no litoral do tempo

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No Litoral do Tempo de Rodrigo de Souza Leão

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    NO LITORAL DO TEMPONO LITORAL DO TEMPO

    Rodrigo de Souza Leo

    Edio especial para distribuio gratuita pela Internet, atravs da Virtualbooks, com autorizao do Autor.

    O Autor gostaria imensamente de receber um e-mail de voc com seus comentrios e crticas sobre o livro. A VirtualBooks gostaria tambm de receber suas crticas e sugestes. Sua opinio muito importante para o aprimoramento de nossas edies: [email protected] Estamos espera do seu e-mail.

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    NO LITORAL DO TEMPONO LITORAL DO TEMPO

    Prefcio

    A poesia nasceu como canto e fbula. Sua origem se confunde com a gnese dos mitos. Talvez apenas com versos seja mesmo possvel dizer o transcendente. Por essa razo, o poema pico e a fbula moral tenham entrado em declnio na era da mquina e da tcnica, que no suportam a metafsica. A complexa alegoria dantesca no teria lugar na era do descartvel. O poeta moderno, porm, apesar de vivo da cabala e da tradio hermtica, no renunciou de todo busca da origem. Fazendo da lrica um teatro inquietante, com mscaras s vezes burlescas, ele demanda respostas junto Esfinge-pensamento, ainda que a sentena do orculo mental seja a pura perplexidade. Rodrigo Leo um poeta com vocao para a narrativa, o tecido ficcional; em seu livro de estria, apresenta um enredo alegrico, estruturado em dez sees temticas, sem um fio condutor linear. O argumento apresentado de maneira sutil, ldica, sem contrapor-se s filigranas da funo potica. Aqui, o poeta experimenta vrias tcnicas e estilos, num conjunto multifacetado, surpreendendo o leitor com flashes lricos como A gara interpreta em silncio / Sua vocao para o branco ou violentos como naus aportam no cais / esqueletos de sombras / mausolus ambulantes / nenhum resto de homem. Nos excertos mais concisos, em especial na terceira parte do livro, Rodrigo consegue versos de alto impacto, quase expressionistas, como estes: gatos / miragens / nesgas / de aurora / interminveis / dores / erupes / e mordiscos / vulces / bons apenas / quando / mortos / comendo / crepsculos. Dialogando com a poesia beat, Roberto Piva, Glauco Mattoso, mas tambm com o melhor da tradio cannica, como Cesrio Verde e S-Carneiro, Rodrigo Leo nos apresenta, em sua esttica do bizarro ou geometria do escarro, poemas de elaborada feitura, fortes e contudentes, que merecem leitura atenta.

    Claudio Daniel Setembro/2000

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    Quem? A eternidade, o mar que evade Com o sol tarde.

    Rimbaud (Ivo Barroso)

    DILVIO 1 Seria uma honra ser escultura, Mas me moldaram vivo e Eu sou tudo e nada posso ser. Tenho que olhar sempre o nada, Foi me dito que tudo sempre. E assim vi as caravelas chegando. Vi os gernios crescendo sem Poder tocar ou sentir o aroma. Cheiro s de bosta. Os mendigos Sempre deixavam seu quinho Aos meus ps. At que um morreu no fogo dourado Desde ento alguns ministros Passaram a defecar aqui tambm. Neste bronze de sardas . Eu esperei a chuva. Eu fiz A dana da chuva dentro de mim. E me libertei num dia negro.

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    A gua desaguou chuviscada. Pirmides de cabea para baixo Era mais merda. Era o dilvio. Assim sai da merda para merda. 3 Pudera Deus negar os fatos E vagar pelas pedras portuguesas. Mas tudo est sujo at o pice. Deus no pode ser tudo todo dia. E no adianta eu me iluminar. Acender um fsforo perigoso. E no existem gravetos e pedras Para descobrir o fogo novamente. Para moldar um poema na pedra. Alm de mim o que serei. Pra que me libertar numa priso? A maior clausura sou eu? 4 Dentro do escuro meticuloso. Um enigma nasce negro. E um enigma negro nunca Deixa de ser um vazio eterno. Deste lugar em que o nada uma riqueza to profunda Quanto um nus sujo profundo, Nasce envergando o lbaro O ltimo dos homens vivos. Poderia ser um Prometeu. Ou um Cristo totalmente ateu. Mas o que ele alm de Deus? Depois do Dilvio, quem este No sem sonhos medonhos.

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    5 Paira sobre o planeta. Paira luz. E luz fecunda. Fecundo pus. Ferida linda. Infectando tudo. Ah, se eu no pude viver De que vale o mundo? Bonito. Ou imundo. Mundo inundando. Queimando. Queimando. Olho as bolas de fogo Colorindo o infinito dos olhos. Asas e Asas esto voando. Voam e mergulham no mar e A natureza ama viver e vive. Quem aquele homem? No? Em que barco guardou os bichos? Ora. De que passado vim? (Um de ns vai virar mulher!) 6 O dio nasceu de uma senda, Nesga aberta pela primeira vez Em que trocamos olhares. Foi como uma luta de boxe. Nos nocauteamos. ramos o resto. Seus olhos pareciam cobras Meus olhos estavam envenenados. Nossa vives esticou o nada Que passou de horizonte a infinito. Olhei o mar revolto. Tudo fezes. 7 O planeta era pequeno dedal. Ele foi para a outra parte. Golden fugiu para o fogo. Fiquei a penetrar o passado Dias via caravelas. Dias nada via.

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    Dias cotovia. Dias prembulos. era o que eu no queria que fosse. Aonde estava o azul. Deus havia Sumido, e a merda potvel parecia potvel. Eu vivia olhando para fora quando L dentro era que estava toda flora De angstias, pesadelo e medo. Um homem abandonado. Deixado Rosa branca no lodo. Ndoa. Laivo roxo na pele branca da luz. 7 Enquanto me prometia no ser Nada que pudesse me destruir, O Sol nasceu e de tanto olha-lo Fiquei cego para ver o que eu era. Veio chuva e natureza me banhou Como quem tira um animal branco De uma poa de petrleo derramado Na baa de Guanabara, ano 2000. E cai bebendo gua doce. Bebendo Turmalinas, cegonhas, garas, Cisnes, bem-te-vis, araras, papagaios E alguns corvos que me disseram: Tudo negro. Eu no acreditei E eles foram dizer ao outro, Que tomasse cuidado comigo. Que nunca nos tornaramos amigos. Que poderamos nos amar Mas tanatos iria nos destruir. Alisando feito madeixas dculos Nossa medusas de cabelo Olvidei o negro, olhando as rosas Que comeavam a brotar cada

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    Vez que lembrava de Deus e Eu agradecia. Eu nada era ainda. Cada palavra que eu dizia virava Uma cor. O papel de parede Ao meu redor ainda sangrava. Para que servem paredes? No havia portas. S paredes. Em algum lado comia concreto. Logo vieram as maas e peras. Amoras e uvas. Morangos. Quando viria o pecado original? Quando Deus seria um animal? Quando eu iria ser mais que eu? Quando tirariam uma mulher De minha costela? Quando o Infinito ia mudar de colorao, Quando ia voltar a ver minha Imagem e a de Narciso no lago. Quando viriam os ciclones, os Tornados, os furaces. Por Enquanto tudo isso sou eu Girandolando sem cuspir fogo. 8 O mar de capim fazia barulho. Podia ver as vagas surgindo E destruindo formigueiros. Havia tambm a lembrana Destruda, assim apenas por lembrar doutra existncia. (As pipas coloridas galgavam o cu. O tosa ia acontecer qualquer momento. D-lhe vento). O que a infncia?

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    uma outra existncia. So as pipas de ontem sem os ventos de hoje. O eu um ladrilho de nuvens. Onde esto as pipas? Onde? 9 Preciso de sonhos amarelos O Sol sai de sua moldura. O prata veste a noite escura. Quando Deus ser quem quero? 10 Travo guerras colorindo folhas, Cadas no abismo que constru Nas verdades que ocupam Todo espao nessa mente crua. Aqui vejo chamas e gua. Tanta abundncia para nada. Aos poucos isso aqui vai virar Um paraso, pelo menos Isso que passa agora pela Cabea do poeta que escreve Este verso. Assim no fujo De mim e minha necessidade . De dizer logo tudo. Antes que O abismo cresa tanto e eu No possa mais saber Se estou dentro ou fora dele. 11 Passei a comer tamarindo E comecei a ver alicerces E pilastras sangrando fogo. Engoli aquelas imagens gneas. E passei a pensar se eu estava

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    No inferno. Mas logo nasciam Flores e beija-flores e novas Dores. Tantas quanto possam Imaginar sem imagens. 12 Saudades dos vincos que no Terei no rosto. Ravinas nascem Meu olhos sangram o azul. Ningum me idolatra agora. Ningum me ignora tambm. Desde que ganhei carne e toco O mundo e o que restou dele, Ningum nasceu alm de mim. 13 A pior priso a mental Fazer parte do indivisvel. Ser escravo da alma abissal. E no poder ver o invisvel. Antes eu s tinha o infinito. Tenho tudo menos o horizonte. Hoje o deserto meu rito E to meu, inesgotvel fonte. Fonte. Ponte entre mim e Deus, Se que ainda acredita em mim. Tudo aqui to meu de meus Eus. Deus e criador ou cupim?. 14 Uma onda que se comia Uma onda em meio a ventania. Comeu tambm meu castelo.. Abrindo uma boca de 10 metros. Quando ser que quis existir? Nas coisas que eu fiz ou sou. Ser to pouco e no ser, zero.

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    o Zero. No ser zero. Pode Ser zero, zero, zero. Tudo Zero. o fim e o incio. 15 A gara interpreta em silncio Sua vocao para o branco. Me perco naquele vo que Submerge no lago dourado De Sol. A natureza se esconde Para sobreviver. Eu dou um Grito e minha voz estoura Os meus tmpanos cantam. O CICLONE

    1 o ciclone nasceu sopro branco. o lago tremeu no calafrio das margens. venta. dentro de uma concha (eu) debuxava, entalhava o poema. tatuagem rupestre. pontes se abrindo, pernas, olhos, boca e tudo mais que se abre meio enquanto folha, estrela, prtico, ponte, trio, portal. 2 aqui o vento faz a curva e volta cardume: vida, vinda em linhas e pus. silncio e terror: smen. tudo ciclo, fogo-ftuo, rictus. doses de

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    aiperon. vitral. torpedos. chamas. cavalos de crinas brancas. mucamas. caubis. comboios. joios. jias e crculos. pulseiras e fitas do senhor de bom fim, em cada incio e meio. o ciclone ejaculou por todos os lugares. no futuro, veria que os filhos do ciclone eram todos homens castrados por ele. prometeu acorrentado. 3 riscar no vento, esculpir na mobilidade. preencher a inexistncia com o nada. buraco negro. num timo o grito agnico. como se o ciclone varresse a primavera. vivia comendo bisnagas de frio e bebendo caf-petrleo do futuro. parece que tudo aconteceu enquanto eu penteava o cabelo. enquanto isso, o mar cheio de surfistas e poetas que se beijavam conspirava contra a violncia espria dos hipcritas.

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    4 ser que um dia o silncio ser ouvido, e cravarei um punhal no peito da morte? ento, poderei dizer das pegadas do fantasma chamado pai. ainda existem folhas poluindo as palavras com figuras de linguagem. tudo poderia ser etreo. tenho feridas ciclnicas, agora que acabei de conter o ciclone dentro de uma garrafa e o mandei para um instituto meteorolgico. mandei junto (em atach) uma outra mensagem feita de nuvens coloridas e algodo amargo e p-de-mico e bicho-do-p. que se cocem em falsias alcantiladas. 5 vejo um ciclope cego e alguns anjos correndo em esteiras ergomtricas. a branca de neve anda de mos dadas com o curupira. a emlia d um chupo no mickey mouse. fazem amor hrcules e o pintinho frajola. enquanto isso, z carioca beija o capito marvel. contam-me histrias que no sei se vivi. escarro para o alto porque sou um chafariz, chafurdo. 6

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    fogo amarelando o horizonte. sombras so mulheres de preto ou garas de luto. a mendiga, cheia de latas, figas e espelhos que refletem imagens. a tarde invade o sol, o mar e a eternidade (soldados de chumbo, presentes da infncia. as bonecas eram apenas mulheres do falcon.) ouvi uivos dos castelos, areias em minhas mos. 7 tudo j feito, tudo por fazer. toda minha famlia estava no circo. os palhaos comiam manga, engoliam o caroo e ficavam entalados, vos de acrobatas. (quando acordei, com pterodctilos, nova viso do mundo.) soltei-me, e minha famlia tinha ido toda embora. tudo j dito, tudo por dizer. 7a ciclone clona clones e a vela vela a velha e ovelhas aquecem os lobos e o cosmos come buracos e haicai: amordaaram/o silncio/ecoou. 8 ciclone, disco em alta rotao. o vinil virou cinzeiro, o ciclone em

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    senurround cospe mantras em dobly estreo.

    VULCES 1 abrolham vulces pela pele erupes compem o amarelo elos de luz pus em pus 2 cavalo sem crina branco cuspindo falsias de seda turquesa todavia mar bordejando aspergindo gotas gua de calor vulcnica quase ar

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    quasar pulso mbiles redoma aqurio de fumaa cospe sombras cadncias cardantes cabelos crinas dguas bolas de sabo exploso 3 fios de ouro preto virando olhos claros fumaa, fuligem cinzas apenas tragadas deu(s) 4 deitado olho cu

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    magma jorra da jarra - corpo copo de cinza 5 gatos lambendo a pele de filhotes morreram na guerra dromedram meus desertos gatos miragens nesgas de aurora interminveis dores erupes e mordiscos vulces bons apenas quando mortos comendo crepsculos

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    6 brisa maquinal matina eterna vento de bolso barcos velejando miragens aquosas - sopro endmico mixando suores odores espinhas rugas meleca despojos restos andrajos orgnicos verdadeiros oceanos de frios sonhos pesadelos e inferno

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    7 rastafari safri em mim elefantes trombetas esporrando sangue saliva seiva e pus 8 via Delfos delfins e hienas e sua cria de corvos amestrados bicavam meu ventre arrancavam palha pulhas, palha palhaos 9 por dentro conteno por fora exploso assim me defino sou um vulco

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    IV Canto ao Abismo Interno

    Me soltaram h mil anos E eu estou caindo. Me disseram que as sombras So inimigas E elas so as nicas coisas que vejo. Cuspiram na minha fronte E tiraram minhas falangetas. Mas eu no sei se isso aconteceu Ou este apenas um canto ao abismo interno. H camadas de abismos. Nenhum colcho minha espera. Nenhuma ponte. Ningum no pdio. Nenhuma medalha. Toda velocidade me bloqueia. Meus galhos Meus esboos Meus edifcios Meus calafrios Caem comigo.

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    2 Eu sou o culpado por terem destrudo os meus moinhos? Por que os meus moinhos odiavam ventos? O que eu queria depois de ser uma esttua? Que o pra-quedas se abrisse feito um cogumelo? Que a bomba atmica explodisse espalhando ptala palavra em flor. Plantar.

    3 Semear papagaios colher aves de rapina. Horizonte e grades. Cocada e fezes. Cravo e rosa. Tese e anttese. Dicotmicos verdes/azuis tendem a orbitar cabelos negros. Lana-me o teu farol que me reflete, desenho flutuando sumindo, subindo, descendo.

    4 Pgasus lana chamas pelas narinas . (Nesta altura o cavalo ganhou fogo e o drago ganhou asa). A guilhotina e os postes apostos para expor a apoteose quando eu chegar lamina quente de cortar gua e angu. Cortaro meu pedaos e faro lanterna com meu crnio e sequer podero doar meu corpo podre. sou um animal grande no

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    corpo de um pequeno. As gorduras de minha alma no vo alm do bronze.

    5 Devoro-me Arranco a pele que ainda me sobra. (Unhas chupetas seios pirulitos grelos falos) Flores nascem de veias. Veias velhas levam a seiva Iremos enforcar algum nos meus galhos Se conseguir deixar que a Eternidade se apague junto com seus abismos e praias particulares

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    V O Outro Estrelas 1 Constru um telescpio Para ver estrelas no outro, Ouro em aura luzificada No comeou a guerra Ainda quero falar-lhe De como a solido colide Com as estrelas que somos. Antes de nos digladiarmos Simplesmente por ser assim tal nossos deuses querem. (Subtraio de mim sinuoso Vejo barcos no paraso.) Gndolas rasgando o fogo 2 naus aportam no cais esqueletos de sombras mausolus ambulantes nenhum resto de homem (parece que vejo fogos quando olho o sol e o mar um se afogando no outro e um comendo sua baba bebendo do sangue bebendo tudo in natura)

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    3 O Outro Estrelas caminha sobre as guas. Labaredas mordem seus ps. Ele divide o oceano ao meio. Mesmo assim eu no entendo ainda. Outro Estrelas passa por mim e me d um beijo. H uma fbrica desativada que joga seu lixo no rio de minha veia principal. As escamas do peixe me protegem neste dia frio. De olhar o Horizonte quase vejo os olhos dele. Nufragos de si. Num mundo em que no existem mais restos no prato. A ltima refeio foi servida h milhes de anos. 3a sublimo o limbo te olhando fundo catapulta-me de volta novos abismos pndulo e pingente os ps do crepsculo as mos que buscam nervosamente o santo 4 A loucura um bito dirio. Fao um centenrio. Procuro pescar peixes novos. Mas s tem baiacu. Quando criana um amigo coava a barriga do baiacu e depois dava um bico no peixe. (Parecia que o baiacu no servia como alimento) Mas quem pescava para se alimentar? (Esse mesmo amigo tentou me bolinar quando eu tinha 12 anos) Ser que teria uma vida diferente? Nunca amei homem algum

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    amando a todos. Sei que no entenderam o que digo e diro que eu sou veado, isto pouco importa, nada importa tanto quanto eu. Sou aquela fonte de guas cristalinas desinfetando tudo que doena. Sou gua mineral com gs. Sou o sonho fluindo feito sangue da mo de um suicida. pulsos cortados e coroas de espinhos 5 a primeira vez que vejo um ser humano de perto. Mesmo com guas lmpidas, fiquei com medo de mergulhar em mim, ao olhar o espelho dgua. Iria me afogar? Ou sairia do mito vivo? Peguei uma tulipa e enfraqueci um soco que iria vir. Dei-lhe um abrao demorado. Mostrei minhas chagas e enquanto trocvamos afagos, fui sentindo que flutuvamos. ramos anjos. ramos animais sem asa e quando me lembrei disso, voltei a cair.

    6 Os pra-quedas foram acionados. Mesmo assim ca de boca. Dei um abrao em meu amigo sem saber se voltaria a criar ventos e moinhos. Quem nasceu primeiro foi o vento e o moinho veio depois junto

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    com Cervantes. bebo uma coca e tudo est dentro de mim e em minha mente. Caio, magma que sou. Enquanto eu me derreto. Ferro de novo. Vero de Novo e um pesadelo como a vida real. Quem me escolheu como amigo foi ele. Depois fechou todas as portas que agonizavam sem pnis. A me tratou como eunuco. Eu nunca fui to maltratado. Eu caa e apertava a sua mo. Viravam castelos os nossos pensamentos. Sem nos tocarmos produzamos uma energia lasciva. Colidamos com pensamentos etreos. Havia a nossa volta ndios Caimam. ndias gostosas que se abriram agentando a vara ftida de meu sonho. Surgiram canibais e os homens brancos foram todos para o caldeiro. Alguns comidos sem tempero. Todos gritavam dentro de seus berros e outros diziam violeta branca rogai por virarmos flores e seqncia de batidas de rap. A gua que me borbulhava foi sorvida sopa de meu smen e de meu melhor pedao. Santa carne. Santo Deus pago

    Os pra-quedas se abriram na noite.

    7 Fogos de artifcio saudavam o pssaro negro. Bolas de fogo eram devoradas por ciclopes. Um ano soprava. Um ano qualquer. Uma dezena de anes comia um bolo de aniversrio temtico. Anes comiam a Branca de Neve. Meu pai gosta de Fellini. Quem no comia pedaos de amigos morria de fome Chegavam barcos azuis. Cresciam violetas de prata. O mar mais azul que vi. O som mais agudo na concha. Chovia Prozac, Lexotam 6, Hoipnol 4. Talvez o diabo esteja ao meu lado. O demnio s aquele que mastigou o outro lado. No comeu e tem sempre na boca o sangue da noite.

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    A fome de fogo. 8 Quem comeu os pentelhos da aurora? Foi crepsculo distendeu o msculo? Abriu o frontispcio deus sorria indo rindo pro hospcio 9 o hospcio uma viagem riem os que so normais loucos no so animais plumas do co sem plumas legado: po com manteiga leite bem ralo, gua fazer a cama toda a manh Cid e seus desenhos 10 o primeiro beijo da morte foi o segundo beijo da vida contados beijos por esporte e os outros por despedida h beijo pra todos os gostos uns encerram a fatalidade h beijos de total desgosto bons os de cumplicidade

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    e todos beijos no apagam o batom em outras partes partes que alguns afagam chamando-as minhas artes h quem beije como a vida que coloca lentes de culos para que os poetas da antiga escrevam beijo com sculos 11 o vento hospeda tempestades verdes

    e simulacros esto no mbile vrios fios de

    alta tenso que parecem pegar minha mo e me tocam volts comiches sem incio baleias rangendo os dentes eunucos abanando o tempo colches dgua explodindo e o elefante deitado numa banheira bebendo gua gasosa palavras saindo da minha boca Vnus despida nuamente fleuma Tordesilhas 12 Tudo hospcio. At as lpides frias so hospcios. (Dentro de um tnel, eterno trem. Luzes apagadas e gritos no negro

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    e no amarelo dos holofotes, assinatura do estado.) - Vendo ouro! Tudo hospcio, Loucura no ddiva. Loucura vida morte no impvida sorte. (Assim caminho com meus vinte e cinco tentculos e no me atrapalho com as duas pernas de pau e com o grito que ecoa: - vendo ouro ) 13 outro estrelas chegou pedindo poesia e almoou de minha f pedi que voltasse outro dia assim como as ondas que o trouxeram de marte outro estrelas pensando alto gravou seu sorriso postergou o silncio outro ano outro estrelas me perguntou o por qu chamou como eu o chamo: somos outro estrelas e eu no sei quando os quadros estaro com seus is e nossos desenhos pendurados em pregos

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    como os enforcados 14 assim que surgiram os dedos outro estrelas defecou sua fome saindo de minha boca como se tivesse engolido uma salamandra estava em Mallorca e eu estava aqui nesta loucura entre brumas bulindo numa lpide fria pedindo a deus tudo o mais que nunca deu: - pipocas amarelas - discos cor de laranja - laranjas negras - brinquedos que no quebrem - crianas que no chorem - msicas sem muitos acordes - elaborao de sonho - castelos - areia - rea area para cair - dor eterna - palavras exatas

    15 cospe chamas Emily em mim

    divina dama

    de bronze zin-

    co zen

    do cor

    ar co

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    ir is

    o por

    sol

    cho 18 vulco de palavras retalhadas telegrficas envolve noites e calafrios e cachoeiras e vulces internos calas bufantes voando varais degraus andam escadas se afastam e vento e verve viva vem no eletro- do cateter bisturi micrbio vermes e beijam molculas timos resistem

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    existe o cavalo plumescente da noite piscando neonights and days in day out door com letras e baba e sangue escorrendo inundando o trio promontrio aqueu aquoso deus comido por pigmeus um deus ateu parte de marte partimos parindo-nos 19 duzentos watts iluminam quinhentas sombras escondem na noite o silncio afaga enquanto outro estrelas olha o per vazio cospe as ondas e a ressaca parece um m levando o paraso e trazendo o inferno transita inspito 20 repelimos nossas bocas as diversas - todas ocas s as nossas:

    loucas

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    poucas falam agora paredes para as horas em que semear

    sem smen sem vaginas

    escolhemos um ao outro pela boca que entram esgotos pelo anus nos humanizamos nunca mais nos encadeamos VI A Guerra 1 bonecos de chumbo comiam vatap enquanto a barbie danava na sombra e o falcon barbado rebolava travestido algum brincava no silncio srio de meus dez anos olhos fora de rbitas catapultados, molas pontas bolas de gude 2 Desciam das profundezas. Subiam das montanhas Folhas farfalhavam o horizonte bocetalmente arreganhado e vermelho Van Gogh A tempestade limpava confetes

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    e serpentinas A folia agora era repetir na eternidade as cores,

    os sonhos, os odores

    do carnaval

    [Havia uma nau acariciando o per

    E uma nova carranca surgindo Era mais um navio sem

    ningum uma guerra por vencer inimigo que no tinha

    Era o esqueleto de minha infncia

    (Havia partes de pai e me nele)]

    Doeu no azul daquele mar que chorou

    lgrimas de Portugal Chora lgrimas ruborizadas Vtreo sangue Avies sobrevoando Garas aspergidas Bombas de flores Tiros de negro chocolate Perfurando as emacias

    [falsias girandolando

    na carne (talvez eco

    talvez fauna) florao

    de glbulos inquietos

    tomos timos

    istmos] A guerra estava apenas comeando

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    3 Ela babava sangue. Cuspia. A sua lngua era longa e fina. tinha uma cabea de cobra na ponta. Comia cabeas. Poderiam te-la chamado de Medusa. Mas no existiam tantas cabeas nela at o momento em que ela metasticamente comeou a produzir bocas em todo o lado. Chegando ao istmo de meu corpo, senti-me chupado para dentro dela e para fora da terra. O vermelho derramou espelhos.

    4 Um locutor me anunciava: Direto do tero materno para o inverno do inferno Rodrigo de Souza Leo fui aplaudido e assinei a carteirinha de scio-atleta 5 Percebi que havia flores a cingir-me enquanto algum dizia trgua Mas eu queria guerra tal um tigre corre pra cora vido e perdendo as listras de seu color bar (parece que ele vai furar o horizonte)

    6 (o machado medieval nas paredes

    o arete penetrando mago e duzentas formigas

    cada uma com um volt na testa da metalinguagem)

    7 A guilhotina esttica A lmina sulcando o horizonte de bocas Rimbaud aplaudindo a dico

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    de Outro Estrelas Meu inimigo foi comigo por que sei que o meu inimigo Se soubesse ser o que eu sou seria ainda o carrasco - este que encara meus olhos e talvez seja s Narciso 8 Flechas sibilam no eflvio branco Trmulo sangue sulca ravinas Martrio etreo A alma ilhada Sem responder comandos contrl alt delete Erguido a guincho A forca de prata no fundo uma coleira contra a loucura Meu psiquiatra Aquele que no disse quem eu era Fugiu da neurose Contando carneirinhos (parece que eu achava ele forte demais para revelar os podres e o frescor de meu interior repleto de garas s vezes negras) os urubus

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    8a Voam garas de outrora Voam com bombas de nutrons que pra algum ficar com o ouro com a bauxita com a prata (mas tambm com a lata e um filhote de baleia dentro) suicidado com a prpria placenta 9 bruma na magna carta dourada

    dromedrios negros voam at Ttis tudo voa segure os mbiles 10 depois de depois ser eterno (talvez seja a maior impreciso do inferno) algo como conter com a voz um peloto de violetas virgens hmens complacentes desfilando no hermtico carnaval (seriam baianas rodopiando pies na desordem do caos sem estrelas nuvens brancas algodo

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    de galxias rubras e estticas? ou estticas?) 11 a guerra era eu era o outro e suas estrelas no peito vozes inquietamente mobilejantes uma guerra ldica pratica xadrez ttica peo avana rainha no rei cho branco cho preto petrleo pus cavalo bispo/roca troca- troca cho negro

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    12 tabuleiro ou campo de batalha navalhas pedras flechas soldado inimigo conhecido h flores na pele tapurus 13 em si o no ser se alvola a rede presbteros no so apenas andam nas guas anguas nuas e molhadas 14 front frontal frontispcio hospcio terno interno pulsa

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    implode e ousa ser algo mais que parecer cometa loucuras 15 interna guerra gnea o sol e o fogo queimam a lpide do vento uma gara no alapo uma mancha negra flutuando etrea pelo eflvio dgua e um silncio quebrado pelo farfalho divino das estrelas rangendo daquele sol laureado pelo ouro da aurora 16 a guerra continua a desvelar vela pura linda que flutua no front onde dura a eternidade ao lado dos corpos que jazem dos pobres coitados mortos o que fazem? nem acendem a vela nem as podem apagar as luzes mais singelas so feitas pra olhar l de cima das cavernas onde o sopro hiberna 17 E a espada lana chamas sobre o capim Logo estaremos em Londres

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    Naquele frio que seus olhos me hospedam Eu quero o fogo agora para beber antes da degola A lmina aquece o sangue Jorram flores Apenas um eunuco chora A lgrima altiva de quem serviu ao rei e cantou todas as estrofes do hino Ento um gozo fez plida a minha fronte pude v-la naquele horizonte de espelhos (ou era um truque de mgica e o mgico divertia a tropa antes de chegarmos a Londres) 18 Sex Pistols tocava Vivaldi Num pub fedorento com melecas de molculas como mbiles O cu se encabulava ao ouvir a nica estao que havia Nuvens e garas evacuavam filhos Era inverno o ano todo E aquele sonho acabava Velvet tocava Vivaldi E as frutas to crescidas e cada vez mais podres caam na neve ftida de purpurina prateada Naquele dia em Londres era tudo maquiagem no rosto das ruas tudo era passagem

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    19 a guerra encerra o eterno um ser humano vivo debuxando seu retrato a chama acata o inferno barulho/farfalho via crivo da vida s o sumo/extrato da vida s o que for exato cartesiano ou abstrato pouco importa o fim desabando feito fezes h vida ainda em mim guerras ainda que rezes 20 Foi em Los Angeles que encontrei Outro estrelas falava ao Horizonte e cantava odes fceis masturbando o Inverno Daquela relao no surgiram filhos e nem de nenhum homem com um deus ou deusa Podamos ouvir o inverno provocado ao xtase e reinventando o frio ejaculando purpurina de todas as cores

    21 quando resolvi arrancar minha orelha

    e navalhar meu olho salvador dali surgiram exatas trs dinastias naturais

    o tempo, o espao e a velocidade

    o tempo recaia selvagem sobre o capim as cabeleiras ao vento fagulhando:

    cabelos xucros do rubro azul

  • 43

    ampulhetas de cocana e narinas de bronze

    o espao de uma caixa de fsforo era suficiente para nos calarmos e ouvirmos ecos dos canhes e baterias antiareas da Portela

    a velocidade era um blido

    cruzando a charneca oitocentos e cinqenta quilmetros por hora era vertigem e tortura gota na testa

    o tempo, o espao e a velocidade formavam uma equao perfeita

    e naturalmente prolongamos o cobertor sobre a gnese solar

    assim podamos ouvir os acordes de purple hase e depois Hendrix

    pedindo peace and love e foi o que tivemos maconhados

    22 nosso sangue foi contaminado numa hemodilise e eu perdi todas as palavras vermelhas o meu sangue borrou a parede de branco e azul comi seus olhos com uma colher de madeira tosca comi suas vestes depois de queim-las continuei magro e iluminando o pr do sol meus faris serviram para cegar e indicar todas as vezes eu no sabia nem aonde era o norte por isso todos comeram abismos nufrago de mim fiquei parado espantando corvos e no deixei que bicassem uma vez seu rosto e hoje todos se distanciaram, at meu sonho com voc 23 tudo mscara a ponte entre ns bales de amizade e coraes bexigas

  • 44

    voando tudo todo o aniversrio a luz venceu cuspindo trevas no leilo crepuscular deste dia, eternamente imobilizado as verdades cobras olhando e iluminando meninas dos olhos claros faris em ns borboletas amarelas 24 depois da morte vem a humildade depois da puberdade, o silncio ele diante daquele oceano chip poderia ter dito: - atualize o mar atualize o cu, e todas as imagens necessrias para um poema estranho porque meu mar acinzentado ainda e de vez em quando neva acar e fico mais gordo com a chuva eu me humanizo olhando nesgas fleias trupilias eululicas carblicas depois de minha morte fiquei humilde adoando os bicos dos pssaros sendo parte e vegetao com plumas

  • 45

    at o pice envergonhado da ereo daquele canho que deveria cuspir-se VII ELEGIAS AO NADA 1 dentro da mensagem havia uma garrafa ou seria uma mensagem dentro da garrafa ou ainda uma palavra ou elegias alegres ou palavras bbadas daquele oceano todo daquele oceano todo a mensagem engravidou e quando me disseram que no era verdade percebi que era o tempo daquelas elegias em que um blues parece frevo ou samba 2 aquela vida de cais que no deixa os barcos beijarem as pedras no existe mais s yemanj vem vezes nua falar com netuno e seus cavalos

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    os barcos no se chamam mais silncio e no farfalham e no desfiam as cordas 3 h uma jangada pluma arfando afundando gota bolha naufragando no nada 4 o nada apenas o resto de ar que tm os submarinistas talvez o cianureto os tire do aquoso inferno interno da vida ningum se salva 5 profanando o corpo herldico esculpido em mrmore esttua de seda opulentamente negra feroz pantera me olha nos olhos tanto verde que defloro a botnica procurando nos livros aquela flor nobre ptala/msica/melodia cano dissonante e alguns ecos de criana

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    6 tudo se apaga no nada tudo se apaga translcida chama chama-me ao nada onde tudo se acaba 7 e assim se naus se afogam cheias de vento em breve o que est por dentro virar tesouro poderei trocar todo o leite por ouro em p todo o p por um nariz dourado ouro 8 assim os ndios caminhavam pelo arco-ris junto com os arcanjos e havia uma placa com o nome de um desaparecido na mo de cada um no palco diziam do bem maligno que dar uma esmola ou uma estrela pra naufragar no peio oco de outro soldado (no perdi nada que a lepra no me levaria)

  • 48

    9 estive esquivo vivo privando ando tosquiando a l do trocadilho na fazenda hospcio, abelhas fodendo plen polido porto vos anfbios insetos 10 no h nada que o sol no revele principalmente hoje quando a neve fecunda o vulo negro do asfalto e dessa combinao surge o bvio larva no carvo pinga no chopp chinelo pra quem dissolve a prata cuspindo luas aquosas no caf combustvel querosene 11 e fustigado punido no canto de uma jaula com a misso

  • 49

    de se eternizar num grito eis o poeta que ruge com todos os pelos do corpo arrepiados eis o poeta domesticado pelo pnico 12 ento masco um colibri s para ter seu vo s para aprender a voar mas deus impede o poeta de tentar vos cegos e se soltar dos cimos verdes deus impede de ser morcego sendo o poeta um vampiro que suga outra poeta deus impede o ser humano de ser um poeta e um vampiro pelo menos o meu deus o que beija a minha jugular o que me matou de aids 13 tantos baiacus voando ccegas tantos meninos engordando quantos ventos lutando na biruta voando ccegas quantos cus em mim baiacu engordando explodem infinitos

  • 50

    14 o nada ento sorriu na penumbra formada de um coqueiro com a rede o poeta o seu cio o plgio proposital como aquelas baleias que repetem os golfinhos repetindo nas anguas dgua a imploso dondas no promontrio 15 cuspindo o fogo so Jorge e seu drago aqutico sem escafandro ou rarefao usina aqurio cavalos marinhos pulmando quem sabe um puma lance borbulhas e dentro delas cogumelas exista ar 16 no lume o nada envolto em luz o vaga-lume as vagas destroando-se o nada envolve o tudo o tudo envolto nada

  • 51

    e o vaga-lume, uma lgrima vulcnica? naus vista novos esqueletos do que ns fomos bandeiras e velas carcaas e couraas tudo em tons de cinza cada esperana chega morta ao nada 17 assim a cidade cresce por metstases impregnando o silncio com cicatrizes fceis dores j curadas marolas outrora ressacas ressacas outrora nuvens olhos do mesmo espelho perturbados de se verem cuspindo branco cinza mar mexido tanto branco para me afogar 18 bromlias rubras recebem as cinzas quase azuis dos seus restos no plen aqutico o jardim florido botnico encontro da gara e o bigu da respirao

  • 52

    com o ar 19 sobre o nada nada mais tenho talvez em algum encontro com Sol possa abrir todas as reticncias que so minhas sardas (quem olhar para mim ver que sou um cosmos branco com planetas pretos) quem olhar ver que ao contrrio do cosmos, meu nada se encolhe e no se afasta VIII O CIRCO ZOO LGICO 1 algum palhao apontou um revlver e divulgou seu nome ao matar um macaco o macaco morreu desconjurando o palhao ria pela primeira vez tantos macacos vieram para o enterro dar psames s npcias do palhao com a dor

  • 53

    2 a tromba do elefante limpa banha molha os animais menores tempestade e pi po ca porque quando escrevo agora tudo chora e o barulho da chuva na janela lembra o da pi

    po ca na panela e o elefante no circo e os animais menores lascivam estticos escrutam o trapzio (e a cadeira nas rodas do trapezista) que quer vo mola motor motriz lgrima grinalda e vu e vento chuva molhando o poema gua daquele elefante branco sem o n na tromba

  • 54

    3 o transferidor se abre bailarina em poucas cores piruetas e montanhas russas e os alvolos avels de delicados se esticam na ponta dos dedos linha finita limtrofe elstica tenso mxima ou o poema dana nas ancas dobras e dribles corpo agulha Penlope baila 4 fleumam tigres de bengala begnias girandolando fogos e artifcios encarnados na cor douro listras zebras de bengala

  • 55

    5 a cartola gigante contm elefante parado um instante o mgico arfante fez fora demais ao puxar animais elefantes carnais pelcias peluciais 6 descansa o equilbrio malabarista do falso enigma prenhe criador de eternos joga tico efeito bola mo para mo equilibra os ovos ovacionado palmas silbicas urros xtases enfim cardume 7 bailam baleias nos violinos dos delfins 8 picadeiro cheio respeitvel solido daquele prisioneiro

  • 56

    andarilho vio leo preso em seu crime emoldurado na priso procurando o que rime fcil rimar com o difcil fazer infinito de cada dia carcereiro e revelar-se mosquito amarelo faroleiro cegando as carrancas naus flagrando cais 9 a privada do cuidado as fezes so banheiros bostas so coisas lindas quando lembro defeco ouvindo o barulho cachoeira cascata verdade a descarga abunda em gua leva larvas lavram vermes tnia solium na espada 10 circo sinto nalma presa posto aquis tudos gosta sinto noma labar isara posta bosta

  • 57

    11 a barba

    da mulher pegou fogo

    o tambor rufando

    surfando suor no infante

    o canho catapulta

    os olhos do homem bala

    o canto da sereia irapuru-se cigana a linha da felicidade estica cabelos arrepios daura sombra sobra contornos quiromantes plago e saliva beijo na tomada ou trovo in natura preciso de atalhos antolhos para me encontrar? culos retrteis 10 grilos iluminam os trilhos ruminam camelos o silncio do pelo denso acarneirado olhar do leo garanhudo a rebolar na frico

  • 58

    11 A noite chega diluindo o caf no copo de leite enquanto ouo ecos do respeitvel pblico. (A plantao balana como um mar em chamas farfalhando na brisa os cabelos de capim gordura). (Tudo parece estar entre parnteses quando um trapezista no segura o travesso e c a i nas reticncias). A manh chega diluindo leite no copo de caf. O circo foi embora. 12 O abismo abre sua grande boca. Devora os suicidas vo primeiro, depois os dias chegam mrmore e se metamorfoseando em barata, ouro, incenso, mirra esgoto que abre minha boca para os dejetos do que foi o circo. Pau, pedra, samambaias no percurso inerme minha imensido de amarelo, tambm roxo, azul, cinza. Quando a pintura do cabelo diz a idade, eu caio diante da Lua prateando tudo. S agora, duzentos anos depois percebo que o circo esteve aqui.

  • 59

    IX O ATAQUE DOS ANTICUPIDOS 1 ele me pede elipse sou todo eclipse Olhos de pssaro nunca se cansam de infinito. de poleiro argolado alpiste aqua vox o som do claustro, bebo(a) do antivo. 2 o copo quebrou e no foi preciso mais nada alm da voz de Yma Sumac o copo quebrou no agudo do passarinho dentro dela o copo quebrou e os cacos ficaram no cho para algum faquir sorrir dor o copo quebrou e toda criana sabe que a boa gua a da bica 3 do seu rosto deixada uma ravina cheia de sal e sentimentos voadores

  • 60

    espectrando cicatriz e chagas do seu rosto brota a vida pinga hmos 4 No catecismo neutro da qumica descoberta do som, a luz inunda aquele rio ruborizado. Tentei fazer um dique, uma represa. mas meus sentimentos foram poucos para conter todo aquele vermelho. Transbordou. Tudo. Transbordou. 5 Neste deserto de humanidade no h osis nem recantos. Tudo paradisaco e s falta a gide divina para exibir as medalhas que ganhei na ltima guerra. que foi ontem. O sangue ainda escorre pelas minhas bocas manchando de verde e maculando as asas

  • 61

    de alguns anticupidos. Porm o vermelho deles deslumbra a cadeia de tv, pelo menos o dono; me mostra diariamente matando os inimigos no horrio nobre. 5 o anticupido um anjo enviesado mas no um demnio comum ele nasce a cada dia suas flechas ao invs de unirem criam uma ilha na pele e um buraco no mago tambm costumam criar cores em olhares e muitas vezes comum algum ficar com as pupilas negras ou alaranjadas ou vermelhas (assim ficam os olhos do infinito) lacrimando o amarelo maikvski 7 logo sur- giram outros anti cupidos eram abelhas enxame

  • 62

    de asas vento mordiscando arrancando meus pedaos tenros 8 cuspindo mos e olhos cupidos dessa dor comiam uns aos outros olhando-se lbaros e tirando do outro mutuamente a fome enquanto um comia e arrancava dos olhos as asas doutro alguns no agentavam homens dentro de si e vomitavam musgos omeletes inteiros que continham arco-ris dentro viraram panqueca amarelo e outras cores gordurosas 9 olhava o mar por dois sculos fiquei olhando a baba da onda

  • 63

    devorando minhas canelas e vez em quando mergulhava para salvar um anticupido que apesar de tudo s nadava no etreo apesar de destruir com um beijo ou me deixar naquele barco vazio beijando o cais cadeira balanando madeira rangendo pau com pau 10 binculo pra ver os olhos do horizonte culos pra ver olhos cadentes caindo um a um (depois de percorrer o universo e voltar ao local inicial de onde saram os primeiros seres chamados homens) filhos de anticupidos 11 ligados pelo cordo umbilical da fome os macacos surgiram

  • 64

    copulando inocncia e depois de um tempo havia gorilas lutando pela migalha de espao nos meus olhos via satlites e meteoros caindo e tudo acabou mais uma vez 12 fiquei entre as labaredas e o abismo mais uma vez ca e pareo estar caindo ainda neste sculo e meio que se atrasou a movimentar aquela ampulheta que o macaco manuseia ao bel-querer (os anticupidos voltaram ao tero de deus de onde nada mais nascia) X ESPELHOS 1 todos os espelhos refletem minha mo nas guas do pensamento aqui esto camlias dromedrios e camelos bebendo de mim

  • 65

    2 enquanto nascem os osis enquanto nascem os desertos enquanto h bolas de fogo enquanto ainda eu chama enquanto iguana lngua enquanto linguagem e mosca enquanto falo objetos enquanto animais apenas enquanto apenas dico enquanto moscas cuamo enquanto macacos bananas enquanto mascamos chicletes 3 invlucro envoltrio todas as gemas cadentes caram no meu territrio imbrglio nasceram flores no cemitrio vero no seminrio: inverno e todos aqueles homens com tanta roupa 4 com tanta roupa marinheira Odete com toda a roupa boca de grapette

  • 66

    mulher de gostos ligeiros vulco sexual tipo de mulher que goza e ela anda nos meus sonhos pesadelos e masturbaes de quarta-feira decai sobre o meu eu natureza mortalmente esculpida cupido que era ontem homem 5 penetra-me por pedaos consumindo-me (todo o meu plen est aguardando o teu gozo polifnico) sa ento de ti e tatuei meu eu em teus braos tatuagem do que falo olha-me com espelhos 6 alm de ir queimei tua imagem seda e pluma e javanesa e linho me vesti com apenas a vegetao alguma folha de alguma planta fui ser verde quando cheguei no havia ningum esperando e pouco importava

  • 67

    se eu estava nu ou pomposamente trajado com aquela folha de no sei o qu 7 supri-me contive-me alienei-me soquei-me entreguei-me para as pilastras entreguei-me como uma mulher se entrega ao homem e dei o filho que o mundo pedia para continuar (no sei como os tubos de ensaio cantaram a cano que quis) o certo que precisava de um tero mas s h animais comendo-se matando-se atacando-se respeitando-se 8 rajadas de smen inocularam uma macaca e meu filho nasceu para ser uma seda uma labareda de to humano distante dos modelos perfeito e eterno mar de guas abertas assim o quero

  • 68

    alado molhado seco (mas por ordem do inferno nasceu fmea machucada flor brotando do esterco) (matei-a e as cinco que vieram depois dela) na sexta tentativa deixei flores crescerem livres longe de anticupidos homens perto begnias abertas lapelas lpides depois 9 construram-me uma esttua e uma civilizao todo o dia vem um amigo e defeca nos meus ps de bronze voltei ao meu lugar de incio cu vermelho e inferno branco Que de onde vejo a parada militar e todo o litoral do tempo s vezes me d vontade de gritar mas aqui dentro da eternidade tudo vcuo, onde nada som/sou principalmente os meus gemidos

  • 69

    e os gritos de dor e pnico suor supersnico sulcando pmulos 10 que assim tudo retorne de onde vim e para onde vou estou to s, que seja ento sem aurora e sem crepsculo tudo que fui, fui com palavras nem todas elas to exatas e muito bem apropriadas quanto este ponto no meio do fim

    11 esttua

    at epgrafe

    Mallarm lpide coroa cetro esfinge braso alma anel

    aura ouro

    fantasma fogo fugaz ftuo feto clulas metstases elipses eclipse

    fugaz vou ar

  • 70

    contagem agressiva zero um dois trs quatro fogo

    infinito busto bronze

    esttua e

    [nada me falta, nada tenho].

    >>>>Este poema a histria de uma esttua/eu que ganha vida/carne quando a humanidade acaba devido a um dilvio de fezes. Da em diante eu pretendi contar as maravilhas e as escatologias de um mundo em incio e ocaso. H um outro sobrevivente que vive distante e perto ao qual so devotados o amor e o dio e as dualidades e dicotomias da vida e a impossibilidade de relacionamento entre seres humanos. Sendo eles do mesmo sexo no garantem um futuro para a humanidade. At que consigo fertilizar uma macaca e tenho uma filha mulher. Nascem mulheres e a tentao de ser eterno e fundador de uma nova raa faz com que tenha um filho e uma filha com a minha filha. A eternidade resgatada mas o preo que pago voltar a ser esttua. Portanto trata-se de uma metfora sobre a impossibilidade de ser eterno por que no podemos ser eternos. H uma sutil e pr-socrtica e nietzscheana aluso ao eterno retorno e uma concepo circular de filosofia. Saio da condio de esttua e volto para ela; por isso conto Entreternidades, est passagem chamada vida. Assim o mar, como diria Rimbaud, se evade no fim da tarde.>>>>

  • 71

    eunuco eu eueu eunu nu nu cu nu co co nu cu co co cu eu eu no cu nu eu cu no co nu nu nu co

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    Rodrigo de Souza Leo carioca, 34. formado em jornalismo. Trabalhou na SASSE seguradora da Caixa. Foi reprter e editor do programa Informe Imobilirio. TV Corcovado Rio, canal 9. msico. Teve parte da formao feita pelo tenor Paulo Barcelos. Trabalha divulgando poesia na internet. J entrevistou 100 escritores entre poetas e prosadores. Seu stio ciberntico se chama Caox http://www.pobox.com/~seomario

    Para corresponder com Rodrigo de Souza Leo escreva: [email protected]