no movimento dos sonhos - wilson barbosa

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No movimento dos sonhos Wilson do Nascimento Barbosa 1976

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Page 1: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

No movimento dos sonhos

Wilson do Nascimento Barbosa

1976

Page 2: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Índice pag

No Movimento dos Sonhos 6 Vida 7Fechado 9Náutico 10Três Raças Tristes 11Pericentral 13O Desencontro 14Curiosidade 16Caduco 17Monostrófica 18Na Luta 19Minha Camarada 20Desejo 21Pro-Etária 23Psifática 25Peripoema 27Caminhar 28Rosa do amor 29Tiradentes 30Busca 31Carrasco Azul 33Una Canción de Amor 34Dentro do Peito 36Recalque 37Reverso 38Um Tempo... 39Poema do Não 40Às Vezes 41Unicórnio 43Confissão 44Na Jornada 46

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Page 3: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Essencial 47Sinal dos Tempos 48En la Curda 49Ouro 51Redondilha 52Ato 53Vazio 55Gelo Eterno 57Corte n° 2 59Definição 62De Volta a Santiago 64Combate 66Parras de Chile 68Lição 70Pub 71Noche 72Epitáfio 73Declaração 74Brutalidade 75Destino 76Dor 77Busca 78Sideremos 79A Rir 80Toque 81Visão 83Perda 84Descoberta 85A Liberdade 86Certeza 87Vida 88Vega Central 90Ditirambo 91Por quê? 92

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Page 4: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Incomum 93Colheitas 94Experiência 95Vileza 96Cenário 97Plácido 98Progresso 99Ludíbrio 100Menor Alusão 101Estatística 102Monte 103Com a Cruz 104Busca 105Jogo 106Voltas 107A Felicidade 108Mentiras 109Susto 110Desfecho 111Ditos 112Porre 113Partida 114Sem Ninguém 115Lacerar 116Caluda 118Jóia Rara 119Carnagem 120Na Chuva 121Vôo 122Rumo 123No Trabalho 124Pretensão III 126Ato Falho 128Insistência 130

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Page 5: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Sob a Noite 131Tessitura 132No jardim 134Ironia 135O Ódio 136Desamor 138Em Torno ao Mastro 139Com a Natureza 141Chegada 143Como um Rio 144Milagre 146Escarmento 147Descaminho 148A Sentença Eterna 149Momento 150Do Verbo 152O Fantasma 155

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Page 6: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

No Movimento dos Sonhos

1.No movimento dos sonhosNão sei se me dá prazerantever outros risonhosmodos que tens de viver

2.Não me alegra os sentimentosque tu implicas de tercada vez, todos momentosem que me sonho te ter...

3.És como ruas perdidascomo barcos na distânciatodas lembranças queridasque só em sonho se alcança...

(14.03.1966)

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VidaPara Lenise

1.Sendo a vida instrumento inútilque professobem julguei encontrara meu versoum direitode não ser assim aceite nem perversoqual jurara o poeta perdidono teu leito

2.Sendo o tempo de dias ou noitesque seria?Sendo a vida sem provas e açoitesmais vaziabem por certo estaria perdidomeu regressoe as noites vividas em teu leito não seriam...

3.Por ser a vidaobra inconcluídapor ser a vidanem sábia nem tiranaSem ter guaridatua doídamaior feridafoi cigana

4.Em meu modo teu modo de sere perdoar

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temos vida perdida sem nada a dar...Sem se ser, sem poder encontrarque seria,se, de repente, se instalasse a glóriade um novo dia...

5.Por ser a vidaobra inconcluída...

(17.03.1966)

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Fechado

1.Em todos os momentosfugidos do passadofingidos sentimentossaídos rejeitadosfizeram de mim e de tia morada de um modo

2.Busquei ao mesmo tempoque fosse antecipadono presente o futuroe o passado deixadocomo se fora dado viver o intervalode ser...

3.Um modo tão fechadode festejar o temponão pode ser levadotrazido a um só momentoe foram-se todos os movimentosdo nosso viver...

(21.07.1966)

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Náutico

Contracorrentevagomeio turvo, meio baçotraste de vida e janelaou apenas dela pedaçoneste sargaçoEsculpido em neblinabranco meio fino me ressurjoentre caminhadas de águameu jardim sem fruto:ai meus olhos imersos,meio madrugadameio sonho ainda meiodesacordado...Nem sei amar, nem sou caminheirodestas horas náuticasde desencontroA maré que bateno seu flui-refluinão me tem aliContracorrenteprisioneiro de murosmeio torto, meio lasso, na frouxidão dos músculosflutuo desígniosde serpente afogada.

(1970)

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Três Raças Tristes

1.No cesto da gávea,sonhando com o marque ao longe se afastaVai o português, tão triste a lembrarda mãe e dos filhos...O amor da mulher, o beijo das crianças,vêem à brisa que passasonhando com a pátriaavança, perdido, jamais tornará!

2.Ao peso de carga,se arrasta o negropra longe da ÁfricaE morde-lhe o chicote, o ódio, o açoitede mãos tão estranhas...O amor da mulher, o beijo das crianças,vêem à brisa que passasonhando com a pátriaavança, perdido, jamais tornará!

3.Arrancando da taba, amarra o pescoço,vai o índio escravoE morde-lhe o chicote, o ódio, o açoitede mãos tão estranhas...O amor da mulher, o beijo das crianças,vêem à brisa que passasonhando com a pátriaavança, perdido, jamais tornará!

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4.São três raças tristesperdidas no mundosão três raças tristesperdidas do amorsão três raças tristessofridas no ódiosão três raças tristessão filhas da dorperdidas no mundoperdidas no amor...

(1970)

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Pericentral

Irene bela,Irene branca,que não é de Israelmas é minha mudae silenciosa RaquelIrene, RaquelIrá Irene um dia encontrar aqueleque há anos mais de sete eu já servia?Irene perto,Irene certa,Irene amor...Onomônica memóriacuja sentença a hora inda recitagnonomologia tortasem mecanismo a reporInconstruídaesparso ponteiro dispersoagora aponta:“Uma balança rotacai de um lado só”“Cai e cria:a criação maior que a queda”.

(1970)

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O Desencontro

O desencontro é sempre a dois. O desencontro éíntimo, vago, pleno, circunstancial, vital, processual,mais íntimo.O desencontro é um descaminho. Aqui nunca dois,um só descaminho.Você vai, ele vem, o tempo é outro,disritmia profunda. Desencontro é conteúdo, desritmo é forma. Vai agora, mulher abstratavaga, como a vaga luanua, absurdamente clara e nuacom teus sentimentos expostoscomo os mortos que não foram enterradoscomo os vietnamitas mortoscomo o guerrilheiro palestinianomortoincomensuravelmente morto ebrilhante como a noiteem que você se descerra.Vá – como o crime, a nudez,O revólver, o antitempo-Vá violaro sacrário imenso,axiológico,a derradeira morada onde não penetram os teus claros sóis de prataVá

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à derradeira morada do silêncio e sabeque o silêncio não é.Que o silêncio – absolutamente – Não faz parte

(1970)

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CuriosidadePara M.

1.Sementede horas perdidastrazes na frontetua perdida promessade horizontes...Por onde tens andadocom teus passos tão rápidoscom tuas horas tão brevescom teus desejos tão largos?

2.Diga-me assim:por ondetens andado?

3.Ainda te recordarásdo que ontem foi passado?ainda sentirása diferença que há com cada qual que tens ao lado?

4.Diga-me enfim:por ondetens andado...?

(11.02.1970)

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Caduco

Sendo que fui o que fuinada mais que todos os meus nomesque todos os codinomesrenegados pela repressãoem todos os planetashabitadosdos sistemas galáticosvejo meu presente martírio que fulguralibertação de sem número de criaturase um pouco árticoe um tanto antárticome perguntoao meu plurimodo de serem tanta dor:florirá o futuro do passado?Será de cada noite que viveucada irmão lembrado?E, por não saber, em minha desventurase sou viajante pluriserou se criaturame sento na cadeira de balançoe durmodefinitivamente minhas lonjuras.

(16.03.1970)

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Monostrófica “Dizia ela revirando os olhos:

Depois que eu goze o expulsaremos”

Jorro jocoso expulsa o alecrimtão combalido herói, da porta da mais castaMas para quem bem os conhece o jogo bastaPois sequer a palhaça, sequer o querubimnos convencem com seus hábitos de burlantins...Pois se ele dela a casa invade com bravuraPor certo que o prêmio não é a formosuraMas o estabelecimento de uma nova empresa,mais uma operação sem risco e sem grandeza,que faz da vida de ambos uma doçura...

(17.03.1970)

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Na Luta

Companheiro, meu amigo!Não tenha medo...agora sou euagora estou eucontigo...Não tenha medocompanheironão tenha medoamigo...!

(19.04.1970)

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Minha CamaradaPara M.

A minha camaradame tem um jeitoque me traz ao corpoperdidos segredosé como caminhar ao vento límpidode uma clara praia sem solcomo sem haver nascidoestar desnudoe beber um gritoa minha camaradame tem despertocomo se a carnenão fosse um gestoé como relembrar o universoque não percorrimas que reconheço em cada instanteque percoe que me traz aqui.

(21.05.1970)

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Desejo

1.Aquela velaque o barco vai levartalvez sejauma esperança a flutuartalvez tragaa promessa doutro dia feito de amorfeito de paze de alegria...

2.Aquela falaque a janela liberouentrou na celacomo a corda que o amorvibrou no violãotornou uma canção eaquela voz tão cristalinase espalhou...

3.Aquela horaque se fez naquele diade sofrimento, desigualdade e doré coisa friatalvez vá-se rompertalvez cristal de aurorairá se espatifar, de prontoirá embora...

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Page 22: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

4.Eu só desejoque na hora de partirsorriam todosqual no dia em que saído ventre de minha mãeCegou-me a luz do diaE hoje a liberdadea quem cegaria?!

(11.06.1970)

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Page 23: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Pro-Etária

1.Anti PátriaÓtica

2.ÓticaAntiPátria

3.Antipatriótico?

4.Não!

5.Antepatrão:ótica

6.Óticaantipatrão

7.Visãopróda multidão

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Page 24: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

8.Com a suaidadevária

9.Pró-etáriaé a visão

10.Óticaproletária

(14.06.1970)

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PsifáticaAo Benchimol

Tam-tam do imaginárioO som do silênciobatedesritmado à minha portaRecolho livros, faço poemasouso dele refugiaro pouco que restouAntes não era assim: eu vivia.Havia um descompasso,um vago dessabor de um ritmopreciso, mas que o desconhecidosilêncio traziae que crescia... crescia...Antesvagavas multicorcomo a claratonia das cores mais atônitasem face da Naturezagestos criativos, a tua muda imagem,desbotou-se como a cor desse vazioque agora sei presente.Transmudou-se vagamenteDesbotou-se o amor em desamorDesbotou-se do tom floral – a lúcida cor –em anticorDesbotou-se de todo em dessabor em desencontroIncredulificouA palavrao gestoo fim e, defim

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a vida.em antivida...E agoraposta ante o espaçoroucoclaro – interminável –de um soluçoposta num mundo de bruçosa angústia de si mesmode rever a mesma face,de ouvir o mesmo silêncio,a tua muda imagem feita angustiavem rolando, vem rolandoa inexistência de sua face luminosa e

c a icomo um grito no defim:mundo–sombra, palavra–limite,o defim

essa inconstânciaessa incredulidadeessa nulidadea antivida.

(13.08.1970)

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PeripoemaA Augusto dos Anjos

O canto adocicado da manhã desfezo corolário da fenomenologia vãque o mundo é o resultado da maçãque à outra maçã não se reduzDepois que foi-se o Cristo e veio a CruzDepois que foi-se a Cruz e veio o BispoEu, de tudo descreio e crente ficoda crença que só crê no que fabrico:mesa, caneta, poema, fé, penico.O homem vai deixando de ser rêsO homem vai construindo um mundo a grito.

(13.08.1970)

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Caminhar

Oi, companheira, havia pedrinhas no chão,sapatos gastos gastar do teu duro caminharsaudades de brancos sóis passando, passandorumo novo,gente nova, gesto novo a se fazerlumina luminescência “luzes claras na varanda”porta portão baixolargo, carros claros de se verOi amiga, companheira pedra-pedrinha luzindoflores dessas não havia no capim de verdes sóislágrimas da mãe natureza no orvalho a orvalhare amores se amorando e dores se refazendo...Ai amiga, companheira, cada instante, cada instantequis morrer e fui morrendo porque as coisas que viviavinha a morte encaminhando... vinha a mortenão dessas mortes de todo cessação, biológica finaçãomas a morte lírica da onírica estrutura que vai matandoo coração.Ai companheira, adeus pedrinhas no chãosapatos duro gastar no meu curto caminhar...

(13.08.1970)

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Rosa do amor “Vamos, vamos indo

amaremos crianças Benchimol nos campos de centeio

vamos, vamos indo eu não quero ir tão só

assim preso a lembranças”

E agora poeta?Cantar a drumoniana cançãonão te irá escusarda mais profunda participaçãoDirás por certo que é tempo de amar as criançasMas as crianças têm seus pais(crianças na delas: os seus e os delas)Tem toda estruturaque foi feita para protegeresse tipo de criatura própriados campos de centeio(já veremos a que essa criatura veio...)Dirás que no abandono das lembrançasengajar-te-ás com a perspectiva dos molequeshabitantes das favelas, dos manguezaisEu, porém, te direique a molecagem é outra:não aquela que tu e ela considerais.Mas, perdoa poeta,a face no espelhoo riso em teu pranto“eu não quero ir tão só”Assim não fora,porque a ti diria o duro acalantode coisas tão minhas,verdades sentidasdaquele que tem em seus lábiosa rosa de uma ferida?

(14.08.1970)

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Tiradentes

Agonialenta agoniaOlhos sem arestacheiro de carnecidadãos em festa:Gesto sem ritmo.Felonia.lucidez e covardia(Quem e o quê, por certo saberia?)Morte industrial, hodiernaem pílulas cotidianas...Saudadesda Vila de Mariana...Floresta, uma morte a cada dia.Ignomínia final.Face no precipício:“Liberdade,ainda que tardia”.

(18.08.1970)

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Busca

Devo deixar-te passarHá muito que não te conheçoreconheço ainda que venstão longe – observância muda,rico ensinamento –a palavra lavrada não era horaA esperança compartidadesfaz-se ao movimento mesmode compartirdo sonho quase negadopois transformou-se em realidadeDevo deixar-te passarembora verdade há tantote buscasse recolhida nos tontosolhos inexpressivos perdidos- na noite geral – lívidaoração, o desassossego se vemse estabelece é preciso recuare ordenar esquemasde pluriação.Deixemos passar em mimem ti um só momento de perdae reconhecimento que issoé precisoAcrescenta ou, quando menos,retira o indispensávelse claro não vê,tampouco ordenao resultado da hipótesenão verificadaalém da hipótese

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Page 32: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

reconheço que ainda vens –mas aquiisso nada significa.

(27.08.1970)

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Carrasco Azul

Tuque a todos dizeso que bem te importae te esforças por ignorar o sentimento alheioFazes coisas todas cheiasde novenário sentimentoe sabes conjugar verbos e palavraseivados de sofrimentoNão passas de um emissário do Anjo da MorteE se acaso visitas um hospitalOs vermes logo terão farta mesa postaApostasna dor, na peste e na desgraça,Bem sabes que não me enganascom tua fisionomia baçainsistem os teus seguidoresque o que te importa é o bemparticularmente daqueles brasileirosque não possuem vintém...Vai-te daquisonâmbulo capturado pela noiteVaiantes que eu me aborreçae te açoite...São nove vezes nove mortosno horizonte do teu enganoE quanto mais prometes e mais choresMais e mais monstros prodigiosos desde tiIrão chegando...

(11.10.1970)

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Page 34: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Una Canción de Amor

1.Yo les vengo a cantaruna canción de amorque les haga flotarhacia um mundo mejorhacia um futuro nuevoque no llegara a serSi no vengo a cantar

2.yo les quiero decirque para todo cambiares preciso veer y es preciso olvidarperdonar los fracasosque otros construyerony volver a luchar...

3.Para cambiarhacia um mundo mejores preciso luchar...para se hacer otro modo de seres preciso creer...

4.Es creer que los hombresno fuimos mejoresque al menos que asombressin desilusionarsin que al menos la alfombrade dias mejoresse las hace al ceder...

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Page 35: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

5.Para amarotro ser y llegar a otro seres preciso quererpara cambiar, para amary cantares preciso luchar...

6.Yo les vengo a cantar... (etc)

(1971)

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Page 36: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Dentro do Peito

Ó perdulário amor!Ó trágica vida, percepção tardiada via do amor,da via da volta, da redenção, da dor...ó pupila serena, ó dardejante amor...Por que em ondas de dor e chispasagora visitaso teu abraçante servidor?!Eis que ando aqui,ante vossa tranqüila brasa,ante vossa exaurida casa,radiante aurora de fogo e diaprestesa se exaurir...

(12.01.1971)

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Page 37: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Recalque

Escassamente, a redefinida aurora de cada dia nos visita...e reprimindo no peito a infeliz piedadede ser impotente ante o quadro naturaleis que se excitaa cada hora perdidaa birita, o aroma da derradeira flore o beijo da prometida...Escassamente, vem a aurora,conquanto a cada perdidanoite, ou amor, ou mulher, ou leicom que sonhastese faz eterna Naboth e a perdiçãopenúltima ediçãosem páginasde teu próprio sentimentoE maiso compungido momentode alçar-te e de nascer-teRei...

(19.01.1971)

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Page 38: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Reverso

Se a diabrura que de imunda brancura tisne o cisneacaso se refletira nesta canção...Se da mesmice mesma tão precisade todos os guardiões de prisão...

Juro

Eu me distrairiade todas as minhas ideológicas tensõesEu falariaeu urrariaante as massasas amplas massas do povoo meu patriotismo ilógicominha inesmagável guerrilhaminha hora de ilhaminhas desconsideraçõese esperas de reverposto e trilharecriaçõesA população das mais humildes prisõesminha ilhaCuba tornadaminha ilhasem opressiva forçae sem tensõesde viver.

(19.01.1971)

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Page 39: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Um Tempo...

1.Se o meu nomechegar a uma escolanão diria que tudofoi perdido...

2. Se meu nomechegasse a ser uma bolatalvez que me pertencesserenascido...

3.Não seio que virá:sei apenas que vivemosum tempo mau;um tempo anti-humano

4.Um tempoanti-humanoEis o que vivemos...

(03.02.1971)

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Page 40: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Poema do Não

1.Não quero discutiros poemas que não foramescritos!Não quero, não posso,não desejo, descrever os gritosda multidão de crianças,que, conscientes, abandonaramo grito pelo crimeem plena rua!

2.Não quero, não ousodescolorir as cores brancastodas da luae inserir-me não ouso,simplesmente, no sonho em que habito...Meu hábito inculto mantenhode subtrair-me a todos os gritosde subtrair-me ao grito da multidão,e a outros gritos! Não quero, isto não, não grito!...

(03.03.1971)

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Page 41: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Às Vezes

1.Não me cobre apenasa hora, a dezena, a contao cigarroo retrovisor do carro...E o escravoacaso largadono tapete do teu quarto

2.Cobre-me tambémo meu acasocosture-o bemno meu descasoou amor que deiCensure o sorriso,o compromisso, o interesse,a intromissão, minha incapacidade,minha imoralidade,em te negar o que mais te dei,o não...

3.Bem seifoi-se a horaa dezena passoua conta subiutudo se transformouo amor ninguém viuo caso acabouO acaso, se acaso,

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Page 42: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

findou-se em atraso,o sorriso murchou...

4.Entregue-mea cobrançaDesculpe se a vidainclui as pessoas:Seu jeito, sua vida,sua força cedidae junto: a hora de tolices,de amor, de mesmicesà-toa...Às vezes, amaré uma coisa tão boa!...

(22.06.1971)

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Page 43: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Unicórnio

IUnicórnio lógico deixasteplanícies douradase já cavalgastecom teus pés de sonhominhas úmidas manhãs

IIUnicórnio múltiploflorilégio o tempo mudo teude buscar, ter querercriar do nadasortilégios

IIIOra agora, unicórnio,pisas resedás floridos,pedras escavadas na lembrançae entre o amarelo e o fogo- tão róseo de tuas pupilas-

IVestas lágrimaste são entreguesunicórniocomo as gotas do calváriocomo o cálido cálice da chuvate foi entregue em procissão

(28.06.1971)

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Page 44: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Confissão

O exato sorrisorecriado no tempo escorrido desde príapoquisera ter o dom de armarpara comunicar-tepara convencer-tepara conceder-te...o escuro dos teus olhosa curva inútil do teu corpoo esgar do teu sonho tão de parvatudo retém, desperta o desejo largo...E eu quisera,quem me dera, tomar e leve dar-tea primavera...Nunca se alcança com a mão o que apenas se desejaAquilo que não tomamos com o coraçãoVem com nossas artimanhas e sujeiras...As mais sentidas cartas, que as releias agora,ainda que jamais te hajam sido enviadas!...Beba no silêncio das vozes que ali se achama poeira de cada adeus...E saiba que são filhos teus os não-nascidossentimentos de prazer na hora tranqüilaque ainda não viveu...Ao releres as filas de palavras,ouro que brilha na pupila sonegada,Alcançarás total compreensãoO mundo não é uma cama e prazeres, não!O mundo é furto feito de ilusãoNada será por fim nos concedidoO tempo de príapo é tudo perdidoLogo envelheceremos em solidão

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Page 45: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Embora te haja prometido a primaveraVerás que eu não passava de um vilãoApenas te concedi o coraçãoque um dia consegui tomar às feras...

(26.07.1971)

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Page 46: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Na Jornada

Venha cá, companheiro!Deita-te aqui na relvae fita o céuLá não se encontram as tuas tarefasNem os teus sonhos se encontram láFita apenas as nuvens que passame encarreiradas vão ter a algum lugarAs nuvens, veja,elas passam rápidoPassam assim como se vivessemAlgo nelas lhe diz que têm só uma vez de irsem voltar...como se fizessem parte da HistóriaDiga-me lá companheirotêm as nuvens também sua história?“Ora, ora, deixemo-nos de especulaçõesPara que servem tais lucubraçõesse já temos de partir?”Anda lá, toma teu fuzilÉ que já descansamos o bastante...Vamos lá, companheiro!

(17.10.1971)

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Page 47: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Essencial

Na suprema magia, no silencio da nevena hora que crias, no sentido breveem que te enlaças em sonho, presença e incertezasNa hora em que para outrosdiariamente serves a mesaé que te tens entre pétalasé que te fazes acesa e prestesé que te ignoras tu mesma...No momento em que nada somosassim é quando nos revelamosmovimento precípuode muitos aprendido ou comunicadoQuando olhamos para um quadrouma paredeum espelhoe nada vemos...Agora somos nóstu és tuAgora podes o que podes e mais alémpodes tudo criar e nada pedir.

(22.11.1971)

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Page 48: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Sinal dos Tempos

ISe ao entretecer no tecido múltiplodos meus outros seresse ao entrever por breve instanteos outros deveresque não sei fazer condizerVi-me melhormente perdidooutroraeu navegadoreu marinheiroeu conhecedorde íngremes procelasem mares de não-volverem horas de não-saberem encontros de mal-querer...

IISe ao entretecer assim ingenuidade purao diamante refulgido do fim dos meus dias a ventura pouco lúcida pouco lógicanos limites preclaros de a mim mesmo negar...Penso que fora talvezoutro engenhooutra arteoutro modo de sero que estavas a destinara este ser ínclito e final...Penso que pensei que pensavajulgo que amei que amaste o que amavas:o silêncio e as vozes que se infiltramna janela e a hora triste de ouvir as águas...

(14.02.1972)

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Page 49: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

En la Curda

En la curda más maneracual un cuyuco congachocada vez que me emborrachome curo la curda a mediasMe meto cual sacamuelaslo más caliente em bachatasEl jugo que me alborotamejor lo trago sin guayasno me importa donde vayassi el trabajo s’interrompesi vienes por horizonteo te marchás com balatasdormido em meido’e las plazastengo la razón del guayhe etorna’olo que may no han’ guanta’o las perrazasdespierto guateado en piñencualito guarién en la lluviay por donde me aperruchialos perros’el’Otoridades por donde les he mandad!a chanchufrar de las chuchas!Guayabeo a no alcanzarlas yuyas que veo en la plazay por donde me aprestazanme soy jugando por enteroy me vuelvo más manerocual un potro enchuecadoque lo tienen fartilladocual apiri de las minasque ni mismo las mininas!van por endiosa a elevar!

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Page 50: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Guaneo por guaperia las guapezas del guanayY no importa con que mayguanache nuevo ó guarachoque se fuera de mi pa’rePor quien me voy a emborrachar!cual noviza en Paraguay!

(15.03.1972)

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Page 51: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Ouro

Somos poetas do ouro de serdesdourada classeque no estilo de clarear só claridadesúbito em incestuoso escuro nos fechamose o jogo e o verso e o prometer tamanhoe o fervor desses anos tão tacanhosde permanecer ferido e sem pecadoSomos poetas construtores de história,de alternativas, ira, fúria e horaque se abre despenha e floridesceE nada aquiesceSomente o só visívelque um corpo à dor de um olho conversívele a se alargarlá em baixo em jeito incrívelas estranhas esculturas da vidaque se crê (nos faz passar) e servinte e quatro quilates

(23.10.1973)

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Page 52: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Redondilha

1.Canções, guitarra, metralhacachimbo, cigarro palhaem que deitarSão objetos dispersos integrandoesta vida que atrapalha

2.E no entanto a combiná-loscom arte e imaginaçãopermutá-los como vejopode opor à própria vida solução

3.Atrapalhar o confusonão é permutar o que se perfilaprimeiro, segundo e terçopois que se arruma o dispersodando a forma de um verso: redondilha.

(30.11.1973)

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Ato

IEste é talvez meu derradeiroato individual:acender este cigarroeste cachimboencher este copo de conhaquecoisa e talSeja talvez algo de mimSinto-me assim operando um sinaldo tempo que obra minha extinçãoPor tal ato sou capazda ultíssima indecisa decisãoTal meu finalístico atoelide o tempo prospectivoe assume a colisãodo futuro no presenteAqui é que se pressentedo verbo e do estiloformarem-se de frase fácile disfarçada

IINa busca de auto-reelaborara frase que se rebuscavapara expressar ato já sabidosurge atéé isto mesmoum poema, pura perda,pois é dos poemasexpressarem-se por circuleiossem qualquer precisão

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e oferecer de esguelhaum profundo sentidodo qual não se tinhanem intençãoDeixando assim de ladoa literaturae sua arte de impressentido dizerde coisas,(no último a detesto...)meu ato, ao descrevê-lo,virou versoque é todo reverso da exatidãoPor isso incide ele clarosobre a minha inconsciênciaBebo, fumo, aceito o degredoporque tenho medo de minha humanacondiçãoBusco no amorporque contesto esta infelizsituaçãoE aí parotentando ser espertoO demais a dizer por hoje é demais,segue-se o que posso mais,a omissão...

(11.12.1973)

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Vazio

IMinha cabeça é um vaziocomo o porão de um naviovazio de carregarcom meu vazio percorroas idéias a que concorrosem contudo assimilar...

IIVazio é mesmo vazioisso hoje nesse frioé o que é só de mimvazio, veja vaziocomeço, meio vadiodo princípio até o fim

IIICada vez a inconsciênciase esbarra numa sentençaque devia examinarali a idéia ressoaconfunde a má com a boae se nega a avançar

IVCada idéia que ressoana caixa vazia imensaparece bastante boapra apoiar cada sentença

VVazio, verbo latino, “vacivus”, de esvaziar

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se vaza o que estava dentrosinto muito, até lamentodesocupa este lugar...

VIVazio, palavra intensapra todo aquele que pensaque ainda está a pensare quando pensa que pensana verdade já não pensano vazio está a vazar...

VIIMinha cabeça é um vaziocomo o porão de um naviovazio de carregarcom meu vazio percorroas idéias a que concorrosem contudo assimilar...

(12.12.1973)

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Gelo Eterno

Deixe-me acaso voarcontigo voar, meu amorno sentido do amorpara além do mar...Deixai-meDeixe-me acaso amore bem me beijeneste modo, nesta noite friaregressar...Prometo-vosa cada qualprezador de amorosas amantesum futurode maiores líriose de formosas pétalasa caíremqual desalinhoem vossos seios de níveas...Prometo-vos em cada jardimo jardimem cada horaa presença aladao Querubimque a mimme vem guardarE mais eis que vos prometovossas asas de arcoisas de maralcapas, escafandros e rochinsinúteis transferências de rendae jardins de corale sonhos

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Tal qual o sonhoque a cada noiteassaltaaqueles que me amamcomo a mim.

(12.12.1973)

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Corte n° 2

1.Chega-me à bocaa aragem fácil das madrugadasNão sei se o verso desenha frágila linha tensa intelectual sortilégioque afamou Picasso;nem sei se meu derradeiro passeioem Buenos Aires ou Santiagoestá agora aceitoe o mundo se encontra refeitodo largo efeito dos meus passos

2.Poetas menores de elegias ternase bem propensas emolduraçõesque nem ousam negar a vida:de novo é padecer furtar-se a aprendereste alfabetoditado do irmão mais velho:não temam o labirintonem conselhonem arder os artelhosao passar o jogo incandescentedos braseiros

3.Hojese segue o preçoque foi o primeiroHoje se vende aindaa trinta dinheiros

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aquele que ousadescarrilar o trilho dos caminhosÀquele que ousa o caminhonada será poupado

4.(Decreto não numerado:)Contra ele fica tudo cão cedido.

5.Num tempo de farrapo largoconsultando o oráculo o fundodos alfarrábios ocultos no própriotaparrabodescobrirá as falhas todasdo desesperadodescobrirá de todoo aluno malvadoe o reprovado réprobo(se ao pé de todos um e todosnão forem o mesmo algum)

6.É preciso lançar a semente do tempo que é umÉ preciso o imortal fragmentona sombra que assuma durindanao tom polêmicoe perfurante de uma verruma

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É preciso a coisatambém chamada mundocom suas obscurescencias de abismosua face é que nos pertencee que palavra fora fria como sangue ferrugem nesta catana?!

(14.12.1973)

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Definição(Para Vera Vital Brasil)

1.Com todo o prazer sem nomeque agora me consomea fome de homem aprestoa mudar seu temposua ofereçoa trilhar por um princípioque desconheçoHá acasoum maior modo de dar?

2.Entre dois refúgiosolhos nos olhosflores, plenilúniose um sendeiro sóna emoção de um lampejome fiz o verso desta viagem:jaó não sou viceque o verso me trazvisagem melhor.

3.Háo que matou Cristoe o que matou Tibériomas mistériosem presságiosnão é a cornucopial cornucópiaque abismalnos oferta cemitérios

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Mistérioé outra rimaque não é cemitério

4.Mistérioé lúcido a palavraque nos faltouo que não soube dizero que não coube explicarà nossa geraçãoE entre “é fácil, é fácil”ficamos todos a pastare passaram-se osinevitáveis quinze anosque a outros transferemos problemasMistério é compulsarbaixinho o tema

5.Depoissem mais alardedivulgar a solução.

(14.12.1973)

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De Volta a SantiagoPara el chancho flaco

1.Cultor de iguarias ágeisrepleno meus pulmões com o arapanágio ilustre este cachimbonão é o acaso o fumo leve docenão é o meu acre sentimento;mas o homem é o animalque se estrutura melhor além da cordilheiraprincipalmente o animal homemem sua forma militarprincipalmente se é dado ao animalmilitar na sua forma homem

2.Nas estrelas lindascom seu terno azul clarode promessasse esconde a incerta águiaque veio roubar a glória do condorcom dor de vivera amarcom dor de oferecerdireito de conspirarcontra o inimigoSe a praça é do povoa águia já baixará do céuUma águia nixonde metal fixomovida a exxon

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3.E com seu estranho sexoInfectará o progressoe prostituirá as cidades

4. Ah Santiago do Chilequando eu te encordoarei de novoem cancioneiro!Quando percorrereituas ruas aves de liberdademúsica de atmosferaespaço de promessas...Após embora este pálidoe interminável intervalome reconheçasem pressaem tuas árvoresem tuas praçasem tuas mulheres suaves

5.Já não percorreremos entãoeste mundo coma perdida inocência

(16.12.1973)

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CombatePara Solange

1.Das sombras inabitáveisescapam-me todos meus serese em coorte abertadispostas suas hastasprolongam-se pela praçacom afronta e chalaça

2.Para a sombra recuairecuai para a sombraao inabitávelregressareispois minha vontadeé o que conta!

3.Dos olhos seus vaziossorriem suas bocase das ocas toscas locassem brilho e sem doçuracintila a glória puradas tocasde arfantes peitos bélicos

4.Para a sombra recuairecuai para a sombraao inabitável regressareispois minha vontade é o que conta!

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Page 67: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

5.Terçando em marcha roucaclangor em seus escudosavançam pouco a poucoem assalto ao mundo mudo...

6.Para a sombra recuairecuai para a sombraao inabitável regressareispois minha vontadeé o que conta!

(16.12.1973)

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Parras de Chile

1.Violetaflor de violetavinho puro de Chileeu te agradeçoVioletaporque me ensinaste a te amarporque me ensinasteo Chileporque me ensinastea amar o ChileE o meu olho estúpidoVioletaque gastei em tuas tapeçariasE as lágrimas quentesque chorei em teus versosGracias a la vidaque a mi te dió

2.Violeta, violetavou viver aqui sem ti?Será que podereisem cañas y cañadascañadones y moradasuvas de Pichilemuou foi em outra paragemque me oferto tu mano sur?!

3.Em Calera de Tangorondando um asentamiento

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Page 69: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

me visitó tu huraño versoa cada momentoOímos – tu lo acordarás – juntos en el Roto Chilenoque ya no se postergaría el campoum solo momentoE andamos por alie viramos para lá uvas de Curacaví(pois batatas não buscávamos...)

4.El desenlaceque hubo no te sorprendiópor certotalvez porque en las mujereslas ilusiones no quedan

5.Violetaflor de violeta“tu eres Parra (de Chile) y a la tierra tornarás”?Pero en Chile por acasoun diavolveremos a cantar?

(18.12.1973)

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Page 70: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Lição

1.Herr Lind vill inte resa till Oslo i morgonI morgon vill herr Lind inte resa till Oslo

2.Depois do Cálculo integral Depois da Dialética:Fru L. tañker faktistikt gõra en langresa pa sin semester i arPa sin semester i ar tãnker Fru L. faktiskst gõra em langresa

3.Depois da guerrilhadepois do P.C....

4. Mais uma derrota!(Que dói à beça...)

(19.12.1973)

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PubPara eles

AstrudPubAstrud Gilbertotio ar senareestá o seu som ainda aberto à bossa nova?!AstrudPubAstrud GilbertoStudentrevoltens pode ainda dar certoAstrud PubGevãr Gilberto!

(19.12.1973)

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Page 72: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Noche

“Noche, que noche nochera”Dia, que dia diero!Afinal he hecho un versode quitar el sombrero!

(19.12.1973)

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Page 73: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Epitáfio

Este teu ventre de nascertantas vidasque não chegarão a serestá agora feridocom a bala aveque plantaramem teu peito.

(22.12.1973)

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Page 74: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Declaração

A quem interessar possavê se meu bolso não acossasmandei pagar tuas despesasnão me apresentes outra notaembora seja poliglotaestou vivendo horas tesasa tradução já não me rende nadae pela poesia publicadadesembolsei meus florianosE se só dou pé-frioé porque sou antigoe se tampouco crioé porque não estás comigoe por pé chato e por pixotovou entrando pelos canosdesembolsei meus florianos.

(27.12.1973)

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Page 75: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Brutalidade

Embrutecer com as últimas centelhasda nossa sensibilidadeafogá-la no álcool sutil desta cidadee assassiná-la em pílulas que nos dá a farmáciatudo isso não é mais que alarde amais que falaria...Não nos faremos maior covardepor ignorardes o dia, a hora, o momentoo empenho com que te quero atentoé atento ato de mim mesmoa promessa que em ti lavro,o sol do ausente querer,é sentimento que ultrapassao sofrimento de sofrerE assim a cada golpea cada intentoiremos mais e mais desembrutecer.

(1974)

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Page 76: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Destino

A palavra perdida, a hora mudao osso recém-roído, a dor à escutaA catana, a cimitarra, cada espreita súbitaesta transida e inusitada guitarrao trancelim, o vaso que ontem fizo verbo que ainda jorra da feridaonde se exterminou o pus...a hora antes selada de Farido alcatraz de capuzjamais entediarão as brancas carnesnão sofridas das judias de Tel Avive nem se cobrirão de cansaço suas doces pelesque fazem jusa um melhor encomendado ordene-seque os nazistas abat-joursPara saudar do amante o novo diaé que me fizé que me compussem ódio ou temerosa palavra fria outraque sorva a luze para poder pronunciar a cada hora livreo sorriso de Ormuzde sustentar a vida, e aurar a geometriae honrar o palestino povo que seduz.

(1974)

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Page 77: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Dor

Tua dor me fez sentira minha própria solidãoo pranto que não chegouem ti me fez chorar a dora te esperar, porque não foipelo que se perdeu, foi pelo novo sera dor não cabe em si, não vês?Ela se fez maior que o amor, a solidão,enlouquecer não é, antes viverum novo modo de meu ser sem amora dor é um modo novo de sentirem mim a tua dor me fez vivero pranto que nem vemporque nem é de prantoa tua dor me faz viver ummeu imerecido espanto...

(14.02.1974)

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Page 78: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

BuscaPara Oderfla

Volto buscando as casasna boca da noite as casaspareciam ter asasem suas sombras vagasflutuavam suas partes brancascomo velas ao pesodas velhas telhas ao pesodas velas mudas paradashipóteses no cais do anoitecer

Volto buscando as casascom suas brancas já pardasvarandas: nessa horaa lua nem as passeia, as varandassão espera da lua, como esparsas alegres sombrasde crianças alegres sombrasdo dia que já vai

Volto buscando as casasdos subúrbios perdidas as casasde telhas escurasMinha experiência ambicionaencontrar-me espantadocomo as roupas nos varaisespalhado ao ventocomo as roupas nos varaisdos quintais as casasque busco voltam: ascasas voltam não (25.02.1974)

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SideremosPara o Marco Antonio

Todos os vícios estão permitidosconquanto as luzes estejam acesasNada vai perturbar o seu sonose o Sistema fundir, inútil reclamarA estrela Sirius continua a sua derrotadela inevitável momento e líriotodos os vícios se permitem nesta galáxiasóis subjacentes fazem dela a estrelasubjetiva atmosfera de encontrar-se aqui e alémAgora que confundimos o presente com o futuroe confundimos na einsteniana curva a circularidademesma de nossa ignorância, tudo é permitidoamar e desamar, expor-se com voz rouca nas vitrinase nas danças. Viver nesse ritmo constanteé fundir-se na velocidade da luziridiar-se em sol intenso de luminar azulfundir o tempo na energia e no movimentoque nos encanta. Tudo é o vício possível de enrouquecer nossa garganta na velocidadeincomensurável de tender a Sirius nesta galáxia...Fundimos em celeste nossa vitalidade baratabusquemos confundir as células tão lassaslá se perde o luar, a cova, o nascer e a mortepois tendemos a não sermos no centro do queespaço temporal nos navegávamos carta, desidérioe translúcida rota de destino.

(01.03.1974)

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A Rir

É constante a perguntaque a mim me trazem300 ou 600 litros de vinho e de aguarragembebeste tu em Chile?Vejam, a visagem...!Para descrever em litrosaumente-se a numeragem...600 ou 900 ou 2000 ou 3000?Qual seria mais formosa?Que a tediosa hora de lírio e esperabrindar em cada arageme visitar cada companheiroem sua infinita claridadeE ao construir da aurorae ao rever em piedadeso perdão precoceao inimigávele ter de leveem cada insulto da minoria almocrevevazada em nevea crença da piedade...Mas purgar do infinito ao fimde cada vil estúpido alecrima siderea e fugidia nuvem da Mudança...Nuvem que perdoa a maisimunda aliançae que, para suportá-la,é preciso afogar o fulgorem cada entretecida taçade Cauquenes, de Caupolin e de Tarapacá!

(12.03.1974)

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Page 81: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Toque

IÁgua turvamúsculo que vibraser marinho, algaserá agoraou antes foiantiga turmalinalinha indefinidacontorno vagogeometria imprecisade um afago?

IISaio pelos mesmos modosPés passos passam na noitepés chamam soam ressoampedem imploram qualquer pedaçode chãoqualquer palavra pedaço que sejanãopassam pedem imploramMas nem é horaMeus pés tão sósquanto os pésda prostitutaque passaPés se perdemnos olhares que se encontram

IIIDe pasmo paroaqui e ali

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Page 82: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

nada me esperaMúsica club dancingcabaré de esperaleva apenas de voltauma memórialinha indefinidaantiga turmalinacontorno vago.

(16.03.1974)

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Visão

Tens com que tomar entre tuas mãoscolher da multidão, pão, bebida e mulherTens porque apenas ser e crerdescrer da solidão, apostar que tu ésmelhor que teu semelhante, destino traçado sem igualDessemelhante e algo fino aristocrata de um mundosurrealTens com que tomar entre pésda vida os ouropéis translúcidos e vagose viver montado sobre o ser que voa a correrque corre a voar carreiras,carros e caminhosaéreas rotas dos destinos, reduzindo tudo a caquinhosque os outros podem ou poderiam remendarNão sei se a vida é como ésNão sei se vives com razãoNão sei se amarras tua mãocom o cadarço de apertar teus pésNo mundo confirma-se o sucessode ser inimigo do outrode ter, tomar e fazer poucodo que se tem a calcar sob os pésAssim talvez que tais vitóriasnão sejam de um mundo já sem glórias?De um mundo que rola no abismoe um universo tolo irá calcá-lo aos pés...

(14.04.1974)

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Page 84: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Perda

E como teu olhar encerrasse um segredoentre tranqüilo e calmocomo me faltam palavrassei dizê-lo: noite,antes entardecer de sonhotalvez revelaçãoque seja e que se fez manhãCom promessaso teu olhar me dizia que sei dizê-lomas não o seisupunha, incompreendoagora: fica-me apenasuma leve impressãode que foi íntimo,que vai passandoe vai-se embora...

(16.04.1974)

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Page 85: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Descoberta

Pois as horas não sobram mais:agora estamos de novo ocupadosvemos crescer as plantas, descobrimosnos pássaros um novo som tão belo,não está gravado...A esperança renasce devagarHá mais cores nas pessoas que passamnas ruas, nas paredes, nas casashá qualquer coisa inesperadauma porção de alegriasque só é preciso conhecerque é só preciso acreditar que jácomeça a ser...Perdoatudo issotalvez lhe pareça vaziomas ontem tambémme parecia.

(16.04.1974)

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Page 86: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

A Liberdade

a liberdade não será um cardo cheio de espinhosFazer o que se quer não é liberdadeescolher os caminhos é aceitar aquilo que nos foi fixadoCalar-se e ensimesmar, virtude búdica de duvidarnão será também a liberdadeA liberdade não é livrar o taradoque habita em nósnão é entregar-se ao sexofazê-lo o algoz de uma vida de cavaloa correr sem regressoa liberdade não é dos mestres seguir a vozou deitar-se ao sol, agarrar a istoe soltar aquilo que era melhor...A liberdade, enfim, como será?!Terá sabor, cor e vício da eternidade?Será simplesmente o negar desta necessidadede seguir mudando o tempo todotudo aquilo que há em nós?A liberdade será em nós?A liberdade será?A liberdade...

(17.04.1974)

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Certeza

Para que fitas a noite de binóculo?Se o que ela pode te dar é tão poucoque já não tivesse dado...Para que esticar o braço deste óculoque ele – é claro – não alcançaver o que bem terá ela ocultado...Falta modo, falha o meio de enxergar-se a esperançaNo meio da noitenão é o verde da esperança o que mais contaNão é o ver-se que contaNão e o saber-se que contaNo meio da noitenada o óculo alcançaSomos todos míopes, cegos todos somosNo meio da noiteTrata-se apenas doutros sentidosApura, pois, o melhor dos teus olvidosapura o nariz, olfateiaapura a língua, tateiaCuida-te da carícia da centopéiaApura a fé, e a certezaNão coopere com a fera que buscaabater uma nova presaAusculta com fé a treva vãE encontrarás que estavas certoao despertar a luz da manhã

(19.04.1974)

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Page 88: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Vida

Se queres morrer, não é de um poema que irás morrerSe queres da vida o fruto deixar, dá-lhe uma mordidavai-te envenenar...Nada será dado de graça ao viventevoam-se energias, faltam-nos na menteas melhores idéias protegidasque não pode gerar o fosfato ausenteComo dizia o mestre Oshwa da MacrobióticaTomar demais faz falta ao alheioé ótica poucadesprovida de conviverEstocar energia demais arrebenta a centralreduz o transporte de energiainterrompe o ciclo vitalPor isso, se queres morrer, não desligue simplesmente o sistemaIntenta antes te divertir,estudar o teu temabanha-te em óleo de sassafrásentope-te de gorduras animaisconsuma muito nitrito, carnes vermelhasque com bebidas alcoólicas ainda mais o estomagose satisfazprepara, como o espanhol, grandes caldeiradasdeita deixe, carne e enxido de ventres animaistempera tudo com pimenta do reinocom malagueta, aipo e manjericãoOra, não te esqueças de salsinha e de abundante estragãoDe sobremesa, aconselho uns figos frescos, com um chá de folhas de abacateNão, nem é preciso que com o conhaque finaladoces a boca com um chocolate

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Page 89: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

A vida sabe-te agora melhordescobriste como eusabor como arteVerás agora que o tempo num átimo em toda partesimplesmente porque estás a engordare sabes como a ti mesmo agradar-te Então, um dia,encontrarásao abrir o jornal o teu necrológioE ouvirás teus amigos a declarar:“Como? Morreu? Mas era tão forte!”

(21.04.1974)

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Page 90: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Vega Central

No mar que ficou tão longeHá tantas espumas, há tantas verrumasvermelhas de cálcioHá tantas centolhas, tantas quarentenasBarcos às dezenas que nos trazem peixesE de madrugadano velho Mapochoenfileirados os bêbados, nosso descaminhobuscamos sozinhos no iodo dos ouriçoscurar nossos víciosaté que chegue a noiteNessas sopas friasbóiam os mariscos, suas vísceras,sou sanguecuram nosso víciodentro do vinho brancosorrimos espelhosmordemos almeijoascomo se fossem ameixasLogo chegará o novo diaLogo as sombras seremos facesLogo marcharemos a outra partepara nos embriagarmos de outra arte.

(24.04.1974)

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Page 91: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Ditirambo

A fonte de todos espantostalvez que jorre carmesimperdi no amor o melhor de mimpara servir contemporâneotalvez que reverbere um tangosem guitarrão ou bandolimtalvez que o Gardel dentro em mimvá recitar um ditiramboErgam as taças cantem assimmelhor de mim,melhor do tantoErgam os joelhos e pulem assimmelhor de mim, melhor que um mambo...

(25.04.1974)

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Page 92: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Por quê?

Não queria dizer que fosse tão fácilsaciar esta fome de ternura enormeem teu gestoNão insinuei que fosse euque abrigaria o laço e te daria o certoChamei atenção apenas para o que trazese tanto espelha e tanto ocultase todas sabem e todos percebemGostaria tão-somentede perguntar-tepode ser que aceites isso assimPode ser que queiras te ocultarPode ser que não saibam te amarPode ser...Mas por quê?

(25.04.1974)

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Page 93: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

IncomumPara Luiz Alberto

O destino, um esgar, um modo menino de declararverdades absolutas, fajutas, que crêem na experiência...Está posto a prêmio, já vês, traz sentençasde um pretérito que foi, que julgoupensa que haver sobrevivido traça o mapa colorido do que serátolo tu dirás, tolo bem que seiquem lhe dirá?Antes ou depois de haver vivido?Bem sabes, viver não é tão comumAfeta apenas a quem isso afeta, quem existepois a maioria será simplesmente outro ser a vagaroutro ser, isto será, e nem dói, e nem sente...Pois a minoria será quem existequem não dorme, e nem sente...quem sofre, quem a tudo assiste...Pois a maioria será incomum...

(28.04.1974)

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Page 94: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Colheitas

Tantas e tais pretensõesformou-se a vida, a alegria dos jovensde coisas sãs... tomar ao pé da letraViver pureza, e acreditar que se aprendea morder maçãs...Logo virá o inevitável assombroao gesto puro não advém o muro imaculadoE das flores semeadas se verte o sanguee de dias melhores, quem sabe?Já não há alarde...

(02.05.1974)

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Page 95: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Experiência

A primeira liberdade, exercida por intuiçãonos entreabre o mundo dos perigosnos retira da indesejada proteçãodos amigos e da famíliaIr-se-á assim sempre pelo primeiro caminhoHaveremos de supor que se toma o que é nossoE, aquilo que nos dão, não possui valorViveremos sempre a projetar a experiênciada primeira cançãofartar-nos-emos dos riscos, e obrar-se-á a estratégiada auto-consideração:somente aquilo que tomamosnos serve, para nada nos serve, estranha filosofia,aquilo que outros nos dão...

(12.05.1974)

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Page 96: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Vileza

Vendo a vida com olhos tão cinzatornam-se santos os cios e irregulares os diasnutre-se a covardia das fomes infantistorna-se tão importante o belocomo o porte dos homossexuaisConfessos e confessadosse os tomam todos por iguaisNum mundo de tantos do deus Amor serventuáriosforma-se ideológica e serventuária visãodesperta-se com o rosto inchadoe caminha-se desigual entre indivíduos numeradosAlça-se assim os olhos para os heroísmos fáceisestranha mistura de alegrias e tristezasAos heróis queremos servir à mesaE nos esquecemos o quão serventuário é quem se dedica a combater vilezas.

(14.05.1974)

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Page 97: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Cenário

Forças ambíguas sucedem-sesão recessão, são seqüênciade uma vasta doençaque o mundo vai engolirPenso que às vezes o que voae lança bombas e queimasó fortalece o que teimaem violência submergir e afogarQuanto ao que tanto resisteÉ-lhe plausível o direitotalvez até esteja acertoquerer ao outro matarE assim vão eles, enlaçados pelo ódio, pelo vago sentimentode que o mundo é apenasum cenário para se arrasarAh, caso se pudesse o porte altivodo que luta, fora as medalhas e outras tralhasfotografar desde o interiorsomente ódio é o que veríamosverdadeiramente não distinguiríamosdo algoz e da vítima, abraçados em seu entulhoFatalmente amarrados na indissolúvelmatéria do seu orgulho. (17.05.1974)

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Page 98: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Plácido

Para o Luiz Carlos

Num magro exíliomal sabes onde andam os amigose coisa e talqual o último governoque derrubado deu lugar a uma ditaduraoutro golpe erradooutro golpe sujo que arquitetouo grande capital que a ti exilouDentro da cidade, quando protestaresrecorda que o direito políticoera para calares, nunca para gritaresberros duvidosos ante delicados ouvidosde capitalistas ciosos de salvar a pátriadeles a pátria ede expandir o umbigode acumular extra sobre o sangue e o trigoAssim explodem bombas e intrigasem Manágua e Saigone o melhor sabão já mudou de tomcom a nova seiva coloridaVeja como é plácido e senhorial o sabonete das estrelas, cobrindo a fachadada velha catedral.

(18.05.1974)

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Page 99: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

ProgressoPara o Nestor Noya

Se mais uma sonda corta o espaçoSe um satélite a mais se lançouFalta macarrão em mais um pratode disenteria uma outra criança certamenteHoje se acabou...

(18.05.1974)

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Page 100: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Ludíbrio

O madrigal do teu nomeque nem quero recitaras horas perdidas no café estudantilas semi-palavrasas perdas estranhas de um idiomaintocado e infantilmenteinútil recriado...Anda assim tua promessa de boa serpara mimcomo a pressa, ou a melancoliacom que me ativee que já não está em mim... com vida!Cara amiga,A vida é apenas um estrondoQue corre a cavalo de nossas ilusõesE, embora eu seja moço há senõesde um pesar profundouma descrençade andar só pelo mundoe ser hostilizado em multidões...O meu termo entristecido espia em desalento o teu intentode mover com paixão o sofrimentoque se espalha a cada instante iracundoSim, o mundo não é tuas promessasNão é o amor que ofereces à beçaFerida e cicatriz, este é o mundo...E vejo agora, com ilusão perdida, O amor infeliz com que amas a vidaE que te abaterá sem dar guarida (18.05.1974)

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Page 101: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Menor Alusão

Em alegre sucessão se lançamnovos, filmes, guerrilhas e mesas-redondasOs juros dos capitais onde balançao movimento operário, o hippie e o movimento salafrárioque antessuga do salário o todoque não pagará o juroque trincará o asfalto, a escolae o sistema de saúdeLutar pelas causas maioresserá que não ilude?quando talvez das causas a menorjá ao todo alude?Enfim, cada qual fazo que pode, ou o que se toleralevantam-se muros que separampara unir o que não se espera...

(21.05.1974)

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EstatísticaPara o Washington Alves

Dizem que no rio Saigon há uma ilhaonde se pregam os dedos das mocinhas revolucionáriasnuma tábua, onde se violam à luz do diaas meninas operárias, onde o choque elétricoassegura a distribuição da eletricidadeà população. Talvez que não. Talvez se trate de propaganda apenasDo contrário, haveríamos de concluirque se fazem ilhas das flores às dezenasE que o movimento do mundo é pobrenão é fecundo, está sujeitoà mesma distribuição...

(24.05.1974)

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MontePara o José Duarte

Conheças cada fronteira pela luz exataque difunde a tua mãoEla ilumina os teus caminhospode mesmo escolher-te a melhor liçãoCaminharás sobre teus próprios pésenxergarás das vidas os paláciosque fizeram dos chás cafée moeram o fígado do açoPassearás por tantos paísesquantos tuas próprias pernas alcançareme entre uma sessão de cinemae a visão dos namorados felizes na ponteremontarás tua visão aos montesque ainda não foram visitados.

(27.05.1974)

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Com a Cruz

Já não há tempo para sermos felizesCarregar só a cruz, eis o que é a vidaCaminhar sob a luz, buscando sempreencontrar o calvário, feliz despedidaMas a estrada é longa, teria sidolonga assim sem valor a jornadado filho primeiro, o excelso redentor?Mas que ao fim terminou, com final benigno...

(28.05.1974)

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Busca

Pode-se para sempre esperar um só instanteE por sempre esperá-lo, só vê-lo, só senti-loTornar tudo sem sentidoUm antizen, fitando na distância o tempoque seria...Pode-se sempre entornar a xícara de cháe não saboreá-la, o que nos tocacomo nos ensinaram... Mas na distânciaa buscar um só instantepode-se sempre perder o instante... e isto éo que conta...

(28.05.1974)

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Jogo

É tão estranho o jogo da vidaTão complicado, tão tristetão sem sentido... desejamos o melhorJulgamos buscá-lo... e nossos paistambém para nós tal desejaramEis, contudo, que o curso é outroPelos vales e colinas é recurso poucotudo imaginaram, tudo o que desejamose devemos, outrossim, afundarna mediocridade e na rotinaque não planejamos...

(30.05.1974)

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Voltas

Pesa-me a inutilidade de sertalvez porque entenda, e, assim existaPesa-me viver sem diálogoviver em silêncio, sofrer em silêncioE sequer ser objeto útil na vidaRomperam-se as cadeias do faz-sentidoRolamos anti-razão e só persistimospor egoísmo vão e por desalinhopor jovem caduquice e por ser mesquinhosAbro a mão, foge-me o pássarodo qual pretendia tudo aprendervolto a olhar, e se me turva o espaçopelo qual julgava fosse-me o espíritoescapar... damos assim as voltas, inutilmente E pela volta inútil ficamos ainda a esperar...

(05.06.1974)

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A Felicidade

Se não podemos encontrar a felicidadedentro do peito, dentro da dordentro do desatinoTambém não a encontraremosdefronte ao vento, em meio às vagasvoando no abismoA felicidade é um bálsamoque fecha as chagas, que nascedentro da alma e vai-se escorrendoE só quem o produz, e que a si se acalmacausa bem ao próximo e não sofrimentoA felicidade, se a tomamos com carinhoé o melhor dos vinhos,é auto-consolação e começa por descravartodos os espinhos e abrir-nos o sorriso da mansidão...

(07.06.1974)

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Mentiras

Para mentir parece que nascemosano após ano, dia após dialevamos-te pela mão, e já te desapontamose desatentos lançamos novos jornaisPara mentir criamos novas verdadese negamos antigas, que valem iguaistão só mentiras, sonhos, ilusõesa vanitude da vida e o orgulhoe nada mais...

(08.06.1974)

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Susto

Veja amigo, diga-me o que ée é uma fraude à luz do sol, um mitoou outro desígnio, que cada vez que meu nome declinorecua toda uma classe em espanto e grito...Não reconsiderei o leito de ProcustoNão fiz da terra o berço dos anõesSequer eu descobri o Solimõesou assimilei de Galileu a lei da gravidadeNo entanto, ao percorrer cada cidadesou recebido com espanto e sustopareço até o Arcanjoque viajo em anjo disfarçadoserei o justo que há de chegaruma bela tardepara julgar a humanidade?

(14.06.1974)

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Desfecho

Jamais te avisariam bastanteque a Cruzada não é o romanceiro da Cruzadaque Excalibur não salta da mão e combate sóque a hora chegada não é a de outremé a de qualquer umJamais insistiriam os Iniciadosem revelar-te o suficienteda arte de jazer no fundo do marsem ser afogadoou desta outra, de como manter-se no arsem estar voandoPelos múltiplos instantes em que fostedesconsiderando o fato real da existênciacomo tal, como verificado,como efetivar-se, como tornar-se reale não como ser imaginadopelo modo com sempre viveste alçadodistraído, ausente deste mundoque corretamente consideras doentemas no erro de viver magnetizadoPor tudo isto seria inútil descreverque o momento que estás agora a viverfinda todo um modo de não compreender.

(17.06.1974)

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Ditos

O costume do cachimbo faz a boca tortaNão abrirás a quem te bate à portao que melhor sabes, é daquilo que te fiasPoderás construir um mundo de palavras vaziasignorar até a estratificação da sociedade de classesPouco importa que o tempo passee tu fiques gênio e figuraaté a sepultura...Nada há que consideres – que outros não consideraram-Debaixo do sol não há novidadesé caro para quem pagaSem esmola, adeus importunidades...

(19.06.1974)

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Porre

Enquanto chove, dá água por todos os ladosembora não estejamos em maresDo que se deu, não se segue o que seria dadoMas o que não decorredoutro modo, estaria o mundo explicadoE não habitaria a surpresaNem mesmo num porre.

(19.06.1974)

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Partida

Nada que eu pudesse dizer importariaNada tornaria real outro desejocomo o perdido a vagar no desertonão lhe serve um beijoNão serviria o conselho, ou conclusão outraDe fato, quando desejamos calarfala uma boca, quando desejamos dançarnos dói um pé, quando desejamos velejarfalta maré que encha para nos carregarAssim, que adiantaria eu dizer?“Fiquemos na praia, que clara é”?

(22.06.1974)

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Sem Ninguém

Reconsidera a minha pessoanão é coisa boa que eu tragaraios de dentre os olhosque voem estrelas se apenas batocom meus sapatosE não sejam boatosmas que sejam fatosque coma dos outros o melhor pedaçoque salte na frente e escapeao perigo, que role na nevemas trago abrigoE mais e mais do que façose me abre espaçoe só corte corda e baraçoEstá bem, sou de açoMas não seria melhor consideraresque apenas desço aos infernos e simulo que não sinto?

(22.06.1974)

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LacerarPara Solange

1.Minha amiga áurea,minha moda loucapermita-me respeitosamenteachegar-me...e não beijar-teem tua boca...

2.Permita-me rever-te tal qual és e que te não revelase que ignorasenquanto agora te escrevo me devorauma ansiedade despertadapelo jazzque ouço agora

3.E que se estendepelo teu modo ausente de sere de esperarsomenteque te tragam aquiloque hás de escolher

4.Muitos julgam que é tempo de te retere de te abraçare te percorrer e de te revelarcertas coisas poucas que ao fim não permaneceme se revelam nada loucas

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como ao princípio tu crédito deste

5.Amanhã quando eu não for vivoviajarás à província chilena de Valdíviae te encantarás de olharos boisenormes que trabalhamà sombra dos ciprestesE, num brusco gesto a que te induzirei, mesmo ao reverso do teu modo de ser,te brindarei,ante aquelas casas minúsculase ao seu habitar congestoum mudo modoum jeito todo homemum esgar silenteum comovente ver

6.Tu brindaráscom insólito prazertoda a alegria estranha de esquecer...

(22.06.1974)

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Caluda

O teu exercício, uma irresistível suspeitatorna pior a espreita que a literaturade detetives. Deixar-se ficar de longecomo um vício, falar o mínimoapenas considerar... Talvez que seja sábiocalar, quando todos falam e se destroemTalvez que calar seja próprio do heróique deverá triunfar sobre a sepultura...

(24.06.1974)

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Jóia rara

Não há como rasgar experiências como se fossemmaus versos. As experiência sobrevivem ao reverso,quanto mais abandonadas, mais estão vivasNão se pode calcular quantas vezesnossas pupilas feridas resistirãoao golpe do flash; simplesmente é melhorque se considere o flash uma parte do se expor ao solDefinitivamente traumatizado, seguirás desamparadobelo como uma pérola ou um rubiNão hão de te preocupar se estás aquiou se te põe de lado, céu ou infernoAumentarás com o tempo o teu valorenquanto reflexiono sem pudor no novo modelo do meu terno...

(26.06.1974)

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Carnagem

Hora de absinto, escuridão cruelSe abandona o amigo, se esquece o paie se olvida os filhosApenas para se manter por sobre os trilhosDeve-se abandonar o caminhoalçar o sobrolho, forrar o antolhoE avançar sem vícioÉ mais isto que me espanta: avançarsem víciosCarregar como se fosse o vento, contra o nosso tempoE ainda sorrir quando as ferragensnos destroem a aragem...

(29.06.1974)

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Na Chuva

Com minha capa na bicicletaenfrento a chuva que molha ágilEstranha chuva num dia agradávelOs entretons do anoitecer fosforeiam ao longea luz dos prédiosMinhas pernas leves me levam rápidocortando o tédioE nem mais acredito que sou nédioque não tem remédio para esta viagem.

(30.06.1974)

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Vôo

Qual albatroz te ergues colossale voas o mais alto que já podesdepois, porque não podes mais alçarte deixas devagar e vens planandoViajas deste modo em teu pensarbuscando compreender o que divisas:classes, navios, casa, pão, camisaE tentas tudo isso incorporarMas não te esqueças,minha menina feliz,mesmo as aves do mar, baixam ao marpara se alimentar...

(04.07.1974)

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Rumo

Deixemos partir aos que retémno brilho do olhar o horizonte futuroaos que cintilam no trêmulo perfilo rumo da aventura primeiraCalemo-nos ao passardeste ser extraordinárioonde habita a esperançaE com a energia que dele tombareducaremos as criançase ainda seremos castelo na areia.

(05.07.1974)

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No trabalho

1.Para baixar ao infernoà luz do diaque coisas maisse necessitariaque um alma alimáriade direita?Quem cujoquando poderiabaixar aos infernosse sonhar fosse ou seria?

2.Mas para ascender à Terratemperada de monerasentrecortadas de erasgeológicase de outras herasque se nos harmonizamas paredes das casas

3.Pensoque requer-se-iaum certo sentidode que erasum ser entre outros maismas com desejosvontade de afirmar,de discutir,

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e de construir um mundo melhordos desejos de toda a Humanidade a se cingira uns quantos princípiosdigo esquerdaque mudar é a esquerdaconstruir!

(23.07.1974)

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Pretensão IIIPara Solange

1.Ouça queridao poemaaquele esqueci

2.Com ele enterrei ummodoque vivie em que conseqüentementeproduzi

3.Porque,como sabes,sou um desses serescomuns por aquium vil mortalsem mais nada para dizer...

4.Mas tenha paciênciase souberesmil vezes perdoarse souberesoutras tantas recomeçar a amar

5.Acabarás por compreender

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que sou exatamenteaquele serque te prometi

6.Que souo ser exatofeito para ti.

(23.08.1974)

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Ato Falho

1.Que bonito é parirdar à luz o seu rebentoato universal de virao mundo um novo momento

2. E ser mãeo que será?Será o ato animal?Ou algo transcendental?suportar a criação?

3. E o filho que será?Será nascer só da mãe?Será sorrir e viverpara só fazer sofrer?

4.É difícil ser mãeQuando o filho: que será?Será que vai-se servir?Será que vai militar?Por aqui ou por Aláquando ele quiser roubar terá que entrar no funilsai na Avenida BrasilE se ele for ladrãoserá que vai torturarserá que mais vai matarnesta Avenida Brasil?!

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5.Poisse ao lado está o fuzile é tão difícil ser a mãee o filho quanto será?em que é que ele vai dar?

6.Quando menosdá no paiou noutro bicho similarserá que vai com o fuzilserá que vai militar?

7.Por aqui ou por Aláse o bicho quiser roubardá na Avenida Brasile da mãe o que será?

(16.12.1974)

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Insistência

1. Ao desmanchar das luzeseis que o ano, tão mau,nos traz estas surpresas,nos traz estas certezasque os anos, todos,mudarão

2.De contra-revoluçãoelejoa revoluçãoque se lhe háde suceder

3.E, embora seja o tempode esperargeralmente maior que o tempode viver

4.Ainda estarei a acreditarquando meus olhosjá não possam ver.

(31.12.1974)

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Sob a Noite

A noite é longaA madrugada vai numa pancadaTorturar a alma vaziaNeste mundo sem notíciaQuem te ronda? Quem te suplicia?Quase estava por vir o poema que agoraMe tortura, me angustia... e se estiola...Wotan, em seu carro de estrelas,Cruza o céu da noite, em sua indiferença,Em minha pele sidera elétricoAlqueire de reminiscência...Onde andará agora aquele tema?Quem dele mão terá lançadoE no cintilar do argênteoEscreve agora o meu poema? Onde buscar a ébria belezaDe uma natureza abertaQue me tornou ausente?Olho para o céu e um frio murmúrioMe sopra e me desperta...Onde se foram as palavras,Beberagem vaga com que o sonho se medeia,E permite arrancar das orquestras do ventoA tua lembrança muda,Fazer viver o teu ressentimento?

(14.02.1975)

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Tessitura

IEstranho cerzirnos costura alma e caminhopelas cruzes da vidaEstranhas noitescruzadas de diasraiados em madrugadasrostos que passamurgem carregam meu rostoem ar de penaEstranho procuro um jeito de mortoencerrado nas garras do meu peitoeste novelo

IISonhei aspirar impulsosmorrer-me em glória à boca da noiteflutuar no lençol de lágrimas das massasque comigo construiriam o futuroSonhei enfimtudo isso de estranho que procuroe este noveloesta madrugadame nega o fioporque devo caminhar...

IIISilêncio purolabareda crispadatesa, rija, imobilizadasustentas a noitecomo um lento trem de sombras,

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se sustentasse beloante a estaçãoda qual parece não partirájamais

IVTrilhos que brilhamcomo fios nessa noiteonde se esconderáo fiodeste meu novelo?

(21.03.1975)

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No jardim

Foram-se ao longo das experiênciasa primeira camélia que era promessano jardim, e assim se seguiramtodas elas, até a derradeira rosaJogado e desamado daqui para ali,sem nenhuma pressa, o jardineirode mãos espessas recorda ainda, ai de mim,a derradeira promessa de um jardim...Revive ali a pertencida humildadede quem já não se sabe no princípio ou fimSequer lhe cabe de permeio o recursoou o meio de realizar algo mais, enfim...Seus olhos, os dele, de chorar, trazemjá o entretom vermelho do carmimmas nada importa, a ninguém importaque o desfecho haja sido assimA derradeira rosa, a primeira camélia no jardimainda expressam seu melhor trabalhoVivas em sua memória ainda cintilamno vaivém da tarde; mas talvez tardemapagar-se o fogo puro que ainda ardee as puras promessas de um devirque certamente não irá se repetir...

(11.09.1975)

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Ironia

O vento e o tempo esbatem na memóriaa melhor recordaçãoA casa, te direi, não traza liberdade que nos trazia o marali tão fácil e tão difícilde alcançarE quem diriao que dissera ontemque o nosso era um encontropara todos os diasQuem hoje seria a dizero limiar daquelas luzesnaqueles dias?O que hoje é certamentenão é o que naqueles dias seriaO que hoje énão são perdas apenas nossasSão rotas perdidassão derrotas de todas as vidasem todas as coresVeja meu bemsorria sem acreditarna luz de um novo diaViveré somente reparar nas perdascom ironiaMas ontem nissoquem acreditaria?!...

(16.09.1975)

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O Ódio

De tanto sublimar impulsoslogra-se mergulhar no mundo astutoda dor insensível e do desprazerNão é preciso ser um faquirpara viver, para apreciar com lentidão,a morte de cada nervoem cada pregoHá outros métodos de torturar o egohá sempre uma motivação mais fundacom que a rotina te mata o coraçãoO dia a dia a serviço do capitalte arma armadilha sem igualda qual quiseras fugir e te seduztornar à aventura e partiresquecer tudo o que está afligirao vento e sol poder se aquecer...Fechar o punho bem seique gostariase a cada golpe ouvir o osso partidona face surda de cada inimigoBem sei que o meu sentimentoestá contigoe já não procuras a cada noite abrigonum lar, o calor de outro corpoe o amor de uma mulhera saciar...Bem sei que queima a chamae a jactânciao ódio já chameja e a criançaque habita em tijá ousa vir e voltarVenha comigo...

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Partiremos com a preamare o mar que nos arrasta é o fundo marele é castigoque não émas que traze que aportao que não será,e assim sendo,requera ira mais fecunda,a luz mais profunda...do mar...

(24.09.1975)

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Desamor

Eu não sou ninguém para falar de amorAmor de tantos desígnios, vulcão do mais violentoou daquele outro, da cruz, o que salva o pecadorSe você de mim se condoeu e assim foi que me deuo seu – sei lá – amor, não me censurepor um amor – seu ou meu – que pouco duree que se hoje bate no peito, amanhã chama-se dor...Agora o que sei, eu não sou ninguéminfluente ser que mereça ou desmereça o seu amorSou apenas gente, um outro viventee como tal, coisa necessariamente máCoisa viva, perigosa e semexenteque procura a tudo escravizar...Não me venha dizer que você é diferentePode ser talvez chegada ao martírioe dos sonhos despertar a mastigar líriose ao olhar de Cleópatra invejarMas isso de amor eterno, de fogo ígneo,a luz dourada a tudo iluminarisso, minha querida, é ilusãodura pouco, e faz sofrer...Não é amor para sempre o que sofre assimnão é amor, quando tem pena de mimmas é melhor amor, quando não é para sempre...Sabe por quê?Porque este é o amor que a gente senteTalvez o amor perfeitonão seja feito do amor de quem sofreuAntes talvez o amor – seja você ou eu – que já se deue nunca se negouTalvez jamais amaremos de outro jeitoSeja lá encontrar o amor perfeitoOu seja outroO nome que se deu... (12.06.1976)

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Em Torno ao Mastro

A alegria do verão cantahá folgança e festa em toda partenos parques corre a mocidade alegrecolorindo com seus gritos cada tardeAssim é o verão: todos passeiam felizescomo se tais dias pudessem durar para sempreE não é lícito aqui pensar no Outono,pensar no triste inverno a que se teme...Transborda deslumbrante e ébriaa fonte de beleza em cada jovemVão-se a correr em suas bicicletas,borboletas que incendeiam o amor ardente...Trocam-se os olhares,rola-se pela relva,e o instinto reprodutor que se liberaoferece um sentido à vida espumejanteEntre eles me encontroUma vez mais sou aqui o estudanteque nunca se esquece de suas liçõesMergulho na piscina, Corro ao tanque do bosque,caminho sorridente à exaustão...A noite chega sem anoitecertodos sentam-se à gramao que será?Rodopiarão em torno ao mastrodo solstíciopara lembrar uma vez maisque é o verão?Cintilam os pirilampos na noite felizO calor reacende brilhos sutisnos olhos de todos

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reacende um cheiro de grama, de pó de gizdo terreno ao lado...Não seria honrado pôr de lado esta cervejaesta certeza de que tudo está adequadoe procurar em algo vazioa lembrança, a surpresa, que me ganhará.

(25.06.1976)

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Com a Natureza

Na verdade, devo confessar,mais de uma vez ela entregou-se a mimno bosque, no vento galopante da noite,sob a luz do luar...Vivemos assimde pequenas fugas, ela e eu,de encontrarmo-nos do modo mais ateue a cada laço sagrado profanar...Sob o brilho das estrelastransformamos eu e elacada vereda da floresta em lupanarE nem sei, nem posso te explicar,a fúria, a besta,com que se afogueiam os desejosna floresta,com o perfume das madeirasa se soltar...Vagamos assimébrios de cada estaçãomas era mais com fúria no verãoque íamos em tudo penetrarrolávamos eu ela pelo chãopelas nuvens bebíamos braviosas tempestades ainda em formação...Talvez de nossos corpos que nascessemestrelastão belos eram nossos encontrosao som dos pinheiros,ao vento vão...Hoje despeço-me da força,que beleza!com que a Natureza

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foi paixãoHojeEntristeço-me com o singular de estar aquidesejaria na nova estelarcingir a cintura do universo e galgarseu cintilante sexo... Mas já não posso abarcar,já não sei se sou capazse irei saciaresta fonte infinitafeminina, a Natureza,que longe aqui está a nos geraresta fonte molhadae fria a evolver, a recriaresta mulher mais feminina queo universonão sei se podereide novo a saciar...

(26.06.1976)

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Chegada

IEra que de repenteum poema seria:brotaria brutoliso restritoe rápidoda penaEra quede repenteesperávamosalgo beloum poema

IIMas veiochegousem olhos de espantouma criançae ficamos reconfortados.

(15.07.1976)

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Como um Rio

A vida corre como um rio,com força e velozmente,contra aquilo que se sentee que se quer reter para sempreA despencar-se como um fio de águadescai ela pelo valee mal sentimos o que é presenteO futuro se devoraa cada instante, quando nos vemos passado,nada adiante,somente um filmedo que foram nossos diasE adeus à lua,aos prados fluorescentes,aos beijos,às bocas mais ardentes,aos corpos enlaçadoscom agonia...É maldade que na fonteque bebemosnão voltaremos a beber outro diaÉ pura perdaque na laje friao melhor de nossos dias encerremos...ontem aindao menino esperto, vagava sem pressabêbado pelo verão,com a mente descoberta...Hoje aindanada mais do que lhe pertenceuseráCada momento o surpreenderá

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como o instante que passouApesar do meu orgulho, apesar de me julgarmuito mais perceptivo, melhor do que soucada momento me demonstrará que nada ficouque nada restoudo brilhante menino que um diaentre estrelas brincou...

(17.08.1976)

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Milagre

A poesia nunca é mentiraé uma verdade a se trabalharsalta como uma figura desde a pedrase houver um escultor para a livrarLivra-se a poesia do poetaquando este a coloca no papelcada palavra ali se multiplicasem esforço, sem graça, sem ameaçaAssim o Cristo, excelente poeta,fugiu das vistas, ao multiplicar os peixese basta que haja um e vêm em feixesqual a surpresa agonizante das palavrasComo os peixes, elas nunca andam sóscorrem gritando nos jardins do arrebole chegam a doer seus nomes na mente do poetaEsta palavra, qual peixe, já desperta,e logo há de juntar-se àquela outraComo os milagres do Cristo, não é poucae só pode alcançá-las quem nelas crêMaior artesania já se vênão demonstrou o rústico carpinteiroque de mitos gerou um feixe inteiroe deu nome a cada pobre e ao CruzeiroAssim, se da tua poesia, saem poemas aos feixesNão deves criticar, antes tu deixesque eles venham suas personalidades exaltarDeixe que brilhem em todo o seu defeito,Que cheguem a todos, como o pão multiplicadoe compreenderás que não há verso erradopois, da Montanha, habitam todos no Sermão...

(04.09.1976)

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Escarmento

Teu derradeiro sonhode valsa exauridajá não pode viverteus caminhos risonhosOutro é agora o teu caminhocaminhar no exíliocom sapatos medonhos...Não soubeste julgar das tarefas da vidaa mentira conhecida não pudeste enxergarHoje vagas sem tristeza,sem alegria, pelas vias do castigoParece-me até que te apraz caminharpor tais vias perdidas...Tua comiseração, teu sentimento de culpa,protegem teu inimigo, são a tua perdição...Bem sabes que perdoarembota os sentimentosTua derrota serve de escarmentoOutra lição igual de desenganoSó faria de ti um ser humanoSe acaso aprendesses a te vingarNão é nada pessoal tua fadigaO que envenena o sangue, o que intrigaÉ que aceites simplesmente tropeçar...Que toque, pois, a orquestra, repassemos de novoa velha valsa, aproveite o movimento que prestae jogue fora aquilo que atrapalha...A valsa exaurida de teu derradeiro sonhoperdida que foi nos caminhos da vidanão pode trazer teu passado risonhonão pode curar as feridas sentidas...

(11.09.1976)

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Page 148: No Movimento Dos Sonhos - Wilson Barbosa

Descaminho

Já não posso palmilhartodos os caminhosque me havia permitido na infânciaJá não posso entreluzir-meo olhar fácil, o brilho firmecom que se entreluzem as criançasO caminho – veja-se – é um sóArrancaram os trilhosMas eles ainda persistem na lembrançaRomperam-se os calçados sem esperançabem sei que já não subirei ao cume mais altoque me prometia minhas melhores andanças...Embora a cada momentosiga eu a emboscar o passadodele só posso extrairo que me fora antes reservado...Já ouvi ranger no espaço o futuro que foiO futuro que ainda nemé chegado...

(12.09.1976)

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A Sentença Eterna

Ao que tem, tudo que temlhe será dobradoe ao que nada temainda o que não temlhe será tiradoEsta é a bíblia da acumulaçãoque ao longo dos séculosos ricos tem aplicadoao abrigo de cada igrejaem língua morta ou língua vivasoletradaa doutrina da ganânciatem sido ensinadapelos que mais enchem a pançaE de tal modo, e com tal cuidado,que o pobre estúpido- ou seria o estúpido pobre? – ainda consegue dizer:“muito obrigado!”Apenas por se convencerque o mesmo jogo lhe será dadode explorar e enganarquando o seu “momento”houver chegado...Mas, pergunto, para quêser-lhe-ia tal momento facilitado?Para agradar a quem por quê?Por que tirá-lo – ao pobre – do eternal debruçose a ele já está acostumado?...Quando da vida já houver partidoe além da vida não houver chegadoO pobre não compreenderá tudo que digoNão saberá por fim que andou errado...

(14.09.1976)

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MomentoPara V.

Bom, dia, amigo!Recorda das estradas que marchei contigo,das horas perdidas em busca de um abrigo,Recorda de Malleco e de Temuco,dos pinhões cozidos, dos pehuenches,da caça do coypu e de Villarrica...Descaminhamos por tantas colinasque às vezes te revejo, se dobro uma esquinamas logo reconheço que estás longe...Em toda partetomam os poderosos medidas preventivaspara fazer fracassara rebelião dos oprimidos...E os oprimidos, amigos, o que é que eles fazem?O que é – amigo – que nós fazemos?Como vanguarda – por mais matar que nos deixemos – ainda não logramos organizá-losVamos seguinte, apenas,vamos em frente, a assistir, de perto ou longe,um comovente momento de massacreTemos na bocaesta bebida acreque nos fala de sangue e de presenteQue sejas forte como os roblese que agüentes os fogaréus, como as araucáriasem cada nobre luta és um ilhéuque trabalha numa fábrica de mortalhas...Como eu, voltas às vezes,as vistas para o passado recenteE podes ver

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com aqueles que sentemainda o pódas jornadas de ontemde que apenas regressamosdos amigos deixados a chorarna pontee a derrota que carregamosSurto inerente a cada homemdos desgostos passados e das despertas derrotasque à espreita nos esperamtudo e todos que somosdesideram, desideramos em busca de uma rota de um regresso...

(22.09.1976)

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Do verbo

ITalvez no reencontro do verbocom sua origemse encontrem delícias do movimento inicialdo nada a negar o sere do ser movendo-se para nada sertornar-se movimentofusão de tempo e espaço, vir-a-serTalvez ali durmam as delíciasda descoberta da matériae que já se perderam ao longo dasmitocôndrias e das espéciesperderam-se nas superficiaisbatalhas de sexosque dormem insuspeitadasnas não vividas carícias...Talvez de nossa humana condição,o orgulho, a negativa que há um preçono preço da oferta, uma certa essencialidade impressionistapergunte – até a uivar – pela lua...

IIAqui e ali,parados e ainda úmidosparados mudos lúcidos,como um lúcio sem água,loucos excitadosnos editamos heróisrevistos e ilustrados

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escravos dos impulsos renegadosTais perlustraçõestalvez jamais houvéssemosproclamado desta forma no passadoAqui e ali ousamos hojee assim empalidecemos o grego altarse ousamos caminharpela anatomia do óbvio...Suprime-se na vida socialo objetivo que parecia haverno ato de amar,belo e inventado,pois não é o mesmoque fazer amor...

IIIChoramingar que ousesob os olhos da amadanão reduzirá a força do impulsooriginal que a torna em mero objetode consumo... Rumoao que de há muito aspiramossoluçamos, mas as lágrimas nem caem...E assim se igualampela obscura estrada o estranguladorde cachecole o campônio amante do arrebolNum belo abraço meio frouxoexpressam estes carrascosa solidão que lhes habitao coração desprovido do verdadeiroe inexistente amorcaminham pelo tempo, fazem de tudo,querem se ocultar

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da vida em cada vão...Mas nem o amor perdido e não vivido,nem o Barqueiro desconhecido voltarãoEm seu momento sem lírio e sem rigorConjugam os homens a palavra amorSem suspeitar que é um verbo a solução...

(22.09.1976)

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O fantasma

Desesperada sorte a de vivercontemplando os olhos da Mortee ver cada companheiro perecercantando triste as tristezas da vidaa percorrer o necrotério sem assombrosofro as sentenças da ilusão perdidasingro ermos aniquilantes e deles assomotalvez para assombrar os que ficaramTalvez para intentar tudo de novoTalvez para olhar na cara do povoos que me apoiavam e me abandonaramSeja por isto ou por aquilo,da lama fria ouso reerguer-me,e olho de perto os triunfantes vermesSomente porque o poder exercem ou exerceramnão poderá salvá-los qualquer precedo destino que lhes tenho preparadoJá que cheguei primeiro, hoje seisou o mais chegado às artes do não-serE pois da minha comovente vida,comovido que sei até a morte,não sei o que me espera desta sorte reviverSe nem sou mais vivo, é dado,não sei qual o elemento ativoque lhes permitiria, no meu cercado,fazer-lhes reviver...

(09.11.1976)

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