no princípio era a rádio

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O agregador do marketing. 22 Março de 2011 www.briefing.pt Hermínio Santos jornalista hs@briefing.pt Passeio Público Já andou em sentido contrário numa auto-estrada por causa de um directo, teve ataques de riso em estúdio e ficou impressionada com alguns convidados que entrevistou, desde Paulo Teixeira Pinto a Urbano Tavares Rodrigues. Ana Lourenço, 38 anos, apaixonou-se pelo jornalismo na rádio e hoje é um dos símbolos da SIC Notícias Cândida Cortes, realizadora de pro- gramas literários para crianças na Antena 2, estava aflita para encon- trar uma criancinha para uma locu- ção. A única que estava ali à mão era uma miúda de 11 anos, filha de um funcionário da rádio, e que nesse dia estava em Lisboa para fazer uma ra- diografia a uma perna, que tinha par - tido. Foi ela a escolhida para ler um poema aos microfones. Foi este epi- sódio que marcou a estreia oficial de Ana Lourenço no mundo da comu- nicação. Desde essa altura passou a gravar e fazer programas de rádio “lá em casa e só para mim”, conta. Longe estavam ainda os tempos da TSF, da TVI e da SIC Notícias. No princípio era a rádio Na altura em que as “piratas” co- meçaram a aparecer, ela queria fa- zer parte dessa história e passou a ser presença assídua nas rádios de Almada, cidade onde nasceu, cres- ceu e adolesceu. Dizia à mãe que ia para a biblioteca estudar, mas o seu destino eram os estúdios e os micro- fones. Escolhe Antropologia para tirar um curso superior mas sabe que o seu futuro não passará por aí. É que, quando entra para a faculdade, já está “contaminada” pela febre da TSF, cujo curso de formação fre- quentou e que era dirigida por Emídio Rangel. A sua primeira reportagem foi no dia 1 de Abril de 1991, numa Ramon de Melo Os olhos voltam a brilhar quando revê a sua vida e pára no ano 2000. Foi nessa altura que apareceu o convite para a SIC Notícias. “Isso soube-me a TSF”, diz conferência de imprensa do então secretário de Estado da Energia, Nuno Ribeiro da Silva, sobre apoios para quem quisesse investir em energia fotovoltaica. Com o nervoso miudinho à flor da pele confessa que teve de “treinar um bocadinho para dizer fotovoltaica” aos microfones. Os olhos brilham quando recorda os tempos da TSF. Havia tempo para acompanhar a gente nova que se estreava então no jornalismo. “Fui muito amparada naquela fase. Éra- mos muito vigiados, corrigidos, ensi- nados”, recorda Ana Lourenço. Um processo de reestruturação que teve lugar em 1994 foi o princípio do fim da sua relação com a rádio. Ela es-

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No princípio era a rádio

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O agregador do marketing.22 Março de 2011

www.briefing.pt

Hermínio Santosjornalista

[email protected]

Passeio Público

Já andou em sentido contrário numa auto-estrada por causa de um directo, teve ataques de riso em estúdio e ficou impressionada com alguns convidados que entrevistou, desde Paulo Teixeira Pinto a Urbano Tavares Rodrigues. Ana Lourenço, 38 anos, apaixonou-se pelo jornalismo na rádio e hoje é um dos símbolos da SIC Notícias

Cândida Cortes, realizadora de pro-gramas literários para crianças na Antena 2, estava aflita para encon-trar uma criancinha para uma locu-ção. A única que estava ali à mão era uma miúda de 11 anos, filha de um funcionário da rádio, e que nesse dia estava em Lisboa para fazer uma ra-diografia a uma perna, que tinha par-tido. Foi ela a escolhida para ler um poema aos microfones. Foi este epi-sódio que marcou a estreia oficial de Ana Lourenço no mundo da comu-nicação. Desde essa altura passou a gravar e fazer programas de rádio “lá em casa e só para mim”, conta. Longe estavam ainda os tempos da TSF, da TVI e da SIC Notícias.

No princípio era a rádio

Na altura em que as “piratas” co-meçaram a aparecer, ela queria fa-zer parte dessa história e passou a ser presença assídua nas rádios de Almada, cidade onde nasceu, cres-ceu e adolesceu. Dizia à mãe que ia para a biblioteca estudar, mas o seu destino eram os estúdios e os micro-fones. Escolhe Antropologia para tirar um curso superior mas sabe que o seu futuro não passará por aí. É que, quando entra para a faculdade, já está “contaminada” pela febre da TSF, cujo curso de formação fre-quentou e que era dirigida por Emídio Rangel. A sua primeira reportagem foi no dia 1 de Abril de 1991, numa

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Os olhos voltam a brilhar quando revê a sua vida

e pára no ano 2000. Foi nessa altura que

apareceu o convite para a SIC Notícias. “Isso soube-me a TSF”, diz

conferência de imprensa do então secretário de Estado da Energia, Nuno Ribeiro da Silva, sobre apoios para quem quisesse investir em energia fotovoltaica. Com o nervoso miudinho à flor da pele confessa que teve de “treinar um bocadinho para dizer fotovoltaica” aos microfones. Os olhos brilham quando recorda os tempos da TSF. Havia tempo para acompanhar a gente nova que se estreava então no jornalismo. “Fui muito amparada naquela fase. Éra-mos muito vigiados, corrigidos, ensi-nados”, recorda Ana Lourenço. Um processo de reestruturação que teve lugar em 1994 foi o princípio do fim da sua relação com a rádio. Ela es-

O agregador do marketing.

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tava no lote das pessoas a sair mas acabou por ficar, embora não tenha esquecido o episódio. Numa quinta-feira, por volta da uma e meia da manhã, telefonou para Artur Albar-ran, que já a tinha sondado para a TVI, a dizer que estava com vontade de fazer televisão. Na segunda-feira seguinte, estava a trabalhar na esta-ção que hoje é controlada pela Prisa e por Miguel Pais do Amaral.Estreou-se no Novo Jornal, uma “coisa experimental” feita com fre-elancers e onde também estavam Bárbara Guimarães e Sofia Carva-lho. Os olhos voltam a brilhar quan-do revê a sua vida e pára no ano 2000. Foi nessa altura que apareceu o convite para a SIC Notícias. “Isso soube-me a TSF”, diz. O projecto era um desafio superior e pioneiro em Portugal: fazer parte de uma equipa que lançaria uma estação de televi-são com 24 horas de informação. Por entre sorrisos e alguma surpre-sa recorda algumas das provas de fogo porque passou na SIC Notícias. Por exemplo, durante um bloqueio de camionistas em Espanha ela e o repórter de imagem foram a correr para o local da reportagem. Havia pouco tempo e as estradas esta-vam bloqueadas. Tiveram que fazer 30 quilómetros em sentido contrário numa auto-estrada. Chegaram ao local do directo três minutos antes, com o repórter de imagem a fazer planos debaixo de uma chuva de pe-dras da calçada. “Senti que estava à prova e soube bem receber alguns telefonemas depois da reportagem a elogiar o meu trabalho”, recorda. Outro grande teste foi a queda da ponte de Entre-os-Rios, quer em termos pessoais quer para a própria SIC Notícias. As cenas de riso com Mário Betten-court Resendes, antigo director do Diário de Notícias (DN) e comentador da SIC Notícias recentemente faleci-do, a dupla com João Adelino Faria e as entrevistas com pessoas como Paulo Teixeira Pinto, Urbano Tavares Rodrigues e Frei Fernando Ventura são alguns dos capítulos que recorda com agrado. Com o antigo director do DN, tivemos um “ataque de riso que não conseguíamos controlar”. Tudo por causa de um “pontapé na gramática” dado por uma convidada

que tinha sido entrevistada antes da entrada de Resendes em estúdio. É que, em vez de hecatombe, passou a entrevista a dizer “hetacombe”. O comentador entrou e a primeira frase que disse foi: “a sua entrevistada foi uma “hetacombe”. Risada geral, a um minuto e meio de entrarem em directo…A cumplicidade com João Adelino Faria era de tal modo intensa que os dois já adivinhavam o que ia na alma de cada um quando estavam em di-recto. “Eu e o João criámos uma en-tidade que era exterior a nós”, recor-da. Chegou a ser abordada sozinha na rua por pessoas que queriam dar recados aos dois. Das entrevistas difíceis ou surpreendentes que já fez até hoje, destaca três: Paulo Teixeira Pinto, Urbano Tavares Rodrigues e Frei Fernando Ventura. Com o antigo presidente do Banco Comercial Por-tuguês (BCP) sentiu uma “pressão tremenda, não por causa de ser um entrevistado difícil mas para estar à altura dele”. Ficou com as “pilhas no fim” devido à qualidade retóri-ca e pensamento filosófico de Tei-xeira Pinto.

Passeio Público

Não perde tempo com reflexões sobre o seu

futuro. “Nesse aspecto sou preguiçosa”,

confessa. Os desafios que a SIC lhe coloca

também são tão grandes que não sente

a necessidade de procurar uma mudança

A cumplicidade com João Adelino Faria era

de tal modo intensa que os dois já adivinhavam

o que ia na alma de cada um quando

estavam em directo, no estúdio. “Eu e o João criámos uma entidade que era exterior a nós”,

recorda

Ao fim-de-semana é através do seu iPhone que se liga ao mundo. Vê os sites das principais estações de televisão do mundo e confere a actualização de “três ou quatro blogues” aos quais está atenta. Tem dúvidas sobre se a televisão – o aparelho em si – continuará a ser o centro do mundo e dá o seu exemplo: quando está na redac-ção já segue muito mais os sites das televisões do que as emissões que passam nos ecrãs. Não teme o futuro do jornalismo e dos jor-nalistas, apesar do crescente protagonismo das redes sociais. “Mais tarde ou mais cedo as pessoas vão acabar por perceber que, apesar de haver um espaço de liberdade, o tratamento da informação tem de ser feito por profissionais”, explica enquanto refere que as re-des sociais têm “problemas gravíssimos de credibilidade”. Para ela, o Facebook é apenas mais uma fonte de informação. Fora da sua vida profissional a filha é a sua grande paixão. Ambas partilham uma outra paixão da jornalista da SIC: os cavalos. Cinema e passeios também fazem parte do programa de mãe e filha. Um dos últimos filmes que viram juntas foi “O Discurso do Rei”. Lida mal com a cus-quice e fica incomodada quando a sua vida pessoal é escrutinada e exposta nos media. Mas não leva nada a mal quando é abordada na rua por pessoas que só a querem cumprimentar ou incentivar. “Sabe-me bem porque normalmente são elogios à SIC Notícias”, remata, sorridente.

Ligada ao mundo com o iPhonePERCURSO

A sensação foi diferente com Urba-no Tavares Rodrigues. Tratou-se de uma “entrevista de vida, que teve uma audiência brutal”, contrariando as expectativas que existiam. Das últimas que fez, refere a de Frei Fer-nando Ventura sobre a visão que um padre tem das mudanças de com-portamento que serão necessárias para as pessoas se adaptarem à crise. A reacção das pessoas foi notável e até se constituíram gru-pos no Facebook sobre as teses do entrevistado. Sobre rituais antes de entrar em estúdio, não é uma mulher de complicações. Bastam-lhe meia dúzia de minutos ao ar livre para calibrar os níveis de cafeína e ni-cotina, enviar um beijo à filha por telefone e dar uma vista de olhos no alinhamento, que, por vezes, é todo mudado nessa altura. Não perde tempo com reflexões sobre o seu futuro. “Nesse aspecto sou preguiçosa”, confessa. Os desa-fios que a SIC lhe coloca também são tão grandes que não sente a necessidade de procurar uma mu-dança.