noesis75

68
Revista trimestral | n.º 75 Outubro/Dezembro 2008 | e 3,00 (Isento de IVA) Diário de um professor Uma opção pela educação especial Dossier Parcerias

Upload: fabio-machuqueiro

Post on 30-Mar-2016

265 views

Category:

Documents


43 download

DESCRIPTION

Uma opção pela educação especial Dossier Diário de um professor Revista trimestral | n.º 75 Outubro/Dezembro 2008 | e 3,00 (Isento de IVA)

TRANSCRIPT

Page 1: noesis75

Revista trimestral | n.º 75 Outubro/Dezembro 2008 | e 3,00 (Isento de IVA)

Diário de um professor

Uma opção pela educação especialDossier

Parcerias

Page 2: noesis75
Page 3: noesis75

Sumário

05 EditorialBONS PARCEIROSMaria Emília Brederode Santos

06 Notícias... entre nós09 Notícias... além fronteiras

10 Diário de um professorCarmo CravoComeçar a trabalhar com crianças surdas deixou Carmo Cravo assustada mas, depressa, percebeu que o seu caminho passava por aí, sendo actualmente coordenadora da escola de referência para a educação bilingue de alunos surdos, em Lisboa.

14 Lá foraRelatório Byron: Crianças mais Seguras num Mundo DigitalTeresa GasparA partir das recomendações do Relatório Byron,um estudo sobre os riscos inerentes ao uso das novas tecnologias pelas crianças, o governo inglês lançou um plano de acção.

16 Entrevista a Rui Gomes Maria Emília Brederode Santos Elsa de Barros Rui Gomes considera que a Educação para a Cidadania Democrática deve partir da reflexão sobre casos concretos, de preferência da experiência pessoal dos alunos, para posteriormente passar à fase da generalização.

22 OpiniãoMediadores socioeducativos na escola? Alguns flashesCarlinda LeiteA autora apresenta um programa de tutorias que permitiu aos tutorados a melhoria dos seus resultados escolares

24 Dossier – ParceriasO estabelecimento de parcerias implica uma relação em que o interesse superior da criança seja o critério norteador de qualquer projecto, de toda a acção. Esta é a ideia fundamental que atravessa as páginas deste dossier.

Ficha Técnica

DirectoraMaria Emília Brederode SantosEditoraTeresa FonsecaProdutorRui SeguroRedacçãoElsa de BarrosSecretariado de redacçãoCarla DelfinoColaboradores permanentesCarlos Batalha, Dora Santos, Teresa GasparColaboram neste númeroAna Pintão Correia, Ana Roque, Carlinda Leite, Carmo Cravo, Celeste Simões, Centro de Documentação e Informação Amílcar Cabral, Elvira Leite, Emanuel Furtado, Filipa Fonseca, Filipe Simões, Filomena Matos, Gina Tomé, Inês Camacho, Isabel Baptista, Isabel Lemos Carvalho, Isabel Pereira, Isabel Sousa, José Alves Diniz, Jorge Cardoso, José Carlos Abrantes, Guilherme Rodrigues, Márcia Mendes, Margarida Gaspar de Matos, Mafalda Ferreira, Sandra Sousa, Sofia Victorino e Susana FaustinoDestacávelRosário TavaresRevisãoAna MagalhãesFotografiaCarlos Silva, Henrique Bento, Patrícia Santos, Raul Abreu, Arnaldo Sousa e Tiago Pinto Ilustração e capaGuilherme CastroProjecto gráficoEntusiasmo Media/White RabbitPaginaçãoAtelier Gráficos à LapaRua S. Domingos à Lapa, n.º 61200-835 LisboaImpressãoEditorial do Ministério da EducaçãoEstrada de Mem Martins, nº 4 – S. CarlosApartado 113 – 2726-901 Mem MartinsDistribuiçãoCTT – CorreiosRua de São José, nº 101166-001 LISBOATiragem12 500PeriodicidadeTrimestralDepósito legalN.º 41105/90ISSN0871-6714PropriedadeDirecção-Geral de Inovaçãoe de Desenvolvimento CurricularAv. 24 de Julho, n.º 1401399-025 LisboaPreçoe 3 (Isento de IVA)Isento de registo ao abrigo do DecretoRegulamentar 8/99 de 9/6 antigo 12º, n.º 1B

As opiniões expressas nesta publicaçãosão da responsabilidade dos autores e nãoreflectem necessariamente a orientaçãodo Ministério da Educação.

Revista NoesisRedacçãoAv. 5 de Outubro n.º 107 – 8.º1069-018 LisboaTelefone 217 811 600 ext - 2839Fax 217 811 [email protected]

Page 4: noesis75

04 05 Sumário

50 Reflexão e acçãoCondições ambientais, pedagógicas e psico-sociais nas escolas: uma visão da gestão escolarIsabel Baptista, Margarida Gaspar de Matos; Celeste Simões, Mafalda Ferreira, Gina Tomé; Inês Camacho e José Alves DinizA apresentação dos resultados da análise às respostas de um questionário enviado aos conselhos executivos sobre as estratégias utilizadas pelas escolas para apromoção e educação para a saúde, bem como para integrar os alunos com necessidades educativas especiais é o objectivo deste artigo.

54 Meios e materiais

60 Visita de estudoNa pista de Diogo Alves, pelo Aqueduto das Águas LivresElsa de BarrosAtravessar o Aqueduto das Águas Livres, avistando Lisboa de cima, é uma verdadeira aventura para os alunos que, através de explicações e de jogos, conhecem histórias do tempo em que o Aqueduto foi construído.

64 Campanha de sensibilizaçãoInteragir com o mundo através de Educação para o DesenvolvimentoTrabalhar a Educação para o Desenvolvimento nas escolas é o objectivo desta campanha

66 Com olhos de verAzulejos no metroGuilherme RodriguesOs painéis de azulejos do metro de Lisboa sãoponto de partida para o estudo do azulejo em Portugal.

DestacávelTeresa Fonseca, Rosário Tavares (Bedeteca de Lisboa)Apresenta um conjunto de actividades, destinadas a alunos do ensino básico, que constituem um desafio para a incursão no mundo da banda desenhada

ERRATA: Lamentamos que, por lapso, a autoria das fotografias da rubrica Diário de um Professor, publicada no n.º 74, foi trocada, tendo sido atribuída a Henrique Bento, em vez de a Carlos Silva.

Page 5: noesis75

BONS PARCEIROS

É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança

Este velho provérbio africano que Hillary Clinton gostava de citar exprime a principal razão de a escola procurar parcerias na comunidade. É toda a sociedade que se deve sentir responsável pela “criação” das crianças, pela sua educação, pelo seu desenvolvimento harmonioso e saudável.Estas parcerias - com outras instâncias públicas (como o Centro de Saúde, o Museu ou a Biblioteca...), com entidades empresariais (para organização de estágios para os alunos ou ajudas na reorganização e gestão das escolas...) e com Organizações Não Governamentais (ONGs) não lucrativas e dedicadas a temas vários como os Direitos Humanos, a Protecção do Ambiente ou o Desenvolvimento Sustentável – permitem enriquecer a oferta educativa da escola proporcionando-lhe mais e diferentes recursos materiais e humanos.A ideia de abrir a escola ao meio não é recente. Há muito que se defende uma maior interacção entre a escola e a comunidade onde esta se insere, quer pela “saída” dos alunos em idas (ao teatro, ao cinema, ao museu...), visitas (a um jornal, a uma rádio, a uma empresa...) e estágios, quer pela “entrada” na escola, primeiro dos pais e outros familiares, depois de artistas, contadores de histórias, artesãos, operários ou empresários. A intenção é ir ao encontro dos interesses dos alunos ou despertar-lhes novos interesses, ajudá-los a ultrapassar certas dificuldades, proporcionar-lhes experiências que por si sós não teriam, enriquecer as suas aprendizagens e suscitar-lhes hábitos de consumo cultural de qualidade além de lhes permitir um conhecimento mais rigoroso da realidade, do mercado de trabalho local e uma orientação vocacional e profissional mais alargada.Estas intenções permanecem no conceito de parcerias mas estas implicam um projecto mais elaborado e por vezes uma maior formalização. Implicam uma certa continuidade: não se trata de uma relação permanente nem de uma acção pontual. Trata-se de uma relação que se estabelece com vista a contribuir para que a escola atinja determinados objectivos. Implicam a ideia de uma contratualização: não necessariamente sob a forma de contrato escrito mas clarificando os papeis de ambas as partes e as responsabilidades que assumem. E implicam que o interesse superior da criança seja o critério norteador de qualquer projecto e de toda a acção.No dossier deste número dedicado às Parcerias apresentam-se sugestões de boas parcerias, recomendações para que sejam bem sucedidas, exemplos de práticas interessantes e de recursos a não perder.

Maria Emília Brederode Santos

Editorial

Page 6: noesis75

06 07 Notícias... entre nós

“CADEIRA PARADE” EM LONDRES?

O projecto “Cadeira Parade” é inspirado no “Cow Parade”, do Suíço Pascal Knapp. Desenvolvido na Escola EB 2,3 de Cristelo, no concelho de Paredes, distrito do Porto, este projecto foi lançado pelo Departamento de Artes e Tecnologia e envolveu todas as turmas da escola dos 2.º e 3.º ciclos. Foram realizados projectos baseados nos mais diversos artistas plásticos, desde Almada Negreiros a Pablo Picasso, passando por Paula Rego. A “Cadeira Parade” é constituída também por algumas cadeiras redesenhadas pelos professores, cuja temática foi livre.Para a concretização destas obras criativas, foi proposta uma parceria à Câmara Municipal de Paredes, que se prontificou a apoiar, fornecendo alguns materiais necessários à sua realização, bem como a intervir junto dos industriais do mobiliário do concelho, no sentido de fornecerem cadeiras em “branco” à escola.A “Cadeira Parade” tem tido tal sucesso que tem viajado pelo país e participado em diversas exposições.Um representante da Tate Modern de Londres visitou a exposição, em Julho passado, no Pavilhão Rota dos Móveis, em Lordelo. Fascinado com o que viu, comentou a possibilidade de a “Cadeira Parade” viajar até Londres. Ainda nada está decidido, no entanto alunos e professores já se sentem orgulhosos pelo trabalho ter sido valorizado por uma instituição altamente conceituada no campo das artes.Será que vai ser possível apreciar, na Tate Modern, a “Cadeira Parade” da Escola EB 2,3 de Cristelo? ::Para acompanhar o projecto consultar: http://cadeiraparade.blogspot.com/ Susana Faustino, Filipa Fonseca e Sandra SousaEscola EB 2,3 de Cristelo

CAMPEõES DE PARCERIAS

Há sem dúvida agrupamentos de escolas campeões de parcerias. Como o dossier deste número é dedicado a este tema, referem-se dois exemplos, de entre vários, de escolas ou agrupamentos existentes no país que têm tido essa prática continuada.Um, o Agrupamento de escolas Dr. Costa Matos, de Vila Nova de Gaia, apresenta parcerias consolidadas com mais de uma dezena de instituições vizinhas, que vão desde o Centro de Saúde de Barão do Corvo, (análise e elaboração conjunta das ementas da escola) à Fundação Biológica (na protecção da biodiversidade), passando pelo Centro Comunitário de Mafamude (num projecto de combate ao insucesso e abandono escolares para alunos de etnia cigana). O site do Agrupamento, alojado na escola sede, http://www.eb23-teixeira-lopes.rcts.pt/ dá conta das suas dinâmicas. O outro, o Agrupamento de Escolas de Cacia, em Aveiro, trabalha com escolas de vários países, nomeadamente do Japão, da Bélgica, da Rússia, de Itália e do Canadá, estando a desenvolver os seguintes projectos: Cotton2; Friendship, a treasure; Conectando Mundos; e The little Earth Charter. Pode conhecer o trabalho desenvolvido pelo agrupamento, em parceria com as escolas dos diferentes países em http://users.prof2000.pt/wtcacia/. ::TF

NOVA EDIçãO DO CONCuRSO NACIONAL DE LEITuRA

O Plano Nacional de Leitura (PNL), em articulação com a Rádio e Tele-visão de Portugal (RTP), a Direc-ção-Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB) e a Rede das Bibliotecas Escolares, promove, neste ano lec-tivo, mais uma edição do Concurso Nacional de Leitura.Esta iniciativa pretende estimular a prática da leitura, e avaliar a leitura de obras literárias, entre os alunos do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário. O Concurso Nacional de Leitura decorrerá em três fases diferentes: a primeira, a realizar nas escolas; a segunda, nas bibliotecas municipais, designadas pela DGLB, e a terceira, correspondente à final nacional, será realizada em Lisboa, em colabo-ração com a RTP.A participação no concurso está aberta a todas as escolas e a todos os alunos do 3.º ciclo e do ensino secundário, independentemente da sua nacionalidade. As inscrições no Concurso Nacio-nal de Leitura decorrem entre 15 de Outubro e 31 de Dezembro, e deve-rão ser efectuadas por via electróni-ca, através de uma ficha disponível na página do PNL. ::Para mais informações, consultar a página do PNL .

Page 7: noesis75

DARWIN NA GuLBENkIAN

A exposição “A evolução de Darwin”, a inau-gurar em Fevereiro de 2009, assinala o bicen-tenário do nascimento de Charles Darwin, a 12 de Fevereiro de 1809, e os 150 anos da publicação “A origem das espécies”.Esta mostra, apresentada pela Fundação Calouste Gulbenkian, em colaboração com o Museu de História Natural de Nova Iorque, dá a conhecer a teoria da evolução de Darwin, marco importante da história da ciência, sobretudo da biologia, da farmacologia e da medicina contemporâneas. A concepção do mundo e da vida, depois das descobertas de Darwin, ganhou um novo sentido e uma nova percepção das relações entre os seres e a sustentabilidade ecológica. A par desta iniciativa, vão decorrer outras actividades, destacando-se um ciclo de conferências com o tema “No caminho da evolução”, e um programa educativo aberto a todas as escolas dos ensinos básico e secundário, do qual se realça o lançamento do concurso “Darwin regressa às Galapos”.Inspirado na segunda viagem que o cientista fez ao arquipélago, na qual decidiu levar con-sigo um assistente, o concurso desafia as escolas a apresentarem um candidato, por meio de uma carta dirigida ao cientista. O regulamento pode ser consultado no site da Fundação Gulbenkian, em www.gulbenkian.pt/darwin.A Direcção-Geral Inovação Desenvolvimento Curricular apoia o ciclo das conferências “No caminho da evolução” e uma discussão temática no blog http://a-evolucao-de-darwin.weblog.com.pt ::Ana Roque

ANO INTERNACIONAL DA ASTRONOMIA 2009 COMEMORADO NAS ESCOLAS PORTuGuESAS

O Ano Internacional da Astronomia 2009, uma iniciativa a nível mundial, organizada em Portugal pela Sociedade Portuguesa de Astronomia, propõe actividades para as escolas que incluem concursos, sessões de observação e oficinas, destinadas a alu-nos e a professores.A comissão nacional, responsável pela elaboração do plano de ac-tividades, prestará o apoio necessário às escolas para a realização das actividades previstas ou de outras propostas por parte dos es-tabelecimentos de ensino.Esta iniciativa conta com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, da Agência Nacional Ciência Viva e da Fundação Calouste Gulbenkian. ::Para mais informações, consultar www.astronomia2009.org EB

CONTINuAR A FESTA DA VOz…

O desafio lançado a todas as escolas dos ensinos básico e secun-dário, em 2007, através da comemoração do Dia Mundial da Voz,

vai ter continuidade neste ano lectivo.Com o objectivo de sensibilizar a comunidade educativa para a importância

dos cuidados que a voz requer e do trabalho precoce que é possível começar a desenvolver, visando a prevenção de problemas de saúde ligados ao aparelho vocal, a Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (DGIDC), em colaboração com o Departamento de Otorrinolaringologia, Voz e Perturbações da Comunicação do Hospital de Santa Maria/Faculdade de Medicina de Lisboa, convida as escolas a desenvolverem um conjunto de actividades de diversa natureza, relacionadas com a voz.As actividades culminam no Dia Mundial da Voz, comemorado a 16 de Abril, através da realização da Festa da Voz, em todas as escolas que aderirem ao projecto, de acordo com uma programação definida pelos estabelecimentos de ensino.No ano lectivo de 2007/2008, foram muitas as escolas que participaram na iniciativa e que, com muita criatividade, trabalharam a voz em diversos contextos, desenvolvendo activida-des diversas. De norte a sul do país, as escolas organizaram acções de formação; promoveram ras-treios da voz e sessões informativas com terapeutas da fala e outros profissionais de saúde; cantaram e gravaram músicas em CD; organizaram espectáculos de teatro e de música; criaram concursos de texto/desenho; organizaram exposições com trabalhos dos alunos; criaram Clubes da Voz e deram novo fôlego aos Clubes de Teatro; prepa-raram sessões de texto declamado e fizeram estudos e apresentações em PowerPoint, entre outras iniciativas.Assim, apelamos a todas as escolas a participarem activamente em 2009, com a sua Festa da Voz. Para mais informações, pode consultar o site www.dgidc.min-edu.pt e con-tactar a DGIDC, para o número 21.393 45 33. ::Isabel SousaDirecção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular

Page 8: noesis75

08 09 Notícias... entre nós

À DESCOBERTA DA ARQuITECTuRA

No âmbito das comemorações do Dia Mundial da Arquitectura para o ano de 2008, a Ordem dos Arquitectos centrou as actividades no desenvolvimento do seu serviço educativoe de eventos de arquitectura dirigidos a crianças. Procura-se, assim, despertar e estimular nas crianças o gosto e o sentido pela Arquitectura, fornecendo-lhes as ferramentas necessárias para observarem, participarem e contribuírem de uma forma activa, consciente e decisiva para um ambiente melhor. Para fomentar o encontro entre as crianças e a arquitectura, a cidade e o património, a Ordem dos Arquitectos lançou, numa tentativa de estabelecer uma parceria em rede, o desafio a diversas instituições nacionais ligadas à cultura para integrarem nos seus pro-gramas actividades pedagógicas de incentivo à qualidade e sustentabilidade das nossas cidades e do nosso território. O passo seguinte para a Ordem dos Arquitectos, imprescindível para a enquadramento de todas as crianças e jovens, será conseguir chegar às escolas. ::TF

O FuTuRO TEM SAíDA NA FuTuRáLIA

“O futuro tem saída” − é este o lema da 2.ª edição da Futurália, a Feira da Juventude Qualificação e Empre-go, que irá decorrer entre os dias 10 e 13 de Dezem-bro de 2008, na Feira Internacional de Lisboa (FIL). Durante quatro dias, o recinto da FIL vai ser palco de uma grande mostra que integra escolas secundárias e profissionais, universidades (nacionais e estrangei-ras), associações, entidades institucionais, organiza-ções e empresas. Para além da tradicional mostra, haverá espaços de informação, orientação, anima-ção, experimentação, demonstrações, espectáculos, teatro, música, workshops, seminários e outras acti-vidades dedicadas aos temas da empregabilidade, empreendedorismo, inovação e criatividade. Na segunda edição, é dada ênfase à educação (sobre-tudo ao 12.º ano como patamar mínimo de qualifi-cação), sem que sejam descuradas as temáticas do ensino superior, da formação avançada e ainda da formação especializada para quadros superiores. Neste sentido, a Futurália abre as portas a um público mais vasto, desde a faixa etária dos 15 anos (idade de definição de um percurso escolar de nível secundário), prosseguindo pela idade adulta, asso-ciada à construção ou à redefinição de uma car-reira profissional. Temas como a escola do futuro, educar para liderar, novas competências e desafios na gestão das pessoas, a Iniciativa Novas Oportuni-dades e o e-learning fazem já parte da agenda dos workshops e seminários. Na feira, não faltará informação sobre percur-sos profissionalizantes ao dispor dos mais jovens, ofertas de qualificação avançada para activos e de educação e formação secundária e pós secundária, inserção na vida activa, bem como serviços e equi-pamentos de apoio à educação e formação. O evento é uma iniciativa conjunta da Associação Industrial Portuguesa/FIL e da Câmara Municipal de Lisboa, contando, este ano, com o apoio de uma Comissão Consultiva, presidida por Marçal Grilo. :: Para mais informações e marcação de visitas de estudo, aceda a www.futuralia.fil.pt. Dora SantosAgência Nacional para a Qualificação

PERFIL DO DOCENTE 06/07

O “Perfil do Docente 06/07”, publicado pelo Gabinete de Es-tatística e Planeamento da Educação (GEPE), fornece infor-mações sobre a distribuição, por níveis de ensino e por gru-po de recrutamento, de educadores e professores, sobre as suas características individuais – idades, sexo e habilitações académicas – e acerca do exercício da profissão.A informação refere-se ao continente, abrangendo os do-centes em exercício de funções, desde o pré-escolar ao secundário, nos sectores público e privado.

Os dados foram organizados de modo a possibilitar a comparação entre níveis de edu-cação e de ensino, ao longo do tempo, desde 1997/1998 até 2006/2007, e entre grupos de docência.No sector público, em 1997/1998, o número total de professores era 139 941, e em 2006/2007 o sistema contava com 140 647 professores. À excepção do pré-escolar, onde o número de educadores continua a aumentar, o número de docentes tem vindo a reduzir progressivamente , acompanhando a diminuição da taxa demográfica. Relativamente aos níveis de educação e de ensino, em 2006/2007, existiam 9793 edu-cadores de infância, 28 687 professores do 1.º ciclo, 27 864 professores do 2.º ciclo e 74 303 professores do 3.º ciclo e do ensino secundário.Quanto às habilitações académicas, é de salientar que a grande maioria dos docen-tes possui o grau de licenciado, registando-se uma maior incidência de mestrados e doutoramentos nos professores do 3.º ciclo e do ensino secundário.Desde 1997/1998, verificou-se, de um modo geral, uma descida da relação do número de alunos por docente, tendo-se registado uma ligeira inversão desta situação a partir de 2005/2006. Este estudo demonstra que a relação do número de alunos por educador/professor é inferior no ensino público comparativamente com o ensino privado. ::Para mais informações, consultar www.gepe.min-edu.pt.

Page 9: noesis75

Notícias... além fronteiras

PRIMEIRO ENCONTRO EuROPEu DE JOVENS FORMANDOS

Mais de 12 mil alunos de cursos profissionalizantes dos 27 países da União Europeia reuniram-se, no dia 3 de Outubro, em Paris, num encontro que pretendeu encorajar a mobilidade dos jovens, no decurso da sua formação, por vários países europeus. Promovido por França, no âmbito da presidência da União Europeia, este evento insere-se numa resolução do Conselho da União Europeia, que visa a promoção da dimensão europeia no ensino e na formação de profissionais, como meio facilitador da empregabilidade, da coesão social e da cidadania activa.O ensino e a formação profissionais na União Europeia caracterizam-se por uma grande diversidade de legislação, estruturas de ensino e de for-mação e o alargamento da União Europeia aumentou esta diversidade.Criar um espaço europeu de conhecimento é a forma não só de tirar par-tido dessa diversidade, como de a manter e proteger. ::RS

PORQuê A BATATA?

Prevê-se que, nos próximos 20 anos, a população mundial conte com mais 100 000 milhões de pessoas. Mais de 95 por cento desse aumento de população vai ocorrer nos países em vias de desenvolvimento, onde existem problemas de água e terra. Portanto, o mundo enfrenta um desafio: o de garantir a segurança alimentar das gerações actuais e futuras.Conscientes da gravidade dessa previsão, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e a Organização das Nações Unidas (ONU) entenderam declarar 2008 como o Ano Internacional da Batata, para evidenciar como esse “humilde tubérculo” pode ajudar na resolução dos problemas alimentares mundiais. A batata (Solanum tuberosum) tem a sua origem nos Andes, na América do Sul, julga-se que há mais de 8000 anos, e foi trazida para a Europa pelos espanhóis no século XVI. O seu consumo popularizou-se de tal forma que hoje em dia é parte integrante da dieta alimentar de todo o mundo ocidental, graças, sobretudo, à versatilidade da sua utilização: cada país possui uma extensa variedade de receitas, incluídas quer nas mais elaboradas das ementas quer nas mais singelas. Rica em carbohidratos (cerca de 25 por cento do peso do produto fresco), é uma das melhores fontes de energia de entre as raízes e tubérculos de cultivo, correspondendo os aminoácidos que contém às necessidades humanas. Tem também vitamina C que satisfaz metade da ingestão diária clinicamente recomendada e, ainda, potássio em quantidades apreciáveis para uma dieta equilibrada.Presente no quotidiano da alimentação dos portugueses, tem uma aplicação imediata nas sopas, que constituem uma das bases de uma alimentação saudável. Estimular o consumo da sopa, e orientar para um consumo saudável da batata, pode ser um desafio interessante em actividades ligadas a um projecto educativo. Por outro lado a introdução da batata na Europa, a forma como foi incorporada na alimentação, o seu cultivo e as diversas espécies que é possível obter são temas que podem ajudar a promover e realçar a importância de uma alimentação saudável. E já agora: será verdade que as batatas podem ser venenosas? ::Para saber mais e encontrar sugestões de actividades,consultar o site http://www.potato2008.org/es/index.htmlAna Roque

ALuNOS DESENHAM T-SHIRT PARA ASTRONAuTA

A Agência Espacial Europeia (ESA) convida todas as crianças residentes ou naturais de um Estado-membro, com idades entre os 6 e os 12 anos, a participar num concurso para desenhar uma T-shirt que o astronauta Frank De Winne usará na sua missão à Estação Espacial Internacional, no próximo ano. O vencedor, bem como todos os colegas de turma, terá oportunidade de falar com Frank De Winne enquanto ele estiver no espaço. Os professores deverão ser informados se um dos seus alunos participar, e a ESA ajudará a organizar o evento.Frank De Winne, de nacionalidade belga e membro do Corpo Europeu de Astronautas, voará até à Estação Espacial Internacional. O astronauta passará seis meses a bordo da estação e realizará experiências científicas desenvolvidas por cientistas de vários países. Durante a sua missão, o astronauta irá também dar duas aulas, a partir do espaço, aos alunos na Terra. Para esta ocasião, o Winne usará a T-shirt vencedora. ::Para mais informações, consultar: www.esa.int/esacp/index.html

Page 10: noesis75

10 11 Diário de um professor

Acabada de formar, o convite para trabalhar num colégio com crianças surdas começou por deixar Carmo Cravo assustada. Mas o certo é que, quando, posteriormente, foi leccionar para o ensino regular, percebeu que o seu caminho passava por voltar a trabalhar com surdos. Complementou a formação de ordem prática com um curso em Educação Especial e, actualmente, é coordenadora da escola de referência para a educação bilingue de alunos surdos, em Lisboa.Fotografias de Carlos Silva

Diário de Carmo Cravo

Ano de 1981Há tanto, tanto tempo…Parece que foi há tanto tempo que eu, acabada de formar, fui convidada por uma colega para trabalhar num colégio. O susto foi grande quando, em Julho de 81, toquei à campainha, entrei e me disseram que era um colégio de crianças surdas oriundas de várias partes do país. Tratava-se do Colégio de Surdos-Mudos da Imaculada Conceição.Na minha formação nunca se tinha falado de crianças surdas. Mas tinha energia que bastasse para aceitar o desafio, desde que, antes de Outubro, me dessem alguma formação. Assim foi, e o entusiasmo dissipou as

dúvidas e o receio de não ter competência.Iniciava-se nesta altura a grande discussão sobre a educação das crianças surdas

– linguagem oral versus linguagem gestual. Podia observar como os alunos falavam com gestos fluentes, verificando-se uma excelente comunicação

entre eles.Nas aulas reproduziam algumas palavras, ou simplesmente sons,

tentando imitar a articulação que viam os ouvintes fazer. Os meus alunos tinham entre 12 e 14 anos, pelo que faziam uma leitura da fala muito razoável. Mas, dos conteúdos ensinados, verificava-se que só uma parte

muito reduzida era assimilada.Fiquei dois anos nesse colégio, onde aprendi muito, especialmente a “arte

de desmutizar” ou ensinar a reproduzir sons, com a Irmã Aurélia, a quem devo uma atitude de delicadeza e respeito pela pessoa surda. Lembro-me que, por mais pressa que tivesse, se uma criança se dirigisse a ela, ficava

todo o tempo necessário para a compreender ou fazer-se perceber.Muitas vezes, ela dizia “Carmo, veja como eu faço!” e, nesta simplicidade, a

formação em exercício acontecia.No colégio, a discussão sobre o ensino da linguagem oral

agudizava-se e eu senti que tinha de me retirar porque não tinha formação nem maturidade profissional para escolher o que era

melhor para os alunos.Experimentei, então, durante três anos o ensino dito regular. Mas os meus sonhos passavam, a todo o momento, por crianças surdas.

Page 11: noesis75

Ano de 1989A grande decisãoOutra experiência muito importante aconteceu na minha vida num Programa Interministerial de Promoção do Sucesso Educativo, junto da Secretaria de Estado da Reforma Educativa. Com a responsabilidade da formação de professores para a reforma que se estava a implementar, fui levada a reflectir sobre o que queria realmente fazer e, de imediato, propus-me ir para a Casa Pia trabalhar, de novo, com surdos.Regressei com muita alegria e rapidamente me apercebi que era urgente estar atenta aos alunos em contextos informais para aprender os seus gestos, ou melhor, a sua forma de comunicação.Nestes anos, mantinha-se ainda a discussão sobre educação de surdos, mas já havia mais certezas: os surdos tinham a sua própria língua, a Língua Gestual Portuguesa (LGP), que viria a ser reconhecida anos mais tarde pela Assembleia da República.Este reconhecimento trouxe, para nós, professores, novos desafios. Tínhamos de encontrar novas formas de ensinar os alunos respeitando a sua língua “materna”(para os filhos de pais surdos) ou “natural” (para os filhos de pais ouvintes). Os métodos oralistas estavam experimentados e dispúnhamos de bons formadores no país. Já para uma educação de surdos com base na respectiva língua gestual apenas sabíamos que tal existia noutros países. Mas, em Portugal, não havia, à época, professores surdos e os professores ouvintes estavam ainda a começar a aprender LGP com todas as limitações de quem aprende uma língua em adulto e num modo totalmente distinto – uma língua visual.

Ano de 1994Aprender mais!Tive a oportunidade de fazer o Curso de Educação Especial, especializando-me em Problemas Graves de Comunicação. O curso muniu-me de conhecimentos para uma boa reflexão sobre a surdez, mas não de uma metodologia para agir.No Instituto Jacob Rodrigues Pereira da Casa Pia de Lisboa, iniciou-se então a implementação do Método de Ensino Bilingue – Língua Gestual Portuguesa e Língua Portuguesa Escrita. Pela primeira vez, foram contratados surdos adultos como formadores de LGP. A presença de surdos adultos no meio das crianças veio aumentar a sua auto-estima e criar expectativas em relação ao seu futuro.A implementação do método bilingue não era pacífica, pelo que foi desenvolvido um projecto de investigação/acção. Diariamente, era apresentado um texto aos alunos, cujo assunto era explorado em LGP pela formadora, e depois estudado formalmente na estrutura escrita, pela professora de língua portuguesa. Nós, professores, recebiamos formação e devíamos realizar as actividades tal e qual como nos era pedido. Mais uma vez, o

meu lado emocional reagiu e não aguentei ser apenas um instrumento entre as mãos do investigador e a pequena cobaia (o aluno surdo). Não me cabendo a mim pensar e participar na discussão, resolvi sair do Instituto Jacob Rodrigues Pereira.

Ano de 1998Pôr de pé um projectoFui convidada a abrir um colégio da Santa Casa da Misericórdia na Amadora, primeiro como directora e mais tarde como elemento da Mesa Administrativa (pelouro da Educação). O colégio tinha as valências de creche, jardim-de-infância,

Page 12: noesis75

12 13 Diário de um professor

1.º ciclo e actividades de tempos livres (ATL). Cinco anos depois, recebeu também as valências de 2.º e 3.º ciclos do ensino básico. Este trabalho, desenvolvido em regime de voluntariado, representou uma fase muito importante da minha vida, que me exigiu uma reflexão profunda sobre educação. Conscientemente, troquei uma formação académica – o mestrado – pela dedicação à educação nesta instituição.A gestão dos centros é tão importante na vertente financeira como pedagógica, mas foi sobre a última que o meu trabalho foi realmente importante e frutuoso. Levei muito a sério a formação do pessoal docente e não docente, tendo mesmo a meu cargo o acompanhamento pessoal dos coordenadores pedagógicos da creche e do pré-escolar, bem como de todos os professores, sobretudo os do 1.º ciclo. O meu plano era proporcionar uma discussão/reflexão semanal entre pares sobre a prática pedagógica, construindo aquilo a que chamava uma pedagogia de “bom senso”, buscando nas diferentes metodologias o que melhor servia os interesses e necessidades dos alunos. Não poderei deixar de referenciar um pedagogo pouco conhecido – Joseph Kentenich – que, desde muito cedo, influenciou a minha vida. Para ele, o respeito pelo indivíduo e a sua liberdade era fundamental.Considero os nove anos dedicados a esta tarefa dos mais felizes da minha vida profissional, pelo que me fizeram crescer como pessoa e, sobretudo, como professora, pela reflexão e pelo estudo que enriqueceram a minha prática pedagógica nas escolas onde leccionava.

Ano de 1999Da itinerância ao dia -a-dia de uma escolaNo concurso para os apoios educativos, da Direcção Regional de Educação de Lisboa, fiquei colocada na Amadora. Fazia itinerância em quatro escolas, tendo, na Escola EB 2,3 José Cardoso Pires, uma aluna surda profunda. Por opção dos pais, esta aluna deveria fazer uma educação oralista. Foi um trabalho intenso com todo o conselho de turma dedicadíssimo e muito apoio da presidente do conselho executivo. Mas era notório que a nossa menina não estava integrada como se queria, faltavam-lhe os pares com quem poderia estabelecer

uma verdadeira comunicação na língua que lhe era natural.Entretanto, em 2002, a colocação nas unidades de apoios educativos passou a ser nominal. Um telefonema de uma colega, à procura de alguém que já tivesse experiência com alunos surdos, proporcionou-me ser colocada na Escola das Laranjeiras (Escola EB 1 n.º 120). Esta escola era um pólo da Unidade de Apoio à Educação de Alunos Surdos de Lisboa (UAEAS). Aí, voltei a ter uma turma de 1.º ciclo com os “meus alunos” e um grupo de colegas com quem era possível discutir e partilhar os sucessos e fracassos do nosso dia-a-dia. Foi sempre desta forma que mais aprendi como professora: com outros colegas. De todos, há uma, Filomena Martins, que não posso deixar de referir pela sua paixão e entrega à educação dos surdos e a quem muito agradeço as suas “provocações”.Para o exercício da docência com estas crianças, com quem é fundamental comunicar, mais uma vez me foi imprescindível dar continuidade à aprendizagem da LGP. No entanto, não tenho dúvidas de que era nas horas em que o formador de LGP estava em simultâneo comigo, na sala de aula, que a minha mensagem passava de facto aos alunos, através dele.

Ano de 2006 Ser professora de Educação EspecialAbriu finalmente um quadro para professores de Educação Especial e eu fiquei colocada no Agrupamento de Escolas Quinta de Marrocos na qual funcionava a UAEAS, com cerca de 45 alunos dos 2.º e 3.º ciclos.Como professora de Educação Especial, dou apoio a alunos surdos que frequentam a escola em turma de surdos, ou integrados com ouvintes. Nas diferentes disciplinas, os alunos dispõem de intérprete de LGP (não em todas

Page 13: noesis75

Bloco de notas

as aulas, por escassez de recursos), de formação em LGP extra-horário e de sessões de terapia da fala.O meu apoio dentro e fora da sala tem como objectivo desenvolver a linguagem oral e escrita nos seus domínios sintácticos, morfológicos e lexicais, utilizando a língua portuguesa ou a língua gestual portuguesa para aceder à compreensão do aluno.Por delegação de competências do presidente do conselho executivo da Quinta de Marrocos foi-me atribuída, em 2007, a coordenação da UAEAS de Lisboa. Estas funções nunca foram muito definidas em termos pedagógicos. A função principal residia no pedido de contratação dos diferentes técnicos necessários às UAEAS – formadores de LGP, intérpretes de LGP e terapeutas da fala. Passei também a assessorar o conselho executivo para os assuntos do 1.º ciclo do ensino básico e da Educação Especial.Neste mesmo ano, a Quinta de Marrocos integrou uma turma de 1.º ciclo de alunos surdos dos 3.º e 4.º anos de escolaridade.Foi um ano duma intensa actividade na escola, envolvendo o apoio aos alunos, a articulação/apoio aos professores e técnicos, o acompanhamento às famílias, além de outras tarefas difíceis de descrever mas inerentes às múltiplas funções de um professor na escola actual.

Ano de 2008Afirmação da Língua Gestual PortuguesaO Ministério da Educação, em Janeiro do corrente ano, aprovou uma legislação que permite ao aluno surdo ter LGP como primeira língua, criando um currículo próprio.O Agrupamento Quinta de Marrocos passou a ser designado como Escola de Referência para o Ensino Bilingue de alunos surdos.Assim se inicia uma nova fase para as crianças surdas, cujas famílias optem por lhes possibilitar o acesso a uma língua “materna”/“natural”, proporcionando-lhes o domínio de uma linguagem bem estruturada.Como professora de Educação Especial e assessora do conselho executivo, sinto-me particularmente responsável por iniciar um novo processo educativo para os alunos surdos, procurando, com toda a comunidade educativa, encontrar as melhores estratégias que permitam às crianças e jovens surdos ter as mesmas oportunidades que os outros e, sobretudo, serem felizes! ::

Lingua Gestual Portuguesa

Eu gosto

muito de futebol

Eu penso

ser actor

Emanuel Furtado

Filipe Simões

Page 14: noesis75

RELATóRIO ByRON: CRIANçAS MAIS SEGuRAS NuM MuNDO DIGITAL

Texto de Teresa GasparIlustração de Margarida Moreira

A partir do Relatório Byron, um estudo sobre os riscos para as crianças de material potencialmente inapropriado e prejudicial difundido na Internet e em jogos de vídeo, o governo inglês lançou um plano de acção para proteger os mais novos e dar orientação às famílias.

14 15 Lá fora

Em Setembro de 2007, o Primeiro- -Ministro inglês pediu a Tanya Byron, conhecida psicóloga especializada em problemas de desenvolvimento da criança e do adolescente, que realizasse um estudo sobre os riscos, para as crianças, de material potencialmente inapropriado e prejudicial difundido na Internet e em jogos de vídeo. O relatório do estudo foi divulgado no final de Março deste ano e deu já lugar a um plano de acção do governo, designado The Byron Review Action Plan1. A seguir, apresenta-se uma síntese das linhas de acção nele contidas.

METODOLOGIA DE ELABORAçãO DO RELATóRIOTanya Byron preocupa-se, em primeiro lugar, em conhecer as necessidades das crianças e dos jovens no mundo das novas tecnologias, reconhecendo que estas oferecem muitas possibilidades de diversão, de aprendizagem e de desenvolvimento. Porém, as crianças encontram-se muito desprotegidas e mesmo os pais têm grande dificuldade em acompanhar a facilidade com que os mais novos aprendem a jogar os jogos ou a navegar na Internet. Daí que seja necessário encontrar um equilíbrio entre o direito de as crianças correrem riscos que fazem parte do seu próprio desenvolvimento e a garantia de que podem jogar jogos de vídeo e surfar na Internet de maneira segura e informada. O relatório baseia-se, assim, nas respostas a um questionário, de crianças, das quais 75 por cento com idades compreendidas entre os oito e os 15 anos; nos dados obtidos num inquérito dirigido a empresas e a instituições do sector das novas tecnologias, a profissionais ligados ao trabalho com crianças e jovens,

a pais, a investigadores e a um certo número de instituições públicas; bem como na revisão de literatura científica sobre o impacto dos media e o

desenvolvimento da criança. O material analisado circunscreveu-se à chamada área cinzenta, isto é, a jogos de vídeo classificados para 18 anos e a uma enorme variedade de conteúdos existentes online que, embora

legais, pudessem representar riscos para as crianças. Para identificar esses riscos, a autora relaciona as etapas

de desenvolvimento da criança e os processos

Page 15: noesis75

de aprendizagem característicos de cada idade com o desenvolvimento do cérebro na infância, particularmente do cortex frontal, cuja actividade é essencial na mediação da experiência e do comportamento. São estes os refe-renciais que lhe vão permitir defender a revisão da classificação por idades dos jogos e alertar para as condi-ções em que a experiência das crianças na Internet pode apresentar riscos.

AJUDAR AS CRIANçAS A GERIR OS RISCOS INERENTES ÀS NOVAS TECNOLOGIASA perspectiva de Tanya Byron é essencialmente globalizante e centra-se no modo como podemos ajudar as crianças a gerir os riscos a que estão expostas, do mesmo modo que as ensinamos a atravessar a rua em etapas sucessivas. É neste envolvimento que as crianças aprendem os diferentes códigos, reconhecem os comportamentos dos outros e aprendem a defender-se dos riscos.Para a classificação dos riscos em termos de conteúdo, contacto e conduta, usa o modelo desenvolvido pelo projecto EU Kids Online. Os dados obtidos mostram que há uma crescente exposição das crianças e dos jovens a conteúdos sexualmente inapropriados, a atitudes e ideias negativas, a conflitualidades (cyberbullying) e acesso a sites cujos conteúdos promovem comportamentos preju-diciais. Dada a natureza da Internet (anonimato, omnipresença e potencial de comunicação), a investigação tem mostrado que o comportamento das pessoas é diferente e o seu código de valores morais se altera, situação que se agra-va nas crianças e nos jovens, numa altura em que ainda estão a interiorizar as regras sociais do mundo real e não possuem a capacidade de interpretar e avaliar criticamente a informação ou de perceber como se devem comportar online. Já sobre os jogos de vídeo sabe-se que a excitação provocada por alguns jogos pode gerar sintomas de stress nas crianças, as percepções sobre o mundo real podem

ser afectadas pela dificuldade em distinguir entre os factos e a ficção e ainda a natureza interactiva dos jogos pode ter um efeito mais profundo que o de outros media que apresentam narrativas sobre ideias e valores, pois a criança aprende fazendo, num constante movimento de estímulo-resposta.Segundo a autora, a prevenção de todos estes riscos deve, assim, organizar-se em torno de três objectivos: reduzir a existência de material inapropriado e prejudicial nos sites mais vistos da Internet, o que terá de ter a colaboração da indústria; restringir o acesso das crianças, implicando mais os pais no modo como controlam e gerem o acesso dos seus filhos a esse material; e aumentar a capacidade das crianças para navegarem de forma mais segura, desenvolvendo a sua resiliência à exposição do material a que podem ter acesso.Para tal, recomenda a adopção de uma estratégia que envolva o governo, a indústria de novas tecnologias, os pais e todos os outros parceiros na criação do que chama e-safety.

O PLANO DE ACçãOO governo inglês aceitou todas as recomendações feitas no Relatório Byron e lançou, no passado mês de Junho, um plano de acção para a sua implementação, o qual se organiza em torno de seis grandes objectivos: criação do Conselho para a Segurança da Criança na Internet (UK Council for Child Internet Safety), melhor regulação do sector, informação do público e consciencialização das medidas de e-safety, melhor educação para as crianças e suas famílias, reforma do sistema de classificação de jogos de vídeo, e melhoria da informação e do apoio às famílias sobre jogos de vídeo. Para a regulação do sector prevê-se que a indústria possa desenvolver, de forma independente e voluntária, um código de práticas que modere o acesso a conteúdos, fixe os limites de busca na Internet e permita introduzir nos computadores vendidos para utilização doméstica um controlo de software pelos pais. Quanto aos jogos de vídeo, será feita a alteração do sistema de classificação, tornando-o idêntico ao dos filmes e mais fácil para os pais, serão dadas orientações claras à indústria de produção sobre o modo de fazer publicidade aos jogos e serão dados estímulos para que desenvolva acções que visem aumentar a compreensão dos progenitores sobre as idades aconselhadas para os jogos e melhorar o seu controlo. :: 1 Consultar www.dfes.gov.uk/byronreview/

Page 16: noesis75

16 17 Entrevista Rui Gomes

Especialista no Conselho da Europa na área da Juventudee do Desporto, Rui Gomes considera que a Educação para a Cidadania Democrática deve partir da reflexão sobre casos concretos, ocorridos com os alunos, para posteriormente passar à fase da generalização, num processo que culmina com a assunção das responsabilidades inerentes à cidadania.

Entrevista de Maria Emília Brederode Santos e Elsa de BarrosFotografias de Carlos Silva

GomesRui

Page 17: noesis75

Do quotidiano aos princípios: o caminho para a cidadania

Qual a missão do Conselho

da Europa?

Em termos gerais, é a promoção, a nível europeu, dos direitos humanos, da democracia e do estado de direito. Neste contexto, para o Conselho da Europa, a intervenção na educação é um meio de assegurar a sua missão. Para criar uma Europa de paz, uma Europa de cooperação, tem de se criar condições para que os futuros cidadãos sejam mais abertos, mais receptivos e participem segundo os valores subjacentes à democracia e aos direitos humanos. Esta é a razão de ser da cooperação em matéria de educação que se tem desenvolvido, por um lado, na produção de materiais pedagógicos e, por outro, através de projectos específicos, como por exemplo o da Educação para a Cidadania Democrática. A educação é uma área bastante sensível. Nenhum governo abdica da sua soberania sobre esta matéria. Por isso, desenvolvem-se projectos-piloto, em que os governos participam voluntariamente. Não há normas concretas que sejam impostas mas é um quadro de cooperação que se tem revelado bastante frutuoso, porque depende da vontade dos estados--membros. Qual a especificidade do Conselho

da Europa relativamente a outras

organizações internacionais que

também tratam de educação?

Tal como a UNESCO ou a OCDE, o Conselho de Europa é uma

organização intergovernamental, o que o distingue da União Europeia. Trata-se de uma organização que congrega 47 estados-membros, mas, ao nível da educação, a Bielorrússia e o Vaticano também participam. É uma organização regional, ao contrário da UNESCO, que é uma organização mundial. O Conselho da Europa traduz, a nível europeu, os princípios universais da UNESCO. Relativamente à OCDE, a diferença consiste no facto de o Conselho da Europa se interessar pela educação como veículo de formação das futuras gerações, enquanto a OCDE se centra na educação como factor de desenvolvimento económico.O papel do Conselho da Europa

consiste em dar sugestões e não em

definir políticas educativas?

Há regularmente conselhos dos ministros da educação, onde se definem orientações, estabelecem princípios, desenvolvem formas de pôr em prática esses princípios e se promove a cooperação. Cada estado é soberano na sua autonomia mas, paralelamente, há uma cooperação política, em que o diálogo é muito importante para procurar consensos que são geradores não de decisão, mas sim de vontades, de valores.Com reflexos nas escolas?

Existem vários exemplos – e em Portugal certamente também – de,

por um lado, a realização de formação directa de professores e de formadores de professores e, por outro, de desenvolvimento de materiais pedagógicos que podem ser usados e adaptados nas escolas.E como se realiza a formação

de formadores?

Realiza-se sobretudo a partir de Estrasburgo, em estreita colaboração com os estados membros. Agora, vai ser aberto um centro em Oslo, na Noruega, especializado na formação intercultural de professores. Os formadores começam por frequentar cursos de cinco ou seis dias. De seguida, concebem um projecto, põem--no em prática na escola com os alunos e vão dando feedback, num processo de formação a distância. O projecto é depois avaliado e partilhado, servindo como ferramenta de formação, como método de aprendizagem. Trata-se de um exemplo concreto de como uma orientação geral se pode reflectir na escola. O Conselho da Europa acredita que o seu trabalho tem um impacto indirecto junto das autoridades nacionais. Apesar de não haver um sistema de controlo, há sempre o feedback das diversas organizações nacionais e as propostas apresentadas pelos estados-membros nas reuniões. O programa Pestalozzi, que a direcção da educação do Conselho da Europa desenvolve desde 1969, abrange cerca

Page 18: noesis75

de 2000 professores e formadores por ano. As formações têm sempre um tema (desde direitos humanos à violência na escola) embora exista sempre uma base comum de Educação para os Direitos Humanos e a democracia.Pressupõe-se que os formadores, que vêm de toda a

Europa, cheguem aos seus países e façam formação?

Exactamente, os formadores devem agir como multiplicadores. O facto de um formador ter cooperado com professores de outros países europeus vai abrir-lhe horizontes e perspectivas sobre formas de trabalhar. São formações interculturais onde não se aprende apenas com os formadores, mas também com os formandos dos outros países e essa aprendizagem é muito valiosa. Poderia concretizar, mencionando os projectos

desenvolvidos?

Temos tido sobretudo o projecto de Educação para a Cidadania Democrática que teve um ponto culminante, há três anos, com o Ano Europeu da Educação para a Cidadania. Esse projecto, com início há cinco anos, consiste em impulsionar, a nível nacional, projectos que integrem elementos de cidadania na educação. Passa pela participação dos alunos, pelos métodos de aprendizagem e pelas formas de avaliação do projecto. Disponibilizaram-se manuais de apoio, um sistema de indicadores de qualidade sobre Educação para a Cidadania Democrática e criou-se uma rede de coordenadores nacionais.O projecto de Educação para a Cidadania Democrática

ainda continua?

Continua. Trata-se agora de valorizar os manuais que foram desenvolvidos, de os integrar noutros projectos e de consagrar os princípios num documento político que poderá ser mesmo uma Convenção ou, pelo menos, uma Carta sobre a Educação para a Cidadania Democrática ou Educação para os Direitos Humanos. Com recomendações gerais?

Com recomendações gerais e talvez mais. Ainda se está a discutir se poderá ser uma convenção, um documento que vincule os estados signatários, ou apenas uma carta com recomendações gerais, mas com alguns objectivos e critérios de avaliação, etc. Há necessidade de estabelecer critérios, princípios, mas também objectivos que sejam um

18 19 Entrevista Rui Gomes

pouco mais concretos e que comprometam os estados--membros. Trata-se de uma matéria bastante sensível e é por isso que ainda está em discussão. Qual a importância da educação intercultural?

A educação intercultural foi, durante muito tempo, um projecto específico na área da educação, que depois foi absorvido pela Educação para a Cidadania Democrática. Esta tem de incluir uma vertente intercultural, porque as nossas sociedades são, cada vez mais, multiculturais. Daí que, a nível educativo, a interculturalidade se tenha tornado transversal a todas as disciplinas.Podia falar na campanha “Todos diferentes, todos

iguais”?

A campanha “Todos diferentes, todos iguais” foi uma campanha lançada pelo Conselho da Europa em 2006/2007, inspirada numa campanha contra o racismo, a intolerância, o anti-semitismo e a xenofobia, levada a cabo em 1995. A nova campanha, com os mesmos princípios orientadores, estava focada nos direitos humanos, na participação e na diversidade. Coordenada a partir de Estrasburgo, foi uma campanha descentralizada, organizada por comités nacionais, em cada país, o que conduziu a experiências muito diferentes em cada estado--membro. Há países, como a Suécia, onde a campanha vai decorrer até 2009/2010, enquanto noutros, como em Portugal, houve um esforço para mediatizar certas questões com o objectivo de chamar a atenção para temas específicos, como por exemplo a discriminação de pessoas com deficiência. Na conferência de avaliação da campanha, que decorreu em Portimão, em Janeiro deste ano,

Page 19: noesis75

A formação intercultural é muito importante para criar nos educadores uma visão mais global, mais crítica do que é a Europa e do que é a educação num contexto europeu.

prevaleceu a ideia de que a iniciativa valeu a pena, mas que, em muitos países, era necessário mais tempo para chegar mais perto dos jovens.Qual o objectivo do manual

produzido para esta campanha?

O objectivo do manual é apoiar os activistas da campanha nas acções de divulgação nas escolas, fornecendo-lhes alguns pontos de partida metodológicos e algumas pistas de acção. O manual “O Farol” e o kit pedagógico “Todos Diferentes –– Todos Iguais” que produzimos para a campanha de 1995 baseiam-se no mesmo princípio.Pode falar sobre o projecto dos

manuais de História?

Este é um projecto que se desenvolveu primeiro nos Balcãs, a propósito dos conflitos existentes nesta zona. O objectivo é encontrar meios de contar os factos históricos a partir de perspectivas diferentes, procurando que a educação sobre a História contribua para mudar mentalidades antagónicas e, por vezes, com visões bastante estereotipadas dos outros intervenientes no conflito. Não vamos mais longe: o mesmo acontecimento

educação não formal que, por serem traduzidos, utilizados em formações a nível nacional, regional e local, têm de facto um impacto directo e indirecto muito importante – como acontece com “O Farol”, hoje traduzido em mais de vinte e cinco línguas. O que se faz são complementos de formação contínua e, sobretudo, formação intercultural baseada na óptica de que a formação intercultural é muito importante para criar nos educadores uma visão mais global, mais crítica do que é a Europa e do que é a educação num contexto europeu. A educação não formal traduz-se

na acção das Organizações

Não Governamentais?

Sim, mas não só. Também se traduz na acção de animadores culturais, bem como na introdução de metodologias da educação não formal na educação formal.Que metodologias são essas?

São metodologias mais participativas e mais abertas, em que o processo é o mais importante. Isto não é exclusivo do sector da educação não formal. Aliás essa é, no fundo, a orientação de base do Conselho da Europa: a Educação para os Direitos Humanos

não é relatado da mesma forma por Portugal e por Espanha, desempenhando cada país, conforme a perspectiva, ora o papel de herói ora de vilão. O projecto dos Balcãs resultou na elaboração de linhas directrizes e de um guia para professores sobre a diversidade de perspectivas no ensino da históriaExiste um outro público com o qual

Conselho da Europa trabalha. As

propostas, neste caso, organizam-

-se por temas e não seguem

propriamente um currículo.

Eu trabalho no sector de educação não formal, domínio onde as ofertas temáticas não correspondem propriamente a um currículo. São processos que, sendo preparados, orientados, não integram nenhuma forma de reconhecimento ou validação. Tenta-se responder a necessidades apresentadas tanto pelos estados--membros como por organizações não governamentais que identificam áreas prioritárias como o anti-racismo ou o sexismo. Responde-se através de actividades de formação que valem mais pelo efeito multiplicador do que pela actividade em si. Existem exemplos de manuais para educadores na área da

Page 20: noesis75

20 21 Entrevista Rui Gomes

deve traduzir-se em matérias específicas, seja em aulas de Educação Cívica ou de Educação para a Cidadania. Deve haver também uma sensibilização geral do pessoal docente e do não docente para a importância de criar um ambiente educativo favorável aos direitos humanos, à participação, à não discriminação na escola, respondendo a situações de exclusão e envolvendo os alunos em projectos cívicos. Como se pode criar um ambiente na escola favorável à

educação para os direitos humanos?

Fará sentido aprender direitos humanos se a escola não for democrática? Não se pode aprender democracia num sistema não democrático. No entanto, os alunos só parcialmente são envolvidos nos processos de decisão e os professores têm, dependendo do país e da escola, uma margem de decisão muito limitada.Como é que a escola podia ser mais democrática?

Através de currículos mais abertos, de métodos menos formais, de formas de avaliação que respeitem mais os modos de aprender de cada aluno, de modos de participação em que decisões efectivamente importantes são partilhadas com os estudantes. Há exemplos que apontam para uma maior ou menor democraticidade na educação. Há casos em que o aluno se familiariza

.

muito mais cedo com a responsabilidade do exercício da cidadania. É participando nas decisões que cada indivíduo se apercebe do seu papel e da sua responsabilidade social.No Conselho da Europa têm trabalhado essa ideia da

participação?

Na educação não formal entende-se a participação como uma pré-condição para a formação dos jovens. Desenvolvem-se formas de participação, a nível local e regional, em que as associações juvenis assumem a responsabilidade pela definição de políticas ou de projectos. A nível educativo, esta participação constitui um momento educativo por si só, ao desenvolver métodos em que cada aprendente pode dar o seu contributo. Eu costumo dizer, enquanto formador, que cada pessoa tem algo para trazer à discussão sobre os direitos humanos, há sempre experiências do quotidiano que são importantes. Saber valorizar isso é importante para que o aprendente perceba a relação entre aquilo de que se está a falar e a sua vida pessoal. A reflexão sobre o quotidiano é fundamental em termos

de Educação para a Cidadania?

Sim. Não se trata apenas ou principalmente de conhecer os princípios da Constituição da República Portuguesa ou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trata-se, isso sim, da forma como esses conhecimentos são utilizados no dia-a-dia. Por vezes, o saber fazer é mais importante do que o conhecimento teórico. O grau de participação influencia geralmente o nível de sucesso da aprendizagem. E conseguir a participação dos jovens é actualmente muito difícil. Talvez porque haja formas de participação não reconhecidas enquanto tal. O problema provavelmente não é a falta de participação dos jovens, mas a falta de compreensão do que é a participação e o fosso crescente entre a sociedade e os jovens. Qual deve ser o ponto de partida para trabalhar a

Educação para a Cidadania nas escolas?

A “educação baseada no aprendente”, ou seja, processos em que, para tratar de discriminação, em vez de estudar os princípios da Constituição, se convida os alunos a reflectirem em grupo sobre situações em que já foram discriminados.

Page 21: noesis75

Não se começa pelo abstracto, mas sim pelas experiências

pessoais.

Um dos exemplos mais comuns e bem sucedidos, relacionado com as temáticas da igualdade e da discriminação, consiste no relato, por parte de um aluno, de uma situação em que foi discriminado, referindo aquilo que sentiu nesse momento. Seja qual for a situação que deu origem à discriminação – ser de etnia cigana, usar óculos, não ter sido escolhido para a equipa de futebol... –, os sentimentos são bastante semelhantes, são sentimentos de frustração, de humilhação, de ira. A partir dessa reflexão, pode questionar-se o aluno sobre uma situação em que tenha sido ele a discriminar alguém e sobre o que essa pessoa deverá ter sentido. Quando as situações são interiorizadas, produz-se no aprendente uma situação de empatia que é muito importante nas questões da interculturalidade.Deve-se, então, partir de casos concretos ocorridos na escola?

Esse é um dos métodos mais eficazes para a Educação para a Cidadania, mas, ao mesmo tempo, a Educação para a Cidadania pode ser útil para prevenir e resolver conflitos na escola. Qualquer processo de Educação para a Cidadania começa por poder discutir, comunicar ideias e confrontá-las, passando por ter de ouvir opiniões contrárias e formular argumentos.A partir das experiências pessoais, qual pode ser o passo

seguinte?

Além dessa vivência mais emocional, há conhecimentos de ordem prática que também é importante abordar. Pode perguntar-se ao aluno o que faria se fosse discriminado ou se alguém lhe batesse. Alguns saberão que poderiam ir falar com o director da escola ou dirigir-se à polícia. É importante que os jovens saibam os instrumentos que a sociedade tem à sua disposição para responder a problemas concretos.Na sua opinião, qual é o culminar deste processo?

Num processo bem pensado de Educação para a Cidadania, pode começar-se por um caso real e, a partir daí, passar para a generalização. Ou seja, após discutir os conflitos entre os alunos, na escola, aborda-se um conflito existente na comunidade, questionando os jovens sobre o que fariam se fossem eles a estar nessa situação. Os alunos, já noutro patamar, têm uma postura responsável, sentem-se cidadãos.

A CONSTRuçãO

DO SENTIDO DE JuSTIçA

A importância do 25 de Abril. Nascido em 1962,

em Coimbra, numa família com poucos recursos

económicos, o 25 de Abril mudou-lhe a vida,

permitindo-lhe dar continuidade aos estudos.

Construção do sentido de justiça. Vivia numa aldeia,

perto de Coimbra, onde os pais trabalhavam na

agricultura. Foi desta forma que construiu um sentido

de justiça, baseado na consciência do que é ser pobre

e ter dificuldade no acesso a serviços essenciais.

O único da sua escola primária a prosseguir estudos.

Devido ao bom aproveitamento escolar, foi o único

aluno da sua escola primária que teve hipótese

de continuar a estudar. Teve direito a um subsídio

do Estado para pagar as mensalidades do colégio

privado onde estudou, na Guia (Pombal), o único que

permitia a frequência do antigo ciclo preparatório.

No liceu, em Leiria. O 25 de Abril veio tornar mais

fácil continuar a estudar, tendo concluído o liceu em

Leiria.

Da consciência da injustiça à licenciatura em Direito.

Uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian

permitiu-lhe a conclusão da licenciatura na

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, na

especialidade de Ciências Judiciais.

uma breve passagem pelo ensino. Acabado de formar,

ainda teve uma breve experiência de ensino na Escola

Secundária da Guia. Mas cedo começou a trabalhar

fora de Portugal.

De Portugal para Bruxelas. Através do Movimento

Cristão para a Paz, deu entrada no Secretariado

Internacional, em Bruxelas, tendo passado para

o Conselho da Europa, na área da Juventude. Foi

consultor em áreas como a educação intercultural, o

trabalho juvenil, os direitos das minorias e a formação

de formadores. Desde 2000 é responsável pelo

programa de educação e formação no Conselho da

Europa, na área da Juventude e do Desporto.

Page 22: noesis75

22 23 Opinião

MEDIADORES SOCIOEDuCATIVOS NA ESCOLA? ALGUNS flashesTexto de Carlinda Leite (Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da universidade do Porto)Fotografia de Tiago Pinto

Num tempo em que se pede tanto aos professores, é de valorizar o recurso a outros intervenientes no espaço escolar, nomeadamente a mediadores socioeducativos. Relata-se o programa de tutorias, desenvolvido no Agrupamento de Miragaia, no âmbito dos TEIP II, que permitiu aos tutorados a melhoria dos seus resultados escolares.

Há já algum tempo que se reconhece os professores como educadores a quem não pode ser deixada como única tarefa ensinar conteúdos das áreas disciplinares às quais se encontram vinculados, sendo-lhes atribuídas responsabilidades pela criação de condições que permitam uma ampla e adequada formação às crianças e aos jovens presentes nos espaços escolares. No entanto, nesta posição há que ter claro os limites para o que é pedido aos professores, de modo a não se correr o risco de os afastar da missão para a qual são formados: ensinar e promover nos seus alunos aprendizagens essenciais à compreensão da vida e do mundo e dos fenómenos e das situações que nele ocorrem. No caso do sistema educativo português, esta missão profissional é clara nas orientações das políticas educacionais que apontam para uma organização, já não apenas centrada nos conteúdos ou nos objectivos a atingir a curto prazo, mas também, e em lugar de destaque, para as competências a desenvolver ao longo da formação. É tendo presente estas ideias, bem como a complexidade por que hoje são atravessadas as situações vividas nos contextos escolares, que tem sido sustentada a importância do recurso a outros profissionais (os mediadores) que, com os professores e os órgãos de gestão das escolas, focalizem a sua acção na mediação social, relacional e educacional.

Page 23: noesis75

O PAPEL DOS MEDIADORES NA ESCOLAAos mediadores, no quadro escolar, compete o papel de aprofundarem as relações da escola com as instituições da comunidade de modo a que se concretize o ideal das cidades educadoras e o princípio democrático de uma escola de sucesso para todos, sabendo que alguns desses todos pertencem a famílias para quem a cultura escolar é algo de estranho e, às vezes, até algo pouco valorizado. A este propósito vale a pena convocar a tese defendida por Connell (1997) quan-do afirma a necessidade de ser definido um novo “caderno de encargos” para a educação que permita uma maior justiça educativa e curricular e que amplie as condições de diálogo escola-comunidade. É no quadro desta tese que situo o investimento nestas novas figuras profissionais de mediação. Conheço mesmo já alguns casos que, valendo-se do programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) II, abriram concursos para mediadores socioeducativos.

PROJECTO DE TUTORIAS MELHORA RESULTADOS ESCOLARES E COMPETêNCIAS DE COMPANHEIRISMOUm dos casos que aqui tenho por referência é o que decorre no Agrupamento de Miragaia, onde está a ser desenvolvido um projecto de tutorias de alunos mais velhos (7.º, 8.º e 9.º anos), devidamente acompanhados, a alunos mais novos (5.º e 6.º anos). Sem caracterizar aqui esse projecto, pretendo apenas, e em flash, evidenciar reflexos de situações escolares que estão a procurar caminhos que a todos garantam o proclamado sucesso. Todos sabemos que o fim do ano escolar, por tradição, é acompanhado de uma atenção especial aos resultados escolares. Ora, neste agrupamento também esses resultados foram valorizados, mas associados à avaliação de competências, de companheirismo e de responsabilidade que alunos melhor sucedidos evidenciaram no acompanhamento dos colegas mais novos com dificuldades de aprendizagem e com comportamentos perturbadores de uma sadia convivência escolar e social.

CERIMóNIA DE ENTREGA DE CERTIFICADOS VALORIzA TUTORES E TUTORADOSA valorização dos resultados e das competências foi realçada numa cerimónia formal de entrega de certificados a todos aqueles que exerceram o papel de tutores e aos que foram tutorados, na qual, para além de professores e alunos, participaram familiares e outros elementos da comunidade. Vale a pena realçar que esta entrega de certificados correspondeu a um reconhecimento público do esforço de uns e de outros por melhorarem os resultados escolares de quem estuda. Dessa cerimónia recordo as expressões de alguns alunos que evidenciavam orgu-lho quando eram chamados pelo nome para receberem os seus certificados. E, engraçado, estas expressões foram evidentes, não só nos tutores como também nos tutorados. Mas, quando dos certificados se passou à entrega de prémios,

essas expressões redobravam nos sinais de orgulho. Os prémios foram atribuídos aos pares (tutor e tutorado) que tinham conseguido melhorar signi-ficativamente as classificações do 2.º para o 3.º período e que, para além disso, tinham evidenciado mais envolvimento e responsabilidade no lugar de tutor e no lugar de tutorado. Ainda hoje recordo com emoção os olhos daquele pai que, acompanhado por outros filhos, aplaudiu o filho que foi receber o primeiro prémio por ter revelado um forte envolvimento enquanto tutorado e por ter conseguido melhorar significativamente as suas classificações no final do ano. Lembro a mãe que chorou de alegria quando, em nome do filho, recebeu o prémio por o seu filho ter sido avaliado muito positivamente enquanto tutor. Dizia-me ela no final da cerimónia: “O meu filho não veio porque esta semana está na Universidade”. Diga-se que esta mãe, quando fala da Universidade, está a referir-se às actividades da Universi-dade Júnior, pois a escola, na intenção de estimular estes jovens a continuarem os estudos, conseguiu um apoio da Unicer para inscrever alguns dos seus alunos em actividades organizadas pela Universidade do Porto que lhes permitem socializarem-se com outros meios académicos. Este é outro flash a realçar da acção de uma escola que não se conforma com o que às vezes parece ser o fatalismo do abandono e do insucesso de crianças e jovens de alguns meios sociais, e que reconhece a importância da mediação socioeducativa.

Referências:Connell, R. W. (1997), Escuelas y justicia social, Madrid: Morata.

Page 24: noesis75

24 25 Dossier Parcerias

As parcerias são o tema deste dossier, que apresenta

uma abordagem teórica da sua importância para melhorar a qualidade da educação, baseada numa

publicação recentemente disponibilizada pela UNESCO e pelo Fórum Económico Mundial. Seguem-se exemplos de parcerias estabelecidas na prática educativa, entre as escolas e diversas instituições, nacionais e internacionais. Os projectos da Quinta de Educação e Ambiente, em Santiago do Cacém, da Fundação de Serralves, no Porto, e do MUSE, em Leiria, ilustram, as vantagens das parcerias para o sistema de ensino, possibilitando experiências enriquecedoras para os alunos, que lhes abrem horizontes.

Page 25: noesis75

30 35 No terrenoQuinta de Educação e Ambiente:um projecto de desenvolvimento integradoIsabel Pereira

26 29 Questões e razõesNovas Parcerias numa Educação para Todosfilomena Matos

40 41 Recursos

46 49 Repórter na escolaA arte de mãos dadas com a interculturalidadeelsa de Barros

36 39 Feito e ditoUm português na AméricaMaria emília Brederode santos e Teresa fonseca

Em SerralvesIMAGENS À LUPA Serralves na Escola – a Escola em Serralveselvira leite e sofia Victorino

42 45

Page 26: noesis75

NOVAS PARCERIAS NuMA EDuCAçãO

PARA TODOSTexto de Filomena Matos

Ilustração de Guilherme Castro

26 27 Dossier Parcerias

Parcerias. Parcerias para a educação. Parcerias para a Educação para Todos. Bilaterais. Multilaterais. Sectoriais. Público-privado. Multi-actores... Realidades distintas ou diferentes facetas de uma mesma realidade?A este propósito, foi recentemente disponibilizada pela UNESCO (atra-vés do Instituto Internacional de Planeamento Educacional, IIEP) e pelo Fórum Económico Mundial uma publicação conjunta, cuja versão integral, sob o título New Partnerships for EFA: Building on Experience, se pode encontrar no endereço http://www.unesco.org/iiep/.Embora a autora, Alexandra Draxler1, se dedique essencialmente às parcerias multi-actores para a educação (MSPE, segundo designação em inglês), seria imperdoável não apresentar o seu contributo neste fórum, tanto mais que à propos et pour cause se obtém uma panorâmica geral dos conceitos pertinentes, e das lições e perspectivas de futuro, a retirar de uma revisão da literatura complementada com estudos de caso que reflectem a experiência diferenciada de actores diversos.

As parcerias multi-actores para a educação são o tema da publicação New Partnerships for EFA: Building on Experience, da UNESCO e do Fórum Económico Mundial. Neste texto, dá-se conta das ideias fundamentais que constam do documento, no qual se defende a importância do estabelecimento de parcerias para a qualidade da educação.

Questões e razões

Page 27: noesis75

Um dos aspectos peculiares destas parcerias é o alargamento

do leque de protagonistas à sociedade civil.

> EM QUE CONSISTEM ESTAS NOVAS PARCERIAS?Nesta obra, as parcerias multi-actores para a Educação para Todos são definidas como organizações complexas e flexíveis de rentabilização de recursos e mobilização de competências e compromissos entre parceiros, cuja acção se alicerça em princípios éticos e organizacionais, com vista à expansão e qualidade da educação.Em confronto com outras configurações, um dos aspectos peculiares destas parcerias é o alargamento do leque de protagonistas à sociedade civil, procurando beneficiar das suas características de proximidade em relação à realidade a transformar e, assim, superar as limitações dos métodos clássicos, essencialmente baseados na intervenção pública. Um segundo aspecto distintivo tem a ver com a inerência da dimensão teleológica que lhes dá origem, traduzida na unidade de missão e de princípios éticos e organizacionais a que se subordinam todos os protagonistas.Foi porventura a consciência destas potencialidades o que levou os promotores deste estudo a lançar o programa “Parcerias para a Educação”, cuja missão é precisamente incentivar a constituição de parcerias multi-actores, que,

Sectorpúblico SectorprivadoempreSarial Sociedadecivil

- Igualdade e equidade - Eficiência, produtividade - Proximidade em relação - Provisão sectorial - Potencial de inovação às necessidades - Envolvimento de longa duração e investigação - Experiência e participação - Capacidade reguladora - Focalização da acção em redes locais - Excelente base de recursos humanos - Capacidade económica - Recolha selectiva de fundos - Responsabilização pública - Orientação para os resultados - Enraizamento no eleitorado - Responsabilidade pela oferta de educação, - Eficácia - Adequação a situações específicas na perspectiva dos Direitos Humanos - Vigilância - Resistência à mudança - Organização interna do tempo - Representação de interesses - Uniformidade de oferta - Resultados não lucrativos específicos - Flexibilidade orçamental limitada - Ausência de responsabilidade - Fragmentação de objectivos pelo bem público e acções - Amadorismo ocasional - Expansão da acção - Satisfação de accionistas e - Legitimidade - Preparação de condições empregados - Focalização em necessidades de crescimento - Crescimento económico específicas - Competências diferenciadas - Educação para a empregabilidade - Novos recursos - Obtenção de novos recursos - Imagem e promoção comercial - Maior impacto - Gestão de riscos

ex

pec

tati

vaS

d

eSva

nta

gen

Sva

nta

gen

S

emr

ela

ção

r

ela

tiva

Sr

ela

tiva

S

Àp

ar

cer

ia

pela participação de todos os interessados, incluindo os utilizadores finais, se presume possam oferecer as melhores condições de aceleração do progresso para as metas da Educação para Todos.

> O QUE DISTINGUE OS VáRIOS PROTAGONISTAS?Por que se revela tão importante a aliança com a sociedade civil? Qual é o valor acrescentado das partes em presença?Como trabalho preparatório do Programa “Parcerias para a Educação”, o estudo que nos ocupa procura responder a estas perguntas e a outros desafios, sistematizando as regularidades e singularidades que lhe foi dado identificar nas práticas apreciadas. O quadro que aqui se transcreve sintetiza as representações dos vários grupos e é clarificador na resposta a algumas destas perguntas.

Page 28: noesis75

28 29 Dossier Parcerias

Grosso modo poder-se-á dizer que o sector público é respon-sável pela educação, enquanto bem público, cabendo-lhe igualmente garantir a universalidade de acesso, a equidade e a qualidade. Mais que um risco político, a renúncia a tal res-ponsabilidade representaria sobretudo uma falência moral.Embora assumindo responsabilidades legais e de imagem perante o bem público, o sector privado situa as suas prioridades na esfera comercial, na obtenção de lucro e em ingredientes que se lhe possam associar, como a imagem social, a eficiência e a eficácia.Por seu turno, as organizações da sociedade civil têm as mais diversas finalidades e interesses. Contudo, o facto de cada uma delas responder perante uma base constituinte e de finan-ciamento acaba por determinar que muitas vezes estejam mais próximas dos interesses das comunidades e utilizadores finais do que o sector privado ou o próprio sector público.

> O QUE LEVA ESTES ACTORES A UNIR ESFORçOS?Com interesses aparentemente tão divergentes, o que poderá levar estes parceiros a estabelecer alianças entre si?Do ponto de vista da autora deste estudo, os próprios valores éticos em que se sedimentam as parcerias constituem a sua mais poderosa motivação. Teoricamente, a unidade de princípios que se propõem prosseguir confere a estas enti-dades as características de um jogo de soma positiva, com ganhos a prazo para todos os intervenientes: os benefícios que advêm da prossecução de acordos internacionais no campo da defesa e consolidação dos Direitos Humanos, da democracia ou do respeito pela natureza; ou aqueles que decorrem de uma ética de funcionamento baseada na transparência, na reciprocidade e na disponibilidade para aprender.Por outro lado, a revisão da literatura disponível e a análise das práticas estudadas permitiu concluir que a motivação para o envolvimento dos vários actores está essencialmente relacionada com a defesa dos seus próprios interesses.Assim, para os utilizadores finais, o importante será a ino-vação, a resposta a necessidades específicas, a possibilidade de usufruir de mais recursos e oportunidades de escolha, um maior envolvimento na tomada de decisão ou uma maior relevância social e económica da Educação. Já no que toca aos parceiros, as expectativas dirigem-se para a mobilização de recursos, o aumento e a complementaridade da capacidade instalada, uma maior participação social, questões de legiti-midade, boas relações com a comunidade e partilha de riscos. Uma relação mais aliciante sobre os eventuais benefícios do envolvimento em parcerias multi-actores é a que nos é proposta por adaptação de Zadek et al. e que aqui sintetizamos. Em complemento destas perspectivas, o ponto de vista dos proponentes dá-nos uma outra dimensão de interesses que conduzem a colocar as MSPE ao serviço de propósitos de desenvolvimento e cooperação internacional, essencialmente centrados em três áreas prioritárias: governança; participação; concretização e financiamento.Em termos de governança, considera-se que o envolvimento na tomada de decisão dos mais directamente interessados aumenta a sua responsabilização pelos resultados, com ganhos evidentes de eficiência e eficácia. Por outro lado, sendo a participação a chave do sucesso de qualquer inovação, uma intervenção baseada na interacção entre diferentes actores é à partida susceptível de assegurar a representação da maior parte dos interessados e o seu envolvimento numa relação

benefícioSdoenvolvimentoemparceriaS> Alcançar objectivos sociais e ambientais> Acesso a mais recursos> Melhores condições de gestão da informação e riscos> Construção de capital social> Promoção do capital humano> Melhoria da eficiência operacional> Inovação organizacional> Produtos e serviços mais eficazes> Reputação e credibilidade

Adaptado de zadeK et al. (2002) http://www.globalknowledge.org/gkps_portal/view_file.cfm?fileid=376 (Setembro 2008)

Page 29: noesis75

profícua, desde a formulação de um projecto de intervenção até à sua concretização e avaliação. Além de se repercutir na eficácia das acções, este tipo de participação proporciona vantagens acrescidas ao nível das aprendizagens recíprocas e consequente desenvolvimento pessoal ou organizacional. Quanto à concretização e financiamento, apenas haverá a acrescentar que esta dimensão é o principal motor de constituição de parcerias. Diz-nos a experiência que estas nascem, não de necessidades identificadas, mas da iniciativa de patrocinadores que investem em projectos piloto, assim estimulando à cooperação os vários actores envolvidos.

> FACTORES DE SUCESSO DAS PARCERIASÉ verdade que a medida do sucesso de qualquer parceria é o resultado alcançado, em termos de concretização dos propósitos iniciais. Mas também é verdade que constituindo elas mesmas processos de desenvolvimento resultantes de aprendizagem mútua, baseada na análise de sucessos e insucessos e na identificação de caminhos a prosseguir, a mera boa-vontade e presunção de objectivos partilhados nunca serão suficientes para ultrapassar os escolhos que vão surgindo ao longo de todo o percurso. Ora a falta de planeamento e de acordos explícitos estão quase sempre ausentes nas parcerias estudadas.Elaborando sobre esta problemática, o estudo em apreço identifica seis domínios essenciais que correspondem a factores de sucesso de qualquer parceria.O primeiro tem a ver com a identificação de necessidades. A maior parte das parcerias é perspectivada em termos de oferta e no pressuposto de que a razão está do lado dos fornecedores. Uma avaliação de necessidades com o envolvimento dos utilizadores finais e baseada no conhecimento do contexto, a nível local, nacional ou internacional, nomeadamente no que se refere a acordos já firmados, poderia evitar riscos de inadequação ou de fragmentação das acções.O segundo é complementar do anterior e diz respeito à responsabilização de todos os intervenientes e beneficiários, o que implica o seu envolvimento desde o processo de concepção e planeamento da intervenção.O terceiro refere-se à orientação para o impacto, isto é, para os efeitos a produzir no grupo visado. A este propósito advoga-se uma avaliação prévia que permita perspectivar o processo e os resultados da intervenção, não em função

da quantificação de produtos a obter, mas em função das mudanças a imprimir nos actores e respectivos contextos.O quarto corresponde à prática de regulação e prestação de contas, em que a transparência impera como princípio de funcionamento. Descurar este domínio, além de não permitir aos protagonistas avaliarem os seus méritos rela-tivos e contributos específicos, implica que a crítica se não possa basear em factos e se venha a refugiar na ideologia ou na defesa corporativa de interesses.A sustentabilidade é o quinto dos domínios considerados e é equacionada em termos de efeitos duradouros nos alunos, nos professores e nos sistemas, em resultado de uma intervenção local continuada ou do potencial de transferência das acções ou métodos utilizados.Por último, defende-se que as dimensões de monitorização e avaliação devam fazer parte integrante do processo de cons-tituição das parcerias, sendo concebidas e planificadas des-de o início, em paralelo com a avaliação de necessidades. ::

factoreSdeSuceSSodaSparceriaS> Avaliação de necessidades;> Responsabilização dos actores;> Focalização no impacto;> Regulação e prestação de contas;> Sustentabilidade;> Monitorização e avaliação.

Page 30: noesis75

No terreno

QuINTA DE EDuCAçãO E AMBIENTE: UM PROJECTO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRADO

“Obrigaram-me a decorar cartapácios pesados de Botânica e não me mostraram as flores (...) Ensinaram-me todos os ossos que havia dentro do rouxinol, mas eu nunca vi um rouxinol! Malandros!”, escreve Eurico Veríssimo, em “ Olhai os lírios do campo”. Nós, certamente, não seremos apelidados de malandros pelas crianças implicadas no projecto Quinta de Educação e Ambiente. Pelo menos, por este motivo...

30 31 Dossier Parcerias

Texto de Isabel Pereira(Instituto das Comunidades Educativas)

Fotografias de Carlos Silva

Page 31: noesis75

Às segundas e quartas-feiras, desde que, em Janeiro de 2000, se deu vida ao projecto “Quinta de Educação e Ambiente”, ali os vemos: um grupinho de alunos, vindos das escolas do con-celho de Santiago do Cacém, a calcorrear a Reserva Natural das Lagoas de Santo André e de Sancha, perguntando, ouvin-do, mexendo.Ora de máquina em riste, fotogra-fando um ninho em construção... Ora seguindo com os binóculos o voo de uma ave... Ora metendo no saco, de que vêm munidos, uma folha que despertou a atenção... Ora, enfim, registando no bloco que os acompanha a explicação que lhes chega dos técnicos, do seu professor ou do membro da comunidade de que se acerca ou que o acompanha na aula de campo. É a aprendizagem feita descoberta, até mesmo para aqueles que moram por ali perto, passando, sem ver, pelo que a natureza abriga.Depois, sim, ganha sentido – como bem mostra a animação e o entusiasmo em que decorre – o estudo que se segue, já na sala de aula: um estudo onde a flor ou o rouxinol, de que então se fala, é uma flor ou um rouxinol que se viu e de que se aprendeu a gostar. Desta forma, noções básicas sobre zoologia, botânica, meteorologia ou nomes em latim de aves e plantas surgem naturalmente pela aprendizagem feita de descoberta e pelo intercâmbio entre as crianças.

UM PROCESSO E UM CONTExTO VOLTADOS PARA O DESENVOLVIMENTOFoi no início dos anos 90 que um conjunto de escolas do 1.º ciclo, apoiadas pelo Instituto das Comunidades Educativas (ICE) e no quadro do Projecto das Escolas Rurais, em curso em praticamente todo o Alentejo Litoral, se implicou na transformação e construção de uma dinâmica social de aprendizagem e de desenvolvimento ao nível do concelho de Santiago do Cacém.Organizando-se em pequenos núcleos de base territorial, começaram por enfrentar o seu próprio isolamento com recurso aos chamados Dias Diferentes – momentos regulares e assíduos de encontro entre crianças de várias escolas, rotativamente realizados em cada uma das aldeias de pertença, com as comunidades locais progressivamente chamadas a implicar-se na sua realização e concepção. Incor-poradas na prática pedagógica, as actividades, assim como a própria relação com a comunidade, passaram a informar as aprendizagens das crianças e dos professores, traduzindo-se em investigações sobre o local, corporizadas em álbuns, mini centros de documentação para consulta diária e comunicações feitas em encontros entre turmas (Dias Intercalares) e de alunos (Oficinas de Crianças).Em síntese, as escolas envolvidas trabalharam orientando-se para a construção de:– processos de participação e de cidadania, baseados na produção de soluções;– aprendizagens pertinentes e trabalho de descoberta, assumidos como processos

sociais e estruturantes de conhecimento;– desenvolvimento, alterando a natureza das relações sociais, valorizando,

potenciando e trazendo recursos, numa busca permanente de utopia; – novas relações de poder, apoiado em relações e hábitos de trabalho em rede,

numa dependência horizontal, pautadas pela troca e pelo intercâmbio.

UMA REDE DE PARCEIROSNo desenvolvimento deste processo, as escolas confrontaram-se com os limites da sua própria intervenção. A “mexida” nas comunidades tardava em traduzir-se na criação de dinâmicas auto-sustentadas que transformassem as iniciativas em processos locais permanentes. Percebeu-se, assim, a importância de implicar, de forma estruturada, os parceiros com quem se relacionavam na acção, criando as condições para deslocar o centro de gravidade da iniciativa, da escola para a comu-nidade ou, melhor dizendo, para a rede de parceiros sociais que a atravessam.Neste sentido, impulsionou-se a criação de uma “plataforma” composta por diversas instituições locais – associações culturais e recreativas, escolas, autarquias, centros de saúde – que teve como objectivo reflectir sobre o desenvolvimento do concelho de Santiago do Cacém, “plataforma” que se orientou para a criação de iniciativas policentradas (centradas em interesses e expectativas de vários sujeitos) em pólos

Page 32: noesis75

32 33 Dossier Parcerias

permanentes de desenvolvimento. Um destes pólos foi justamente a Quinta de Educação e Ambiente, nascida na Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha, e viabilizada pela parceria construída entre o ICE, o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, a Câmara Municipal de Santiago do Cacém e a Junta de Freguesia de Santo André.

CRIAçãO DE UMA BASE DE APOIOEstávamos no ano 2000. Havia que criar uma base logística de apoio ao projecto, o que foi concretizado no Monte do Paio, monte alentejano recuperado para o efeito e onde se encontram as principais infra-estruturas de apoio a este projecto, nomeadamente: o centro de acolhimento para alojamento de visitantes, o centro experimental, a casa de amassaria e o forno de pão, os estábulos dos animais, o Cen-tro de Interpretação, a horta de cheiros e sabores e a adega.O Monte não se reduz naturalmente a estas infra-estruturas. Não é, nem se pretende que funcione como a generalidade das quintas pedagógicas que se constituem como centros de actividades concebidos na lógica de potenciais utilizadores. Não é, nem se pretende que seja, animada numa lógica empresarial. Dele fazem parte, enquanto espaços relacionais e de aprendizagem, as pessoas, a sua história, as explorações agrí-colas existentes, a comunidade piscatória e, como é evidente, todo o património natural da reserva. Isto porque se quer que as visitas funcionem não apenas como uma fonte de conhe-cimento e de experiências de quem vem, mas também como

estratégia de produção de auto-estima e de revalorização de saberes de quem recebe.A equipa de professores e técnicos locais tem trabalhado com as crianças no sentido de uma transformação em sujeitos da construção do projecto. As crianças são, assim, implicadas nas decisões, tanto ao nível das actividades, como na organização do espaço e no processo de pesquisa cien-tífica, participando, por exemplo, na observação e recolha de dados.

AULAS DE CAMPONa planificação das actividades inseridas nas aulas de campo, procura-se a criação de situações diversificadas de aprendizagem, para que cada professor possa construir com os alunos, familiares e colaboradores comunitários um cur-rículo adequado e pertinente.Assim são organizados: Percursos pedestres e de barco para que as crianças possam não só observar a fauna e a flora existente, mas também per-ceber o que são, porque aqui vivem, e quais as ameaças à sua existência e continuidade.Investe-se na observação, no registo, na experimentação e na investigação, como pilares metodológicos orientadores das aprendizagens. Tem-se como principal preocupação questionar, tornando as crianças produtoras das suas apren-dizagens e criticas face ao mundo que as rodeia. Nestes percursos são contemplados alguns momentos específicos para desenvolvimento de capacidades indivi-duais (“para sentir a Natureza”) e de troca de ideias.Actividades lúdicas onde procuramos:– implementar/aprofundar os princípios fundamentais do

trabalho em grupo: a socialização, partilha, entreajuda, responsabilização e sentido crítico;

– promover a percepção ambiental, entendendo esta como “uma tomada de consciência do ambiente pelo homem”, ou seja, perceber o ambiente em que se está localizado, apren-dendo a protegê-lo e a cuidá-lo da melhor forma;

– induzir as crianças na descoberta e na aplicação de novos conceitos;

– relacionar factos e conhecimentos;– levar as crianças a conhecer/potenciar a cultura local e o

ambiente que as cerca.

Page 33: noesis75

Actividades de reciclagem/reutilização, nomeadamente o fabrico de papel e de sabão, aproveitando as borras de azeite, oferecidas por um lagar da zona; “Modos de fazer” tradicionaisOrientados por familiares, amigos e vizinhos das escolas, as crianças aprendem com os mais velhos a confeccionar alguns produtos locais (pão, queijo, doces típicos, folares e sabão), algumas técnicas agrícolas (construção de canteiros, produção de batata, fava, milho, ...), e a fazer recolha, tratamento e utilização de plantas para fins aromáticos e medicinais.Atelier de experimentaçõesDe forma a estimular as aprendizagens através da experimentação e da descoberta colectiva, funciona um atelier de experimentações no decorrer das aulas de campo. Após a observação, tenta conduzir-se as crianças à descoberta da fundamentação. Actividades na hortaEmbora a proposta inicial de qualquer actividade realizada neste espaço seja o “aprender a cultivar para termos plantas para estudar e/ou fazer qualquer produto para vender (doce, chá ou saco de cheiro)”, o objectivo é motivar para a aquisição/aplicação de conceitos matemáticos. Desta forma, as crianças são levadas a medir, pesar, comparar, adquirindo noções como perímetro, área, volume, múltiplo e submúltiplo, que surgem porque são necessárias. Cada aula de campo é seguida pela exploração em sala de aula, constituindo as actividades a motivação para as diferentes áreas curriculares/programáticas. Após duas aulas de campo de cada grupo têm lugar os Dias Intercalares (dias de encontro, onde os alunos apresentam/partilham os trabalhos de exploração realizados por cada turma, avaliam e planificam em conjunto, tomam decisões e reflectem sobre as mais diversas temáticas referentes ao projecto).

UMA PARCERIA DE REFLExãO E ACçãOPara que os professores, técnicos e promotores implicados no processo se sintam seguros e desenvolvam um trabalho de equipa, são realizados ao longo do ano, momentos de formação/reflexão orientados pelas e para as suas dinâmicas e também criados espaços descentrados da acção e em torno de conteúdos e objectivos

definidos a partir de problemáticas espe-cificas que emergem do momento vivido pelo projecto.De vital importância para o projecto é o papel dos promotores. Podemos con-gratular-nos com o trabalho de parceria desenvolvido, onde cada um tenta dar o seu melhor, não só a nível de recursos mas na reflexão e busca de estratégias para superação das dificuldades que vão surgindo. Estamos perante uma parceria que, devido ao passado de trabalho em comum há muito que deixou de ser uma parceria de enquadramento para ser uma parceria de acção. Considerando os promotores, simultaneamente como destinatários, tem-se investido no apro-fundamento da reflexão e, acima de tudo, na busca de alternativas à forma de considerar a educação e o papel da escola. ::

Ano Lectivo Alunos Professores

2002/2003 72 8

2003/2004 166 14

2004/2005 189 18

2005/2006 250 19

2006/2007 295 20

2007/2008 471 24

PARTICIPAçãO NO PROJECTO

Page 34: noesis75

UM PORTUGUêS NA AMéRICAJorge Cardoso defende o estabelecimento de parcerias, com as famílias e as empresas, para promover o sucesso escolar das crianças de minorias culturais. Mas considera que esta é uma estratégia importante para todas as escolas e para todos os alunos.

Feito e dito

34 35 Dossier Parcerias

Entrevista de Maria Emília Brederode Santos e Teresa FonsecaFotografias de Henrique Bento

Page 35: noesis75

em muita experiência na ques-

tão das parcerias, sobretudo

entre a escola, a família e a comuni-

dade.

Sim, trabalhei sobretudo com crianças de minorias, especialmente com por-tuguesas, de imigração recente. Parti-cipei activamente na introdução do ensino bilingue nas escolas do estado de Massachusetts. Isto foi muito impor-tante para reduzir o insucesso escolar dos alunos portugueses e o abandono precoce dos estudos. Por outro lado, era também importante comunicar com os pais que, muitas vezes, desconheciam completamente o sistema educativo americano. Há uma autora norte-ame-ricana que tem reflectido bastante sobre estas questões. Trata-se de Sarah Langford, autora de algumas publica-ções, nomeadamente Worlds Apart e The Essential Conversation, nas quais defende que a fronteira entre lar e escola é ténue e muito complexa. Respeitando a necessidade de entender a complexidade desta problemática, tem de se criar con-textos para a comunicação.O que entende por criar contextos

para a comunicação?

Nos contratos dos professores, é possível especificar obrigações de comunicação com os pais, por telefone ou em sessões presenciais. Por exemplo, receber os pais pelo menos quatro vezes por ano, de noite, com as escolas abertas, para as famílias ficarem a conhecer os pro-fessores, os currículos, os objectivos e as estratégias de cada escola. Como incentivar os pais a participarem

nessas reuniões?

Muitas escolas conseguem essa partici-pação porque oferecem uma refeição

light. Os pais chegam do emprego pelas 18 ou 19 horas, comem, tomam conhecimento das actividades dos alu-nos, vão ver o edifício... Há uma pri-meira reunião de apresentação, com o director da escola, no início do ano lectivo e, depois, umas três ou quatro vezes ao longo do ano, os pais vão saber como evoluíram as aprendizagem dos filhos, por que motivo tiveram esta ou aquela nota. Têm assim oportunidade de comunicar directamente com o pro-fessor. Penso que há muitas outras for-mas de incentivar a participação.Como estabelecer parcerias entre a

escola e a comunidade?

Em cada comunidade, há instituições que têm funções relacionadas com a educação. Às vezes, basta comunicar, estabelecer pactos e protocolos, criar expectativas e condições de colabo-ração, bem como proporcionar situa-ções onde pode haver sinergias do tipo escola e biblioteca, escola e museu, escola e associações recreativas e cul-turais, escola e centro de saúde – quer dizer, há inúmeras maneiras de as instituições que existem numa comuni-dade poderem colaborar com a escola em beneficio dos dois parceiros.Poderia dar um exemplo de uma das

parcerias estabelecidas?

Um dos trabalhos que tive o privilégio de fazer nos últimos anos foi em parceria com uma organização de Boston, a Boston Plan for Excellence, subsidiada pelos grandes empresários de Boston, que viam o futuro da cidade como um espaço de actividade económica liga-do ao bom aproveitamento escolar da

maioria dos alunos. Consideravam que não era suficiente seleccionar elites de todo o país..., que era necessário ampliar a qualidade da futura mão-de--obra para uma economia necessitada de trabalhadores altamente qualificados. Era preciso combater a tendência para a existência de uma mão-de-obra não quali-ficada, pois os seus custos sociais seriam enormes num ambiente em que cada vez há menos fábricas, menos empregos para os trabalhadores não qualificados.

T

Em que medida esta parceria contribuiu

para a melhoria das escolas?

Trabalhámos em parceria com o sistema escolar para desenhar estratégias para a melhoria das escolas. Não porque fossemos mais competentes ou mais entendidos do que os professores e os órgãos directivos. Era simplesmente porque, estando fora do sistema, tínhamos uma perspectiva diferente e mais objectiva. Enquanto o mundo empresarial é um mundo onde os resultados são muito valorizados, o mundo da educação, privilegia, por vezes, o domínio afectivo em detrimen-to do cognitivo, sofrendo de excesso de coração. Devemos ser mais objec-tivos! O sistema escolar de Boston

Page 36: noesis75

36 37 Dossier Parcerias

tem melhorado, não por meio de uma varinha mágica, mas através da criação de melhores condições: os professores poderem ter reuniões de planeamento e fazerem trabalho de equipa; os alunos trabalharem em grupo; dar-se ênfase à numeracia e à literacia. Ao mesmo tempo, essas empresas que deram tem-po e dinheiro para contribuírem para a melhoria das escolas, também criaram estágios para os alunos, o que muitas vezes resultou em emprego. De facto, têm-se visto resultados!Como é que essas empresas apoiam

as escolas?

Contribuem financeiramente para a Fun-dação que, depois, contrata coordena-dores para trabalharem com as escolas, nomeadamente pedagogos experientes.Não há o risco de as escolas passarem

a estar ao serviço dessas empresas,

por exemplo?

Nos Estados Unidos, temos mais de 100 anos de experiência de ensino pro-fissional. Houve tempos em que algumas empresas tentaram criar programas de treino para os miúdos, como por exemplo, as companhias de telefones, para treinarem o uso das cavilhas dos aparelhos. Viu-se logo que isso não ia dar certo porque as empresas estão sempre

a modernizar-se, sempre a mudar. Não vale a pena ensinar uma coisa que está prestes a ser ultrapassada... Há uma fundação, a Education in the Economy, que já demonstrou que as escolas que melhor preparam os alunos não se focalizam numa função específica, mas numa formação geral. O mais eficaz, em termos de treino e de qualificação de emprego, é não só uma preparação em literacia, que implica entender um texto, como também saber trabalhar em grupo, cumprindo objectivos colectivos. Essas competências, que servem a indústria, são competências que nós, pedagogos, respeitamos e achamos sensatas. As empresas podem influenciar o

currículo do sistema educativo?

Não é qualquer empresa que pode desempenhar esse papel. As empresas de Boston definiram um perfil para os seus trabalhadores: queriam pessoas que soubessem efectuar cálculos, lidar com dinheiro, mas também indiví-duos que soubessem comunicar bem, oralmente e por escrito, inovar, traba-lhar em conjunto com outros, ter ideias novas...Trata-se de competências gerais...

São competências gerais, o que significa que não se abandona o ensino clássico,

o ensino humanista. Penso que, ao fim e ao cabo, podemos sempre chegar a um consenso. Por outro lado, este tra-balho fez com que me interessasse pelo Project-Based Learning. Em Portugal, existe uma área curricular

não disciplinar, a Área de Projecto, em

que se faz trabalho de projecto. Está,

então, a dizer que as parcerias são

facilitadoras do trabalho de projecto?

Claro. Podem-se criar projectos que são verdadeiros, que são do mundo real.Não são “de faz de conta”.

Exactamente. Criam-se condições que motivam as crianças: primeiro, porque não estão a brincar; segundo, porque podem relacionar o que fazem com o seu futuro. Um dos projectos que achei muito interessante foi o de um professor de espanhol, na High School, que propôs aos alunos que, em trabalho de grupo, decidissem como gastar 100 mil dólares numa campanha de marketing para um determinado produto. Teriam de desenvolver um programa de marketing para as comunidades de expressão espa-nhola nos Estados Unidos. Para tal, teriam de fazer estudos, desenhar um percurso, saber os estados em que as comunidades de expressão espanhola são mais numerosas, desenvolver um plano de marketing e seleccionar, tendo em conta o perfil de consumidor, os media mais eficazes – rádio, televisão, cartazes, jornais, revistas – para essa campanha. Necessitavam, enfim, de altos níveis de literacia, de saber usar computadores, de ser capazes de anali-sar dados, de fazer pesquisas... Este

As escolas que melhor preparam os alunos não se focalizam numa função específica, mas numa formação geral.

Page 37: noesis75

Aluno, professor, director de escola, formador de professores – a

vida de Jorge Cardoso parece confundir-se com a sua profissão.

Nasceu em Lisboa, mas partiu para os EUA com cinco anos. Entrou

na escola pela primeira vez, no ano seguinte, em New Bedford, Fall

River – tradicional lugar de acolhimento da comunidade portuguesa

– e nos EUA fez toda a sua escolaridade, incluindo licenciatura,

mestrado e doutoramento, num percurso bem diferente daquele

que era habitual entre os “portugueses da América”, conhecidos por

terem elevadas taxas de insucesso e abandono escolares. Atribui

o seu êxito, entre outras razões, à importância que os seus pais

davam à leitura e à escola, mas também a professores que teve,

como o luso-americano, descendente de madeirenses, Manuel

Sumares, professor de literatura na escola secundária e animador

de um clube de Filosofia, onde aprendeu a pensar em liberdade.

Terá sido essa influência que o levou à opção por uma licenciatura

em Filosofia. Depois dedicou-se à educação, seguindo John Dewey

para quem a pedagogia seria a aplicação prática da Filosofia.

A sua experiência de vida terá influenciado o interesse posterior

pela educação das minorias, a defesa do ensino bilingue e

a adopção, pela escola, de estratégias de aproximação e de

acolhimento às famílias.

Como director da Escola Secundária de Cambridge, frequentada

por 3000 alunos, procedeu à sua reorganização, dividindo-a em

subescolas dentro da escola para possibilitar o desenvolvimento

do sentido de grupo e uma maior personalização do ensino. Fez

formação de professores para elevar o nível de expectativas do

corpo docente relativamente aos alunos de minorias étnicas e

linguísticas. Criou parcerias com as famílias e as empresas da

região.

Colaborou também na formação de professores portugueses das

escolas superiores de educação na Universidade de Boston.

Uma investigação recente, que coordenou sobre escolas de

meios desfavorecidos com bons resultados académicos, revelou

a importância da ênfase na instrução e na aprendizagem e da

forte ligação à comunidade – uma confirmação científica do que a

prática lhe ensinara.

Pode saber mais sobre Jorge Cardoso na sua Página Pessoal:

http://www.geocities.com/jcardosoaway/EduCrescer.html

PERFIL

modo de trabalhar entusiasma os alunos e promove as aprendizagensEm que espaço curricular é desenvolvido o trabalho

de projecto nos Estados Unidos?

O trabalho de projecto é integrado nas diversas disciplinas, é uma maneira de as dinamizar e acaba por ser também uma forma de articular os saberes de diferentes disciplinas. Poderia dar mais exemplos?

Um outro exemplo é o de um ex-colega meu que criou, em San Diego, um sistema escolar completo. Ele era pro-fessor de carpintaria em Cambridge, mas também era advogado e tinha realizado filmes. Um sujeito de mil ofícios! Renovou o ensino profissional. Nós tínhamos programas para os cursos industriais meio antiquados destinados aos alunos que queriam, nomeadamente, ser carpinteiros, canalizadores, bate-chapas, mecânicos, etc. Por exemplo, no curso de bate-chapas foram integradas aulas de Inglês, de Marketing e Publicidade, para os estudantes saberem como lançar e desenvolver uma campanha. Ao mesmo tempo, teriam de aprender Matemática, para perceberem como se mantém uma empresa de bate-chapas, pois, mesmo em pequena escala, é preciso fazer a contabilidade.Portanto, tentou melhorar, diversificar e relacionar

as aprendizagens.

Exactamente. Ou, no caso do curso de carpintaria: para construir uma casa há normas do município que têm de ser observadas em termos de história, de volumetria dos prédios e de integração na arquitectura do bairro. Por outro lado, o preço do prédio tem de ser adequado à zona de construção, para não se construir um prédio tão caro que nenhum morador o possa comprar. O novo programa do curso abrange todas estas vertentes, ficando-se com uma visão mais ampla desse campo de actividade. Este professor agora foi convidado pela Bill Gates Foundation para expandir esta experiência. E o governador do Texas quer que sejam criadas 50 destas escolas no Texas, procurando sempre a integração das matérias a partir de projectos verdadeiros (Real World Projects), o que é considerado, por muitos especialistas, o futuro da educação. ::

Page 38: noesis75

38 39 Dossier Parcerias

Recursos

Há MESMO VONTADE DE APRENDER?

É esta vontade de aprender que está na origem do sucesso de uma parceria que pretende transformar a Trofa num concelho onde todos aprendem e durante toda a vida.

Texto de Teresa FonsecaFotografias do Projecto “Trofa Comunidade de Aprendentes”

O projecto “Trofa Comunidade de Aprendentes” (TCA) é promovido, em parceria, pela Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica do Porto e pela Câmara Municipal da Trofa. O projecto TCA procura dar oportunidade a todos os cidadãos do município de aprenderem ao longo de toda a vida. São os próprios munícipes que definem o que querem aprender – são os seus desejos e necessidades que tornam possível a organização e realização dos cursos.Um dos segredos do sucesso do projecto assenta na mobilização de todos os recursos do concelho, que vão desde uma vasta rede de instituições e serviços a pessoas que, a nível individual, se envolvem no projecto. Desenvolve-se, assim, uma dinâmica comunitária que leva à criação de centros de aprendizagem – “casas de aprender” – fundamentais como pólos dinamizadores de oferta educativa e de projectos de intervenção e ainda, no sentido de valorizar a mediação como prá-tica sociopedagógica, à constituição de uma rede de mediadores, essencial a uma maior proximidade com os aprendentes. Esta rede inclui duas sub-redes: mediadores de instituição e mediadores de aprendizagem. Estes últimos, rompem com a tradição de mediação, virada para a resolução de conflitos, e funcionam numa lógica de apoio às aprendizagens e de prevenção do abandono

Page 39: noesis75

1. Trabalhar em equipa;2. Escolher um dos elementos da equipa para identificar

projectos interessantes, elaborar propostas de parceria e angariar recursos;

3. Olhar em redor da escola e fazer o levantamento das organizações (museus, associações recreativas e culturais, centros de saúde, bibliotecas, empresas, organizações não governamentais sem fins lucrativos…) que podem contribuir para a concretização do projecto a desenvolver com os alunos. A proximidade é uma boa aliada;

4. Procurar conhecer a história das organizações identificadas, os materiais que produziram e os projectos que desenvolveram;

5. Dar preferência a entidades habituadas a trabalhar em rede e a participar nos problemas do meio;

6. Seleccionar uma entidade que apresente transparência nos seus objectivos e na forma como lida com os recursos;

7. Avaliar qualquer proposta externa em função das necessidades e das prioridades da escola e não daquilo que a organização oferece;

8. Clarificar o papel de cada um dos parceiros e definir os resultados esperados;

9. Incentivar o envolvimento de toda a comunidade escolar, o que é fundamental para a continuidade da iniciativa;

10. Estar aberto a novas ideias propostas pelos parceiros;11. Avaliar e partilhar os resultados, durante o projecto e

no final, dentro e fora da escola;12. Divulgar a troca de experiências e as ideias

construídas durante a parceria para que outros, noutras escolas ou noutras organizações, se possam

inspirar. ::

TF

* Inspirado em “Guia para uma parceria eficaz com as ONGS”,

de Priscila Ramalho, Nova Escola on-line.

SuGESTõES PARA uMA PARCERIA EFICAz*

escolar. De entre os diversos projectos de intervenção, destaca-se o designado por “Escola e Comunidade”, que abrange todas as actividades TCA, de iniciativa das escolas da Trofa, e que procura contribuir para uma maior cooperação das escolas, com as famílias e com a comunidade, em geral. Este projecto é coordenado por duas professoras mediadoras TCA, que contam com muitos colaboradores, desde professores (aposentados e no activo) e auxiliares de acção educativa, passando por alunos e encarregados de educação a outros membros da comunidade de apren-dentes: mediadores, técnicos e formadores. Para cada comunidade escolar envolvida no projecto “Escola e Comunidade”, existe um mediador de institui-ção, ao qual cabe:• Esclarecer sobre a dinâmica TCA, atendendo todas

as pessoas que se dirigem à escola na procura de informação e aconselhamento.

• Conceber e realizar actividades de mediação entre a escola e a família.

• Ser elo de ligação entre a escola e os outros actores da rede TCA – instituições, formadores, técnicos, media-dores e voluntários.

• Consultar os encarregados de educação sobre os seus interesses e incentivar o seu envolvimento na vida da escola.

• Assegurar mecanismos de informação e comunicação entre a escola, a família e a comunidade.

De entre as iniciativas do projecto “Escola e Comunidade”, destaca-se o programa “Jovens Voluntários”, que mobi-liza jovens de todas as escolas para actividades, das mais variadas, que podem ser no âmbito da montagem de peças de teatro, de questões ligadas à defesa do ambiente, à divulgação científica... ::TF

Page 40: noesis75

40 41 Dossier Parcerias

Desenvolver competências empreendedoras em alunos do

ensino secundário é o objectivo do Projecto “Empreender nas

escolas” (ENE), que resulta de uma parceria de disseminação

de várias Instituições e a colaboração de todas as direcções

regionais de educação.

Este projecto foi elaborado com a intenção de proporcionar

uma resposta complementar aos programas curriculares

existentes no ensino secundário português, que privilegiasse

sobretudo a participação activa dos alunos, incentivando

a responsabilização dos mesmos na concepção dos

seus próprios percursos (empowerment). Visa ainda a

aproximação da escola à empresa e ao meio, o aumento da

empregabilidade dos jovens e o apoio à sua transição para a

vida activa.

O ENE ajuda os alunos a:

- Elaborar um plano de negócios e criar uma empresa;

- Conhecer o meio onde vivem (empresas e serviços);

- Detectar oportunidades de trabalho e negócios para o

futuro;

- Trabalhar em equipa.

ENE é um programa integrado de aprendizagem organizado

em torno da elaboração de um Plano de Negócios pelos

alunos que é submetido a concurso na escola (ou escolas).

Integra ainda um conjunto de actividades complementares

que permitem reforçar nos alunos atitudes criativas e

empreendedoras e o conhecimento do mundo empresarial.::Para mais informação consultar:

http://www.projecto-ene.com/

RS

PARCERIAS COM EMPRESAS O Programa Comenius visa melhorar a qualidade da

educação em todos os níveis de ensino (do pré-escolar

ao secundário) e baseia-se em dois pilares essenciais:

actividades de cooperação e actividades de mobilidade.

Deste modo, a comunidade educativa é convidada a

participar em projectos de cooperação com outros agentes

educativos de outros países europeus.

A troca de experiências promove o desenvolvimento

do conhecimento e sensibiliza para a diversidade de

culturas e línguas europeias. Pode servir ainda para que

os jovens adquiram as competências básicas necessárias

ao seu desenvolvimento pessoal, ao futuro desempenho

profissional e a uma cidadania europeia activa.

O Comenius abrange o período compreendido entre

1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2013 e conta

com um orçamento de 7 biliões de Euros para os 31

países participantes (27 estados-membros, Noruega,

Islândia, Liechtenstein e Turquia) e financia vários tipos de

actividades de cooperação, designadamente: projectos de

cooperação em áreas temáticas específicas, possibilitando

intercâmbios de alunos e professores; actividades

de formação para professores noutro país europeu;

acolhimento de professores de outros países em escolas

portuguesas ou o envio de professores portugueses para

escolas europeias.

A partir de 2009, apoiará o desenvolvimento de projectos

cooperação entre autoridades locais e regionais com um

papel activo na educação escolar na Europa – Comenius

Regio.

Em Portugal, é a Agência Nacional para a Gestão

do Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida a

responsável pela gestão do Programa Comenius (medidas

descentralizadas).

Para mais informação consultar:

http://www.proalv.pt.

PARCERIAS EuROPEIAS

Page 41: noesis75

Actividades Comenius Régio

• Reuniões de projecto entre todas as

instituições envolvidas na parceria;

• Intercâmbios de pessoal envolvido na

educação escolar (ex: intercâmbios de

professores, visitas de estudo);

• Estudos e actividades de investigação;

• Job shadowing;

• Intercâmbios de experiências e

de boas práticas nas regiões e

municípios parceiros;

• Actividades de aprendizagem entre

pares e sessões de formação;

• Conferências, seminários e

workshops;

• Escolas de Verão;

• Campanhas de sensibilização;

• Publicação e disseminação de

documentação relacionada com

as actividades desenvolvidas pela

parceria;

• Preparação linguística para o pessoal

que participa na parceria;

• Cooperação com outros projectos

em áreas temáticas semelhantes

(incluindo Redes Comenius);

• Actividades conjuntas de

auto-avaliação;

• Disseminação dos resultados e

experiências do projecto.

Márcia MendesCoordenadora de Unidade Comenius-Grundtvig

Parcerias Comenius Régio

As parcerias Comenius Regio visam reforçar a dimensão europeia da educação, na

medida em que são as autoridades locais, regionais e nacionais, com um papel activo na

educação escolar, que são incentivadas a desenvolver novos projectos de cooperação.

Pretende-se que estas instituições estabeleçam parcerias nacionais com escolas e

outros agentes educativos (associações de pais, museus, associações de estudantes,

centros de formação de professores…), criem parcerias bilaterais com outros grupos

de instituições sedeadas noutro país europeu e que, em conjunto, elejam uma área de

interesse comum, de forma a desenvolverem intercâmbios de boas práticas, conceberem

instrumentos para a cooperação transfronteiriça e proporcionarem experiências de

aprendizagem aos professores, aos alunos e aos responsáveis pelos sistemas de

administração escolar.

Estas parcerias podem incidir em domínios como a organização da educação escolar,

problemas comuns à escola (inclusão, violência, racismo, xenofobia, entre outros). Esta

acção visa promover o desenvolvimento de uma cooperação estruturada entre as regiões

parceiras.

Em fase de candidatura, as instituições candidatas devem assegurar, de forma concreta,

a sustentabilidade dos resultados, designadamente, o apoio a futuras parcerias

entre escolas das diferentes regiões, o estabelecimento de intercâmbios

regulares de professores ou visitas de estudo, bem como a implementação

de novos métodos ou práticas.

No caso das regiões transfronteiriças, espera-se

que as regiões parceiras demonstrem a sua intenção

de desenvolver outras formas de cooperação

sustentáveis.

As parcerias Comenius Regio devem disseminar

os seus resultados de forma a incentivarem

outras regiões a beneficiarem das suas experiências.

Estas parcerias podem ser combinadas com outras

actividades de cooperação já existentes tais como

a geminação de cidades ou o E-Twining, ou outros

programas educativos europeus, devendo promover

actividades de cooperação adicionais, bem como

aprofundar outros tipos de cooperação já existentes

na área da educação escolar. ::

Page 42: noesis75

A reflexão sobre o mundo actual conduz-nos inevitavelmente à problemática da imagem. É impossível ignorar o impacto à escala global da circulação vertiginosa de imagens, com transformações determinantes ao nível dos comportamentos individuais e sociais.Como é que a escola trabalha esta temática? Em que medida podem os artistas levar-nos a reflectir sobre ela? Como estimular uma leitura crítica das imagens? De que modo se poderá integrar a expressão artística nesta reflexão? Estas foram algumas das questões lançadas no início do Projecto Imagens à Lupa, desenvolvido pelo Serviço Educativo da Fundação de Serralves, ao longo de um ano lectivo (2007- -2008), em parceria com a comunidade escolar, tendo em vista motivar crianças e jovens (do pré-escolar ao secundário) para uma pesquisa transversal em torno da imagem, dos seus significados, usos, interpretações e possíveis manipulações.Saber ver uma imagem é entrar em diálogo com ela, é con-vocar o pensamento reflexivo, a sensibilidade, a imaginação e o sentido crítico. No projecto Imagens à Lupa definiram- -se três campos específicos de pesquisa – documentos, repor-tagens, ficções – nos quais se centrou todo o processo de trabalho e produção criativa, fruto de um ano de colaboração entre Serralves e cerca de 35 escolas da região Norte. As imagens criadas pelos alunos oscilaram entre esses três

Em Serralves

IMAGENS À LuPA SERRALVES NA ESCOLA –

– A ESCOLA EM SERRALVESEm Serralves, os projectos anuais procuram despertar o prazer de aprender,

de interrogar e de criar, com o objectivo de estimular a aproximação à arte e à cultura contemporâneas, numa relação de crescente cumplicidade com as escolas.

É fundamental apostar nesta parceria, bem como na integração das actividades programadas nos projectos educativos e culturais das escolas.

Texto de Elvira Leite e Sofia Victorino Fotografias de Henrique Bento

42 43 Dossier Parcerias

pólos, para comunicar uma determinada mensagem, para descrever ou revelar uma realidade, para exprimir uma subjectividade.A fotografia e o vídeo foram os suportes escolhidos, através dos quais se mobilizaram conhecimentos e potenciaram capacidades de comunicação e intervenção. Solicitou-se que fossem privilegiadas as temáticas da arte e do ambiente, procurando que as imagens constituíssem um contributo para a criação de uma consciência crítica e de cidadania.O projecto integrou vários momentos, que se estruturaram do seguinte modo: – Encontro para divulgação e discussão do projecto (Novembro);– Seminário para reflexão em torno das temáticas a abordar (Março);– Acção de formação para educadores e professores;– Oficinas temáticas na Fundação de Serralves;– Visitas ao Museu e Parque de Serralves;– Ciclo “O Sabor do Cinema”; – Sessões pontuais para troca de impressões sobre os projectos em curso;– Exposição em Serralves para apresentação de trabalhos (de Maio a Setembro).

Page 43: noesis75

> SERRALVES NA ESCOLA Seguindo a configuração dos projectos que anualmente o Serviço Educativo de Serralves desenvolve, Imagens à Lupa trouxe este ano um dado novo: a possibilidade de levar a experiência de Serralves à escola. A ideia foi a de estreitar a relação com escolas vizinhas, convidando-as a realizar um pequeno filme de animação, sob orientação de Abi Feijó – uma experiência exigente e intensa, num total de 25 horas de duração. Esta vontade coincidiu com o interesse demonstrado pela coorde-nadora das bibliotecas das escolas EB1 do Aleixo e EB1 da Pasteleira, Isabel Moreira. Desejos cruzados que se concretizaram numa entusiástica par-ceria entre instituições.Antes da realização das oficinas nas escolas, o Serviço Educativo organizou uma acção de formação para educadores e professores, com o objectivo de pro-

porcionar uma introdução ao cinema de animação (três sessões, num total de 19 horas). Através de um manual interactivo da autoria de Abi Feijó1, abordaram-se os princípios essenciais das imagens em movimento, bem como as fases de produção de um filme.

> OFICINAS DE ANIMAçãO Nas escolas, as oficinas realizaram-se no espaço das respectivas bibliotecas e salas de aula, iniciando-se com uma animada conversa sobre a possibilidade de dar movimento às imagens fixas através de exercícios de desenho extre-mamente simples mas com muita magia. Em seguida, dedicou-se algum tempo à criação/experimentação de brinquedos ópticos (taumatrópio, zootrópio, flip book, entre outros)2.Tendo em conta a visita prévia das turmas a Serralves, não foi difícil para os alunos estabelecer ligações, envolver as temáticas da arte e do ambiente, e encontrar fontes de inspiração para a criação dos filmes colectivos.

Na construção das narrativas, algumas questões surgiram: Qual a história que queremos contar? Que acções e sequências definir? Que personagens escolher? Que cenários construir? Que sonoridades? Que técnicas e efeitos? Como conciliar todos estes aspectos num projecto comum?Os estudos e esboços individuais surgi-dos no papel, trabalhados depois em grupo, deram origem ao storyboard dos filmes, afixado na parede em lugar bem visível. Depois desta fase, iniciou-se a concretização do trabalho plástico, com materiais variados, tais como o cartão, o celofane de cores, a cartolina preta, e elementos como a areia e a água. As téc-nicas utilizadas foram essencialmente a pintura, a colagem e o recorte, para criar figuras e formas que deram corpo aos lugares e à acção, estimulando uma forte autonomia na concretização do projecto. Consoante as histórias e as motivações dos grupos, criaram-se efei-tos visuais e sonoros surpreendentes, numa abordagem que privilegiou a eco-nomia de recursos, sem por isso deixar de ser extremamente criativa.

Page 44: noesis75

44 45 Dossier Parcerias

> ANIMAçãO A PARTIR DE ELEMENTOS DA NATUREzAUma visita ao Parque de Serralves foi o ponto de partida para a primeira recolha de ideias, imagens e registos dos alunos do 4.º ano da Escola Básica do 1.º ciclo com Jardim de Infância do Aleixo – Agrupamento Vertical de Escolas Dr. Leonardo Coimbra (Filho).Esta oficina explorou o cinema de anima-ção como meio de promover a educação ambiental, propondo a realização de um pequeno filme colectivo, a partir de um pro-blema concreto relacionado com a polui-ção da Ribeira da Granja – tema sugerido pelos próprios alunos que, durante o ano,

teStemunhoS

“eu aprendi coisas novas sobre

a água e sobre a poluição. Não

conhecia a Ribeira que é mesmo

aqui tão perto do aleixo. Tenho muita

pena de quando a fui visitar ver tanto

lixo espalhado e mau cheiro.”

Nelson Pimenta, aluno da Escola EB1 do Aleixo

a ida a serralves motivou as

crianças para a problemática

do ambiente. a exposição de

Rauschenberg mostrava obras

de arte feitas com materiais

recuperados, como cartão de

embalagens, que o artista ia

encontrando nas suas viagens.

a nossa escola está muito

degradada. a Ribeira da Granja fica a

dois passos da escola e está poluída,

foi então que todos quiseram falar

deste problema ambiental. O nosso

desejo era recuperar a Ribeira da

Granja e também a nossa escola!

foi um modo original de

desenvolvermos conteúdos de forma

pluridisciplinar e de proporcionar às

nossas crianças vivências diferentes

das habituais.

a articulação com serralves e a

elaboração do filme de animação foi

um dos pontos altos deste projecto.

as crianças estiveram envolvidas

desde a construção da narrativa

à preparação dos adereços e,

finalmente, nas filmagens.

Creio que o interesse demonstrado

pelas crianças, bem como os

trabalhos de pesquisa que realizaram

comprovam que foi uma experiência

que terá de continuar.

Sónia Pinto, professora da Escola EB1 do Aleixo

Os projectos concretizaram-se entre acer-tos e improvisos, num processo ao longo do qual foi necessário combinar/negociar quem faz o quê, por quanto tempo, numa lógica de rotatividade – para que todos tivessem a oportunidade de experimentar as diferentes fases de produção. Cada grupo envolveu entre 15 a 20 crianças, pelo

que foi necessário distribuir a atenção por todas: enquanto umas pesquisavam nos computadores disponíveis, outras faziam desenhos expressivos ou escreviam textos. Deste modo, foi possível gerir o entusiasmo e a energia latente, sem conflitos e com regras definidas. O empenho de todos foi visível e o per-curso de aprendizagem realizado em conjunto ficou bem patente na qualidade dos filmes apresentados – primeiro visionados nas escolas, entre alunos, professores e famílias, depois no Museu de Serralves, na exposição Imagens à Lupa, que reuniu os trabalhos de todas as escolas participantes no projecto.

O empenho de todos foi visível e o percurso de aprendizagem ficou bem patente na qualidade dos filmes apresentados.

Page 45: noesis75

já tinham feito diversas pesquisas neste campo. A Ribeira Pantanosa foi o título escolhido para o filme, sempre com o acompanhamento das professoras Inês Silva, Sónia Pinto e Isabel Moreira.Jan Svankmajer, realizador de cinema de animação checo ligado ao movimento surrealista, constituiu uma das referên-cias estudadas.Um aspecto inovador desta oficina foi o de envolver a professora de Inglês, dando origem a uma segunda versão do filme, falada em inglês.

> ANIMAçãO A PARTIR DE OBJECTOS RECICLADOS (EMBALAGENS EM CARTãO) O cartão – material leve, flexível e facilmente reciclável – foi o ponto de partida para o filme Viagem aos nossos sonhos, realizado pelos alunos do 4.º ano da Escola Básica do 1º ciclo com Jardim de Infância da Pasteleira – Agrupamento Vertical de escolas Dr. Leonardo Coimbra (Filho), com o acompanhamento dos professores Pedro Cunha, Sandra Ferreira e Isabel Moreira. A motivação surgiu da visita à exposição de Robert Rauschenberg: Em Viagem 70-76, patente de Outubro a de Março de 2008 no Museu de Arte Contemporânea de Serralves.Nesta oficina, vários objectos em desuso foram reconvertidos, ganhando novas for-mas e vidas, sem esquecer que reutilizar e reciclar foi já uma preocupação de

teStemunhoS

as crianças aprenderam todo o

processo de realização de

um filme animado num trabalho

muito intensivo.

a visita a serralves deu a

conhecer um espaço cultural que

contextualizou todo o trabalho a

realizar na escola.

fiquei surpreendida com as atitudes

e comportamentos dos meus alunos

e alunas na visita à exposição.

estiveram atentos, mostraram

interesse pelo que estavam a ver e a

ouvir e até tiveram a preocupação em

tirar apontamentos sobre as obras.

a realização do pequeno filme de

animação na escola integrou diversas

disciplinas e várias áreas curriculares

do ensino Básico.

esta articulação, feita de forma

lúdica, explorou

a criatividade das

crianças assim

como o trabalho

em equipa

– interajuda,

cooperação,

ouvir o outro,

responsabilidade,

levar o trabalho

até ao fim atitudes

difíceis de gerir

com estes alunos.

a presença de

bons profissionais contribuiu para o

sucesso da oficina.

Com esta experiência as crianças

reforçaram a auto-estima e

fortaleceram as suas capacidades de

socialização.

Sandra Ferreira, professora da Escola EB1 da Pasteleira.

dadaístas e surrealistas, e é hoje uma preocupação ecológica da maior impor-tância.Laurent Pouvaret, realizador de cinema de animação francês, e o filme Há Festa na Sucata, realizado numa oficina da Casa da Animação (2002), constituíram também importantes pontos de refe-rência. Neste grupo, com o apoio do professor de música, Pedro Cunha, as crianças recorreram a diversos instru-mentos musicais e ensaiaram vozes para completar a parte sonora do filme. Houve ainda um registo vídeo, feito por Luísa Melo, que acompanhou todas as sessões, dando a conhecer em detalhe o processo de trabalho realizado. ::

1 “Teaching with Animation”, Manual sobre Cinema de Animação. Financiado pelo Programa Leonardo da EU. Parceria com: The University of the West of England, Bristol (UK), Ciclope Filmes, Porto (PT), 9Zeros,Barcelona (ES), Kinobuss, Tallinn (EE), School of Education, University of Aarhus, Copenhagen (DK) e coordenação de Animation Workshop, CVU Midt-Vest (DK).2 Consultar Brinquedos Ópticos (baseados no filme de Regina Pessoa “História Trágica com Final Feliz”) com Guia prático de iniciação ao cinema de animação. Ciclope Filmes.CERANTOLA, N., PARREIRA, T. (2008). Viagem às origens do Cinema. Noesis, 73: destacável.

Page 46: noesis75

Ainda antes de entrar na Escola EB 1 da Quinta do Alçada, em Leiria, já se ouve entoar canções tradicio-nais portuguesas. “Senhora Dona Anica, venha abaixo ao seu jardim, venha ver as costureiras a fazer assim assim” – é a primeira canção que se escuta, vinda de um gravador, ao mesmo tempo que é cantada por vozes de crianças.“Senhora Dona Anica, venha abaixo ao seu jardim, venha ver os sapateiros a fazer assim assim”, prossegue a canção, enquanto os alunos treinam uma coreografia, sob a orientação da professora de dança criativa, Tânia Carvalho.Todos de mãos dadas, numa roda, os alunos descrevem um círculo ao som da música, até que, a um sinal da professora, as raparigas fazem uma roda dentro da roda, em frente aos rapazes, enquanto estes marcham de mãos na cintura, sem sair do mesmo sítio.

Quando a música muda, os alunos voltam a fazer uma grande roda, com os rapazes e as raparigas de mãos dadas, a dançar ao som da cantiga tradicional, até voltarem a separar-se, raparigas para o centro da roda e rapazes a marchar com as mãos na cintura, pés para a frente, pés para trás.No final, quando a música termina, rapazes e raparigas fazem uma vénia, em jeito de agradecimento, antes de a professora de dança dar o ensaio por terminado. Finalmente, os alunos do 4.º ano estão prontos para ser filmados, para que a coreografia seja dada a conhecer num encontro de professores, a decorrer na Turquia, no âmbito do programa Comenius, em parceria com o projecto de Educação Artística MUSE.De acordo com os objectivos do programa Comenius, de dimensão europeia, a intenção é que cada país dê a conhecer as suas danças tradicionais de roda,

Repórter na escola

46 47 Dossier Parcerias

A ARTE DE MãOS DADAS COM A INTERCuLTuRALIDADE

A parceria da Escola EB 1 da Quinta

do Alçada, em Leiria, com o MUSE e a associação de

pais facilita a integração dos alunos de diversas

culturas que frequentam o estabelecimento de ensino,

proporcionando-lhes actividades como a dança,

a música, a expressão plástica e o cinema

de animação.

Texto de Elsa de BarrosFotografias de Henrique Bento

Page 47: noesis75

O projecto MUSE foi o caminho escolhido para dar resposta a este contexto, na medida em que, de acordo com a vice-presidente do agrupamento, “funciona como uma mais valia na integração dos alunos de diversas culturas, ao esbater as barreiras de comunicação, diminuir a discriminação e favorecer a aceitação”.A universalidade da comunicação através da arte é um ponto forte a favor desta escolha, permitindo o entendimento entre todas as crianças, independentemente de falarem ou não a mesma língua.A música e a dança são áreas consideradas privilegiadas, em consonância com esta perspectiva, enquanto formas de expressão universais que facilitam a comunicação. A estas duas áreas vêm juntar-se a Expressão Dramática, a Expressão Plástica e o Cinema de Animação, enriquecendo o leque de possibilidades dos alunos.Assim, no âmbito do projecto MUSE, todos os alunos dos 1.º e 2.º anos têm música e dança criativa, alargando-se a oferta para os anos subsequentes. Os alunos do 3.º ano têm expressão plástica e dança, enquanto os do 4.º ano têm cinema de animação e música.

proporcionando, igualmente, a oportunidade de as crianças aprenderem a cantar canções de outras nacionalidades.O projecto MUSE, centrado no ensino artístico e na interculturalidade, a decorrer nesta escola, deu um impor-tante contributo para que este trabalho fosse realizado nas melhores condições. Dando particular relevo à música e à dança, enquanto formas privilegiadas de Educação Artística e de comunicação entre crianças de diversas nacionalidades, este projecto aposta na valorização das culturas dos alunos que frequentam a escola, de forma a favorecer a sua integração e a promover o sucesso escolar.

UMA MAIS VALIA NA INTEGRAçãO DE ALUNOS DE DIFERENTES CULTURASA decorrer desde o ano lectivo de 2000/2001 nas Escolas do 1.º ciclo da Quinta do Alçada e de Marrazes, em Leiria, o projecto MUSE procura dar resposta a problemas concretos desta população escolar através da Educação Artística.Segundo a filosofia do projecto MUSE, o facto de estas duas escolas serem frequentadas por alunos de diferentes culturas não deve ser entendido como um problema, mas sim como um aspecto positivo, que permite o enriquecimento cultural de todos os colegas.Tal como refere Palmira Simões, vice-presidente do Agrupa-mento de Escolas de Mar razes, “nestas escolas, frequentadas por alunos de bairros desfavorecidos, provenientes de dife-rentes nacionalidades, era necessário ir por outro caminho, encontrando uma dinâmica capaz de resolver ou minimizar os problemas existentes”.Concretamente, na Escola EB 1 da Quinta do Alçada, carac-terizada pela grande mobilidade de alunos, entre 169 crianças matriculadas no estabelecimento, existem alunos oriundos de Marrocos, do Brasil, dos países de Leste, dos PALOP e de etnia cigana. Também há crianças que descendem de pais de nacionalidade francesa, canadiana, alemã e da África do Sul.

Page 48: noesis75

48 49 Dossier Parcerias

Estas actividades são desenvolvidas de acordo com a filosofia do projecto MUSE, o que significa que os animadores apostam essencialmente na expressão artística das crianças, ao mesmo tempo que valorizam as culturas dos alunos, promovendo as trocas culturais.

DESENVOLVIMENTO DE PARCERIAS ENTRE A ESCOLA E A FAMíLIAO projecto MUSE desenvolve a sua acção em parceria com a escola e com a associação de pais, de uma forma mais abrangente, promovendo a inte-gração dos alunos que frequentam o estabelecimento de ensino, e de um modo mais específico, dando resposta a solicitações concretas, vindas dos pro-fessores ou das famílias. A Festa de Gala, realizada na Primavera, representa o culminar do trabalho da escola, realizado em parceria com os animadores do MUSE e com a associação de pais, que tem um papel activo para tornar este dia possível, tanto no que diz respeito à organização do evento quanto no aspecto financeiro.O Teatro José Lúcio da Silva é o palco escolhido para esta comemoração,

durante a qual as crianças apresentam um espectáculo que inclui música, dança, teatro e poesia, ao longo de um dia que também funciona como uma oportunidade para conhecerem

os bastidores do teatro e ficarem a saber como se monta um evento desta natureza.O Brinca na Escola é outro dos acon-tecimentos que resulta desta parceria, que se traduz num dia de escola aberta à comunidade, durante o qual a escola sai para a rua, criando espaços onde os alunos podem brincar ao ar livre.O contributo mais significativo destes eventos, que representam a face visível do MUSE perante a comunidade envol-vente, consistiu na alteração da imagem da escola, que passou a ser pretendida por um maior número de famílias.“Os pais, ao terem conhecimento do pro-jecto MUSE e dos resultados obtidos, em vez de evitarem a escola, passaram a preferi-la no momento da inscrição dos seus filhos”, afirma Carla Cardoso, vice-presidente da associação de pais.

SONHAR AMARELO E ACORDAR CASTANHOO gosto que as crianças têm pelas acti-vidades do MUSE, que contribuem para uma melhor integração de todos os alunos, favorecendo a melhoria do ambiente na escola e, consequentemente, do sucesso escolar, foi determinante para a alteração da imagem do estabe-lecimento de ensino.Esse gosto é bem visível na aula de música, na qual os alunos do 1.º ano dão asas à sua criatividade, inventando canções, que o animador João Maneta acompanha ao piano, incentivando as crianças a darem continuidade às suas criações.“Eu sonhei amarelo e acordei castanho”, canta o João, de seis anos, para o grupo de colegas, acompanhado ao piano pelo professor. E continua, improvisando: “Sempre gostei de te ver ao pé do lago”.Marta, da mesma turma, aproveita a dica para inventar a sua canção que principia por “Quando sonhei pela primeira vez” e prossegue com um “Uuuuuuuuuu” melodioso que dispensa qualquer palavra. Palavras para quê? É o que pensa Liliana, quando se propõe cantar o fado. Abre muito a boca, faz uma grande pose e canta com “Oh, oh, ohs” entoados em grande estilo.Com outra turma do 1.º ano, as propostas são diferentes, com a introdução de mais instrumentos musicais, o animador João Maneta desafia os alunos a experimen-tarem a diversidade dos sons, enquanto os acompanha ao piano. Dos instrumentos de percussão e da flauta saem algumas das sonoridades experimentadas pelos alunos, que se

Page 49: noesis75

oferecem voluntariamente para tocar, enquanto os colegas, entusiasmados, não resistem a bater palmas, marcando o ritmo.“Sou fascinado pelos instrumentos”, justifica o animador. “Trago diferentes instrumentos para a aula, explico a sua história, demonstro como se tocam e convido os alunos a experimentarem, escolhendo, em primeiro lugar, as crianças com maiores dificuldades de integração ou as menos participativas, procurando cativá-las para a música”. Além dos instrumentos já mencionados, este professor cos-tuma levar para a sala a guitarra e a bateria, entre outras pos-sibilidades. “Trago, também, música para os alunos ouvirem, desde jazz a clássica, passando pela música das diferentes etnias existentes na turma, como por exemplo música brasileira”.Além de ouvirem, os alunos também inventam músicas e criam as letras em conjunto. Ensaiam todos juntos e, por fim, o professor grava o produto final, para que possam ouvir a sua criação.

“Procuro enquadrar a história dos instrumentos que cons-truímos, explicando quem foi o inventor, o local onde foi inventado e o avanço que representou”, afirma Ricardo Preto. “Trago também para a aula instrumentos de cada época, como câmaras dos anos 50, câmaras de filmar super 8, entre outros”. O animador apresenta, ainda, aos alunos filmes de animação realizados em Leiria por alunos de outras escolas, bem como filmes menos comerciais produzidos em determinados ateliers.Segundo Ricardo Preto, “O cinema de animação tem a vantagem de ser transversal, ao englobar a música, a dança, a expressão dramática e a expressão plástica, ao mesmo tempo que reflecte as origens das crianças”.A interacção entre os alunos e as suas diversas culturas é o principal objectivo de Tânia Carvalho, animadora de dança criativa, que estrutura as suas aulas de acordo com uma progressão que implica o aquecimento, o desenvolvimento e o relaxamento.“O essencial não é ensinar as crianças a dançar”, salienta a professora. “O trabalho desenvolvido é um meio para que os alunos descubram o gosto pelo movimento, a relação com o seu próprio corpo e com o do outro”.Os jogos propostos principiam de uma forma simples, tornando-se progressivamente mais complexos. O desafio pode consistir, por exemplo, em inventar um movimento para cinco partes do corpo, antes de se transformar esse conjunto de movimentos numa sequência. “A seguir, parte-se da criação individual para a de grupo”, explica Tânia Carvalho. Os alunos mostram aos colegas o que inventaram e pode-se criar uma coreografia, mais complexa e longa, com a sequência dos movimentos criados. “O que é importante é que percebam que toda a gente sabe dançar!”. ::

A CRIATIVIDADE COMO CAMINHO PARA A INTERACçãOO cinema de animação é uma das actividades proporcionada pelo MUSE de que as crianças mais gostam. Sob a orientação do monitor Ricardo Preto, têm oportunidade de aprender fazendo, através da construção de instrumentos de visualização óptica que permitem perceber os princípios do cinema.

Page 50: noesis75

CONDIçõES AMBIENTAIS, PEDAGóGICAS E PSICO-SOCIAIS NAS ESCOLAS: uma visão da gestão escolarA apresentação dos resultados da análise das respostas de um questionário enviado aos conselhos executivos sobre as estratégias utilizadas pelos estabelecimentos de ensino para a promoção e educação para a saúde, bem como para integrar os alunos com necessidades educativas especiais é o objectivo deste artigo centrado na forma como a escola pode contribuir para a saúde e o bem-estar dos seus estudantes.

50 51 Reflexão e acção

Texto de Isabel Baptista, Margarida Gaspar de Matos, Celeste Simões, Mafalda Ferreira, Gina Tomé, Inês Camacho e José Alves DinizIlustração de Guilherme Castro

Page 51: noesis75

á muitos factores que contribuem para o modo como uma escola pode realçar a saúde e o bem-estar dos seus estudantes. Este tema tem-se mantido na ordem do

dia e sabe-se que os programas integrados, holísticos e estratégicos são considerados os mais eficazes.A participação dos estudantes adolescentes na definição da cultura da escola, nomeadamente na definição das suas regras, e o sentimento de que são tratados com justiça constituem importantes determinantes da sua satisfação com a escola (Samdal, 1998). Esta satisfação com a escola funciona como factor de protecção, quer face aos comportamentos de risco, como o consumo de substâncias, nomeadamente tabaco e álcool, quer quanto ao bem-estar (Simões, 2007).No âmbito desta problemática (escola e condições ambientais, psico-sociais, etc.), é objectivo deste artigo apresentar os resultados da análise das respostas a um questionário enviado aos conselhos executivos (CE) sobre as estratégias utilizadas pela escola para a promoção e educação para a saúde, bem como para integrar os alunos com necessidades educativas especiais.Este questionário insere-se num campo de investigação mais alargado: o estudo Health Behaviour in School- -Aged Children (HBSC), que tem por finalidade a análise dos comportamentos de saúde dos alunos, sendo realizado de quatro em quatro anos. Actualmente, conta com a participação de 44 países, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde (Currie et al., 2004). Em Portugal, realizaram-se já três estudos nacionais em 1998, 2002 e 2006 (Matos et al., 2001; 2003; 2006). Com este artigo pretende-se, portanto, divulgar uma parte do estudo, a análise da ficha enviada aos conselhos executivos, centrando-a nos aspectos já anteriormente referidos. Por questões de economia de texto, destaca-remos o que nos parece pertinente, remetendo a leitura completa do artigo e de outros trabalhos para www.aventurasocial.com.

hAPRESENTAçãO E ANáLISE DOS RESULTADOSDa análise da totalidade de questionários dirigidos aos con-selhos executivos (taxa de resposta de 57 por cento), realçamos alguns dados considerados relevantes: primeiro, os dados relacionados com a Promoção e Educação para a Saúde, e pos-teriormente, os dados relacionados com a inclusão dos alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE).

Promoção e Educação para a SaúdeVerifica-se que em 79 por cento das escolas o projecto educativo contempla a área de Educação para a Saúde. No entanto, cons-tata-se que apenas 38 por cento prevê mecanismos de avaliação nesta área, sendo os relatórios e questionários/inquéritos os mais utilizados pelas mesmas. Quanto à adesão da comunidade à Educação para a Saúde é considerada pelos conselhos executivos como “Média” para professores e pais; no caso dos alunos, reparte-se de igual forma como “Média” e “Boa” (Quadro 1).

QUADRO 1 Adesão da Comunidade educativa à Educação para a Saúde

% fraca média boa excelente

Professores 9,1 45,5 40,9 4,5

Alunos 4,5 45,5 45,5 4,5

Pais 38,4 43,1 18,5 –

Relativamente ao tipo de conteúdos abordados, verifica-se que a prioridade é a alimentação (87 por cento), seguindo-se a sexualidade/prevenção das infecções sexualmente transmissíveis (86 por cento). Estes resultados podem indicar uma maior importância destas áreas em detrimento de outras, como o consumo de substâncias e/ou a actividade física que, conjugada com uma alimentação equilibrada, é factor de bem-estar.

Page 52: noesis75

Constatamos que as estratégias utilizadas são ainda maioritariamente o recurso a acções e con-ferências por agentes externos à escola, ao invés das recomendações nacionais, posteriormente retomadas pelo Grupo de Trabalho de Educação Sexual/ Saúde/(ME-GTES, 2005, 2007a, 2007b) Com feito, e de acordo com os conhecimentos científicos e pedagógicos actuais, preconiza-se o privilégio de estratégias participativas e inseridas nas estruturas e recursos de cada escola.

A legislação de referência considera que a “Educação

para a Saúde” deve centrar-se na transversalidade

disciplinar combinada com inclusão temática

nas áreas curriculares não disciplinares

(Despacho n.º 25 995/2005, de 28 de Novembro).

De facto, constata-se que é nas disciplinas de Ciências Naturais (90 por cento) e Educação Física (65 por cento) que a maioria dos conteúdos relativos à Educação para a Saúde são abordados e que o reforço desses mesmos conteúdos é feito nas áreas curriculares não disciplinares, essen-cialmente na Formação Cívica e na Área de Projecto.Em 2006, os conselhos executivos referiam que apenas em 45 por cento dos casos tinham garantias de que os alunos recebiam formação na área de Educação para a Saúde. Esta situação inverteu-se positivamente (GTES, 2007b), sendo esse conhecimento avaliado através de vários procedimentos pedagógicos.Verifica-se que, na grande maioria das escolas (96 por cento), não existe um orçamento espe-cífico para a área da Educação para a Saúde. Esta situação foi tida em conta e considerou-se que as escolas deveriam ser dotadas de um orçamento específico para esta matéria. (GTES, 2007b)

52 53 Reflexão e acção

É nas disciplinas de Ciências da Natureza e Educação Física que a maioria

dos conteúdos relativos à Educação para a Saúde são abordados.

Page 53: noesis75

Boas Práticas e Más Práticas na área da “Promoção e Educação para a Saúde”Quanto a boas práticas na área da Educação para a Saúde, destacam-se as acções de formação/dinamização/sensibilização (36 por cento). As reflexões do GTES apontam para a necessidade de tornar estas acções de formação e sensibilização práticas sustentadas e enraizadas na rotina escolar, com participação dos alunos e recurso privilegiado à educação entre pares e inclusão das famílias.Quanto às más práticas, destacam-se, para além da alimentação dese-quilibrada e do consumo de substâncias, a falta de avaliação dos pro-jectos. A questão da alimentação prende-se com a oferta alimentar, facto este que, posteriormente a este inquérito, foi alvo de legislação regulamentadora.

Inclusão de Alunos com Necessidades Especiais Em média, frequentam a escola cerca de 18 alunos com NEE de carácter permanente. Quando analisado o número de alunos por domínios, verifica-se que o domínio com uma média mais elevada é o cognitivo, seguido da comunicação/fala, onde aliás se regista o maior número identificado por escola (Quadro 2).

QUADRO 2 Alunos com NEE que frequentam as escolas – respostas do CE

mínimo máximo média

Cognitivo 1 33 9

Emocional/ Personalidade 1 23 5

Saúde Física 1 12 2

Comunicação/Fala/Linguagem 1 56 6

Quando questionados os conselhos executivos das escolas acerca da fre-quência com que os alunos com NEE participam nas actividades extracur-riculares promovidas pela escola, veri-fica-se que estes o fazem “Muitas vezes” ou “Sempre” (87 por cento).Em média, existem três docentes de apoio afectos à escola/agrupamento (entre um e 12). Também em média, mais de um técnico está afecto a este apoio (entre nenhum e três). Mais frequentemente, este técnico é um psicólogo. Os pais (um terço) participam no processo educativo dos filhos, no que

O principal desafio a nível da inclusão dos alunos com NEE

é a integração e a aceitação social destes alunos.

inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais. Ao nível de boas práticas de inclusão dos alunos com NEE, a mais reportada é “adaptações curriculares” (43 por cento), incluindo o apoio educativo especializado no trabalho em conjunto, por parte dos professores.O principal desafio a nível da inclusão dos alunos com NEE, segundo os conselhos executivos das escolas, é a integração e a aceitação social destes alunos, isto é, a mudança cultural que possibilite a diminuição de práticas dis-criminatórias (43 por cento).

se refere à avaliação e à elaboração e revisão do plano educativo. Em termos de apoio educativo, a arti-culação com instituições da comuni-dade local é feita essencialmente com instituições de educação da rede pública. A maioria dos conselhos executivos das escolas em estudo “Concorda ple-namente” que os alunos estejam inte-grados nos níveis físico, funcional e social. No entanto, alguns contestam esta integração.A participação em actividades comuns (54 por cento) é o modo como essen-cialmente se realiza a promoção da

Page 54: noesis75

PRINCIPAIS REFLExÕESAo incluir a Promoção e Educação para a Saúde no seu projecto educativo, a escola está a contribuir para o reforço de competências e, a longo prazo, está a contribuir para a formação de gerações saudáveis e intervenientes.Alguns aspectos merecem, pois, ser realçados:

> O facto de envolver a comunidade educativa para a abordagem do tema (Quadro 1) significa que a escola ganha consciência do seu papel no contexto em que se insere e que é “com todos” e não isoladamente que o projecto educativo se constrói e concretiza. Constata-se ainda que a adesão de professores e de alunos é maioritariamente “Boa”, o que pode levar a inferir que, tendencialmente, professores e alunos se encontram vinculados a estas matérias e/ou vice-versa, podendo contribuir assim para a vivência de “uma cultura de escola”.

> Os principais temas abordados prendem-se com as áreas temáticas, supe-riormente definidas. A alimentação é a área que sobressai, e esta tendência pode justificar-se se tivermos em conta que a obesidade/excesso de peso/ali-mentação incorrecta fazem parte da actual agenda política, não só a nível nacional, como europeu, do mesmo modo que a Educação Sexual se tornou uma área prioritária, tendo estado na base da criação do GTES em 2005.

No entanto, chama-se a atenção para o facto de as necessidades prioritárias no campo da saúde terem uma natureza essencialmente dinâmica. Por exemplo, a violência entre pares e os novos contornos da violência no espaço escolar trouxeram o assunto para primeiro plano, tendo-se verificado (GTES, 2007b) uma alteração de estratégias.

As estratégias para trabalhar as questões da alimentação, sexualidade e pre-venção dos consumos são sobretudo educativas, formativas e de mudança de atitudes, enquanto a estratégia para lidar com a violência é apenas de controlo. Seria desejável incluir medidas firmes e concertadas, integradas na cultura da escola. Este facto foi na altura salientado (GTES, 2007b).

> Quando a escola refere como más práticas a “alimentação” e “o consumo de substâncias”, tal leva-nos a questionar se as más práticas são endógenas ou exógenas à escola. Admitimos que parte das más práticas tenha a ver não tanto com a escola, mas com as ofertas no perímetro da escola e/ou a oferta alimentar por parte das famílias.

O mesmo raciocínio poderia ser aplicado à acessibilidade ao consumo de substâncias e alguma validação social e/ou familiar da violência. Isto leva- -nos a equacionar a falta de alternativas, a falta de modelos sociais e/ou a existência de modelos desajustados.

> A transversalidade do assunto, uma vez que a Educação para a Saúde não é “mais uma disciplina” que integra o currículo, mas antes uma matéria que deve

54 55 Reflexão e acção

ser abordada em diversas disciplinas e reforçada nas áreas curriculares não disciplinares (ACND), o que pressupõe que a entidade turma, formada por professores e alunos, planeie a melhor ocasião para abordar determinados aspectos.

A abordagem da Educação para a Saúde deve ser prática corrente e sustentada pela cultura de todas as escolas, e não meros episódios do tipo de comemoração de eventos, ou mesmo acções de sensi-bilização pontuais, envolvendo apenas agentes externos à escola.

Tal prática implica uma formação con-tínua de professores, para além de, a médio prazo, se passarem a incluir estas temáticas e metodologias na for-mação inicial dos professores das mais diversas disciplinas (no primeiro ciclo de formação superior).

> Neste estudo – este facto foi confirmado posteriormente (GTES, 2007b) – os pro-fessores de Ciências da Natureza/Bio-logia e de Educação Física surgiram na primeira linha da frequência, motivação e competência para assegurarem a dina-mização desta área. No entanto, noutros grupos disciplinares também se perfilam professores com competência e apetência para esta área.

> No que diz respeito aos alunos com NEE que frequentam as escolas de ensino regular, a situação, tal como descrita pelos conselhos executivos res-pondentes, parece animadora: a maior parte das escolas (não todas) garante a integração dos alunos com NEE na sala de aula, com apoios especiais. Regista-se

Page 55: noesis75

uma participação dos pais (não de todos) na sua esco-larização, tanto na avaliação como na elaboração do projecto educativo.

Lamentavelmente, ainda se registam algumas barreiras à integração de alunos, nomeadamente barreiras físicas, que terão de ser alvo de acção urgente.

CONCLUSÕESApós uma apresentação sumária da análise dos resultados obtidos, resta-nos salientar, em jeito de mote para futuras reflexões/investigações, dois aspectos:> Sublinha-se a importância de a escola reivindicar o

seu espaço e o seu projecto, construir a sua cultura particular, negociando e concertando com os prin-cipais intervenientes da comunidade. Este modelo, já presente em algumas, pode tornar-se o modelo de todas as escolas portuguesas.

Uma escola para todos é necessariamente uma escola de qualidade, capaz de se tornar suficientemente abrangente, de maneira a levar a cabo, de forma competente o seu projecto educativo, tendo em conta as características específicas dos diferentes actores envolvidos.

Tornar a excelência uma rotina é um custo (barato, desejável e inadiável) do desenvolvimento.

> Por fim, destes resultados, de algum modo animadores, fica-nos a dúvida sobre quem são e como serão as escolas não-respondentes? Embora possamos apenas especular, teme-se que sejam justamente as escolas com mais dificuldades, as menos motivadas para um projecto de inclusão em saúde, as menos capazes de discutir com os seus pares estratégias de optimização, ou seja, as mais necessitadas de mudança e de apoio na concretização do seu projecto educativo. ::

ReferênciasAnderson, E. M., & Clarke, L. (1982). Disability in adolescence. London: Methuen.Currie, C., Smith, R., Boyce, W., & Smith, R. (2001). HBSC, a WHO cross national study: research protocol for the 2001/2002 survey. Copenhagen: WHO.GTES (2005, 2007a,2007b). Educação para a saúde nas escolas: relatório preliminar, de progresso e final em www.dgidc.min-edu.pt retrieved 30/11/2005Matos, M.G., & Equipa do Projecto Aventura Social (1998 a 2006a). A saúde dos adolescentes portugueses: hoje em 8 anos, em http://www.fmh.utl.pt/aventurasocial/pdf/191206/nacional.pdfMatos, M.G., & Equipa do Projecto Aventura Social. (2006b). Kidscreen: qualidade de vida em crianças e adolescentes, retrieved 20-12-2006, from http://www.fmh.utl.pt/aventurasocial/pdf/191206/nacional.pdfSimões, C. (2007). Comportamentos de risco na adolescência. Lisboa: FCG/FCT.Simões, C., Matos, M. G., Tomé, G., Ferreira, M., Lebre, P., Sousa, A., et al. (2008). Risco e resiliência em adolescentes com necessidades educativas especiais Lisboa: CE/FMH/UTL.Tedesco, J.C. (2000) O novo pacto educativo, Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão, 2ª edição

Tornar a excelência uma rotina é um custo (barato, desejável e inadiável)

do desenvolvimento.

Page 56: noesis75

56 57 Meios e materiais

Textos de Apoio para Educadores de InfânciaDirecção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (2008)5,00 € (cada)

As brochuras Linguagem e Comunicação no Jardim-de-Infância, A Descoberta da Escrita, Geometria e Sentido de Número e Organização de Dados, pretendem contribuir para uma actualização e aprofundamento de conhecimentos científicos e didácticos, constituindo-se como um recurso pedagógico de suporte à acção educativa no jardim-de-Infância.

concepção destas brochuras assenta numa estrutura comum, contemplando uma vertente teórica de natureza mais informativa, alicerçada em investigação recente, e uma

vertente prática que inclui um conjunto de sugestões de tarefas e exemplos de actividades a realizar com as crianças. Na parte final, uma história de António Torrado “A mãe da Maíza é que conta” permite desenvolver um trabalho de exploração pedagógica, articulando diferentes áreas do saber, designadamente nos domínios da Linguagem Oral e Abordagem à Escrita e da Matemática.Linguagem e Comunicação no Jardim-de-Infância

(Inês Sim-Sim, Ana Cristina Silva e Clarisse Nunes) – Numa abordagem de conhecimentos que visa dar uma perspectiva do crescimento linguístico da criança, esta brochura convida a um olhar atento sobre aspectos do desenvolvimento da linguagem oral, como o processo de aquisição da linguagem nos primeiros anos de vida, a comunicação verbal no jardim-de-infância e o desenvolvimento da consciência linguística.A Descoberta da Escrita (Lourdes Mata) – Tendo como objectivo facilitar a compreensão do desenvolvimento das concepções das crianças, esta publicação visa, também, contribuir para uma clarificação de processos, no que se refere à aprendizagem e apropriação da leitura e da escrita. Perspectivando uma actuação centrada no desenvolvimento de competências e não no desenvolvimento e aprendizagem de perícias ou

conhecimentos específicos, a autora estabelece cinco competências essenciais que associa a seis eixos de acção: Responsabilidade, Intencionalidade, Referenciais Teóricos, Individualização, Organização e Avaliação. Geometria (Maria de Fátima Mendes e Catarina Coutinho Delgado) – Nos três primeiros capítulos desta brochura, são abordados aspectos específicos da aprendizagem da geometria, neles se incluindo a exemplificação de tarefas que ilustram diferentes procedimentos geométricos. Os restantes capítulos são especialmente focalizados na exploração de conexões que podem ser estabelecidas entre os vários domínios da Matemática, sendo o último capítulo dedicado, à semelhança das restantes publicações, à exemplificação de tarefas de articulação entre diferentes áreas curriculares.Sentido de Número e Organização de Dados ( Joana Pacheco de Castro e Marina Rodrigues) – Esta brochura integra dois grandes capítulos, sendo o primeiro dedicado à abordagem do sentido de número e construção de relações numéricas e o segundo à organização e tratamento de dados. A importância da análise de dados no mundo actual, tal como a sua forte relação com o quotidiano, é salientada pelas autoras que acentuam a necessidade de uma abordagem desta área da matemática, partindo dos saberes das crianças e de situações do seu dia a dia. ::

Isabel Lemos Carvalho

a

Page 57: noesis75

Livros

Não sei se sou diferente …A (in)visibilidade da diversidade cultural

Luísa Lobão Moniz

Livros Horizonte (2008).

“Este livro é dedicado a todas as crianças que, por graves

injustiças sociais, não estão abrangidas pela Declaração Universal

dos Direitos da Criança, assim como a todas as crianças que não

têm voz activa no seu processo de aprendizagem.”

Com esta dedicatória, a autora “dá o tom” e explicita as

intenções do seu trabalho que teve como ponto de partida uma

tese de mestrado na Universidade Aberta. Luísa Lobão Moniz

trata da diversidade (física, cultural, linguística…), agora tão

visível nas escolas portuguesas, dando a palavra aos alunos.

Como diz Ana Benavente no prefácio, “a diversidade cultural

sempre existiu nas escolas públicas. Meninos de meio rural

e de meio urbano, filhos de pais letrados ou analfabetos

chegavam às escolas com as suas experiências e modos de

vida (…) as suas proximidades ou estranhezas com a “cultura

escolar”. Só que essa diversidade (…) não tinha cores nem

falares crioulos…”

Hoje, a diversidade – ou alguma dessa diversidade – é mais

visível. Mas como a sentem os alunos, como a vêem, como a

representam? Sentem-se diferentes? São tratados igualmente

como se fossem iguais ou com equidade tendo em conta as

suas diferenças?

Luísa Lobão Moniz partiu da questão: “Quais as representações

dos alunos sobre a escola multicultural do 1.º ciclo que

frequentam?” Alia o seu profundo conhecimento de experiência

feito a uma metodologia de investigação académica, concluindo

que a criança, apesar de possuir representações sociais por

antecipação (transmitidas pela família, vizinhos, amigos…),

também é capaz de as construir, autonomamente, com base

na sua experiência de vida na escola. Ou seja: a escola pode

modificar a realidade. ::

MEBS

A Educação em Portugal (1986-2006). Alguns contributos de investigação.

Conselho Nacional de Educação (2007)

No âmbito do Debate Nacional sobre Educação, o Conselho

Nacional de Educação (CNE) solicitou à Sociedade Portuguesa

de Ciências da Educação a realização de um estudo sobre os

principais contributos da investigação educacional realizada

em Portugal nos últimos 20 anos, centrado em quatro

grandes temáticas – Administração Escolar, Desenvolvimento

Curricular, Formação de Professores e Educação não Formal.

O estudo foi publicado pelo CNE, num livro intitulado A

Educação em Portugal (1986-2006): alguns contributos de

investigação e reúne as análises de quatro investigadores.

Licínio C. Lima, no texto Administração da educação e autonomia

das escolas, elege “a autonomia como problemática nuclear e

como analisador privilegiado” das políticas educativas nas duas

últimas décadas e conclui que a administração da educação

é “baseada em profundas assimetrias de poder entre o centro

e as periferias escolares”. No capítulo Currículo, investigação

e mudança, José Augusto Pacheco nota que a “velocidade

política” a que se sucedem as reformas curriculares as torna

inconsequentes “porque pretendem mudar demasiados

aspectos”. Manuela Esteves, sobre Formação de professores:

das concepções às realidades, passa em revista os diferentes

modelos que têm inspirado a formação inicial, reconhecendo

que “os níveis de qualificação profissional dos professores

portugueses são actualmente muito superiores ao que eram

há 20 anos”, mas que, “nem sempre (...) têm tido os efeitos

que se esperaria na transformação do real educativo e

formativo”. Rui Canário, no texto Aprender sem ser ensinado: a

importância estratégica da educação não formal, apresenta “uma

sistematização (...) do contributo da investigação em Ciências

da Educação para o conhecimento mais lúcido” das práticas de

educação permanente. ::

Teresa Gaspar

18,00 e16,00 e

Page 58: noesis75

58 59 Meios e materiais

SEMENTES DE MÚSICA para bebés e crianças

Ana Ferrão e Paulo Rodrigues

Editorial Caminho (2008)

sementes de Música lembra o sonho, a mãe, o pai, a

brincadeira, o avô e a avó, o acordar e o adormecer... é o

perfume musical que atravessou a nossa infância, as canções,

as lengalengas, os jogos, o universo sonoro que despertava os

nossos sentidos em muitos momentos. O leitor poderá pensar

que se trata de mais uma obra no meio de muitas para os

recém-nascidos, daquelas selecções de música dos grandes

compositores do repertório clássico. Desengane-se! São obras

originais e, mais do que isso, são as antigas canções, rimas

e lengalengas renovadas por quem sabe fazer música para

crianças.

Um CD áudio acompanha sonoramente um livro. No primeiro,

podemos ouvir repertório musicalmente diversificado

(andamento, dinâmica, forma, textura, modalidade), uma

presença inequívoca da cultura e tradições portuguesas, uma

qualidade nas interpretações e arranjos. No livro encontramos

as letras das canções, acompanhadas de partitura da voz

principal, rimas, lengalengas e jogos tradicionais infantis,

estes últimos em conjunto com propostas de prática ou talvez

convites ditos de forma quase poética como se falassem com

as crianças. Estas propostas estão implicitamente relacionados

com categorias de acção musical, como o movimento, o

ritmo ou a audição musical. No final, são apresentados

esclarecimentos pedagógico-didácticos sobre como comunicar

espontaneamente através da música ou organizar uma

intervenção musical intencional considerando a primeira

infância. Como os autores referem, esta é uma obra para pais

ou familiares mas também uma referência para educadores de

infância com formação em música ou profissionais do ensino da

música. ::

Carlos BatalhaEscola EB 2,3 de Vialonga

14,90 e

Livro + CD Áudio

Textos Inevitáveis

Alfredo Betâmio de Almeida

Câmara Municipal de Benavente e Educa – Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, co-edição (2007)

A publicação de Textos Inevitáveis, de Alfredo Betâmio de

Almeida, foi uma forma de prestar uma homenagem, há muito

merecida, a este professor que marcou gerações e que foi uma

autoridade na teoria e prática da educação estética visual em

Portugal.

O conjunto de textos, agora publicado, foi encontrado após

a sua morte entre as pinturas e textos inéditos do autor.

Betâmio tinha o sonho de publicar um dia estes textos em

livro. Foi possível tornar esse sonho realidade devido à enorme

persistência de Elisabete Oliveira, professora da Faculdade de

Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. A

ela se deve a recolha e organização dos textos, a coordenação /

montagem da obra, a nota editorial, a introdução e a cronologia.

Conforme afirma Rómulo de Carvalho, no prefácio à obra, “não

seria justo deixar amarelecer numa gaveta as notas que o professor

Betâmio de Almeida redigiu e reservá-las apenas à leitura de

parentes e de amigos. Há muito que aprender nas páginas do seu

diário.” De facto, o livro é constituído por textos de natureza mais

diarística ou mais ensaística, que vão desde 1957 a 1985.

Uma leitura atenta deste livro poderá ser de grande utilidade para

os professores, especialmente os de Educação Visual. Também

os investigadores em educação têm muito a ganhar com o estudo

da obra, pela importância do registo vivencial de Betâmio que

integra a dimensão do professor e esteta no quotidiano. A ligação

profunda à sua terra (Benavente), que transparece em numerosos

textos onde dá conta das vivências do benaventense, do português

e da pessoa, espelha bem a riqueza dessa dimensão do

quotidiano no seu registo vivencial.

Sobre os textos incluídos nesta obra poder-se-ia citar o autor:

“Tudo o que fiz foi sério e com convicção. Isso basta!” ::

TF

10,00 e

Page 59: noesis75

Looking for Richard

Al Pacino

Edivideo (1997)

Sem ser um filme didáctico, é um filme para professores. Mas

é, sobretudo, um excelente filme.

Os professores têm alguns desafios semelhantes ao deste

filme. Na escola há, muitas vezes, um assunto que é difícil

ensinar aos alunos. Aqui há a peça Ricardo III, de Shakespeare,

para “traduzir” aos espectadores. Al Pacino propõe-se o desafio

de transformar uma peça difícil numa história entendível,

mesmo “prazeirosa” de se ver e ouvir. Como o consegue?

Primeiro, utilizando o registo documental de rua para que o

espectador se aperceba da dificuldade da tarefa. As entrevistas

fazem passar a acção do passado para a actualidade: muitas

pessoas não conhecem a peça, não conhecem Shakespeare ou

esta obra em particular, ou apenas a conhecem da televisão.

Depois escolhendo diferentes modos narrativos, filmando em

diferentes espaços e diferentes tempos.

O espaço fílmico são os EUA e Londres, é o interior de um táxi

mas também o espaço cénico ou os ensaios do filme. O tempo

do filme é o tempo dos Lencastres e dos Yorks, mas, de facto, é a

actualidade, pois a peça é vista na actualidade e para ter efeitos

actuais. O que é bem visível nas cenas de câmara ao ombro, nas

discussões sobre o significado da peça ou sobre os diferentes

caminhos da encenação e da representação. O resultado é

complexo, mas um deleite para os neurónios.

Os professores podem propor aos alunos dos 11.º e 12.º anos

um exercício simples. Antes de começarem a ver o filme

escrevam o que souberem sobre Ricardo III, durante cinco

minutos. Recolhem a folha, não assinada de preferência. Fazem

o mesmo depois de visionarem o filme na íntegra. Por último,

dirão o aspecto mais importante que cada um reteve. O professor

coordenará para que cada um seja ouvido, aspecto essencial na

escuta dos outros. Partilharão todos muitas surpresas. ::

José Carlos Abrantes

http://redeinclusao.web.ua.pt/

A ReDeinclusão é um projecto integrante da Associação

Cidadãos do Mundo – Organização Não Governamental para o

Desenvolvimento. Tem como princípio orientador a Educação

Inclusiva, segundo definição da UNESCO: “Um processo

de encarar e responder à diversidade das necessidades de

todos os alunos, através da promoção da participação na

aprendizagem, nas culturas e nas comunidades e da redução

da exclusão a partir da educação”.

Visa a promoção da educação inclusiva e social de crianças e

jovens em Portugal e nos países de língua oficial portuguesa

(PALOP). Isto significa que a actuação da ReDeinclusão

se dirige aos que vivem em condições de privação ou

abandono, aos portadores de deficiência ou doenças graves

e prolongadas, aos refugiados, às minorias culturais e

linguísticas e a todos os que estão, por qualquer razão,

excluídos de uma educação formal.

Para atingir este objectivo utiliza fundamentalmente duas

estratégias: a disponibilização de informação em língua

portuguesa e a partilha de testemunhos vindos dos PALOP.

a ReDeinclusão inspira-se na organização enabling education

Network (EENET), tendo como referência os seus valores,

princípios e estratégias de actuação. Assim, os professores

e membros das comunidades (pais, auxiliares de educação,

técnicos de reabilitação, dirigentes escolares, agentes de

desenvolvimento comunitário) partilham experiências para

tornar a educação mais acessível a todas as crianças. Deste

modo, a informação disponibilizada na Rede – cartas, boletins,

publicações – constitui-se como instrumento chave para a

dinâmica deste site.

A ReDeinclusão, mais do que um site, é um ponto de encontro

e uma ponte para a resolução de problemas, procurando

criar espaços de reflexão e diálogo para responder, da melhor

forma, à diversidade dos alunos. ::

Ana Pintão CorreiaEscola EB 2,3 de Bocage

SiteDVD

Page 60: noesis75

60 61 Visita de estudo Aqueduto das Águas Livres

Na pista de Diogo Alves, pelo Aqueduto das Águas Livres

Atravessar o Aqueduto das Águas Livres, avistando a cidade de Lisboa de cima, já é uma verdadeira aventura. Mas com as histórias do tempo em que a imponente obra de engenharia transportava a água para a capital, condimentadas com o relato das malvadezas do lendário bandido Diogo Alves, a emoção é ainda maior.Texto de Elsa de BarrosFotografia de Henrique Bento

Page 61: noesis75

01

1. Quem sabe o que é o Aqueduto? “Quem sabe explicar o que é o Aqueduto?”, desafia Bárbara Bruno. Uma aluna, do alto dos seus sete anos, explicita, com grande clareza: “É uma espécie de ponte por onde antigamente passava a água para Lisboa”. “E também servia como ponte para as pessoas entrarem na cidade”, acrescenta a monitora, antes de passar a outros esclarecimentos. “O Aqueduto mede 58 quilómetros e vem desde Belas até Lisboa, mais exactamente até à Mãe d’Água das Amoreiras”.“O Aqueduto é como uma árvore que tem um tronco, ramos e raízes. Além do tronco principal, que liga Belas a Lisboa, tem ramos que são outros aquedutos mais pequenos que levavam a água aos diversos locais”, prossegue. “Até casa das pessoas?”, querem saber os alunos. A monitora sorri e esclarece: “Não, ainda não havia água em casa das pessoas no século XVIII. Nessa época, ia para os chafarizes, mas, como choveu pouco, havia pouca água e a população tinha de passar muitas horas na fila do chafariz para poder levar apenas seis litros de água para casa”. José Miguel abre muito os olhos e questiona, incrédulo: “Como é que a senhora sabe, se ainda não era viva nessa altura?!”. Bárbara, sem conseguir conter o riso, explica, da forma mais simples possível, como se pode saber o que se passou em tempos que já lá vão e entra em mais pormenores sobre o dia-a-dia nessa altura: “As pessoas não tomavam banho porque julgavam que a água fazia mal: abria os poros e deixava entrar as doenças. E também tinham de ser muito poupadas com

A travessia do Aqueduto das Águas Livres é o grande objectivo dos alunos do 1.º ciclo da Escola EB 1 da Golpilheira, que vieram da Batalha para poderem ter a experiência de passarem no local por onde antigamente a água era transportada para a cidade de Lisboa e, também, para conhece-rem o sítio onde o lendário bandido Diogo Alves assaltava quem se lhe atravessasse no caminho.Mas antes são convidados para se sentarem na relva, em círculo, para falarem com Bárbara Bruno, técnica do serviço educativo, sobre a his-tória do Aqueduto das Águas Livres e para participarem no jogo do Telefone Estragado. “Sabem onde estamos?”, pergunta a orientadora da visita. Os alunos do 2.º ano respondem em coro, sem hesitar, demons-trando terem a lição bem sabida: “No Aqueduto das Águas Livres!”.

A TrAvESSIA DO AQUEDUTO Em CINCO ETAPAS

Os alunos estão prontos para recuar até ao reinado de D. João V, época em que a água era um bem escasso na cidade de Lisboa. Uma vez que a única área com nascentes de água era o bairro de Alfama, o crescimento da cidade para fora das cercas medievais acentuou a situação de défice crónico no abastecimento de água à capital.Para fazer face a este problema, surgiu a ideia de aproveitar as águas do vale da Ribeira de Carenque, na região de Belas, que já haviam sido uti-lizadas pelos romanos. Apesar das receitas sobre o ouro e os diamantes provenientes do Brasil, o projecto foi custeado pelo povo, através de uma taxa sobre a carne, o vinho, o azeite e outros produtos alimentares.Enquanto conversam com a monitora do serviço educativo e percorrem o Aqueduto das Águas Livres, as crianças ficam a saber diversos pormeno-res interessantes acerca de uma obra que, apesar de só ter sido concluída no século XIX, em 1748 já fornecia água à cidade.

Page 62: noesis75

62 63 Visita de estudo Aqueduto das Águas Livres

02 03

A monitora questionou:Sabem qual foi o rei que

mandou construir o Aqueduto?

comparamos com o que eu disse para ver se é parecido”. A orientadora da visita certifica-se de que todos os alunos compreenderam bem as regras, antes de dar início ao jogo. “Vou dizer ao ouvido da Rita uma forma de poupar água”, afirma, antes de colocar a mão em concha junto ao ouvido da aluna. A Rita, logo de seguida, segreda ao ouvido do colega do lado, até dar a volta a todos os alunos sentados em roda.Quando chega ao último, Bárbara pergunta: “Qual é a mensagem?”. “Poupar água”, responde o aluno. A monitora sorri e desvenda qual foi a mensagem inicial: “Rega o jardim à noite e não de manhã”. Os alunos riem, surpreendidos com a diferença entre a mensagem inicial e a final. “Porque é que não se deve regar o jardim à hora de mais calor?”, pergunta a monitora. “Porque evapora mais. Por isso, se regarmos à noite, poupamos mais água”, responde o Dinis.

3. Atravessando o aqueduto, na pista de Diogo AlvesCom os alunos já de pé, ao aproximarem-se da entrada do Aqueduto, Bárbara questiona: “Sabem qual foi o rei que mandou construir o Aqueduto?”. Saber, saber, os alunos

a água, porque, como já falámos, tinham muito pouca. Para evitarem o desperdício, começavam por lavar a roupa e, depois, utilizavam a mesma água para lavarem as mãos, os pés e a cara. A seguir, faziam a barba e, após isso, lavavam tudo o que havia para lavar em casa. Por fim, deitavam a água suja pela janela, para a rua”.Desta vez, é que as crianças ficam verdadeiramente perplexas, quase duvidando do que acabaram de ouvir: “Deitavam a água suja para a rua? Mas isso é uma porcaria!”. “Pois era”, concorda a monitora. “As ruas, nessa época, cheiravam mal. Mas o problema não era só a falta de higiene, eram também as doenças. As pessoas viviam, em média, até aos 35 anos”.

2. A mensagem é... poupar águaAinda sentados na relva, os alunos preparam-se para jogar ao Telefone Estragado, sob a orientação de Bárbara, que explica quais são as regras. “Eu vou dizer uma coisa, muito depressa, ao ouvido da Rita, que está aqui ao meu lado. A Rita tem de dizer aquilo que ouviu ao ouvido do colegado lado, e este, por sua vez, repete ao ouvido do colega que tem ao seu lado. Quando a mensagem der a volta a todos os alunos, o último colega diz em voz alta aquilo que ouviu e

sabem na ponta da língua o nome de Diogo Alves e desejam, acima de tudo, avistar o lugar de onde o famoso bandido atirava as pessoas. “D. João...”, arrisca um aluno. “D. João V”, completa a monitora. O professor da turma, Manuel Ribeiro, diz, em jeito de desabafo: “Ainda ontem estivemos a falar sobre a história do Aqueduto na aula e referimos o nome de D. João V, mas o que os entusiasmou mais foi o episódio do Diogo Alves...”. À entrada do Aqueduto, antes de terem de passar para a modalidade de andar em fila indiana, a monitora chama a atenção para aquilo que vão ver durante a travessia. “Vamos passar por uma pedra que marca duas coisas...”, começa a falar, mas é interrompida por um aluno, que arrisca um palpite. “O local onde Diogo Alves atirava as pessoas?”.“Sim, mas não só”, responde Bárbara, divertida com a curiosidade das crianças. “Vão passar em cima do arco em pedra mais alto do mundo. Quando passarem, vão poder ver numa placa a altura desse arco em palmos, que era como se media na altura, e em metros. Estejam atentos”, recomenda.Na primeira parte da travessia, as crianças estão fascinadas com a altura

Page 63: noesis75

04 05

do Aqueduto, com a visão da cidade que parece tão pequena, lá em baixo. As estradas, os carros e as casas – tudo parece mais pequeno quando avistado lá de cima. Os muros de pedra grossos e imponentes da ponte do Aqueduto são outro fascínio, contribuindo para a admiração dos mais novos.Mas eis que é chegado o momento de passar no arco mais alto do aqueduto, onde é possível ler, na placa mencionada pela monitora, a altura em palmos e em metros. Rita lê em voz alta, como se falasse consigo própria: “Mede 296,75 palmos e 65,29 metros”.É uma altura impressionante para pensar que o lendário bandido atirava as suas vítimas daquele local, com a ajuda dos seus cúmplices, sendo difícil evitar sentir um arrepio pela espinha acima.

4. As patifarias do lendário bandido e dos seus cúmplicesDo outro lado do Aqueduto, já em Monsanto, Bárbara convida as crianças a sentarem-se nuns bancos de madeira corridos, enquanto aproveita para

recapitular o que de mais importante aprenderam ao longo da visita de estudo.Mas o que é certo é que, relativamente ao caso de Diogo Alves, os alunos ainda não têm a curiosidade satisfeita, pedindo à monitora que lhes conte mais pormenores dos terríveis crimes cometidos pelo lendário bandido.“O Diogo Alves tinha uma namorada chamada Gertrudes Maria, mais conhecida por Parreirinha, que lhe estava sempre a pedir dinheiro”, conta Bárbara. “Para corresponder às exigências da namorada, Diogo Alves arranjou um bando para assaltar as pessoas que passavam pelo Aqueduto, entre as seis da manhã e as dez da noite. O bando era formado por cinco bandidos, conhecidos por Beiço Rachado, Pé Dançante, Enterrador, Apalpador e Pancador. Esta última alcunha era a do Diogo Alves, que era assim chamado porque era ele que dava a pancada nas pessoas e as atirava do Aqueduto abaixo”.As crianças estão boquiabertas com a história e querem saber mais. A monitora não se faz rogada: “Durante

seis meses, os bandidos não foram descobertos, o que lhes permitiu continuar com os seus crimes. Mas, mesmo depois de terem sido identificados, conseguiram andar à solta durante 20 anos. Só ao fim desse tempo é que Beiço Rachado foi apanhado e denunciou os outros cúmplices, que foram surpreendidos enquanto assaltavam uma taberna na Avenida da Liberdade. Diogo Alves foi enforcado e utilizou-se a cabeça dele para fazer um estudo sobre a maldade”.

5. Quem é a personagem mistério?Bárbara tira partido do local, à sombra das árvores, para propor um novo jogo denominado Personagem Mistério, que tem como objectivo dar a conhecer quem é uma determinada personagem, recorrendo à mímica.“Fazemos assim: eu digo ao ouvido de um aluno o nome de uma das personagens de quem estivemos a falar e vocês vão-lhe fazendo perguntas. O colega responde através da mímica até descobrirem quem é”, elucida a monitora.As primeiras personagens mistérios são, como não poderia deixar de ser, Diogo Alves e a sua caprichosa na-morada, seguindo-se D. João V, uma lavadeira e a própria Bárbara, a quem coube a concepção e a orientação da visita de estudo.Com este jogo, chega ao fim o programa da visita de estudo, que tanto entusiasmou os alunos, restando-lhes fazer o percurso inverso, voltando a atravessar o Aqueduto das Águas Livres até ao ponto de partida. ::

As crianças estão fascinadas com a altura do Aqueduto, com a visão da cidade que parece tão pequena, lá em baixo.

Page 64: noesis75

64 65 Campanha de sensibilização

Porque se fala tanto hoje em dia de Educação para o Desenvolvimento? E não é toda e qualquer educação um caminho para o desenvolvimento? É a constatação de que o mundo em que vivemos não corresponde ao mundo em que gostaríamos de viver que torna a Educação para o Desenvolvimento tão relevante.

INTERAGIR COM O MuNDO ATRAVéS DA EDuCAçãO PARA O DESENVOLVIMENTOTexto Centro de Informação e Documentação Amílcar CabralFotografia Patrícia Santos

Na Educação para o Desenvolvimento (ED), procura-se olhar o mundo à nossa volta de forma crítica, de modo a compreender as interdependências entre o espaço onde habitamos, o país, a região envolvente e o globo como um todo, e as dimensões social, política, económica, cultural e ambiental. Mais ainda, trata-se de construir alternativas enraizadas em valores como a justiça, a equidade e a solidariedade, mobilizando as pessoas para a mudança. A ED é, portanto, diferente de outras “educações”. Muito mais do que a obtenção de conhecimentos concretos para o desempenho de determinada tarefa, cuja utilidade não está em causa, a ED está centrada no desenvolvimento humano, apetrechando cada pessoa com as ferramentas que lhe permitem pensar, ser criativa e agir num mundo complexo como o nosso.O desafio é enquadrar estes valores de forma mais estruturada e transversal, quer nas áreas curriculares, quer nas áreas não cur-riculares. A Área de Projecto e a Formação Cívica são espaços privilegiados para se trabalhar a ED, mas esta deve abranger todas as disciplinas.

E COMO PôR A EDUCAçãO PARA O DESENVOLVIMENTO EM PRáTICA?Na nossa perspectiva, uma mais-valia é a interacção entre as escolas e as Organizações Não-Governamentais (ONG). Em Portugal, há várias ONG que trabalham nesta perspectiva, algumas há vários anos. A forma mais estruturada desta interacção é, eventualmente, a participação em projectos. O Centro de Informação e Documentação Amílcar Cabral (CIDAC), por exemplo, tem neste momento dois projectos com escolas:> CLUBES DE COMéRCIO JUSTO, dinamizado com o Instituto Mar-

quês de Valle Flôr e cinco organizações de Comércio Justo. Foram14 as escolas que aderiram ao projecto e criaram um espaço, com fun-cionamento semanal, ao longo do ano lectivo, para trabalhar temas ligados ao Comércio Justo e ao Consumo Responsável. Nalgumas escolas, o espaço assumiu a forma de um clube, onde as crianças e os jovens se inscrevem voluntariamente; noutras, enquadrou-se na disciplina de Área Projecto, sendo trabalhada por um ou parte dos grupos da turma; noutras ainda na disciplina de Formação Cívica.

Page 65: noesis75

RECuRSOS PEDAGóGICOS E OuTROS DOCuMENTOS DE INTERESSE

> CIDAC www.cidac.pt > Conectando Mundos www.coectandomundos.org

> Intermón Oxfam, organização Espanhola www.intermonoxfam.org/

> ISCOD (Instituto Sindical de Cooperação para o Desenvolvimento)

e FETE-UGT (Federação do Ensino da UGT), organizações Espanholas

www.educacionenvalores.org/

> OIKOS www.oikos.pt

> Oxfam do Reino Unido www.oxfam.org.uk/education/

> Rede Internacional sobre Educação para a Cidadania Global www.educiglo.net/

> Fórum Educação para a Cidadania - iniciativa conjunta da Ministra da Educação

e do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Disponível o

documento “Objectivos Estratégicos e Recomendações para um Plano de Acção

de Educação e Formação para a Cidadania” www.cidadania-educacao.pt

> Despacho n.º 19 308, de 8 de Julho de 2008 – Gabinete do Secretário de Estado

da Educação

Para mais informações, escreva-nos para o e-mail [email protected].

> CONECTANDO MUNDOS, em parce-ria com UCODEP (Itália), INIZJA-MED (Malta) e INTERMÓN OXFAM (Espanha). Cerca de 300 escolas de diferentes países participam nas ac-tividades propostas através de uma plataforma electrónica, sobre ques-tões relacionadas com a Cidadania Global, com base nos temas da Água e das Alterações Climáticas. As/os professoras/es, qualquer que seja a sua disciplina, têm apenas que ins-crever as suas turmas (ver caixa) para desenvolver as várias activi-dades com os/as alunos/as.

Isabe l Fernandes, professora da Escola EB 2,3 André de Resende (Évora) e par-ticipante com a sua turma no Conec-tando Mundos, refere que as actividades “permitem salientar a importância do debate e da democracia na sala de aula” e que “uma abordagem em termos interdisciplinares é uma mais valia.” Acrescenta que é positivo as crianças “terem contacto com outras perspec-tivas e isso acaba por fazer com que a aprendizagem tenha muito mais signi-ficado.”

Para esta professora, a ligação entre as questões trabalhadas e a Educação para o Desenvolvimento ficou clara: “Tem a ver com a realidade em que vivemos, salientando que os problemas sociais e ambientais não são apenas problemas da Nigéria nem de Malta, mas de todo o mundo, e que tudo aquilo que nós fazemos tem influência noutro lado. Todos juntos, como um todo, temos influência e podemos participar

se, a formação pode ser centrada em temas mais específicos.

• Acções de sensibilização sobre temas como consumo responsável ou Direi-tos Humanos, adaptadas aos/às par-ticipantes, sendo a duração geralmente entre 60 e 90 minutos.

• Documentação e materiais pedagógi-cos, disponibilizados quer no Centro de Documentação do CIDAC, quer na nossa página de Internet (ver caixa).

Certamente que trabalhar a Educação para o Desenvolvimento nas escolas é um desafio, e é importante sentirmos que não estamos sozinhas/os neste caminho. Como diz Isabel Fernandes, “As mudanças são mesmo assim: demo-ram muito tempo.” No entanto, deixa uma mensagem de motivação: “Não tenham medo, ousem! “Ousem, por-que as aprendizagens que se criam e a riqueza que se recebe são muito posi-

nesta realidade de forma positiva e consciente”.

Celeste Lopes, professora da Escola EB 1 de Andreus (Leiria), deixa algumas pistas: “O dia-a-dia dos miúdos é o ponto de partida. É o pontapé para tratar de tudo o que quisermos relativo ao nosso mundo, ao nosso ambiente, à nossa cidadania.”

Para além da participação em projectos, há outras oportunidades para integrar a ED nas escolas. Também aqui o CIDAC tem propostas concretas:• Acções de formação especialmente a

pensar nos/as professores/as, quer sobre a ED em geral, quer sobre as metodologias participativas que lhe estão agregadas. Mediante o interes-

Page 66: noesis75

Texto de Guilherme Rodrigues (Metropolitano de Lisboa, E.P.)Fotografia de Raul Abreu e de Arnaldo Sousa (Metropolitano de Lisboa, E.P.)

Desde o século XVI que, em Portugal, o azulejo ocupa uma posição de destaque, apresentando características específicas que o distinguem dos azulejos de outros países: a sua riqueza cromática, a monumentalidade, o sentido cénico e a integração na arquitectura. Foi usado, de modo original, no revestimento do interior de igrejas e de palácios e, mais recentemente, nas fachadas dos prédios.

O Metropolitano de Lisboa, que iniciou o seu funcionamento na segunda metade do século passado, teve, desde o início, preocupações com a humanização dos seus espaços, tendo retomado, através de uma criteriosa escolha dos materiais, com destaque para o azulejo, a tradição da azulejaria portuguesa. Este material foi escolhido por ser resistente, durável e de fácil manutenção.

As obras dos artistas convidados, criadas em tela, foram convertidas para azulejo, transformando as estações desde meio de transporte numa galeria de arte de reconhecido valor nacional e internacional, e tornando as viagens, mesmo as mais apressadas, em momentos de verdadeiro deleite cultural.

As imagens que a seguir se apresentam são referentes a dois painéis de azulejo que fazem parte da decoração da estação Saldanha, executados a partir de uma maqueta do pintor Luís Filipe de Abreu. Têm como base o azulejo de 14 centímetros de lado, tendo sido utilizadas as técnicas tradicionais: desenho picotado transposto para azulejo vidrado cru com pó de carvão, pintura manual e cozedura, foram executados pelos pintores da fábrica Viúva Lamego, mediante supervisão do autor.

66 67 Com olhos de ver

Azulejos no metro

Page 67: noesis75

Sugestões de actividades Mostre as imagens aos alunos e coloque-lhes as seguintes questões:– Quais são os elementos presentes em cada um dos painéis?– Os elementos que se repetem traduzem situações idênticas?– Os elementos diferentes são frequentemente

associados a determinados momentos. Quais?– A cor tem influência na leitura do painel?– As duas imagens estarão relacionadas?– Se tivessem que atribuir títulos aos painéis,

quais escolheriam?– Se cada um de vós entrasse na estação do metro

Saldanha, em Lisboa e quisesse sentar-se, junto de que painel o faria? Porquê?

Proponha aos alunos que:1. Para melhor conhecerem a arte no metro de

Lisboa, consultem o site www.metrolisboa.pt e respondam às questões:

– Quem decorou as primeiras onze estações?– Que artistas têm contribuído, ao longo dos

anos, para a valorização artística destes espaços?

– Para além de Luís Filipe de Abreu, que outros artistas decoraram a estação do Saldanha?

2. Façam uma pesquisa sobre o azulejo em Portugal, desde o século XVI até aos nossos dias, seleccionando o suporte mais adequado para a apresentação do trabalho.

3. Organizem um debate sobre a importância da arte no espaço urbano.

Peça aos alunos que procurem, na sua região, painéis de azulejo em espaços públicos (estações de caminho de ferro, edifícios das câmaras municipais, fachadas de prédios...), os fotografem e organizem uma exposição.

Page 68: noesis75

Não deixe de ler o próximo número!

Tema do dossier:“Trabalho de projecto” (n.º 76, 2009) Se tiver sugestões de temas a abordar ou conhecer práticas de escolas que considere importante divulgar, envie-nos para o mail: [email protected]

Quer ser assinante da revista Noesis?

Fotocopie, preencha o cupão e envie para: Espaço NoesisAv. 24 de Julho, 140 c1399-025 Lisboa

1 Ano 10,00 e2 Anos 19,00 e

A partir do n.º

Nome:

morada:

Localidade: Código Postal:

Telefone/telemóvel:

E-mail:

Contribuinte n.º

Cheque n.º Banco(passado à ordem de Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular)

Data: Assinatura:

Assi

natu

ra d

a R

evis

ta N

oesi

s | T

rim

estr

al