nos caminhos da noite que o dia vem

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Livro de poemas "Nos caminhos da noite que o dia vem".

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Page 1: Nos Caminhos da Noite que o Dia Vem
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NOS CAMINHOS DA NOITE

QUE O DIA VEM(Poemas: 2000/2007)

Camilo Mota

2008

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Direitos Autorais reservados a Camilo de Lélis Mendonça Mota

Permitida a reprodução dos poemasdesde que citados o autor

e o livro, com envio da reproduçãopara o autor, através da

Caixa Postal abaixo citada.

Diagramação: Camilo MotaFoto da capa: Regina Mota

Impresso porOficina de Livros(21) 2293-0117

www.oficinadelivros.com.br

Contatos com o Autor:Poiésis - Literatura, Pensamento & Arte

www.jornalpoiesis.comCaixa Postal 110.912

Bacaxá - Saquarema - RJCEP 28993-990

Page 4: Nos Caminhos da Noite que o Dia Vem

a

Virgínia, com carinho...

a

Regina, sempre...

Camilo Mota

NOS CAMINHOS DA NOITE QUE O DIA VEM

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Mas, também,de que vale a vidase for para mantê-la escondidadentro de nossos porões?Gerson Valle

O minúsculo animal que sou acha-se inserido no corpo do enorme Animal que é o universo. Excitante, a minha fraqueza: alimenta-se dum foco de energia em contínua expansão.Murilo Mendes

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NOS CAMINHOS DA NOITE QUE O DIA VEM

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NOS CAMINHOS DA NOITE

QUE O DIA VEM

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OS PÉS NA AREIA

O areal tem pegadassem a memóriade quem as pisou.Caravanas por ali passaram —homens, cavalos, seixos:a chuva não apagou os caminhos.Cada marca é o signoda marca maiorque liga os peregrinos.O tempo?Distância entre lugares que inexistem.

OLHOS DE EGITO

Eis a ilusão dos olhos de egitoda mulher que abre o tempocomo roupas no varal.E eu, que faço?Que amo as plantas de seus pés?Oriento-me pelos astrosque inundam os diasem que não a vi.

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A SOMBRA

É hoje o reveion. Dedilho as horas. Soletro o vazio.Meu companheiro de festim abriga todos,constrói na noite o casebre que a muitos falta.Sorri aos pobres, escarna dos ricos,mas deles vive, como sombra.

BEIJO E AÇOITE

para Edy

É mais a noite que o compasso do relógio.Cheia de moral e bons costumes,é sorriso, beijo, açoite.Um desejo de saúde e pazdentro da noite.Amparo e abrigo,mesmo quando me acolhe o dia.Meus irmãos foram se deitar.Guardaram os olhos e o medo da noite.

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POEMA PARA ABRAÇAR O AMIGO

ao Sylvio Adalberto

Digerir o sol a cada manhã.Repousar os olhos e vivera sombra que aquece.

Saber que o silêncio silenciamesmo que o maior ruído sejao do coração lembrando a infância.

Curtir o canto sertanejo,a viola caipira, o peixe no anzol,as árvores que escurecem com a noite.

Pensar nos amigos que foram: o regresso ficou para quando.

O verso fere o conforto dos alienados.Eu te abraço infantilcomo o sopro no dente-de-leão.

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FLUIDOS

Para Regininha, sempre...

Guardei em mim um coração puro,ainda que o corpo e os desejos digam não.Nunca estive tão bem em minha vida.Talvez a linguagem o diga, e o coração.

Guardo ainda remotas iguarias.Comestíveis de um outro mundo,às vezes claro, ou turvo talvez.O importante é saber a carta da hora,o diálogo do tempo,o reflexo do corpo,meu filho, meu irmão.

Saber que a esquina guarda antepassados,pedaços de uma música inesquecível,ouvida por pássaros e gente.A mulher repousa ao meu lado,é cúmplice sem o saber,é dádiva.

Meu querer entra no meu corpoe o faz seguir. Caminhos de terra,vagalumes e faróis e cidade e terna

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lembrança...Meu amor me espera. É doce e cálida,remota paisagem de um poema antigo.

AMOR ANTIGO

Antigo amor, completo em mim,remoto anseio do mundo.Meu Amado, que sonhos esses que me espantam,às vezes maltratam ou induzem! Te amo como fosses o anseio,a noite que venceu as trevas.

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OUTRA POÉTICA

o poeta celebra a morte no que escreve.em vida só contempla a vida e suas riquezas.porque a morte ronda o paraíso.ele ri, se alegra, sofre com o time que perdeu no campeonato.mas a esperança é como um pênalti prestes a ser cobrado.a alegria no gol que o completará.é triste ver o final do dia estando sozinho.a solidão escapa para a palavrae se insere fundo na carne.nem a lua relembra a paz que trazem as estrelas.noite alta, bits vagam madrugadas.uma canção se insinua e distingue-se dos homens:buona speranza allora – buona speranza...e são os homens que a cantam,e são os homens que a vivem,sem o saberem, quando riem e sonham.pois o paraíso é repleto de tudoe tudo é pouco para quem ama em vida o amor que sente além.a morte é só uma flor a mais,um jogo a mais no campeonato das horas.

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OS CÃES E A NOITE

andam pela noite os cãessobre os restos dos homens,constroem desafios maiores que a política ou o sexo.porque entender o rastro que deixam com o olharé se aproximar da alma do mundo.a dor e o sofrimento de nossa incompreensão.choramos todas as perdas, todos os vultos que deixamos passar,todos os silêncios que nos perturbam,toda morte que vem na hora errada.a hora dos cães nos abençoaporque nossos restos os alimentam.passamos por eles, cães e restos,como sólidos fossem os abrigos e as certezas.tetos que nos guardam da noite são muitos,ainda que marquises e pontes acolham irmãos.os cães salvam os mendigos da solidão,protegem-nos de nosso olhar e medoe asseguram a sobrevivência do futuro.o último cão fugiu para o beco.ganhou o sono que aninha todo ser.

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LÁGRIMA

Ainda que a tarde seja guardiã dessa criança,ela nada saberá além de suas lágrimas.O que incomoda é o pranto e não mais a dor ou a fome.Quem lhe dará o pão, verá a luz para onde caminhaos pequenos pés sem rumo?— Um refrigerante, por favor. Tenho sede

desse consumo que me abstrai dos homens.

Quem se passará por príncipe nesse deserto sem volta?Histórias de bicho-papão não há para contar,nem quem ouça ou entenda.Entramos no cinema ou no metrôcom o mesmo olharde quem não mais sabe de lágrimas.O vento toca o rosto do meninocomo o fez há um milhão de anos.O sal que lhe desenha a faceconta a história do homem,sua vida sob as estrelas das quais poucos sabem o nome.Nas vitrines, os espelhos atraem príncipes e órfãos:o menino chora e seu consolo é existir.

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VALPARAÍSO

Meu bairro tem becos aonde nunca fui: escadas e portais para o velho mundo. Contornos de tardes alemãs, cheiros portugueses, alianças de Minas e o mistério de seus habitantes se inserem nos sentidos. Tão velhas pedras!... Tintas descascam janelas cansadas onde a luz morna das lâmpadas abriga casais e sonhos. É Petrópolis ou Lisboa, São João ou Bonn? A cidade tem idiomas que nunca aprenderei, e viagens — leve balançar em trilhos de trem, leve lembrança de fuga para o imaginário, e o caderno em que desenhei países cujas fronteiras inventavam geografias da cor. O morro próximo à escola se insinua: casebres, tijolos, lama, cachorros, e um pedacinho de verde nas encostas. O avião de papel, lançado inocente pela janela, custou-nos um curto castigo. Pensei que os pássaros fossem mais felizes em seu destino. Quando fiz primeira comunhão, ganhei terço, vela e outra razão de ser. Compreendi o corpo como canto órfico de luz e asas. Só então fui sozinho à padaria e trouxe dez pães e um litro de leite. Minha mãe me confortava e ria de minha ingenuidade: ela sabe que sobrevôo nuvens e que as palavras estão por nascer.

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ÚLTIMA ESTRELA

A poesia transcende a vidae dela retoma o nublado sentidode tudo que, um dia, pode ter-se perdido:a flor pelo caminho,o papo amigo,o reencontro.Nalguma sala, dessas que reservamos

[ao pranto,haverá sempre guardada a última estrela,rabisco feito inocente num dia sem luz.Também aquela palavra mal ensaiadaa ser dita sozinha como iniciando um

[romance.

A poesia rima trajetos ou os dispõe na galáxiaem que se transformaram os amores e ódios.Dirá afetos, desconsolos, alegrias,tardes ensolaradas de domingo com a família.

Sobre ela derramarei meu suore a aflição de nunca estar completo,porém inteiro em seu caminho de sons.

Fingirei amá-la, amando-a.

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Parte de mim e de todo o resto,a poesia se desdobra em mil ocultos sentidosaté que, não mais podendo ser, o poeta se rendeaos caprichos de sua maior esperança,que lhe subtrai as horas, a fome e a morte.

DOMINGO

Ti Nelso e Ti Cici nos recebem como bons mineiros. Na mesa, frango assado e maionese — o programa de Silvio Santos vigia os olhos. Os primos jogam adedanha:o conhecimento se desvenda nos nomes do que nos cerca. A infância nunca perdida quando se ama o tempo.Cici levantará a saia, rirá de todos. Entre as rugas — terão sido mágoas ou o sol? — saberá que a vida valeu a pena.

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O CADERNO

para Maria Isabel de Camargo Marin

Na primeira paixão não havia suspeita. No caderno escrevia juras e em seguida apagava para deixar no silêncio um rastro de futuro — o sonho, e a vírgula que nunca alcança seu destino.

Resta esperar o gesto de carinho, o último sussurro abrindo ao tempo a possibilidade de o amor tornar-se. Nada em vão quando a esperança alimenta o dia. Olha a bijuteria sobre a cômoda: quem lhe teria presenteado, não se lembra. O brilho se mistura com fragmentos da borracha — cúmplices de segredos.

A vida em revoada assusta. O verbo se oculta. O que antes era música em lamento cresce como o indesejado silêncio. Flores, passeios no parque, visitas às feiras, danças e shows — turbilhão de afetos que passaram, vestígios que doem na saudade do amor que houve.

O caderno permanece na sombra das letras extintas — como rios à espera da vida.

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OS NOBRES

Saguões, colunas, janelas, corredorescarregam a lembrança de seus futuros.Houve quem habitasse os labirintos deste

[palácioe os que serviam e os que lutavam: o anúncio de uma despedida,o abraço oculto num quartoainda mobiliado, ainda vivido.— Meu reino, ou o que dele sobrou,por um pouco de paz! —teriam ouvido as serviçais.Meu reino e um pouco mais!Vassalos, príncipes, madonas,ícones do tempo redivivocaminham aos sobressaltos.Viver até quando, sem esperar o que conteste, o que desarmeou desame, desvende e desvaneça!As paredes extinguem dúvidas.

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ANJO E DEMÔNIO

Anjo e demônio, cada qual tem sua chaga:o reflexo de um é o refúgio do outro.

Anjo e demônio, cada qual é meu senhor:um dia o tempo voa; à noite o sonho cresce.

Anjo e demônio, aspectos e seres:a louvá-los uma igreja em cada esquina.

Anjo e demônio, quão distantes do mundo:o cadafalso do homem é não enxergar o

[próprio rosto.

Anjo e demônio, invisíveis nunca de si:o diálogo revela o oceano de trevas e luz.

Anjo e demônio, para que existir:no final do corredor se esconde o declínio

[do medo.

Anjo e demônio, compassos descrevem [cicatrizes:

alguns se regozijam com as migalhas do [último pão.

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Anjo e demônio, o abraço alcança os campos [do Senhor:

revertem os olhos da cidade a luz para as [estrelas.

Anjo e demônio, cada qual errante aprendiz:nas janelas se declinam as paixões e os

[revezes.

Anjo e demônio regressam a seu tempo.

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QUARTA SÉRIE

ao Marcelo Machado dos Santos

A expressão foi marcada sobre o quadro negro. Os alunos a copiam com diligência e medo. Dona Cecília e seus óculos fundo de garrafa guardam todas as dimensões da matemática. Há um mistério qualquer nessas contas. Talvez ali se ocultem secretas biografias ou até mesmo a história de vida desta senhora. Eu fico ali, encolhido, tentando entender a razão de tudo. O número resultante indicará novos roteiros. É desse tempo o meu amor pela velhice e sua sabedoria. Marcelo às vezes passeia com Cecília pelo pátio. A senhora sorri doce e também ele. Falariam de números e viagens a cavernas cujas dimensões só aos sábios pertencem. Gosto de vê-los sorrindo.

As provas de que eu mais gostava eram as de desenho. O traço, a cor, o espaço, tudo indicava abertura para o mundo — matemática clara, sem conceitos. Toscamente, figura de criança, os elementos tomavam forma. Letras e números podiam se mesclar no quadro negro — na folha em branco o que havia havia: até as

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cavernas e os sólidos morros que as continham.

Hora do recreio. A umidade no muro do pátio deixava crescer musgos e outras formas verdes. Pequenas porções de água se acumulavam nas rochas. Olhando bem de perto viam-se girinos. Nunca os incomodei. Contentava-me em observá-los e adivinhar seu futuro. Eram seres tão fortes quanto tudo que estudávamos nos livros.

Dona Cecília não ouve mais. Pouco enxerga. As aulas existem por si mesmas, movidas ainda pelo hálito da professora. Dali saímos rumo aos confins de nossos segredos. As expressões, antes temidas, deixaram para trás os exames de fim de ano. Tornaram-se, para uns, meta; para outros, lembrança.

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A CAVERNA

A caverna está aberta.O medo não se apresenta. Apenas ternura.Quem se aproxima é saudado pelo vento.

Seres e nomes coabitam — as veredas ampliam.A solidão aqui reside como o sol no raiar do dia.Trevas dividem o mundo com a lua.A caverna parece uma pantera de boca aberta.

Frases perdem o sentido. Existem, no entanto.Estar próximo ou longe da entrada não reduz os limites.Não basta sorrir ou saber o nome a dar ao silêncio.

Em trabalho de parto a caverna os passos conduz.Dali nascerão encruzilhadas ainda maioresou apenas o remanso e a nova estrada.Cabe ao sol dizer a hora de quem nasce.À lua, o regresso de quem parte.

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APARECIDA SENHORA

Para minha mãe

Nossa Senhora acode:é filha e mãe, mulher e vida.Dela sorve o fiel a centelha extinta,vigor de quem não tem para onde mais fugir.

Nossa Senhora acode:minha mãe sofreu dores,e o pai, os filhos, tios e tias.Dores, Senhora, como aquela de ver seu filho partir.

Acode, Nossa Senhora,porque é simples abraçar a terra,deixá-la passar entre os dedos,e sentir-lhe arranhando, de leve,os pedacinhos da almaque nela vivem.

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COTIDIANOS

Porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito,para que te guardem em todos os teus caminhos.

Salmo 91

IDissolve os homens o pequeno trajeto rumo ao caos. Indústrias da morte aguardam na ante-sala pesadelos e sonhos de conforto. É grande a oferta de desafios — toda conquista é vencida pelo que a detém: desejo, prazer ou pranto.

IIOs cabelos brancos, o sorriso e a fala elétrica não escondem a lembrança da morte da filha: um tiro certeiro na nuca. O genro matou-se em seguida. Rumores de ciúme. O velho pai toma a cerveja e faz graça com os desígnios da morte. Para ele a vida é apenas um dia. Estará bêbado de universos incompreendidos.

IIIO que mora à beira do lago é meu pastor. Os olhos completam as estrelas, orvalham grama e flores. Palavras nascem de livros ocultos à

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natureza, desmancham razões, intrigas desmentem, jardins cultivam. Seu maior passatempo é amparar a pequena rosa que cresce à porta da casa, à maneira de antigos magos, só com o gesto. Mulher e filhos o acolhem no final do dia.

IVA procissão carrega invisíveis passos. Sob os pés repousa o olhar de quem perdeu as últimas auroras. Incensos povoam as trilhas desta caminhada. O odor renasce os que partiram, os que voaram para rever o paraíso que um dia deixaram. Na terra ficaram os meses, o cotidiano dos segundos, o reverso da vida. Mãos ao céu transfiguram os caminhos e repetem, na lembrança, o anseio de revisitar a jornada, ou um cheiro qualquer, um toque último, um piscar de olhos do santo que vai à frente.

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NAMORADA

Em memória de Roger Feraudy

Minha amada, namorada, nascida do nadatem manias que não constam em qualquer

[manual,em livro algum que tente ensinar o amor.

Minha amada, namorada, nascida do nada,há um oceano em seus olhos,doce vagar de ondasà procura de praias, horizontes,irmãos, irmãs, amantesbrindando à vida.

Minha amada, namorada, nascida do nadacarrega-me em sonhos toda noite.O sol devolve a saudade:me liga, beija, desperta e vive!

Minha amada, namorada, nascida do nadatem coração de poetade onde, quase sem querer,extraio pedacinhos do mundo,areias, brilhos, barcos, pontos, céus,ela mesma inteira e mística.

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Minha amada, namorada, nascida do nada,são todos estes os versos que a você dedico,como beijos fossem e carícias.

Minha amada, namorada, nascida do nada,choro quando você chora,e tento fazê-la rir e sorrir e rir de novo,porque você é bonita como a mais bonita

[flor,a mais esperada das belezas,a mais amada das amantes.

Minha amada, namorada, nascida do nadanão há verso que possa contê-la,nem palavra que a defina.É você apenas isso e muito mais:Minha amada, namorada, nascida do nada

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OLHOS VERDES

ao Pascoal Fonseca

No solo das horas,ele busca a seiva que o alimenta:amor pelo íntimo, sensação úmida,pleno gozo, um atrás do outro, grito de prazer...suor da pele negra nos lençóis.

Cavo em mim cada parte de seus diase os transformo no mosaico eróticoque motiva toda busca pelo prazer maiordo homem pela mulher que o cativa.

Conto histórias e revelo mensagens de outros mundosenquanto seus verdes olhos contemplama paisagem de sonhos da mulher que se entrega inteira à carícia última: cada palmo de seu corpoexplorado com a vitalidade dos heróis.

Talvez, um dia, seja tudo contado como a [história

dos desejos mais viscerais da raça humana:

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tinta-esperma-visgo com cheiro do ancestral [amor.

É tudo vão? Nada passa sem que sintamosa hora que mais vivemos:o grito-gemido-sussuro daquela que viu,íntima e plena, o brilho de seus olhos verdesnuma tranqüila tarde de primavera.

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OS BOBOS

Parecia tão simples o abismo:o ar, plenitude à frente...mas nós, amigo, que nunca fomos pássaros,que coragem essa de encarar o vazio?!

Ainda que a ânsia de partir seja grande,e o afago do incomum nos consuma,vítimas nos fazemos da trilha que nos leva ao lar:aconchego simples da mulher,afago que é dela a sina.

Amigo, amigo, amigo,eu te abraço tão irmão,que perco as perdições,andanças, vazios todosque me levaram para tão longe de tudo...só para te ver amparado, simples e calmo,como sei que gostas, no seio dessa tranqüila mulhere seus cabelos dourados...

Não temas, amigo, as palavras que partem,dividem, inexistem além de seu coração...Só há, amigo, afinal, o coração...

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Por que deixá-lo?

Somos, sobretudo, bobos.Imensamente bobos e tolos!Só isso, e nada mais.

LIÇÃO INFINITIVA

É preciso guardar silêncio,deixar o tempo em seu resguardo de ilusões:os véus se erguem para o porém das coisas.Nesse dia de lagos sob o sol poente,cuidar do semblante como quem rega floresno conhecido jardim da casa do Amigo.Depois voltar-se para o sublime recanto da

[noitepara do orvalho extrair a seiva dos olhos

[límpidosde criança que aprende a ver o mundocomo o melhor dos brinquedos.Inocente como a ave que retorna ao ninho,ocultar suas asas por um momento,para num instante saltar para a vidacomo se o fizesse pela primeira vez.

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LUAR DE SAQUAREMA

ao amigo Gerson Valle

A lua tem júbilos de quem a retém sem a morte pensar.Breve companheira do céu, onde foram os namorados?

— Para a noite longa passear, fazer carícias, esconder os prantos.

Lua entre ondas de branco desenhada em [vago mar,

corre notícia de pescadores assombrados,de noites sem afago, de prantos sem

[namorados.— Noite dessas vou armar redeà espera de todos os barcosque sumiram em vagas brancas de

[meu luar.Corre, lua, corre, para dizer do outro lado do

[mundoque o dia nasceu do lado de cá.Volta, lua, volta, que eu também quero

[namorar.

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ORAÇÃO

Deus é óbvio,mas só enxergamos labirintos.Quanto a noite assalta o dia,para casa corremos:são muitos os lobos que atravessam os jardins.Os anjos colhem flores em silêncio.Nossos corações, em sobressalto,vêem o medo além das cortinase temem o abandono e a solidãodentro da própria casa.O que fazer, meu Deus, o que fazer?Onde buscar, meu Deus, onde buscar?Uma pétala e um cheiro de almíscare um raio de sol e um bocado de sândalodesprendem-se no ar e sobre a fronte se

[ espelham.A casa está mais segura.O medo (onde?) perdeu-seentre os móveis e paredes vazias.Os anjos colhem esperanças.Deus permanece.

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CANTIGA DE AMIGO

para Regina

Você fazendo as unhasé a coisa mais linda;o pé suspenso,o calcanhar quase roçando a coxa.Alcanço os gestos, a fala, as curvas de seus cabelos...Sua língua fala a minha língua quando se

[aproximae toca suave meu rosto distraídonesses dias em que o sol faz sorrir o mundo.

Não preciso retrair quimeras ou enganar [pesadelos:

se os são em suas horas soturnas, que vaguem longe,bem longe da minha amada.

A cantiga de amigo de meu coraçãocrava-se nas mais altas esferasem que teimam buscar os poetasas sublimes palavras de amor.

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Você abstrai o paraíso em seus olhos fitos nas [pontas dos dedos,

como se esculpisse a si mesma para ser reinaugurada todos os diasante meus olhos de paixão.

Escombros não há, meu amor, nem poeira [que persista

nos velhos armários que deixamos em tempos [remotos.

Foram cheiros de velhas vidas.Resta o odor dos beijos e das peles se tocando.

Amo sua aurora, sua vontade de pernoitar na [rede

ouvindo mansa as folhas das árvores embalando o sono dos pássaros.Com eles você acorda e voa para dentro de

[mim no primeiro abrir de olhos.

Nunca hei de partir sem levar comigo a sua [boa sorte,

o seu desejo de me ver retornar, sorrindo e [contando piadas,

namorando os seios e a fronte de mulher [amada.

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Não mais me escondo na sombra das árvores [de meus dias:

passei os dias, os espaços vazios, os ruídos [amigos

para ver as ondas que trazem sossego,as mãos que afagam meu dorso.

Não chore a minha dor, antes sorria o riso [criança,

maroto como nos tempos do barraquinho lá [no interior da terra.

Tempos de dona Helena nascida para servir os terrestres olhos de um mundo cansado.Terra de seu Chico, os sons de viola, a igreja

[arrumada,os bancos limpos, o recreio no pátio.

Rejeita, meu amor, as ofertas de dor fácil nas [esquinas de nossa vida:

são mais belas as pequenas ofertas, o gesto [amigo.

Num caderno antigo, lição de matemática,rascunhei o meu amor e o remeti ao destino,que me trouxe você como sublime vinho em

[taça translúcida...

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Para onde e longe viajamos, para unir nossos [oceanos,

corpos suados em noite de luar vibrante e [mar enorme

: um profundo silêncio percorre nossos poroscomo maresia em véspera de lua cheia.

MÃOS DE LUZ

Há um tempo que se renovaalém do tempo que se perdeu...Nas mãos um raio de luz derramasobre cachos douradosa carícia de um Deus construídona aurora do mundo.Dias de derradeiro encanto,sem vítimas ou pranto,mistério desnudo.

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O LAGO

ao amigo Maurício Király Lima

Tudo o que tenho é a companhia de três cães [amigos

e um pomar convidando para o nascer do dia.

A doce passageira amanhece em meu portão,cabelos loiros, palavra firme;fala de Jeová, Noé, Jesuse do sutil perfume dos anjosque virão para nos julgar.

Ela passa, leve pluma em tarde de outono...

Sua voz prossegue com os dias futuros,em casas futuras, almas sedentas desse fruto

[amado.

Eu permaneço nítido entre as folhas das [árvores

e dos santos livros que passeiam em meus [olhos:

as letras vindas de todos os firmamentos do [Antigo Nome.

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Minha alma é o lago sereno que envolvee protege do caos das pedras.

Espano a poeira da roupa,acaricio a cabeça dos cães,sorrio para os seixos,o pé de acerola,o céu abrindo-se para a noite...São Francisco caminha na beira de um lago

[longínquo...Sua alma toca minha face por um instante.

Sente: a paz dos anjos no caminho dos [servos,

a meiga carícia do sereno na face dos homensque retornam para casa e louvam a criação...

A amiga de Deus, seus cabelos lisos e livres [dos pecados,

segue em paz... Vai dizer que o dia seguinteé o dia de todos os lagos, de todas as almasenvolverem-se em sua própria luz,banharem-se em sua própria água,inalarem seu próprio odor,beijarem seu próprio filho,amarem seu único pai.

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FAMÍLIA

Para Rita Daumas

Tomo pelas mãos o menino que um dia fui,Com os olhos cheios de fé,O coração tocado pelo dedo do maior de

[todos os pais.

Caminhamos como quem, num sonho, supera as dimensões do espaço e do tempo,E se encontra frente a frente com a luz da unidade de todas as coisas.A mãe prepara o café, o bolo, e os sonhos de

[dias mais felizes.O pai arreia o cavalo, parte para a busca do

[pão nosso, Verte lágrimas de esperança e sorrisos de

[dever cumprido.Somos todos unos quando, de mãos dadas, respeitamos as adversidades,Os abismos, os encontros e desencontros de todas as vidas a que pertencemos.

Somos pai, mãe, irmãos, avós, tios... Somos espaços preenchidos pelo amor que

[nos une.

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Somos tempos que se rompem como auroras há tanto esperadas.Nossos sonhos são as flores que colhemos pelo caminho.

De mãos dadas, eu e eu mesmo nos ajoelhamos ante o altar do Criador,E pedimos perdão, e comungamos, e rogamos graças, e nos abraçamos infinitamenteA todos os seres como irmãos de uma única e

[extensa família. 43

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À MANEIRA DE MAIAKOVSKI

A Bernardo Roberto e Rodrigo Paulino

“Vivo en um país libre,cual solamente puede ser libre,en esta tierra, en este instante

y soy feliz, porque soy gigante”Silvio Rodriguez

Este poema se constrói de silêncios,e queima como a verdadeque não pode ser dita.

Infinita é a alma que cultiva a liberdadede ser e fazer e dizer em língua claraos passos que trilham os homens de pouca

[fala.

Eles entram em nossas casas,roubam nosso sustento, plantam ervas de beleza cara,e matam os que a eles enfrentam.

Este poema se constrói de sangue antigo,do tempo em que inquisições eram armas

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devoradoras de línguas.

Hoje de assalto tomam minhas palavras,e as revertem e regurgitam e se envenename nada mais podem contra o anseio vivode todas as esperanças que condenam.

Sou gigante em meu passo errantede poeta afeito ao grito oprimidoque clama entre favelas e guetospelo simples direito de dizer a palavra viva.

Viva, rara e pulsante, a palavra-verbo canta o sonho de minha terrade ver nascer em cada casa um guerreiro e um poeta.

Este poema se constrói a cada dia com um verso novo, às vezes de alegria, de angústia às vezes,mas não se cala entre os silêncios impostospela mordaça da noite que a todos ameaça.

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APOCALIPSE

Para o amigo Ricardo Coelho

Por que somem as palavrasquando no íntimo clamam as vozesem busca da língua voraz dos sentidos?As veias se fecham como num infarto de

[silêncios sobrepondo-se ao amor e às dádivas do dia.O que buscar nessa torrente de sons

[incompreensíveis,de imagens turvas de sentimentos morrentes,se o que há é tão somente o gesto tímidode encontrar ouvidos desatentos em meio ao

[caos?As mãos se molham, e o rosto, e os cabelosem busca incessante pelo frescor da língua.Homens perambulam pelos cantos carregando fardossem saber por que o fazem. Mulheres colhemrestos de restos de restos na espera antigade um dia saberem se valeu a pena mendigarafetos de um mundo fadado à guerra.Crianças (minhas crianças!) não choram

[mais— perderam seus brinquedos e não sabem

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[mais brincar.Não riem mais. Não falam mais. Mudas. Quase cegas.Quase nada. Arrastam-se atrás de seus pais,sem saber por que o fazem.As palavras passeiam atônitas sem que as

[ouçam,perdidas entre bilhões de outras,como se digitadas à procura de algum sentidonum velho e abandonado computador no

[canto da sala.O monitor exibe números, letras, imagens,

[sons,mostrando todos os caminhos da Terra,mas não há terra,não há chão... apenas homens sobrevoando o

[infinito,apenas passos que se desenham firmes sobre

[o abismoque parece tão sólido, tão ermo, tão íntimo.As palavras somem. Um grito! Um último e agonizante grito!

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PALAVRAS SIMPLES

O que vale são as palavras simples,os gestos de amor, a canção romântica.Meu coração contemplaos mistérios da lua e suas fases,a conjetura dos astros em suas órbitas.O peito aberto para sorver o sofrimento

[do mundoe sua cura ante o toque do olhar de afetoqueimam rancores e mágoas.O que vale são as palavras singelas,como saindo desavisadas em língua fraternaquase silentes, quase não ouvidaspor humanos ouvidos.A música no rádio fala do amor que espera,da alma que anseia, do infinito que penetracada poro do corpo do amante.O que vale são as palavras calmas,o ritmo evidente do toque das mãosna face em êxtase da amada mulher,do homem querido, do filho presente.O que vale são as palavras íntimas,a confissão do ausente, a melodia nuados pássaros em manhãs de sol.O que vale são as palavras e seus gestos.

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SOBRE A POESIA DE CAMILO MOTA

“Em Camilo, a poesia resgata, com isto, a descrição de idéias e sentidos que sempre houve em todos os tempos. É claro, no entanto, que o poeta nascido no século XX não pode deixar de lado jamais as metáforas que o diferenciam de todo dos prosadores. Mas, apenas a seqüência de sonhos, metáforas e escrita automática que se tornaram quase que sinônimos de poesia, sobretudo após o surrealismo, e que acabam, por sua feição hermética, por fechar o seu mundo para o grande público, não são suficientes para nenhum dos mineiros que se apegam à cultura de sua terra. Assim, sua poesia se torna mais rica e acessível, ao misturar-se aos prosaísmos”.Gerson Valle. “A mineirice da poesia”, prefácio a “Século Algum”.

“Camilo Mota é poeta de personalidade própria. (...) Pois bem, onde qualquer poeta se desmancharia em elogios requentados à simplicidade e ao bucolismo, Camilo Mota de modo nenhum se deixa seduzir apenas pelo real e o visível, como se estivesse pintando com um pincel sem fios, ou usando tinta de cores invisíveis aos olhos comuns. Aliás, é também coisa muito sua extrair poesia do cotidiano mais trivial,

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transfigurando-o”.Fernando Py. “Uma poesia já madura”, posfácio a “Tríade”

“Publicado, em 2007, pela Thesaurus Editora, de Brasília, o opúsculo forja-se pela verve de Camilo Mota, mineiro, virginiano (nasceu no mesmo dia que Antônio Carlos Villaça, o maior memorialista brasileiro) que garimpa palavras e extrai ouro, metamorfoseado em signos poéticos. Paisagens de ambos os mundos expõe, pois, a visão poética do mundo, projetada pelo Autor que, contrariamente à sua origem, não exale traços barrocos, antes, pelo contrário, enxuga palavras, elimina adiposidades retóricas e configura constelações de signos essenciais, em que quanto menos retórica tanto melhor para a significância infinda. No entanto, longe de uma dicção dura, aparentada, por exemplo, a um concretismo mal digerido, o discurso poético de Camilo Mota opera uma sensibilidade à flor da palavra, signo privilegiado no discurso humano.”Latuf Isaías Mucci. “Quando menos é muito mais: a poesia de Camilo Mota”, in Jornal Poiésis – Literatura, Pensamento & Arte, nº 143, fevereiro de 2008.

“Poemas raros nesses tempos magros, nos quais os escrivinhadores se perdem na masturbação do intelectual incompreendido, e fazem anagramas,

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palavras-cruzadas, mensagens telegráficas, mas poesia não. As “Trilhas” [primeiro título da atual coletânea, quando ainda inédita] de Camilo têm o vigor de poesia antiga e querida, a ternura de nossas primeiras leituras, quando apenas descobríamos a verdade do poético sem preocupações com formas asfixiantes. (...) Ele nos leva pela mão, ao mesmo tempo gentil e grave. E o que temos pela frente é uma noite sempre cálida, na qual uma lembrança se comparte, um seio reflete a luz fugidia da lua e o verbo descansa, tenso e insone, nos redobres infinitos daquilo que nos acostumamos a chamar de memória.”Andityas Soares de Moura. “A poesia de Camilo Mota: breve apreciação”, revista “Il Convívio”, ano IV, nº 3, julho/setembro de 2003.

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Camilo (de Lélis Mendonça) Mota nasceu em 24/08/1965 em São João Nepomuceno-MG. Estudou Letras na Universidade Federal de Juiz de Fora, cidade em que participou do conselho editorial do folheto literário Abre Alas na década de 1980. Fundador e editor do jornal Poiésis – Literatura, Pensamento & Arte (www.jornalpoiesis.com), em circulação desde 1993. Membro fundador da Academia

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de Letras e Artes da Região dos Lagos (Aleart). Membro Titular da Academia Brasileira de Poesia – Casa de Raul de Leoni. Membro honorífico da International Writers and Artists Association (IWA). Alguns de seus poemas já foram traduzidos para o inglês, francês, espanhol, grego e russo. É Terapeuta Holístico, filiado ao Sindicato dos Terapeutas (Sinte), mestre de Reiki e de Magnified Healing. Publicou os livros de poesia Cântico (1992), Bálsamo (1994), Tríade (1998), Século Algum (2001), Paisagens de Ambos os Mundos (Brasília, Thesaurus, 2007, Coleção Divulgação – Incentivo à Leitura), Nos Caminhos da Noite que o Dia Vem (2008). Reside atualmente em Saquarema-RJ. Contatos: Caixa Postal 110912 – Bacaxá – Saquarema/RJ – CEP 28993-970. E-mail: [email protected]

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Impresso na Oficina de Livrosno outono de 2008

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