noémia de souza

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  • 7/24/2019 Nomia de Souza

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    Nomia de Souza (Catembe / Moambique, 1926 Cascais /Portuga, 2!!"#

    $ %&''& )*'&+$, C$N-*.$

    Era de noite e no quarto aprisionado emescuridoapenas o luar entrara, sorrateiramente,e fora derramar-se no cho.Solido. Solido. Solido.E ento,tua voz, minha irm americana,veio do ar, do nada nascida da prpriaescuridoEstranha, profunda, quente,vazada em solido.

    E comeava assim a cano:nto each heart some rain must fall!"omeava assime era s melancoliado princ#pio ao $m,como se teus dias fossem sem sole a tua alma a#, sem ale%ria

    &ua voz irm, no seu tr'%icosentimentalismo,descendo e su(indo,chorando para lo%o, ainda tr)mula, comearrindo,

    cantando no teu arrastado in%l*s criouloesses sin%ulares (lues!, dum fatalismor'cico que faz doertua voz, no sei porque estranha ma%ia,arrastou para lon%e a minha solido

    +o quarto s escuras, eu ' no estava s"om a tua voz, irm americana, veiotodo o meu povo escravizado sem dpor esse mundo fora, vivendo no medo, noreceiode tudo e de todos/ meu povo audando a er%uer imp)rios

    e a ser e0clu#do na vitria1 viver, se%re%ado, uma vida in%lria,de proscrito, de criminoso

    / meu povo transportando para a m2sica,para a poesia,os seus comple0os, a sua tristeza inata, asua insatisfao

    3illie 4olida5, minha irm americana,continua cantando sempre, no teu eitoma%oadoos (lues! eternos do nosso povodes%raado"ontinua cantando, cantando, sempre

    cantando,at) que a humanidade e%o#sta oua em ti anossa voz,

    e se volte en$m para ns,mas com olhos de fraternidade ecompreenso

    +&$ P$SS$. * M0 P**

    +oite morna de 6oam(iquee sons lon%#nquos de marim(as che%am at)mim7 certos e constantes 7vindos nem eu sei donde.

    Em minha casa de madeira e zinco,a(ro o r'dio e dei0o-me em(alar6as as vozes da 1m)rica reme0em-me aalma e os nervos.E 8o(eson e 6aria cantam para mimspirituals ne%ros do 4arlem.9et m5 people %o

    7 oh dei0a passar o meu povo,dei0a passar o meu povo ,dizem.E eu a(ro os olhos e ' no posso dormir.;entro de mim soam-me 1nderson e dei0a passar o meu povo.

    E ' no sou mais que instrumentodo meu san%ue em tur(ilhocom 6arian me audandocom sua voz profunda 7 minha rm.

    Escrevo+a minha mesa, vultos familiares se v*mde(ruar.6inha 6e de mos rudes e rosto cansadoe revoltas, dores, humilha?es,tatuando de ne%ro o vir%em papel (ranco.E

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    pe%ando na minha mo e me o(ri%ando aescrevercom o fel que me vem da revolta.

    &odos se v*m de(ruar so(re o meu om(ro,enquanto escrevo, noite adiante,

    com 6arian e 8o(eson vi%iando pelo olholuminoso do r'dio7 let m5 people %o,oh let m5 people %o.

    E enquanto me vierem do 4arlemvozes de lamentaoe meus vultos familiares me visitaremem lon%as noites de insAnia,no poderei dei0ar-me em(alar pela m2sicaf2tildas valsas de Strauss.

    Escreverei, escreverei,com 8o(eson e 6arian %ritando comi%o:9et m5 people %o,/4 ;EB1

    - mas no nos tirem a m2sica..."omo se no e0istisse para al)mdos cinemas e dos caf)s, a ansiedadedos teus horizontes estranhos, pordesvendar..."omo se teus matos cacim(adosno cantassem em surdina a sua li(erdade,as aves mais (elas, cuos nomes somist)rios ainda fechados

    "omo se teus $lhos r)%ias est'tuas sempar ,altivos, em (ronze talhados,endurecido no lume infernaldo teu sol causticante, tropical,como se teus $lhos intemeratos, so(retudolutando, terra amarrados,como escravos, tra(alhando,amando, cantando meus irmos no fossem

    G minha 6e Hfrica, n%oma pa%,

    escrava sensual,m#stica, sort#le%a perdoa

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    I tua $lha tresvairada,a(re-te e perdoa

    ue a fora da tua seiva vence tudoE nada mais foi preciso, que o feitio #mpar

    dos teus tants de %uerra chamando,dundundundundun tt dundundundun ttnada mais que a loucura elementardos teus (atuques ('r(aros, terrivelmente(elos...

    para que eu vi(rassepara que eu %ritasse,para que eu sentisse, funda, no san%ue, atua voz, 6e

    E vencida, reconhecesse os nossos elos...

    e re%ressasse minha ori%em milenar.6e, minha 6e Hfricadas can?es escravas ao luar,no posso, no posso repudiaro san%ue ne%ro, o san%ue ('r(aro que mele%aste...

    T&$S +$ MM.&$

    +a (aa melancolia do tecto(ilros de teia (ordam solidoenquanto mei%os sussurros de som(rano (rilhante mutismo do espelho

    recitam estrofes de poeira.

    P*M$

    3ates-me e ameaas-me

    1%ora que levantei minha ca(eaesclarecidaE %ritei: 3asta! => "ondenas-me escurido eterna1%ora que minha alma de Hfrica se iluminouE desco(riu o lud#(rio E %ritei, mil vezes%ritei:- 3asta!.1rmas-me %rades e queres cruci$car-me1%ora que ras%uei a venda cor-de-rosaE %ritei: 3asta!

    "ondenas-me escurido eterna 1%ora que

    minhaalma de Hfrica se iluminou E desco(riu o

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    lud#(rio..E %ritei, mil vezes %ritei: 3asta

    Q carrasco de olhos tortos,;e dentes a$ados de antropfa%oE (rutas mos de oran%o:

    Dem com o teu cassetete e tuas ameaas,Recha-me em tuas %rades e cruci$0a-me,&raz teus instrumentos de torturaE amputa-me os mem(ros, um a um

    Esvazia-me os olhos e condena-me

    escurido eterna que eu, mais do quenunca,;os limos da alma,6e er%uerei l2cida, (ramindo contra tudo:3asta 3asta 3asta

    S*07$, Nomia8 Sangue negro8orga:iza;o e orNeso: Sa?te, @ra:cisco Noa e @AtimaMe:do:aB8 Moambique $ssocia;ode scritores Moambica:os, 2!!18

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