norma jurídica e proposição jurídica: estudo diferenciativo, por alexandre piccoli

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NORMA JURÍDICA E PROPOSIÇÃO JURÍDICA: ESTUDO DIFERENCIATIVO 1. Introdução 2. Problemática da Distinção 3. O Juízo Hipotético Condicional 4. O Juízo Hipotético Disjuntivo 5. Outros Modelos Proposicionais 6. Considerações Conclusivas 7. Bibliografia

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Norma jurídica e proposição jurídica, estudo e diferenciação, por Alexandre Picccoli.

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NORMA JURÍDICA E PROPOSIÇÃO JURÍDICA: ESTUDO DIFERENCIATIVO

1. Introdução

2. Problemática da Distinção

3. O Juízo Hipotético Condicional

4. O Juízo Hipotético Disjuntivo

5. Outros Modelos Proposicionais

6. Considerações Conclusivas

7. Bibliografia

“Sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual

não há direito, nem justiça, nem paz.”

Eduardo Couture

Alexandre Piccoli

NORMA JURÍDICA E PROPOSIÇÃO JURÍDICA: ESTUDO DIFERENCIATIVO

1ª Edição

Espumoso

Alexandre Piccoli Editor

2008

P591 Piccoli, Alexandre

Norma Jurídica e proposição jurídica: estudo diferenciativo./Alexandre Piccoli.- Espumoso: Alexandre Piccoli Editor, 2008, 24p.

ISBN:

1. Direito. 2. Filosofia e Teoria do Direito. I. Título

CDD: 340.11

1. INTRODUÇÃO

Entender a norma jurídica não é apenas um

exercício de jusfilosofia, desprovido de qualquer significado

prático. É através da compreensão do verdadeiro sentido da

norma que melhor podemos apreender os comandos que o

ordenamento imperativamente impõe e com os quais o

profissional do direito lida diariamente. Apenas quem conhece

domina e somente quem domina aplica corretamente. A

revelação do sentido intrínseco da norma jurídica e de sua

estrutura lógica é fator que grandes contribuições oferece à

dogmática jurídica, particularmente no campo da

interpretação.

A teoria da norma jurídica é pressuposto

indispensável ao estudo da ciência do direito, que nada mais é

do que a ciência das normas de direito.

Na análise estrutural da norma destacaram-se

inúmeros mestres, não sendo possível deixar de sublinhar a

posição de Kelsen, inaugurador de uma nova era no

pensamento jurídico. Deve-se a Kelsen a formulação definitiva

de um juízo lógico explicativo sobre a norma jurídica, o juízo

hipotético condicional, diferenciando a norma da proposição

jurídica, conforme a argumentação que será vista no decorrer

do trabalho. O modelo de proposição elaborado por Kelsen

pode mesmo não ser o mais adequado, mas é, sem dúvida, o

marco fundamental na teoria da norma jurídica, sendo a

partir dele que se construíram os demais modelos, restando

intocada a magnífica construção do dever-ser.

2. PROBLEMÁTICA DA DISTINÇÃO

Embora intimamente relacionados, os conceitos

de norma jurídica e de proposição jurídica não se confundem.

Norma jurídica é um comando positivado pelo Estado;

proposição jurídica, sua estrutura lógica. As normas de direito

são formuladas pelo poder estatal, ou por este reconhecidas,

tendo caráter imperativo. Já as proposições jurídicas são

frutos da ciência jurídica, e nada prescrevem por si, apenas

transcrevendo o sentido da norma jurídica.

A proposição é um juízo revelador da norma

jurídica, consistindo esta num imperativo1 geral, abstrato,

bilateral e coativo. A generalidade consiste em ter a norma

várias pessoas como destinatárias, quer sejam todos os

indivíduos da sociedade (norma geral), quer um grupo em

particular (norma especial), mas obrigando todos os

indivíduos deste grupo. Os sistemas modernos repugnam

dispositivos não revestidos de generalidade, atributivos de

direitos ou privilégios a indivíduos ou grupos em particular. A

característica da generalidade somente não está presente nas

chamadas normas individuais, singulares ou particulares,

como é o caso dos contratos, decisões judiciais e alguns atos

administrativos normativos. Abstração é a qualidade da

norma estabelecer uma ação ou ato em abstrato. A regra de

direito é imperativa, pois estabelece comandos que devem ser

compulsoriamente observados, compulsoriedade esta que é

garantida pela sanção, imposta pelo Estado, e dita

aparelhada. Na atualidade, o caráter imperativo da norma

jurídica praticamente nenhuma contestação recebe. Nem

sempre, contudo, a imperatividade teve pacífica aceitação,

sendo célebre a afirmação de Binding de que as normas

jurídicas não seriam imperativas, pois em nenhuma parte do

Código Penal se encontrariam normas que proibissem o

assassinato ou o roubo, por exemplo. As normas

estabelecedoras de sanção apenas colocariam uma

possibilidade de escolha ao indivíduo, de modo tal que poderia

roubar, sendo, entretanto, submetido a uma sanção. O

próprio Kelsen, na primeira fase de seu pensamento, não

encarava a regra de direito como imperativa. Na segunda fase

de sua trajetória intelectual, referido mestre reconhece o

caráter imperativístico da norma jurídica, ao mesmo tempo

em que estabelece a distinção entre norma jurídica e

proposição jurídica, as primeiras imperativas, mas não as

proposições. Também Cossio não via a regra de direito como

revestida de imperatividade. A característica da bilateralidade

consiste na norma estabelecer, a uns, determinado dever

jurídico e, a outros, a possibilidade de exigir seu

cumprimento, por meio de um instrumento próprio, a ação

judicial, dentro da dicotomia direito subjetivo - dever jurídico.

A bilateralidade pode ser vista como a nota distintiva

fundamental entre a norma moral e a jurídica. A regra de

moral seria unilateral por estabelecer tão somente um dever,

sem que ninguém possa exigir o cumprimento.

A norma jurídica, revelada logicamente por sua

proposição, é o objeto principal da ciência do direito, ou

mesmo seu objeto único e exclusivo, como o querem os

adeptos do positivismo jurídico. É através da norma jurídica

que o jurista conhece o mundo, na medida exata em que uma

conduta só se torna relevante ao direito quando contida em

uma norma jurídica, seja legal ou consuetudinária. Deste mo-

do, o ato de coçar o dedo não interessa ao direito, pois não

regrado, salvo na condição de ato de livre prática.

Diferentemente ocorre, exempli gratia, com a emissão de um

cheque, que gera inúmeros efeitos juridicamente relevantes.

Distinguimos, assim, fatos jurídicos e fatos não-jurídicos,

acontecimentos dos quais o direito se ocupa e fatos que não

interessam ao direito.

O conjunto das normas jurídicas vigentes num

determinado Estado forma o ordenamento jurídico, que é o

arsenal de que pode valer-se o jurista. Se o conjunto de

normas revestir algumas características, dentre as quais

destacamos a hierarquização e a interligação entre os

diferentes dispositivos, dizemos que o ordenamento é um

sistema jurídico. O sistema jurídico é dinâmico, pois

constantemente nele entram e saem normas, de um lado, pela

produção da lei e das demais fontes e, de outro, pela

revogação e pelo término da vigência, ocorrendo esta com as

chamadas normas auto-revogáveis, temporárias ou

excepcionais. Normas temporárias são normas que prevêem o

término de sua vigência por decurso de prazo determinado.

Normas excepcionais são aquelas cuja vigência extingue-se

pelo desaparecimento da situação fática para as quais foram

editadas, como um desastre natural, guerra ou revolução.

Trabalhar com o direito é trabalhar com

normas, constatação que se faz sentir de modo

particularmente forte com a positivação do direito, efetuada

principalmente a partir do século XIX. A preocupação com a

natureza da norma jurídica faz-se presente de modo não

vivido nos momentos anteriores, dominados

predominantemente pelo direito costumeiro.

Rudolf Von Jhering foi um dos primeiros

mestres a analisar a estrutura da norma jurídica. Para ele, o

conteúdo da norma jurídica seria uma proposição, uma

orientação para o agir. Foi, todavia, Hans Kelsen quem

definitivamente legou ao mundo jurídico as bases científicas

da distinção, abordando a proposição jurídica como juízo

hipotético condicional.

Contudo, Maria Helena Diniz, em seu

Compêndio de Introdução à Ciência do Direito (p. 322), nos

esclarece que Kelsen foi o consolidador, mas não o criador da

distinção entre a norma e seu juízo:

“... Cabe aqui fazer uma ressalva, já feita por André Franco Montoro, de que não foi Kelsen o primeiro a descobrir o caráter lógico da norma jurídica como juízo hipotético; antes dele, Korkounov, no século passado, já dizia: 'As normas jurídicas são regras condicionais. Constam de dois elementos. A definição das condições de aplicação da regra (hipótese ou suposição) e a exposição da regra propriamente dita (disposição ou ordem). E podem ser expressas na fórmula seguinte: se... em conseqüência..., ou melhor, se alguém comete furto, em conseqüência ele é passível de prisão'. E, provavelmente, antes de Korkounov, outros autores fizeram formulações semelhantes.”

3. O JUIZO HIPOTÉTICO CONDICIONAL

A representação lógica do juízo hipotético

condicional é por Kelsen concentrada na seguinte fórmula:

“Se A é, B deve ser”. A primeira parte do juízo lógico (“Se A é”)

recebe a denominação de condição, hipótese legal, hipótese de

incidência, suporte fático ou preceito. A segunda parte (“B

deve ser”) é chamada conseqüência jurídica. A hipótese legal

consiste num fato ou conduta, comissivo ou omissivo, livre,

obrigado ou proibido, que tem como conseqüência a sua

validação ou uma sanção. Ninguém melhor que o próprio

Kelsen para expressar seu pensamento2:

“Na medida em que a ciência jurídica apenas apreende a conduta humana enquanto esta constitui conteúdo de normas jurídicas, isto é, enquanto é determinada por normas jurídicas produzidas através de atos de conduta humana e que hão de ser aplicadas e observadas (...) conseqüentemente descreve as relações constituídas através dessas normas jurídicas, entre os fatos por elas determinados. As proposições ou enunciados nos quais a ciência descreve estas relações devem, como proposições jurídicas, ser distinguidas das normas jurídicas que são produzidas pelos órgãos jurídicos a fim de por eles serem aplicadas e serem observadas pelos destinatários do direito. Proposições jurídicas são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem, de conformidade com o sentido da ordem jurídica (...) sob certas condições ou pressupostos fixados por este ordenamento, devem intervir certas conseqüências pelo mesmo ordenamento determinadas. As normas jurídicas (...) são antes, de acordo com o seu sentido, mandamentos, e, como tais, imperativos (...) o direito, prescreve, permite, confere poder ou competência - não

"ensina" nada. Na medida, porém, em que as normas jurídicas são expressas em linguagem, podem elas aparecer sob a forma de enunciados do mesmo tipo daqueles através dos quais se constatam fatos”.

Assim, exemplificando, da norma contida no

art. 328 do Código Penal pátrio: “Usurpar o exercício de função

pública: Pena: detenção, de 3 meses a 2 anos, e multa”,

extrairíamos a seguinte proposição, o seguinte juízo hipotético

condicional: “Se usurpar o exercício de função pública, deve ser

condenado com detenção de 3 meses a 2 anos, e multa”.

Norberto Bobbio3 analisando o pensamento

kelseniano nos revela que a expressão dever-ser indica uma

ordem ao órgão judiciário para, na hipótese de

descumprimento da norma, impor uma sanção. O dever-ser

não seria um comando voltado ao destinatário imediato da

norma, mas sim ao órgão encarregado de impor a sanção.

Deste modo, da estrutura do juízo hipotético “Se A é, B deve

ser”, “Se A é” indicaria o comportamento cujo destinatário é o

indivíduo imediatamente considerado, ao passo que o dever

ser significaria uma ordem ao juiz para impor sanção caso o

enunciado do comportamento devido não fosse seguido. Na

primeira parte do juízo hipotético condicional, os destinatários

seriam os cidadãos; na segunda, os juízes e outros

funcionários encarregados de impor a sanção.

Também Alf Ross distingue o aspecto

prescritivo e a revelação descritiva da norma de direito, umas

diretivas e as outras apenas descritivas.

A relação que se estabelece entre a hipótese

legal e a conseqüência jurídica não é uma relação de

causalidade natural (as naturais são do tipo: atirou a pedra,

quebrou o vidro), mas imposta pelo Estado (não é uma causa

natural que impõe pena ao delinqüente). Preferível utilizar o

termo relação de causalidade apenas às relações naturais,

reservando ao causalismo jurídico o termo relação de

imputação.

Para Hans Kelsen, o juízo hipotético não

conteria nenhum valor moral ou ético. Estes estariam

presentes na produção da norma pelo órgão político, mas

inexistentes na proposição jurídica, que se despe de qualquer

valor axiológico a fim de tornar-se objeto idôneo para a

construção de uma verdadeira ciência jurídica.

Para o elaborador da Teoria Pura do Direito, a

norma e seu juízo hipotético somente serão completos e

bastantes em si se contiverem uma cominação de sanção, pois

do contrário vão estar na dependência de uma norma

sancionatória que lhes complete o sentido, dando-lhes

efetividade. Para Kelsen, as proibições seriam a essência da

norma de direito, definindo também os limites da pretensão

punitiva do Estado, na medida em que “tudo que não é

proibido é permitido”. Para o insigne jurista, a sanção

aparelhada, imposta pelo Estado, seria a nota distintiva

fundamental entre o direito e a moral. Assim, distingue Kelsen

entre normas autônomas e normas dependentes. Norma

autônoma é aquela que prescreve sanção a um

comportamento estatuído, por ela ou por outra regra.

Dependente é a norma que estatui um comportamento, sem

prescrever sanção, ficando na dependência da norma

sancionadora. Por exemplo, a norma constitucional que

assegura a todos o direito à vida, não obstante seu nível

supremo, é dependente, ligada às normas que disciplinam

sanção, principalmente aquelas do Código Penal. Todavia, o

pensamento de Kelsen, neste particular, não pode ser aceito

sem restrições, na medida em que não apenas a norma

sancionatória é autônoma, mas também a norma revogatória,

e.g. Daí entendermos pela modificação desta distinção, na

linha já seguida por outros mestres: são autônomas as

normas que esgotam o comportamento que estatuem; são

dependentes aquelas que necessitam do complemento de

outros dispositivos normativos.

4. JUIZO HIPOTÉTICO DISJUNTIVO

O mestre argentino Carlos Cossio, fundador da

escola do Egologismo Existencial, critica a estrutura

proposicional formulada por Hans Kelsen. Sua crítica volta-se

tanto contra a distinção entre normas autônomas e

dependentes quanto em relação à própria estrutura do juízo

hipotético condicional. Para Cossio, o juízo hipotético

kelseniano supervaloriza a transgressão, o ilícito, de tal forma

que é incompleto, na medida em que a proposição jurídica

deveria conter tanto o enunciado do cumprimento da norma

quanto o de sua desobediência. Vejamos as palavras de

Cossio4: “...Kelsen esquematiza la norma jurídica como un juicio hipotetico, a partir del entuerto, segun este simbolismo: Dado "E" (entuerto), debe ser "S" (sancion) En tanto que la teoria egologica la esquematiza como un juicio disyuntivo considerando toda la totalidad sucesiva que pueda integrar se con aquel enturto, de acordo a un simbolismo bipartito (endonorma antes de la disyuncion y perinorma despues de ella), que se ex-presaria asi en sus rasgos minimos: Dado H (momento inicial de una totalidad sucesiva) debe ser P (prestacion) o dado no-P (entuerto) debe ser S (sancion).”

Também Garcia Mainez5 critica a concepção

kelseniana, a qual apenas trataria do dever jurídico, sem

analisar a relação jurídica em sua completude.

Cossio formula então, a partir da estrutura

kelseniana, um novo modelo de proposição jurídica, mais

amplo, baseado simultaneamente no lícito e no ilícito, no

cumprimento e na transgressão da norma. Este juízo foi por

Cossio denominado juízo hipotético disjuntivo, que resumimos

na seguinte fórmula: “Dado fato deve ser prestação ou dada a

não prestação deve-ser sanção”. O juízo hipotético disjuntivo

se compõe de dois juízos hipotéticos ligados pelo disjuntivo

“ou”. Ao enunciado do cumprimento da norma (“Dado fato

deve ser prestação”) Carlos Cossio denominou endonorma. O

juízo do descumprimento (“Dada a não prestação deve-ser

sanção”) foi chamado perinorma. Perinorma e endonorma

correspondem aos conceitos de normas autônomas e normas

dependentes em Hans Kelsen, com a vantagem de estarem

reunidos num mesmo juízo lógico.

Deste modo, da norma contida no artigo 129 do

Código Penal: “Ofender a integridade corporal ou a saúde de

outrem: Pena: detenção, de 3 meses a 1 ano”, formularíamos o

seguinte juízo hipotético disjuntivo: “A integridade corporal ou

a saúde deve ser respeitada; ou, se não o foi, deve ser aplicada

uma pena de detenção de 3 meses a 1 ano”.

Da proposição como juízo hipotético disjuntivo

podemos extrair, como Maria Helena Diniz6, dez elementos:

1. o fato jurídico (dado fato...);

2. o dever-ser;

3. a prestação de alguém;

4. o obrigado pelo dever jurídico;

5. o titular de direito subjetivo beneficiado pelo

dever;

6. o disjuntivo “ou”;

7. o ilícito do descumprimento;

8. a sanção;

9. o funcionário obrigado a impor sanção (dever

jurídico);

10. a pretensão punitiva da comunidade (direito

subjetivo).

No esquema cossiano, tanto a prestação como a

sanção gozam de igual importância. Na estrutura da

proposição não deveria haver prevalência do ilícito, do

descumprimento, visto que a conseqüência normal e esperada

é o cumprimento da norma, consistindo a sua transgressão

numa exceção. O ilícito e o lícito são lados opostos de uma

mesma realidade normativa, devendo ambos estar contidos no

mesmo juízo proposicional, condição necessária para a

completude deste, o que não se verificaria no juízo hipotético

condicional de Kelsen, cuja estrutura lógica é incapaz de

examinar cumprimento e descumprimento na mesma

proposição. Ao enlaçar o dever-ser da prestação (endonorma)

e o dever-ser da sanção pela não prestação (perinorma),

Cossio torna o juízo hipotético supostamente completo.

O pensamento de Cossio valoriza sobremaneira a

liberdade do agente diante do comando expresso pela norma,

chegando a negar o caráter imperativo da regra jurídica. O

homem seria livre para não cumprir a endonorma, a

prestação, sendo então sujeito a uma sanção aplicada pelo

órgão competente. A norma seria um juízo que diz algo a

respeito da conduta em sua liberdade.

5. OUTROS MODELOS PROPOSICIONAIS

Diversas críticas são dirigidas ao esquema

proposicional de Carlos Cossio. A principal delas reside no

fato do disjuntivo “ou” resultar na necessária exclusão de uma

das partes da proposição, quer a endonorma quer a

perinorma, de modo que o juízo hipotético disjuntivo, não

obstante suas pretensões de completude, jamais seria

completo. O próprio Kelsen, ao analisar o juízo cossiano,

entendeu ser conveniente substituir o disjuntivo “ou” pela

expressão “e se não”.

Tentando suprir esta deficiência, propôs Jorge

Millas a substituição do disjuntivo “ou” pelo conjuntivo “e” de

modo que se construísse um juízo hipotético conjuntivo, com

a seguinte estrutura: “Dado fato deve-ser prestação e dada a

não prestação deve-ser sanção”.

Por outro lado, preferem autores como Avelino

Quintas o uso do adversativo “mas”, produzindo um juízo

hipotético adversativo resumível na fórmula: “Dado fato deve-

ser prestação mas dada a não prestação deve-ser sanção”.

6. CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A estruturação da proposição como juízo

hipotético adversativo demonstra ser o mais completo de

todos os esquemas lógico-proposicionais, suprindo tanto a

incompletude do modelo kelseniano quanto a exclusão mútua

que se verifica na proposição disjuntiva de Carlos Cossio.

Possui ainda o mérito de superar o inconveniente perceptível

no juízo hipotético conjuntivo, no qual a partícula “e” dá a

entender que podem coexistir na mesma conduta o lícito e o

ilícito, a prestação e seu descumprimento, o que se revela

logicamente impossível.

Sem embargo a esta preferência, temos, porém,

por valiosos também os demais juízos hipotéticos, momentos

importantes no árduo trabalho de decifrar o objeto máximo da

ciência do direito: a norma jurídica.

NOTAS DE FIM

1. Kant classificou os imperativos em categóricos e hipotéticos

(ou de perícia, ou técnicos). Os imperativos hipotéticos

prescrevem apenas meios para alcançar determinados fins,

independentemente de estes fins serem bons ou não (um bom

veneno para matar ou um bom remédio para curar). Os

imperativos categóricos, a seu turno, prescrevem fins

inquestionáveis (e.g., não matar). Difícil fica o enquadramento

do imperativo jurídico nesta sistemática, tendo mesmo em

vista a velha discussão de ser o direito revestido de fins

intrínsecos ou ser um mero instrumento. Certos autores,

como Karl Engish, em sua “Introdução ao Pensamento

Jurídico”, preferem classificar o imperativo jurídico a parte,

como imperativo condicional.

2. Hans Kelsen, “Teoria Pura do Direito”, p. 137-138. 3. “O Positivismo Jurídico, Lições de Filosofia do Direito”. 4. “La Causa y la Comprension en el Derecho”, p. 147-148. 5. “Logica del juicio Jurídico”.

6. “Conceito de Norma Jurídica como Problema de Essência”.

7. BIBLIOGRAFIA

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do Direito”. São Paulo, Ícone Editora, 1995.

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DINIZ, Maria Helena. “Compêndio de Introdução à Ciência do

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FERRAZ JR., Tércio Sampaio. “Introdução ao Estudo do

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KELSEN, Hans & COSSIO, Carlos. “Problemas Escogidos de la

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REALE, Miguel. “Filosofia do Direito”. São Paulo, Saraiva,

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