nos caminhos do festejar: a festa de nossa senhora do ... · adoração a santa ... sendo todos os...

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1 Nos caminhos do festejar: a festa de Nossa Senhora do Rosário em Itaberaba-BA como espaço político e cultural Bianca Silva Lopes Costa 1 As proximidades da festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário em Itaberaba era considerado pela comunidade como um novo tempo, este inaugurava momentos ímpares para aquelas pessoas que através do trabalho, do canto, da missa, na quermesse ou nas suas performances exprimiam os seus sentimentos mais íntimos no festejar. Em adoração a Santa acontecia um significativo ritual marcado por hinos, rezas, apresentações, atos de contrição, o que significava o momento de celebração da vida, de enfrentamento da realidade adversa que a sociedade estivesse passando naquele momento. Um explendoroso espetáculo acontecia na cidade durante os festejos em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, destacando-se principalmente pela pompa que evidenciava. No entanto, tal relação com o festejo até meados de 1920 não possuía o mesmo brilhantismo que veio a expressar e exibir nas décadas seguintes. Anteriormente a mesma acontecia a partir de algumas solenidades, como comunhões, cantos e missas. O Pároco Campeiro de Souza (1922) em um dos seus relatos sobre as celebrações da paróquia, indignado com a frieza de sentimentos dos fiéis e do desleixo dos mesmos com as comemorações religiosas, expressou as seguintes palavras: A minha impressão ao entrar na vida paroquial desta freguesia foi bastante desanimadora quinze a vinte pessoas ouviam a missa dos domingos e dias santos (...) celebrei com solenidades as festas do Santíssimo Sagrado Coração de Jesus, da Conceição e do Natal (...) assim passou-se o primeiro ano de paróquia nesta freguesia de gente alheia a todo e qualquer sentimento festivo religioso (...) Organizei uma comissão para realizar a festa da padroeira e eles tendo aceitado o meu convite prometeram fazer a festa com máxima solenidade, não ligando depois a mínima importância a sua promessa e ao seu compromisso, outubro me vieram oferecer para fazer a festa (...) e mais uma vez provaram a sua aversão a causa de Deus. ( LIVRO DE TOMBO, 1922, p. 12-14) A partir da década de 1926 Itaberaba viu renascer o festejo que viria a ser o mais importante daquela região. Esse ressurgir foi fruto do projeto dos dirigentes religiosos que viam nas comemorações festivas a possibilidade de ascensão da fé católica e do crescimento do número de fiéis, que na percepção dos padres necessitavam de 1 Mestranda em História Regional e Local pela UNEB- Universidade do Estado da Bahia, Campus V, Santo Antônio de Jesus Bahia. Email: [email protected]

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Nos caminhos do festejar: a festa de Nossa Senhora do Rosário em Itaberaba-BA como espaço político e cultural

Bianca Silva Lopes Costa1

As proximidades da festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário em Itaberaba

era considerado pela comunidade como um novo tempo, este inaugurava momentos

ímpares para aquelas pessoas que através do trabalho, do canto, da missa, na quermesse

ou nas suas performances exprimiam os seus sentimentos mais íntimos no festejar. Em

adoração a Santa acontecia um significativo ritual marcado por hinos, rezas,

apresentações, atos de contrição, o que significava o momento de celebração da vida, de

enfrentamento da realidade adversa que a sociedade estivesse passando naquele

momento. Um explendoroso espetáculo acontecia na cidade durante os festejos em

homenagem a Nossa Senhora do Rosário, destacando-se principalmente pela pompa que

evidenciava.

No entanto, tal relação com o festejo até meados de 1920 não possuía o mesmo

brilhantismo que veio a expressar e exibir nas décadas seguintes. Anteriormente a

mesma acontecia a partir de algumas solenidades, como comunhões, cantos e missas. O

Pároco Campeiro de Souza (1922) em um dos seus relatos sobre as celebrações da

paróquia, indignado com a frieza de sentimentos dos fiéis e do desleixo dos mesmos

com as comemorações religiosas, expressou as seguintes palavras:

A minha impressão ao entrar na vida paroquial desta freguesia foi bastante desanimadora quinze a vinte pessoas ouviam a missa dos domingos e dias santos (...) celebrei com solenidades as festas do Santíssimo Sagrado Coração de Jesus, da Conceição e do Natal (...) assim passou-se o primeiro ano de paróquia nesta freguesia de gente alheia a todo e qualquer sentimento festivo religioso (...) Organizei uma comissão para realizar a festa da padroeira e eles tendo aceitado o meu convite prometeram fazer a festa com máxima solenidade, não ligando depois a mínima importância a sua promessa e ao seu compromisso, outubro me vieram oferecer para fazer a festa (...) e mais uma vez provaram a sua aversão a causa de Deus. ( LIVRO DE TOMBO, 1922, p. 12-14)

A partir da década de 1926 Itaberaba viu renascer o festejo que viria a ser o mais

importante daquela região. Esse ressurgir foi fruto do projeto dos dirigentes religiosos

que viam nas comemorações festivas a possibilidade de ascensão da fé católica e do

crescimento do número de fiéis, que na percepção dos padres necessitavam de

1 Mestranda em História Regional e Local pela UNEB- Universidade do Estado da Bahia, Campus V, Santo Antônio de Jesus Bahia. Email: [email protected]

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evangelização para a comunhão com Deus e consequentemente zelo para com as causas

religiosas. Nesse sentido, a festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário volta

resplandecente consolidando as aspirações dos dirigentes católicos naquela região,

tornando-se, “instrumento de comunicação e de conhecimento enquanto veículo

simbólico quanto ao sentido dos signos e do mundo...” (BOURDIEU, 1998, p. 28) tal

festejo, para aqueles párocos deveria ser cumprido, realizando assim os seus objetivos

doutrinários e alimentando também os anseios dos sujeitos sociais. Demonstrando

grande alegria no empreendimento religioso para arrebanhar os fiéis, o padre escreveu o

grande acontecimento que marcou a espiritualidade daquela gente:

Fiz o mês de Maria e Rosário pregando todos os dias e com aula de catecismos diários conseguindo elevar assim o número de alunos a cento e quarenta meninos e meninas (...) a primeira comunhão que se fez constituiu a festa mais bela que este povo se lembra ter assistido aqui. Setenta crianças receberam pela primeira vez a Jesus no Santíssimo Sacramento da Eucaristia, sendo que trinta se achavam vestidas de anjo, sendo todos os cantos executados pelos comungantes... ( LIVRO TOMBO, 1926, p.12)

Ultrapassando os limites do eclesiástico, a festa para a comunidade ganha novos

sentidos e ao se apropriar da mesma, aquelas pessoas a redimensiona e lhes imprime

suas identidades. Segundo Brandão a festa incorpora os mesmos sujeitos, os mesmos

objetos e a mesma estrutura das relações de uma comunidade, porém a transfigura, a

partir dos variados objetivos que seus participantes têm em relação à mesma. O

interessante é que a festa, segundo o autor, “se apossa da rotina e não a rompe, mas

excede sua lógica, e é nisso que ela força às pessoas ao breve ofício ritual da

transgressão.”2

A temática “Festas”, devido à amplitude de suas manifestações nas diversas

sociedades e os significados advindos das relações ocorridas no interior das mesmas,

tem se constituído como importante objeto de pesquisa. Considerando a possibilidade

de uma pesquisa historiográfica fundamentada na História Cultural busquei no

município de Itaberaba, região da Chapada Diamantina o objeto de estudo desta

pesquisa. Esta pesquisa investigou os diferentes significados de mundo, do viver social

e os processos simbólicos que foram produzidos e reproduzidos por meio da festa

religiosa imprimindo-lhes identidade. Dentre as práticas que foram analisadas está os

rituais que antecedem à festa, a preparação do corpo espiritual: novenas, a missa, a

2 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Divino, o Santo e a Senhora. Rio de Janeiro. Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1978, p. 26.

3

organização para a procissão, as vestimentas, os recursos; além das quermesses e

situações que ocorriam no próprio festejo.

Esta pesquisa utilizou a história oral, a qual permitiu o registro de testemunhos e

o acesso a histórias dentro da história e, dessa forma, ampliou as possibilidades de

interpretação do passado (ALBERTI, 2006). Os testemunhos dos sujeitos sociais que

vivenciaram ou conheceram de alguma forma a festa em louvor a Nossa Senhora do

Rosário foram importantes fontes históricas, pois constituíram um cabedal infinito, onde

múltiplas variáveis – temporais, topográficas, individuais, coletivas – dialogaram entre

si, revelando lembranças, algumas vezes de forma explicita outras vezes de forma

velada (DELGADO, 2006). Tais narrativas permitiram amplas interpretações acerca do

objeto de estudo, como as aspirações, realizações, significados em torno da celebração a

Padroeira.

Nesse sentido, a festa em homenagem a Nossa Senhora do Rosário como

representação de uma coletividade produziu durante o tempo significados e identidades,

vivências que ficaram registradas nas memórias e na oralidade dos vários sujeitos

sociais participantes direta ou indiretamente da homenagem a Rosário. Através dessas

memórias e dos testemunhos orais foi possível resgatar a vida cotidiana daqueles

devotos, clarificar as dimensões políticas e sociais relacionadas com o festejo, perceber

as transformações que foram ocorrendo na festa e seus impactos na sociedade

itaberabense.

Como salienta Jesus (2006)3 o acesso às memórias e à oralidade de sujeitos

sociais pode contribuir significativamente para a pesquisa histórica, principalmente se

pensadas para a análise de forma imbricada, ou seja, ambas entremeadas, e nessa

perspectiva constituem catalisadoras do lembrar-narrar, fontes históricas sem as quais

muito do passado de grupos sociais não poderia ser desvelado.

As narrativas orais dos sujeitos sociais sobre o festejo em Itaberaba

possibilitaram considerações substanciais para a compreensão das variadas relações que

se desenvolveram na festa. Como afirma Joutard,4

o oral nos revela o indescritível, toda uma série de realidades que raramente aparecem nos documentos escritos, seja porque são consideradas “muito insignificantes”- é o mundo da cotidianidade – ou inconfessáveis, ou porque são impossíveis de transmitir pela escrita. É através do oral que se pode apreender com mais clareza

3 JESUS, E. “Gente de promessa, de reza e de romaria”: Experiências devocionais na ruralidade do recôncavo sul da Bahia. Dissertação de Mestrado, UFBA. Salvador, 2006, p.14. 4 JOUTARD P. “Desafios à História Oral do século XXI”. In: FERREIRA, M. de M. ALBERTI, V.

(Orgs) História Oral desafios para o século XXI. Rio de Janeiro, 2000, p.33.

4

as verdadeiras razões de uma decisão (...) que se penetra no mundo do imaginário e do simbólico.

Nessa perspectiva essa pesquisa sobre a homenagem à Padroeira mesmo

realizando a análise com documentos escritos como os jornais e as fontes paroquiais,

estes seriam insuficientes para explicar as intricadas situações que ocorreram naquele

tempo festivo devocional. Assim, os testemunhos orais contribuíram significativamente

para a reconstituição daquele passado, o qual nunca é aquele do indivíduo somente, mas

do sujeito inserido num processo coletivo traduzindo visões que foram vivenciadas

numa coletividade. Segundo Habwachs5 toda memória é coletiva, porque os sujeitos

históricos ainda que tenham uma vivência individual na realização de suas práticas, essa

experiência acontece associada a uma coletividade estes vivem coletivamente,

aprendendo e realizando as coisas de modo coletivo.

A cidade de Itaberaba na década de 1930 crescia em um contexto político-

econômico fundamentado na dinâmica marcada pela construção de obras públicas,

pavimentação das vias, patrocínio de festas, incentivo ao comércio, com a possibilidade

permanente da energia elétrica, pois a energia até meados da década de 1940 só

permanecia acesa até as dez horas da noite, além de específicas permanências do século

XIX, como a existência de pequenas propriedades, nas quais eram produzidos bens de

consumo para a comunidade. Economicamente ainda que possuísse a característica

principal baseada na agricultura e pecuária, a cidade lutava contra as constantes secas

que castigava muito a vida da população, pois não possuía água encanada, dependendo

do trem ou de carroças que trazia esse tão escasso e necessário recurso natural. (O

ITABERABA, 1945.)

Nessa conjuntura as pessoas viviam em uma relação de intimidade com a vida

religiosa e durante a festa em comemoração à Senhora do Rosário, uma grande reunião

coletiva acontecia entre as pessoas. A imagem e os significados em torno do sagrado

regiam a vida social e nesse espaço os sentidos foram construídos. Segundo Araújo

(2008):

(...) as manifestações festivas potencializam um momento especial, no qual uma coletividade projeta e re(cria) significados para o mundo, lhe imprime identidade, sentido, conflito, valores e especificidades. (ARAÙJO, 2008, p.20)

5 HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo, 1990.

5

De acordo com Borges6 (1998) essa festa historicamente perpassa por todo o

período colonial chegando até o Brasil Império e a sua promoção estava a cargo dos

escravos, negros alforriados e livres congregados nas Irmandades do Rosário. Em

Itaberaba, a festa não estava circunscrita somente a negros, como em outras partes do

país. Nem especificamente ligada a uma irmandade, como nos relata D. Maria Santos7,

a festa de Nossa Senhora do Rosário aqui na cidade não tem uma irmandade própria, a que ajudava para a organização da festa era a irmandade coração sagrado do menino Jesus, quem realmente fazia as coisas era a comissão organizadora...

Segundo Borges (1998) as festas significava a homenagem à santa Padroeira e

constituía o momento máximo da vida da organização fraternal. Além das missas e

procissões, e da cerimônia de posse do rei e da rainha da irmandade, a festa também era

preenchida por representações dramáticas, conhecidas como congadas, por vários

banquetes e quitutes nas casas dos festeiros.

No entanto, existem diferenças na forma como essas festas se desenvolveram no

Brasil. Na localidade de Itaberaba a festa ganhou expressivas manifestações específicas.

Os banquetes nas casas dos devotos ainda continuam, porém, determinados quitutes

deram lugar a uma tradicional feijoada, as congadas “transformaram-se” em outras

representações, como a apresentação do bumba-meu-boi e a festa do tradicional

vaqueiro personagem típico do sertão baiano, juntou-se as comemorações relativas à

santa.

O festejo se evidencia pela estética da celebração, pelo ritual elaborado pelos

devotos e vaqueiros, além do banquete que é servido nas casas para os participantes da

população. Logo ao chegar à paróquia e incitar a população para a realização do festejo,

o pároco Campeiro de Souza nunca imaginaria como a homenagem à santa Padroeira

veio a se expandir e consequentemente passar por mudanças.

As transformações foram ocorrendo ao longo dos anos de 1920 a 1954, à medida

que as pessoas se aproximavam mais da vida religiosa. Em 1920 poucas famílias deram

importância às pregações e solicitações do pároco Campeiro de Souza, porém já em

1926,

o mês de Rosário constituiu um dos acontecimentos mais solenes da vida religiosa da Paróquia neste ano, porquanto o culto da Padroeira

6 BORGES, Célia Maia. Devoção Branca de Homens Negros: as Irmandades do Rosário em Minas Gerais no Século XVIII. Tese de doutorado defendida na Universidade Federal Fluminense, Brasil, 2008. 7 A Sra. Maria Santos reside no município de Itaberaba, possui 72 anos e durante algum tempo foi secretária da igreja, atualmente trabalha nas causas paroquiais sem remuneração. Informação obtida em 15 de julho de 2008.

6

achava-se já há tempos em total esquecimento. Fiz ver ao povo a necessidade de revivê-lo no que fui atendido, sendo feitas todas as noites com mordomos e da maneira mais brilhante. Para auxiliar-me nos exercícios do mês de Rosário veio a meu convite a esta cidade o Frei João Baptista Fernando que organizou um coro duplo com quarenta e tanto cantores entre moças e crianças, acto este que agradou sumamente ao povo (...) as noites foram solenizadas com o oferecimento de flores pelas crianças à Virgem Santa...(Pe. Aristides Pedreira do Couto Ferraz. In: Livro de Tombo, 1926, p. 14)

Nesse momento, muitas pessoas já participavam do culto à Padroeira, por todos

os cantos naqueles dias festivos crianças, mulheres e homens evidenciavam no seu

próprio espaço de vivências e no seu cotidiano, um profundo sentimento religioso. O

exercício da fé cristã individualmente e coletivamente foi se construindo, impregnado

de crenças e de devoção a Padroeira, as mensagens de esperança na melhoria das

condições de vida, a cada festejo ganhavam corpo fazendo parte das promessas e dos

rituais da festa,

embora a seca esteja atrofiando a véspera da maior festa religiosa desta cidade, serão prestadas as homenagens devidas a nossa querida protetora, ainda que seja com mais simplicidade ou mesmo uma festa de penitência, o nosso povo dará o sinal de seu amor e veneração à mãe de Deus, que misericordiosa atenderá a suplica deste povo que padece os horrores da seca. ( O ITABERABA, 1931, P.06)

Ao inserir suas necessidades particulares como petição e ao mesmo tempo

vivenciar o tempo do festejar, a festa se imbuía do caráter penitente, que segundo os

costumes locais eram carregados de simbolismos identitários, tais como o jejum e a

oração das senhoras em favor das chuvas para a plantação e colheita de grãos típicos da

região. Além disso, durante a festa a novena dos vaqueiros que participavam do festejo

intercediam por melhorias nas condições de vida e honravam a Santa através do seu

melhor, ou seja, prestando suas homenagens a partir de suas formas particulares, como

o desfile pela cidade a cavalo e durante a procissão. “Todos aos pés de Maria

Santíssima, implorando a sua misericórdia contra a seca, contra a guerra, pelas chuvas e

pela paz” (O ITABERABA, 1936, p. 20)

Constituía-se dessa forma um modo ímpar de adorar a Santa, uma religiosidade

intercambiável, que “não se esgotava unicamente no esmero em cumprir as obrigações

religiosas, mas que se construía sobre a prática de uma religião dentro das necessidades

individuais e sociais” a partir de suas próprias formas de adoração ao santo católico.

(BAROJA, 1978, p. 11).

Através dos rituais, simbologias e atos performáticos os sujeitos sociais se

exprimiam. Assim foram produzidos sentidos e significados relativos à sua existência

7

no mundo social, o que instrumentaliza a compreensão da dinâmica sócio-cultural da

região. De acordo com Geertz (1989):

Os conceitos religiosos espalham-se para além de seus contextos especificamente metafísicos, no sentido de fornecer um arcabouço de idéias gerais em termos das quais pode ser dada uma forma significativa a uma parte da experiência (...) as disposições e motivações que uma orientação religiosa produz lançam uma luz derivativa, lunar sobre os aspectos sólidos da vida secular de um povo. (GEERTZ,1989, p. 140 – 141)

Nesse sentido, as práticas durante a homenagem não se limitavam apenas aos

atos litúrgicos, mas ao exercício constante de interceder e agradecer pelas graças

alcançadas. Verdadeiros pactos de fé se materializavam na homenagem, fossem nas

apresentações teatrais, que ocorriam na festa após as missas e nas quais as pessoas

encenavam situações cotidianas de prestação e contraprestação de serviços, ou mesmo,

através das encenações e dos testemunhos vivos nas quais ficava evidente as dádivas

recebidas, marcadas pelo caráter de dar, receber e retribuir.

Assim, a apresentação de fogos de artifício, de espetáculos cênicos com grandes

coreografias, apresentações de filarmônicas, de cantores, acontecia em glória a Santa e

satisfazendo os fiéis em seus agradecimentos. Segundo CASCUDO (1985) os foguetes

se constituíram de grande importância para as festividades religiosas no Brasil, cuja

presença nas festas coloniais remonta ao século XVII, vindos de Portugal. Esta tradição

era a alegria dos arraiás e procissões, sendo considerados como parte essencial para as

cerimônias e imbuídos de um caráter religioso.

Esses aspectos foram evidenciados ao longo dos anos em Itaberaba, através de

manifestações sagradas e profanas na homenagem a Padroeira, pois a partir de 1926 a

festa já acontecia também fora do âmbito da igreja, ocorrendo no largo muitas danças,

músicas, jogos, comidas, leilões. A fé exercia uma função definitiva na vida das pessoas

devotas à Santa, fosse através das orações e penitências, ou peditórios e leilões, os quais

eram realizados de forma a angariar fundos para as comemorações. Eis os vários

cenários de fundo em que se desdobrou essa festa cristã. Longe de se alhearem dos

acontecimentos, as pessoas participavam ativamente, quer desfilando com suas roupas

nas procissões, quer ornamentando as ruas ou ainda nas missas com a ostentação do

luxo.

A alegria da festa ajuda as populações a suportar o trabalho, o perigo e a exploração, mas reafirma, igualmente, laços de solidariedade ou permite aos indivíduos marcar suas especificidades e diferenças. Procissões, desfiles, desafios, prazeres misturam os ganhadores e perdedores na festa, permitindo-lhes exprimir suas emoções em

8

múltiplas ocasiões. Na roda da festa, como na roda vida, tudo volta inelutavelmente ao mesmo lugar, os jovens aprendendo com os velhos a perpetuar uma cultura legada pelos últimos. ¨(PRIORE, 2000, p.10)

Nesse contexto já na década de 1940 a festa em plena expansão era marcada por

espetáculos mais elaborados. As alvoradas, por exemplo, eram marcadas pela animação

de instrumentos musicais e fogos. Além da função de anteceder as novenas, as mesmas

convocavam a população para participar dos festejos à noite. O hasteamento da

bandeira, símbolo da festa conclamava as pessoas para as homenagens e marcando

assim, o tempo de festejo e da contrição espiritual,

teve inicio a festa de Nossa Senhora do Rosário no dia 10 com Missa de comunhão geral e a noite, o hasteamento da bandeira, ao som do hino da Padroeira executado pela filarmônica Lyra Itaberabense, também cantado por todo o povo havendo em seguida a benção do santissímo sacramento. As novenas que começaram no dia 11, se revestiram de extraordinária pompa dada a boa vontade dos seus mordomos. (O ITABERABA, 1949, p.03)

Tanto os rituais litúrgicos dirigidos pelo líder religioso como os devocionais,

partindo das rezas, cantorias, intercessões, além dos populares: danças, comidas, jogos,

etc..., que ocorreram na festa do Rosário simbolizam heranças passadas de reinados e

hierarquias, sendo reminiscências das festas coloniais. Segundo PRIORE (1994) as

festividades na época da colônia, buscavam moldar as populações à aliança entre a

Igreja e o Estado, interferindo nas formas de sociabilidade e de economia psíquica dos

colonos. A festa criava brechas de resistências, transculturalidades e utopias, era um

escape para que a população enfrentasse o seu cotidiano árduo num derivativo

provisório.

A autora ressalta ainda, que durante as festas a metrópole cedia o espaço público

como forma de se mostrar e tornar presente o seu poder, destarte, em Itaberaba a festa

de Rosário também sempre fora marcada por essa ligação do poder público com a

igreja, mais especificamente a partir dos anos 1930 e principalmente nas décadas de

1940, a presença de políticos com suas gentilezas se faziam presentes e evidentes na

homenagem a Padroeira, (O ITABERABA, 1949, p. 03).

Além disso, variadas relações se desenvolviam, tanto políticas, como sociais e

religiosas. As crianças participavam de todo o festejo nas missas, com cânticos e

apresentações, estas geralmente relacionadas ao bom comportamento sócio-religioso,

na arrumação da igreja, na arrecadação de fundos para a festa, na quermesse fosse

9

vendendo ou brincando. Os jovens além da participação na organização, aproveitavam

esse tempo do festejar para possíveis casamentos. As senhoras cuidavam principalmente

das comidas que seriam vendidas, porém era comum serem oferecidas em muitas casas

o almoço para as pessoas que vinham de fora ou das redondezas, além disso, esse tempo

era marcado por muitos testemunhos de bençãos, muitas pessoas contavam sobre as

promessas feitas nas festas anteriores e as dádivas alcançadas, uma forma de

engrandecimento e reverência à Santa.

A rotina do mês de outubro em Itaberaba não era mais a mesma. Ao ser

anunciado os preparativos para a homenagem a Nossa Senhora do Rosário muitas

pessoas das cidades vizinhas, assim como da zona rural, vinham para o festejo. A

participação de muitas pessoas nessa festa, tanto do povo em geral quanto das

autoridades políticas, expressava publicamente a fé devotada na Santa, além de outras

intencionalidades. Segundo Dona Guiomar Alves8,

Os políticos e coronéis vinham para a festa, agente via eles lá na frente da igreja na missa, eles sentava nos bancos lá da frente (..) o pessoal de lá das roças e das cidades perto daqui vinham também, até da capital veio um grupo do Corpo de Bombeiros9 na missa, foi um tempo muito bom. (D. Guiomar Alves)

Barracas de bebidas, jogos e doces compunham o espaço ao redor da igreja, a

presença de palanques começaram a ser evidenciados no festejo principalmente a partir

da década de 1940, nestes além das apresentações cênicas, políticos aproveitavam para

discursar juntamente com os representantes clericais. Tempo de múltiplas relações

sociais e de funções políticas, a festa em louvor a Santa Rosário em Itaberaba

fomentava o interesse político, pois através da mesma, tais sujeitos sociais se

projetavam fosse através da presença nas missas e na quermesse, como também no

oferecimento de bens materiais.

Já em relação à presença dos políticos estes faziam questão de estarem

pessoalmente no momento do festejo, fossem na missa ou na quermesse, sempre

solícitos, como salienta Dona Guiomar Alves10,

os políticos aqui de Itaberaba faziam questão de pegar na mão da gente e de perguntar como agente estava, outra coisa também é que eles eram muito generosos, pois pra festa de Nossa Senhora do Rosário eles davam uns presentes bem gordo.

8 Dona Guiomar Alves dos Santos tem 77 anos, hoje aposentada era zeladora da igreja e continua residindo na cidade de Itaberaba. Entrevista concedida no dia 19 de setembro de 2008. 9 D. Guiomar Alves se referiu a filarmônica do corpo de bombeiros que veio de Salvador no ano de

1950, fato este que foi noticiado também no jornal local O Itaberaba. 10 Informação obtida através de entrevista realizada no dia 19 de setembro de 2008.

10

Os depoimentos de D. Guiomar como os dos outros entrevistados evidenciaram

o comparecimento constante de políticos no festejo. Percebe-se que tais aparecimentos

estavam imbuídos não somente de objetivos religiosos, mas também políticos, sendo

uma forma de estar com o público e deixar serem percebidos pela população

freqüentadora da festa. Para Petruski (2008) as festas podem ser resumidas em buscas

humanas, a sintetização de sensibilidades, trajetórias históricas, visões e vivências

ocorreram marcando e resistindo ao tempo, reunindo pessoas, temas e lugares. São

lembranças da vida e de vidas, que ajudam a entender arranjos do sentir, do viver e do

agir.

No contexto Itaberabense, a festa não só foi uma vivência de fé, mas era também

uma boa oportunidade de projeção política. Percebe-se tal situação nas falas dos antigos

moradores da cidade que participavam dos festejos e mantém vivo na memória a

imagem e as iniciativas desses políticos que contribuíam com a Paróquia! Como nos

lembra D. Diurce Costa,

lembro-me até hoje quando minha avó me falou da importância de nós sempre nos lembrar daqueles (políticos) que eram atenciosos e generosos com a causa religiosa, pois assim demonstravam um coração bondoso (...)11

As etapas da festa compreendiam: as novenas, a missa, a procissão e a

quermesse: apresentações teatrais, de cantores, danças e muita comida. Esse momento

da festa atraía a participação de todos que se misturavam: os pertencentes a uma

hierarquia social mais elevada incluindo aqui advogados, médicos, professores e

funcionários públicos e os de uma situação social mais simples: empregados

domésticos, indivíduos da zona rural, etc... É comum perceber nas fotografias e nas

narrativas orais a presença desses políticos entre os populares, porém dessas uniões é

importante fazer releituras dessas relações tão próximas, que ocorriam especificamente

no momento profano, ou seja, tais ocasiões de maior aproximação ocorriam fora da

igreja, pois na missa e novenas tais políticos segundo Dona Maria Santos12 se sentavam

sempre à frente e distantes das pessoas mais comuns:

Na igreja havia verdadeiras castas, os políticos ficavam sentados sempre nos primeiros bancos da igreja, os mais ilustres também e as

11 Dona Diurcires Mascarenhas Costa, 63 anos, Professora aposentada, informação obtida através de entrevista ocorrida no dia 20 de outubro de 2008. 12 Sra. Maria Santos nesse momento fazia questão de incentivar que mesmo na missa, os representantes políticos ficassem sempre na frente, mas no momento da quermesse eles estavam sempre por pertos das pessoas comuns participando das barracas de jogos, comendo ou conversando.

11

pessoas mais simples sentavam-se ao fundo da igreja. ( D. Maria Santos, 72 anos)

Será que por estarem sempre nos primeiros lugares dos bancos significava

separação ou ações intencionais para uma visualização melhor dos populares em relação

a sua presença? Por isso, ao analisar tanto as fontes orais, como as visuais percebe-se

que a festa era um momento propício para os possíveis “discursos eleitorais”.

No entanto, se para as pessoas públicas a festa significava “propaganda política”,

para a maioria dos sujeitos sociais as significações e expectativas estavam relacionadas

à sua vida religiosa e social. A comissão da festa sempre estava à frente para a

organização do dinheiro e investimento do mesmo. Esta era composta por um juiz, uma

juíza e uma jovem para ser a juíza da bandeira. Essa comissão era escolhida um ano

antes para o acontecimento do festejo, e a escolha dos juízes, segundo as narrativas,

acontecia mediante o desejo e a disponibilidade de tempo que a pessoa tivesse para

realizar o trabalho de organização da festa. Segundo Dona Diurcires Costa,

A comissão escolhida para a realização da festa podia ser qualquer pessoa, desde que tivesse tempo e vontade para trabalhar... 13

A festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário acontecia durante todo o mês de

outubro e todas as noites ocorriam às novenas e para cada noite uma equipe era

responsável. As equipes eram formadas por categorias profissionais da cidade, assim

havia a noite das professoras, dos comerciantes etc. As novenas que precediam à festa

eram vivenciadas por toda a comunidade sob a responsabilidade desses grupos que se

encarregavam de enfeitar, arrumar, enfim trabalhar em tudo o que fosse preciso para

ornamentação da igreja para as novenas:

A comissão da festa nas novenas, se fosse a noite da novena das crianças, por exemplo, ia nas casas dessas crianças arrecadava dinheiro e fazia a novena, e as crianças seriam homenageadas, o padre fazia a novena das crianças e assim acontecia com os vários grupos, na noite dos motoristas, que era a última tinha de acontecer no último dia havia um movimento muito grande, tinha muita gente... ( D. Diurcires, 63 anos, professora)14

Vale ressaltar que participar da comissão organizadora do festejo em

homenagem a Padroeira significava estar em evidência, pois os nomes dessas pessoas

13Relato da Sra. Diurcires Mascarenhas Costa, Professora primária aposentada, 63 anos, moradora na cidade de Itaberaba na Praça da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, seus familiares: pais, avós, tios e bisavós foram participantes ativos no festejo. D. Diurcires participava das festas e de sua organização e até nos dias atuais ainda prepara comidas para os participantes da festa. 14 Dona Diurcires Mascarenhas Costa, 63 anos, Professora aposentada, informação obtida através de entrevista ocorrida no dia 20 de outubro de 2008.

12

apareciam em notas publicadas no jornal, e também porque eram tais sujeitos que

faziam os contatos necessários com as pessoas que ocupavam diferentes posições na

sociedade. É interessante observar que nas décadas de 1930 e 1940, a comissão da festa

era composta por pessoas que ocupavam posições de destaque na sociedade local, tais

como advogados, fazendeiros, profissionais liberais e proprietários de estabelecimentos

comerciais. Tendência que continuou a prevalecer nos anos de 1950.

As cerimônias religiosas na festa de Nossa Senhora do Rosário – novenas,

missas e a procissão – tinham diferentes tipos de rituais, porém por serem ritos fixos

estabelecidos pela Igreja Católica não eram tão divergentes de outras festas religiosas do

país. Segundo Petruski (2006),

Os símbolos, como as imagens, estão presentes nos rituais e chegam até aos homens por meio dos sentidos, que trabalham a imaginação, gerando significados com intensidades distintas de indivíduo para indivíduo, que podem evocar, manifestar e tornar presente uma outra realidade com um segundo significado, indireto, figurado, escondido, suscitando uma identificação e uma energia transformadora, estabelecendo uma identidade entre aqueles que deles participam.

A festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário constituiu-se como um

acontecimento urbano que se encontrava sob a direção da igreja, a qual era composta

por rituais que se dividiam em cerimônias religiosas e festejos profanos. A

comemoração na igreja era antecedida pelas novenas, segundo Frei Beckauser, para os

cristãos, as novenas devem ser vistas como exercício de fé e oração. Sua origem é

bíblica, estando ligada à circunstância na qual a Mãe de Jesus, Maria, e os Apóstolos

teriam permanecido nove dias e nove noites em oração, aguardando a vinda do Espírito

Santo. Esse momento para muitas pessoas, relata-nos Dona Diurcires15, se configurava

como “momento de pensar sobre a nossa vida e as coisas espirituais”.

Durante a realização das novenas muitos cânticos eram entoados, com

acompanhamento de instrumentos musicais e a visita de corais, a principal música a ser

cantada era o hino a Padroeira. De acordo com PETRUSKI (2008), o canto constitui-se

como um elemento de grande importância para uma celebração litúrgica, pois expressa

e ressalta a busca do amparo material para o homem, a escolha de um cântico é de

fundamental atenção dos representantes da igreja, pois são vistos como uma oração, ou

mais precisamente nas palavras de Frei VIER (1968) são expressões de arte, ocupando

um lugar proeminente, fazendo parte necessária ou integrante da liturgia solene.

15 Informação obtida através de entrevista concedida pela Sra. Diurcires Costa, no dia 20 de outubro de 2008.

13

Após as novenas, o encerramento do momento sagrado ocorria no adro da Igreja,

nas quermesses, ou seja, depois do sagrado o momento profano. Estas dimensões

constituem formas distintas de ser e viver no mundo, capazes de promover mudanças

espaciais. Segundo Petruski (2008) são perspectivas que se opõem. O profano é o

comum, o secular, algo destituído de um significado que remete à realidade

transcendente. O sagrado é aquilo que está à parte. Para Durkheim (1989),

A coisa sagrada é, por excelência, aquela que o profano não deve, não pode impunemente tocar. Certamente, essa interdição não poderia desenvolver-se a ponto de tornar impossível toda comunicação entre os dois mundos; porque se o profano não pudesse de nenhuma forma entrar em relação com o sagrado, esse não serviria para nada.

Eliade (1999) ressalta que o homem tem conhecimento do sagrado porque ele se

manifesta no mundo profano através da hierofania, ou seja, a revelação de alguma coisa

sagrada na realidade vivenciada pelo homem. O autor concebe a hierofania como:

A manifestação do sagrado em que um objeto qualquer se torna ‘outra coisa’ e, contudo, continua a ser ele mesmo, porque continua a participar do meio cósmico envolvente. Uma pedra sagrada não é menos pedra e aparentemente nada a distingue de todas as demais. No entanto, para aqueles, cujos olhos, uma pedra se revela sagrada, sua realidade imediata transmuda-se numa realidade sobrenatural. Assim, para aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica. E, o Cosmo, na sua totalidade, pode tornar-se uma hierofania. (ELIADE, 1999, p. 33)

De acordo com Rosendahl “o sagrado também se manifesta no espaço por meio

dos rituais de construção que representam repetições de hierofanias primordiais

conhecidas” (ROSENDAHL, 1999, p.14). Para PETRUSKI (2008) nesse caso, o

homem pode vivenciar a sua manifestação quando participa de cerimônias litúrgicas, as

quais canalizam a experiência do sagrado e lhe fornecem a moldura, como é o caso das

novenas, das missas e da procissão.

A dimensão profana da festa religiosa em Itaberaba acontecia a partir das

quermesses e as homenagens dos vaqueiros. O jornal O ITABERABA trazia em suas

manchetes, noticiando as corridas de argolinhas, as barracas de comidas e jogos, a

apresentação do bumba-meu-boi, assim como, as filarmônicas que entoavam várias

músicas para as pessoas. Em relação às quermesses PETRUSKI (2008) salienta que as

mesmas remontam historicamente à Idade Média, estando ligada à religião católica, pois

foi criada por ocasião das festas religiosas em honra aos santos. Os portugueses

incorporaram esse modelo de atividade e o trouxeram para o novo mundo.

14

Naquele momento acontecia uma multiplicidade de situações e relações, as quais

evidenciaram traços daquela sociedade. Na quermesse podiam ser vistos os cidadãos

mais ricos da cidade, misturados aos mais simples, os políticos trafegavam

tranquilamente com seus familiares. Havia as barraquinhas de jogos, nas quais as

pessoas se divertiam muito, além destas a de comidas que eram vendidas, e o dinheiro

arrecadado com a venda era direcionado para as obras da igreja e para a festa do

próximo ano.

Aconteciam também as apresentações teatrais cujos enfoques textuais

perpassavam por temáticas relacionadas a assuntos religiosos. A narrativa de D.

Guiomar evidencia tais situações:

Em um palco armado tinha umas apresentações, eu me lembro que teve uma vez que se apresentou umas pessoas, e tinha umas que estavam vestidas de diabo e que vinha atentar as outras, eu sei que eu fiquei com medo. Essas apresentação de teatro sempre tinha a ver com as coisas da igreja. (D. Guiomar, 77 anos)16

Havia também as apresentações de cantores, as músicas cantadas envolviam um

repertório variado tanto de músicas religiosas como seculares. Algumas pessoas

dançavam, porém tudo de forma contida, pois não poderia haver excessos, já que os

padres estavam por perto sempre atentos a tudo que ocorriam.

Todas as situações que geradas na quermesse eram momentos propícios à

dinamização de relações sociais, pois diferentes interesses circulavam e eram

compartilhados. A representatividade nos momentos da quermesse expressava o

universo social, político e religioso da cidade de Itaberaba.

No dia destinado oficialmente para homenagear Nossa Senhora do Rosário, a

comemoração em Itaberaba começava bem cedo, com a alvorada festiva, momento em

que também havia uma queima de fogos e quando o tocar do sino chamava a atenção de

todos para a missa. Isto se configurava como momento da espetacularização, ou seja, o

excessivo barulho alcançaria grandes distâncias. Essa alvorada matinal,

está ligada com o tempo dos favores divinos e da justiça humana. Simboliza o tempo em que a luz ainda está pura, os inícios, onde nada ainda está corrompido, pervertido ou comprometido. A manhã é ao mesmo tempo símbolo de pureza e de promessa: é a hora da vida paradisíaca e da confiança em si, nos outros e na existência. (CHEVALIER, 1992, p.27)

Para essa missa que ocorria nas primeiras horas da manhã, o templo deveria

estar bem preparado para as celebrações do dia assim a igreja recebia uma

16 Entrevista ocorrida com a Sra. Guiomar Alves, 77 anos, no dia 19 de setembro de 2008.

15

ornamentação ostensiva para receber as pessoas. Nos bancos principais eram postos

arranjos de flores que também ficavam na porta principal. A imagem da padroeira era

enfeitada com muitos arranjos de flores delicadas, muitas destas vinham exclusivamente

de Feira de Santana. Um fato interessante é que na década de 1950, as comissões da

festa desse período muitas vezes queriam enfeitar a Santa com flores apenas de uma cor,

assim para a cerimônia mandavam buscá-las na capital como evidenciou Dona Diurcires

Costa17. Outros presentes como: vasos, maços ou flores individuais e velas eram

colocadas próximas a Santa. Para a Igreja, a vela simboliza direção e luz.

A primeira missa do dia era celebrada logo às 07:00, ocorrendo a missa solene

às 10:00 horas18. É importante ressaltar que a festa do Rosário em Itaberaba evidenciou

uma cartografia de classes. Na voz de D. Guiomar Alves:

As pessoas mais comuns como eu, agente gostava de ir mais na missa bem cedinho, pois a de dez da manhã era muito luxuosa, não é que agente não fosse na de dez não, tinha gente mais humilde que ia, eu já fui mas ficava lá no meu canto quietinha (...) Agora agente arranjava a melhor roupa para vestir, tanto nas novenas como na missa e na procissão (D. Guiomar Alves, 77 anos)

As indumentárias e a posição social de pessoas demarcavam seus lugares no festejo,

principalmente nas cerimônias religiosas, onde nos primeiros bancos sempre se

sentavam os mais abastados, como os políticos e famílias com significativas posses.

O inicio da cerimônia solene geralmente ocorria com a entrada da cruz levada

pelo sacristão, e logo em seguida vinham os celebrantes e outras pessoas que traziam o

pão, o vinho e o Missal19. Os devotos recebiam o programa referente à missa, porém a

cada ano mudanças eram feitas, e tudo o que fosse ocorrer como as leituras dos textos

religiosos20 e os cânticos deveriam passar pela aprovação do Pároco, pois tudo deveria

17 Entrevista com a Sra. Diurcires M. Costa, 63 anos, professora aposentada, que concedeu seu testemunho no dia 20 de outubro de 2008. 18

BECKHAUSER ressalta que “a missa ou celebração eucarística é um ato solene com que os católicos celebram o sacrifício de Jesus Cristo na cruz, recordando a última ceia. Vem do latim Mitere, que significa enviar, remeter, e tem o sentido de missão. Os primeiros nomes dados pelos cristãos a esta cerimônia foram Ceia do Senhor e Fração do Pão”.( BECKHAUSER, 2006, p. 29) 19

De acordo com PETRUSKI “O Missal Romano foi promulgado pelo Papa Pio V, em 1570. Nele estão as normas para a celebração eucarística que vigoraram até a realização do Concílio Vaticano II, que promulgou os fundamentos da reforma geral do Missal, cujos textos e os ritos deveriam ser ordenados de modo a exprimirem mais claramente as realidades sagradas que eles significam, estando mais próximos dos cristãos.” PETRUSKI, 2008, p.158 20 PETRUSKI salienta que “as primeiras publicações de missais e textos litúrgicos em latim, aconteceram no início do século XVIII, como meio de facilitar a participação dos fiéis na celebração, para tanto eles deveriam adquiri-los, pois assim participariam no ato litúrgico. Muitos compravam somente para tê-lo consigo como um objeto sagrado, pois não conseguiam lê-lo porque o índice de pessoas que não possuíam acesso à leitura era bastante alto. ( PETRUSKI,2008, p.162)

16

estar relacionado com a vida da Santa. Toda a linguagem que ocorre nesse momento é

simbólica,

Sendo que os cristãos, para sua comunicação com Deus dela participam de diferentes formas, pois, nesse ritual, além de ouvirem a palavra fazem uso de gestos e sinais através dos quais se busca a unicidade coletiva. (PETRUSKI, 2008, p.161)

Todos esses gestos e posturas que ocorreram nesse momento não se configuram

apenas em relações linguísticas, mas também uma situação que envolve o poder

simbólico21. As práticas simbólicas que ocorreram na missa, como a celebração no

altar22, as leituras, os gestos, os candelabros com as velas acesas, o ritual do incenso, no

qual o altar é ungido pelo Pároco, esse ato torna-o mais sacralizado. Todos esses

simbolismos influenciam os sentidos do ser humano, nesse momento é possível estar

mais próximo da Santa tornando-se assim mais puro e santificado, além disso, esta é

uma celebração mais coletiva e expressiva. Para a Igreja e para o homem são formas de

estar e falar com Deus.

Segundo AZEVEDO (1969), O ritual da missa, a partir do século XVII, começou a não ser mais identificado como um exercício de devoção individual, mas sim como um ato que exige a participação de todos. Para tanto, algumas medidas foram adotadas para fazer com que os assistentes se tornassem participantes do mistério celebrado. A primeira diz respeito à mudança de posição do altar, favorecendo a visão de todos que estão no interior da Igreja, dessa forma a utilização do púlpito para a realização da homilia foi suprimida. (AZEVEDO, 1969, p.25)

Na missa ocorria também a Homilia, na qual o Sacerdote realizava a pregação

que enfatizava geralmente sobre a boa maneira de se viver em sociedade, além é claro

dos valores morais e espirituais. Assim, a Homilia era o momento propício para que os

homens pudessem se relacionar mais intimamente com os princípios divinos, além

disso, por meio dessa linguagem espiritual, “garantir a uniformização de

comportamentos entre os cristãos, agindo contra a influência do esquecimento, haja

vista a diversidade de pessoas que participavam da festa” (PETRUSKI, 2008, p.164).

É importante salientar que nas décadas de 1920 e 1930 a missa era realizada em

latim. O sacerdote sempre ocupou nesses momentos de celebração religiosa o lugar

21 BOURDIEU, Pierre. A economia da trocas simbólicas. São Paulo. Editora da EDUSP.1998, p. 23-24. 22 BECHAUSER salienta que este “é o lugar de sacrifício, ele é antes de tudo a mesa sagrada da ceia do Senhor, intimamente ligada ao sacrifício da cruz, por isso ele merece reverência, não podendo ser visto como uma mesa qualquer” (2006, p.32)

17

central, em Itaberaba comumente era considerado um ser santo, digno de todo respeito.

Brandão salienta que o Padre,

Tanto nas missas como em outros locais de atuação, o sacerdote age como o representante legítimo da Igreja institucionalizada. Na prática religiosa na cidade legitima os valores da sua ordem social. Ele se considera o possuidor dos meios e dos modos legítimos de manipulação local do sagrado no campo específico do religioso. ( BRANDÃO, 1985, p. 124)

Após a missa, na parte da tarde ocorria à procissão, a qual marcava a

culminância da festa evidenciando uma rica ostentação tanto pelas vestimentas, quanto

pelos andores, como pelas alas. Em relação ao vestir-se, o período contemplado nesta

pesquisa, 1920-1954, percebe-se a utilização do véu por parte das mulheres. Além dos

vestidos, os véus simbolizavam não apenas a hierarquia social, a qual pertencia, mas

também a condição civil, ou seja, as mulheres casadas usavam o véu preto e as solteiras

o véu branco. O Sacerdote aqui em Itaberaba, como em outras paróquias brasileiras, em

relação à vestimenta, usava roupas brancas. Segundo Petruski (2008) esse ato

simbolizava os mistérios celebrados, que se referem aos diversos tempos litúrgicos.

A procissão em louvor a Nossa Senhora do Rosário em Itaberaba ocorria fora do

Templo e a mesma refletia diversas representações sociais. Naquele momento o devoto

poderia exercer sua veneração e ao mesmo tempo expressar seus sentimentos, anseios e

aliviar suas tensões pessoais fosse através das posições ocupadas na procissão, ou nas

idealizações de estar próximo do Santa. Damatta (1986) concebe essa prática como

especial, pois

nela se observam, num mesmo instante, elementos sagrados e profanos que se mesclam, porque a imagem do Santo está com o povo. E é quem recebe na rua, e não na Igreja, suas orações, cânticos e penitências. (DAMATTA, 1986, p.65)

Ao longo do período colonial, tais manifestações se constituíram de diferentes

formas, Priore (1994) ressalta que muitas delas ocorreram através de autos e

dramatizações que brincava com o imaginário coletivo através das representações nelas

apresentadas. Em Itaberaba essas teatralizações não ocorriam de forma tão profana. No

entanto, não deixou de evidenciar os sentidos e as expressões próprias que cada

participante vivenciava naquele momento. Como ressalta Priore, sobre a festa religiosa:

Expressão teatral de uma organização social, a festa também é fator político, religioso ou simbólico. Os jogos, as danças e as músicas que a recheiam não só significam descanso, prazeres e alegria durante sua realização, mas têm importante função social: permitem (...) aos espectadores e atores introjetar valores e normas de vida coletiva,

18

partilhar sentimentos coletivos e conhecimentos comunitários.¨ (PRIORE, 1994, p.10)

Os andores exteriorizavam ostentação e sacralização e eram ornamentados a

partir de vários objetos, o da Padroeira era o principal. Segundo Chartier a imagem se

configura “como instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto

ausente através da sua substituição por uma imagem capaz de o reconstruir em memória

e de o figurar tal como ele é” (CHARTIER, 1985, p.20).

Muitos aqui em Itaberaba disputavam quem levaria tal andor, podendo ser

qualquer pessoa que fazia parte dos segmentos sociais da cidade. Toda a procissão era

acompanhada por músicas sacras, cantadas por todos os devotos, vale ressaltar, que toda

a cidade era conclamada a se preparar para a passagem da Santa. O periódico de 1945

noticiou tal fato,

ouçam o nosso apelo: Todos os habitantes da cidade além da pintura das suas casas enfeitem as fachadas das mesmas com flores, bandeirinhas e tapetes para a passagem da bela procissão de domingo dia 21 de outubro, dia do encerramento da Festa do Rosário, da Festa de Itaberaba ( O ITABERABA, 1945, p. 08)

O Pároco Campeiro de Souza já na década de 1920 evidencia nos registros da

Paróquia o momento ímpar da procissão,

a tarde às cinco horas sahiu em artístico andor a imagem da padroeira que percorreu as principais ruas da cidade abençoando os seus devotos. A noite às oito horas procedeu-se a coroação da Virgem do Rosário cujo acto produziu uma comoção imensa aos fiéis. A Senhora desceu de seu trono por um aparelhamento feito engenhosamente pelo zeloso Frei João Baptista para ser coroada por duas inocentes crianças (...) Nunca se viu nesta freguesia uma concorrência igual: foi a voz geral... ( LIVRO DE TOMBO, 1926, p. 15)

Na realização dessa prática percebia um envolvimento muito grande entre as

pessoas, sendo caracterizado como fenômeno comunitário, contudo as disposições

hierárquicas se faziam presentes. Dona Guiomar Alves23 ao falar sobre a Procissão

ressaltou sobre os lugares que cada grupo ocupava na mesma sem perceber que tais

posições, na verdade, obedeciam a uma específica hierarquia:

Logo na parte da frente vinha os padres que guiava a procissão, depois vinha os andô com as pessoas que já tinha visto antes para carregar, também tinha umas crianças que se vestia de anjo e atrás delas vinha umas meninas mocinhas que era as cruzadinhas, ai vinha as autoridades e pessoas de famílias importantes da cidade e atrás de tudo todo mundo. ( D. Guiomar Alves, 77 anos)

23 Entrevista com a Sra. Guiomar Alves, 77 anos, no dia 19 de setembro de 2008.

19

É relevante destacar também que havia uma diversificação no conjunto da

Procissão, além de crianças vestidas de anjos24, integrantes de grupos religiosos dentro

da Igreja: como as Filhas de Maria, a cruzada eucarística e outros vestiam roupas da

mesma cor, o que poderia simbolizar as cores dos movimentos religiosos ao qual

pertenciam. Estavam presentes nesse momento, músicas, orações do terço e ladainhas.

As pessoas seguiam o percurso saciadas com aquele momento sagrado, e cumprindo-o

completava-o com a coroação da Padroeira e uma salva de palmas finalizando aquela

etapa festiva.

Os preparativos para a próxima homenagem começavam quando terminavam as

festividades do ano vigente, momento no qual se fazia um balanço da festa que findava

e se apontavam, ainda que de maneira informal, possibilidades para o próximo ano.

A festa de Nossa Senhora do Rosário tinha que ser um acontecimento notório,

Reis (1991) evidencia que numa:

visão barroca do catolicismo, o santo não se contenta com a prece individual. Sua intercessão será tão eficaz quanto maior for a capacidade dos indivíduos de se unirem para homenageá-lo de maneira espetacular. (REIS, 1991, p.61).

Assim, acontecia evocando uma série de operações profanas e sagradas ao

mesmo tempo, no interior e fora da igreja, na procissão, enfim toda uma liturgia e

simbolismos. Segundo Woodward (2008) “a identidade é marcada por meio de

símbolos”; Cada grupo que participava do festejo através das representações simbólicas

encontrava sentido e significação de suas experiências e de quem eram os mesmos. Os

vaqueiros, por exemplo, ao estarem naquele momento vestidos a caráter desfilando

pelas ruas, participando da devoção à Padroeira davam sentido as suas próprias

posições.

O tempo de adoração a Santa congregava uma multiplicidade de valores e de

referenciais sócio-culturais, no qual os sentidos para ser e estar no mundo social eram

24 Segundo PETRUSKI “no Brasil a prática de vestir crianças de anjos para participarem de procissões se remete a presença dos jesuítas, que foram os responsáveis pela implantação dessa prática durante o período colonial. Os inacianos vestiam os órfãos portugueses de anjinhos e punha-os para tanger instrumentos em procissões sertão adentro, a fim de atraírem pessoas para questões da fé. Essa era uma herança do catolicismo português, pois, em Portugal, as crianças já acompanhavam as procissões fazendo cantorias e louvores aos santos. A valorização da criança na Igreja Católica desponta entre os séculos XVII e XVIII, seguindo a trilha da Reforma Religiosa, que a colocou como o centro das preocupações da sociedade cristã, relacionando-a a um elemento fortalecedor do casamento e da família. Foi nesse período que o culto ao Menino Jesus foi criado e introduzido como mais um dos rituais dessa instituição”. In: (PRIORE, 1994, p. 56 )

20

construídos. A variedade de idéias e valores eram cognitivamente apropriados e

compartilhados. Mesmo na distinção dos ideais dos grupos ali presentes: ricos e pobres,

mulheres e homens, religiosos e não religiosos,

há certo grau de consenso sobre como classificar as coisas a fim de manter alguma ordem social. Esses sistemas partilhados de significação são, na verdade, o que se entende por cultura: a mesma no sentido dos valores públicos, padronizados, de uma comunidade, serve de intermediação para a experiência dos indivíduos. Ela fornece, antecipadamente, algumas categorias básicas, um padrão positivo, pelo qual as idéias e valores são higienicamente ordenados. E, sobretudo, ela tem autoridade, uma vez que cada um é induzido a concordar por causa da concordância dos outros. (DOUGLAS, 1966, p.38-39)

Aquele momento expressava uma linguagem por meio da qual, através das

posturas, símbolos, rituais e relações sociais, as pessoas falavam delas mesmas e sobre

seus lugares no mundo encontravam assim, pertencimento e significação.

Couto25 salienta que na experiência com o sagrado no tempo da festa o ritmo

regular do cotidiano é quebrado, ali ocorrem sociabilidades e o sentimento de

pertencimento e identidade em um especifico grupo social. Estar naquele momento para

muitos significava uma variedade de motivações, fossem religiosas ou sociais. Como

evidenciou D. Guiomar Alves26

fazer a festa de Nossa Senhora do Rosário pra muita gente era uma forma de agradecer pelas coisas que Ela dava, no tempo que era de muita seca, eu me lembro que agente rogava muito pra Santa mandar chuva e muitas vezes as preces da gente era atendida, outras vezes não, mas devia ser porque nós não tava correto nas coisas da vida, mas ela era boa.

Outras idealizações se refletiam também naquele espaço, como a oportunidade

de conseguir estabelecer um eixo de ligação entre o céu e a terra, pois para muitos era

um privilégio estarem presentes na adoração a Santa, porque a relação com o sagrado

poderia ser direta e mais próxima. Muitos também viam ali a possibilidade de novas

relações fossem de amizades ou não, ou ainda o desejo de serem vistos ou ouvidos,

Dona Joselita Costa27, relembra que:

As pessoas que participavam da comissão buscavam através de vários meios, como as rifas, batendo nas portas angariar recursos para a festa, e tais pessoas eram muito respeitadas e era gente membro da

25 COUTO, Edilece Souza. Devoções, festas e ritos: algumas considerações. Revista Brasileira de História das Religiões – Ano I, no. 1 – Dossiê Identidades Religiosas e História, 2006. 26 Informação com a Sra. Guiomar Alves, 77 anos, no dia 19 de setembro de 2008. 27 A Sra. Joselita Mascarenhas Costa, 65 anos, Professora aposentada atualmente residente à cidade de Vitória da Conquista era participante ativa da festa, participando da organização da mesma. Informação obtida no dia 10 de agosto de 2008.

21

igreja e de respeito na sociedade. Todo mundo sabia quem eram os organizadores.

Interesses políticos e destaque social eram também evidenciados no festejo.

Alguns exemplares do jornal “O Itaberaba”, traziam a relação das pessoas que haviam

doado algum bem ou estavam empenhados na realização da celebração:

O Sr. Vigário entusiasmado com os seus prezados paroquianos, entregou-nos a lista abaixo para ser publicada. Pessoas que ofereceram garrotes: Drs. José Dias Laranjeira, Antonio Leone, Antonio Saraiva e Almir Mata Pires; Coronéis: Joaquim M. Sampaio, Ismael Boaventura, Ramiro Pimentel (...). DIGNO DE NOTA: Quantias oferecidas à Matriz, alguns dos quais várias vezes já haviam doado satisfatoriamente, Cel. Luiz Serra e Dr. Renato Cincurá... (O ITABERABA,1945, p. 11)

Enfim a celebração a Nossa Senhora do Rosário em Itaberaba para cada um dos

participantes possuiu diversas funções e significados, as pessoas regozijavam-se na

alegria de cumprir o trato com a Santa e ao mesmo tempo vivenciar uma multiplicidade

de situações que os saciavam. Contudo, as suas identidades foram construídas ou

reconstruídas a partir de suas relações com o sagrado que as dinamizou a partir de

rituais e simbolismos que expressavam diversas experiências e sentimentos no mundo

social.

A festa de Nossa Senhora do Rosário em Itaberaba em sua multiplicidade de

formas e movimentos, postulou experiências e consequentemente significações. Através

dela os sujeitos sociais exprimiram seu poder imaginativo e criativo, saciaram seus

anseios sociais através das suas várias performances, puderam chegar mais próximo do

sagrado. A festa lhes possibilitou uma relação entre o mundo festivo religioso, através

dela imprimiram seus sentimentos e idéias, encontraram sentido e significação para o

seu existir e para o seu universo social.

22

REFERÊNCIAS

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Entrevistas

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• Diurcires Mascarenhas Costa, 63 anos. Entrevista realizada em 20/10 / 2008

• Dona Guiomar Alves dos Santos, 77 anos. Entrevista realizada em 19/ 09/ 2008

• Joselita Mascarenhas Costa, 65 anos. Entrevista realizada em 10 /08/ 2008

• Maria Silva Santos, 72 anos. Entrevista realizada em 15 /07/ 2008.

Jornais

• O Itaberaba – Diretores: M. Fagundes & Irmãos: 1926, 1928, 1934, 1940, 1942, 1944, 1945, 1946, 1948, 1950, 1952, 1954.

Paróquia de Nossa Senhora do Rosário

• Livros de Tombo ( Secretaria Eclesiática da Diocese de Itaberaba): 1918 - 1950