada de vento

soprou colina abaixo, entrando no quarto dele e fazendo

esvoaçar as cortinas. Ouviu novamente o chiar e o ranger

de madeira, a gemer como um ser vivo, como o estômago

faminto do mundo a dar horas por uma refeição.

Então a nuvem passou e a lua voltou a brilhar.

Sobre o teixo.

Que agora se erguia firmemente no meio do jardim das

traseiras.

E ali estava o monstro.

Diante dos olhos de Conor, os ramos mais altos da árvore

juntaram-se formando uma cara grande e medonha, tremelu-

zindo para formar uma boca e um nariz e até uns olhos que

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o perscrutavam. Os outros ramos enroscaram-se à volta uns

dos outros, sempre a chiar, sempre a gemer, até formarem dois

braços compridos e uma segunda perna que se pousava ao lado

do tronco principal. O resto da árvore aglomerou-se primeiro

numa coluna vertebral e a seguir num torso, as folhas finas e

aguçadas entrelaçando-se de modo a formar uma pele verde

e aveludada que se movia e respirava como se por baixo dela

tivesse músculos e pulmões.

Já mais alto que a janela de Conor, o monstro ficava maior à

medida que se ia compondo, crescendo até um formato majes-

toso, que parecia ora forte, ora pujante. Nunca tirou os olhos

de Conor, e este conseguia ouvir a respiração forte e ventosa

que lhe saía da boca. Colocou as mãos gigantescas de ambos

os lados da sua janela, baixando a cabeça até os olhos enor-

mes preencherem o caixilho, imobilizando Conor com o olhar.

A casa de Conor soltou um pequeno gemido sob o seu peso.

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Foi então que o monstro falou.

– Conor O’Malley – disse ele, e um grande bafo

quente e a cheirar a estrume atravessou a janela de

Conor e soprou-lhe o cabelo para trás. A voz res-

soou baixa e ruidosa, com uma vibração tão pro-

funda que Conor até a sentiu no peito.

» Vim buscar-te, Conor O’Malley – disse o mons-

tro, dando um empurrão na casa que fez abanar

os quadros nas paredes e atirou ao chão livros, e

aparelhos eletrónicos, e um velho rinoceronte de

peluche.

Um monstro, pensou Conor. Um monstro de

carne e osso. Na vida real… de olhos abertos. Não

num sonho, mas ali, à sua janela.

Viera buscá-lo.

Porém, Conor não fugiu.

Na verdade, descobriu que nem sequer estava

assustado.

A única coisa que sentia, a única coisa que

sentira desde que o monstro se revelara, era uma

desilusão crescente.

Porque aquele não era o monstro pelo qual

estava à espera.

– Então apanha-me se puderes – disse ele.