nº 1 abril/2008 - cidades.gov.br · conteúdo desta revista, ... a responsabilidade civil do...

172
Nº 1 Abril/2008

Upload: vuduong

Post on 14-Dec-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Nº 1Abril/2008

CONSULTORIA JURÍDICA DO MINISTÉRIO DAS CIDADESEsplanada dos Ministérios – Bloco A – 2º Andar – Sala 206 – CEP: 70.054-901

Brasília/DF – Telefones: (61) 2108-1655/1044 – Fax: (61) 2108-1415e-mail: [email protected]

ISSN 1982-7431

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

3

PrEFáCio

Em geral, a atuação de uma consultoria jurídica é prestar assessoria a órgãos ou en-tidades que necessitam da adequada interpretação da lei para desempenhar suas atribuições ou realizar bons negócios.

Quando se trata da advocacia pública, o papel das consultorias jurídicas é funda-mental para sustentar o desenvolvimento seguro de políticas que comumente se revelam na pretendida eficiência dos serviços públicos.

Nos últimos tempos, em especial, após a segunda metade do século XX, o compor-tamento do Estado Moderno passou a interferir nos domínios da economia e das relações sociais. A interferência do Estado nesses segmentos, provocou nos ordenamentos jurídicos a edificação de um arcabouço normativo intenso e complexo. isso porque, o Estado não aban-donou conquistas fundamentais da democracia liberal, ao mesmo tempo em que os desajus-tes do sistema produtivo clamavam por intervenção estatal, a fim de socorrer populações ou viabilizar a distribuição de bens sociais básicos.

Princípios que vão desde a garantia de direitos de primeira geração, tais como liber-dade de pensamento, direito ao voto, liberdade de ir e vir, intimidade e garantia do direito à vida, entrelaçaram-se com direitos de extensão social, a saber, educação, saúde, seguridade, trabalho e outros. Essa fusão de garantias individuais com direitos de ordem social criou, talvez despercebidamente, um Estado que não consegue avançar poucos passos sem o auxílio do jurista, como o conselheiro para toda hora.

Na rotina do trabalho das consultorias jurídicas de órgãos públicos, o advogado quase não se dá a oportunidade de ver valores que se escondem na frieza da atenta leitura dos textos normativos. Pareceres, notas e despachos são redigidos diariamente. Não é raro se observar nesses documentos tanta técnica, tanto conhecimento e uma imensidão de palavras que se combinam elegantemente apenas para desatar questões de direito.

isso ocorre porque o gênio humano, por mais que involuntariamente se tente pren-dê-lo à mecânica da técnica, larga-se naturalmente à liberdade de espírito. É por isso que em um parecer jurídico pode-se observar nas entrelinhas o lirismo escondido do redator.

Esse intróito se destina a levar aos leitores da revista JuriCidades a relevância do trabalho das consultorias jurídicas para a atuação do Estado Moderno, a qual não se separa de uma beleza literária que impressiona, por ser descontraidamente tímida.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

4

Por esse motivo decidimos impregnar as páginas a seguir com textos de doutrina e pareceres laborados como resultado de reflexões despretensiosas, mas que acrescentam, senão pelas lições que emanam, ao menos pela beleza dos escritos, os quais, mesmo se rudes para uns ou sublime para outros, não escondem a dedicação caprichosa de cada autor. E isso é belo.

Neste número de lançamento, elegemos o tema serviço público para discorrer com textos de doutrina, como demonstração de que a principal tarefa do Estado da atualidade não consegue se dissociar de balizas jurídicas. os pareceres selecionados oferecem a tônica do tanto que se produz de qualidade em processos internos, como jóias guardadas em penhor. A revista é feita também de seção reservada a curiosidades. Nesta edição de aber-tura escolhemos excertos do julgamento do mártir da independência que, como sabemos, foi condenado à forca pelo crime de lesa majestade. Diante de tanta conturbação em nossa modernidade, lembrar da sentença de Tiradentes convida a pensar no quanto evoluímos...

Em cada número pretendemos brindar o leitor com as palavras de um convidado especial. Para esta primeira edição da JuriCidades contamos com a distinta gentileza do Ad-vogado-Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que nos concedeu valiosa entrevista.

Para se tornar uma empreitada bem sucedida, JuriCidades conta com o esforço de um Conselho Editorial atento ao que está ocorrendo na tradição e na vanguarda do Direito. Essa preocupação serve para entregar ao leitor uma revista útil ao estudante, pois que nas profissões jurídicas nenhum conhecimento amadurece a ponto de prescindir da necessidade de estudar.

Se fora possível ao Conselho desincumbir-se dessa função, certamente uma equipe de apoio muito bem coordenada contribuiu como pôde a fim de que tudo acontecesse.

Este texto não quer se destinar a fazer agradecimentos. Agradecer o resultado de tra-balhos coletivos quase sempre comete a culposa omissão do nome de personagens tão impor-tantes quanto os que explicitamente foram lembrados. Por isso, para homenagear todos os que estiveram envolvidos no trabalho de elaboração da JuriCidades, escolhemos a pessoa do Mi-nistro Marcio Fortes, que prestigia a Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades ao ouvi-la nas mais cotidianas tarefas. No projeto da revista seu apoio foi imediato e incondicional.

Por isso, caro leitor, fica o agradecimento profundo a todos que, explícita ou discre-tamente trouxeram a JuriCidades do altiplano das intenções para a altura do seu olhar.

Brasília, janeiro de 2008.Cleucio Santos Nunes

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

APrESENTAÇÃo

Brasília, janeiro de 2008

É com regozijo que sublinho a iniciativa da Consultoria Jurídica do Ministério das Ci-dades em lançar sua revista, o que há de contribuir imensamente para o aperfeiçoamento dos trabalhos que vêm sendo desenvolvidos por todos os servidores e colaboradores desta Pasta.

o trabalho de editar uma revista como a que ora se inaugura é de extrema relevân-cia, visto que os assuntos aos quais afeto o labor da Consultoria Jurídica deste Ministério são vastos, indo desde questões habitacionais, de saneamento ambiental, de transportes, de mobilidade urbana e de desenvolvimento urbano, até assuntos de trânsito, todos eles, como se percebe, intimamente ligados ao dia-a-dia do cidadão brasileiro, assuntos estes também diariamente tratados pela imprensa nacional e internacional.

Alguns deles, quiçá todos, estão na pauta do dia das discussões nos foros mundiais como organização das Nações Unidas e organização Mundial da Saúde, entre outros.

o conteúdo proposto para esta revista, denominada de forma bastante original, ob-viamente é aquele sob a visão do Direito, mas exatamente por isso de elevada importância, visto que toda ação governamental há de se amparar nas normas legais que estejam em vigor, como premissa primeira para sua efetividade.

De fato, e de direito, a própria Constituição Federal da república Federativa do Bra-sil arrola, em seu artigo 37, os princípios aos quais o administrador público deve respeito no desempenho de suas atribuições, se não quiser ser considerado como ímprobo e se sujeitar às severas sanções previstas pelo ordenamento positivo para tais situações.

Tenho a certeza de que o cenário jurídico nacional há de apreciar e aproveitar o conteúdo desta revista, que há de servir de norte para os grandes questionamentos que atu-almente se enfrentam, decorrentes do surgimento de novas legislações, como as que tratam dos consórcios públicos, parcerias público-privadas e, mais recentemente, marco regulatório do saneamento, todas intrinsecamente ligadas à atuação do Ministério das Cidades e, por corolário, da sua Consultoria Jurídica.

Marcio Fortes de AlmeidaMinistro de Estado das Cidades

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

7

SUMário

ENTREvISTA ....................................................................................................................................9Ministro José Antonio Dias Toffoli

O ROL DE BENEFÍCIOS DOS REGIMES PRÓPRIOS DE PREvIDÊNCIASOCIAL E AS APOSENTADORIAS EM ESPÉCIE ................................................................ 19Clemilton da Silva Barros

EMPRESAS PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERvIÇOS PÚBLICOS EO ALCANCE DO DIREITO AOS BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS ...................................... 3�Cleucio Santos Nunes

A RESPONSABILIDADE CIvIL DO ESTADO POR ATOS OMISSIvOSE O ATUAL ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ......................... �7Ewerton Marcus de Oliveira Góis

CRÍTICAS À TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA .............................. 67Fernando José Vazzola de Migueli

O DIREITO DE GREvE DO SERvIDOR PÚBLICO CIvIL:PANORAMA E EvOLUÇÃO NORMATIvA E JURISPRUDENCIALDA MATÉRIA NO BRASIL ......................................................................................................... 79Flavia Natario CoimbraTaís Teodoro Rodrigues

RESTRIÇÃO DO FORNECIMENTO DO SERvIÇO PÚBLICO PRESTADOEM REGIME DE CONCESSÃO DIANTE DO INADIMPLEMENTO DATARIFA DEvIDA PELO USUÁRIO: A SOLUÇÃO DA LEI Nº 11.44�/07 ........................ 97Paulo Cesar Soares Cabral Filho

PARECERES Análise da minuta de convênio entre a união, por intermédiodo Ministério das Cidades, e o (...), com o viso de promover açõesde regularização fundiária em assentamentos informais ........................................................ 11�

CBTU - Extinção da empresa - Tranferência para empresas estaduais e municipais ............. 126

Tranferência voluntária de recursos da Uniãopara Estado-Membro - Lei nº 11.445/2007 ................................................................................. 131

Consulta sobre a validade de aditivo de preços em ação financiadacom recursos de contrato de repasse ............................................................................................. 140

Análise de escritura de área de intervenção - imóvel oriundo de reforma agrária .................. 14�

Minuta de portaria dispondo sobre normas internas de férias ................................................. 1�0

Encaminhamento de decisão tomada em sede antecipação de tutela -ausência de pressupostos processuais e improcedência de mérito ............................................. 1�2

CURIOSIDADES ......................................................................................................................... 16�Sentença de Tiradentes

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

9

ENTrEViSTA

Quando o Advogado-Geral da União, José Antonio Dias Toffoli, formou-se em Di-reito na Universidade de São Paulo, em 1990, a Advocacia-Geral da União (AGU) não existia. Desde então, Toffoli se especializou em Direito Eleitoral. Ao mesmo tempo, a AGU se estru-turava internamente e hoje está consolidada como instituição que defende a União judicial e extrajudicialmente. Em março de 2007, Toffoli foi convidado pelo presidente da república, Luiz inácio Lula da Silva, para assumir a Advocacia-Geral da União. Sua gestão tem se desta-cado por empreender novo modelo de Advocacia Pública, qual seja, o que se centra na defesa efetiva do Estado e não apenas na representação jurídica da administração federal. Prestes a completar um ano no cargo, o ministro defende mais autonomia para os advogados da União no trabalho de consultoria jurídica. “Assim, o advogado público será respeitado na sua opinião jurídica e não obrigado a atender às demandas e vaidades de determinados gestores”, afirma.

JuriCidades: Qual a avaliação o ministro faz sobre os progressos já alcançados e sobre o que se pode esperar da AGU nos próximos anos?

Toffoli: O grande avanço da criação da AGU está em seu formato, que é um sistema, uma insti-tuição que está presente em todos os órgãos da administração direta e indireta: a administração direta, através das consultorias jurídicas dos ministérios, através da Procuradoria da Fazenda Nacional, que atua no Ministério da Fazenda, e, na administração indireta, nas autarquias e

rodr

igo

Nun

es

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

10

fundações, e, nas agências reguladoras, através da Procuradoria Geral Federal, na carreira dos procuradores federais. Com a criação da AGU, se passou a ter um sistema de coordenação e de centralização da direção das manifestações jurídicas do Estado Brasileiro. Antes, cada institui-ção dava um parecer jurídico diferente. Havia conflitos entre órgãos da administração indireta entre si, conflitos entre administração direta com órgãos da administração indireta e não havia no passado parecer definitivo que viesse a pacificar as divergências jurídicas que normalmente ocorrem entre os vários órgãos. A AGU trouxe maior racionalidade do trabalho de consultoria do Poder Executivo sem tirar a proximidade do advogado do órgão, porque os órgãos são instalados nos ministérios. Embora se-jam órgãos de execução da AGU, eles estão estruturados no âmbito de cada um dos ministérios, no âmbito das Procuradorias Federais, junto às autarquias e fundações.Em relação ao aspecto litigioso, até a Constituição de 1988 a União era representada em juízo pelo Ministério Público Federal que tinha dupla atribuição, era fiscal da lei e também defensor da União. Isso trazia situações esquizofrênicas: uma mesma instituição atuando no pólo ativo e passivo de uma ação. Com a AGU, a União passou a ter advogados próprios. Até então, não se tinha advogado que defendesse o Estado brasileiro porque o Ministério Público tinha muito mais o posicionamento de divergir do Estado, sua vocação natural, do que o de ser um advogado do Estado. Com a AGU, portanto, deu-se também racionalização à atividade do contencioso, de tal forma a se obter centralização e organicidade que antes não havia.

JuriCidades: O fortalecimento institucional da AGU não prescinde da alteração da Lei Com-plementar nº. 73/93, com a definição, por exemplo, das prerrogativas dos membros da car-reira. Nesse contexto, quais os pontos que o Ministro entende essenciais no projeto de revisão desta lei? O senhor é favorável à unificação das carreiras jurídicas que compõem a AGU?

Toffoli: No meu entendimento, a unificação da carreira jurídica há de ser um acontecimento natural. Vai chegar o momento em que as várias carreiras que compõem a AGU vão perceber que a unificação é o melhor para a instituição e é o melhor para cada qual das respectivas car-reiras. No momento atual, temos que trabalhar com a cultura que existe: a de que na Procura-doria Consultiva do Ministério da Fazenda, na advocacia, na carreira de Advogados da União, o exercício da atividade de consultoria aos órgãos da administração direta e de defesa da União em juízo e, na carreira de procurador federal, a consultoria e a representação judicial das autarquias e das fundações. Então, temos que trabalhar com essa realidade e as resistências do passado já estão superadas. Conseguimos trazer harmonia à integração dessas três carreiras.Isso se reflete, inclusive, na criação do fórum das carreiras de Advocacia da União, ou seja, as sete associações que atualmente representam as carreiras. Elas já conseguem se integrar e ver que a defesa de uma instituição grande, como a AGU, é a defesa de uma carreira digna de defesa de cada um dos advogados públicos federais.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

11

Em relação às prerrogativas dos advogados públicos, realmente, a legislação hoje é absolutamen-te omissa quanto à existência de prerrogativas da Advocacia Pública. É necessário, portanto, dar-se formatação a essas prerrogativas. No anteprojeto de Lei Orgânica, há algumas iniciativas para dar mais estabilidade, maior segurança à atividade, principalmente no aspecto de consul-toria. Assim, o advogado público será respeitado na sua opinião jurídica e não será obrigado a atender às demandas e vaidades de determinados gestores.

JuriCidades: A sua gestão até agora tem sido marcada por maior visibilidade da AGU, valendo citar a criação da Ouvidoria-Geral, a realização de Seminário Brasileiro sobre a Advocacia Pública Federal, em agosto, e a previsão do Congresso Brasileiro das Carreiras Jurídicas de Estado. Qual a importância dessa exposição para a afirmação institucional da AGU?

Toffoli: Em determinado momento, a AGU foi conhecida como o maior escritório de advocacia do país, o que é normal. Num segundo momento, o órgão foi voltado para a sua estruturação interna, também por razões históricas, porque era um órgão novo. À época, no início do atual governo, em 2003, com apenas dez anos de existência, era necessário aprimorar a sua situação interna e também a remuneração dos advogados públicos, que, no início do governo, era muito pequena. Neste sentido, minha gestão tem procurado dar mais visibilidade da AGU à sociedade para que as instituições, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além da própria socie-dade, comecem a entender o que é a AGU. Muita gente ainda confunde a AGU com órgão do Poder Executivo.

rodr

igo

Nun

es

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

12

A AGU é função essencial à justiça. Por isso, está no capítulo IV, título IV da Constituição, ou seja, ela não está nem no Poder Executivo, nem no Legislativo, nem no Judiciário, ela é função essencial à Justiça. A compreensão deste “locus” da AGU é extremamente importante para ver sua significância e qual a sua duração. Ela tem atuação, relevância de Estado que transcende a posição do governo A, B ou C. A AGU existe para atender ao Estado brasileiro e, evidentemente, no que diz respeito ao aspecto consultivo, as políticas públicas legitimadas pelas urnas também devem merecer a defesa da AGU.

JuriCidades: A atividade de consultoria está intrinsecamente ligada ao controle prévio de legalidade dos atos administrativos e, sendo bem realizada, evita a propositura de ações em face da União ou, ao menos, diminui a chance de êxito do demandante. O senhor tem experiência na área, uma vez que foi Subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República. Quais as idéias e projetos para o fortalecimento das consulto-rias jurídicas e dos NAJs? Como reverter o processo histórico de “preferência” aos órgãos do contencioso? O crescimento da AGU não se dá pelo equilíbrio entre a atividade con-sultiva e a contenciosa?

Toffoli: Já editamos alguns atos normativos a respeito de reorganização da consultoria e tam-bém implementamos de fato um Colégio de Consultores, fim de harmonizar posições a res-peito da atividade de consultoria. É bem possível, com o Colégio de Consultores, dar-se mais racionalidade, ganhar-se tempo, padronizando situações que digam respeito à atividade meio. Por exemplo, a consultoria tem que dar pareceres sobre contratos e licitações. Muitas situações de contratos, licitações e convênios são similares, mas alguns ministérios dão parecer de uma forma e outros, de outra. O Colégio de Consultores é uma atividade exatamente para harmo-nizar a situação de posicionamento jurídico entre as várias consultorias dos ministérios. Re-centemente, por exemplo, tivemos uma reunião específica para tratar no Colégio de consultoria sobre os pareceres jurídicos relativos a repasses de recursos públicos para organizações não governamentais (ONGs). Nisso também se inclui o problema do sistema S: alguns ministérios dão parecer favorável a convênios com o sistema S ou em dados convênios com ONGs; as con-sultorias jurídicas de outros ministérios, em casos parecidos, dão parecer pela não possibilidade de tais convênios. Há que se ter uma harmonização. O trabalho da consultoria vem no sentido de criar essa harmonização de fato e uma maior integração entre as várias consultorias dos ministérios.Nessa questão do contencioso, também no âmbito da Consultoria-Geral da União, criamos as Câmaras Permanentes de Conciliação e Arbitragem para dirimir conflitos que existam entre órgãos da administração pública Federal, com várias experiências, evitando-se que essas diver-gências venham a cair no Judiciário. Identificamos aqui ações propostas no passado, inclusive entre duas autarquias, disputando espaço físico de prédio público federal. Isso não é problema

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

13

para ser levado ao Judiciário. Se o próprio prédio federal será destinado à autarquia A ou B é algo para o governo resolver internamente. Se há um conflito, tem que ser resolvido internamen-te entre esses órgãos e, pela lei, o local de fazer esse arbitramento é a AGU. Também na consul-toria há a atividade de dirimir as controvérsias entre pareceres. Tenta-se resolver inicialmente com uma compreensão entre os dois órgãos e, caso não haja essa compreensão, a Consultoria-Geral da União emite um parecer que, se aprovado pelo Advogado-Geral da União, passa a ser o parecer que vai atender ao caso concreto, dirimindo então o conflito entre dois pareceres divergentes de órgãos diversos.No trabalho consultivo, também temos orientado as consultorias a ter em mente que a atividade da consultoria é sempre verificar se o tema, caso seja levado ao Judiciário, terá sustentabilidade ou não. O parâmetro não pode ser a opinião acadêmica, teórica do consultor, mas a possibili-

dade ou não de sustentação daquele parecer que aborda uma política pública, uma atividade-meio, como um contrato ou uma licitação. Não adianta autorizar um ato de gestão, um contrato ou uma licitação que sabidamente, acaso questionada, será derrubada no Judiciário. No entan-to, se o parecer dá a devida sustentabilidade porque está de acordo com a jurisprudência pátria, evidentemente, quem se sentir prejudicado ou atingido por aquele parecer não terá como levar aquilo ao Judiciário e, se levar, perderá porque o parecer está bem estruturado, bem sustentado e de acordo com a legislação e a jurisprudência do país.

JuriCidades: Este ano foi implantado um escritório avançado da AGU junto ao TCU. Que avaliação pode ser feita da atuação desse escritório até o presente momento e quais as expectativas para os próximos anos?

rodr

igo

Nun

es

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

14

Toffoli: O objetivo deste escritório avançado é integrar mais o Tribunal de Contas da União (TCU) à AGU porque cabe a esta, como representante da União, entrar com as ações de execu-ção das decisões do TCU. Porém, em muitos casos, são necessárias medidas cautelares para as-segurar, inclusive, seqüestro de bens a fim de que se garanta uma futura execução. Neste sentido, os procedimentos até então adotados eram muito burocráticos: vinha um requerimento do TCU para o Advogado-Geral da União, que depois passava para o Procurador-Geral, que passava para a Procuradoria-Regional da União respectiva, ou seja, nisso já se vão um, dois, três meses até chegar ao Advogado da União para tomar uma proposição. Agora, com o advogado lá, ele já interage imediatamente com o TCU e dá seqüência com a proposição das medidas judiciais que forem demandadas pelo TCU à AGU, de uma maneira rápida, célere e de uma forma absoluta-mente orientada e integrada pelo TCU.

JuriCidades: Nos últimos anos, determinados órgãos de controle da administração públi-ca e de combate à corrupção, como a Polícia Federal e o Ministério Público, têm se mos-trado bastante atuantes em suas respectivas áreas. Qual avaliação o senhor faz sobre essas instituições e como a advocacia pública federal deve se posicionar quando essa atuação envolver instituições federais?

Toffoli: A AGU é uma função essencial à Justiça. Nesse sentido, ela está no mesmo capítulo (na Constituição Federal de 1988) do Ministério Público, só que com a característica de ser represen-tante judicial da União e órgão de Consultoria do Poder Executivo. Trata-se também de uma função essencial à Justiça, tal qual a AGU, e tem como prerrogativa não a defesa da União, que é da AGU, e sim a defesa de interesses coletivos e difusos, além de ser aquela instituição que detém o monopólio da Ação Penal.A atuação desses dois órgãos – MP e PF – é fundamental no combate à corrupção e, portanto, na defesa da probidade administrativa. Nesse sentido, cabe à AGU auxiliar a PF através da consultoria que presta aos órgãos do Poder Executivo. Em relação ao MP, a AGU pode auxiliar, inclusive nas ações de defesa do patrimônio público que a União deve promover contra quem desvia recursos públicos.

JuriCidades: O senhor considera essencial a atuação da advocacia de Estado exercida por membros da AGU nas relações do país com a comunidade internacional? O que é possível fazer para aprimorar a defesa dos interesses do país perante organismos e cortes internacionais?

A Constituição deu à AGU a representação judicial e extrajudicial da União. Portanto, a capa-cidade postulatória em juízo é da AGU. Nesse sentido, a Constituição estabeleceu a competência

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�

da AGU. Ocorre que a AGU ainda tem poucos anos (o órgão completará 15 anos neste ano) e não está, como deveria, totalmente preparada para assumir os encargos que tais demandas têm. Nesse sentido, temos que formar advogados da União para poder atuar nesses casos.A AGU já atua na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, representa a União nos processos que ali são propostos contra o Estado brasileiro. Também atua em casos de recu-peração de ativos, por via de contratação de escritórios particulares no exterior. Um dos casos que é de conhecimento público é o do TRT de São Paulo, que envolve a recuperação de ativos que foram desviados. A AGU tem essa competência, mas ainda não está totalmente estruturada para isso. Nesse sentido, nossa gestão trabalha para estruturar um setor para formar esses advogados para que possam vir a atuar no exterior. Hoje já temos nas carreiras da AGU vários profis-sionais, entre advogado da União, procurador federal e procurador da Fazenda Nacional, que

inclusive têm licença para advogar em outros países, como França, Estados Unidos e Inglaterra. Em breve, pretendemos ter uma atuação que passe cada vez menos a depender de contratação de escritórios particulares.

JuriCidades: A relação entre o Poder Executivo e o Poder legislativo, no que diz respeito à aprovação de projetos de interesse do Governo, deve ser objeto de acompanhamento pela AGU? Até que ponto cabe à AGU entrar no mérito das discussões?

Toffoli: A AGU tem o papel de consultoria do Executivo. No que diz respeito aos projetos de lei, medidas provisórias que são encaminhadas pelo presidente da República ao Congresso Nacio-nal, a AGU já participa da formatação dessas proposições através das consultorias dos respec-

rodr

igo

Nun

es

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

16

tivos ministérios, que são órgãos de execução da AGU, e, naquelas mais importantes, o próprio Gabinete do Advogado-Geral da União também acompanha a formatação dessas proposições. Na tramitação das demais, a AGU procura acompanhar aquelas que ela entende ser mais im-portantes para o país, na medida em que a quantidade de proposições que tramitam na Câmara e no Senado impede que se dê um acompanhamento a todas. O acompanhamento da AGU é de ordem técnica, não deve ser um de ordem política. A questão política é dada àquele que detém o mandato, que detém a gestão, os parlamentares e os órgãos de direção dos respectivos ministérios que acompanham as matérias de seus in-teresses.

JuriCidades: A defesa do ato ou texto impugnado, sujeito à Declaração de Inconstitu-cionalidade pelo Supremo, deve ser interpretada de modo estrito? Haveria situações em que o Advogado-Geral poderia sustentar a inconstitucionalidade do ato ou do texto impugnado, principalmente quando se tratar de atos normativos estaduais? Qual a sua visão sobre o assunto?

Toffoli: Essa pergunta diz respeito a um “munus” que a Constituição estabeleceu para o Advoga-do-Geral da União, não para a Advocacia da União, que é o de ser aquele que fará a defesa do ato impugnado numa ação de inconstitucionalidade. A jurisprudência do Supremo é no sentido de que o Advogado-Geral da União pode impugnar o ato, ou seja, dar um parecer pela inconsti-tucionalidade quando já há precedente sobre o tema em que o Supremo declarou a inconstitucio-nalidade. Nos demais casos, mesmo que pessoalmente o Advogado-Geral da União tenha outro entendimento, por dever de ofício, ele deve defender a constitucionalidade do ato, caso não haja precedente no Supremo no sentido da sua inconstitucionalidade. JuriCidades: Que mensagem o senhor daria aos advogados da União iniciantes na carreira e aos que estão prestes a se aposentar?

Toffoli: Aos iniciantes da carreira, a mensagem que eu passo é a de que eles ingressam em uma atividade que é talvez a das mais relevantes do meio jurídico porque a AGU não pode ser vista, única e exclusivamente, como o maior escritório de advocacia do Brasil. Ela é muito mais do que isso. Ela tem o dever de representar judicial e extrajudicialmente toda a União, o que envolve todos os poderes, não só o Executivo, mas o Legislativo, o Judiciário, o Tribunal de Contas da União, o Ministério Público Federal, enfim, todos os órgãos federais.A AGU está presente em todos os órgãos da administração direta e da administração indireta; os seus pareceres podem vincular também as empresas públicas. Então, é uma dimensão enor-me que se tem de atividade jurídica no âmbito da Advocacia-Geral da União. Nesse sentido, é a maior instituição jurídica de Estado. Nenhum Poder Judiciário especificamente, seja federal,

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

17

seja estadual; nenhum Ministério Público, seja federal, seja estadual, tem uma carreira tão am-pla, com um arco de atribuições como a AGU. É uma carreira absolutamente desafiadora, mas inspiradora também.Àqueles que estão deixando a carreira em razão de aposentadoria, seja voluntária, seja em ra-zão da aposentadoria compulsória aos 70 anos, o que eu posso dizer, em primeiro lugar, é que é lamentável perdermos pessoas experientes, seja em razão da idade, seja em razão da própria opção pessoal, mas é um direito do cidadão e, por outro lado, um dever imposto, no caso da compulsória. Realmente, muitas vezes, as pessoas com a experiência que têm, com a atividade pública que desenvolveram, representam uma perda para o serviço público. No mais, é desejar boa sorte a elas na atividade que vierem a exercer no futuro.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

19

O ROL DE BENEFÍCIOS DOS REGIMES PRÓPRIOS DE PREvIDÊNCIA SOCIAL E AS

APOSENTADORIAS EM ESPÉCIE

Clemilton da Silva BarrosAdvogado da União, Pós-graduado em Direito Processual Civil; em Direito do Tra-balho e em Direito Processual do Trabalho. Professor da Universidade Estadual do Piauí.

Sumário: 1 Disposições gerais. 2 O rol de benefícios previdenciários no âmbito do RPPS da União. 3 As aposentadorias nos RPPS segundo as regras permanentes do art. 40 da Constituição Federal. 3.1 Aposentadoria por invalidez. 3.2 Aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade. 3.3 Aposentadorias voluntárias. 3.3.1 Aposenta-doria voluntária por tempo de contribuição e idade. 3.3.1.1 Aposentadoria do pro-fessor. 2.3.2 Aposentadoria por idade. 3.4 Aposentadorias especiais (art. 40, § 4º). 3.5 Quadro sinóptico das aposentadorias nos RPPS segundo as regras permanentes do art. 40 da CF. 4 período de carência nos RPPS. 5 A base de cálculo dos benefícios e o teto previdenciário nos RPPS. 6 Conclusão. 7 Referências.

1. Introdução

No Brasil, os propósitos da Previdência Social são levados a efeito mediante os chamados “regimes Previdenciários”, doutrinariamente classificados em quatro espécies: o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), com previsão no art. 201; os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) com previsão no art. 40, 42 e 142; o Regime de Previdência Complementar Público, com previsão no art. 40, §§ 14 e 15; e o Regime de Previdência Complementar Privado, com previsão no art. 202, todos da Constituição Federal de 1988.

os regimes Próprios de Previdência Social são assim denominados, no plural, por dois motivos: a) cada ente da federação pode ter o seu regime Próprio de Previdência Social, destinado aos seus servidores; b) são regimes Próprios de Previdência Social tanto aquele previsto no art. 40 (destinado aos servidores públicos civis em geral, detentores de cargo efetivo), aquele previsto

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

20

no art. 42, § 1º (que cuida dos membros das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal) e aquele previsto no art. 142, § 3º, inciso X (que cuida dos militares das Forças Armadas).

Neste trabalho trataremos apenas do regime previdenciário dos servidores públicos civis da União, cujas regras fundamentais provêm do atual art. 40 da Constituição Federal e das disposições específicas das Emendas Constitucionais nº 20/1998, 41/2004 e 47/2005, mais conhecidas como regras de transição, as quais, conquanto não cheguem a se incorporar ao texto da Constituição Federal, constando apenas das próprias Emendas Constitucionais, detêm a natureza de norma constitucional.

Cumpre lembrar que o art. 40 da CF traduz o que a doutrina chama de “regras per-manentes dos rPPS”, aplicáveis àqueles que ingressarem no serviço público a partir da sua vigência. Paralelamente, existem as chamadas “regras de transição”, constantes exclusivamen-te do corpo das próprias Emendas Constitucionais, aplicáveis àqueles que ingressaram antes da vigência da atual disposição do art. 40, ou seja, às situações que refletem direito adquirido. Pois bem, sempre que falarmos em “regras permanentes” estaremos nos referindo às disposi-ções contidas no art. 40 da CF, que se contrapõem às “regras transitórias”, constantes do corpo das Emendas Constitucionais.

No âmbito da legislação infraconstitucional as regras gerais são ditadas pela Lei nº 9.717/1998, aplicáveis também para os demais entes federativos, por força do disposto no art. 24, inciso Xii e parágrafos, da CF, eis que se trata de competência concorrente.

incide também no disciplinamento da matéria a Lei n º 8.112/1990, a Lei nº 10.887/2004 e a orientação Normativa/SPPS nº 01/2007, dentre outras normas.

2. O rol do benefícios previdenciários no âmbito do RPPS da União

A Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais, conhecida como “Estatuto dos Ser-vidores Públicos da União”, traz um Título denominado “Da Seguridade Social do Servidor”, no qual são disciplinados os direitos securitários dos servidores públicos, ali estando relacio-nados diversos institutos destinados aos servidores públicos.

Contudo, neste particular, a referida norma carece de uma técnica mais adequada para tratar do tema, porquanto não distingue benefícios securitários genéricos de benefícios previdenciários. Aliás, alguns desses institutos, como é o caso das licenças em geral, não se

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

21

enquadram na definição de benefícios securitários, tratando-se, pois, de meros direitos ins-titucionais do servidor público, garantidos em face da relação jurídica institucional existente entre o servidor e a Administração Pública, pela qual um presta serviço e o outro remunera e não propriamente em face da relação jurídica previdenciária da qual faz parte o servidor enquanto participante de um regime Próprio de Previdência Social.

Em suma, seria mais próprio dizer-se que o benefício securitário (ou mesmo previ-denciário) corresponde à verba deferida ao servidor diante de uma das situações selecionadas nos incisos do art. 201 da Constituição Federal1, também conhecidas como “riscos sociais”, e não exatamente à licença, que significa apenas a dispensa do comparecimento ao expediente.

Nesse passo, dispõe a Lei nº 9.717/1998, no seu art. 5º, que os benefícios previdenci-ários dos regimes Especiais, ou regimes Próprios de Previdência Social – rPPS, não podem ser distintos dos benefícios previstos para o regime Geral de Previdência Social - rGPS, salvo disposição em contrário da Constituição Federal.

A propósito da matéria, a orientação Normativa 1, da Secretaria de Políticas de Pre-vidência Social, datada de 23 de janeiro de 2007, no seu art. 47, relaciona os seguintes benefí-cios previdenciários, conforme o quadro a seguir:

ENEF

ÍCIO

S

PREv

IDEN

CIÁ

RIO

S

DO

RPP

S D

A U

NIÃ

O

Destinados

Apenas aos

segurados

1 - Aposentadoria por invalidez;

2 - Aposentadoria compulsória;

3 - Aposentadoria voluntária por idade e tempo de contri-

buição;

4 - Aposentadoria voluntária por idade;

5 - Aposentadoria especial.

6 - Auxílio-doença;

7 - Salário-família;.

8 - Salário-maternidade

Destinados

apenas aos

dependentes

1 - Pensão por morte

2 - Auxílio-reclusão

1 As situações previstas no art. 201 da CF dão ensejo à criação de benefícios previdenciários do rGPS. A sua apli-cação aos rPPS se dá por força da disposição do § 12, do art. 40 da CF.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

22

3. As aposentadorias nos RPPS segundo as regras permanentes do art.40 da constituição federal

Efetivamente, pelos termos do art. 40 da Constituição Federal, podemos classificar as aposentadorias dos rPPS em quatro grupos:

a) Aposentadorias por invalidez (art. 40, § 1º, I); b) Aposentadoria compulsória (art. 40, § 1º, II); c) Aposentadorias voluntárias, que são divididas em aposentadoria voluntária por ida-

de e tempo de contribuição e aposentadoria voluntária por idade (art. 40, § 1º, III, “a” e “b”); e

d) Aposentadorias especiais (art. 40, § 4º).

Alguns autores mencionam ainda a aposentadoria do professor como uma espécie distinta. Muitos até lhe atribuem um caráter especial. Entretanto, preferimos tratá-la como uma espécie de aposentadoria voluntária por idade e tempo de contribuição, eis que a única distinção entre esta e as demais aposentadorias voluntárias é no tocante ao tempo de contri-buição e à idade, em face da atividade exercida pelo segurado.

Trataremos a seguir dos benefícios previdenciários previstos para os rPPS. isto, sob as atuais regras do art. 40 da CF. Não entraremos, portanto, na especificidade da análise dos regramentos transitórios constantes das EC nº 20, 41 e 47.

3.1 Aposentadoria por invalidez

A aposentadoria por invalidez admite duas espécies: com proventos integrais e com proventos proporcionais ao tempo de contribuição.

Ambas decorrem da impossibilidade física ou psíquica do servidor para o exercício das suas funções. Pressupõe o caráter permanente do infortúnio, podendo ser revertida a aposentadoria caso desapareça ou amenize a incapacidade. De todo modo, não está em evi-dência a simples vontade do servidor ou da Administração, ou os requisitos de tempo de con-tribuição e idade. isto nos leva à conclusão de que se trata de uma espécie de aposentadoria compulsória.

A concessão, mediante competente perícia médica, será precedida de licença para tratamento de saúde. Para a licença de até 30 dias, a inspeção médica será proce-dida por médico do setor de assistência do órgão de pessoal. Se superior a esse período,

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

23

o servidor será submetido à inspeção por junta medida oficial que concluirá pela volta ao serviço, inclusive, se possível, com a readaptação; pela prorrogação da licença ou pela aposentadoria.

Poderá a licença se prolongar até o limite de 24 meses. Ao fim deste prazo o ser-vidor será submetido à nova inspeção médica, que concluirá pela volta ao serviço, pela re-adaptação do servidor ou pela aposentadoria, porém, não mais podendo ser prorrogada a licença.

Em regra, a aposentadoria por invalidez se dá com proventos proporcionais. Dá-se, porém, com proventos integrais se decorrer de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, nos termos do art. 40, § 1º, inciso i, da Constituição Federal, e art. 186, inciso i, da Lei nº 8.112/1990.

3.2 Aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade

Dá-se por força de uma presunção absoluta (iuris et de iure), imposta pela Consti-tuição Federal (art. 40, § 1º, inciso ii), de incapacidade funcional do servidor ao completar 70 anos de idade, independentemente do sexo, quando então este será afastado do serviço público, sendo aposentado compulsoriamente. Vê-se que a norma é fatal, não se falando em autonomia da vontade nem da parte do servidor e nem da parte da Administração.

Esse mesmo fenômeno também ocorre no rGPS, porém, com algumas distinções. Lá o limite de idade é de 70 anos para o homem e de 65 anos para a mulher, mas o empregador poderá permitir a permanência do empregado mesmo após atingida a idade limite (art. 51 da Lei nº 8.213/91). No caso do servidor público, como já ressaltado, não se fala em manifestação da vontade de qualquer das partes. Alcançada a idade limite, a aposentadoria é imperativa e automática.

os proventos na aposentadoria compulsória são proporcionais ao tempo de contri-buição, cujo cálculo, pela regra atual do art. 40 da CF, dar-se-á levando em conta o tempo que o servidor teria que contribuir para fazer jus aos proventos integrais (35 anos de contribuição para o homem e 30 anos para a mulher).

Entenda-se por proventos integrais não o total da remuneração da atividade, por-quanto esta integralidade foi afastada pela EC 41/03, mas o valor que resultar da média arit-mética simples dos 80 maiores salários de contribuição, como igualmente se dá no cálculo dos proventos no rGPS, como previsto no art. 40, § 3º da CF.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

24

3.3 Aposentadorias voluntárias

Com as sucessivas reformas, hoje temos duas as hipóteses de aposentadorias nas quais a Administração terá que esperar pela manifestação de vontade do servidor: a aposenta-doria voluntária por idade e tempo de contribuição e a aposentadoria voluntária por idade (art. 40, § 1º, iii, “a” e “b”).

Há quem acrescente uma terceira espécie a essas duas. Diz respeito à aposentadoria do professor que comprove tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, para o qual o tempo de contribuição e a idade são reduzidos em cinco anos (art. 40, § 5º). Entretanto, esta hipótese não passa de uma simples variação da “aposentadoria voluntária por idade e tempo de contribuição”.

Tais aposentadorias são ditas voluntárias porque pressupõem a manifestação de vontade do beneficiário, uma vez cumpridos os requisitos básicos. Vale dizer que o servi-dor não pode ser compelido a requerer sua transferência para a inatividade só porque já preencheu os requisitos para se aposentar, contrapondo-se às hipóteses de aposentadoria por invalidez e compulsória aos 70 anos de idade, conforme já vimos, quando então o servidor é compelido a se afastar das suas atividades administrativas, mesmo contra a sua vontade.

As aposentadorias voluntárias têm seus requisitos específicos. Há, porém, requisitos de caráter geral, os quais devem ser observados tanto na aposentadoria voluntária por idade e tempo de contribuição como na aposentadoria voluntária por idade. Assim, além do tempo de contribuição e da idade, o servidor terá que contar um tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público, e de cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, nos termos do art. 40, § 1º, iii.

3.3.1 Aposentadoria voluntária por tempo de contribuição e idade

Tem previsão no art. 40, § 1º, iii, “a”, da Constituição Federal. Antes da EC nº 20/98, era chamada de aposentadoria por tempo de serviço, para cuja concessão era necessário ape-nas o cumprimento do tempo mínimo de serviço. A referida EC alterou o texto original da CF, passando a exigir o preenchimento de requisitos gerais e requisitos específicos, de forma cumulativa, quais sejam:

a) Requisitos gerais:

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

2�

- Tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público;- Tempo mínimo de 5 anos de efetivo exercício no cargo em que vai se dar a aposen-

tadoria;

b) Requisitos específicos:- Tempo mínimo de contribuição de 30 anos para a mulher e de 35 para o ho-

mem;- Idade mínima de 55 anos para a mulher e de 60 para o homem.

Preenchidos todos os requisitos, cumulativamente, o segurado poderá a qualquer tempo requerer sua aposentadoria, cujos proventos, para os servidores que ingressaram no serviço público após a publicação da EC nº 41/2003, serão calculados com base na média das suas contribuições (CF, art. 40, §§ 1º, 3º e 17). Para os que ingressaram em período anterior, será observado o direito adquirido, aplicando-se-lhes as regras transitórias da EC 20/98 ou da EC 41/03, conforme o caso.

Para o segurado que continuar em atividade, quando já tenham sido preenchidos todos os requisitos para a aposentadoria, a EC nº 41/2003 estabeleceu o abono de perma-nência, cujo valor será igual à importância da contribuição que seria descontada, situação na qual permanecerá o servidor, até decidir aposentar-se ou até ser alcançado pela aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade (CF, art. 40, § 19).

3.3.1.1 Aposentadoria do professor

o legislador constituinte achou por bem tratar de forma diferenciada o professor do ensino infantil, fundamental e médio, reduzindo-lhe em cinco anos, tanto na idade quanto no tempo de contribuição, para a concessão da aposentadoria voluntária prevista no art. 40, § 1º, III, “a”. Trata-se de uma variação da aposentadoria voluntária por idade e tempo de contribui-ção, não alcançando o professor de ensino superior.

Assim, o professor pode se aposentar aos 30 anos de contribuição se tiver 55 anos de idade; e a professora aos 25 anos de contribuição se contar 50 anos de idade. Em ambos os casos é imprescindível a comprovação de que o tempo de contribuição se deu exclusivamente no exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. Neste sentido, o entendimento já consagrado pelo STF:

Súmula 726 – Para efeito de aposentadoria especial de professores, não se computa o tempo de serviço prestado fora da sala de aula.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

26

Em suma, os requisitos para a aposentadoria do professor são os seguintes:

a) Requisitos gerais:- Tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público;- Tempo mínimo de 5 anos de efetivo exercício no cargo em que se derá a aposentadoria;

b) Requisitos específicos:- Tempo mínimo de contribuição de 30 anos, se professor; e de 25, se professora;- Idade mínima de 55 anos, se professor; e 50, se professora.

3.3.2 Aposentadoria por idade

Tem previsão no art. 40, § 1º, inciso ii, letra “b”, da CF. Uma vez preenchidos os requisitos gerais (dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria), o único requisito específico a ser preenchido é a idade do servidor, de 65 anos se homem, e de 60 anos se mulher, independendo do tempo de serviço ou de contribuição, caso em que os proventos serão proporcionais ao período contribuído.

São, pois, os seguintes requisitos para a aposentadoria voluntária por idade:

c) Requisitos gerais: - Tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público; - Tempo mínimo de 5 anos de efetivo exercício no cargo em que e der a aposentaria;

d) Requisitos específicos: - Idade mínima de 65 anos se homem; e de 60 se mulher.

os proventos serão proporcionais ao tempo de contribuição, cujo cálculo conside-rará a média aritmética das contribuições, aplica-se ao valor encontrado o percentual corres-pondente à razão entre o tempo de contribuição efetivamente recolhido e o tempo que seria necessário para a aposentadoria por tempo de contribuição.

Ex: o servidor público Ulisses, contando com 35 anos de contribuição e 60 de idade poderá se aposentar com proventos integrais (100% do valor que resultar do cálculo proce-dido com base nas suas remunerações). Um colega seu, porém, que já completou 65 anos de idade, mas só conta com 28 anos de contribuição, também poderá requerer sua aposentado-ria, porém, seus proventos não serão iguais a 100% do valor que resultar dos cálculos, e sim a apenas 80%. isto porque 28 anos de contribuição equivale a 80% de 35 anos. Na hipótese, a

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

27

aposentadoria de Ulisses será por idade e tempo de contribuição (proventos integrais). Já a de seu amigo será por idade (proventos proporcionais).

3.4 Aposentadorias especiais (art. 40, § 4º)

A Constituição Federal, no seu art. 40, § 4º, com a redação dada pela EC nº 20/98, proíbe a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadorias aos abrangidos pelos rPPS, ressalvados os casos de atividades exercidas exclusivamente sob condi-ções especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar.

Trata-se de uma autorização do constituinte, no sentido de que seja estabelecida mais uma espécie de benefício previdenciário nos rPPS, imitando a já existente aposenta-doria especial do rGPS. Ainda não se criou a norma definidora das condições especiais que ensejará o referido benefício, portanto, restando apenas a previsão de que este possa vir a ser instituído.

3.5 Quadro sinóptico das aposentadorias nos RPPS segundo as atuais regras permanentes do art. 40 da CF)

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

28

4. Período de carência nos RPPS

Distintamente do que ocorre no âmbito do rGPS, em relação aos benefícios dos rPPS a legislação não exige propriamente o cumprimento de um período de ca-rência para a concessão dos benefícios. Em contrapartida, são exigidos requisitos rigo-rosos, sobretudo, no tocante às aposentadorias, conjugando-se tempo de contribuição, idade, tempo mínimo no serviço público e tempo mínimo no cargo em se dará a aposen-tadoria.

Nesse passo convém destacar os requisitos previstos no art. 40, § 1º, inciso iii, da Constituição Federal, especialmente no tocante à exigência de um “...tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público...”.

Tal requisito faz as vezes do período de carência exigida no rGPS, ou seja, o ser-vidor só se aposentará voluntariamente, na forma do art. 40 da CF, se tiver um tempo mínimo de dez anos de serviço público, que em tese corresponderá a dez anos de efetiva contribuição.

�. A base de cálculo dos benefícios e o teto previdenciário nos RRPPS

o parágrafo 3º da art. 40, com a nova redação dada pela EC nº 41/03, trata de uma das mais substanciais alterações produzida nos rPPS, consistente no abandono do princípio da integralidade dos proventos em relação à remuneração do cargo.

Com efeito, nos termos do referido dispositivo, a base de cálculo das aposentadorias e pensões dos servidores deixou de ser o valor da última remuneração mensal e passou a ser a média das remunerações percebidas no serviço público e em eventual atividade privada, na forma da lei.

Diante dessa previsão máxima, veio a Lei nº 10.887/2004, no seu art. 1º, esta-belecendo que no cálculo dos proventos de aposentadoria dos rPPS, previsto no § 3º do art. 40 da Constituição Federal e no art. 2º da Emenda Constitucional nº 41/2004, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% de todo o período contributivo desde a competên-cia de julho de 1994 ou desde a competência do início da contribuição, se posterior àquela.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

29

Em suma, adotou-se regra similar à já adotado pelo rGPS2. Contundo, consideran-do-se a média, não exatamente dos maiores salários-de-contribuição, como no rGPS, mas das maiores remunerações de todos os regimes previdenciários (exceto os complementares) a que esteve filiado o segurado, correspondente a 80% de todo o tempo contributivo, limitado este à competência julho de 1994, haja vista nessa data ter sido inaugurada um período de estabilidade econômica, proporcionando assim uma menor incidência de distorções nas atu-alizações dos valores.

observa-se que a Lei nº 10.887/04 não previu a aplicação do fator previdenciário, como no rGPS. E no tocante aos meses em que o segurado esteve filiado ao rGPS, as remu-nerações consideradas para efeito de cálculo do benefício não poderão ser superior ao limite máximo do salário-de-contribuição (teto do rGPS). Também, os proventos calculados não poderão ser inferiores ao salário-mínimo e nem superiores à remuneração do cargo efetivo em que se dará a aposentadoria.

As remunerações consideradas no cálculo do valor inicial dos proventos terão os seus valores atualizados mês a mês de acordo com a variação integral do Índice Nacional de Preços ao Consumidor - iNPC, calculado pela Fundação instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – iBGE, conforme prevê o art. 29-B, introduzido na Lei nº 8.213/91, pela Lei nº 10.887/2004.

Noutro giro, o parágrafo 14 do art. 40 prevê a fixação de um “teto previdenciário” das aposentadorias e pensões nos rPPS, igual àquele estabelecido no âmbito do rGPS. Entre-tanto, tal fixação dependerá da instituição do regime público complementar de previdência social. Até que isso venha a ocorrer, o limite máximo dos proventos de tais benefícios será a remuneração do cargo, e em caso das acumulações permitidas, o limite será aquele estabele-cido pelo art. 37, inciso Xi, da CF (teto remuneratório geral), conforme previsto no parágrafo 11, do art. 40.

De todo modo, independentemente da instituição de regime público complementar, a forma de cálculo das aposentadorias e pensões é a mesma já adotada no rGPS, ou seja, pela média aritmética das maiores contribuições mensais, considerando-se 80% do tempo de contribuição. o que fica pendente é apenas a fixação do teto previdenciário.

2 No âmbito do rGP é a Lei nº 8.213/91 que prevê, no seu art. 29, a forma de cálculo dos proventos. No âmbito dos rPPS, a lei a que se referem os parágrafos 3º e 17 do art. 40 da CF, é a Lei nº 10.887/04, que dispõe sobre a matéria no seu art. 1º.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

30

Vale acrescentar que os servidores públicos ingressos após a vigência da EC nº 41/03, continuam com o direito de aposentadoria com valores acima do teto previdenciário do rGPS, tendo em vista a inexistência do prefalado regime complementar. Mas o cálculo do be-nefício obedece à sistemática já adotada pelo rGPS, pela média das remunerações, conforme ressaltado.

6. Conclusão

A previdência social dos servidores públicos ao longo de muitos anos tem sido alvo de acirradas discussões, sobretudo pelo fato de ser tradicionalmente assistemática e gratuita, traduzindo-se em privilégios para determinadas categorias funcionais.

Mereceu da Constituição Federal de 1988 um tratamento específico, que vem pas-sando por sucessivas reformas, em especial aquelas produzidas pelas Emendas Constitucio-nais nº 3/93, nº 20/98, nº 41/03 e nº 47/05, todas no sentido de buscar um equilíbrio na equa-ção custeio/benefícios.

Tais reformas operadas nos rPPS se concentraram no propósito de igualar, ou pelo menos aproximar, a previdência dos servidores públicos, a cargo de cada ente fede-rativo, à previdência destinada aos trabalhadores da iniciativa privada (rGPS), a cargo do iNSS.

As reformas tornaram mais rígidas as regras aplicáveis à concessão dos benefícios previdenciários dos rPPS, exigindo maior dispêndio por parte do segurado e reduzindo-se o valor dos benefícios. Contudo, em nome do direito adquirido, foi assegurada a concessão de aposentadorias e pensões, a qualquer tempo, aos segurados e aos seus dependentes que, até a publicação das Emendas Constitucionais reformadoras, já haviam cumprido os requisitos para a obtenção do benefício, com base nos critérios da legislação então vigente, observado o disposto no inciso Xi do art. 37 da Constituição, que estabelece o teto geral das remunerações, proventos e pensões no serviço público (EC nº 41, art. 3º). Para tais hipóteses, portanto, foi mantida a integralidade dos proventos em relação à remuneração da atividade e à paridade entre ativos, aposentados e pensionistas.

Efetivamente, a EC nº 20/98 estabeleceu três situações no ambiente do sistema de aposentadorias dos rPPS:

a) servidores que já haviam implementado os requisitos para a concessão do benefício quando da entrada em vigor da referida EC (situação de direito adquirido);

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

31

b) servidores que ainda não haviam implementado os requisitos para a concessão do benefício quando da entrada em vigor da referida EC (situação de direito em curso, regida por regras transitórias); e

c) servidores que ingressariam no serviço após a entrada em vigor da referida EC (situ-ação de aplicação exclusiva das regras permanentes do art. 40, da CF).

Destaca-se no rol das medidas implementadas pela EC nº 20/1998, o estabelecimento de requisitos gerais permanentes para qualquer das aposentadorias voluntárias, consistentes na exigência de 10 anos no serviço público e 5 anos no cargo em que se dará a aposentadoria. Estes requisitos estancariam uma das maiores causas de desequilíbrio financeiro nos regimes Próprios de Previdência Social.

Nesse contexto, imagine-se alguém que tivesse contribuído durante 34 anos e 11 meses para o rGPS, cujo salário-de-contribuição era apenas um salário mínimo. Se este segurado, por exemplo, tomasse posse no cargo de Juiz Federal, bastaria trabalhar mais um mês e já poderia se aposentar com proventos integrais no valor da remuneração do cargo. outras relevantes medidas foram implementadas pela EC nº 20/98 no âmbito dos rPPS, no que citamos a exigência concomitante do tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres) e da idade (60 anos para homens e 55 para mulheres); a extinção das aposentadorias especiais, ressalvadas as hipóteses de atividades prejudiciais à saúde, defi-nidas por lei complementar, e a atividade de professor (art. 40, §§ 4º e 5º, da CF); e a proibição de acumulação de aposentadorias no rPPS, ressalvadas as decorrentes de cargos acumuláveis (art. 40, § 6º, da CF).

A EC nº 41/2003, por sua vez, buscou complementar os propósitos iniciados pela EC nº 20/98, valendo o mesmo raciocínio no tocante às situações criadas pela EC nº 20/98, acima destacadas.

Dentre outras medidas, a EC nº 41/03 extinguiu a paridade entre servidores ati-vos e inativos no reajustamento dos benefícios; instituiu nova regra de cálculo dos pro-ventos para as aposentadorias concedidas pela regra geral do art. 40 da CF e pela regra de transição do art. 2º da EC nº 41/03, adotando os mesmo critérios do regime Geral de Previdência Social; estabeleceu a contribuição dos inativos e o abono de permanência para quem permanecer em atividade, já tendo implementado os requisitos para a aposen-tadoria.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

32

Posteriormente veio a EC nº 47/05, que dentre outras providências, restabeleceu a paridade entre servidores ativos e inativos no reajustamento dos benefícios, exceto no caso de aposentadorias concedidas pela regra geral do art. 40 da CF e pela regra de transição do art. 2º da EC nº 41/03.

Em suma, o sistema de previdência social dos servidores públicos, tradicionalmente gratuito, hoje é efetivamente contributivo, cuja maior preocupação é a observância do equilí-brio financeiro e atuarial, obra iniciada pela EC nº 3/93.

Destarte, esse caráter contributivo dos rPPS, por muito tempo totalmente ignorado, a partir da EC nº 41/03 passou a ser mais amplo do que a contributividade do rGPS, diante da expressa previsão de contribuição dos inativos (art. 40, caput), ao passo que em relação ao rGPS o art. 195, inciso ii, expressamente proíbe a incidência de contribuição sobre aposenta-doria e pensão concedidas pelo regime Geral de Previdência Social.

Enfim, muitas mudanças já foram implementadas e novas reformas previdenciárias ganham formas nos bastidores do Ministério da Previdência Social e do Poder Legislativo. Tais reformas são imprescindíveis sempre, tendo em vista a dinamicidade da matéria e a im-prorrogável necessidade do controle financeiro e atuarial do sistema.

7. Referências

BALErA, Wagner. Sistema de Seguridade Social, 2ª ed. São Paulo: LTr, 2002.

BrASiL. Ministério da Previdência Social – MPS. Disponível em: > http//www.previdencia-social.gov.br <. Acessado em: 05/10/2007.

BrASiL. Presidência da República. Disponível em: > https://www.planalto.gov.br <. Acessa-do em 05/10/2007.

CArVALHo FiLHo, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

CUNHA, Lásaro Cândido da. Reforma da Previdência: noções gerais do sistema previdenci-ário e comentários às mais recentes alterações na legislação. 2ª ed. Belo Horizonte: Del rey.

DiNiZ, Paulo de Matos Ferreira. Lei nº 8.112/90 comentada: Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União e legislação complementar. 8ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2004.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

33

iBrAHiM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 7ª ed. rio de Janeiro: impetus, 2006.

TAVArES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 9ª ed. rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

3�

EMPRESAS PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERvIÇOS PÚBLICOS E O ALCANCE DO

DIREITO AOS BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS

Cleucio Santos NunesAdvogado. Mestre em Direito pela Universidade Católica de SantosProfessor Universitário. Consultor Jurídico do Ministério das Cidades

Sumário: 1. introdução. 2. os campos materiais de serviços ou atividades públicas imunes à tributação. 3. Ponderações acerca da isenção ao pagamento das contri-buições previdenciárias para prestadoras de serviços públicos. 4. o alcance do di-reito a benefícios tributários para empresas estatais prestadoras de serviço público. 5. A adequada exegese da vedação a privilégios fiscais para companhias estatais prestadoras de serviços públicos não extensíveis ao setor privado. 6. Conclusão.

1. Introdução

De acordo com o artigo 150, Vi, c, da Constituição Federal, as institui-ções de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, desde que atendidos os requisitos da lei, são imunes a impostos incidentes sobre a renda, prestações de serviços e patrimônios. Além da imunidade quanto aos impostos referidos, a Constituição da re-pública também concede o mesmo benefício às entidades de assistência social que, não possuindo finalidade lucrativa, observem requisitos definidos em lei (CF, art. 195, § 7º). Apesar de o dispositivo constitucional referir-se a “isenção”, existe certo consenso jurisprudencial de que a Carta Magna não outorga exatamente isenções tributárias. 1 A função da Constituição em matéria tributária, dentre outras, é a de distribuir competências, e a imunidade, no fundo, é uma limitação do exercício da competência tributária, pois, para certas pessoas ou bens, não há como os entes competentes cobrarem tributos.

1 rMS 22.192, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 28-11-95, DJ de 19-12-96

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

36

Por outro lado, subsiste ponto encontradiço que torna o tema intrigante. Trata-se da missão de concluir se os benefícios tributários dados pela Constituição devem ser entendi-dos restritivamente. Como se sabe, o Código Tributário Nacional, no artigo 111, em síntese, refere-se à aplicação da interpretação gramatical para os casos de isenção de obrigações tribu-tárias e suspensão do crédito tributário. Nessa linha, em se tratando de empresas públicas, so-ciedades de economia mista e subsidiárias, todas pessoas jurídicas de direito privado segundo definição legal (Decreto-lei 200/67), o tratamento tributário a ser dado para esse tipo de en-tidade, em leitura preliminar da Constituição Federal, deve ser o mesmo que é dispensado às empresas particulares da iniciativa privada (CF, art. 173, § 1º, ii).

Essa constatação, por si só, enseja inegável duelo entre normas constitucionais con-juntamente com o próprio Código Tributário e as noções conceituais que se erguem a partir do sentido jurídico possível das locuções “empresa pública prestadora de serviços” e “empresa pública prestadora de serviços públicos”. Caso caiba interpretação literal nessa matéria, ainda que em sede constitucional, o ponto é saber se existe distinção suficiente entre as duas locu-ções mencionadas que permita concluir se uma ou outra podem ficar de fora das imunida-des.

Para os propósitos deste texto, há que se definir, primeiramente, se empresa pública pode desempenhar atividade de educação ou de assistência social nos limites do que prevê a Constituição no artigo 173. Em seguida, há que se investigar a situação das companhias estatais prestadoras de serviços públicos diversos dos conceitos de educação e de assistência social, mas que gozam ou podem vir a gozar de isenções tributárias.

refletidos esses pontos, desdobra-se a necessidade de se saber se os benefícios fis-cais insertos na Constituição Federal alcançam as empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias, apesar da igualdade de tratamento tributário pretendida pelo constituin-te entre empresas da iniciativa privada e as empresas estatais (CF, art. 173, § 1º, ii). Essa pos-sível concessão de benefício fiscal deve ser contextualizada com as noções de serviço público e atividade econômica, sob pena de se confrontar, mais especificamente, com a vedação de favores fiscais para entes estatais não extensíveis ao setor privado (CF, art. 173, § 1º).

2. Os campos materiais de serviços ou atividades públicas imunes à tributação

Somente é compreensível que empresas estatais devam se sujeitar ao mesmo regi-me jurídico tributário das empresas particulares quando se constatar que o Estado, por meio de entidade por ele criada, desempenhe atividade econômica em inegável concorrência com o setor privado (CF, art. 173, § 1º). Deve-se distinguir, com efeito, atividade econômica de-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

37

senvolvida pelo Estado, de prestação de serviços públicos. Aquela atividade há de ser desem-penha excepcionalmente, conforme, aliás, reza o Texto Constitucional; esta, por sua vez, é dever do Poder Público executar, quer diretamente, quer por meio de entidades criadas para tal fim.

No caso dos serviços de saúde e assistência social, os incisos ii e V do artigo 23, da Constituição Federal prescrevem, respectivamente, que é competência dos entes federados “cuidar da saúde e assistência pública”. Adiante, fixando a atribuição da execução dos serviços de saúde e assistência social, a Constituição é categórica:

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. [grifamos]

Quanto à assistência social, a Constituição Federal evitou o vocábulo serviço. De fato, o conceito de assistência social é fluido o bastante a ponto de fazê-lo escapar da no-ção substancial de serviço público, que se assenta no significado das palavras utilidade e comodidade.2

Consoante Sérgio Pinto Martins, a assistência social “é um conjunto de princípios, de regras e de instituições destinado a estabelecer uma política social aos hipossuficientes, por meio de atividades particulares e estatais, visando à concessão de pequenos benefícios e serviços, independentemente de contribuição por parte do próprio interessado”.3

Logo se observa que a noção de assistência social é transcendente ao Direito en-quanto arcabouço de regras e regimes normativos. A assistência social está intimamente rela-cionada à ação, que pode ser por parte do Estado ou do particular. Trata-se, pois, de atitude de proteção à pessoa carente do mínimo existencial que lhe permita ultrapassar a linha da indignidade. Daí por que a assistência social ser mais bem definida como política pública de promoção dos mínimos sociais (Lei 8742/1993, art. 1º). os serviços públicos são instrumen-tos de alcance das políticas. A assistência social é a própria política.

2 Para Celso Antonio Bandeira de Mello, sotoposto ao conceito de serviço público há um substrato material, que compõe a noção desse conceito. Daí por que refere: “[...] cumpre observar que a atividade estatal denominada serviço público é a prestação consistente no oferecimento, aos administrados em geral, de utilidades ou comodidades materiais”. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. pp. 655-656.3 Direito da seguridade social: custeio da seguridade social, benefícios, acidente do trabalho, assistência social e saúde. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 486.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

38

Não existe, entretanto, incoerência sistêmica em se inserir a assistência social no conceito amplo de serviço público lembrado por Maria Sylvia Zanella di Pietro ao citar vários tratadistas. 4 Por essa acepção, lastreada nas primeiras escolas sobre serviço público desen-volvidas pelo Direito francês, toda atividade do Estado, ou dos seus delegados, de caráter essencial, era entendida como serviço público.�

Seja como for, a assistência social não se adaptada com propriedade ao conceito de ser-viço, simplesmente porque é medida de proteção à pessoa desprovida dos serviços públicos ou privados, daí sua situação de vulnerabilidade que justifica a ação protetora. os serviços, por sua vez, pretendem oferecer ao interessado benefícios que pressupõem, ainda que não necessaria-mente, sua situação fora do campo de vulnerabilidade social que justifica a ação de assistência.

Voltando-se ao ponto, não se pode perder de vista que a necessidade de se distinguir saúde de assistência social, reside no fato de a Constituição da república aludir à imunidade tributária para entidades de assistência social e de educação sem fins lucrativos (art. 150, Vi, c e art. 195, § 7º). Note-se que a Constituição não se referiu expressamente ao direito à imuni-dade para as entidades da área da saúde. Por essa razão, o intérprete se obriga a desvendar, sob o ponto de vista da materialidade dos conceitos, o que se compreende por saúde e assistência social. A omissão do constituinte em chamar assistência social de serviço público, deve-se ao fato de aquela ser mais abrangente do que este, levando a crer que as ações no campo da saúde, podem constituir também modo de operação de assistência social, na medida em que oferecem proteção à infância, à maternidade, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência. No campo do conceito de assistência social a proteção poderá se dar meramente por meio de benefícios pecuniários; a proteção social, dada por intermédio das ações de saú-de, o que também significa assistência social, pode ser feita na forma de serviço público.

Em resumo, apesar de saúde, assistência social e previdência integrarem o gênero adotado pela Constituição Federal conhecido por seguridade social, entre as duas primeiras espécies não existem divisões estanques, quando analisadas na perspectiva da materialidade de suas ações.

o serviço público de saúde, por sua vez, será prestado pelo Estado diretamente ou mediante terceira pessoa, que poderá ser constituída pelo Poder Público exclusivamente para esse fim.

4 Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 96.5 De acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro, na França destacaram-se como protagonistas da corrente do serviço público em sentido amplo, Leon Duguit e Roger Bonnard; no Brasil, Mário Mazagão, José Cretella Júnior e Hely Lopes Meirelles.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

39

Fica a critério do ente governamental constituir empresa pública destinada à comu-nidade, o que revela sua finalidade de prestador de serviço de saúde pública, que não concorre com o particular.

ressalte-se que para a empresa pública não concorrer com os hospitais privados na execução dos serviços de saúde há que se separarem as atividades. o serviço de saúde é públi-co quando prestado pelo Estado de forma direta ou por seus entes criados para esse fim. Será particular quando desempenhado por sociedades particulares. Não existindo confusão entre os regimes de prestação do referido serviço, segue-se que os hospitais públicos e particulares não competem no mesmo mercado.

Por outro lado – mas não longe dessa temática –, não é adequado sustentar que em matéria de saúde se esteja diante de um mercado concorrente. o pressuposto da con-corrência é a liberdade de oferecimento de bens de consumo ou de serviços. Significa dizer que, para a concorrência, o bem ou serviços oferecidos devem ser suscetíveis ao estímulo de suas respectivas aquisições. o consumidor de tais bens, mesmo que não os necessite, poderá ser estimulado a adquiri-los por meio da propaganda ou outras formas de se atrair o consumidor. 6

Não se pode admitir que com a saúde ocorra o mesmo fenômeno. o consumidor de serviços médicos demanda o fornecedor por necessidades vitais de manutenção de sua inco-lumidade física. Daí por que os serviços médicos não são alvos do que se vulgarizou chamar de marketing, característica emblemática da concorrência.

Não é nenhum despautério concluir que empresas estatais da área da saúde (hospi-tais) não “disputam mercado” com hospitais privados, simplesmente porque, em matéria de saúde, não há que se falar em mercado, mas em atividade de relevância pública na qual é lícita a atuação do particular (CF, art. 199). isso, entretanto, não impede a estatal de lograr receita com os serviços médicos que presta. Não pode, evidentemente, distribuir lucro, porque assim se iguala à empresa particular.

6 Após demonstrar que o mercado não consegue se apresentar em regime de concorrência perfeita, isto é, aquele que se caracteriza pela fixação natural dos preços em patamar ideal, sem a presença de externalidades, ou de elementos sub-jetivos que conduzem a decisão dos consumidores, a doutrina econômica aduz à existência da concorrência imperfeita. Nesta, externalidades e fatores subjetivos (como é o caso da propaganda), dão a essência desse tipo de mercado que pre-domina nas economias modernas. Daí por que a característica central do mercado concorrencial é a oferta de produtos e serviços que se apresentam sob formas e condições diversas. Um dos fatores que leva a essa diversidade é a propaganda que procura inculcar na mente do consumidor que determinado produto é útil para suas necessidades. Cf. NUSDEO, Fabio. Curso de economia. 4ª ed. São Paulo: RT, 2005. pp. 269-270.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

40

Em caso parelho, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se a favor de imunidade fiscal a empresa pública, justamente porque sua atividade não implicava o exercício de ativi-dade econômica, mas serviço público de caráter relevante.

rECUrSo EXTrAorDiNário 407.099-5/rSrECorrENTE: EMPrESA BrASiLEirA DE CorrEioS E TELÉGrAFoS

– ECTrECorriDo: MUNiCÍPio DE SÃo BorJAEMENTA: CoNSTiTUCioNAL. TriBUTário. EMPrESA BrASiLEirA DE CorrEioS E TELÉGrAFoS: iMUNiDADE rECÍProCA: CF., art. 150, Vi, a EMPrESA PÚBLiCA QUE EXErCE ATiViDADE ECoNÔMiCA E EMPrE-SA PÚBLiCA PrESTADorA DE SErViÇo PÚBLiCo: DiSTiNÇÃo.i – As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, Vi, aii – r.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido.7

Eros roberto Grau, em estudo percuciente, distingue atividade econômica de ser-viço público, por meio de critérios explícitos e implícitos no texto da Constituição Federal. 8 Para o autor, no artigo 173, a Constituição prevê a possibilidade de o Estado exercer atividade econômica em sentido estrito, devendo observar, para tanto, imperativos da se-gurança nacional ou relevante interesse coletivo. No artigo 170, a Constituição estabelece as diretrizes para o exercício da atividade econômica em sentido amplo, nas quais se incluem os serviços públicos. igualmente, quando a atividade exercida pelo Estado tiver por fim atender ao interesse social e não exatamente ao interesse coletivo, tem-se a presença de ser-viço público.

o ponto central a ser observado é saber se, ao desempenhar atividade econômica em sentido estrito, poderá o Estado prestar serviços públicos a partir da noção de serviço público proposta por Duguit, por meio da qual se tem o serviço público como atividade necessária ao desenvolvimento coeso e interdependente da sociedade.9

7 RE 407.099-5/RS, Rel. Min. Carlos Velloso.8 GRAU, Eros Roberto e GERRA FILHO, Willis Santiago (org.). Constituição e serviço público. In: Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003. pp. 249-267. 9 DUGUIT, Leon. Trate de droit Droit Constitutionnel. 3 ed. t.2. Paris: E. de Boccard, 1928. p. 61 apud GRAU, Eros Roberto, op. cit., p. 267.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

41

observe-se que o alinhamento ao conceito de serviço público proposto pelo trata-dista francês não deriva de mera opção acadêmica ou ideológica. Não existe outro sentido ao que se pode considerar serviço público: ou este corresponde a algo que a sociedade não consegue sobreviver desprovida, porquanto sua ausência compromete o desenvolvimento e manutenção da sociedade, ou se trata de atividade facultativa que pode ou não ser prestada. Ao desempenhar atividade econômica em sentido estrito, ainda que a título de pres-tação de serviço, o Estado, necessariamente, não executa serviço público caracterizado como atividade necessária ao desenvolvimento coeso e interdependente da sociedade. Certamente por isso o § 1º do artigo 173 da Constituição, ao se referir na parte final a prestação de serviços, não a qualifica como prestação de serviços públicos. Diferentemente, o artigo 175 é claro ao se referir a serviço público. A omissão do constituinte quanto ao vocábulo público no artigo 173 não pode ser casual, sob pena de o texto constitucional tornar-se tautológico. Afinal, não haveria nenhuma utilidade em se argumentar que no artigo 173 trata-se de serviço público enquanto atividade econômica desenvolvida pelo Estado; e no artigo 175 falar-se a mesma coisa, apenas acrescentando-se a possibilidade de o serviço público ser delegado a particu-lares. Note-se, porque é relevante, que o artigo 175 também estabelece que o serviço poderá ser prestado diretamente pelo Estado, o que não é mencionado no artigo 173. É evidente que se trata de conceitos e situações diferentes. o artigo 173 versa sobre atividade econômica em sentido estrito; o artigo 175, por sua vez, de serviços públicos, os quais podem ser executados pelo Poder Público por meio dos seus órgãos (prestação direta) ou por terceiros delegados (concessão e permissão). realmente, cuidam-se de disposições diferentes, tanto assim que o artigo 173 da Constituição Federal omite o qualificativo público e fica simplesmente com a locução pres-tação de serviço para tornar claro que o Estado poderá prestar serviços que são inerentes ao setor privado e, neste caso, será atividade econômica em sentido estrito, como afirma Eros roberto Grau.10

retomando-se o ponto central, há que se observar se o serviço de saúde é público ou atividade econômica em sentido estrito que poderá ser exercida pelo Estado na forma do artigo 173 da Constituição Federal. Evidentemente que, senão por razões óbvias, ao menos pelo que dispõe a Constituição Federal nos artigos 196 e 197, as ações e serviços de saúde são, indubitavelmente, atividades necessárias não apenas ao desenvolvimento coeso e interdepen-dente da sociedade, como também é imprescindível à sua manutenção em condições dignas.

10 Constituição e serviço público. In: Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 251.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

42

Daí por que as ações e serviços na área da saúde são serviços públicos. Cumpre salien-tar, entretanto, que o fato de a atividade (serviço) possuir materialidade (substrato) de serviço público, não afasta o particular da possibilidade de executar essa mesma atividade. Por isso a classificação sugerida por Eros roberto Grau de serviço público privativo e não-privativo. 11 Na primeira modalidade, o serviço deverá ser prestado pelo Estado diretamente. Se for conve-niente, a Administração poderá delegá-lo ao particular, o que não desnatura o caráter privati-vo do serviço, porquanto permanece com a titularidade do Poder Público, sendo transferida ao particular somente a execução do serviço. No caso dos serviços públicos não-privativos, na hipótese da prestação do serviço se dar pelo particular, a titularidade do serviço não chega a ser do Poder Público, daí por que, não é caso de delegação do serviço, mas execução deste pela pessoa de direito privado. Compete ao Poder Público, entretanto, autorizar sua prestação ao particular, justamente porque o serviço guarda em sua materialidade a característica essencial de ser necessário ao desenvolvimento coeso e interdependente da sociedade. Assim, quando executado pelo setor privado, o serviço público não-privativo será atividade econômica em sentido estrito. 12 A escolha de ser um serviço público privativo ou não-privativo é feita pela Constituição Federal. Por conseguinte, esses modos-de-ser dos serviços públicos (privativo ou não-privativo) não estão na atividade em si mesma, mas no momento histórico em que se verificam. No caso do serviço de saúde, a Constituição vigente permitiu sua exploração pelo particular (CF, art. 199) independentemente de delegação (concessão ou permissão). Logo não é caso de serviço público privativo, mas o oposto.

Feitas estas considerações, fica evidente que, no caso das empresas públicas que rea-lizam serviços públicos de saúde, o que se tem é a prestação de serviço público não-privativo (serviço de saúde) por empresa pública que, por possuir essa condição, desempenha o serviço no lugar do Estado por razões de conveniência e eficiência administrativas. Verificando-se que a materialidade do serviço de saúde corresponde à característica de coesão e interdependência social a que alude a doutrina de Duguit, outra inferência não se pode ter, a não ser que os Hos-pitais Públicos, vinculados a Universidades Públicas, por exemplo, prestam serviços públicos e não atividade econômica em sentido estrito. Desse modo, sua atuação não corresponde à hipótese do artigo 173 da Constituição Federal, mas a do artigo 197 da mesma Carta.

Em caso semelhante, o TrT 4ª da região, apreciando o tema da impenhorabilida-de de bens do Hospital de Clínicas de Porto Alegre enquanto empresa pública prestadora

11 Em geral, a doutrina chama os serviços privativos e não-privativos de próprios e impróprios. Maria Sylvia Di Pietro alerta para a designação: serviço público exclusivo e não exclusivo, apesar de reconhecer a impropriedade deste último, na medida em que falta um elemento integrante de seu conceito, qual seja, a presença do Estado para poder qualificar o serviço como público. Cf. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanela. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2005. pp. 106-107.12 GRAU, Eros Roberto, op. cit., p. 252.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

43

de serviço público na área de saúde, ao distinguir atividade econômica em sentido estrito (CF, art. 173) de prestação de serviço público (CF, art. 197), decidiu afastar alegação de inconstitucionalidade de Medida Provisória que tornava impenhoráveis os bens do hospi-tal.

TriBUNAL rEGioNAL Do TrABALHo DA 4ª rEGiÃoAC: 06716.006/89-3 APEMENTA: MEDiDA ProViSÓriA. ArGÜiÇÃo iNCiDENTAL DE iN-CoNSTiTUCioNALiDADE. iMPENHorABiLiDADE DE BENS. HoSPi-TAL DE CLÍNiCAS DE PorTo ALEGrE. Não é inconstitucional, por vul-neração do disposto no art. 173, par. 1º, da Constituição, o art. 9º da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31.08.2001, que declara impenhoráveis os bens do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA. Análise da matéria à luz da distinção, firmada na doutrina, entre os serviços públicos que exercem atividade econômica em sentido estrito daqueles que atendem ao interesse social e que, embora podendo desempenhar atividade econômica em sentido amplo, dada a sua constituição sob a forma de empresa pública, não deixam, ainda assim, de possuir a essência de atividade prestada em regime público. Consideração de que o HCPA não desenvolve atividade econômica típica, antes funcionando em claro e ostensivo exercício de serviço público. A interpretação sistemática do conjunto de normas da Constituição permite concluir que está conformada a esse siste-ma a norma jurídica editada com o fim de declarar impenhoráveis os bens de entidade paraestatal que presta serviço público existencial, voltado ao interesse social. observância dos precedentes do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade de norma legal que torna impenhoráveis os bens de ente paraestatal prestador de serviço público típico. Necessidade de adequação da jurisprudência deste Tribunal regional à orientação já pacificada pela Supre-ma Corte na apreciação da matéria. Declaração de inconstitucionalidade que se rejeita. ViSToS e relatados estes autos de AGrAVo DE PETiÇÃo, interposto de de-cisão do Exmo. Juiz da 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, sendo agravante HoSPiTAL DE CLiNiCAS DE PorTo ALEGrE e agravada ViLMA MAriA FiGUErÓ DA FoNToUrA. [grifamos]

Apesar de não ter julgado matéria exatamente tributária, o aresto transcrito demons-trou que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ainda que seja empresa pública, não se vincu-la às restrições do artigo 173 da Constituição Federal, justamente em razão dos serviços que presta e não pelo critério formal de sua constituição jurídica.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

44

É judicioso admitir que a proteção à tributação sobre renda, patrimônio e prestação de serviços das empresas estatais prestadoras de serviços públicos decorre da interpretação sistemática da Constituição, com base nos artigos 150, Vi, c combinado com art. 173 e 175.

3. Ponderações acerca da isenção ao pagamento das contribuições previdenciárias para prestadoras de serviços públicos

A locução tributos federais, habitualmente utilizada para conceder isenções de tribu-tos de competência da União, além dos impostos, taxas, contribuições de melhoria e emprés-timos compulsórios, poderá englobar as contribuições federais, quais sejam, contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais e econômicas (CF, art. 149).

o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do rE n. 146733-9/SP, rel. Min. Moreira Alves, pacificou que as contribuições, inclusive as destinadas ao custeio da se-guridade social (CF, art. 195) são espécies do gênero tributo:

rECUrSo EXTrAorDiNário N° 146733-9/SPrel. Min. Moreira AlvesrECorrENTE: UNiÃo FEDErALrECorriDA: ViAÇÃo NASSEr S.A

Ementa: Contribuição Social sobre o Lucro das pessoas jurídicas. Lei 7689/88.Não é inconstitucional a instituição da contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas, cuja natureza é tributária. Constitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei 7689/88. refutação dos diferentes argumentos co que se pretende sustentar a inconstitucionalidade desses dispositivos legais.Ao determinar, porém, o artigo 8º da Lei 7689/88 que a contribuição em causa já seria devida a partir do lucro apurado no período-base a ser encerrado em 31 de dezembro de 1988, violou ele o princípio da irretroatividade contido no arti-go 150, iii, “a”, da Constituição Federal, que proíbe que a lei que institui tributo tenha, como fato gerador deste, fato ocorrido antes do início da vigência dela. recurso extraordinário conhecido com base na letra “b” do inciso iii do artigo 102 da Constituição Federal, mas a que se nega provimento porque o mondado de segurança foi concedido para impedir a cobrança das parcelas da contri-buição social cujo fato gerador seria o lucro apurado no período-base que se encerrou em 31 de dezembro de 1988. Declaração de inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei 7689/88.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

4�

...................................................................................................................................Sendo, pois, a contribuição instituída pela Lei 7.689/88 verdadeiramente con-tribuição destinada ao financiamento da seguridade social, com base no inciso i do artigo 195 da Carta Magna, segue-se a questão de saber se essa contribuição tem, ou não, natureza tributária em face dos textos constitucionais em vigor. Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida em manifestar-me afirmati-vamente. De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas. No tocante às contribuições sociais – que dessas duas modalidades tributárias é a que interessa para este julgamento –, não só as referidas no artigo 149 – que se subordina ao capítulo concernente ao sistema tributário nacional – têm natureza tributária, como re-sulta, igualmente, da observância que devem ao disposto nos artigos 146, iii, e 150, i e iii, mas também as relativas à seguridade social previstas no artigo 195, que pertence ao título “Da ordem social”. Por terem esta natureza tributária é que o artigo 149, que determina que as contribuições sociais observem o inciso iii do artigo 150 (cuja letra b consagra o princípio da anterioridade) exclui dessa observância as contribuições para a seguridade social previstas no artigo 195, em conformidade com o disposto no par. 6º deste dispositivo, que, aliás, em seu par. 4º, ao admitir a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, determina se obedeça ao dis-posto no art. 154, i, norma tributária, o que reforça o entendimento favorável á natureza tributária dessas contribuições sociais. Deve-se considerar, entre-tanto, que a norma prevista no artigo 15 da lei em referência é concessiva de isenção. A isenção, como modalidade de exclusão do crédito tributário (CTN, art. 175), depende de critérios estabelecidos pelo legislador. [grifamos]

Assim, cabe ao Código Tributário Nacional estabelecer “normas gerais” em matéria tributária, o que inclui as isenções. As normas gerais não podem, com efeito, distender o que a lei específica restringir.

De acordo com a Constituição Federal em vigor, o artigo 195, § 7º concede imunida-de ao pagamento de contribuições ao custeio da seguridade social às instituições de assistên-cia social que atenderem aos requisitos definidos em lei.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

46

Como se sabe, boa parte da tributação destinada à seguridade social, cobrada das empresas, tem por fato gerador e base de cálculo a receita destes entes. As contribuições que incidem sobre a receita das pessoas jurídicas, são, notadamente, as contribuições ao PiS e a CoFiNS, regulamentadas pelas Leis 9.718/98, 10.637/2002 e 10.833/2003. Além dessas, tam-bém se conhece a incidência de contribuições sobre a remuneração paga a terceiros, as quais estão previstas no artigo 22, iii e iV da Lei 8.212/1991.

No caso das companhias estatais que prestam serviços públicos o objetivo de eventual desoneração dessas contribuições sociais é, evidentemente, propiciar a elevação dos resulta-dos operacionais da entidade, de modo a ensejar maior mobilidade financeira para investi-mentos nas finalidades essenciais da instituição.

Apesar de o artigo 195, § 7º, da Constituição Federal, ter se referido ao direito de isenção das contribuições à seguridade pelas entidades de assistência social, existe consenso na jurisprudência do STF de que a norma constitucional que concede favor fiscal o faz por meio de imunidade, como ficou pacificado no rMS 22192/DF, rel. Min. Celso de Melo.

EMENTA: MANDADo DE SEGUrANÇA - CoNTriBUiÇÃo PrEViDEN-CiáriA - QUoTA PATroNAL - ENTiDADE DE FiNS ASSiSTENCiAiS, FiLANTrÓPiCoS E EDUCACioNAiS - iMUNiDADE (CF, ArT. 195, § 7º) - rECUrSo CoNHECiDo E ProViDo. - A Associação Paulista da igreja Ad-ventista do Sétimo Dia, por qualificar-se como entidade beneficente de assistên-cia social - e por também atender, de modo integral, as exigências estabelecidas em lei - tem direito irrecusável ao benefício extraordinário da imunidade subje-tiva relativa às contribuições pertinentes à seguridade social. - A cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política - não obstante referir-se impropriamente à isen-ção de contribuição para a seguridade social -, contemplou as entidades beneficen-tes de assistência social, com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei. A jurisprudência constitucio-nal do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imuni-dade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedente: RTJ 137/965. - Tratando-se de imunidade - que decorre, em função de sua natureza mesma, do próprio texto constitucional -, revela-se evidente a absoluta impossibilidade jurídica de a autoridade executiva, mediante deliberação de índole administrativa, restringir a eficácia do preceito inscrito no art. 195, § 7º, da Carta Política, para, em função de exegese que cla-ramente distorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar,

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

47

à entidade beneficente de assistência social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado no mais elevado plano normativo. [grifamos]

Daí por que é lícito admitir que o § 7º do artigo 195 da Constituição Federal previu imunidade das instituições que menciona à obrigação de pagar contribuições à seguridade social, devendo a lei regular a extensão do exercício desse direito.

o artigo 55 da Lei 8.212/1991 estabelece as condições aludidas no texto da Consti-tuição, como se vê:

Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: (Vide Lei nº 9.429, de 26.12.1996)i - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal;ii - seja portadora do Certificado e do registro de Entidade de Fins Filantrópi-cos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; (redação dada pela Lei nº 9.429, de 26.12.1996) (Vide Medida Provisória nº 2.187-13, de 24.8.2001)iii - promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social bene-ficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e porta-dores de deficiência; (redação dada pela Lei nº 9.732, de 11.12.98) iV - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou ben-feitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer tí-tulo;V - aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente ao órgão do iNSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades. (redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)§ 1º ressalvados os direitos adquiridos, a isenção de que trata este artigo será requerida ao instituto Nacional do Seguro Social-iNSS, que terá o prazo de 30 (trinta) dias para despachar o pedido.§ 2º A isenção de que trata este artigo não abrange empresa ou entidade que, tendo personalidade jurídica própria, seja mantida por outra que esteja no exercício da isenção.§ 3º Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar. (incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

48

§ 4º o instituto Nacional do Seguro Social - iNSS cancelará a isenção se ve-rificado o descumprimento do disposto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)§ 5º Considera-se também de assistência social beneficente, para os fins deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento. (Incluído pela Lei nº 9.732, de 11.12.98)

Para a efetividade do benefício a essa imunidade, a entidade deverá voltar sua atua-ção ao segmento da assistência social para atender à determinação constitucional.

Não é comum o Estado constituir empresa pública ou sociedade de economia mista para desenvolver esse tipo de atividade. Na área da saúde, entretanto, existem exemplos de empresas públicas que atendem tanto ao SUS quanto a demandas particulares. Assim, obtêm receitas pagas por ambas as fontes.

Pelo critério da finalidade, não é difícil concluir que um hospital público, ainda que constituído na forma de empresa pública, desempenhe atividade de assistência social, uma vez que o conceito decorrente dessa locução não pode se restringir a um aspecto isolado de amparo à pessoa em situação vulnerabilidade social. A interpretação sistemática do artigo 195, § 7º da Constituição Federal leva à conclusão de que entidade beneficente de assistência social é toda aquela que entregar à sociedade bens sociais que o Estado poderia fazê-lo como instrumento de alcance do bem-estar de todos. A saúde, inegavelmente, é um bem social, tan-to que o capítulo da Constituição Federal que disciplina essa matéria pertence ao Título Viii, que trata da “ordem social”.

Seguindo esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que o Hospital de Clínicas de Porto Alegre, empresa pública criada pela Lei 5.604/1970 está enquadrado nos conceitos de instituição educacional e de assistência social, fazendo jus aos benefícios dos arts. 150, Vi, c e 195, §7º, ambos da Constituição Federal.

rECUrSo ESPECiAL N° 273.135/rSrel. Min. José DelgadoTriBUTário. iPi E ii. EQUiPAMENToS HoSPiTALArES. iSENÇÃo. HoSPiTAL DE CLÍNiCAS DE PorTo ALEGrE. EMPrESA PÚBLiCA. LEi Nº 5.604/70, rEVoGADA PELo DECrETo-LEi Nº 1.726/79. EXCEÇÃo À ATiViDADES CiENTÍFiCAS, EDUCACioNAL E DE ASSiSTÊNCiA So-CiAL. PrECEDENTES.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

49

1. recurso Especial interposto contra v. Acórdão segundo o qual o Decreto-Lei nº 1.726/79, ao revogar as isenções concedidas às importações realizadas por entidades da Administração indireta Federal, Estadual e Municipal, excepcio-nou as operações de importação realizadas por instituições científicas, educa-cionais e de assistência social, o que abrangeria o Hospital de Clínicas de Porto Alegre. [grifamos](...)7. recurso especial improvido.

Desde que a companhia estatal preencha todos os requisitos estabelecidos pelo ar-tigo 55 da Lei 8.212/1991, não haverá empecilho jurídico para que usufrua a imunidade fiscal.

isso ocorrendo, não se pode chegar a outra conclusão, senão a de que os hospitais públicos constituídos como empresas públicas gozam também de imunidade ao recolhimento de contribuições sociais destinadas à seguridade social, o que inclui: a) contribuição patronal (CF, art, 195, “a” e art. 22, i e ii da Lei 8.212/1991); b) contribuição ao Programa de Integração Social – PiS (CF, art. 239, Lei 9.718/1998 e Lei 10.637/2002); c) contribuição para o Financia-mento da Seguridade Social – CoFiNS (CF, art. 195, i, “b”, Lei 9.718/1998 e Lei 10.833/2003); d) contribuição Social sobre o Lucro – CSL (CF, art. 195, i, “c” e Lei 7.689/1988); e) contribuição sobre a remuneração de terceiros (CF, art. 195, i “a” e art. 22, iii e iV da lei 8.212/1991; f) con-tribuição social sobre importação de produtos estrangeiros e serviços (CF, art. 149, § 2º , ii e arts. 2º, Vi e art. 10 da Lei 10.865/2004). 4. O alcance do direito a benefícios tributários para empresas estatais prestadoras de serviço público

A lei que autoriza a criação de empresa estatal pode prever que a entidade fique isenta do pagamento de “tributos federais”. Essa locução deve ser contextualizada. Antes da Constituição Federal vigente, tomando-se por base a Carta anterior (1967 e a EC n 1 de 1969), consideravam-se espécies tributárias as que estavam definidas no artigo 5º do Código Tribu-tário Nacional, quais sejam, impostos, taxas e contribuições de melhoria.

o empréstimo compulsório, apesar de constar do texto constitucional revogado (CF/1967, art. 21, § 2º, ii), não era classificado, exatamente, como espécie tributária, porquanto possuía – como ainda possui – a característica da devolução em espécie, o que gera polêmicas na seara das finanças públicas, pois pode não ser caracterizado como receita.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

�0

As contribuições também estiveram presentes na Constituição passada, tanto as destinadas ao custeio dos direitos sociais do trabalhador (CF/1967, art. 43, X) quanto as de intervenção no domínio econômico e corporativas (CF/1967, art. 22, § 2º, i).

Com lastro naqueles dispositivos, leis específicas podiam conferir isenções tributá-rias a diversas empresas estatais voltadas à prestação de serviços públicos. Como não havia dispositivo parelho ao artigo 173, § 1º, ii da atual Constituição na Carta revogada, o benefício fiscal outorgado às estatais convivia em objetiva harmonia com o ordenamento jurídico da época.

o advento da Constituição Federal de 1988 tornou o assunto controvertido, por-quanto há um número considerável de sociedades estatais que gozavam de isenções de tri-butos federais (impostos e contribuições em regra). igualmente, poderiam ser agraciadas também com isenções de tributos estaduais e municipais, caso houvesse relevante interesse social ou econômico nacional (CF/1967, art. 21, § 2º). Quanto a este último aspecto, tem-se que tais leis não foram recepcionadas. o artigo 151, iii, da Constituição em vigor veda que a União possa estabelecer isenções de tributos da competência dos demais entes federa-dos.

Por outro lado, ao igualar, no inciso ii do § 1º do artigo 173 o regime jurídico das empresas estatais ao regime do direito comum, a Constituição de 1988 não pretendeu, exa-tamente, confundir atividade econômica com serviços públicos. Cabe o exame concreto de quando se verifica uma ou outra atividade desenvolvida pelo ente. o fato de a Constituição Federal de 1988 ter previsto que a Lei estabeleceria o esta-tuto jurídico das empresas estatais sujeitando-as ao mesmo regime tributário das empresas particulares, não pode levar ao entendimento de que a Constituição não teria recebido as leis que concederam isenções às estatais. Consoante o dispositivo:

Art. 173. ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

�1

ii - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) [grifamos]

o artigo 173 da Constituição Federal não deve ser submetido a simples interpretação literal, sob pena de se distorcer a lógica que permitiu ao Constituinte ter incluído esse dis-positivo na Constituição. É necessário, conforme já se alertou, examinar o tipo de atividade exercido, se tal se encaixa na noção de serviço público como elemento de interdependência social, ou se é mera atividade econômica.

Daí a conclusão inevitável, nessa linha de argumentos, de que se a legislação in-fraconstitucional isentar a empresa do pagamento de tributos não ocorrerá incompatibi-lidade com a Constituição vigente, porquanto a empresa estatal beneficiária estará fora do alcance da norma do artigo 173 da Constituição. Além disso, ressalte-se, que a isenção a ser concedida pelo legislador poderá ser ampla, abrangendo, inclusive, qualquer espécie tributária.

�. A adequada exegese da vedação a privilégios fiscais para companhias estatais prestado-ras de serviços públicos não extensíveis ao setor privado

Não se ignora o fato de que se pode alegar a paridade de regimes entre estatais e empresas particulares com supedâneo no § 2º do artigo 173 da Constituição da república, que prescreve: as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

É evidente que a análise desse dispositivo depende da interseção dele com o § 1º do próprio artigo 173. o parágrafo em questão vincula as entidades que menciona (empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias) à exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços.

Com lastro no que já se articulou, a locução prestação de serviços (sem o qualificativo público) está associada à atividade econômica em sentido estrito, qual seja, aquela atinente ao mercado no qual os interesses não se atrelam à noção de interdependência dos indivíduos que integram a sociedade. Daí por que, ao desempenhar atividade econômica por meio de entidades estatais que se dedicam à comercialização de bens ou prestação de serviços, o Estado comparece no domínio econômico como se fosse o particular. No fim, o Poder Público utiliza sua condição privilegiada de detentor da geração de capital e da produção de normas jurídicas oficiais para ingressar em seara que não lhe é própria. Deverá, nesse caso, ter atuação excepcional.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

�2

isso não deve ser confundido com a prestação de serviços públicos, máxime por-que estes se subsumem a verificação de interdependência do todo que compõe a socie-dade. Noutras palavras, algumas atividades desenvolvidas pelo Estado têm caráter com-pulsório, sob pena de comprometer seu desenvolvimento coeso. A falta de determinados serviços, quer por desinteresse do setor privado em sua prestação, quer por incúria do Poder Público, obriga o indivíduo a criar alternativas de solução da carência que podem privar terceiros dessa mesma solução, ou, o que é pior, a solução empregada por uns pro-picia o prejuízo de outros. Com isso se tem um obstáculo ao desenvolvimento coeso da sociedade.

É o que ocorre, por exemplo, com os serviços de saneamento básico, limpeza pú-blica, saúde, educação ou transporte coletivo. A solução privada de esgotamento sanitário, por exemplo, diante da omissão da prestação do serviço público, normalmente implica no despejo de dejetos em locais usufruídos por outros. A prática de socialização das perdas não contribui, obviamente, para o desenvolvimento coeso da sociedade. o mesmo se diga sobre limpeza pública, a retirada de resíduos sólidos pelo particular em local por ele determinado, não implica na limpeza do ambiente em sua necessária totalidade, o que priva terceiros desse benefício. os casos de saúde e educação são emblemáticos, porquanto tratam de bens de aces-so ao desenvolvimento social em bases isonômicas. o fornecimento parcial desses bens por ausência de sua prestação para todos propicia efeitos que comprometem a convivência har-moniosa entre os integrantes da sociedade. isso porque, em condições de higidez e detentora de conhecimentos específicos, a pessoa terá, provavelmente, melhor desempenho econômico em relação a que ficou desprovida desses bens.

os exemplos dados, apesar de evidentes, servem para reforçar o argumento de que a prestação de serviços públicos se distingue do oferecimento de serviços como atividade pri-vada específica, porquanto, naquele caso, a ausência do serviço leva a prejuízos vividos por todos, direta ou indiretamente; a falta do serviço nesta última situação, privará de seu forne-cimento somente o interessado.

Por essa lógica, observa-se que não é conveniente que o intérprete confunda as lo-cuções empregadas pela Constituição. Serviço público deve ser executado em regime de di-reito público, salvo os casos de concessão em que pode pairar certo hibridismo de regimes. A prestação de serviços como instrumento de intervenção do Estado no domínio econômico congrega outras espécies de prestações, as quais devem ser examinadas à luz da técnica re-sidual ou de exclusão dos conceitos. Primeiramente, cabe ao exegeta observar se a prestação executada se insere nas características de interdependência. Não se verificando essa hipótese, é caso de prestação de serviço comum.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

�3

Todo o artigo 173, consequentemente, presta-se a regular a presença do Poder Pú-blico no segmento privado, que não é exclusivo dos particulares. igualmente, a prestação de serviços reservada ao Estado não é privativa deste, podendo ser compartilhada com o setor privado, desde que tenha interesse. Eventuais isenções fiscais ao particular que atuar na seara da prestação de serviços públicos é medida de política fiscal a cargo do Legislador.

Quanto às companhias estatais que prestam serviços públicos, os benefícios fis-cais são os determinados pela Constituição a título de imunidade, quando o campo de atuação for a educação e assistência social, incluindo-se nesta última a atividade de saúde (CF, art. 150, Vi, c). Nos demais campos de atuação, os favores fiscais deverão ser outor-gados pela lei.

Diferentemente da atuação de entes estatais no setor produtivo, no caso da prestação de serviços públicos executados também por particulares, não haverá choque de legalidade na hipótese de uma companhia estatal possuir benefícios fiscais concedidos por lei e a empresa particular não contar com o mesmo favor tributário.

A regra do § 2º do artigo 173 da Constituição é dirigida para a prestação de serviços comuns que pode ser desempenhada pelo Poder Público em regime de direito privado. Nesses casos, não poderá haver diferença de tratamento tributário entre as empresas governamentais e as dos particulares. A outorga de benefícios fiscais para empresas públicas e sociedades de economia mista não extensíveis ao setor privado, quando o Estado estiver desempenhando atividade econômica em sentido estrito, implicará situação de desigualdade em relação à em-presa particular em segmento que é próprio do regime privado. Na essência, ficará evidente a disputa desleal de mercado entre Poder Público e particular, devendo aquele, possivelmente, lograr mais vantagens dessa situação.

Na hipótese inversa, isto é, a inserção do particular no segmento da prestação de serviços públicos, dá-se não exatamente pela lógica da disputa de mercado, mas pelo compar-tilhamento de atuações. observe-se, consoante se alertou no item anterior, há duas maneiras de o setor privado atuar no campo reservado à prestação de serviços públicos. o primeiro é através das concessões e permissões de serviço público. Nessas hipóteses, o Estado abre mão da execução direta do serviço preferindo transferi-lo ao particular. A outra forma tem a ver com os serviços não-privativos. Nesses casos, apesar de o setor privado poder prestar serviço ontologicamente público, na media em que assume essa execução, tem-se o desempenho de mera atividade econômica. Caso o Estado, por intermédio de companhias estatais, resolva também atuar nesse tipo de prestação, como ocorre com a prestação do serviço público de saúde através de hospitais (empresas públicas), trata-se de serviço público e não de atividade

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

�4

econômica. Para desempenhar atividade econômica o Estado tem que intervir no domínio econômico por meio de suas empresas (CF, art. 173). É o caso, portanto, da situação prevista no § 2º do artigo 173 da Constituição Federal, pois que, nessa hipótese, o Poder Público, por meio de companhias estatais decide desempenhar atividade econômica em sentido estrito, o que pode se dar através da prestação de serviços (privados).

Ainda que se possa argumentar que as leis que concederam isenções às estatais antes da Constituição vigente não tenham sido recepcionadas, essa asserção cai por terra quan-do se examina que o regime tributário das empresas estatais prestadoras de serviço público não pode ser o mesmo das empresas prestadoras de serviços sob a tutela do regime privado. Assim, ao legislador é lícito estabelecer regime tributário favorecido às companhias estatais prestadoras de serviços públicos, mesmo que igual benefício não seja concedido às empresas particulares.

6. Conclusão

A partir dos fundamentos apresentados, infere-se que as entidades estatais de eco-nomia mista, empresas públicas e subsidiárias, quando prestadoras de serviços públicos de saúde ou de atividades de assistência social são imunes aos impostos a que se refere o artigo 150 caput da Constituição Federal. Do mesmo modo, tais entes também estão protegidos à tributação por meio de contribuições sociais, ante a imunidade do artigo 195, § 7º da Carta Política.

Entende-se por serviço público a atividade caracterizada por elemento material que demonstre necessária relação de interdependência entre os usuários, sem a qual não se al-cança o desenvolvimento coeso da sociedade. Atividade econômica, por sua vez, é atuação no mercado privado de oferta de produtos ou serviços, com pretensão de lucro por parte de quem vende ou executa serviços, sem relação de interdependência entre todos os integrantes da sociedade. o inter-relacionamento dos agentes do mercado, por sua vez, dá-se apenas en-tre os integrantes das relações de troca daqueles bens. Por não desempenharem atividade econômica típica do setor privado, as empre-sas estatais quando prestadoras de serviços públicos não se sujeitam às normas estabeleci-das no artigo 173 da Constituição Federal, as quais igualam a empresa estatal ao regime jurídico comum das empresas particulares, em especial no que tange às obrigações tri-butárias. Somente estarão sujeitas ao regime tributário das empresas comuns, as estatais que desempenharem atividade econômica como instrumento de intervenção no domínio econômico.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

��

As isenções tributárias eventualmente outorgadas em favor de companhias estatais antes da Constituição vigente foram recepcionadas, conclusão que não se aplica aos casos de isenções cometidas por leis federais a tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Município, por força do artigo 151, iii da Carta Magna.

Não estando abrangidas pelo artigo 173 da Constituição Federal, e por prestarem serviços públicos, eventual receita decorrente das atividades executadas pelas empresas estatais é isenta de tributos federais, desde que exista previsão legal específica. Por tributos federais entendem-se os impostos insertos no artigo 153, taxas a que alude o artigo 145, ii, as contri-buições de melhoria do artigo 145, iii, empréstimos compulsórios referidos nos artigos 148, i e ii, as contribuições dispostas no artigo 149 e as contribuições para a seguridade social inseridas no artigo 195, todos da Constituição da república.

7. Referências

DUGUiT, Leon. Trate de droit Droit Constitutionnel. 3ª ed. t.2. Paris: E. de Boccard, 1928.

GrAU, Eros roberto. GErrA FiLHo, Willis Santiago (org.). Constituição e serviço público. in: Direito constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 249-267.

MArTiNS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social: custeio da seguridade social, benefí-cios, acidente do trabalho, assistência social e saúde. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 486.

MELLo. Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. pp. 655-656.

NUSDEo, Fabio. Curso de economia. 4ª ed. São Paulo: rT, 2005. pp. 269-270.

PiETro, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 96.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

�7

A RESPONSABILIDADE CIvIL DO ESTADO POR ATOS OMISSIvOS E O ATUAL

ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ewerton Marcus de Oliveira GóisAdvogado da União

Sumário: 1. introdução. 2. responsabilidade do Estado por atos omissivos. 3. Tra-tamento jurisprudencial da matéria no âmbito do Supremo Tribunal Federal. 4. Conclusão.

1. Introdução

impende registrar, desde já, que é dever do Estado ressarcir as vítimas atingidas por suas eventuais condutas danosas, pois sujeito está ao ordenamento jurídico, na qualidade de pessoa jurídica de direito público. Assim, a lesão aos bens jurídicos de terceiros enseja ao Estado, quando autor do dano, a obrigação de repa-rá-lo, sendo irrelevante perquirir a regularidade ou não de sua atuação.

A responsabilidade do Estado ou responsabilidade da Administração Pú-blica, conforme a denominação de parte da doutrina, encontra guarida constitu-cional, em especial, na disposição do art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988. Entendemos mais acertada a denominação responsabilidade do Estado, porquanto ainda que na maioria das vezes o Estado responda por sua atuação administrativa, por atos da Administração, do Poder Executivo, casos há em que haverá sua res-ponsabilização por atos judiciais e legislativos. Conforme salientado, mister trazer à colação a dicção do art. 37, da CF/88:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

�8

publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (redação da EC n. 19/98)[...];§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualida-de, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Da percuciente análise do supracitado artigo, percebe-se a matiz objetiva da res-ponsabilidade estatal, pelo que prescinde da análise do elemento subjetivo, qual seja, a culpa lato sensu, aqui incluída a atuação dolosa. Destarte, vital apenas a identificação da seguinte tríade: dano, ação administrativa e o nexo causal entre o dano e ação administra-tiva.

Pois bem, responderá o Estado somente quando do exercício de sua atividade admi-nistrativa, presente a relação de causa e efeito entre a atividade do agente público e o dano. Dessume-se, pois, a adoção da teoria do risco administrativo, porquanto o Estado não respon-derá nos casos de exclusão do nexo causal, como por exemplo, quando o dano tiver origem no caso fortuito ou força maior, decorrer de fato de terceiro ou de fato exclusivo da vítima. Percebe-se, assim, que não foi adotada a teoria do risco integral, onde a Administração não pode alegar qualquer dos excludentes de responsabilidade.

De sublinhar que os dois elementos da responsabilidade objetiva são a atividade de risco que causa um dano e um nexo causal entre aquela atividade de risco e o dano. Note-se que no Brasil existem várias espécies de teoria do risco: risco criado, risco proveito, risco integral, risco social e risco administrativo, esta concernente à responsabilidade civil do Estado.

2. Responsabilidade do Estado por atos omissivos

Assentadas essas premissas, infere-se, sem a menor dúvida, que concernente às ações comissivas do Estado, este responderá objetivamente. De outra sorte, a matéria não é pacífica quando se tratar de atos omissivos estatais, encontrando-se posicionamentos divergentes na doutrina e na jurisprudência.

Um dos pontos nodais na discussão acerca da responsabilidade por atos omissivos consiste em saber se o verbo “causarem” expresso no art. 37, 6º, da CF/88, abarca, também, as condutas omissivas, ou se só diz respeito aos atos comissivos. Neste caso a responsabilidade objetiva só atingiria estes atos.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

�9

A teoria da responsabilidade subjetiva por atos omissivos, capitaneada por Celso Antônio Bandeira de Mello, seguindo os ensinamentos de seu pai oswaldo Aranha Bandeira de Mello, ladeado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho, dentre outros, sustenta, ressalvadas pequenas variações de pensamentos, que a omissão estatal não é causa do resultado danoso, mas sim sua condição, pelo que para haver a responsabilização do Estado por sua conduta omissiva imprescindível a análise do elemento subjetivo.

Destarte, o Estado não seria, propriamente, o autor do dano. Sua omissão ou defici-ência constituiria condição do dano, esta considerada como um evento que não ocorreu, mas se tivesse ocorrido seria capaz de impedir o resultado. Argumenta-se que não seria razoável o Estado responder objetivamente por um dano que, a rigor, não causou, mas apenas não atuou no sentido de impedi-lo. Segundo os defensores da teoria subjetiva, nas condutas omissivas o Estado respon-derá subjetivamente com fundamento na teoria da culpa do serviço, ou faute du service, como denominada pelos franceses. A culpa do serviço, falta do serviço ou, simplesmente, culpa anônima da administração estará caracterizada em três situações, a saber: a ausência do ser-viço, o serviço defeituoso ou o serviço demorado.

Nesse particular, destaca-se a precisa lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o ser-viço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a te-oria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser o autor do dano. E se não foi o autor, só pode responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo. Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimen-to danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmen-te as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado que não seja proveniente de negligência, imprudência ou im-perícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o cons-tituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente modalidades de responsabilidade subjetiva. 1

1 MELLo, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. pp. 976-977.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

60

Segundo o renomado autor, para a configuração da responsabilidade estatal por atos omissivos não basta a simples relação entre a ausência do serviço e o dano sofrido. É impres-cindível que o Estado tenha agido com culpa, nas modalidades negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo com dolo. É necessário que haja uma imposição legal para a atuação do Poder Público naquela situação. Deve haver a obrigação jurídica de impedir o dano. E não tendo agido ou o fazendo deficientemente, incidirá em uma conduta ilícita, pelo que respon-derá por sua culpa lato sensu.

Temperamentos a essa teoria são ofertados por Sérgio Cavalieri Filho, discorrendo sobre a necessidade de se fazer uma distinção entre a omissão genérica e a omissão específica. Aduz que na omissão genérica responderá subjetivamente o Estado. De outra sorte, nos casos de omissão específica, quando a inércia administrativa é causa direta e imediata do não-im-pedimento do evento, deverá incidir a responsabilidade objetiva, pelo que, neste caso, haverá o dever individualizado de agir do Estado.

o insigne autor traz como exemplo a situação de um veículo sem condições normais de trânsito que causa um acidente por defeito de freio ou falta de luz traseira. Sustenta que a Ad-ministração não pode ser responsabilizada pelo fato desse veículo ainda estar circulando, o que seria uma omissão genérica. Nada obstante acaso o mesmo veículo tivesse sido liberado numa vistoria, haveria a omissão específica e conseqüente responsabilização objetiva do Estado. 2

Também, como exemplos trazidos pela doutrina e corroborados pela jurisprudência acerca da omissão específica encontram-se os casos de morte de detento em penitenciária e acidente com aluno em escola pública.

Noutro pólo, parte da doutrina afirma que a responsabilidade do Estado será sem-pre objetiva, ainda no que tange aos atos omissivos, sob o pálio da isonomia e da busca de igualdade de todos frente aos ônus do Estado. Aqui, encontramos Hely Lopes Meirelles, Celso ribeiro Bastos, Yussef Said Cahali, entre outros. Para esses autores, a Constituição Federal não fez qualquer ressalva ao artigo 37, § 6º, quando da utilização do verbo “causarem”, pelo que indissociável, também, das condutas omissivas. Aduzem, ademais, que entender o con-trário vai de encontro à evolução da responsabilidade civil do Estado tendente à objetivação, configurando um verdadeiro e inaceitável retrocesso.

Na mesma trilha, seguem rechaçando os demais argumentos da Teoria Subjetiva da responsabilidade por atos omissivos, afirmando que a conduta omissiva é, também, do ponto

2 CAVALiEri FiLHo, Sérgio. Programa de responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003. p.248.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

61

de vista jurídico, causa do dano e não apenas sua condução. Salientam, ademais, que a condu-ta omissiva é sempre contrária à lei, e em face de sua gravidade necessária a responsabilização objetiva do Estado, porquanto imperiosa à manutenção da ordem pública e da paz social.

3. Tratamento Jurisprudencial da matéria no âmbito do Supremo Tribunal Federal No que toca ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca do tema em liça, impende registrar, inicialmente, a atual composição de suas turmas. A primeira turma é formada pelos Ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio, Carlos Britto, ricardo Lewan-dowski e Carmén Lúcia, enquanto que a segunda turma é composta pelos Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau. A presidência do Supre-mo é ocupada pela Ministra Ellen Gracie.

Do repositório de jurisprudência abaixo colacionado é possível assegurar o posi-cionamento unânime da 2ª Turma no sentido de que a responsabilidade civil do Estado será objetiva, também, no que concerne aos atos omissivos. Veja-se:

E M E N T A: rESPoNSABiLiDADE CiViL Do PoDEr PÚBLiCo – PrES-SUPoSToS PriMárioS QUE DETErMiNAM A rESPoNSABiLiDADE CiViL oBJETiVA Do ESTADo - o NEXo DE CAUSALiDADE MATEriAL CoMo rEQUiSiTo iNDiSPENSáVEL À CoNFiGUrAÇÃo Do DEVEr ESTATAL DE rEPArAr o DANo - NÃo-CoMProVAÇÃo, PELA PArTE rECorrENTE, Do VÍNCULo CAUSAL - rECoNHECiMENTo DE SUA iNEXiSTÊNCiA, NA ESPÉCiE, PELAS iNSTÂNCiAS orDiNáriAS - So-BErANiA DESSE ProNUNCiAMENTo JUriSDiCioNAL EM MATÉriA FáTiCo-ProBATÓriA - iNViABiLiDADE DA DiSCUSSÃo, EM SEDE rECUrSAL EXTrAorDiNáriA, DA EXiSTÊNCiA Do NEXo CAUSAL - iMPoSSiBiLiDADE DE rEEXAME DE MATÉriA FáTiCo-ProBATÓriA (SÚMULA 279/STF) - rECUrSo DE AGrAVo iMProViDo.- os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabi-lidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa ex-cludente da responsabilidade estatal.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

62

Precedentes.- o dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos (rTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamen-to do agente e o “eventus damni”, sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido.- A comprovação da relação de causalidade - qualquer que seja a teoria que lhe dê suporte doutrinário (teoria da equivalência das condições, teoria da causa-lidade necessária ou teoria da causalidade adequada) - revela-se essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, pois, sem tal demonstração, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelo ofendido.Doutrina. Precedentes.- Não se revela processualmente lícito reexaminar matéria fático-probatória em sede de recurso extraordinário (rTJ 161/992 - rTJ 186/703 - Súmula 279/STF), prevalecendo, nesse domínio, o caráter soberano do pronunciamento jurisdi-cional dos Tribunais ordinários sobre matéria de fato e de prova. Preceden-tes.- Ausência, na espécie, de demonstração inequívoca, mediante prova idônea, da efetiva ocorrência dos prejuízos alegadamente sofridos pela parte recorren-te. Não-comprovação do vínculo causal registrada pelas instâncias ordinárias.(STF, rE-Agr 481110, rel. Ministro Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 09/03/2007) Votação unânime, ausente justificadamente o Senhor Ministro Joaquim Bar-bosa)

EMENTA: rESPoNSABiLiDADE CiViL Do ESTADo. ArT. 37, § 6º DA CoNSTiTUiÇÃo FEDErAL. FAUTE DU SErViCE PUBLiC CArACTEri-ZADA. ESTUPro CoMETiDo Por PrESiDiário, FUGiTiVo CoNTU-MAZ, NÃo SUBMETiDo À rEGrESSÃo DE rEGiME PriSioNAL CoMo MANDA A LEi. CoNFiGUrAÇÃo Do NEXo DE CAUSALiDADE. rE-CUrSo EXTrAorDiNário DESProViDo.impõe-se a responsabilização do Estado quando um condenado submetido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie. Tal omissão do Estado consti-tuiu, na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

63

Está configurado o nexo de causalidade, uma vez que se a lei de execução penal tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria continuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por conseguinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o bárbaro crime de estupro.recurso extraordinário desprovido.(STF, rE 409203, rel. para o Acórdão: Ministro Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ 20/04/2007)

EMENTA: Ação rescisória. 2. Ação de reparação de Danos. Assalto cometido por fugitivo de prisão estadual. responsabilidade objetiva do Estado. 3. re-curso extraordinário do Estado provido. inexistência de nexo de causalidade entre o assalto e a omissão da autoridade pública que teria possibilitado a fuga de presidiário, o qual, mais tarde, veio a integrar a quadrilha que praticou o delito, cerca de vinte e um meses após a evasão. 4. inocorrência de erro de fato. interpretação diversa quanto aos fatos e provas da causa. 5. Ação rescisória improcedente(STF, Ar 1376, rel. Ministro Gilmar Mendes, Plenário, DJ 22/09/2006)

oBS: DECiSÃo: o Tribunal, por maioria, rejeitou a preliminar, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio e, também por maioria, julgou improcedente a ação rescisória, nos termos do voto do relator, vencido o Senhor Minis-tro Marco Aurélio, que a julgava procedente. Falou pelos autores o Dr. Júlio Góes Militão da Silva. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Nelson Jobim. Plenário, 09.11.2005.

Na primeira turma, ainda não há um consenso, no entanto, é forte o posicionamento do Ministro Marco Aurélio no sentido da responsabilidade subjetiva do Estado por atos omis-sivos, como se observa da detida análise do seguinte aresto:

rECUrSo EXTrAorDiNário - MoLDUrA FáTiCA - ENQUADrAMEN-To - ViABiLiDADE. Dizer-se do enquadramento do recurso extraordinário em um dos permissivos constitucionais que lhe são próprios pressupõe, sempre, a consideração de certas premissas fáticas. Descabe confundir enquadramento jurídico-constitucional dos parâmetros da controvérsia, tais como retratados, soberanamente, no acórdão impugnado na via excepcional do extraordinário, com o revolvimento da prova coligida. Mister se faz a fuga às generalizações, tão

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

64

comuns no afã de economizar tempo e emprestar ao Judiciário a celeridade recla-mada pelos jurisdicionados. o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o extraordi-nário, já na fase de conhecimento perquire o acerto, ou o desacerto, sob o ângulo constitucional, da decisão atacada. Tendo em vista a ordem natural das coisas, procede a partir de fatos e esses são os do acórdão que se pretende alvejado.rESPoNSABiLiDADE CiViL - ESTADo - MorTE DE PoLiCiAL MiLiTAr - ATo oMiSSiVo VErSUS ATo CoMiSSiVo. Se de um lado, em se tratando de ato omissivo do Estado, deve o prejudicado demonstrar a culpa ou o dolo, de outro, versando a controvérsia sobre ato comissivo - liberação, via laudo médi-co, do servidor militar, para feitura de curso e prestação de serviços - incide a responsabilidade objetiva.(STF, rE 140270, rel. Ministro Marco Aurélio, DJ 18/10/1996)

Na mesma toada, o Ministro Sepúlveda Pertence é enfático ao afirmar a existência de divergência jurisprudencial e doutrinária sobre o tema. Nos casos ora mencionados po-sicionou-se no sentido da inexistência de ofensa ao art. 37, § 6º, da CF/88, fundamentando a indenização no descumprimento de uma obrigação contratual, apresentando, contudo, uma tendência à subjetivação (rE 237.561, DJ de 5-4-02; rE 237.561, DJ de 5-4-02; rE 136.247, DJ de 18-8-00; rE 255.731, DJ de 26-11-99; rE 258.726, DJ de 14-6-02). Saliente-se, noutro giro, que com sua recente aposentadoria e posse do Ministro Menezes Direito, oriundo do STJ, deve-se aguardar para verificar eventuais mudanças de posicionamento na 2ª Turma.

Em perspectiva diversa, o Ministro Carlos Britto sustenta a responsabilidade objeti-va por atos omissivos. Nesse sentido:

“o § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular.” (rE 327.904, rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 15-8-06, DJ de 8-9-06)

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

6�

registre-se, por fim, que em dois casos de morte de detendo no interior de estabele-cimento prisional, rE-Agr 45618, DJ 23/06/2006 e Ai-Agr 457780, DJ 16/02/2007, os Minis-tros ricardo Lewandowski e Carmén Lúcia aduziram ser a via extraordinária inadequada para se questionarem as circunstâncias fáticas que ensejaram a indenização, em face da incidência da Súmula 279 do STF, visto que veda reexame de matéria probatória por meio de rE.

4. Conclusão

Consoante se apura nos arestos transcritos é possível concluir que permanece a dis-sensão doutrinária e pretoriana acerca da responsabilidade civil do Estado por atos omissivos. Nada obstante, sem embargo dos ilustres doutrinadores que entendem de maneira diversa, é vi-sível a tendência à objetivação presente na atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Para concluir, valemo-nos das palavras de Sílvio de Salvo Venosa argumentando que à primeira vista parece que a responsabilidade objetiva do Estado foi também ampliada para suas omissões. Aduz, porém, a necessidade de serem ponderados os argumentos em con-trário, sob o risco de se estender em demasia a responsabilidade do Estado e inviabilizar, na prática, a Administração. Destarte, caberá à jurisprudência e aos estudos de direito adminis-trativo estabelecer os limites e pressupostos desse aparente alargamento. (VENoSA, p. 282)

�. Referências

BASToS, Celso ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002.

BULoS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

CAVALiEri FiLHo, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5 ed. São Paulo: Malhei-ros Editores, 2003.

FiLHo, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 17 ed. Lúmen Júris: rio de Janeiro. 2007.

MEirELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MELLo, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

66

MorAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

SiLVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28 ed. São Paulo: Malhei-ros, 2007.

SToCCo, rui. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudêncial: Doutrina e Jurisprudência. 3 ed. atual. rev. São Paulo: rT, 1997.

VENoSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

67

CRÍTICAS À TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Fernando José Vazzola De MigueliAdvogado da União

Sumário: 1. introdução. 2. Art. 71, §1º da Lei nº 8.666/93 3. implicações Processu-ais. 4. Da aplicabilidade do enunciado 331 do TST. 5. Conclusão.

1. Introdução

A terceirização é modelo de produção que foi desenvolvido com o ob-jetivo de aperfeiçoar a produção e prestação de serviços em geral, mediante a de-legação de atividades acessórias à iniciativa privada, e que proporciona ao ente tomador do serviço executar com maior presteza, eficiência e com um alto grau de especialidade, a atividade para o qual foi criado.

No âmbito da Administração Pública, um dos grandes méritos da tercei-rização é a redução das dimensões da máquina administrativa, e com ele a dimi-nuição dos encargos gerados pela prestação de serviços.

De acordo com o art. 175 da Constituição Federal, é incumbência do Es-tado a prestação de serviços públicos em geral. Todavia, não se pode olvidar que quanto maior a estrutura, mais difícil se torna gerenciá-la e, por conseqüência, fiscalizá-la.

Para evitar tais problemas e aumentar a qualidade na prestação de servi-ços públicos, o ordenamento Jurídico passou a admitir a delegação da execução de determinadas atividades à iniciativa privada, a qual, livre das amarras impostas à Administração Pública, conseguiu obter melhores resultados no tocante à qualida-de e lucratividade.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

68

Note-se que nem todos os serviços são delegáveis, seja por influírem na segurança e na soberania nacional, seja por concernirem à matéria política .

Tomando-se em consideração os serviços passíveis de delegação, percebe-se que essa cooperação é proveitosa para ambos os lados, posto que os Administrados são beneficiados com o oferecimento de um serviço de melhor qualidade a menor preço, ao passo que o Estado é beneficiado com a redução de seu quadro, podendo dedicar-se com mais atenção à execução das atividades que lhe são próprias.

o fenômeno da terceirização acompanha essa sistemática, prestigiando o exercício pelos Órgãos Públicos das suas atividades institucionais, também denominadas “atividades-fim”, na medida em que delega a execução das tarefas subalternas, acessórias, a empresas es-pecializadas no ramo.

Logo, e tendo em vista que a terceirização objetiva diminuir as atribuições do órgão tomador dos serviços, com o intuito de concentrar seus esforços na realização de sua ativida-de institucional, não se pode admitir que estas sejam terceirizadas.

Desde o início, esta técnica de produção enfrentou dificuldades, em especial pelo fato da Justiça do Trabalho ter entendimento consolidado no sentido de rejeitar a intermedia-ção de mão-de-obra, conforme o já superado Enunciado 256 do TST.

Vale, assim, frisar, que o instituto terceirização não se confunde com a mera inter-mediação de mão-de-obra. Para ser lícita, pressupõe a existência de uma empresa gerenciado-ra, que possua uma atividade empresarial própria e assuma o risco da atividade econômica, à qual se subordinarão os empregados.

Significa dizer que a empresa selecionada há de ter patrimônio suficiente para hon-rar suas obrigações legais, bem como deve ser centrada na realização de uma atividade espe-cializada, dominando a técnica de sua realização.

A intermediação sempre foi rejeitada no plano do direito do trabalho por repre-sentar uma ameaça à observância dos direitos do trabalhador, um artifício para se fraudar a legislação trabalhista, e baratear a prestação de um serviço em prejuízo do trabalhador.

Pois bem. A divisão das atividades em “meio” e “fim” superou a crítica feita pela jurisprudência. Ate então, o entendimento dos tribunais estava baseado na clara burla à legislação trabalhista que a intermediação de mão de obra representava, pois dava causa à

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

69

redução de salários, ao mesmo tempo em que suprimia o poder de barganha dos empre-gados.

A idéia principal, com a Terceirização, como já foi dito, e sempre vale ressaltar, foi a de atingir um alto nível de especialização na atividade a ser desenvolvida, com o intuito de reduzir a dimensão do Estado, permitindo a este concentrar suas forcas na prestação de um serviço de melhor qualidade, já que a transferência da atividade a terceiros o desonerava de uma série de encargos.

A especialização das atividades é algo salutar ao desempenho da atividade admi-nistrativa, mas para tanto, é imprescindível que a empresa prestadora de serviço responsável pelo seu gerenciamento, tenha estrutura. Significa dizer que a empresa prestadora de serviços há de ter composição adequada à execução da atividade delegada, seja possuindo patrimônio suficiente para honrar as obrigações oriundas de determinação legal, garantindo o pagamento de eventuais dívidas, seja na existência de material e pessoal capacitado para realizar o treina-mento dos trabalhadores a ela subordinados.

Uma empresa que não possua tal estrutura corre o risco de causar prejuízos à toma-dora de serviços, ao invés de proporcionar o incremento de sua atividade-fim. Caso a toma-dora seja a Administração Pública, a questão é ainda mais crítica, na medida em que muitos de seus serviços são essenciais à população, e devem ser prestados de forma continua.

É importante sublinhar que os empregados terceirizados devem ser subordinados jurídica-hierárquica e economicamente à empresa contratada, e não ao tomador dos serviços, cabendo, portanto, à primeira gerenciar a prestação de serviço, se incumbir do treinamento dos empregados, bem como se responsabilizar pelo cumprimento das obrigações legais que surgirem com o contrato de trabalho.

Contudo, o que se vê na prática é a dificuldade em se observar todos esses requisitos para uma terceirização lícita.

Primeiro, porque a referida divisão de atividades em “meio” e “fim” nem sempre é muito clara. Dependendo da atividade institucional, a atividade meio pode ser considerada integrante e imprescindível ao desempenho da atividade fim. o exemplo que melhor ilustra a dificuldade, e é constantemente utilizado pelos doutrinadores, é o serviço de limpeza em hospitais públicos.

ora, não há que se negar que higiene e assepsia desempenham um papel de capital importância quando se trata da prestação do serviço público de saúde, não se podendo dizer

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

70

o mesmo quando estivermos diante do serviço público de transporte, por exemplo, e assim por diante.

Segundo, porque freqüentemente as empresas que se candidatam a participar do processo licitatório não possuem experiência na prestação de serviços, ou são constituídas às pressas, para poderem participar do certame.

Como conseqüência, os empregados encarregados da prestação de serviços não são treinados adequadamente, e não raras vezes, as empresas terceirizadas não honram suas obri-gações legais, atrasando o pagamento dos seus funcionários e causando prejuízo aos trabalha-dores e à Administração Publica.

outro problema identificado é que a contratação de empresa terceirizada acaba por reduzir o contato do trabalhador com o efetivo patrão, no caso, a empresa tomadora do servi-ço, implicando em prejuízo ao empregado.

Prejuízo, na medida em que os salários são reduzidos, ou então porque passam a ser tratados como empregados de outra empresa, aumentando-se as diferenças entre os traba-lhadores contratados pela tomadora dos serviços e os trabalhadores subordinados à empresa prestadora .

2. Art. 71, §1º da Lei nº 8.666/93 – Responsabilidade Subsidiária da União

Tendo em vista as dificuldades que acompanham a terceirização um ponto que vale ser abordado é a questão, muito controversa ainda na doutrina, vale dizer, da validade do art.71, §1º da Lei nº 8.666/1993, que dispõe acerca da responsabilidade da Administração Pública na seara trabalhista em casos de inadimplemento da empresa contratada, a seguir transcrito:

“A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o registro de imóveis.” (gn)

A idéia de se transferir a execução de uma determinada atividade a uma empresa teve por finalidade a delegação por completo da responsabilidade pela prestação do serviço. ou seja, não somente a realização, mas também a fiscalização pela manutenção da qualidade do serviço, bem como eventual responsabilidade pelo cumprimento dos encargos decorrentes da prestação de serviços.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

71

Se por um lado esta técnica não pode significar a supressão dos direitos trabalhistas, não se pode olvidar que a Lei existe para ser cumprida, e enquanto não for revogada, é dotada de eficácia, sendo sua observância compulsória.

Contudo, a jurisprudência dos tribunais trabalhistas houve por bem consolidar o Enunciado 331 do TST, abaixo transcrito, revelando sua posição contrária ao dispositivo con-tido na Lei de licitações, e que exime a Administração Pública do pagamento dos encargos trabalhistas não honrados pela empresa terceirizada.

“i - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).ii - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, ii, da CF/1988). (revisão do Enunciado nº 256 - TST)iii - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que ine-xistente a pessoalidade e a subordinação direta.iV - o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela res. 96/2000, DJ 18.09.2000)”

Este Enunciado traduz de forma inequívoca incorporação do princípio protecionista pela Justiça do Trabalho, e que se revela na concessão de tratamento diferenciado ao empre-gado, dada sua posição historicamente hipossuficiente na relação de emprego.

Não podemos olvidar, contudo, que referido princípio não é absoluto, devendo ser mitigado quando a situação assim o exigir.

Em se tratando de uma relação de emprego comum, o princípio se justifica por si só, dado que nos pólos da relação jurídica de direito do trabalho estão o empregado e o emprega-dor. Aquele, na defesa de seus direitos trabalhistas, e que tem natureza alimentar, contra este, defendendo interesse puramente pecuniário.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

72

Entretanto, quando a Administração Pública figura em um dos pólos da relação jurídica, a necessidade de diferenciação no tratamento das partes subsiste, porém, deve ser analisada sob outra perspectiva, com muito mais cautela.

Neste caso, a justificativa se dá pelo fato de que a eventual decisão condenatória repercutirá negativamente no patrimônio do Estado trazendo implicações as mais diversas, não sendo possível prestigiar o direito de um indivíduo isolado em detrimento de toda a so-ciedade.

ressalte-se que o patrimônio do Estado é bem indisponível e de propriedade da sociedade como um todo, e frente a um direito individual de trabalhador, é evidente que deve prevalecer.

Do modo como previsto, o enunciado representa nítida transgressão ao Princípio da Legalidade, base legitimadora do Estado Democrático de Direito, classificação em que nosso Estado se insere. Trata-se de patente afronta a comando legal válido e legítimo, proveniente do Congresso Nacional, representante do povo conforme a letra da Constituição.

Pode-se falar, ainda, em ingerência não-autorizada do Poder Judiciário nos atos do Poder Legislativo, tendo em vista ser a elaboração de atos normativos atribuição típica deste Poder.

Tal entendimento, além de ir contra a previsão expressa em Lei, descaracteriza por completo o instituto da terceirização. Esta técnica, como já foi dito, fundamenta-se na delega-ção total do exercício de uma atividade a determinada empresa especializada, a ela cabendo arcar com todos os ônus referentes à execução do serviço terceirizado, inclusive eventual res-ponsabilização por seus atos ou omissões.

ora, atribuir-se tão somente a execução da atividade à empresa, determinando a responsabilização do ente público contratante no caso de inadimplemento pela primeira, é algo absolutamente incoerente e prejudicial à sociedade.

De certo que a Justiça do Trabalho atua em favor do trabalhador, em função da já referida hipossuficiência frente ao empregador, na tentativa de reduzir o grande abismo de desigualdade existente entre eles.

o ideal seria, ao invés de se fixar a responsabilização subsidiária, intensificar os cri-térios para seleção da empresa a ser contratada, acentuando a fiscalização sobre a mesma.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

73

Percebe-se que muitas empresas constituem-se da noite para o dia, sem deter estru-tura razoável para prestar uma determinada atividade, seja pela ausência de patrimônio que possa assegurar eventual condenação, seja também pela inexistência de equipamentos de treinamento e suporte para o desempenho das atividades pelos empregados.

Como resultado, uma série de empresas apresenta propostas de prestação de servi-ços a baixo-custo, concorrendo com deslealdade nos certames, prevendo um fim já tido como certo: prejuízo aos cofres públicos.

A figura do empregador há de ser associada ao risco da atividade econômica.

A doutrina ensina que Empregador é quem assume o risco econômico da atividade empresarial, que organiza os meios de produção e gerencia a atividade com vistas à obtenção de lucro. Não pode, desta forma, simplesmente desconsiderar tal realidade e tentar consertar os problemas advindos da terceirização mediante a imputação da responsabilidade dos infor-túnios à Administração.

Para corrigir tal incoerência, a jurisprudência deveria evoluir no sentido de somente aceitar a terceirização quando a empresa prestadora de serviços possuir uma atividade em-presarial própria, assumindo o aspecto econômico da atividade por sua própria conta e risco, o que aliás é característico da atividade empresarial, e ainda quando a contratação se destina à realização de serviços especializados.

o não atendimento de um dos requisitos seria suficiente para não se admitir a par-ticipação da empresa no certame. Vale dizer, conveniente seria também que o requisito ido-neidade permanecesse intacto do início ao fim da prestação de serviços. A intensificação da fiscalização entraria, então, para verificar também tal requisito, permitindo que no mesmo instante que se constatassem indícios de possíveis problemas financeiros, e que pudessem culminar com a quebra da empresa, fosse o contrato rescindido de plano.

Assim, os direitos trabalhistas seriam resguardados, bem como o patrimônio da União, e o mais importante, a prestação do serviço público seria garantido.

3. Implicações Processuais

Não bastasse o problema financeiro que a terceirização tem trazido para o erário público, tal técnica tem também contribuído para o aumento de demandas junto ao Poder Judiciário.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

74

Freqüentemente, a empresa prestadora de serviço, após deixar de honrar suas obri-gações, simplesmente desaparece. os trabalhadores, na seqüência, ajuízam reclamações tra-balhistas, e na hora de serem citadas, as empresas não são encontradas. Torna-se necessário então realizar nova citação, desta vez por edital.

No que pertine às atividades das Procuradorias, encarregadas da defesa jurídica do Estado, é sabido que contam com um quadro de profissionais muito inferior à demanda exis-tente.

No momento em que a empresa terceirizada deixa de efetuar o pagamento de seus funcionários, cada um destes ajuíza demanda individual. Considerando-se que na maioria das hipóteses o número de funcionários é elevado, as procuradorias se vêem diante da neces-sidade de reestruturar suas atividades simplesmente para atender a demanda, sabendo-se de antemão o resultado.

Dado o alto número de demandas, o reflexo é sentido de imediato. A sobrecarga de atividade culmina, de fato, na diminuição da qualidade do serviço.

Além disso, muitos empregados se aproveitam da situação para incluir em suas de-mandas pedidos que são difíceis de serem ilididos pela Administração, pois quem conhecia a realidade fática da prestação do serviço era a empresa a qual se subordinavam, e que não mais conseguem ser localizadas.

Some-se, ainda, o grande custo social que tal problema gera para a Administração Pública, a qual poderia destinar as verbas economizadas para áreas reconhecidamente defici-tárias, como saúde e educação.

o Estado, inegavelmente perde ao ter de destinar profissionais capacitados ao cumprimento de regras burocráticas e desprovidas de razoabilidade, seja porque estes deixam de atuar em causas de maior relevância econômica, seja porque para estes acaba não restando tempo suficiente para atuar na defesa da Administração em sua plenitu-de.

outro problema que agrava a situação decorre da própria letra da Lei nº 10.520/2002, que trouxe ao mundo jurídico uma nova modalidade de licitação, qual seja o pregão, aplicável nas hipóteses de contratação de bens e serviços comuns. referida modalidade, frise-se, foi logo acolhida pela Administração Pública, revelando-se um hábil instrumento de redução do gasto público.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

7�

Em seu art. 1º, §1º, contudo, a citada Lei previu a possibilidade do pregão ser rea-lizado por meio da utilização de recursos de tecnologia da informação. Daí ter aparecido o denominado pregão eletrônico.

o resultado prático disso é a contratação pela Administração Pública de uma série de empresas com sede em locais distantes da localidade onde o serviço será prestado, o que dificulta sua fiscalização. Como conseqüência, verifica-se a grande incidência de casos de inadimplemento e o constante crescimento de condenações da União no pagamento das dívidas trabalhistas não honradas pelas prestadoras de serviço.

o mais razoável, seria, por intermédio de alteração legislativa, restringir-se a abran-gência dos participantes do pregão à região da localidade onde será prestado o serviço, de modo a permitir a contratação de empresas de reconhecida idoneidade, com experiência no ramo, evitando-se futuro prejuízo para a Administração.

4. Da aplicabilidade do Enunciado 331 do TST

No tocante aos efeitos das decisões proferidas pelos Tribunais Superiores em nosso ordenamento Jurídico, não se pode deixar de observar que o assunto foi regulamentado recentemente, com a edição da Lei nº 11.417/2007, e em atenção ao art. 103-A da Consti-tuição Federal, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004, cujo trecho se transcreve a seguir:

Art. 103-A o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços de seus membros, após reiteradas decisões so-bre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração pública direta e indireta, nas esferas federal, esta-dual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma da lei.

Como se pode ver, o texto constitucional expressamente condicionou a concessão de efeitos vinculantes às Súmulas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e desde que aprova-da por dois-terços de seus membros.

Numa rápida análise, constata-se que o Enunciado 331 do TST, o qual fundamenta a responsabilidade subsidiária da União nos casos sob comento, não atende a nenhum dos

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

76

requisitos acima, posto que não provém do STF, nem muito menos foi aprovada conforme o quorum especial exigido para tanto.

Portanto, qualquer voz que chame atenção para a necessidade de observância do enunciado referido, em detrimento da Lei de Licitações, não se sustenta.

Diante deste quadro, não resta outra alternativa que não considerar a prevalência do art. 71 da Lei de Licitações em face do Enunciado 331 do TST, dado que o nosso ordenamen-to Jurídico tem como um de seus corolários o princípio da legalidade.

Se a Lei existe, é para ser cumprida, e enquanto não foi revogada, expressa ou tacita-mente, ela é válida, não havendo escusa para sua inobservância.

Assim, as decisões judiciais que decidem sob o respaldo do enunciado 331 do TST representam afronta literal a dispositivo de Lei, merecendo ser anuladas.

�. Conclusão

Logo, e diante do quadro traçado por este estudo, conclui-se que embora a Tercei-rização tenha se desenvolvido com o ideal de se proporcionar o aumento da produtividade e qualidade dos serviços, a especialização da prestação de serviços trouxe consigo uma série de problemas cuja solução ainda não foi encontrada.

A falta de critérios adequados pra se selecionar uma empresa prestadora de serviços, aliadas a uma fiscalização deficiente, acabam por contribuir para o desrespeito aos direitos de seus empregados, reflexamente atingindo o Estado em seus cofres.

Na tentativa de se mitigar as distorções geradas pela aplicação prática do instituto, a Jurisprudência passou a atribuir a responsabilidade pelo cumprimento das normas trabalhis-tas ao Estado, fazendo do art. 1º, § 1º da Lei 8.666/93 letra morta.

Em síntese, a solução adotada pela jurisprudência apenas transferiu a titularidade do problema, não o resolveu.

De certo que ao impor ao Estado a obrigação de solver as dívidas trabalhistas das empresas terceirizadas, os trabalhadores teriam seus direitos atendidos. Contudo, tal imposição revela afronta e perigoso precedente contra nosso ordenamento Jurídico, dado que mostra claramente o Poder Judiciário questionando a força executória e eficá-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

77

cia de uma Lei, o que aliás vem se tornando cada vez mais freqüente em nosso ordena-mento.

reflete, ainda, prejuízo incalculável ao erário público e, obviamente, à Sociedade como um todo, eis que as condenações em série impostas pela aplicação do Enunciado 331 do TST são pagas com verbas que poderiam ser destinadas a outras áreas sociais reconheci-damente deficitárias.

Ainda, contribuem para o acúmulo de atividade do Poder Judiciário, deixando a Justiça ainda mais morosa, ao mesmo tempo em que prejudica a atuação das procuradorias encarregadas da defesa jurídica do Estado.

Vale frisar que o nosso Direito Pátrio tem o princípio da Legalidade como uma de suas bases fundantes, cujo desrespeito implicará inevitavelmente na ruína de toda a estrutura do Estado.

A Lei, como é sabido, representa a vontade legítima do povo, o qual se manifesta por intermédio de seus representantes eleitos dentro de um sistema democrático. Não pode, simplesmente, ser desconsiderada, quaisquer que sejam os argumentos.

Em regra, quando dois bens jurídicos se contrapõem , a doutrina ensina que o ideal é preservar aquele que traduz um maior valor, que trará mais benefícios à Sociedade. Nesses casos, portanto, não pode o Poder Judiciário fazer prevalecer o direito isolado de um único empregado em detrimento do direito de toda a Sociedade à correta observância e aplicação da Lei e dos demais princípios que norteiam o nosso Estado Democrático de Direito.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

79

O DIREITO DE GREvE DO SERvIDOR PÚBLICO CIvIL:

EvOLUÇÃO NORMATIvA E JURISPRUDENCIAL DA MATÉRIA

Sumário: 1. introdução. 2. Evolução normativa anterior à Constituição de 1988. 3. o direito de greve na Constituição de 1988. 4. A questão da aplicabilidade da norma constitucional. 5. Posicionamento jurisprudencial. 6.Projetos de lei. 7. Conclusão.

1. Introdução

A greve constitui importante dispositivo democrático por meio do qual os empregados pleiteiam melhores condições de trabalho, persuadindo os empre-gadores, através da suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação pessoal de serviços.

A atual Constituição da república inovou no tratamento das relações da Administração Pública com os seus servidores, assegurando o direito à livre asso-ciação sindical e à greve, inclusive o elevando ao patamar de direito fundamental.

Apesar dessa garantia constitucional, a Carta Magna condicionou a efe-tividade de tal direito à edição de lei. Contudo, o Congresso Nacional quedou-se inerte, prejudicando o exercício desse direito no âmbito da legalidade.

Todavia, recentemente, o Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento dos Mandados de injunção n.º 670, 708 e 712, decidiu alterar a postura passiva de

Flavia Natario Coimbra e Taís Teodoro RodriguesAdvogadas da União

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

80

outras decisões. referida Corte propôs como solução para a omissão legislativa a aplicação, no que couber, da Lei n.º 7.783, de 28/6/1989, que regula a greve no setor privado.

Diante de tais constatações, o presente trabalho tem por objetivo traçar um panora-ma da situação normativa e jurisprudencial do direito de greve dos servidores públicos civis no Brasil. Para tanto, será realizado um breve histórico da evolução do tratamento jurídico dado à matéria em nosso ordenamento, chegando-se até às mais recentes decisões e propostas legislativas a respeito.

2. Evolução Normativa anterior à Constituição de 1988

observando-se o histórico do tratamento normativo dado, em nosso país, ao direito de greve, em especial dos servidores públicos civis, verifica-se que houve uma progressiva evolução, no sentido de sua liberalização.

No âmbito infraconstitucional, o Código Penal de 1890 (Decreto n.º 847, de 11/10/1890) vedava expressamente o exercício do direito de greve, tipificando-o como crime, em seu Capítulo Vi, que tratava dos crimes contra a liberdade de trabalho, em especial em seu artigo 206. Contudo, logo em seguida foi editado o Decreto n.º 1.162, de 12/12/1890, que criminali-zava a greve apenas em caso de ameaça ou violência.

A Lei n.º 38, de 4/4/1935, que definia crimes contra a ordem política e social, tam-bém proibia a greve, em especial em seus artigos 7º, 8º, 18 e 19, tanto para empregados priva-dos quanto para servidores públicos.

o tema permaneceu sem qualquer previsão constitucional até a Carta Magna de 1937, que, em seu artigo 139, declarou a greve, assim como o lock-out, recurso anti-social nocivo ao trabalho e ao capital e incompatível com os superiores interesses da produção nacional.

Posteriormente, em 18/5/1938, foi editado o Decreto-lei n.º 431, o qual definia cri-mes contra a personalidade internacional, a estrutura e a segurança do Estado e contra a ordem social, também tipificando a greve como crime, em seu artigo 3º, em especial em seus itens 12, 21, 22 e 28. o mesmo sucedeu com o Decreto-lei n.º 1.237, de 2/5/1939, que instituiu a Justiça Trabalhista (Capítulo Vi, artigos 81 e 82).

o Código Penal de 1940, em seus artigos 200 e 201, prescrevia a greve como crime, nos casos de prática de violência contra pessoa ou contra coisa, ou quando provocasse a inter-rupção de obra pública ou serviço de interesse coletivo.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

81

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, de 1943, em seu artigo 723, vedava a greve em caso de ausência de autorização do tribunal competente, ou de desobediência a de-cisão proferida em dissídio, não obstante a Constituição de então não contemplar exceções.

Em 15/3/1946, foi editado o Decreto-lei n.º 9.070, que admitia a cessação do tra-balho, ou o fechamento do estabelecimento, no caso de atividades acessórias, estabelecen-do lista de atividades fundamentais. Determinava, também, a necessidade de conciliação prévia.

Em 18/9/1946, foi promulgada nova Constituição da república, que trouxe nova abordagem ao tema. Seu artigo 158, de forma bem sintética, reconheceu o direito de greve, determinando que seu exercício seria regulado por lei. Essa Lei foi elaborada quase 18 anos após, já sob a ditadura militar, em 1º/6/1964, com o n.º 4.330, e impunha várias restrições ao exercício desse direito. Porém, enquanto essa Lei ainda não existia, o STF adotou o enten-dimento de que o mencionado Decreto-lei n.º 9.070/1946 permanecia em vigor, tendo sido recepcionado pela Constituição de 1946.

Em 1967, adveio nova Constituição, cujo artigo 158, XXi, assegurou o direito de greve aos trabalhadores do setor privado, enquanto seu artigo 157, § 7º, vedava a greve nos serviços públicos e atividades essenciais, definidas em lei.

A Emenda Constitucional n.º 1, de 17/10/1969, considerada por alguns como uma nova Constituição, tamanhas as alterações que introduziu, repetiu, em seus artigos 165, XX, e 162, as mesmas disposições contidas na Carta de 1967 com relação ao exercício do direito de greve.

3. O direito de greve na Constituição de 1988

A Constituição cidadã de 1988 inovou no tratamento à matéria, ao admitir, em seu artigo 37, Vii, o direito de greve aos servidores públicos civis. Contudo, fez a ressalva de que esse direito “será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica”.

Essa redação foi determinada pela Emenda Constitucional – EC n.º 19/1998. ori-ginalmente, o texto constitucional previa que os termos e os limites seriam definidos em lei complementar, que demanda quórum diferenciado para sua aprovação.

Note-se que a Constituição contemplou apenas os servidores públicos civis, excluin-do os militares, que permanecem sem direito a greve. Assim expressamente dispõe o artigo

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

82

142, § 3º, iV, da Constituição, que proíbe a greve e a sindicalização aos militares. Essa norma se estende aos militares dos Estados e do Distrito Federal, por força do artigo 42, § 1º.

No que tange aos trabalhadores do setor privado, o artigo 9º da Constituição não traz a mesma restrição que é feita aos servidores públicos. Nos termos do artigo 9º, é assegura-do aos trabalhadores da iniciativa privada “o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele de-fender”. os §§ 1º e 2º desse artigo dispõem ainda que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” e que “os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”.

Nota-se, portanto, uma diferença com relação ao tratamento dado aos servidores públicos civis e aos trabalhadores da iniciativa privada. Enquanto para os primeiros a Consti-tuição determinou, genericamente, que o direito à greve seria exercido nos termos e nos limi-tes definidos em lei específica, para os segundos ela determinou apenas que a lei definiria os serviços ou atividades essenciais e disporia sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Houve diferença, também, com relação à rapidez na elaboração das respectivas leis. A lei referente ao setor privado, de n.º 7.783, foi editada em 28/6/1989, ou seja, menos de um ano após a promulgação da Constituição de 1988. Entretanto, a lei que regulamentaria o direito de greve dos servidores públicos civis ainda não foi editada até o presente momento, passados quase 20 anos.

4. Da aplicabilidade da norma Constitucional

Surge, assim, uma tormentosa questão quanto à aplicabilidade da norma constitu-cional em questão: seria ela auto-aplicável, ou o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis dependeria da edição da lei específica? Sob outro parâmetro, abordando-se a natureza da norma, seria ela de eficácia contida, ou limitada? José dos Santos Carvalho Filho aborda bem esse conflito, posicionando-se junto à corrente que defende a eficácia limitada da norma:

A grande polêmica surgida em face do dispositivo – não resolvida, aliás, com a alteração introduzida pela EC n.º 19/98 – reside no exame de sua natureza. De fato, alguns autores e decisões judiciais sufragam o entendimento de que a norma é de eficácia contida, aquela que, na visão de JoSÉ AFoNSo DA SiLVA, tem eficácia imediata, conquanto possa o futuro legislador reduzir o âmbito de

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

83

incidência normativa. os que partem dessa premissa chegam ao resultado de que o direito de greve do servidor público pode ser exercido a partir da vigência da Constituição. A lei complementar referida no dispositivo apenas fixaria os termos e os limites, mas dela não dependeria a eficácia da norma constitucio-nal.Uma segunda corrente de entendimento sustenta que a norma é de eficácia li-mitada, vale dizer, o direito subjetivo de greve somente surgirá no mundo jurí-dico quando for editada a lei complementar (agora lei ordinária), e isso porque somente essa lei é que fixará o contorno do direito e os meios através dos quais poderá ser regularmente exercido pelos servidores.Em nosso entender, razão assiste aos que perfilham este último pensamento. o direito de greve constitui, por sua própria natureza, uma exceção dentro do funcionalismo público, e isso porque, para os serviços públicos, administrativos ou não, incide o princípio da continuidade. Desse modo, esse direito não po-derá ter a mesma amplitude do idêntico direito outorgado aos empregados da iniciativa privada. Parece-nos, pois, que é a lei ordinária específica que vai fixar o real conteúdo do direito, e, se ainda não tem conteúdo, o direito sequer existe, não podendo ser exercido, como naturalmente se extrai dessa hipótese.1

(grifos do autor)

Tendo a norma eficácia limitada, dependeria da edição de lei para ser aplicável. Sem a lei específica, portanto, o direito não poderia ser exercido. Dentre outros, Maria Sylvia Za-nella di Pietro adota a mesma posição 2 , assim como José Afonso da Silva, o qual transcreve-mos a seguir:

Contudo, o constituinte ainda não teve a coragem de admitir o amplo direito de greve aos servidores públicos, pois, em relação a estes, submeteu o exercício desse direito aos termos e limites definidos em lei específica (art. 37, Vii). 3

Tendo-se em conta que, passados quase 20 anos da promulgação da Constituição de 1988, a lei específica ainda não foi editada, negar auto-aplicabilidade à norma equivale a negar o próprio direito. A norma constitucional, assim, ficaria totalmente desprovida de valor, enquanto pendente a mora legislativa.

1 CArVALHo FiLHo, José dos Santos. Direito administrativo e administração pública. rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 17 ed. 2007. pp. 638/639.2 Di PiETro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas. 17 ed. 2004. p. 461.3 SiLVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 23 ed. 2004. p. 304.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

84

Em face desse vazio legislativo, a União editou o Decreto n.º 1.480, de 3/5/1995, que dispõe sobre os procedimentos a serem adotados em casos de paralisações dos serviços públi-cos federais, enquanto não regulado o disposto no artigo 37, Vii, da Constituição.

o artigo 1º desse Decreto determinou que, até a edição da lei a que se refere o citado dispositivo constitucional (lei complementar, à época da edição do Decreto), as faltas decor-rentes de participação de servidor público federal, regido pela Lei nº 8.112, de 11/12/1990, em movimento de paralisação de serviços públicos não poderão, em nenhuma hipótese, ser objeto de abono, compensação ou cômputo, para fins e contagem de tempo de serviço ou de qualquer vantagem que o tenha por base.

Dessa forma, na ausência de lei regulamentadora, a União, através desse Decreto, cerceou o exercício do direito de greve por parte de seus servidores, uma vez que o corte do ponto dos servidores praticamente inviabiliza o movimento paredista. Esse Decreto também gerou conflitos nos tribunais, como veremos adiante.

A propósito da ausência de regulamentação, Maria Sylvia ressaltou as dificulda-des que o legislador enfrentará na elaboração da lei, como a questão da continuidade do serviço público e o fato de qualquer alteração salarial dos servidores públicos depender de lei:

Na realidade, não devem ser poucas as dificuldades que o legislador federal enfrentará para regulamentar a greve do servidor público; não é especial-mente por se tratar de serviço público, cuja continuidade fica rompida com a paralisação; se fosse essa a dificuldade, poderia ser contornada da mesma forma por que foi nos artigos 10 a 13 da Lei n.º 7.783/89, que cuida dos serviços considerados essenciais (a maior parte deles sendo serviços públi-cos) e estabelece normas que asseguram a sua continuidade em períodos de greve.A dificuldade está no fato de que, tanto o direito de sindicalização como o di-reito de greve, cuja importância para os trabalhadores em geral diz respeito a assuntos relacionados com pretensões salariais, não poderão ter esse alcance com relação aos servidores públicos, ressalva feita aos das empresas estatais. Com esse objetivo, o exercício do direito de greve poderá, quando muito, atu-ar como pressão sobre o Poder Público, mas não poderá levar os servidores a negociações coletivas, com ou sem participação dos sindicatos, com o fito de obter aumento de remuneração.(grifo do autor)

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

8�

�. Posicionamento Jurisprudencial

Alexandre de Moraes relata a posição que a jurisprudência pátria tem adotado a respeito, majoritariamente pela não auto-aplicabilidade do dispositivo constitucional:

(...) a jurisprudência já se havia fixado no sentido da inexistência de auto-aplicabilidade do direito de greve do servidor público, principalmente nos chamados serviços essenciais, necessitando integração infraconstitucional, que, a partir da EC n.º 19/98, será realizada por meio de lei ordinária espe-cífica. 4

Essa tem sido a posição do STF. Uma importante decisão nesse sentido foi tomada no Mandado de injunção n.º 20/DF, julgado em 19/5/1994 pelo Tribunal Pleno. No referi-do processo, o Tribunal deferiu o pedido de mandado de injunção, nos termos do voto do relator, para reconhecer a mora do Congresso Nacional em regulamentar o artigo 37, Vii, da Constituição, e comunicar-lhe a decisão, a fim de que tome as providências necessárias à edição da lei. Transcrevemos a seguir a ementa do Acórdão:

EMENTA: MANDADo DE iNJUNÇÃo CoLETiVo - DirEiTo DE GrEVE Do SErViDor PÚBLiCo CiViL - EVoLUÇÃo DESSE DirEiTo No CoNS-TiTUCioNALiSMo BrASiLEiro - MoDELoS NorMATiVoS No DirEiTo CoMPArADo - PrErroGATiVA JUrÍDiCA ASSEGUrADA PELA CoNS-TiTUiÇÃo (ArT. 37, Vii) - iMPoSSiBiLiDADE DE SEU EXErCÍCio ANTES DA EDiÇÃo DE LEi CoMPLEMENTAr - oMiSSÃo LEGiSLATiVA - HiPÓ-TESE DE SUA CoNFiGUrAÇÃo - rECoNHECiMENTo Do ESTADo DE MorA Do CoNGrESSo NACioNAL – iMPETrAÇÃo Por ENTiDADE DE CLASSE - ADMiSSiBiLiDADE - WriT CoNCEDiDo.DirEiTo DE GrEVE No SErViÇo PÚBLiCo: o preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficá-cia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição.A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta - ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, Vii, da Constituição - para justificar o seu imediato exercício.

4 MorAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 4 ed. 2004. p. 858.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

86

o exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida - que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público – constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, Vii, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção.A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazo-ável retardamento na efetivação da prestação legislativa - não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessá-ria norma regulamentadora - vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários.MANDADo DE iNJUNÇÃo CoLETiVo: A jurisprudência do Supremo Tri-bunal Federal firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do mandado de injunção coletivo, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados dessas insti-tuições, o exercício de direitos assegurados pela Constituição. Precedentes e doutrina.(grifos do original)

Em seu voto, o relator do processo, Ministro Celso de Mello, destacou que a Lei que regulamenta o direito de greve no setor privado da economia (Lei n.º 7.783/1989) é inaplicá-vel aos servidores públicos civis, até mesmo em função do que prescrevia o artigo 37, Vii, da Constituição, que então exigia lei complementar, o que não mais ocorre.

Ao se reportar à doutrina, o voto do Ministro relator transcreveu trecho de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, segundo o qual a admissão da greve de servidor público represen-tou o abandono do rigor do princípio da continuidade do serviço �. Citou também a lição de José Afonso da Silva, para quem a “exigência de integração legislativa virtualmente equivale a ‘recusar o direito prometido’” 6. o relator justificou seu voto afirmando que a inércia do legislador frustra a aplicabilidade e a efetividade do direito:

5 FErrEirA FiLHo, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Saraiva, 1990, vol. 1, pp. 248-249.6 SiLVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 9 ed. 3 tir. 1993, pp. 274 e 592.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

87

Essa situação de inércia do aparelho de Estado faz emergir, em favor do benefi-ciário do comando constitucional, o direito de exigir uma atividade estatal devi-da pelo Poder Público, em ordem a evitar que a abstenção voluntária do Estado frustre, a partir desse comportamento omissivo, a aplicabilidade e a efetividade do direito que lhe foi reconhecido pelo próprio texto da Lei fundamental.(...)Nesta última situação, em que inexiste prazo específico para legislar, a inexe-cução desse dever, quando já decorrido largo espaço de ordem temporal – no caso, quase seis anos – também configura, tecnicamente, uma hipótese de omissão inconstitucional, eis que a inércia estatal, sobre comprometer a própria aplicabilidade da norma inscrita na Carta Política, opera, de modo irrazoável, o agravamento da situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucio-nal em favor dos servidores civis.

Entretanto, já naquele julgamento houve votos divergentes na fundamentação. o Ministro Francisco rezek acompanhou, na conclusão, o voto do relator, mas acenou com a possibilidade de uma segunda leitura da norma inscrita no artigo 37, Vii, da Constituição:

(...) Mas pode-se ler também, dentro do estrito domínio da razoabilidade, que o direito de greve dos funcionários será exercido nos termos e limites definidos em lei complementar, e que portanto, enquanto a lei complementar não define esses termos nem fixa esses limites, a greve no serviço público é praticável tal como ela o é pelo comum dos trabalhadores.

o Ministro Marco Aurélio, por sua vez, em seu voto, não se limitou a declarar a omissão. Embora reconhecendo ser corrente minoritária, foi além, fixando parâmetros indis-pensáveis ao exercício do direito de greve a partir do disposto na Lei n.º 7.783/1989. Prelimi-narmente, concluiu pela carência da impetração, por entender que o exercício do direito em questão não depende da lei referida na Constituição, tendo essa previsão apenas o objetivo de legitimar a futura imposição de limites.

Argumentou o Ministro Marco Aurélio que o mandado de injunção, na forma prevista no rol das garantias fundamentais, a desaguar sempre em uma sentença não sim-plesmente declaratória da omissão do legislador, e sim mandamental (como determina sua nomenclatura), visa a proporcionar aos interessados – os impetrantes – os parâmetros indispensáveis ao exercício do direito. Seu voto remete também à isonomia entre os servi-dores públicos e os trabalhadores da iniciativa privada. Transcrevo a seguir um trecho de seu voto:

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

88

(...) Assim, a revelação de que o exercício ocorreria “nos termos e nos limi-tes definidos em lei complementar”, outro sentido não tem senão o de abrir margem a que o legislador, atento à existência de atividades essenciais, venha, sem o esvaziamento do direito, a impor limites. Não creio que, na espécie, a Constituição contemple a outorga de um direito, deixando-o em suspenso, na dependência da vontade política do legislador comum, como se os fatos que o revelam pudessem, em passe de mágica, ser olvidados. A greve prescinde, para ocorrência, das noções de conveniência e oportunidade, enquanto jungidas à atividade legiferante.

A posição adotada pelo STF no Mandado de injunção n.º 20/DF tem sido mantida em diversos julgados. Citamos como exemplos os Mandados de injunção n.º 485/MT, julgado em 25/4/2002, e n.º 585/To, julgado em 15/5/2002.

Contudo, nem essas decisões, e tampouco a ausência de regulamentação, têm impe-dido os servidores públicos civis de realizarem greves. Essa situação fática tem sido também enfrentada pelos Tribunais, em ações das mais variadas.

Destacamos, a esse respeito, julgado proferido recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ (SS 1765), de 27/7/2007, publicado em 3/8/2007. Nesse processo, o Presi-dente em exercício do STJ, Ministro Francisco Peçanha Martins, deferiu pedido do instituto Nacional de Colonização e reforma Agrária – iNCrA, para que ocorram descontos nos ven-cimentos dos servidores que aderiram à greve geral deflagrada no instituto. o Ministro con-siderou que ocorria risco de grave lesão à economia pública, e destacou que o entendimento do Tribunal orienta-se no sentido de que o direito de greve, constitucionalmente assegurado aos servidores públicos, não importa, necessariamente, na paralisação dos serviços sem o conseqüente desconto na remuneração relativa aos dias de falta ao serviço. Constata-se nessa decisão que o STJ reconheceu aos servidores o direito de greve, mesmo na ausência de lei regulamentadora.

Entretanto, o mesmo Tribunal posteriormente revogou a decisão acima referida, afirmando que a Constituição Federal deve ser interpretada com base no princípio da unici-dade. Assim, a norma contida no artigo 37, Vi, não pode ser analisada sem o confronto desta com os artigos 5º e 9º da Carta Magna. A análise conjunta dos referidos artigos permite, como única conclusão, que o direito de greve dos servidores públicos civis não pode ficar limitado

7 Juiz Federal Titular da 21ª Vara, Seção Judiciária do DF, TrF 1ª região, no MS 2007.34.00.020175-0, decisão pro-ferida em 23/8/2007.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

89

à vontade dos Congressistas, que já demonstraram, pelo transcurso de dezenove anos, a sua má-vontade na aprovação da lei regulamentadora da matéria.

Ante a omissão, não cabe mais ao Judiciário postar-se imóvel. Em razão disso, sabia-mente, o douto Juiz Hamilton de Sá Dantas 7 decidiu pela legalidade do movimento paredista realizado pelo iNCrA, declarando a inconstitucionalidade do Decreto n.º 1.480/1995, por não ser o meio hábil de regulamentar a matéria. Ao fim, decidiu pela nulidade dos descontos salariais realizados e determinou que a Autoridade impetrada se abstivesse de adotar qual-quer sanção administrativa contra os paredistas.

o Ministro Gilmar Mendes recentemente prolatou um voto inovador, no mandado de injunção n.º 708/DF, em que demonstrou preocupação com o cenário recente das para-lisações dos servidores públicos que, sem um diploma regulamentador, agem desordeira-mente causando prejuízos para a população e para a idéia de Estado de Direito. Por outro lado, não há mais como justificar a inércia legislativa e a inoperância das decisões da Corte Suprema.

Baseado em tais constatações, o Ministro indicou como solução uma intervenção mais decisiva daquela corte, acolhendo a pretensão dos impetrantes apenas no sentido de se aplicar a Lei n.º 7.783/1989 enquanto a omissão não seja devidamente sanada por lei espe-cífica, nos termos da própria Constituição Federal. Procedendo dessa forma, propicia uma maneira, ainda que não a mais adequada, de disciplinar as greves dos servidores públicos que, a despeito da falta de normatização, continuam acontecendo na prática. Posteriormente, o Ministro Gilmar Mendes aditou seu voto, determinando ao Congresso Nacional que supra a mora em 60 dias.

No mesmo julgado, o Ministro ricardo Lewandowski, acompanhou o voto do re-lator, ressaltando, todavia, a necessidade de adequação da Lei n.º 7.783/1989 aos servidores públicos civis. Para realizar essa adaptação, estipulou que:

1) a suspensão da prestação de serviços deve ser temporária, pacífica, po-dendo ser total ou parcial; 2) a paralisação dos serviços deve ser precedida de negociação ou de tentativa de negociação; 3) a Administração deve ser notificada da paralisação com antecedência mínima de 48 horas; 4) a enti-dade representativa dos servidores deve convocar, na forma de seu estatuto, assembléia geral para deliberar sobre as reivindicações da categoria e sobre a paralisação, antes de sua ocorrência; 5) o estatuto da entidade deve prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto para

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

90

a deflagração como para a cessação da greve; 6) a entidade dos servidores representará os seus interesses nas negociações, perante a Administração e o Poder Judiciário; 7) são assegurados aos grevistas, dentre outros direitos, o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os servidores a aderirem à greve e a arrecadação de fundos e livre divulgação do movimento; 8) em nenhuma hipótese, os meios adotados pelos servidores e pela Admi-nistração poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem; 9) é vedado à Administração adotar meios para constranger os servidores ao comparecimento ao trabalho ou para frustrar a divulgação do movimento; 10) as manifestações e os atos de persuasão utilizados pelos gre-vistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa; 11) durante o período de greve é vedada a demissão de servidor, exceto se fundada em fatos não relacionados com a paralisação, e, salvo em se tratando de ocupante de cargo em comissão de livre provimen-to e exoneração ou, no caso de cargo efetivo, a pedido do próprio interessado; 12) será lícita a demissão ou a exoneração de servidor na ocorrência de abu-so do direito de greve, assim consideradas: a) a inobservância das presentes exigências; e b) a manutenção da paralisação após a celebração de acordo ou decisão judicial sobre o litígio; 13) durante a greve, a entidade represen-tativa dos servidores ou a comissão de negociação, mediante acordo com a Administração, deverá manter em atividade equipes de servidores com o propósito de assegurar a prestação de serviços essenciais e indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da coletividade; 14) em não haven-do o referido acordo, ou na hipótese de não ser assegurada a continuidade da prestação dos referidos serviços, fica assegurado à Administração, enquanto perdurar a greve, o direito de contratação de pessoal por tempo determinado, prevista no art. 37, iX, da Constituição Federal ou a contratação de serviços de terceiros; 15) na hipótese de greve em serviços ou atividades essenciais, a paralisação deve ser comunicada com antecedência mínima de 72 horas à Administração e aos usuários; 16) a responsabilidade pelos atos praticados durante a greve será apurada, conforme o caso, nas esferas administrativa, civil e penal. 8

Acompanharam também o voto do relator os Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Celso de Mello e Carlos Britto.

8 informativo n.º 480 do STF, http://www.stf.gov.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

91

No recente julgamento dos Mandados de injunção 670 e 712, em decisão plenária de 25/10/2007, o STF, por maioria, propôs como solução para a omissão legislativa a aplicação, no que couber, da Lei n.º 7.783/1989, que regula a greve no setor privado.

Dessas constatações percebe-se que a Corte Suprema optou, por maioria, em dar efetividade à norma constitucional contida no artigo 37, Vii, da Constituição da república.

Assim, o servidor não mais ficará à mercê da vontade política dos governantes. En-quanto permanece a inércia do Congresso Nacional, os servidores poderão exercer seu direito fundamental respaldados pela aplicação do disposto na Lei n.º 7.783/1989. Para melhor elucidar o leitor sobre o conteúdo de uma norma futura, faremos a aná-lise dos projetos de lei já existentes, analisando seus pontos principais e suas peculiaridades.

6. Projetos de Lei

inicialmente, a Constituição Federal de 1988 determinava que o direito de greve dos servidores públicos fosse regulamentado por lei complementar. Daí originou-se, em 1995, o pro-jeto de lei complementar n.º 29, substituído pelo projeto de Lei n.º 4.497/2001, após a Emenda Constitucional n.º 19/1998, que passou a exigir apenas lei específica para disciplinar a matéria.

Ao projeto de Lei n.º 4.497 foram anexados vários outros, mas em sua maioria se restringem a adaptar a Lei n.º 7.783/1989 aos servidores públicos civis, inclusive repetindo alguns conceitos. Todavia, para adequar a lei de greve aos servidores, necessário seria também incluir alguns preceitos novos e indispensáveis à relação estatutária, que serão examinados individualmente.

No caso dos servidores públicos detentores de cargo efetivo, todas as relações destes com a Administração são regulamentadas por lei, sendo necessária previsão expressa de qual-quer sanção administrativa a ser aplicada. o projeto de autoria da deputada rita Camata, de n.º 4.497, prevê em seu artigo 11 todas as penalidades passíveis de imposição aos servidores que abusarem do direito de greve. Entretanto, quaisquer sanções não prescindem do processo administrativo, assegurando assim a ampla defesa. Em tal projeto, o abuso do direito de greve é expressamente definido no artigo 10. Assim, ciente de todas as previsões, o servidor poderá orientar-se, evitando represálias.

outra constante nos projetos de lei é a fixação de rol dos serviços considerados es-senciais. A análise dos projetos permite concluir que a estipulação de um rol taxativo seria

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

92

prejudicial ao próprio poder público e à sociedade. Então, melhor seria a mera indicação, através de cláusulas abertas, passíveis de adaptação em cada caso concreto, como feito no Projeto de Lei n.º 6.141/2002, que apenas exige a notificação do movimento grevista com antecedência mínima de cinco dias úteis, sem especificar quais serviços são considerados essenciais. outros projetos, ao invés de esmiuçar o tema, colocam a maioria das atividades públicas de forma genérica, como o Projeto n.º 6668/2002, artigo10, in verbis:

Art.10. São considerados serviços essenciais: i- Saúde; ii- Educação; iii- Segurança; iV- Previdenciário; V- Processo Legislativo e Judiciário Vi- Processamento de dados ligados a serviços essenciais; Vii- Controle de tráfego aéreo.

outra exigência em relação a esses serviços, é a garantia de uma prestação mínima. Todavia, apenas um dos projetos, o de n.º 6.032/2002, fixa uma percentagem, mas não de forma proporcional, pois determina que o Poder Público poderá estipular liminarmente um percentual superior a 50% como mínimo, o que retiraria a força do movimento, pois a socie-dade e o governo não perceberiam a ausência do serviço. outros projetos determinam a participação da Justiça do Trabalho na composição do litígio. Em alguns casos, decidindo sobre a legalidade ou não da greve, como no Projeto n.º 6.775/2002, da Comissão de Legislação Participativa, que dispõe em seu artigo 7º:

A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou impro-cedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão.

A disposição acima ignora completamente o fato de que uma decisão judicial difi-cilmente poderá garantir uma das principais reivindicações dos movimentos paredistas, qual seja, o aumento de sua remuneração, pois, como bem leciona Maria Sílvia:

os dissídios individuais de competência da Justiça do Trabalho compreendem apenas os que envolvem servidores regidos pela CLT, os quais existem atual-mente na Administração Direta e indireta e poderão continuar a existir nos

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

93

entes políticos que optarem por esse regime jurídico único para seus servido-res; além disso, continuarão, necessariamente, a existir nas empresas públicas e sociedades de economia mista que exerçam atividade econômica (art. 173 da Constituição). os dissídios coletivos somente são possíveis nessas mesmas em-presas e nas fundações de direito privado, já que os servidores da Administração direta, fundações públicas e autarquias têm seus cargos criados por lei, que fixa os respectivos vencimentos (art.61,§1º, ii, a, da Constituição) com todas as limita-ções já examinadas, referentes ao teto, à paridade, ao reajuste igual para todos, aos limites de despesa com pessoal, à previsão em lei orçamentária.Não poderia o servidor de uma categoria participar de negociação coletiva que lhe assegurasse vencimentos superiores aos definidos em lei e que ainda con-trariasse as normas do artigo 37. 9

(grifo nosso)

Com base no ora exposto, percebe-se que o art. 7º do referido Projeto de Lei é inó-cuo, pois uma das principais, senão a principal, reivindicação dos movimentos grevistas é o aumento salarial, que para os servidores estatutários não pode ser realizada por outro proce-dimento que não a lei.

ressalte-se ainda a impossibilidade da fixação de vencimentos de servidores por meio de convenção coletiva, modalidade de negociação freqüente nas relações privadas de trabalho, pois convenções e acordos coletivos são institutos incompatíveis com o regime fun-cional do serviço público. Nesse sentido, o STF julgou inconstitucional lei estadual que previa a ocorrência de tais mecanismos. 10

A matéria ainda foi objeto da súmula n.º 679 do STF, in verbis:

679. A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva.

Ademais, o Judiciário não pode imiscuir-se na esfera do Executivo infringindo o princípio constitucional da separação dos poderes. A Constituição expressamente prevê que é da competência privativa do Presidente da república a iniciativa de leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração.

9 ob. cit. p. 462.10 CArVALHo FiLHo, José dos Santos. ob. Cit. p. 637.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

94

Ainda que determinado judicialmente o aumento da verba remuneratória, a deci-são seria inaplicável por invasão de competência. A remuneração de servidores públicos, em geral, é matéria que se insere no âmbito da exclusiva discricionariedade do Chefe do Poder Executivo, sendo indevido ao Poder Judiciário conceder vantagens a servidores públicos, sob qualquer fundamento, e substituir a competência de outro poder, sob pena de violar a compe-tência constitucional a ele devida.

A remuneração dos servidores no período de greve também é matéria a ser regu-lamentada. A maioria dos projetos estabelece que os dias não trabalhados em função do movimento paredista serão considerados de efetivo exercício para todos os efeitos, inclusive remuneratórios, desde que repostas as horas não trabalhadas. Alguns projetos permitem o desconto quando a greve for considerada ilegal.

outros projetos determinam que competirá ao Poder Judiciário regulamentar as re-lações obrigacionais durante o período de greve.

Há também a previsão de impedimentos para a Administração, como a impossibili-dade de exonerar, demitir, ou transferir servidores durante a greve, garantindo aos paredistas que, ao exercerem seus direitos, não sofrerão represálias pelo Poder Público.

outra vedação à Administração imposta pela maioria dos projetos é a impossibili-dade de demissão de servidores públicos durante a greve, exceto as que se basearem em fatos não relacionados à paralisação. Também é vedada a nomeação de novos servidores, ainda que temporariamente, ou a realização de novos concursos para preencherem os cargos dos participantes no movimento grevista. A ausência de tais impedimentos poderia retirar a força da paralisação e ainda permitir a aplicação de “sanções” aos servidores que optassem por participar da greve.

Todavia, há exceções, nos casos de abuso do direito de greve. o abuso seria caracte-rizado pela: a) manutenção da paralisação mesmo após a celebração de acordo, convenção; b) ausência de uma equipe de servidores com fito de assegurar a prestação de serviços cuja parali-sação resulte em prejuízos irreparáveis, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equi-pamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades após o fim da greve. Nesses dois casos, os projetos excepcionam a regra de não contratar outros servidores.

Da análise dos projetos produzidos percebe-se que todos têm por objetivo regula-mentar o movimento paredista dos servidores públicos de forma a causar o mínimo dano à segurança nacional, à ordem pública e aos direitos e liberdades da sociedade. Entretanto, a

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

9�

falta de vontade dos legisladores impossibilita a regulamentação clara da matéria, obrigando o Judiciário a legislar nos casos concretos.

7. Conclusão

o presente trabalho nos permite concluir que, apesar da evolução normativa do direito de greve dos servidores públicos civis, ainda não se definiu as diretrizes básicas para o exercício regulamentar desse direito. Assim, os servidores se vêem obrigados a agir sem respaldo legal.

Apesar dos vazios normativos, os movimentos paredistas continuam a ocorrer na prática. A ausência de regulamentação adequada prejudica a todos. A falta de parâmetros gera insegurança jurídica, na medida em que cada caso é levado ao Judiciário gerando decisões diversas, na tentativa de adequação ao caso concreto.

Diante dessa situação fática, tanto a Administração quanto os servidores têm sido obrigados a atuar baseados apenas em decisões judiciais esparsas e, em última instância, no bom senso. Tal situação é de todo indesejável.

Dessa forma, urge que o Congresso saia de sua passividade e analise os tantos proje-tos de lei já produzidos que tramitam nas Casas Legislativas desde 2001. Pois, somente assim, a greve, elevada à categoria de direito fundamental desde a promulgação da atual Carta Mag-na, poderá ser exercida plenamente.

8. Referências

CArVALHo FiLHo, José dos Santos. Direito administrativo e administração pública. rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 17 ed. 2007.

Di PiETro, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 17. ed. 2004.

FErrEirA FiLHo, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Saraiva, 1990. vol. 1.

MorAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 4 ed. 2004.

SiLVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Edi-tores, 23. ed. 2004.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

96

SiLVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros Edi-tores, 9 ed., 3ª tir. 1993.

SUPErior TriBUNAL DE JUSTiÇA. SS 1765. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/por-tal_stj/objeto/texto>. Acesso em: 13 de setembro de 2007.

SUPrEMo TriBUNAL FEDErAL. Mi 20-DF. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/juris-prudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 11 de setembro de 2007.

SUPrEMo TriBUNAL FEDErAL. Mi 485-MT. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/ju-risprudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 11 de setembro de 2007.

SUPrEMo TriBUNAL FEDErAL. Mi 585-To. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/ju-risprudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 11 de setembro de 2007.

SUPrEMo TriBUNAL FEDErAL. informativo n.º 480. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm>. Acesso em: 28 de setembro de 2007.

SUPrEMo TriBUNAL FEDErAL. Mi 585-To. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/ju-risprudencia/nova/jurisp.asp>. Acesso em: 11 de setembro de 2007.

SUPrEMo TriBUNAL FEDErAL. informativo n.º 480. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm>. Acesso em: 28 de setembro de 2007.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

97

RESTRIÇÃO DO FORNECIMENTO DO SERvIÇO PÚBLICO PRESTADO EM

REGIME DE CONCESSÃO DIANTE DO INADIMPLEMENTO DA TARIFA DEvIDA PELO USUÁRIO: A SOLUÇÃO DA LEI Nº

11.44�/07

Paulo Cesar Soares Cabral FilhoAdvogado da União

Sumário: 1. Apresentação. 2. A relação jurídica de consumo entre a concessionária de serviço público e o usuário. 3. Impossibilidade de interrupção do serviço público prestado sob regime de concessão ante o não pagamento da tarifa e a solução (par-cial) da Lei nº 11.445/07. 4. Conclusão.

1. Introdução

A interrupção do fornecimento do serviço público prestado sob regime de concessão em razão do inadimplemento, pelos usuários, de obrigação consubs-tanciada no pagamento da tarifa respectiva, é questão que vem novamente à tona a partir da promulgação da Lei nº 11.445, de 5.1.2007, que constitui o marco regula-tório do saneamento básico.

isso porque o tema da interrupção, e mesmo a restrição, da prestação do serviço público ante o descumprimento da contraprestação a que está obrigado o usuário, quando em jogo o acesso a bens imprescindíveis à sobrevivência digna, é

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

98

causa de conflito de interesses ao qual não pode permanecer indiferente o Estado, titular do serviço. Na prática, têm os tribunais afirmado a legitimidade da interrupção do serviço pú-blico prestado sob regime de concessão, desde que haja comunicação prévia, se o usuário deixar de pagar a tarifa correspondente, o que tem esteio na Lei nº 8.987, de 13.2.1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição da república.

A Lei nº 11.445/07 também autoriza a interrupção do serviço de abastecimento de água em razão do não pagamento das tarifas por parte do usuário, mas inova ao estabelecer a necessidade de garantir as condições mínimas de saúde das pessoas, permitindo, nesses casos, somente a restrição do fornecimento. Aqui uma substancial diferença trazida pela Lei do Saneamento Básico: a restrição no fornecimento do serviço de abastecimento de água, em lugar da interrupção do serviço, isto é, da privação de acesso ao serviço público essencial.

o que se propõe no presente ensaio, portanto, é uma leitura crítica do novel dispo-sitivo legal, sem deixar de reconhecer o avanço legislativo, abordando-se, ainda que de forma tangencial, a contraposição de interesses entre concessionárias de serviços públicos e usuá-rios, bem como a necessidade de compatibilizá-los.

2. A relação jurídica de consumo entre a concessionária de serviço público e o usuário

Ao eleger a forma indireta de prestação de serviço público, na forma do art. 175, caput, da Constituição da república, o Estado transfere à iniciativa privada sua execu-ção, mediante contrato de concessão 1. Daí emerge uma relação jurídica contratual, sob regime de direito público, cuja disciplina normativa remete à Lei nº 8.987/95 (Lei de Concessões).

Evidentemente, esse contrato não se equipara àqueles regulados pelo direito civil, o que se justifica pela especialidade de seu objeto, fazendo, inclusive, com que a Constituição

1 Segundo Marcos Juruena Villela Souto: As concessões são contratos de natureza tipicamente administrativa, at-ravés dos quais a Administração – poder concedente – transfere a um particular – concessionário – a realização e exploração, por sua conta e risco, de uma obra ou serviço público, cabendo a este o direito de remunerar-se através da cobrança de uma tarifa, paga pelo usuário do serviço, sendo o valor fixado pelo concedente de acordo com a proposta vencedora da licitação (Lei nº 8.987/95). SoUTo, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Concessões, p.10.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

99

da república reconhecesse seu caráter especial (art. 175, parágrafo único, inciso i). Nesse contexto, a própria Lei de Concessões estabelece os parâmetros da política tarifária, enuncia direitos e obrigações dos usuários, arrola as cláusulas que necessariamente devem constar do contrato de concessão, dentre outras diretrizes que assinala, a evidenciar, portanto, sua publi-cização.

A par dessa relação jurídica de direito público, que se forma entre o poder con-cedente e a concessionária, há outra que se estabelece entre esta e os tomadores do serviço (usuários/consumidores).

É que ao celebrar com o Estado o contrato de concessão, o prestador do serviço o executa e administra por sua conta e risco, mas o fornecimento aos usuários, por sua vez, configura relação jurídica diversa, governada pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078, de 11.9.1990). Entretanto, em que pese a subordinação a regimes distintos, essas relações jurídicas não são totalmente estranhas uma à outra, porquanto ao Estado, na forma da lei, incumbe promover a defesa do consumidor, conforme preceitua o art. 5°, inciso XXXii, da Constitui-ção da república.

Com efeito, do texto constitucional se extrai que a defesa do consumidor foi erigida a princípio geral da atividade econômica (art. 170, inciso V), bem como a matéria se insere na competência legislativa concorrente dos entes federados, consoante o art. 24, inciso Viii, de sorte que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios têm o dever inescusável de efetivar os direitos dos consumidores 2.

Não é isso, contudo, o que se vê.

o Estado, ao delegar à iniciativa privada a prestação de serviço público, em regra não interfere na relação de consumo que vincula as concessionárias e os tomadores dos servi-ços (usuários). As agências reguladoras, que são entes da Administração Pública dotados de autonomia, cuja vocação é de atuar com perfil técnico de regulação, ainda não se mostraram plenamente capacitadas a exigir das concessionárias a prestação do serviço público adequado, ou seja, aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,

2 outra evidência de que o direito do consumidor é de estatura constitucional está no art. 150, §5° da CrFB, segundo o qual a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

100

atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas, na forma do art. 6°, §1°, da Lei n° 8.987/95.

Não sem razão é notória a presença das concessionárias de serviços públicos na lista das empresas que mais movimentam a máquina judiciária, o que poderia ser mitigado se o poder concedente assumisse efetivamente o dever constitucional de assegurar a defesa do consumidor, atuando, por exemplo, na harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e na compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, ou, ainda, na racionalização e melhoria dos serviços públicos, consoante preconiza o art. 4°, incisos iii e Vii, do CDC 3.

A verdade é que a presença do Estado em matéria de concessão de serviço público se faz notar de maneira mais contundente quando é autorizado o reajuste ou revisão na tarifa, à vista da repercussão do acréscimo do preço para sociedade. Pode-se afirmar, por conseguin-te, que o modelo de regulação adotado pelo Estado brasileiro a partir da atuação das agências reguladoras não realizou a conciliação possível entre os interesses antagônicos que opõem consumidores e concessionárias de serviços públicos.

As agências reguladoras de serviços públicos, que, repise-se, são autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias 4, também estão investidas da prerrogativa de intervir na relação jurídica que se estabelece entre as concessionárias e os usuários/consumidores, num processo de publicização da relação de consumo �.

Em percuciente estudo sobre o tema, assevera Alexandre Santos Aragão 6 que a re-gulação estatal da economia corresponde ao conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agen-

3 Art. 4º A Política Nacional das relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumi-dores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qual-idade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:[...]iii - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;[...]Vii - racionalização e melhoria dos serviços públicos;.4 ArAGÃo, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico. p.275.5 ob. cit., p. 384.6 ob.cit., p. 37.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

101

tes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis. o fato é que o Estado não torna efetivo este modelo, embora “atividade estatal econômica” e “serviços públicos” não se confundam, haja vista o tratamento diferenciado que lhes reservou a Constituição da república. 7

Esta omissão do poder concedente no que concerne às atividades de regulação dos serviços públicos teve, como não poderia deixar de ser, reflexos na relação jurídica entre as concessionárias e os consumidores, relevando destacar que a conseqüência de maior reper-cussão social consiste na interrupção do fornecimento do serviço diante do inadimplemento da tarifa por parte do usuário, impedindo-o de ter acesso à determinada prestação.

Como ninguém se resigna em sobreviver impossibilitado do recebimento de bens vitais como água e energia, foi o Judiciário chamado a solucionar os litígios que opunham consumidores inadimplentes e concessionárias de serviços públicos.

Nesta senda, a pretensão dos consumidores se lastreava, em regra, na tese de que a interrupção do serviço configurava exercício da autotutela vedada pelo ordenamento jurí-dico, expondo, bem por isso, o consumidor a situação constrangedora, além de vulnerar o princípio da continuidade do serviço público.

Durante algum tempo, pois, a jurisprudência predominante foi favorável aos con-sumidores, sobretudo porque o CDC, no seu art. 22, caput, determina que a prestação de serviços públicos essenciais seja contínua e o art. 42, ao tratar da cobrança de dívidas, pros-creve a exposição do consumidor inadimplente ao ridículo, bem como a ameaça ou qualquer constrangimento para compeli-lo a quitar o débito. Com arrimo nestes dispositivos legais, inicialmente, os tribunais decidiam não ser possível a interrupção dos serviços públicos por falta de pagamento da tarifa respectiva, como se destaca dos seguintes acórdãos do Superior Tribunal de Justiça:

ForNECiMENTo DE áGUA - SUSPENSÃo - iNADiMPLÊNCiA Do USU-ário – ATo rEProVáVEL, DESUMANo E iLEGAL - EXPoSiÇÃo Ao ri-DÍCULo E Ao CoNSTrANGiMENTo.A Companhia Catarinense de água e Saneamento negou-se a parcelar o débito do usuário e cortou-lhe o fornecimento de água, cometendo ato reprovável, desumano e ilegal. Ela é obrigada a fornecer água à população de maneira ade-

7 Com efeito, vide os artigos 173 e 175 da CrFB.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

102

quada, eficiente, segura e contínua, não expondo o consumidor ao rídiculo e ao constrangimento.recurso improvido. (rEsp 201112/SC, relator Ministro Garcia Vieira, julgado em 10.4.1999)

ADMiNiSTrATiVo. AGrAVo rEGiMENTAL. rECUrSo ESPECiAL. ENErGiA ELÉTriCA. SErViÇo PÚBLiCo ESSENCiAL. CorTE DE For-NECiMENTo. CoNSUMiDor iNADiMPLENTE. iMPoSSiBiLiDADE.Esta Corte vem reconhecendo ao consumidor o direito da utilização dos ser-viços públicos essenciais ao seu cotidiano, como o fornecimento de energia elétrica, em razão do princípio da continuidade (CDC, art. 22).o corte de energia, utilizado pela Companhia para obrigar o usuário ao paga-mento de tarifa em atraso, extrapola os limites da legalidade, existindo outros meios para buscar o adimplemento do débito.Precedentes.Agravo regimental improvido.(Agrg no rEsp 298017/MG, relator Ministro Francisco Falcão, julgado em 3.4.2001)

A bem da verdade, a Lei nº 8.987/1995, posterior ao CDC, já previa que a interrup-ção do serviço era legítima no caso de inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade, exigindo apenas que houvesse comunicação prévia. reza o art. 6°, §3° da Lei de Concessões:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço ade-quado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continui-dade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua presta-ção e modicidade das tarifas.§ 2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:i - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,ii - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

103

Destarte, a partir do entendimento da 1ª Seção no julgamento do recurso Especial nº 363.943/MG 8, a jurisprudência do STJ evoluiu no sentido oposto, isto é, reconhecendo a possibilidade de interrupção do fornecimento do serviço público, quando, após aviso, perma-necer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. Confira-se:

ADMiNiSTrATiVo - SErViÇo PÚBLiCo - CoNCEDiDo ENErGiA ELÉ-TriCA - iNADiMPLÊNCiA.1. os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou deter-mináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica.2. os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da admi-nistração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/1995, que dispõe sobre a con-cessão e permissão dos serviços público.3. os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sen-do facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio.4. os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadim-plência, como previsto no art. 6º, § 3º, ii, da Lei 8.987/1995, Exige-se, entre-tanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/1997, que criou a ANEEL, idêntica previsão.5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade da partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta).6. recurso especial provido.(rEsp 525500/AL, relatora Ministra Eliana Calmon, julgado em 16.12.2003).

ADMiNiSTrATiVo. AGrAVo rEGiMENTAL. AGrAVo DE iNSTrU-MENTo. ForNECiMENTo DE ENErGiA ELÉTriCA. CoNSUMiDor iNADiMPLENTE. SUSPENSÃo Do SErViÇo. PrEViSÃo LEGAL. PoSSi-BiLiDADE. PriNCÍPio DA ProPorCioNALiDADE.

8 Cumpre registrar o entendimento pessoal dos Ministros Luiz Fux e José Delgado, vencidos na questão.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

104

1. A interrupção no fornecimento de energia elétrica ao consumidor inadim-plente realizada na forma do art. 6º, § 3º, ii, da Lei n. 8.987/1995 não confi-gura descontinuidade na prestação do serviço para fins de aplicação dos arts. 22 e 42 do CDC.2. Destoa do arcabouço lógico-jurídico que informa o princípio da propor-cionalidade o entendimento que, a pretexto de resguardar os interesses do usuário inadimplente, cria embaraços às ações implementadas pela fornece-dora de energia elétrica com o propósito de favorecer o recebimento de seus créditos, prejudicando, em maior escala, aqueles que pagam em dia as suas obrigações.3. Se a empresa deixa de ser, devida e tempestivamente, ressarcida dos custos inerentes às suas atividades, não há como fazer com que os serviços perma-neçam sendo prestados com o mesmo padrão de qualidade. Tal desequilíbrio, uma vez instaurado, vai refletir, diretamente, na impossibilidade prática de observância do princípio expresso no art. 22, caput, do Código de Defesa do Consumidor.4. Agravo regimental provido para conhecer do agravo de instrumento e dar provimento ao recurso especial.(Agrg no Ag 497589/SP, relator Ministro João otávio de Noronha, julgado em 6.4.2004)

ADMiNiSTrATiVo. áGUA. ForNECiMENTo. CorTE. ArT. 6º, § 3º, ii, DA LEi Nº 8.987/1995. LEGALiDADE. DÉBiToS ANTiGoS.1. o princípio da continuidade do serviço público, assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor, deve ser obtemperado, ante a regra do art. 6º, § 3º, ii, da Lei nº 8.987/1995, que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de água quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuá-rio, considerado o interesse da coletividade. Precedentes de ambas as Turmas de Direito Público.2. É indevido o corte do fornecimento de serviço público essencial, seja de água ou de energia elétrica, nos casos em que se trata de cobrança de débitos antigos e consolidados, os quais devem ser reivindicados pelas concessioná-rias pelas vias ordinárias de cobrança, sob pena de infringir o disposto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, de seguinte teor: “Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”.3. recurso especial improvido.(rEsp 888288/rS, relator Ministro Castro Meira, julgado em 17.4.2007)

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

10�

Atualmente, o entendimento preponderante é o de legitimar a interrupção do serviço, desde que precedida de aviso, se não houver o pagamento da tarifa respectiva pelo usuário.

3. A impossibilidade de interrupção do serviço público prestado sob regime de concessão e a solução (parcial) da lei nº 11.44�/2007

Diante deste cenário, em que a Lei de Concessões, superveniente ao CDC, reconhece a validade da interrupção do serviço público no interesse da coletividade se o consumidor/usuário estiver inadimplente com o pagamento da tarifa, condicionando-o, apenas, ao aviso prévio por parte da concessionária (art. 6º, §3º, inciso ii) e os tribunais, notadamente o STJ, vêm aplicando o referido dispositivo legal sem a cautela de observar se, no caso concreto, está sendo preservado o princípio da dignidade humana 9, a inovação trazida pela Lei nº 11.445/2007 é bem-vinda.

A Lei n° 11.445/2007, concebida para regular a prestação de serviços no setor sane-amento básico, dispõe no art. 40 acerca das hipóteses de interrupção do serviço, contemplan-do, no inciso V, o inadimplemento do usuário do serviço de abastecimento de água quanto ao pagamento das tarifas, após ter sido formalmente notificado, na linha do que já disciplinado pela Lei de Concessões.

No §3° do art. 40, porém, estabelece o seguinte:

Art. 40.[...] § 3º A interrupção ou a restrição do fornecimento de água por inadimplência a estabelecimentos de saúde, a instituições educacionais e de internação coletiva de pessoas e a usuário residencial de baixa renda beneficiário de tarifa social deverá obedecer a prazos e critérios que preservem condições mínimas de ma-nutenção da saúde das pessoas atingidas.

Diferentemente da Lei de Concessões e do CDC, a Lei n° 11.445/2007 contempla a interrupção e a restrição do fornecimento do serviço de abastecimento de água, do que se depreende serem essencialmente distintos.

A interrupção, com efeito, é a privação do serviço durante certo período de tempo, durante o qual o usuário deixa de usufruir da prestação a cargo da concessionária. Segundo

9 A crítica é do Ministro Luiz Fux, expressa na ementa do recurso Especial nº 60.4364/CE, do qual foi relator.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

106

a Lei nº 11.445/2007, poderá haver a interrupção do serviço de abastecimento de água a) nas situações de emergência que atinjam a segurança de pessoas e bens; b) quando houver neces-sidade de efetuar reparos, modificações ou melhorias de qualquer natureza nos sistemas; c) existindo negativa do usuário em permitir a instalação de dispositivo de leitura de água con-sumida, após ter sido previamente notificado a respeito; d) no caso de manipulação indevida de qualquer tubulação, medidor ou outra instalação do prestador, por parte do usuário; e e) na hipótese de inadimplemento do usuário do serviço de abastecimento de água, do paga-mento das tarifas, após ter sido formalmente notificado.

Embora o último caso seja o de inadimplemento do usuário, nem sempre haverá a interrupção do serviço, pois se o consumidor em débito com o pagamento da tarifa for estabelecimento de saúde, instituição educacional e de internação coletiva de pessoas ou usu-ário residencial de baixa renda beneficiário de tarifa social, não poderá haver a cessação do serviço, mas apenas restringida a sua prestação, em ordem a obedecer a prazos e critérios que preservem condições mínimas de manutenção da saúde das pessoas atingidas. Eis, no ponto, a distinção entre interrupção e restrição, porquanto a segunda não inviabiliza o acesso ao serviço público, diferentemente da primeira.

Não se pode, evidentemente, enxergar a prestação de serviço público de natureza essencial sob a ótica dos contratos típicos do direito civil. o objeto em si da prestação, pela relevância social de que se reveste, reclama tratamento condizente com esse status, sem olvidar, ainda, que a dignidade humana foi guindada à finalidade precípua da ordem eco-nômica 10 (art. 170, caput, da CrFB).

Nesse contexto, tendo-se como certo que uma existência digna abrange mais do que a mera sobrevivência física, situando-se além do limite da pobreza absoluta, pois a dignidade humana apenas estará assegurada quando for possível uma existência que permita a plena frui-ção dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade, conforme cita ingo Wolfgang Sarlet 11, a possibilidade, em tese, de interrupção do fornecimento de serviço público essencial, sem, portanto, assegurar minimamente a preser-vação das condições de saúde e bem-estar, revela-se contrária à ordem constitucional.

Pode-se falar, até, num direito fundamental a todos os serviços públicos essenciais, cabendo transcrever, aqui, a oportuna observação de ingo Sarlet 12:

10 Sem prejuízo da diferença entre atividade econômica e serviço público a que já se mencionou anteriormente.11 SArLET, ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 342. 12 ob. cit., pp. 380-381.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

107

Com efeito, considerando-se que a prestação de serviços públicos, especial-mente os enquadráveis como essenciais (sendo, de qualquer sorte, discutível a existência de serviço não essencial no contexto do Estado social e democrático de Direito na sua feição atual) diz diretamente com a efetiva fruição dos direi-tos fundamentais na sua dupla dimensão negativa e positiva (basta recordar os exemplos da segurança pública, do acesso à justiça, do saneamento básico, do fornecimento de energia, bem como das prestações em matéria de educação e de saúde, entre outros) no mínimo haveria de se reconhecer um direito funda-mental a todos os serviços públicos essenciais.

A interrupção do fornecimento do serviço em razão do inadimplemento da tarifa pelo usuário, no interesse da coletividade, conforme previsão da Lei de Concessões pretendeu prestigiar o critério de justiça segundo o qual não é correto distribuir entre os consumidores que honram o pagamento das tarifas o ônus do inadimplemento dos que se encontram em mora 13. Legitima-se, pois, a exceção do contrato não-cumprido, ainda que o objeto em ques-tão seja o acesso a um bem essencial da vida, como a água ou a energia elétrica, por exemplo. A propósito, em se tratando dos serviços públicos de abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica, que estão inegavelmente atrelados ao conceito de sobrevivência digna, e, conseqüentemente, ao princípio da dignidade humana, é possível propugnar que não há amparo constitucional para sua supressão em razão do inadimplemento da tarifa devida ao concessionário. Veja-se, no ponto, o que sustenta Paulo ricardo Schier 14 acerca das limitações aos direitos fundamentais:

Portanto, nem sempre a lei desempenha papel axiologicamente negativo peran-te os direitos fundamentais. Tal sucede, primordialmente, de forma explícita, somente nas hipóteses de restrições de direitos fundamentais ou então, ilegi-timamente, implicitamente, naqueles casos em que o Parlamento, sob pretex-to de definição, de conformação legislativa desses direitos, acaba por realizar restrição não autorizada (situação esta, aliás, de difícil demonstração, salvo em casos extremos, eis que, nada obstante esforço doutrinário neste sentido, ine-xistem critérios práticos seguros de distinção entre conformação e restrição).

13 Confira-se, a propósito, o Agravo regimental no recurso Especial nº 619.610/rS (relator Ministro Francisco Falcão), no qual o STJ assentou a possibilidade de interrupção do serviço essencial mesmo que o consumidor seja ente público, o que se justificaria em atendimento aos interesses da coletividade, na medida em que outros usuários sofrerão os efeitos da inadimplência do Poder Público, podendo gerar uma mora continuada, assim como um mau funcionamento do sistema de fornecimento de energia.14 SArMENTo, Daniel (org.). Ensaio sobre a Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e o Regime Ju-rídico dos Direitos Fundamentais. in Interesses Públicos versus Interesses privados: Desconstruindo o Princípio da Supremacia do Interesse Público. pp. 225-226.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

108

É por esta razão que foi na seara das restrições aos direitos fundamentais que se desenvolveram as mais importantes contribuições para a compreensão entre as relações entre os direitos, liberdades e garantias fundamentais e a atividade legislativa. Daí porque emergem, na dogmática constitucional, os seguintes to-poi para a leitura das restrições aos direitos fundamentais: (i) os direitos fun-damentais só podem ser restringidos nos casos expressamente admitidos pela Constituição; (ii) não existe uma cláusula geral de admissão de restrição dos direitos fundamentais; (iii) a restrição só pode ter lugar por atividade do pró-prio constituinte originário (que pode estabelecer a restrição diretamente) ou nos casos em que este (poder constituinte originário) autorizou expressamente pela via da lei (reserva de lei), sendo, portanto, ilícita a restrição pelo veículo complementar; (iv) não pode a lei restritiva, ainda quando autorizada, devolver o juízo de restrição para o campo de atuação discricionária da Administração Pública; (v) mesmo quando autorizada, a restrição só poderá ser reputada le-gítima na medida necessária para salvaguardar outro direito fundamental ou outro interesse ou bem constitucionalmente protegido, sujeitando-se, logo, aos princípios da proibição do excesso e da proporcionalidade; (vi) as leis restriti-vas devem ter caráter geral e abstrato e, por fim, (vii) as leis restritivas devem estar materialmente vinculadas ao princípio da preservação do núcleo essen-cial.

A Lei de Concessões, por conseguinte, ao autorizar a interrupção do serviço público considerado o interesse da coletividade, diante do não pagamento da tarifa pelo usuário, pre-tende contrapor o interesse privado do consumidor inadimplente ao interesse público, tido, não necessariamente, aqui, como o interesse da Administração Pública, mas como o interesse da sociedade em geral. o que se tem é uma invocação disfarçada e distorcida do “princípio” da supremacia do interesse público, adotando o legislador, inevitavelmente, a prevalência des-te sobre o interesse particular, ainda que isto sacrifique, no caso concreto, direitos fundamen-tais.

Nesse ponto, releva destacar a aplicação do princípio da proporcionalidade como método para solucionar as antinomias entre as concessionárias de serviço público, que, por sua natureza, exercem atividade voltada ao lucro, e os consumidores, que, por contingências financeiras, deixam de pagar as tarifas, mas não podem ser integralmente privados do rece-bimento do serviço, por envolver bens indispensáveis à condição humana. É o que apregoa ingo Wolgang Sarlet 1�, verbis:

15 ob. cit., p.380-381.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

109

Nesse contexto também assume relevo o já referido princípio da proporcio-nalidade, que deverá presidir a atuação dos órgãos estatais (e dos particulares, se e quando for o caso, como ocorre especialmente nas hipóteses de prestação de serviços públicos por delegação) e que incide na sua dupla dimensão como proibição do excesso e de insuficiência, além de, nesta dupla acepção, atuar sempre como parâmetro necessário de controle dos atos do poder público, in-clusive dos órgãos jurisdicionais, igualmente vinculados pelo dever de proteção e efetivação dos direitos fundamentais. isso significa, em apertadíssima síntese, que os responsáveis pela proteção e implementação de direitos fundamentais, inclusive e especialmente no caso dos direitos sociais, onde a insuficiência ou inoperância (em virtude de omissão plena ou parcial do legislador e admi-nistrador) causa impacto mais direto e expressivo, deverão observar critérios parciais da adequação (aptidão do meio no que diz com a consecução da fi-nalidade almejada), necessidade (menor sacrifício do direito restringido) e da proporcionalidade em sentido estrito (avaliação da equação custo-benefício – para alguns, da razoabilidade – no que diz com a relação entre os meios e os fins), respeitando sempre o núcleo essencial do(s) direito(s) restringido(s), mas também não poderão, a pretexto de promover algum direito, desguarnecer a proteção de outro(s) – no sentido de ficar aquém de um patamar minima-mente eficiente de realização e de garantia do direito. Nesse contexto, vale o registro de que a proibição de insuficiência assume particular ênfase no plano da dimensão positiva (prestacional) dos direitos fundamentais, o que remete, por sua vez, à questão do mínimo existencial, que volta a assumir um lugar de destaque também por este prisma.

A Lei nº 11.445/2007, por conseguinte, é mais consentânea com a necessidade de se preservar, minimamente, a dignidade dos usuários em débito com a con-cessionária do serviço. Embora também autorize a interrupção dos serviços de saneamento básico nas hipóteses mencionadas no art. 40, elege situações nas quais, tendo por parâmetro o interesse público ou a condição social do devedor, não autoriza a interrupção do serviço, permitindo somente a restrição no fornecimento. Como se vê, a Lei do Saneamento alberga condições mínimas de ma-nutenção da saúde das pessoas atingidas quando o consumidor inadimplente for estabeleci-mento de saúde (hospitais, clínicas médicas, odontológicas, fisioterápicas, farmácias, públicas ou não, dentre outras), instituição educacional (escolas, universidades, centros acadêmicos, cursos, públicos ou não, dentre outros), instituição de internação coletiva de pessoas (estabe-lecimentos penais, tais como penitenciárias, colônias agrícolas, industriais ou similares, casas

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

110

de albergado, centros de observação, hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico e cadeias públicas, na forma dos artigos 82 a 104 da Lei de Execuções Penais, além das unidades previs-tas no Estatuto da Criança e do Adolescente) e usuário residencial de baixa renda beneficiário de tarifa social.

A inovação tem por escopo preservar o núcleo essencial do direito à saúde, pois, como afirmado, não se concebe a supressão do abastecimento de água pela falta de pagamento da tarifa à luz do ordenamento constitucional. Posto que se deva reconhecer o avanço no tratamento da matéria, não se pode dei-xar de registrar que o alcance do art. 40, § 3º da Lei nº 11.445/2007 é limitado às hipóteses que menciona, o que importa na possibilidade de interrupção do abastecimento de água fora desses casos, como se fosse permitido prescindir do serviço sem vulnerar o princípio consti-tucional da dignidade humana. o que se pretende afirmar, portanto, é que sendo o direito à saúde, inequivocamente, uma das mais importantes vertentes do princípio da dignidade hu-mana, em todo e qualquer caso deveriam ser assegurados os prazos e critérios que preservem condições mínimas de manutenção da saúde das pessoas atingidas, e não apenas naqueles que o legislador indicar.

impende registrar, outrossim, que apesar do que se propugna aqui, não se está a de-fender que os usuários/consumidores inadimplentes recebam, em igual extensão, os mesmos serviços destinados àqueles que pagam regularmente as tarifas, o que não seria possível sem afronta ao princípio da isonomia.

Há uma substancial diferença entre interromper o fornecimento do serviço, privan-do completamente o consumidor do acesso ao bem da vida, e restringir sua prestação, man-tendo apenas as condições mínimas essenciais para a sobrevivência digna 16. E aqui, pouco importa se o destinatário do serviço é um usuário beneficiado por tarifa social ou não. A todos, indistintamente, impõe-se a garantia do mínimo existencial, que fica essencialmente comprometido pela negativa da prestação de serviços públicos essenciais como o abasteci-mento de água ou o fornecimento de energia elétrica.

Em abono do que se sustenta, é oportuno reproduzir a ementa do recurso Especial nº 604.364/CE, cujo relator, Ministro Luiz Fux, ainda que tenha negado provimento ao re-

16 Como evidente, a distinção só faz sentido se se entender que a Lei nº 8.987/95 e a Lei nº 11.445/07, quando per-mitem a interrupção da prestação de serviço público por falta de pagamento da tarifa, conformam-se a Constituição da república.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

111

curso à vista da uniformização do entendimento do STJ nesta matéria, destacou que o corte do fornecimento de serviços essenciais – água e energia elétrica – como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos posto essenciais para a sua vida. Confira-se:

ADMiNiSTrATiVo. CorTE Do ForNECiMENTo DE ENErGiA ELÉ-TriCA. iNADiMPLÊNCiA Do CoNSUMiDor. LEGALiDADE.1. A 1ª Seção, no julgamento do rESP nº 363.943/MG, assentou o entendi-mento de que é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (Lei 8.987/95, art. 6º, § 3º, ii).2. Ademais, a 2ª Turma desta Corte, no julgamento do rESP nº 337.965/MG conclui que o corte no fornecimento de água, em decorrência de mora, além de não malferir o Código do Consumidor, é permitido pela Lei nº 8.987/95. 3. Não obstante, ressalvo o entendimento de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica – como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos posto essenciais para a sua vida, curvo-me ao posiciona-mento majoritário da Seção.4. Hodiernamente, inviabiliza-se a aplicação da legislação infraconstitucional impermeável aos princípios constitucionais, dentre os quais sobressai o da dig-nidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da república, por isso que inaugura o texto constitucional, que revela o nosso ideário como nação.5. in casu, o litígio não gravita em torno de uma empresa que necessita da energia para insumo, tampouco de pessoas jurídicas portentosas, mas de uma pessoa física miserável e desempregada, de sorte que a ótica tem que ser outra. Como afirmou o Ministro Francisco Peçanha Martins noutra ocasião, temos que enunciar o direito aplicável ao caso concreto, não o direito em tese. Forço-so, distinguir, em primeiro lugar, o inadimplemento perpetrado por uma pes-soa jurídica portentosa e aquele inerente a uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica.6. Em segundo lugar, a Lei de Concessões estabelece que é possível o corte con-siderado o interesse da coletividade, que significa interditar o corte de energia de um hospital ou de uma universidade, bem como o de uma pessoa que não possui condições financeiras para pagar conta de luz de valor módico, máxime quando a concessionária tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança. A

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

112

responsabilidade patrimonial no direito brasileiro incide sobre o patrimônio do devedor e, neste caso, está incidindo sobre a própria pessoa.7. outrossim, é voz corrente que o ‘interesse da coletividade’ refere-se aos muni-cípios, às universidades, hospitais, onde se atingem interesses plurissubjetivos.8. Destarte, mister analisar que as empresas concessionárias ressalvam eviden-temente um percentual de inadimplemento na sua avaliação de perdas, e os fatos notórios não dependem de prova (notoria nom egent probationem), por isso que a empresa recebe mais do que experimenta inadimplementos.9. Esses fatos conduzem a conclusão contrária à possibilidade de corte do forne-cimento de serviços essenciais de pessoa física em situação de miserabilidade, em contrapartida ao corte de pessoa jurídica portentosa, que pode pagar e pro-tela a prestação da sua obrigação, aproveitando-se dos meios judiciais cabíveis.10. recurso especial provido, ante a função uniformizadora da Corte.

4. Conclusão

Diante destas considerações, tem-se que a interrupção do fornecimento de serviços públicos essenciais ao usuário/consumidor nos casos de inadimplemento da obrigação con-substanciada no pagamento da tarifa devida ao concessionário é incompatível com o dever constitucional de preservar a defesa do consumidor a que está subordinado o Estado, porque a privação desses serviços afronta o princípio constitucional da dignidade humana, que resta-ria irrefragavelmente atingido com o impedimento do acesso ao abastecimento de água e de energia elétrica, por exemplo. Dessa forma, mesmo que se entenda legítima a restrição, por lei ordinária, ao fornecimento desses serviços, em cotejo com a preservação da higidez do siste-ma das concessões de serviços públicos e a isonomia no tratamento dispensado aos usuários que pagam regularmente as tarifas, sempre haverá de se assegurar as condições mínimas para sobrevivência digna, de sorte que a Lei nº 11.445/07, ao passo em que representa um louvável progresso legislativo, não alcança de forma universal a garantia da manutenção mínima do serviço de abastecimento de água, nem é suficiente para abrigar os direitos dos consumidores em relação a outros serviços públicos.

�. Referências

ArAGÃo, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Adminis-trativo Econômico. rio de Janeiro: Forense, 2002.

CArVALHo FiLHo, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11 ed. rio de Janeiro: Lumen iuris, 2004.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

113

MorAES, Guilherme Peña de. Direito Constitucional :Teoria da Constituição. 2 ed. rio de Janeiro: Lumen iuris, 2004.

SArLET, ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SArMENTo, Daniel (org.). Interesses Públicos versus Interesses privados: Desconstruin-do o Princípio da Supremacia do Interesse Público. rio de Janeiro: Lúmen iuris, 2005.

SoUTo, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Concessões. 5 ed. rio de Ja-neiro: Lumen iuris, 2004.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

11�

PARECERES

PARECER CONJUR/MCIDADES/Nº 4300/2007

ANáLiSE DA MiNUTA DE CoNVÊNio ENTrE A UNiÃo, Por iNTErMÉDio Do MiNiSTÉrio DAS CiDADES, E o (...), CoM o ViSo DE ProMoVEr AÇÕES DE rEGULAri-ZAÇÃo FUNDiáriA EM ASSENTAMENToS iNForMAiS.

(Processo nº 80000.010106/2007-35)

1. Versa o presente feito acerca do exame da legalidade da minuta de Convê-nio de fls. 111/121, a ser celebrado entre a União, através deste Ministério, (...), tudo com o viso de promover ações de regularização fundiária em assentamentos informais localizados em mencionado Estado.

2. o feito restou instaurado pelo memorando n.º 004554/2007/SNPU/MCi-DADES, em que a Secretaria Nacional de Programas Urbanos encaminha à Secretaria Execu-tiva a documentação referente à formalização da parceria em comento, fl. 01.

3. Através do oF. PrES N° 228/2007, fl. 02, a autarquia estadual solicita a liberação de recursos financeiros deste ministério para garantir a continuidade do Programa “Cidade-Cidadã” – “Projeto Tequenfim”, tudo com o objetivo de promover a regularização fundiária no Estado “considerando a existência de muitos bairros oriundos da proliferação do processo de informal ocupação urbana”, restando anexado o rol dos municípios a serem alvo das ações da parceria, fls. 03/2004.

4. A SNPU expediu Nota Técnica nº 35, a qual ressalta a importância da for-malização do convênio, no sentido de que suas ações “contribuirão para a inclusão social dos moradores de assentamentos informais, na medida que propiciarão a garantia do direito à

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

116

moradia e à função social da propriedade”, informando que o objeto das ações serão assen-tamentos precários no Estado do Mato Grosso, a serem delimitados no Plano de Trabalho.

5. Atendendo à solicitação de fl. 09, a autarquia estadual convenente enca-minhou o ofício n.º 060/CoAFi/PrES/07, anexando os documentos de fls. 12/40, incluindo Plano de Trabalho, certidões de regularidade fiscal, entre outros. 6. Em nova Nota Técnica, às fls. 43/44, a SNPU reitera a relevância da celebra-ção do convênio e, nas fls. 56/72, a (...) providenciou a juntada aos autos de novos documen-tos, incluindo novo Plano de Trabalho de fls. 57/64.

7. Já nas fls. 73/81 e 82/90 dormitam minutas do convênio a ser celebrado entre as partes, sendo que esta última foi objeto do Parecer n.º 4076/2007 desta Consultoria Jurídica, fls. 94/101, ocasião em que foram apontadas algumas observações, destacando-se as seguintes:

• Aparente discrepância nos locais onde serão realizadas as ações de regulariza-ção fundiária, notadamente acerca da titularidade das propriedades;• Ausência de diretrizes para delimitar as famílias que serão beneficiadas;• incluir cláusula que responsabilize a convenente pela regularização da situ-ação dos imóveis objeto da parceria junto aos respectivos Cartórios, mesmo após a expiração do prazo de vigência do Convênio;• incluir na minuta cláusula referente à forma que o Ministério das Cidades acompanhará a execução dos serviços, nos termos do art. 6º do Decreto n.º 6.170/2007;• inserir cláusula que determine ao Estado (...), que atuará no convênio como interveniente, reconhecer a situação jurídica dos moradores ocupantes de imó-veis de sua propriedade;• Determinar que a (...) demonstre a forma utilizada para chegar ao valor de r$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais), posto que apenas será possível a exata mensuração dos custos após elaboração da metodologia e le-vantamento do diagnóstico, o que ainda não foi feito; • remessa dos autos à CGLoG para atendimento das observações apontadas, com retorno dos autos a esta Consultoria para emissão de parecer conclusivo.

8. Na Nota Técnica de fls. 106/110, em atendimento ao parecer desta Con-sultoria, foram feitas algumas alterações e incluídas cláusulas na minuta do convênio, tudo considerando também a elaboração de novo Plano de Trabalho pela instituição convenente e a apresentação de memória de cálculos.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

117

9. Eis o relatório.

10. o presente exame tem por objetivo analisar a compatibilidade da Minuta de Convênio com as determinações legais que regem a matéria, tudo com esteio no parágrafo único do art. 38 da Lei n.º 8.666/1993.

11. A parceria a ser celebrada entre a União, através do Ministério das Cidades, e o (...) tem por fim promover ação de regularização fundiária em assentamentos informais em Municípios do Estado do (...), beneficiando cerca de 10.000 (dez mil) famílias, predomi-nantemente de baixa renda, conforme novo Plano de Trabalho de fls. 122/127.

12. inicialmente, no que pertine aos requisitos necessários à celebração do con-vênio, é sabido que a instrução Normativa n.º 1/1997 da Secretaria do Tesouro Nacional, em seu art. 5º, § 1º, inciso iii, veda a formalização de referida parceria com entes em débito junto a órgão ou entidade da Administração Pública, exigindo a comprovação da respectiva regula-ridade fiscal.

13. No caso concreto, observa-se que não consta nos autos comprovação da regularidade fiscal da autarquia estadual perante a municipalidade, o que deve ser providen-ciado mediante apresentação de certidão negativa (ou positiva com efeito de negativa) de débitos fiscais atualizada.

14. Ademais, verifica-se que as certidões de fls. 33 e 53 estão fora do prazo de validade, sendo imperioso que referidos comprovantes atualizados sejam acostados aos fólios, posto que a comprovação da regularidade fiscal é condição para formalização do convênio. ressalte-se, ainda, que no momento da celebração do convênio devem novamente ser exigi-dos os certificados de regularidade fiscal, caso algum deles tenha seu prazo de validade expi-rado no interregno, em conformidade com o parágrafo único do art. 3º da iN n.º 1/1997:

Art. 3º A obrigação de os entes federativos e respectivos órgãos ou entidades vinculados comprovarem tanto sua situação de regularidade, perante os órgãos ou entidades públicos federais, quanto o atendimento das exigências da Lei de responsabilidade Fiscal, será procedida mediante apresentação da devida do-cumentação impressa ou, alternativamente, a critério do convenente, via con-sulta ao Cadastro Único de Convênio (Cauc), de que trata a instrução Norma-tiva nº 1, de 17 de outubro de 2005, desta Secretaria.Parágrafo único. A comprovação de que trata o “caput” deste artigo deve ser re-alizada no ato de celebração (assinatura) do convênio ou respectivos aditamen-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

118

tos, se houver, e quando da liberação de cada parcela de recursos envolvidos. (destaque nosso)

15. Por oportuno, considerando o disposto no art. 37, inciso XiX, da Constitui-ção Federal de 1988, o qual dispõe que somente por lei específica pode ser criada autarquia, é necessário que também sejam acostados aos autos cópia integral da Lei Estadual que instituiu o (...), com as respectivas atualizações.

16. Destaque-se, outrossim, que em atendimento às observações contidas no parecer jurídico desta Consultoria, a entidade convenente, com o viso de buscar delimitar as famílias que serão beneficiadas com as ações de regularidade fundiária, estabeleceu que serão objeto das ações “ocupações com mais de 10 anos, de posse mansa e pacífica, em locais de domínio do Município e do Estado”, fl. 122.

17. Como é cediço, a imprescritibilidade dos bens públicos, independentemen-te da categoria (uso comum do povo, uso especial ou dominical), é preceito constitucional, como se vê dos art. 183, § 3º e 191 da Constituição Federal de 1988, e ainda do art. 102 do Código Civil, vejamos, respectivamente:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizan-do-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º - o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, pos-sua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a proprie-dade. Parágrafo único. os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 102. os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.(destaques opostos)

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

119

18. Apesar de não restar expresso no Plano de Trabalho, verifica-se que há pre-visão de uma espécie de usucapião de bens públicos, na medida em que estabelece como requi-sito para que a família seja abrangida no Programa o prazo de 10 anos de ocupação do imóvel público, de forma mansa e pacífica. Todavia, como se vê das determinações constitucionais, os bens públicos são insuscetíveis de usucapião, seja qual for a categoria a que pertençam, inclusive os bens públicos desafetados, nos termos do art. 100 e 101 do Código Civil:

Art. 100. os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei de-terminar.

Art. 101. os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exi-gências da lei.

19. Na verdade, como os imóveis que serão alvo da regularização fundiária são bens públicos, pertencentes ao Estado (...) ou a Municípios, conforme esclarecido nas fl. 122, faz-se necessária a aprovação de lei estadual e municipal, respectivamente, autorizando a alie-nação gratuita dos imóveis aos ocupantes, senão vejamos o que dispõe o art. 17, inciso i, alínea f, da Lei n.º 8.666/93, com a redação determinada pela Lei n.º 11.481, de 31 de maio de 2007:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existên-cia de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:...i - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da admi-nistração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na mo-dalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: ...f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, desti-nados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou enti-dades da administração pública; (redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007) – grifos opostos

20. A Lei n.º 11.418/2007 veio para esclarecer que, tanto para alienação gratuita, quanto para alienação onerosa de bens públicos imóveis, faz-se necessária a aprovação de lei autori-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

120

zadora do ente federativo respectivo, posto que, na redação anterior da alínea “f ”, conferida pela Medida Provisória n.º 355/2006, havia previsão apenas de “alienação”, sem conter os vo-cábulos “gratuita ou onerosa”, os quais foram didaticamente acrescidos pela Lei em comento.

21. No caso em análise, verifica-se que para promover licitamente a alienação gratuita ou onerosa de bens públicos imóveis, é imprescindível a aprovação de lei estadual ou municipal, com avaliação prévia, não sendo necessária a licitação, já que o objeto do convênio em mesa enquadra-se no conceito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública, disposto na alínea “f ” do inciso i, do art. 17 da Lei n.º 8.666/1993.

22. Neste sentido, diante da inconstitucionalidade da previsão de usucapião de bens imóveis; considerando a exigência de lei autorizadora para alienação gratuita ou onerosa de bens públicos imóveis; bem como considerando ser oportuno que os recursos federais a serem repassados à autarquia convenente apenas devem ser liberados após a aprovação de referida lei, entendemos que para viabilizar a celebração da parceria é preciso ser previamente delimitado, com precisão, o âmbito espacial onde se darão as ações de regularização fundiária do presente convênio, bem como a prévia publicação e vigência de leis estaduais e municipais autorizando a alienação gratuita de referidos bens públicos.

23. Na verdade, além de ser inconstitucional a previsão de uma espécie de usu-capião de imóvel público, entendemos ser temerária a liberação de vultosos recursos federais para serem investidos em ações de promoção de regularização fundiária em bens imóveis pertencentes a outros entes da federação. Antes de mencionada liberação, devem estar em plena vigência as leis estaduais e municipais a que se refere o art. 17, i, “f ”, da Lei n.º 8.666/1993, com a redação conferida pela Lei n.º 11.418/2007.

24. Com relação às famílias de alta ou média renda que eventualmente venham a ser beneficiadas com ações do programa, também é necessária autorização legal e prévia avaliação para alienação onerosa dos bens públicos ocupados. outrossim, deve haver regu-lamentação dos termos e condições em que se dará a alienação. Neste sentido, prevenindo eventual burla ao preceito constitucional da isonomia, é razoável que todos os entes federados envolvidos tratem a matéria de forma equânime, buscando conferir tratamento igualitário aos beneficiados, na medida da razoabilidade e da proporcionalidade. 25. Neste sentido, somos pela impossibilidade da celebração da parceria por for-ça da inexistência das leis estaduais e municipais que autorizem a alienação gratuita ou onerosa dos bens públicos ocupados, posto que o objetivo essencial do programa constitui assegurar

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

121

moradia digna a famílias de baixa renda, nos termos do art. 6º da Constituição Federal e, na verdade, a aquisição da propriedade dos imóveis pelos beneficiados apenas se dará caso haja autorização de lei ordinária e avaliação prévia do ente federal titular das terras a serem regula-rizadas fundiariamente, consoante art. 17, inciso i, alínea “f ”, da Lei n.º 8.666/1993.

26. A título de sugestão, opina-se no sentido de que o Estado (...) e os Municípios que forem alienar seus imóveis para participar da regularização fundiária também sejam par-tícipes do convênio, todos na qualidade de convenentes. Tal medida, além de assegurar ainda mais a viabilidade das ações do programa, poderá implicar economia aos cofres federais, posto que os demais partícipes, além de alienarem seus bens, deverão oferecer valores a título de con-trapartida. Ademais, com a participação de todos os entes beneficiados, também seria possível pensar em incrementar o montante de famílias a serem agraciadas com as ações de regulariza-ção fundiária, já que a participação dos entes federados importará aumento dos recursos.

27. A execução dos serviços continuaria sendo atribuição do (...), os demais entes federativos teriam como obrigação, em síntese, a contribuição referente à contrapartida, além de garantir a disponibilização (autorização legal para alienação gratuita ou onerosa) dos bens a serem objeto das ações de regularidade fundiária. É oportuno registrar que o valor oferecido como contrapartida pelos Municípios parceiros deve ser investido no respectivo espaço territorial.

28. ressalte-se, por oportuno, que o art. 25 da iN n.º 1/1997 da STN veda que entes da federação celebrem convênios com mais de uma instituição com o mesmo objeto. Assim, apesar da ressalva contida no parágrafo único do dispositivo em comento, ao invés de estabelecer que a convenente, no caso, (...), deverá trabalhar em parceria com os Municípios, seria conveniente que todos os entes integrassem um só convênio.

Art. 25. As unidades da Federação e os municípios que receberem transferên-cias dos órgãos ou entidades, mencionados no art. 1º desta instrução Normati-va, para execução de programa de trabalho que requeira nova descentralização ou transferência, subordinará tais transferências às mesmas exigências que lhe foram feitas, conforme esta instrução Normativa. Parágrafo único. os órgãos ou entidades da Administração Pública Federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal não poderão celebrar convênio com mais de uma instituição para o mesmo objeto, exceto quando se tratar de ações complementares, o que deverá ficar consignado no respectivo convênio, deli-mitando-se as parcelas referentes de responsabilidade deste e as que devam ser executadas à conta do outro instrumento.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

122

29. Advirta-se, ainda, que a autarquia estadual convenente deverá observar o que dispõe o art. 27 da iN n.º 01/1997, devendo instaurar procedimento licitatório por oca-sião da execução das despesas com os recursos federais transferidos, preferencialmente por pregão eletrônico, vejamos:

Art. 27. o convenente, ainda que entidade privada, sujeita-se, quando da exe-cução de despesas com os recursos transferidos, às disposições da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, especialmente em relação a licitação e contrato, admi-tida a modalidade de licitação prevista na Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, nos casos em que especifica.

30. Como é cediço, consoante Decreto n.º 5.504, de 5 de agosto de 2005, as instituições convenentes têm a obrigação de licitar quando empregarem os recursos públicos da União, vejamos:

Art. 1º os instrumentos de formalização, renovação ou aditamento de convê-nios, instrumentos congêneres ou de consórcios públicos que envolvam repasse voluntário de recursos públicos da União deverão conter cláusula que determi-ne que as obras, CoMPrAS, SErViÇoS e alienações A SErEM rEALiZADAS Por ENTES PÚBLiCoS oU PriVADoS, CoM oS rECUrSoS oU BENS rE-PASSADoS VoLUNTAriAMENTE PELA UNiÃo, SEJAM CoNTrATADAS MEDiANTE ProCESSo DE LiCiTAÇÃo PÚBLiCA, DE ACorDo CoM o ESTABELECiDo NA LEGiSLAÇÃo FEDErAL PErTiNENTE.§ 1º Nas licitações realizadas com a utilização de recursos repassados nos termos do caput, para aquisição de bens e serviços comuns, será obrigatório o emprego da modalidade pregão, nos termos da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002, e do regulamento previsto no Decreto no 5.450, de 31 de maio de 2005, sendo preferencial a utilização de sua forma eletrônica, de acordo com cronograma a ser definido em instrução complementar.§ 2º A inviabilidade da utilização do pregão na forma eletrônica deverá ser devidamente justificada pelo dirigente ou autoridade competente. § 3º os órgãos, entes e entidades privadas sem fins lucrativos, convenentes ou consorciadas com a União, poderão utilizar sistemas de pregão eletrônico próprios ou de terceiros.§ 4º Nas situações de dispensa ou inexigibilidade de licitação, as entidades privadas sem fins lucrativos, observarão o disposto no art. 26 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, devendo a ratificação ser procedida pela instância má-xima de deliberação da entidade, sob pena de nulidade.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

123

§ 5º Aplica-se o disposto neste artigo às entidades qualificadas como organi-zações Sociais, na forma da Lei no 9.637, de 15 de maio de 1998, e às entidades qualificadas como organizações da Sociedade Civil de interesse Público, na forma da Lei no 9.790, de 23 de março de 1999, relativamente aos recursos por elas administrados oriundos de repasses da União, em face dos respectivos contratos de gestão ou termos de parceria.

Art. 2º os órgãos, entes e instituições convenentes, firmatários de contrato de gestão ou termo de parceria, ou consorciados deverão providenciar a transfe-rência eletrônica de dados, relativos aos contratos firmados com recursos pú-blicos repassados voluntariamente pela União para o Sistema integrado de Ad-ministração de Serviços Gerais - SiASG, de acordo com instrução a ser editada pelo Ministério do Planejamento, orçamento e Gestão.

Art. 3º As transferências voluntárias de recursos públicos da União subseqüen-tes, relativas ao mesmo ajuste, serão condicionadas à apresentação, pelos con-venentes ou consorciados, da documentação ou dos registros em meio eletrô-nico que comprovem a realização de licitação nas alienações e nas contratações de obras, compras e serviços com os recursos repassados a partir da vigência deste Decreto.

Art. 4º os Ministérios do Planejamento, orçamento e Gestão e da Fazenda expedirão instrução complementar conjunta para a execução deste Decreto, no prazo de noventa dias, dispondo sobre os limites, prazos e condições para a sua implementação, especialmente em relação ao § 1º do art. 1º, podendo estabelecer as situações excepcionais de dispensa da aplicação do disposto no citado § 1º.(destaques opostos)

31. No uso das atribuições contidas no art. 4º do transcrito Decreto, os Mi-nistérios do Planejamento, orçamento e Gestão e da Fazenda expediram a Portaria inter-ministerial n.º 217, publicada no DoU de 01/08/2006, alterada parcialmente pela Portaria interministerial n.º 150, de 18 de maio de 2007, as quais estabelecem que, in verbis:

PorTAriA iNTErMiNiSTEriAL Nº 217, DE 31 DE JULHo DE 2006

Dispõe sobre limites, prazos e condições para a execução do Decreto nº 5.504, de 5 de agosto de 2005.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

124

oS MiNiSTroS DE ESTADo Do PLANEJAMENTo, orÇAMENTo E GESTÃo E DA FAZENDA, no uso de suas atribuições e da competência esta-belecida no art. 4º do Decreto nº 5.504, de 5 de agosto de 2005, resolvem:

Art. 1º os instrumentos de formalização, renovação ou aditamento de convê-nios, instrumentos congêneres ou de consórcios públicos que envolvam repas-se voluntário de recursos públicos da União para entes públicos ou privados deverão conter cláusula que determine o uso obrigatório do pregão, preferen-cialmente na forma eletrônica, na contratação de bens e serviços comuns, nos termos da Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e do Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005, e estabeleça as seguintes condições:i - a inviabilidade da utilização do pregão na forma eletrônica deverá ser devi-damente justificada pelo dirigente ou autoridade competente responsável pela licitação;ii - não sendo viável a realização do pregão na forma eletrônica, deverá ser adotado o pregão presencial;iii - nos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação previstos nos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, será observado o disposto no art. 26 da mesma Lei, devendo a homologação ser procedida pela instância máxima de deliberação do ente público ou privado, sob pena de nulidade;iV - os entes públicos e privados poderão utilizar seus próprios sistemas eletrô-nicos de pregão, ou de terceiros; eV - os entes públicos e privados poderão formalizar termos de cooperação técnica com outros órgãos e entidades públicas ou privadas, incluindo o órgão repassador, para a realização do pregão, ficando o titular do ente pú-blico ou privado beneficiário do repasse como autoridade responsável pela licitação.Parágrafo único. Não se aplica o disposto neste artigo até a data de 31 de março de 2008 para os convênios ou instrumentos congêneres firmados com entida-des privadas sem fins lucrativos (Redação dada pelo(a) Portaria interministerial 150/2007/MF/MP)...

PAULo BErNArDo SiLVAMinistro de Estado do Planejamento, orçamento e Gestão

GUiDo MANTEGAMinistro de Estado da FazendaD.o.U., 01/08/2006 - Seção 1

(grifos nossos)

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

12�

32. Neste sentido, considerando a necessidade de instauração de procedimento licitatório e/ou de dispensa de licitação para contratação dos bens e serviços (sendo imperio-sa a utilização da modalidade pregão apenas quando se tratar de bens ou serviços comuns), tudo por força de mandamento constitucional, e zelando pelos princípios da isonomia, da competitividade, da economicidade, da impessoalidade e da supremacia do interesse público, somos pela inclusão no convênio de cláusulas regulamentando a matéria. Assim, acrescente-se a obrigatoriedade de realizar licitação, com a ressalva de que, caso se trate de bens ou ser-viços comuns, deve ser utilizada a modalidade pregão, preferencialmente eletrônico, fazendo constar expressamente a capitulação legal que rege a matéria no corpo do texto do convênio, Decreto n.º 5.504, de 5 de agosto de 2005 e as Portarias interministeriais acima apontadas.

33. Quanto aos demais apontamentos suscitados no parecer jurídico de fls. 94/101, listados no relatório deste pronunciamento, verifica-se que os mesmos restaram aten-didos na minuta do convênio de fls. 111/121, todavia, posterga-se o exame conclusivo da minuta para depois da adoção das providências apontadas.

34. Neste sentido, como as questões jurídicas ora apontadas constituem ma-térias prejudiciais e preliminares à celebração do convênio, somos pela remessa dos autos à Secretaria Nacional de Programas Urbanos a fim de que sejam avaliadas as ponderações suscitadas, adotando-se as medidas cabíveis, após o que os autos deverão retornar a esta Con-sultoria para novo exame da matéria. É o parecer. À consideração superior.

vICTOR XIMENES NOGUEIRAAdvogado da União

De acordo. Encaminhe-se à SNPU como sugerido.

Brasília, setembro de 2007.

CLEUCIO SANTOS NUNESConsultor Jurídico

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

126

PARECER – CONJUR/MINISTÉRIO DAS CIDADES/Nº 300/200�

CoMPANHiA BrASiLEirA DE TrENS UrBANoS, CBTU – EXTiNÇÃo DA EMPrESA – TrANSFErÊNCiA PArA EM-PrESAS ESTADUAiS E MUNiCiPAiS – LEi Nº 8.693/1993 – PArECErES CoNJUr MCiDADES NºS 481/2004 E 58/2005 – PArECEr CBTU Nº 004/2005 – ENTENDiMENTo

Processo nº 80000.034703/2004

1. A Companhia Brasileira de Trens Urbanos, CBTU, solicita nova análise dos autos, que cuidam da cisão da empresa, com a transferência de suas ações para Estados e Mu-nicípios, diante da juntada de seu Parecer nº 004/2005, oriundo da Superintendência Jurídica, a fim de atender à determinação constante do item i do Parecer Conjur Mcidades nº 58/2005, acostado às fls.256/263 (fls.270/8).

1.1. Preliminarmente, deve ser esclarecido que, conforme afirmação da Presi-dência da CBTU, o Parecer Conjur MCidades nº 481/2004 foi lavrado sem que a própria em-presa houvesse solicitado, visto que dera-se frente à solicitação da Secretaria Nacional de Mo-bilidade Urbana, SEMoB, deste Ministério, conforme se deflui do quanto contido às fls.264 e 267. 1.2. Diferentemente, o Parecer Conjur MCidades nº 58/2005, foi exarado diante de formal solicitação da Presidência da CBTU, o que exsurge claro diante do documento acos-tado às fls.02/03.

2. Assim é que, o Parecer último citado, ao concluir pela necessidade de prévia análise da questão pela área jurídica da própria CBTU, afirmou, em sua conclusão, o seguinte, in litteris:

a) as sociedades a serem cindidas da CBTU sejam constituídas como sociedades regidas pela Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, cujas ações serão de propriedade

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

127

da União – e não subsidiárias da CBTU – tendo por objeto a exploração dos servi-ços de transporte ferroviário coletivo de passageiros, urbano e suburbano, respecti-vamente nos Estados e Municípios onde esses serviços são prestados, atualmente;

b) haja aceitação prévia pelos Estados e Municípios onde os serviços são prestados, das ações da União nas sociedades constituídas por cisão da CBTU, consubstanciada em lei autorizativa da aceitação e para integrar o ente metropo-litano prestador dos serviços, ou o consórcio a ser criado;

c) haja previsão de cronograma tendente à transferência dos serviços e sua gestão, e de extinção da CBTU;

d) haja adaptação das cláusulas que prevêem a obrigação de os Estados res-ponderem por manifestação de vontade dos Municípios.”

2.1. Além dessas, outra afirmação constara do corpo do parecer, embora não viesse reafirmada nas conclusões finais, exatamente aquela constante do item V, contido à fl.261, e que diz com a suposta necessidade de “outorga dos serviços, temporariamente, à Com-panhia federal constituída a partir da cisão da CBTU, para a finalidade específica de prestar os serviços de transporte ferroviário de passageiros, urbano e suburbano”.

3. A CBTU, por sua vez, por meio do Parecer nº 004-2005/rSL/SUJUr/DA, acostado às fls.270/8, ao tempo em que diz ratificar o anterior Parecer Conjur MCidades nº 481/04 – que, como se viu, fora exarado sem completo conhecimento das questões envol-vidas –, concorda apenas parcialmente com seus teores, visto que, como afirma “ousamos discordar, data venia, do dito Parecer, consoante abordagem adiante aduzida” (fl.271).

3.1. Com efeito, após afirmar que concorda com a afirmativa do item iii do Pa-recer nº 58/2005, mas apenas no que diz com não ter a Lei nº 8.693/1993 estabelecido a cria-ção de subidiárias da CBTU, apresenta sua discordância, quanto à necessidade de criação de empresas estatais federais para, ainda que provisoriamente, prestar os serviços de transporte coletivo de passageiros, na qualidade de produto da cisão da CBTU.

3.2. Afirma que a competência constitucional dos entes da federação na matéria de transportes, aliada à mens legis da Lei nº 8.693/1993 implicam na impossibilidade de cria-ção de empresas federais para prestação dos serviços (fls.271/3).

3.3. Penso que a Lei nº 8.363/1993 é bastante clara, ao dispor:

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

128

Art. 3º Efetivada a transferência das ações a que se refere o art. 1º, fica autorizada a cisão da CBTU, mediante a criação de novas sociedades cons-tituídas para esse fim, cujo objeto social será, em cada caso, a exploração de serviços de transporte ferroviário coletivo de passageiros, urbano e suburba-no, respectivamente nos Estados e Municípios onde esses serviços são atual-mente prestados. § 1º A cisão far-se-á com a versão, em cada caso, de parcelas do patrimônio da CBTU diretamente vinculado à exploração dos serviços de transporte de que trata o caput deste artigo.

§ 2º As operações de cisão previstas neste artigo reger-se-ão pelo disposto nesta lei e nos arts. 223 a 226, 229, 230, 233 e 234, da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

§ 3º A cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade já existente e sob controle acionário direto ou indireto de Estado ou Município obedecerá às disposições do art. 227 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

§ 4º As ações da União nas sociedades a serem constituídas poderão ser alienadas, a qualquer título, inclusive mediante doação, aos Estados e Municí-pios nos quais os serviços de transporte são prestados.

§ 5º As operações de cisão de que trata este artigo só serão realizadas me-diante prévia aceitação, em cada caso, pelos respectivos Estados e Municípios, da doação prevista no parágrafo anterior.

§ 6º A transferência da exploração de todos os serviços de transporte a cargo da CBTU implicará a sua extinção ou dissolução, aplicando-se, em quais-quer dos casos, o disposto nos arts. 18, 20, 21 e 23, da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990.

3.3.1. Lei federal que é, diante das limitações constitucionais e atribui-ções de cada ente federativo, não poderia ter criado ou mesmo determinado a criação de empresa que não fosse federal (caput). Veja-se que permitiu a cisão com versão de parcela do patrimônio, se para sociedade já existente, sob controle estadual ou municipal (§3º), mas não abriu mão da criação de tantas empresas quantas fossem os Estados e Municípios nos quais atualmente são prestados os serviços de transporte ferroviário de passageiros, mas ao mesmo

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

129

tempo permitindo que as ações destas possam ser alienadas, inclusive por meio de doação, aos Estados e Municípios nos quais tais serviços são prestados (caput c.c § 4º), condicionando, porém, esta última hipótese, à prévia aceitação pelos respectivos entes federativos interessa-dos (§ 5º).

3.3.2. Assim, pode-se inferir que a criação das empresas estaduais e municipais é um dos requisitos necessários para que as ações das empresas frutos da cisão da CBTU sejam alienadas, até por doação, àquelas, transferindo-se, pois, a titularidade dos serviços de transporte ferroviário de passageiros; diversamente, não se infere ser possível a automática transferência das ações da CBTU às empresas estaduais e municipais, posto que tal assertiva não exala da dicção legal, em qualquer das modalidades de interpretação que o diploma legal transcrito se submeta.

3.3.3. Quer nos parecer que a mens legis foi a de facilitar a transferência dos serviços, com a titularidade das ações respectivas, dês que devidamente cindida a CBTU em tantas empresas quantos sejam os Municípios ou Estados nos quais atualmente se pres-tam aqueles de transporte ferroviário de passageiros, nada mais. É dizer: cinde-se a CBTU e, ao depois, em os Estados e Municípios tendo criado suas empresas para a prestação daqueles serviços, municia-os com a doação das ações que lhe cabem no reparte da empresa “mãe”, com o que ficam, dessa forma, devidamente aptas a se desincumbirem de seus misteres res-pectivos. 3.4. Diversamente do entendimento esposado pela CBTU, por meio de sua Super-tintendência Jurídica, a criação das empresas estaduais e municipais não é o bastante ao aten-dimento das regras claras do caput e parágrafos do artigo 3º, da Lei nº 8.693/1993, sendo, pois, imprescindível, que se criem, por primeiro, as empresas federais as quais aludem tais normas.

3.5. Na medida em que a segunda divergência liga-se ao mesmo tema – confor-me alusão constante do segundo parágrafo de fls.274 – jungida à afirmação de que “quanto aos demais itens do Parecer nº 058/2005, entendemos pertinentes as considerações proferidas e nada temos a acrescentar” (terceiro parágrafo da mesma fonte), tenho que a questão fora devidamente equacionada pelo aludido pronunciamento, com o que venho a reiterar seus termos, na forma como acima exposto.

4. Estas as ponderações que entendia pertinente para a questão sub examine.

Cumpre ressaltar que o exame desta Consultoria Jurídica se dá nos termos e limites das alíneas do inciso Vi, do artigo 11, da Lei Complementar n. 73/1993, sub-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

130

traindo-se ao âmbito de competência institucional deste órgão consultivo, análises que impor-tem considerações de ordem técnica, financeira ou orçamentária, sublinhando-se que o exame ora empreendido cinge-se, pois, aos aspectos jurídico-formais da consulta apresentada.

À consideração superior, com propositura de restituição dos autos à Com-panhia Brasileira de Trens Urbanos.

JORGE CESAR SILvEIRA BALDASSARE GONÇALvESAdvogado da União

Assessor Jurídico

De acordo. restitua-se, como proposto, à Companhia Brasileira de Trens Urbanos.

Brasília, agosto de 2005.

ANA LUISA FIGUEIREDO DE CARvALHOConsultora Jurídica

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

131

PARECER CONJUR/MCIDADES/Nº 4080 /2007

CoNSULTA. SANEAMENTo BáSiCo. TrANSFErÊNCiA VoLUNTáriA DE rECUrSoS DA UNiÃo PArA ESTADo-MEMBro. PoSSiBiLiDADE, DESDE QUE HAJA GESTÃo ASSoCiADA Do SErViÇo. iNADMiSSiBiLiDADE, ToDA-ViA, EM SE TrATANDo DE EMPrEENDiMENToS CoN-TrATADoS DE ForMA oNEroSA. iNTELiGÊNCiA Do ArT. 50, § 1° DA LEi n° 11.445/2007.1. A despeito da imprecisão quanto à competência para a presta-ção de serviços públicos de saneamento básico quando presente interesse regional, o Estado-membro só pode receber transfe-rências voluntárias da União nesta seara se houver gestão asso-ciada do serviço, nos termos do art. 241 da CrFB, observadas as formalidades do convênio de cooperação previsto na Lei n° 11.107/2005 e no Decreto n° 6.017/2007. 2. o art. 50, § 1° da Lei n° 11.445/2007 impede a realização de transferências voluntá-rias da União quando o município houver transferido à iniciati-va privada a prestação dos serviços públicos de saneamento, via contrato de concessão.

Processo nº 80000.024677/2007-57

1. Cuida-se de consulta formulada pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental consubstanciada nos seguintes questionamentos:

a) é possível a um Estado receber recursos do Orçamento Geral da União para obras que não são de sua competência? Ou seja, para obras de competência municipal?

b) podem recursos do Orçamento Geral da União ser aplicados em empreendimentos que inte-gram, ou que irão integrar, serviços contratados de forma onerosa?

2. Em que pese o caráter genérico que se imprimiu às perguntas, esclarece a Secretaria Nacional que em relação às ações de saneamento básico a serem apoiadas pelo orçamento Geral da União, no âmbito do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC, des-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

132

tacam-se aquelas a serem realizadas pelo Estado do Amazonas, cujo escopo é a integração da rede de abastecimento do Município de Manaus, operada por empresa privada nos termos de concessão outorgada de forma onerosa. 3. Assim, no que tange ao primeiro ponto, informa que em situações seme-lhantes o Ministério das Cidades não transfere aos estados-membros recursos orçamentários da União, salvo se houver gestão associada de serviços públicos consoante prevê o art. 241 da Constituição da república, apontando, ainda, que tal entendimento tem esteio no Decreto n° 6.017/2007, que regulamenta a Lei de Consórcios Públicos (Lei n° 11.107, de 6.4.2005).

4. Já quanto à segunda indagação, afirma que o Município de Manaus firmou contrato de concessão dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sa-nitário, e que tais empreendimentos foram delegados à iniciativa privada de forma onerosa. Nestes casos, o Ministério das Cidades não tem permitido o repasse de recursos do orçamen-to da União, mas tão-somente recursos onerosos mediante operações de crédito.

5. É o relatório.

6. Cuida-se, pois, de exercer a atribuição prevista no art. 11, inciso iii, da Lei Complementar nº 73/1993 (Lei orgânica da Advocacia-Geral da União).

7. Como se vê, pretende a consulente orientação sobre a possibilidade de o Estado do Amazonas ser destinatário de transferência voluntária de recursos federais para aplicá-los em empreendimentos de saneamento básico no Município de Manaus, que, por seu turno, delegou os serviços à empresa concessionária.

8. Portanto, ainda que a consulta se revista de caráter geral, dada a forma como engendradas as perguntas, tem-se, na verdade, situação bastante peculiar, que merece enfrentamento sob esta ótica.

9. Passa-se, então, ao deslinde da matéria, cujo exame ocorrerá separadamen-te para tornar melhor a compreensão.

i – TrANSFErÊNCiA VoLUNTáriA PArA AÇÕES DE SANEAMENTo E A CoMPE-TÊNCiA NA PrESTAÇÃo DoS SErViÇoS DESTA NATUrEZA

10. A competência para prestação dos serviços de saneamento é matéria discu-tível, porquanto contrapõe interesses de estados e municípios.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

133

11. Com efeito, se por um lado compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local (art. 30, inciso V, da CrFB), é inegável que componentes do saneamento básico, como o abas-tecimento de água potável e o esgotamento sanitário, por exemplo, podem ter imbricação de interesse regional, o que legitimaria, nestes casos, a competência estadual.

12. Sobre o tema, é oportuno trazer à colação citação feita pelo Professor Mar-cos Juruena Villela Souto 1, verbis:

A questão, na verdade, não é o tratamento em nível regio-nal de problemas que antes eram de natureza local, mas sim a forma de decidir a respeito deles. Segundo as Constituições anteriores, centralizadoras, os municí-pios ficavam totalmente afastados daquelas decisões, com manifesta ofensa aos interesses locais. Não se compreendia, como hoje, que o interesse regional é tam-bém, de certo modo, interesse local. Esse motivo excluía os municípios do governo regional. O sistema era centralizado e autoritário. Presentemente, a questão compreende a necessidade da efetiva participação dos municípios nas decisões regionais, isto é precisamente a forma pela qual se preserva a autonomia dos municípios metropolitanos, que conjuntamente com o Estado, devem realizar gestão urbano-regional. Nesse sentido, o saneamento básico, numa região metro-politana, não pode ser tratado senão como função pública de interesse comum, independentemente de ser executada por órgãos públicos ou entidade privada. Função essa que demanda soluções integradas, de caráter regional, com a parti-cipação de todas as comunidades locais envolvidas para sua gestão normativa e administrativa, sempre com a distinção entre as tarefas de fiscalização e controle de nível regional e as de natureza executiva, que podem ser tratadas em nível local. No caso, o importante é não excluir os municípios das decisões regionais.

13. A Lei nº 11.445, de 5.1.2007, que configura o marco regulatório do sanea-mento no país, não soluciona a controvérsia, sendo certo que inexiste definição jurídica pre-cisa para o tema.

14. É certo, apenas, que em se tratando de saneamento básico à União cabe estabelecer as diretrizes gerais (art. 21, inciso XX, da CrFB), enquanto a titularidade dos

1 Direito Administrativo das Concessões. pp. 289-290, Lumen iuris.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

134

serviços públicos pode variar conforme sobreponha o interesse regional ao local e vice-versa.

15. Na espécie dos autos, porém, não se pode descurar que o Município de Manaus é firmatário de contrato de concessão de prestação de serviços públicos de abasteci-mento de água e de esgotamento sanitário, ostentando, por tal razão, a titularidade desses na figura do poder concedente.

16. Se é assim, não se revela possível ao Estado do Amazonas o recebimento de recursos federais a título de transferência voluntária para executar obras de saneamento básico a fim de integrar a rede de abastecimento do Município de Manaus.

17. Com efeito, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde, nos termos do art. 25, caput, da Lei Complementar n° 101, de 4.5.2000 (Lei de responsabilidade Fiscal – LrF).

18. A própria LrF arrola as exigências para realização de transferências volun-tárias, que terão destinação específica consoante o art. 25, § 2°, sendo proscrita peremptoria-mente a utilização de recursos transferidos em finalidade diversa da pactuada.

19. Mutatis mutandis, a transferência voluntária segue, forçosamente, uma destinação que guarda pertinência com as atribuições constitucionalmente reservadas aos estados e municípios, pois não seria lógico ao ordenamento jurídico que um ente federado a recebesse para executar algo que discrepasse de sua esfera de competência.

20. Com razão, embora a transferência voluntária, por definição, não esteja vinculada a repasses emanados diretamente da Constituição da república, não se pode con-ceber que a União destine parte de seus recursos para que um ente federado lhes dê finalidade em área sobre a qual não dispõe de competência, o que representaria, na prática, vulneração dos princípios federativo e da unidade da Constituição 2.

21. Noutras palavras, seria mesmo ofensivo ao sistema constitucional de re-partição de competências que a União, a pretexto de realizar transferências voluntárias, dis-

2 Segundo Guilherme Peña de Moraes o princípio da unidade designa que a Constituição atribui caráter sistemático ao ordenamento jurídico (Teoria da Constituição, 2 ed. p. 132, Lumen iuris).

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

13�

pensasse a um determinado ente federativo recursos voltados a alguma atividade para cujo desempenho não possuísse legitimidade.

22. Nesta senda, se o Município de Manaus é titular dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, não pode o Estado do Amazonas ser be-neficiário de transferência voluntária que viabilizaria a integração do sistema de saneamento básico a cargo da municipalidade.

23. A solução alvitrada pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental para casos assim afigura-se, pois, correta.

24. Veja-se que diante das ponderações acima, aparentemente resta vedada, de forma definitiva, a execução de transferência voluntária a ente federado se os recursos tiverem como destino área sobre a qual este não ostenta competência constitucional.

25. Abre-se exceção, porém, com fulcro no próprio texto da Constituição da república.

26. É que o art. 241 da CrFB autoriza a gestão associada de serviços públicos, ou seja, a associação voluntária dos entes federados por convênio de cooperação ou consórcio público, consoante definição empregada pelo art. 3° inciso ii, da Lei n° 11.445/2007.

27. o referido dispositivo constitucional permite o compartilhamento de atividades de competência específica do ente federado, o que o diferencia do art. 23, parágrafo único 3, da Constituição da república, que refere a questão de competência comum.

28. Assentadas estas premissas, o repasse de recursos federais a título de trans-ferência voluntária ao Estado do Amazonas, in casu, está condicionado à celebração de convê-nio de cooperação com o Município de Manaus, observadas as disposições da Lei n° 11.107/2005 e do Decreto n° 6.017/2007.

29. Nesse sentido, irretorquível o entendimento esposado pela Secretaria Na-cional de Saneamento Ambiental.

3 Art. 23 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:[...]Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

136

ii – iNADMiSSiBiLiDADE DA APLiCAÇÃo DE rECUrSoS Do orÇAMENTo DA UNiÃo EM SErViÇoS CoNTrATADoS DE ForMA oNEroSA

30. Em seqüência, cumpre enfrentar questão atinente à aplicação de recursos do orçamento da União em empreendimentos que integram serviços contratados de forma onerosa.

31. É a seguinte a dicção do art. 50, § 1º, da Lei n° 11.445/2007:

Art. 50. A alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou en-tidades da União serão feitos em conformidade com as diretrizes e objetivos estabelecidos nos arts. 48 e 49 desta Lei e com os planos de saneamento básico e condicionados:

i - ao alcance de índices mínimos de:a) desempenho do prestador na gestão técnica, econômica e financeira dos ser-viços;b) eficiência e eficácia dos serviços, ao longo da vida útil do empreendimento;ii - à adequada operação e manutenção dos empreendimentos anteriormente financiados com recursos mencionados no caput deste artigo.§ 1º Na aplicação de recursos não onerosos da União, será dado prioridade às ações e empreendimentos que visem ao atendimento de usuários ou Municípios que não tenham capacidade de pagamento compatível com a auto-sustentação econômico-financeira dos serviços, vedada sua aplicação a empreendimentos contratados de forma onerosa. (GriFADo)

32. o repasse de recursos orçamentários da União (recursos não-onerosos) tem previsão específica no § 1° do art. 50. Assim, adita-se aos requisitos elencados pelo caput outro de natureza negativa, qual seja, o empreendimento não pode ter sido contratado de forma onerosa.

33. A dúvida somente se dissipa após o acertamento do que venha a ser empre-endimento contratado de forma onerosa.

34. Segundo o art. 175, caput, da Constituição da república, incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre atra-vés de licitação, a prestação de serviços públicos.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

137

35. o modelo constitucional torna possível a execução direta do serviço pú-blico ou a indireta, caso em que se dá a descentralização 4. Nesta, porém, a delegação pode ser legal, materializada pela atuação das pessoas jurídicas que compõem a estrutura da administração indireta, ou negocial, mediante a celebração dos contratos de concessão ou permissão.

36. Pois bem, o regime de concessões e permissões de serviço público é o esta-belecido pela Lei n° 8.987, de 13.2.1995. No que concerne às concessões, a Lei distinguiu duas modalidades, a saber, concessão de serviço público e concessão de serviço público precedida da execução de obra pública.

37. Em que pese a Lei n° 8.987/1995 não referir a empreendimentos contratados de forma onerosa, o que constitui, portanto, inovação terminológica da Lei n° 11.445/2007, é possível afirmar, partindo-se da interpretação sistemática, que a contratação onerosa é sempre uma daquelas tratadas na Lei das Concessões.

38. Com efeito, é nota característica de toda concessão de serviço público a remuneração devida à concessionária, o que é imanente à noção de contratação onerosa.

39. Nesse sentido, o § 1° do art. 50 da Lei nº 11.445/2007, ao estabelecer crité-rios para realização de transferência voluntária, elege, prioritariamente, municípios que não tenham capacidade de pagamento compatível com a auto-sustentação econômico-financeira dos serviços, para em seguida vedar aplicação a empreendimentos contratados de forma onerosa.

40. o critério primordial para alocação de recursos do orçamento da União é que o município não disponha de capacidade de pagamento compatível com a auto-susten-tação econômico-financeira dos serviços. É óbvio, portanto, que se o serviço é operado em regime de concessão, com delegação à iniciativa privada, não há que se cogitar sobre sua auto-sustentação econômico-financeira, que é de responsabilidade da concessionária. Nesta linha de raciocínio, se o serviço não é prestado diretamente pelo Município, ou mediante entidade da administração indireta deste, é defesa a alocação de recursos do orçamento da União.

41. Veja-se que não tem sentido compreender a expressão empreendimentos contratados de forma onerosa de outra forma que não a concessão de serviços públicos regi-da pela Lei n° 8.987/1995.

4 Utiliza-se, aqui, a classificação doutrinária propugnada por José dos Santos Carvalho Filho no seu Manual de Di-reito Administrativo, 11 ed. pp. 286-288. Lumen iuris.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

138

42. Afinal, não se coaduna com os princípios da razoabilidade e da moralidade a efetivação de transferência voluntária de recursos da União para utilização em serviço de-legado à empresa privada. Essa, s.m.j., a intelecção da proibição constante do final do § 1° do art. 50 da Lei n° 11.445/2007.

43. Assentada esta premissa, resta perquirir se a opção aduzida pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental para a hipótese dos autos, correspondente à contratação, pelo Estado do Amazonas, de operação de crédito, encontra óbice na Lei n° 11.445/2007.

44. Depreende-se do art. 50 da Lei n° 11.445/2007 que os financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União, que em verdade constituem operações de crédito, serão feitos em consonância com as dire-trizes e objetivos estabelecidos nos arts. 48 e 49 da Lei, observando-se, ainda, os planos de saneamento básico e o atendimento das seguintes condições:

a) alcance de índices mínimos de desempenho do prestador na gestão técnica, econômica e finan-ceira dos serviços, além da eficiência e eficácia destes, ao longo da vida útil do empreendimento e

b) adequada operação e manutenção dos empreendimentos anteriormente financiados com recursos mencionados no caput do art. 50.

45. Diferentemente dos recursos não onerosos, portanto, não está impedida a obtenção de financiamento para empreendimentos contratados de forma onerosa.

46. Todavia, embora inexista óbice na Lei nº 11.445/2007 a que o Estado do Amazonas contrate financiamento visando ao aporte de recursos financeiros no sistema de saneamento básico do Município de Manaus, deve haver, por coerência no discurso aqui ado-tado, a gestão associada do serviço de que trata o art. 241 da CrFB, com a formalização de convênio de cooperação, pois, como notório, o Estado não tem participação na prestação desses serviços públicos, que foram transferidos pela municipalidade à iniciativa privada.

47. Por conseguinte, uma vez mais impende reconhecer a correção do posi-cionamento da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, que, no ponto, não merece revisão à vista das disposições da recente Lei n° 11.445/2007.

48. Destarte, é possível, em tese, ao Estado do Amazonas a contratação de ope-ração de crédito com recursos onerosos, sem prejuízo da verificação das demais exigências legais e infralegais aplicáveis a negócios desta natureza.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

139

3. Conclusão

49. Diante do exposto, não se olvidando das singularidades de que se reveste a consulta, responde-se da seguinte forma aos questionamentos aventados pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental:

a) não é possível ao Estado do Amazonas o recebimento de recursos do orça-mento da União, a título de transferência voluntária, para integração da rede de abastecimen-to do Município de Manaus, operada por concessionária de serviço público, salvo se houver a gestão associada de que trata o art. 241 da CrFB, mediante a celebração de convênio de coo-peração entre os entes federados envolvidos, nos termos da Lei n° 11.107/2005 e do Decreto n° 6.017/2007;

b) a aplicação de recursos do orçamento da União no serviço público de sa-neamento básico prestado no Município de Manaus é vedada pelo art. 50, § 1° da Lei n° 11.145/2007, que impede a utilização de recursos federais não onerosos em empreendimen-tos contratados de forma onerosa, expressão que se subsume no conceito de concessão de serviço público, conforme as modalidades previstas na Lei n° 8.987/1995. Sem embargo, quanto às operações de crédito, que envolvem recursos onerosos da União, inexiste na Lei n° 11.445/2007 qualquer óbice a que o Estado do Amazonas, observadas as demais regras inci-dentes, contrate o financiamento, desde que haja a gestão associada do serviço formalizada por convênio de cooperação junto ao Município de Manaus.

À consideração superior.

PAULO CESAR SOARES CABRAL FILHOAdvogado da União

Assessor Jurídico

De acordo. restitua-se a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental.

Brasília, em 23 de julho de 2007.

CLEUCIO SANTOS NUNESConsultor Jurídico

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

140

PARECER CONJUR/MCIDADES Nº �37/2007

CoNSULTA SoBrE A VALiDADE DE ADiTiVo DE PrEÇoS EM AÇÃo FiNANCiADA CoM rECUrSoS DE CoNTrATo DE rEPASSE CoM o MUNiCÍPio Do rECiFE/PE, No ÂM-BiTo Do ProGrAMA HABiTAr-BrASiL/BiD.

Proc. nº 80000.032542/2006-84.

Trata-se, conforme delineado em epígrafe, de consulta formulada pela Se-cretaria Nacional de Habitação – SNH, quanto à validade de aditivo de preços em ação finan-ciada com recursos de Contrato de repasse com o município do (...), no âmbito do programa Habitar Brasil/BiD.

2. Às fls. 2/4, Nota Técnica de n.º 74/UCP-HBB-Di/2006, relatando os fatos, que culminaram com recomendação da Controladoria Geral da União – CGU, recomendan-do que a Unidade de Coordenação de Programa – UCP/HBB/Di se posicionasse sobre o fato, em especial quanto à legalidade do aditivo, e/ou elegibilidade dos recursos acrescidos (fls. 5/6). Ao final, a UCP/HBB/Di solicitou a esta Consultoria Jurídica – CoNJUr orientação para respaldar respostas à CGU, e informou que já foram desembolsados 70,23% dos recursos de repasse previstos, e que está suspenso qualquer desembolso para a referida ação, até que seja equacionada a pendência.

3. É o breve relatório.

4. o Contrato de repasse celebrado entre o município e a CAiXA tinha por objeto a implementação de ações de desenvolvimento institucional, apoio técnico para geren-ciamento do plano estratégico municipal para assentamentos subnormais(fls. 47/64).

5. o objeto descrito no plano de trabalho (fl. 57, item 2.3) fala em contratação de assessoria técnica para “elaborar plano geral e projeto de captação de recursos para relocação de habitações de interesse social situadas em margens de rios e em áreas de risco de alagamen-to”. Esse é também o objeto previsto no contrato assinado entre o município do (...) e a empresa contratada para a prestação dos serviços em questão (Anexo iV do presente processo).

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

141

6. A justificativa apresentada para alteração do valor original do contrato foi a ocorrência de fato do príncipe. o contrato foi assinado em 05/12/2003. Em 17/12/2003, foi editada a Lei Municipal n.º 16.930, que ampliou a extensão das áreas de preservação perma-nente ao longo dos cursos d’água no município e criou o Setor de Sustentabilidade Ambiental. A alegação é de que isso teria obrigado a empresa a aumentar a abrangência no processamen-to e edição de imagens de alta resolução, de 6 Km², previstos originalmente, para 29,27 Km², de forma a adequar o serviço à nova legislação.

7. o Parecer n.º 23/2006 – DMV, da Procuradoria de Termos, Licitações e Contratos, da Prefeitura do recife (fls. 14/23), ressalta que

o Termo de referência da contratação, em seu item 4, dispõe que “a contra-tada deverá processar e editar imagens dos cursos d’água com as respectivas faixas de proteção legal” e que, dentre os “produtos” a serem apresentados pela contratada, encontra-se o “diagnóstico da situação das ocupações em cursos d’água”, englobando o “catálogo digital de imagens processadas e ar-quivos vetoriais das áreas editadas com cursos d’água e faixas de proteção legal”.

8. ocorre que, como afirmou a CGU, a mudança da lei “não criou qualquer obrigação para a Contratada, pois tão somente criou a definição de Setor de Sustentabilidade Ambiental, implicando em ampliação nas áreas de interesse do estudo”. Segundo afirmou o supra referido Parecer n.º 23/2006 – DMV, da própria Prefeitura do (...), na planilha de custos, o termo de referência quantificou a área a ser mapeada no total de 6 Km².

9. Verifica-se, portanto, que era possível a execução do objeto inicialmente contratado, na abrangência da área de 6 Km² prevista no Termo de referência, sem alteração contratual. Tanto assim que a Prefeitura não demandou a ampliação do objeto, partindo esta da Contratada.

10. Ademais, como já dito acima, o objeto descrito, tanto no programa de tra-balho do contrato de repasse assinado com a CAiXA, quanto no termo de contrato assinado entre a Prefeitura e a Contratada, fala em margens de rios e em áreas de risco de alagamento. Trata-se, portanto, de elemento fático, independente de lei.

11. Assim, não houve fato do príncipe, a ensejar necessidade de alteração do contrato para alteração do valor do contrato para reequilíbrio da relação econômico-financei-ra. Houve, sim, ampliação do objeto, por acordo entre as partes.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

142

12. Também não há que se dizer que a alteração legal consistia em fato imprevisí-vel, uma vez que o contrato foi celebrado em 05/12/2003, tendo sido editada a Lei Municipal n.º 16.930 em 17/12/2003, ou seja, poucos dias após. Certamente já era de conhecimento da Prefei-tura a tramitação do projeto de lei, pelo que era perfeitamente previsível a alteração vindoura.

13. Tampouco é cabível a aplicação do art. 65, i, a, da Lei n.º 8.666, de junho de 1993, que permite a alteração contratual “quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos”.

14. Deve-se lembrar que não se fala aqui em pequena alteração do contrato, mas sim de alteração de enorme vulto, de r$ 58.396,00 para r$ 122.295,42, ou seja, de 109,42% do valor original. Pertinente aqui transcrever a lição do mestre Marçal Justen Filho:

Como princípio geral, não se admite que a modificação do contrato, ainda que por mútuo acordo entre as partes, importe alteração radical ou acarrete frustra-ção aos princípios da obrigatoriedade da licitação e isonomia. 1

15. Não devem ser admitidas alterações radicais, como foi o caso, porque acar-retam frustração aos princípios da obrigação da licitação e isonomia. Caso o valor posterior-mente acrescido já estivesse incluído no edital licitatório, outras empresas poderiam ter se interessado pelo certame, oferecendo preços menores, em razão do maior vulto do serviço. Ao simplesmente aditivar-se o contrato anterior, mais que dobrando seu valor, a Contratada não precisou competir com nenhuma outra empresa, não sendo possível, portanto, avaliar se o valor final foi o mais vantajoso para a Administração. isso prejudica não só o interesse público, como também a isonomia entre os licitantes.

16. Assim é que apenas em situações excepcionalíssimas devem-se admitir al-terações qualitativas que superem os limites legais (de 25%, segundo o § 1º, do art. 65, da Lei n.º 8.666/1993), conforme orienta o Tribunal de Contas da União – TCU. Na Decisão n.º 215/1999, o TCU definiu que a admissibilidade da modificação superior ao limite legal depende da satisfação cumulativa dos seguintes pressupostos:

i – não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;

1 JUSTEN FiLHo, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2002. p.495.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

143

ii – não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;iii – decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não pre-vistas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;iV – não ocasionar a transfiguração do objeto original do contrato em outro de natureza e propósito diversos;V – ser necessária à completa execução do objeto original do contrato, à oti-mização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;Vi – demonstrar-se – na motivação do ato que autorizar o aditamento con-tratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea “a”, supra – que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou gravíssimas a esse interesse; inclusive à sua urgência e emergência.

17. Uma vez que a nova lei foi editada em 17/12/2003, logo após a celebração do contrato (em 05/12/2003), e que a ordem de serviço para o início dos trabalhos foi emitida apenas em 29/03/2004, quase 4 meses após, conclui-se que não havia urgência no início dos trabalhos. Essa conclusão é reforçada pelo fato de o prazo de execução do serviço, que inicial-mente era de 4 meses, ter sido prorrogado 8 vezes, estando ainda hoje em vigor.

18. Sendo assim, a Prefeitura poderia, sabendo que a legislação seria modifi-cada, adiar a licitação e a contratação, para que seu objeto fosse elaborado em conformidade com a nova lei. Mesmo abstraindo-se essa possibilidade, a Prefeitura poderia ainda, caso en-tendesse que, com a nova lei, o contrato inicial não atendia mais ao interesse público, rescindi-lo, providenciando nova licitação para abranger a área de proteção acrescida pela nova lei.

19. Ante todos os motivos expostos acima, concluo pela ilegalidade do 5º Ter-mo Aditivo ao Contrato n.º 411/2003, celebrado entre o Município do (...) e a (...), que aumen-tou o valor do contrato.

20. Destaco, contudo, que, a responsabilidade pela fiscalização da utilização dos recursos repassados à Prefeitura compete inicialmente à CAiXA, que celebrou o Contrato de repasse.

21. ressalto também que esta CoNJUr não havia sido ouvida anteriormente sobre o acréscimo de valor do contrato, e que, em que pese o relatório da CGU ter sido en-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

144

caminhado a este Ministério em maio de 2006, conforme informação de fl. 3, os autos foram remetidos a esta CoNJUr apenas em dezembro de 2006, quando solicitamos documentos para subsidiar a análise do caso, o que foi atendido somente em fevereiro do corrente ano.

22. Esse é o parecer, salvo melhor juízo. Sugiro seja dada ciência à SNH, e se-jam, após, encaminhados os autos à SPoA, a fim de que seja ouvida a CAiXA, a respeito da manifestação da CGU. Posteriormente, sugiro que o processo seja enviado ao Assessor Espe-cial de Controle interno.

FLAvIA NATARIO COIMBRAAdvogada da União

De acordo:

De acordo. restitua-se, como proposto, à SNH, para ciência. Após, enca-minhe-se à SPoA, a fim de que seja ouvida a CAiXA a respeito da manifestação da CGU. Posteriormente, ao Assessor Especial de Controle interno.

Brasília, fevereiro de 2007.

ANA LUISA FIGUEIREDO DE CARvALHOConsultora Jurídica

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

14�

PARECER CONJUR / MCIDADES Nº 1796/2007

CoNSULTA EFETUADA PELA CAiXA. ANáLiSE DE ESCri-TUrA DE árEA DE iNTErVENÇÃo, rEFErENTE A CoN-TrATo DE rEPASSE CELEBrADo CoM o MUNiCÍPio DE (...). iMÓVEL oriUNDo DE rEForMA AGráriA. CUM-PriMENTo Do PrAZo DE 10 ANoS DE iNEGoCiABiLi-DADE, PrEViSTo No ArT. 189 DA Cr.

Processo nº 80000.014403/2007-50

1. Trata-se de consulta formulada pela Caixa Econômica Federal - CAiXA, quanto à regularidade de área de intervenção em operação que objetiva a construção de uni-dades habitacionais, no município de (...), nos seguintes termos (fl. 1):

Análise efetuada por advogado da CAiXA na referida documentação – regis-tro Geral de imóveis – foi indicado o não cumprimento do prazo de 10 anos constitucionalmente estabelecido para negociação de imóveis rurais distribu-ídos pela reforma agrária, estando atualmente o terreno registrado como pro-priedade do Município.

Assim, considerando a presunção de legalidade de registros efetuados por Car-tório de registro de imóveis, solicitamos análise acerca da aceitação ou não do documento encaminhado para comprovação de regularidade na área de inter-venção.

2. A Secretaria Nacional de Habitação – SNH elaborou a Nota Técnica n.º 24/2007/DUAP/SNH (fls. 52/53), juntando ao processo a documentação de fls. 7/51 e ressaltando o prazo estabelecido pela Portaria Ministerial n.º 692, de 18 de dezembro de 2006.

3. É o relatório.

4. o caput do art. 189 da Constituição da república estabelece que os títulos de domínio ou de concessão de uso recebidos pelos beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária serão inegociáveis pelo prazo de 10 anos.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

146

5. os dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária são regulamen-tados pela Lei n.º 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, cujo art. 18, caput e §§ 1º e 2º, assim dis-põe:

Art. 18 - A distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária far-se-á através de títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de 10 (dez) anos.§ 1º o título de domínio de que trata este artigo conterá cláusulas resolutivas e será outorgado ao beneficiário do programa de reforma agrária, de forma individual ou coletiva, após a realização dos serviços de medição e demarcação topográfica do imóvel a ser alienado.§ 2° Na implantação do projeto de assentamento, será celebrado com o be-neficiário do programa de reforma agrária contrato de concessão de uso, de forma individual ou coletiva, que conterá cláusulas resolutivas, estipulando-se os direitos e as obrigações da entidade concedente e dos concessionários, asse-gurando-se a estes o direito de adquirir, em definitivo, o título de domínio, nas condições previstas no § 1º, computado o período da concessão para fins da inegociabilidade de que trata este artigo.(...)

6. o registro do imóvel, foi realizado pelo instituto Nacional de Colonização e reforma Agrária – iNCrA em 16 de março de 2004 (fls. 2/4). Na mesma data, foi registrada a venda e compra, feita por aquele instituto ao Sr. (...), beneficiário do programa de reforma agrária. Contudo, o título definitivo de compra e venda que deu origem a esse registro foi expedido anteriormente, em 7 de janeiro de 1992.

7. Constam do registro, também, as condições resolutivas da referida compra e venda, das quais destaco o seguinte trecho:

(...) iV – resolve-se a presente alienação, tornando-se nula, de pleno direito, independentemente de ato especial ou de qualquer notificação ou interpelação, judicial ou extrajudicial: a) se o(s) oUTorGADo(s) não cumprir(em) qual-quer das obrigações assumidas nesse Título; (...). V – Enquanto vigente a con-dição resolutiva, é vedado ao(s) oUTorGADo(s) alienar o imóvel, sem prévia anuência do oUTorGANTE. Vi – Em qualquer das hipóteses previstas na Cláusula iV, o domínio e a posse do imóvel reverterão ao anterior proprietário, titular do registro imobiliário constante no Quadro 05, com o cancelamento, no registro de imóveis, do registro do presente Título, na forma do Artigo 250,

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

147

item iii, da Lei n.º 6.015, de 31/12/1973, instituído o respectivo requerimento do oUTorGANTE, para tanto, com laudo técnico ou documento outro que comprove a circunstância invocada. (...) Xii – Extingue-se a condição resolu-tiva quando cumulativamente: a) o(s) oUTorGADo(s) houver(em) liquida-do integralmente o valor de seu débito para com o oUTorGANTE; b) forem decorridos dez anos, da data do registro deste Título no competente registro de imóveis, em face do estabelecido no Art. 189 da Constituição; c) o oU-TorGANTE tiver emancipado o Projeto de Colonização nos casos em que a alienação for originada daquele. (...)(grifos nosso)

8. Em 26 de março de 2004, foi registrada a venda e compra do imóvel, feita à Prefeitura Municipal de (...), por escritura pública lavrada na mesma data.

9. Em 20 de março de 2007, foi averbado no registro de imóveis o cancela-mento de ônus referente ao imóvel em questão, com base em instrumento do iNCrA datado de 19 de março de 2007. Assim, passou a constar do registro “o cancelamento das condições resolutivas” mencionadas acima, “em virtude de sua total quitação”.

10. Segundo os itens iV, V e Vi das condições resolutivas averbadas no re-gistro de imóveis, era vedado ao outorgado (Sr. ...) alienar o imóvel sem prévia anuência do outorgante (iNCrA), enquanto vigente a condição resolutiva, sob pena de o domínio e a posse do imóvel reverterem-se ao iNCrA. Segundo o item Xii, a condição resolutiva somente se extinguiria quando, dentre outras condições, decorressem 10 anos da data do registro do título no registro de imóveis, conforme estabelecido no art. 189 da Constitui-ção da república.

11. A Constituição da república e a Lei n.º 8.629/1993 não falam em contagem de 10 anos a partir do registro do título no registro de imóveis. Falam apenas em inego-ciabilidade do título de domínio, ou de concessão de uso, pelo prazo de 10 anos, do que se depreende a contagem do prazo de inegociabilidade a partir da expedição do título, e não de seu registro.

12. Contando-se o prazo de 10 anos a partir da expedição do título, ocorrida em 7 de janeiro de 1992, a alienação feita à Prefeitura de (...) teria respeitado o prazo de ine-gociabilidade, pois ocorreu em 26 de março de 2004. Por outro turno, contando-se a partir do registro do título, ocorrido em 16 de março de 2004, nos termos das condições resolutivas constantes do registro, esse prazo não teria sido respeitado.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

148

13. Ainda segundo a averbação constante do registro, era vedada a alienação do imóvel sem prévia anuência do iNCrA, enquanto vigente a condição resolutiva. Formal-mente, esse ônus só foi cancelado em março de 2007. Não é possível saber, pelas informações e documentos constantes dos autos, se o outorgado já havia cumprido todos os requisitos necessários à extinção da condição resolutiva antes dessa data, tendo em vista que o prazo decenal não era o único empecilho. Era também necessária a liquidação integral do débito e a emancipação do Projeto de Colonização, nos casos em que a alienação fosse originada daquele.

14. Tampouco é possível saber se o iNCrA anuiu previamente à alienação feita à Prefeitura de (...), informação esta que não consta do registro de imóveis.

15. Assim, a fim de dirimir as dúvidas quanto à regularidade do imóvel, seria necessário consultar o iNCrA, que é detentor dessas informações.

16. Quanto ao prazo estabelecido pela Portaria Ministerial n.º 692/2006, ressal-tado pela SNH, observo que o art. 1º dessa Portaria acrescentou o subitem 17.1.3 ao Manual de instruções para Contratação e Execução dos Programas e Ações do Ministério das Cidades - Exercício de 2006, instituído pela Portaria nº 54, de 27 de janeiro de 2006, do Ministério das Cidades, com a seguinte redação:

17.1.3 Fica concedido, para os Contratos de repasse, prazo adicional até 31.05.07 para atendimento do previsto no subitem 17.1.1.

17. o subitem 17.1.1, do Manual, por sua vez, assim estabelece:

17.1.1. A aprovação do projeto técnico de obra e a comprovação pelo Propo-nente/Contratado da titularidade da área de intervenção poderão ocorrer após a formalização do Contrato de repasse, desde que previsto em cláusula sus-pensiva, impeditiva do início da obra ou serviço, com prazo não superior a 120 (cento e vinte) dias para atendimento das exigências que permitam a sua aprovação, incluído o prazo para elaboração da SPA, sob pena de rescisão con-tratual.

18. No caso da comprovação da titularidade da área de intervenção, que é o objeto do presente processo, caso o iNCrA venha a informar que a titularidade pertence regularmente à Prefeitura Municipal, o prazo estabelecido pela Portaria n.º 54/2006 terá sido atendido pela Prefeitura, pois esta apresentou o registro do imóvel antes de 31 de maio. Des-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

149

taco que essa observação não se aplica a eventual demora na solução de outras pendências porventura existentes.

19. ressalto também que, caso a demora na resposta inviabilize definitivamen-te a execução do contrato, por questões orçamentárias, ou outras, tal ocorrência deve ser im-putada ao próprio município, uma vez que o contrato de repasse foi celebrado em 29/12/2006 (conforme informação de fl. 52), e apenas agora foi apresentado o registro de imóveis.

19. É o parecer. À consideração superior, com proposta de encaminhamento de ofício ao iNCrA, com cópia deste parecer, bem como do documento de fls. 2/4, solicitan-do àquele instituto informar se foi regular a transferência de propriedade feita à Prefeitura Municipal de (...), requisitando a informação com a brevidade possível, tendo em vista que a execução do contrato de repasse depende da resolução dessa dúvida. opino também pelo en-caminhamento de cópia deste parecer à SNH, para conhecimento do andamento da questão.

FLAvIA NATARIO COIMBRAAdvogada da União

De acordo:

De acordo. Encaminhe-se ofício ao iNCrA, com cópia deste parecer, bem como do documento de fls. 2/4, solicitando àquele instituto informar se foi regular a transfe-rência de propriedade feita à Prefeitura Municipal de (...), requisitando a informação com a brevidade possível, tendo em vista que a execução do contrato de repasse depende da resolu-ção dessa dúvida. opino também pelo encaminhamento de cópia deste parecer à SNH, para conhecimento do andamento da questão.

Brasília, maio de 2007.

MARIA EMILIA DA CRUZ DIAS RIBEIROConsultora Jurídica Substituta

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�0

PARECER CONJUR/MCIDADES Nº 2672 /2007

MiNUTA DE PorTAriA DiSPoNDo SoBrE NorMAS iN-TErNAS DE FÉriAS. rEVoGAÇÃo DA NorMA 001, DE 26/10/2005. EXAME QUANTo Ao ASPECTo DA LEGALi-DADE.

Proc. Nº 80000.037920/2005-35.

Trata-se, conforme delineado em epígrafe, de exame da legalidade de mi-nuta de Portaria dispondo sobre normas internas de férias, que revogará a Norma 001, de 26/10/2005(fls. 60/72).

2. Em fl. 34, a Coordenação-Geral de recursos Humanos – CGrH relata que a minuta encaminhada propõe alteração no que concerne às férias de empregado público, tendo sido acrescentadas as orientações do ofício n.º 64/2006/CoGES/SrF/MP, de 1º de ju-nho de 2006.

3. Às fls. 52/54, foi juntado o referido ofício n.º 64/2006, elaborado pela Coordenação Geral de Elaboração, Sistematização e Aplicação das Normas da Secretaria de recursos Humanos do Ministério do Planejamento, orçamento e Gestão, e dirigido à Co-ordenadora-Geral de recursos Humanos do Ministério do Trabalho e Emprego. Esse ofício respondeu a consulta formulada pelo Ministério do Trabalho, sobre a possibilidade de paga-mento de abono pecuniário referente à venda de 10 dias das férias de empregado público ce-dido de empresa pública ou de sociedade de economia mista, para ocupar cargo em comissão na Administração Pública Federal direta, autárquica ou fundacional.

4. o Ministério do Planejamento concluiu, nesse ofício, analisando o caso con-creto, que “a possibilidade de reembolso do abono pecuniário apenas é devido no caso de re-quisição, diferente do caso em questão, que trata de cessão de empregado” (grifo do original).

5. Entretanto, não é conveniente promover-se alteração na norma interna de férias com base apenas em uma consulta, referente a caso concreto, e que sequer foi formulada por este Ministério.

6. De acordo com a Lei n.º 10.683, de 28 de maio de 2003, art. 27, XVii, “g”, compete ao Ministério do Planejamento, orçamento e Gestão a coordenação e gestão do sis-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�1

tema de pessoal civil. ou seja, compete àquele Ministério a normatização relativa a recursos humanos no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.

7. Sendo assim, o Ministério das Cidades deve limitar-se a reproduzir as nor-mas de férias elaboradas pelo Ministério do Planejamento 1, sem inovar em relação a elas. A norma interna de férias do Ministério das Cidades pode discrepar das normas editadas pelo Ministério do Planejamento apenas naquilo que for estritamente pertinente a trâmites inter-nos deste Ministério.

8. A questão contida no ofício reflete uma interpretação, feita a partir das nor-mas existentes, aplicadas a um caso concreto. Portanto, não é conveniente que o Ministério das Cidades traduza seus fundamentos e conclusões em texto normativo, sem que antes o tenha feito o Ministério do Planejamento, que é o órgão competente para tanto.

9. Assim, o conteúdo no ofício n.º 64/2006/CoGES/SrF/MP deve ser adota-do simplesmente como orientação, na análise de casos semelhantes, quando este Ministério necessitar interpretar as normas de férias vigentes.

10. Dessa forma, entendo que não deve ser promovida a modificação na norma de férias já existente neste Ministério, com base no ofício n.º 64/2006/CoGES/SrF/MP.

11. É o parecer. À consideração superior, com proposta de restituição do pro-cesso à CGrH.

FLAvIA NATARIO COIMBRAAdvogada da União

De acordo:

De acordo. restitua-se, como proposto, à CGrH.

Brasília, junho de 2007.

JORGE CESAR SILvEIRA BALDASSARE GONÇALvESConsultor Jurídico em Exercício

1 ou normas elaboradas por outro Ministério que detivesse, à época, essa competência, como é o caso da Portaria Normativa SrH n.º 2, de 14 de outubro de 1998, editada pelo extinto Ministério da Administração e reforma do Estado - MArE.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�2

PARECER CONJUR/MCIDADES/Nº 209/2007

ENCAMiNHAMENTo DE DECiSÃo ToMADA EM SEDE DE ANTECiPAÇÃo DE TUTELA. ENVio PELA ProCUrA-DoriA DA UNiÃo. iNiCiATiVA DE oFÍCio EM rEMETEr iNForMAÇÕES À PU/MA ACErCA DA DEFESA DA UNiÃo EM JUÍZo. iMPLiCAÇÕES DA DECiSÃo NAS AÇÕES Do MCiDADES. AUSÊNCiA DE PrESSUPoSToS ProCESSUAiS E iMProCEDÊNCiA No MÉriTo.

Proc. nº 80000.000419/2007-85

01. Vêm a esta Consultoria os autos deste processo, em que a Procuradoria da União do Estado do Maranhão, que encaminha a este Ministério a decisão interlocutória, tomada em sede de antecipação de tutela no sentido de não privar o Município de (...) das verbas federais voltadas à saúde, educação, saneamento, urbanização e melhorias em geral das condições de vida da sua população.

02. o processo deflagrou-se com o recebimento do ofício em nº 07/GAB/PU/MA/AGU (fl.01), recebido neste Ministério em 03.01.2007, que assim preceitua:

“Acerca da decisão liminar que concede parcialmente a antecipação da tutela requerida nos autos a Ação ordinária S/No, proposta pelo Município de (...) em face da União Federal e da Caixa Econômica Federal, enviamos cópia da decisão de fls., para cumprimento da determinação judicial.”.

03. A peça inicial do processo judicial consta anexada aos autos, havendo o Município demandante assim requerido ao Poder Judiciário:

“Do EXPoSTo, requer seja essa tutela deferida, inaudita altera pars, a fim de que seja determinado à ré que suspenda imediatamente os efeitos do ato

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�3

administrativo que bloqueou a liberação dos recursos de que trata o plano de trabalho n. 0211.014-10, até final do julgamento do mérito da presente ação.

(...)

DiANTE Do EXPoSTo, requer a citação das rés, por mandado, para que, no prazo legal, venha contestar a presente ação ordinária e para acompanhá-la até final sentença, na qual se pede seja confirmada a tutela antecipada supra reque-rida, e seja no sentido de anular o ato administrativo que bloqueou a liberação dos recursos de que trata o plano de trabalho n. 0211.014-10.”.

04. Às fls. 02/04 a decisão judicial, cujo assim preceitua dispositivo assim julga:

“Em face do exposto, CoNCEDo PArCiALMENTE a antecipação da Tutela requerida, apenas para determinar que, enquanto não sejam preenchidos os re-quisitos que permitem a suspensão da inadimplência do Município requerente, não seja ele privado do repasse de verbas federais voltadas à saúde, educação, saneamento, urbanização e melhorias em geral das condições de vida da sua população, vez que foi precisamente o intuito do art. 26, da Lei nº 10.522/2002, e do art. 25§ 3º, da Lei de responsabilidade Fiscal, que excepcionarem a ve-dação de transferências financeiras da união, quando destinados à execução de tais áreas de atuação, como é o caso das destinações de verbas oriundas do Ministério das Cidades.

Vale ressaltar que esta decisão não impede a fiscalização dos recursos federais repassados ao Município, nem a instauração de tomadas de contas especial, a cobrança de eventual dívida, ou inscrição do nome do ex-gestor, caso julgado ele responsável por algum desvio, em cadastros de inadimplentes.”.

05. Posteriormente, a pedido da CoNJUr/MCiDADES, foi enviado pela Pro-curadoria da União no Estado do Maranhão cópia da inicial juntamente com documentação anexa (fls. 08/35).

06. Cabe ainda relatar que com o envio da peça inicial, tornou-se possível iden-tificar o número dos autos da ação ajuizada (ação nº 2007.37.00.xxxxxxxx), em trâmite na 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do Maranhão), cuja decisão foi prolatada pelo juízo de plantão.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�4

07. A CoNJUr/MCiDADES, de ofício, em 10.01.2007, determinou o encaminhamento dos autos à Subsecretaria de Planejamento, orçamento e Administração do MCidades para manifestação e instrução destes autos de matéria de elementos de fato e de direito para defesa da União em juízo.

08. os autos retornaram instruídos com o Despacho nº 11/2007/SE/SPoA/MCiDADES (fl.46), que preceitua a não identificação, até a presente data, de solicitação da mandatária da União, a CEF, de recursos financeiros sendo que o Município beneficiado ain-da não deu início às obras. informa ainda que o contrato de repasse foi inscrito em restos a pagar que, por força do Decreto nº 6007/2006, tem data limite de 28.02.2007.

09. É o relatório.

10. Cuidam os autos de sugerir à Subsecretaria de Planejamento, orçamento e Administração deste Ministério o cumprimento da decisão judicial, além de providenciar, de ofício, o envio à Procuradoria da União do Estado do Maranhão informações acerca da situação jurídica do Município de (...), em especial, a posição do Ministério das Cidades em relação à decisão judicial de antecipação de tutela.

11. Antes todavia de adentrar-se na argumentação pertinente ao Ministério das Cidades, cabe ressaltar que a inicial está fulcrada na situação de inadimplência causada pela inexistência de prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2000, consoante preceitua o art. 51 da Lei de responsabilidade Fiscal. A atribuição para apreciação de tais contas, por sua vez, não é matéria afeta a esta pasta Ministerial, pelo que nada haverá de se acrescentar à defesa da União neste particular.

12. A decisão prolatada, por outro lado, possui implicações ao MCidades, na medida em que o Município de (...) lavrou com a Caixa Econômica Federal -mandatária da União nos programas deste Ministério na forma do art. 113 e parágrafos da Lei nº 11.439/2006- o contrato nº 0178916-13, cujo objeto consiste no calçamento e pavimentação de ruas no centro da cidade, a ser custeado com verbas federais consignadas no orçamento desta pasta.

13. Assim sendo, o Ministério das Cidades torna-se órgão interessado no des-linde desta demanda, podendo e devendo envidar esforços para defesa da União em juízo, com vistas à reforma da decisão contrária aos interesses públicos.

14. o pleito pretendido pelo autor não merece prosperar ao argumento de ex-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1��

trapolação do objeto pretendido, ausência do requisito urgência alegado, bem como por mo-tivos afetos aos mérito.

15. impende inicialmente apontar que o pedido do autor na inicial, no que tange à antecipação da tutela foi que:

“...seja determinado à ré que suspenda imediatamente os efeitos do ato admi-nistrativo que bloqueou a liberação dos recursos de que trata o plano de traba-lho n. 0211.014-10, até final do julgamento do mérito da presente ação.”.

16. o MM. Juízo, ao antecipar esta parte do pedido determinou que:

“enquanto não sejam preenchidos os requisitos que permitem a suspensão da inadimplência do Município requerente, não seja ele privado do repasse de ver-bas federais voltadas à saúde, educação, saneamento, urbanização e melhorias em geral das condições de vida da sua população, vez que foi precisamente o intuito do art. 26, da Lei nº 10.522/2002, e do art. 25§ 3º, da Lei de responsa-bilidade Fiscal, que excepcionarem a vedação de transferências financeiras da união, quando destinados à execução de tais áreas de atuação, como é o caso das destinações de verbas oriundas do Ministério das Cidades.”.

17. resta portanto evidente que a sentença vai além do que foi requerido pelo autor, infringindo o mandamento do art. 460 do CPC. in verbis:

“Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diver-sa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.

18. Marinoni a este respeito ensina que:

“Afirma-se (primeira parte do art. 460) que o juiz está proibido de proferir sen-tença de natureza diversa da pedida. A natureza da sentença é reflexo do pedi-do, que pode ser mediato ou imediato. o pedido mediato reflete aquilo que o autor postula no plano de direito material, ao passo que o pedido imediato diz respeito à espécie de provimento desejado pelo autor (no plano processual). Nesse último sentido, a sentença pode ser declaratória, condenatória, consti-tutiva, mandamental ou executiva (...). isso quer dizer que (por exemplo) se o autor pede que o juiz declare a responsabilidade do réu por um ilícito, ele não

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�6

pode condená-lo a pagar uma indenização” (Marinoni, Luiz Guilherme, Manu-al do Processo de Conhecimento, p.405, 4ª ed. Ed. revista dos Tribunais).

19. Desta feita, o pronunciamento jurisdicional, ao extrapolar os limites do pe-dido requerido, afronta o princípio da disponibilidade da jurisdição (art. 2º do CPC), que enseja reparo pelo órgão ad quem.

20. ressalte-se ainda que o fundamento do pleito liminar, dentre outros, assen-tou-se no periculum in mora, traduzido na situação jurídica imputada à pretérita administra-ção, consistente na omissão da prestação de contas referentes ao exercício financeiro de 2000, o que fere o art. 51 §1º da Lei de responsabilidade fiscal.

21. Assim, pode-se inferir em síntese que:

• causa de pedir próxima do pedido liminar: tutela de urgência a ser defe-rida ao argumento de que a população da localidade ficaria sem o calça-mento a ser feito.

• Fundamento da decisão em sede de antecipação de tutela: consiste, dentre outros motivos, na urgência decorrente da situação de difícil reparação.

22. ocorre que a situação de inadimplência data desde o exercício de 2000 con-soante consigna a peça inicial, nada mencionando a respeito das diligências tomadas pela atual administração para responsabilizar quem deu causa ao ilícito, tampouco há qualquer nota a respeito das medidas tomadas para sanar a omissão da municipalidade.

23. Portanto, não pode ser tomada por subsistente uma situação jurídica de perigo na demora quem pretende receber verbas federais e permanece inerte por sete anos, deixando transcorrer in albis o dever de prestar contas sem empenhar-se junto ao poder pú-blico federal quanto ao dever preceituado no art. 51 da LC nº 101/2000. 1

24. Ademais, o contrato de repasse firmado entre a Caixa Econômica Federal e o Município autor data de 2005, sem que até a presente data tenha iniciado as obras (cf. Des-pacho de fl. 46). o autor da demanda, igualmente, não aponta na inicial as razões das causas do atraso das obras previstas no plano de trabalho.

1 o Ministério da Fazenda, s.m.j., é o órgão incumbido da apreciação das contas nos Municípios decorrente do dever preceituado no art. 51 da Lei de responsabilidade Fiscal. Assim, informações mais detalhadas e precisas a respeito, v.g., de quanto tempo permaneceu inerte o Município de Luis Domingues/MA, quando foi inscrito o Município no CAUC etc... devem ser indagadas ao órgão pertinente.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�7

25. Não pode, pois, ser tida por urgente em 2007 a situação de recebimento da verba federal em obra que deveria ter sido deflagrada, no máximo, cento e vinte dias da assi-natura do contrato de repasse (cf. item 17.1.1 2 do Manual para Contratação e Execução dos Programas e Ações do MCidades) e que, sem mais, tornou-se iminente sob risco de infrutu-osidade (pericolo di infruttuosità consoante ensina Calamandrei) da prestação jurisdicional.

26. Certo, portanto, é que os próprios fundamentos aduzidos na inicial, aliados à circunstância trazida pela SPoA/MCiDADES (cf. fl.46) quanto à negativa, até a presente data do início das obras, inexoravelmente, conduz a ausência da situação jurídica de urgência invocada havendo, por conseguinte, ausência dos requisitos para concessão da tutela pretendida.

27. Assim sendo, em síntese, pode-se argumentar que a decisão extrapolou a prestação jurisdicional pleiteada na inicial; a inicial invoca situação de urgência consistente no recebimento de verbas federais a serem consignadas pelo MCidades; a decisão fundamen-ta a concessão da antecipação da tutela na existência da situação de urgência; a inscrição do Município no CAUC refere-se à ausência de prestação de contas referente ao exercício de 2000 e as obras contratadas em 2005 ainda não tiveram início. Portanto, inexiste a situação de urgência ensejadora da antecipação dos efeitos da tutela.

28. Passa-se agora a análise dos aspectos de mérito.

29. o fundamento da decisão judicial está, pois, lastreado em interpretação am-pla do mandamento preceituado no art. 25 da Lei Complementar nº 101/2000 e do art. 26 da Lei nº 10.522/2002, cuja hipótese normativa não comporta tamanho elastecimento de forma a abarcar obras de infra-estrutura (objeto do contrato nº0178916-13 celebrado com a CEF).

30. Assim preceituam os referidos dispositivos:

Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000

Art. 25. Para efeito desta Lei Complementar, entende-se por transferência voluntária a entrega de recursos correntes ou de ca-pital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou

2 17.1. CoNTrATo CoM CLáUSULA SUSPENSiVA

17.1.1. A aprovação do projeto técnico de obra e a comprovação pelo Proponente/Contratado da titularidade da área de intervenção poderão ocorrer após a formalização do Contrato de repasse, desde que previsto em cláusula suspen-siva, impeditiva do início da obra ou serviço, com prazo não superior a 120 (cento e vinte) dias para atendimento das exigências que permitam a sua aprovação, incluído o prazo para elaboração da SPA, sob pena de rescisão contratual.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�8

assistência financeira, que não decorra de determinação consti-tucional, legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde.

Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002

Art. 26. Fica suspensa a restrição para transferência de recur-sos federais a Estados, Distrito Federal e Municípios destinados à execução de ações sociais e ações em faixa de fronteira, em decorrência de inadimplementos objeto de registro no Cadin e no Sistema integrado de Administração Financeira do Governo Federal – Siafi.

31. Ambas as normas, fundamentos da decisão judicial, abarcam em seu con-teúdo normativo, exceções taxativas à regra vedatória de realização das transferências volun-tárias, ou seja, entrega a título de cooperação as receitas positivadas nos parágrafos do art. 11 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964.

32. ocorre que nenhum dos dispositivos normativos das regras supramencio-nadas deve ser aplicado ao caso, consoante abaixo de aduzirá.

33. Quanto ao art. 25 da Lei de responsabilidade fiscal, ressalta-se que duas são as exceções:

• determinação constitucional e• Sistema Único de Saúde.

34. As obras contratadas com o Município de (...) tem por natureza obras de infra-estrutura, cujo objeto é o calçamento das ruas (cf. documento de fl.43). Portanto, não estão abrangidos pelas exceções previstas. A este respeito, precisa foi a lição de Maria Sylvia Z. di Pietro que assim ensina:

“o dispositivo 3 excluiu expressamente do conceito de transfe-rência voluntária as entregas de recursos que decorram de de-terminação constitucional, legal ou destinados ao SUS. Por isso mesmo é que a transferência é denominada voluntária, o que não é adequado se decorresse de imposição da Constituição ou da

3 Art. 25 da Lei Complementar nº 101/2000.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

1�9

lei. Assim, ficam fora do conceito, por exemplo, as transferências efetuadas com base nas normas constitucionais que tratam da repartição das receitas tributárias (arts. 157 a 162) e os recursos para seguridade social, inclusive os destinados ao Sistema Único de Saúde, bem como qualquer outro recurso cuja transferência seja imposta pela Constituição ou pela lei.” Martins, ives Gandra da e Nascimento, Carlos Valder do, Lei de responsabilidade Fis-cal, 2001, comentário de Maria Sylvia Zanella di Pietro ao art. 25, ed. Saraiva, p.171).

35. Já quanto à Lei nº 10.522/2002, infere-se que dos dispositivos transcritos, resta demonstrada a complexidade do tema, eis que encerra dois vetores conflitantes entre si. Explica-se: o referido dispositivo é norma excepcional, deve, por isto, possuir aplicabilidade delimitada nos termos da hipótese abstratamente positivada, todavia, o campo de incidência da norma é demasiadamente amplo ante a referência genérica a ações sociais.

36. impõe-se portanto, na seara do entendimento do MCidades, interpretação restritiva, em que o interesse público será atendido na medida em que seja possível a sus-pensão da restrição quantos as transferências voluntárias se presente a execução de obra que tenha por objeto o calçamento das vias públicas (obras de infra-estrutura repise-se).

37. Em suma, no conceito de ação social não se deve englobar o objeto do con-trato de repasse firmado entre o Município de (...) e a Caixa Econômica Federal, eis que este está mais propriamente afeto ao implemento de infra-estrutura sem que haja, por isto, prova de elementos de fato a atribuir conotação social às ações pretendidas. De outra forma, toda e qualquer ação deste Ministério que ultrapasse a esfera do indivíduo deve ser tida por social, o que dá feição de regra o que deve ser exceção.

38. outro não é o sentido do Parecer Normativo AGU/LS – 03/2000, anexo ao parecer GM-027, a respeito da correta interpretação, assim preceita:

“(...)

Na busca do significado da expressão ‘ações sociais’, empregada nas citadas Me-didas Provisórias, o ponto de partida é o reconhecimento de que tal expressão não pode ter sido empregada em seu conceito lato. Se seu sentido fosse amplo, toda a atividade governamental estaria por ela abrangida, porquanto o Estado, sendo resultado da evolução da sociedade e tendo a finalidade de atuar em pro-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

160

veito da coletividade, é um ente eminentemente social e suas ações não deixam de ter, em ultima análise, natureza social. Neste caso, não teria razão de ser a menção a ações sociais. Bastaria que se suspendesse a restrição às transferên-cias para os Estados, Distrito Federal e Municípios, destinadas à execução de quaisquer ações governamentais.

Mas não foi essa a fórmula empregada no diploma legal, que apenas suspendeu uma restrição legal à formalização de convênios. Note-se que a restrição conti-nua mantida, apenas foi suspensa em duas situações (ações sociais ou em faixa de fronteira), o que imprime à norma suspensiva uma nota de excepcionalidade, que reforça a posição de que é estrito o significado da expressão “ações sociais”. Em conseqüência, as transferências de recursos destinadas a outras espécies de ações governamentais têm de obedecer ao requisito de adimplência prescrito no art. 26 da Lei nº 9.692, de 27.07.1998, e no art. 34 da Lei nº 9.811, de 28.07.1999.

Em sentido estrito, a expressão ‘ações sociais’ contrapõe-se a ‘ações econômi-cas’ ou a ‘ações de defesa’ empreendidas pelo Estado. A identificação dessas outras categorias de ações governamentais decorre da própria Constituição da república que distingue a ordem econômica da social, discip1inando-as sepa-radamente nos Títulos Vii e Viii, enquanto trata da defesa no Titulo V.

Adotada tal concepção, conclui-se que, em princípio situam-se fora da área das ações sociais aquelas voltadas para a produção de bens ou serviços, para o fomento as atividades econômicas, para a construção de infra-estrutura - ener-gia, transportes, comunicações. Da mesma forma, não se enquadram como sociais as ações governamentais orientadas para o equipamento e treinamento das forças armadas. É certo, porém, que a eletrificação de uma escola ou de um hospital não deixa de caracterizar uma ação social.

Traçados os limites do campo das ações sociais, de modo a evidenciar que atividades encontram-se excluídos dele, torna-se necessário definir com mais exatidão que tipos de atuação estão nele incluídos. Em outras palavras, cabe precisar seu alcance.

Para tanto, há de se ter presente, em primeiro lugar, que a Lei Maior reconhece como direitos sociais “a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos de-samparados” (art. 6º)

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

161

(...)

No caso da saúde, é forçoso reconhecer que as ações sociais compreendem aquelas de caráter preventivo, abrangendo não apenas as vacinações, senão também as obras de saneamento básico, como o esgotamento sanitário, a canalização de córregos urbanos, os sistemas de abastecimento de água tra-tada.

(...)

Para finalizar, deve ser enfatizado que, de conformidade com a orientação aqui exposta, há duas balizas delimitando o conceito de ações sociais. De um lado, a ação governamental deve objetivar o atendimento de um direito social; de outro, tal atividade deve ter caráter obrigatório para o Poder Público. Este se-gundo requisito explica a natureza excepcional da norma em comento: a União não poderia deixar de executar as ações em benefício das pessoas titulares dos direitos sociais apenas porque o Município ou o Estado onde elas residem não cumpriram obrigações assumidas anteriormente. isso seria punir os cidadãos pela desídia de administradores públicos, postura que certamente não encontra respaldo constitucional.

(...)

Dentro dessa linha, no entendimento desta Consultoria não pairam dúvidas de que enquadram-se como ações sociais as desenvolvidas:

a) na área da educação e da saúde; inclusive obras de saneamento básico;

b) no campo da segurança, como tal entendidas também as obras de prevenção de desastres naturais;

c) com vistas à proteção à maternidade e à infância;

d) com o objetivo de prestar assistência aos desamparados, como as de comba-te à fome e à pobreza, de que trata o Programa Comunidade Solidária, assim como as de socorro ou assistência às populações atingidas por desastres, como seca, inundações, desabamentos ou outros eventos adversos que tenham cau-sado danos humanos, materiais ou ambientais.

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

162

(...)

22. Não se pode ou não se deve formular interpretação ao disposto no art. 26 da Medida Provisória nº 1.973, que colida com as disposições da Lei Com-plementar n º 101, de 2000, máxime porque esta estabelece normas de direito financeiro que implicam a responsabilidade fiscal do agente público, e com a Constituição da república que se encontra hierarquicamente superior às de-mais normas em vigor.

22. Conclui-se, portanto, que as ações sociais, de que trata a Medida Provisória nº 1.973-65, de 28 de agosto passado, são aquelas exercidas com o objetivo de se conseguir o bem-estar e a justiça sociais, em especial nas áreas da seguridade social, da saúde, da previdência social, da assistência social, da educação, da cultura, e do desporto, e nos seus desdobramentos, podendo, desse modo, ini-ciarem ou prosseguirem as transferências de recursos federais a Estados, Dis-trito Federal e Municípios destinados àquelas ações porventura interrompidas em razão dos entendimentos contrários no que tange à sua conceituação, logi-camente, procedendo-se uma análise em cada caso ocorrente.

39. importa observar que o sentido determinado no parecer acima transcrito resguarda o cunho excepcional da norma interpretada, assim, eventual decisão judicial que dele se afaste poderá, sem as devidas cautelas, estimular a prática da afronta pelos Município aos preceitos da responsabilidade fiscal gravados na Lei Complementar nº 101/2000. Afinal, não há óbice para inobservar os limites de gastos se não há limites para receber as verbas fe-derais.

40. Assevere-se ainda que a Medida Provisória supramenciona foi reeditada, transformou-se na Medida Provisória nº 2.176-79, publicada em 24.8.2001 para, então, ser convertida na Lei nº 10.522, de 2002.

41. Desta feita, é de se assentar a aplicabilidade dos fundamentos do Parecer GM-027 da AGU à decisão prolatada nos autos da ação nº 2007.37.00.xxxxxxxx, em trâmite na 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do Maranhão, pelo que se sugere à Procuradoria da União no Estado do Maranhão sua reforma.

42. Assim sendo, em síntese, pode-se argumentar que o art. 25 da Lei de res-ponsabilidade Fiscal não se aplica ao caso ora apresentado; a Lei nº 10.522/2002, ao preceituar as ações sociais, não teve tamanha abrangência para abarcar ações relativas ao calçamento das

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

163

ruas; o parecer normativo GM-027, de 2000 da AGU aplica-se à demanda ajuizada; decisão que se afaste do entendimento do parecer da AGU GM-027 pode, eventualmente, estimular o desrespeito à Lei de responsabilidade Fiscal.

43. Cabe, por fim, anotar que enquanto pendente a decisão judicial de fls. 02/04, deve esta ser cumprida não cabendo o bloqueio das verbas federais relativas a obras de calçamento por estarem, a toda evidência, abrangidas no comando e nos conceitos de urbani-zação e melhoria das condições de vida.

44. Assim sendo, deve-se providenciar à Procuradoria da União no Estado do Maranhão a remessa de cópias das fls. 07/46 e deste pronunciamento, após o que devem os autos serem remetidos à SPoA deste Ministério para o cumprimento da decisão judicial. À consideração superior

ANDRE CAvAS OTEROAdvogado da União

De acordo.

De acordo. oficie-se à Procuradoria da União no Estado do Maranhão, re-metendo-se em anexo cópias das fls. 07/46 e do Parecer. Posteriormente, remetam-se os autos à SPoA para cumprimento da decisão judicial.

Brasília, janeiro de 2007.

ANA LUISA FIGUEIREDO DE CARvALHOConsultora Jurídica

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

16�

CURIOSIDADES

Sentença de Tiradentes

ACCorDÃo em relação os da Alçada etc.

Vistos este autos que em observância das ordens da dita senhora se fizeram sum-mários os vinte e nove réus pronunciados conteudos na relação folhas 14 verso, devassas, perguntas apensos de defesa allegada pelo Procurador que lhe foi nomeado etc, Mostra-se que na Capitania de Minas alguns Vassallos da dita Senhora, animados do espírito de perfídia ambição, formaram um infame plano para se subtrahirem da sujeição, e obediência devida a mesma senhora; pretendendo desmembrar, e separar do Estado aquella Capitania, para for-marem uma república independente, por meio de urna formal rebelião da qual se erigiram em chefes e cabeças seduzindo a uns para ajudarem, e concorrerem para aquella perfida acção, e communicando a outros os seus atrozes, e abomináveis intentos, em que todos guardavam maliciosamente o mais inviolável silêncio; para que a conjuração pudesse produzir effeito, que todos mostravam desejar, pelo segredo e cautela, com que se reservaram de que chegas-se à notícia do Governador, e Ministros porque este era o meio de levarem avante aquelle horrendo attentado, urgido pela infidelidade e perfídia: Pelo que não só os chefes cabeças da Conjuração, e os ajudadores da rebelião, se constituíram réus do crime de Lesa Magestade da primeira cabeça, mas também os sabedores, e consentidores della pelo seu silêncio; sendo tal a maldade e prevaricação destes réus, que sem remorsos faltaram à mais incomendável obri-gação de Vassallos e de Catholicos, e sem horror contrahiram a infâmia de traidores, sempre inherente, e anexa a tão enorme, e detestável delicto.

Mostra-se que entre os chefes, e cabeças da Conjuração o primeiro que suscitou as idéias de república foi o réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes, Alferes que foi da Cavallaria paga da Capitania de Minas, o qual a muito tempo, que tinha concebido o abominável intento de conduzir os povos daquella Capitania a uma rebelião; pela qual se subtrahissem da justa obediência devida á dita senhora, formando para este fim publicamente discursos sediciosos que foram denunciados ao Governador de Minas atencessor do atual, e que então sem nenhuma razão foram despresados como consta a folhas 74 folhas 68 verso folhas 127 verso e folha 2 do appenso numero 8 da devassa principiada nesta cidade; e suposta que aquelles discursos não produzissem naquelle tempo outro efeito mais do que o escândalo

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

166

a abominação que mereciam, contudo como o réu viu que o deixaram formar impunemente aquellas criminosas práticas, julgo por occasião mais oportuna para continual-as com maior efficácia, no anno de mil setecentos, e oitenta e oito em que o actual Governador de Minas tomou posse do governo da Capitania, e travava de fazer lançar a derrama, para completar o pagamento de cem arrobas de ouro, que os povos de Minas se obrigaram a pagar annualmen-te, pelo oferecimento voluntário que fizeram em vinte e quatro de março de mil setecentos e trinta e quatro; aceito e confirmado pelo Alvará de três de dezembro de mil setecentos e cincoenta em lugar da Capitação desde então abolida.

Porem persuadindo-se o réu, de que o lançamento da derrama para completar o computo das cem arrobas de ouro, não bastaria para conduzir os novos à rebellião, estando elles certos, em que tinham oferecido voluntariamente aquelle computo, como um subrogado muito favoravel em lugar do quinto de ouro que tirassem nas Minas, que são um direito real eTn todas as Monarchias; passou a publicar que na derrama competia a cada pessoa pagar as quantias que arbitrou, que seriam capazes de atemorizar os povos, e pretender fazer conte-meratio atrevimento, e horrendas falcidades, odioso o suavíssimo e ilustradíssimo governo da dita senhora, e as sábias providências dos seus Ministros de Estado, publicando que o actual governador de Minas tinha trazido ordem para opprimir, e arruinar os leais Vassallos da mesma senhora, fazendo com que nenhum delles pudesse ter mais de dez mil cruzados, o que jura Vicente Vieira da Morta a folhas 60 e Basilio de Brito Malheiro a folhas 52 verso ter ouvido a este réu, e a folha 108 da devassa tirada por ordem do Governador de Minas, e que o mesmo ouvira a João da Costa rodrigues a folhas 57, e o Conego Luiz Vieira a folhas 60, verso da devassa tirada por ordem do Vice-rei do Estado.

Mostra-se que tendo o dito réu Tiradentes publicado aquellas horríveis e notórias falcidades, como alicerce da infame machine, que pretendia estabelecer, comunicou em se-tembro de mil setecentos e oitenta e oito as suas perversas idéias, ao réu José Alves Maciel visitando-o nesta cidade a tempo que o dito Maciel chegava de viajar por alguns reinos es-trangeiros, para se recolher a Vila rica donde era natural, como consta a folhas 10 do appenso n. 1 e folhas 2 verso, do appenso n. 12 da devassa principiada nesta Cidade, e tendo o dito réu Tiradentes encontrado no mesmo Maciel, não só approvação mas também novos argu-mentos que o confirmaram nos seus execrandos projectos como se prova a folhas 10 do dito appenso n. 1 e a folhas 7 do appenso n. 4 da dita devassa; saíram os referidos dois réus desta Cidade para Vilia rica Capital da Capitania de Minas ajustados em formarem o partido para a rebelião, e com effeito o dito réu Tiradentes foi logo de caminho examinando os animos das pessoas a quem falava como foi aos réus José Aires Gomes, e ao Padre Manoel rodrigues da Costa; e chegando a Villa rica a primeira pessoa a quem os sobreditos dois Tiradentes e Ma-ciel falaram foi ao réu Francisco de Paula Freire de Andrade que então era Tenente Coronel

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

167

comandante da tropa paga da Capitania de Minas cunhado do dito Maciel; e supposto que o dito réu Francisco de Paula hesitasse no princípio conformar-se com as idéias daqueles dois perfidos réus, o que confessa o dito Tiradentes a folhas 10 verso do dito appenso n. 1; con-tudo persuadido pelo mesmo Tiradentes com falsa asserção, de que nesta Cidade do rio de Janeiro havia um grande partido de homens de negocio promptos para ajudarem a subleva-ção, tanto que ella se effectuasse na Capitania de Minas; e pelo réu Maciel seu cunhado com a phantastica promessa, de que logo que se executasse a sua infame resolução teriam socorro de Potências estrangeiras, referindo em confirmação disto algumas práticas que dizia ter por lá ouvido, perdeu o dito réu Francisco de Paula, todo o receio como consta a folhas 10 verso e folhas 11 do appenso n. 1 e a folhas 7 do appenso n. 4 da devassa desta cidade, adotando os perfidos projectos dos ditos réus para formarem a infame conjuração, de estabelecerem na Capitania de Minas uma república independente.

Mostra-se que na mesma Conjuração entrara o réu ignácio José de Alvarenga Coro-nel do primeiro regimento auxiliar da Companhia do rio Verde ou fosse convidado e induzi-do pelo réu Tiradentes, ou pelo réu Francisco de Paula, como o mesmo Alvarenga confessa a folhas 10 do appenso n. 4 da devassa desta Cidade e que também entrara na mesma Con-juração do réu Domingos de Abreu Vieira, Tenente Coronel de Cavallaria Auxiliar de Minas Novas convidado, e induzido pelo réu Francisco de Paula como declara o réu Alvarenga a folhas 9 do dito appenso n. 4 ou pelo dito réu Paula juntamente com o réu Tiradentes, e Pa-dre José da Silva de oliveira rolim como confessa o mesmo réu Domingos de Abreu a folhas 10 verso da devassa desta Cidade; e achando-se estes réus conformes no detestável projecto de estabelecerem uma república naquella Capitania corno consta a folhas 11 do appenso n. 1 passaram a conferir sobre o modo da execução, ajuntando-se em casa do réu Francisco de Paula a tratar da sublevação nas infames sessões que tiveram, como consta uniformemente de todas as confissões dos réus chefes da conjuração nos, appensos das perguntas que lhe foram feitas; em cujos ventículos não só consta que se achasse o réu Domingos de Abreu, ainda que se lhe communicava tudo quanto nelles se ajustava corno consta a folhas 10 do appenso n. 6 da devassa da Cidade, e se algumas vezes se conferisse em casa do mesmo réu Abreu sobre a mesma matéria entre elles e os réus Tiradentes, Francisco de Paula, e o Padre José da Silva de oliveira rolim; sem embargo de ser o lugar destinado para os ditos conventículos a casa do dito réu Paula, para os quaes eram chamados estes Cabeças da Conjuração, quando algum tardava como se vê, a folhas 11 verso do appenso 1 da devassa desta Cidade, e do escripto folhas 41 da devassa de Minas do Padre Carlos Corrêa de Toledo para o réu Alvarenga dizen-do-lhe que fosse logo que estavam juntos.

Mostra-se que sendo pelo princípio do anno de mil setecentos e oitenta e nove se ajuntaram os réus chefes da Conjuração em casa do réu Francisco de Paula lugar destinado

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

168

para os torpes, execrandos conventiculos, e ahi depois de assentarem uniformemente em que se fizesse a sublevação e motim na occasião em que se lançasse a derrama, pela qual suppu-nham que estaria o povo desgostoso, o que se prova por todas as confissões dos réus nas perguntas constantes dos appensos; passaram cada um a proferir o seu voto sobre o modo de estabelecerem a sua ideada república, e resolveram que lançada a derrama se gritaria uma noi-te pelas ruas da dita Villa rica - Viva a liberdade - a cujas vozes sem duvida acudiria o povo, que se achava consternado, e o réu Francisco de Paula formaria a tropa fingindo querer re-bater o motim, manejando-a com arte de dissimulação, enquanto da Cachoeira aonde assistia o Governador Geral, não chegava a sua cabeça, que devia ser-lhe cortada, o segundo voto de outros bastaria que o mesmo General fosse preso, e conduzido fora dos limites da Capitania dizendo-lhe que fosse embora, e que dissesse em Portugal que já nas Minas se não necessitava de Governadores; parecendo por esta forma que o modo de executar esta atrocissima acção ficava ao arbitrio do infame executor prova-se o referido do appenso n. l folhas 12 appenso n. 5 folhas 7 verso appenso 4 folhas 9 verso e folhas 10 pelas testemunhas folhas 103 e folhas 107 da devassa desta cidade e folhas 84 da devassa de Minas.

Mostra-se que no caso de ser cortada a cabeça do General, seria conduzido à presen-ça do povo, e da tropa, e se lançaria um bando em nome da república, para que todos seguis-sem o partido do novo Governo consta do appenso n. 1 a folhas 12 e que seriam mortos todos aquelles que se lhe oppuzessem que se perdoaria aos devedores da Fazenda real tudo quanto lhe devessem consta a folhas 89 verso da devassa de Minas e folhas 118 verso da devassa desta Cidade; em que aprehenderia todo o dinheiro pertencente à mesma real Fazenda dos cofres reaes para pagamento da tropa consta do appenso n. 6 a folhas 6 verso e testemunhas folhas 104 e folhas 109 da devassa desta Cidade e a folhas 99 verso da devassa de Minas; assentando mais os ditos infames réus na forma da bandeira e armas que deveria ter a nova república consta a folhas 3 verso appenso n. 12 a folhas 12 verso appenso n. 1 folhas 7 appenso n. 6 da devassa desta Cidade; em que se mudaria a Capitania para São João dâ??El-rei, e que em Villa rica se fundaria uma Universidade; que o ouro e diamantes seriam livres, que se formariam Leis para o governo da republica, e que o dia destinado para dar princípio a esta execranda rebellião, se avisaria aos Conjurados com este disfarce - tal dia é o baptisado - o que tudo se prova das confissões dos réus nos appensos das perguntas; e ultimamente se ajustou nos ditos conventiculos o socorro, e ajuda com que cada um havia de concorrer.

Mostra-se, quanto ao réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes, que esta monstruosa perfídia depois de recitar naquellas escandalosas, e horrorosas assem-bléias as utilidades, que resultaria do seu enfame, se encarregou de ir cortar a cabeça do Gene-ral consta a folhas 103 verso, e folhas 107, e dos appensos n. 4 a folhas 10 e n. 5 a folhas 7 verso da devassa desta cidade a folhas 99 verso da devassa de Minas, e conduzindo-a a faria patente

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

169

ao povo e tropa, que estaria formada na maneira sobredita, não obstante dizer o mesmo réu a folhas 11 verso do appenso n. 1 que só se obrigou a ir prender o mesmo General e conduzi-lo com a sua família fora dos limites da Capitania dizendo-lhe que se fosse embora parecendo-lhe talvez que com esta confissão ficaria sendo menor o seu delicto.

Mostra-se mais que este abominável réu ideo a forma da bandeira que ia ter a repú-blica que devia constar de três triangulos com allusão as três pessoas da Santissima Trindade o que confessa a folhas 12 verso do appenso n. 1 ainda que contra este voto prevaleceu o do réu Alvarenga que se lembrou de outra mais allusiva a liberdade que foi geralmente approvada pelos conjurados; também se obrigou o dito réu Tiradentes a convidar para sublevação a to-das as pessoas que pudesse confessa a folhas 12 appenso n. 1 satisfez ao que prometeu falando em particular a muitos cuja fidelidade pretendeu corromper principiando por expor-lhes as riquezes daquella Capitania que podia ser um império florente, como foi a Antonio da Fonse-ca Pestana, a Joaquim José da rocha, e nesta Cidade a João José Nunes Carneiro, e a Manoel Luiz Pereira, furriel do regimento de artilharia a folhas 16 e folhas 18 da devassa desta Cidade os quaes como atalharam a prática por onde o réu costumava ordinariamente principiar para sondar, os animos, não passou avante comunicar-lhe com mais clareza os seus malvados o perversos intentos confessa o réu a folhas 18 verso appenso n. 1.

Mostra-se mais que o réu se animou com sua costumada ousadia a convidar expres-samente para o levante do réu Vicente Vieira da Motta confessa este a folhas 73 verso e no appenso n. 20 chegando a tal excesso o descaramento deste réu que publicamente formava discursos sediciosos aonde quer que se achava ainda mesmo pelas tavernas com mais escan-daloso atrevimento, como se prova pelas testemunhas folhas 71 folhas 73 appenso n. 8 e folhas 3 da devassa desta Cidade e a folhas 58 da devassa de Minas; sendo talvez por esta descome-dida ousadia com que mostrava ter totalmente perdido o temor das justiças, e o respeito e fidelidade de vida á dita senhora, reputado por um heroe entre os conjurados consta a folhas 102 e appenso n. 4 a folhas 10 da devassa desta Cidade.

Mostra-se mais que com o mesmo perfido animo, e escandalosa ousadia partiu o réu de Villa rica para esta Cidade em março de mil setecentos e oitenta e nove, com inten-to de publica e particularmente com as suas costumadas praticas convidar gente para o seu partido, dizendo a Joaquim Silvério dos reis, que reputava ser do numero dos conjurados en-contrando-o no caminho perante várias pessoas - Cá vou trabalhar para todos - o que juram as testemunhas folhas 15 folhas 99 verso folhas 142 verso folhas 100 e folhas 143 da devassa desta Cidade; e com effeito continuou a desempenhar a perfida commissão, de que se tinha encarregado nos abominaveis conventiculos falando no caminho a João Dias da Morta, para entrar na rebellião e descaradamente na estalagem da Varginha perante os réus João da Costa

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

170

rodrigues e Antonio de oliveira Lopes, dizendo a respeito do levante que - não era levantar que era restaurar a terra - expressão infame de que já tinha usado em casa de João rodrigues de Macedo sendo reprehendido de falar em levante, consta a folhas 61 da devassa desta Cida-de e a folhas 36 da devassa de Minas.

Mostra-se que nesta cidade falou o réu com o mesmo atrevimento e escandalo, em casa de Valentim Lopes da Cunha perante várias pessoas, por occasião de se queixar o solda-do Manoel Corrêa Vasques, de não poder conseguir a baixa que pretendia ao que respondeu o réu como louco furioso que era muito bem feito que sofresse a praça, e que o assentasse, porque os cariocas americanos (sic) eram fracos vis de espíritos baixos porque podiam passar sem o julgo que soffriam, e viver independentes do reino, e o toleravam, mas que se houvesse alguns como elle réu talvez, que fosse outra cousa, e que elle receava que houvesse levante nas Capitanias de Minas, em razão da derrama que se esperava, e que em semelhantes circuns-tâncias seria facil de cujas expressões sendo repreendido, pelos que estavam presentes, não declarou mais os seus perversos e horríveis intentos consta a folhas 17 folhas 18 da devassa desta Cidade; e sendo o Vice-rei do Estado já a este tempo informado dos aborninaveis pro-jectos do réu, mandou vigiar-lhe os passos, e averiguar as casas aonde entrava, de que tendo elle alguma noticia ou aviso, dispoz a sua fugida pelo sertão para as Capitanias de Minas sem dúvida para ainda executar os seus malévolos intentos se pudesse occultando-se para este fim em casa do réu Domingos Fernandes, aonde foi preso achando-se-lhe as cartas dos réus Ma-noel José de Miranda, e Manoel Joaquim de Sá Pinto do rego Forte, para o Mestre de Campo ignácio de Andrade o auxiliar na fugida [...]

Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas a que com baraço e pregão seja conduzi-do pelas ruas publicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Villa rica aonde em lugar mais publico della será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes pelo caminho de Minas no sitio da Varginha e das Sebolas aonde o réu teve as suas infames práticas e os mais nos sitios (sic) de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens applicam para o Fisco e Câmara real, e a casa em que vivia em Villa rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infamia deste abominavel réu; igualmente condemnam os réus Francisco de Paula Freire de Andrade Tenente Coronel que foi da Tropa paga da Capitania de Minas, José Alves Maciel, ignácio José de Alvarenga, Domingos de Abreu Vieira, Francisco Antonio de oliveira Lopez, Luiz Vás de Toledo Piza, a que com baraço e pregão sejam condu-

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

171

zidos pelas ruas públicas ao lugar da forca e nella morram morte natural para sempre, e depois de mortos lhe serão cortadas as suas cabeças e pregadas em postes altos até que o tempo as consuma as dos réus Francisco de Paula Freire de Andrade, José Alves Maciel e Domingos de Abreu Vieira nos lugares de fronte das suas habitações que tinham em Villa rica e a do réu ignácio José de Alvarenga, no lugar mais publico na Villa de São João de El-rei, a do réu Luiz Vaz de Toledo Piza na Villa de São José, e do réu Francisco Antonio de oliveira Lopes defronte do lugar de sua habitação na porta do Morro; declaram estes réus infames e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens por confiscados para o Fisco e Câmara real, e que suas casas em que vivia o réu Francisco de Paula em Villa rica aonde se ajuntavam os réus chefes da conjuração para terem os seus infames conventiculos serão também arrasadas e salgadas sendo próprias do réu para que nunca mais no chão se edifique. igualmente condemnam os réus Salvador Carvalho de Amaral Gurel, José de resende Costa Pae, José de resende Costa Filho, Domingos Vidal Barbosa, que com baraço e pregão sejam conduzidos pelas ruas públi-cas, lugar da forca e nella morram morte natural para sempre, declaram estes réus infames e seus filhos e netos tendo-os e os seus bens confiscados para o Fisco e Câmara real, e para que estas execuções possam fazer-se mais comodamente, mandam que no campo de São Do-mingos se levante uma forca mais alta do ordinario. Ao réu Claudio Manoel da Costa que se matou no carcere, declaram infame a sua memoria e infames seus filhos e netos tendo-os e os seus bens por confiscados para o Fisco e Câmara real. Aos réus Thomás Antonio Gonzaga, Vicente Vieira da Morta, José Aires Gomes, João da Costa rodrigues, Antonio de oliveira Lo-pes condemnam em degredo por toda a vida para os presidios de Angola, o réu Gonzaga para as Pedras, o réu Vicente Vieira para Angocha, o réu José Aires para Embaqua, o réu João da Costa rodrigues para o Novo redondo; o réu Antonio de oliveira Lopes para Caconda, e se voltarem ao Brasil se executará nelles a pena de morte natural na forca, e applicam a metade dos bens de todos estes réus para o Fisco e Camara real. Ao réu João Dias da Morta conde-mnam em dez anos de degredo para Benguela, e se voltar a este Estado do Brasil e nelle for achado morrerá morte natural na forca e applicam a terça parte dos seus bens para o Fisco e Camara real. Ao réu Victoriano Gonçalves Veloso condemnam em açoutes pelas ruas publi-cas, tres voltas ao redor da forca, e degredo por toda a vida para a cidade de Angola, achado morrerá morte natural na forca para sempre, e applicam a metade de seus bens para o Fisco e Camara real. Ao réu Francisco José de Mello que faleceu no carcere declaram sem culpa, e que se conserve a sua memória, segundo o estado que tinha. Aos réus Manoel da Costa Capanema e Faustino Soares de Araújo absolvem julgando pelo tempo que tem tido de prisão purgados de qualquer presumpção que contra elles podia resultar nas devassas. igualmente absolvem aos réus João Francisco das Chagas e Alexandre escravo do Padre José da Silva de oliveira rolim, a Manoel José de Miranda e Domingos Fernandes por se não provar contra elles o que basta para se lhe impor pena, e ao réu Manoel Joaquim de Sá Pinto do rego Fortes fallecido no carcere declaram sem culpa e que conserve a sua memória segundo o estado que

JuriCidades Revista da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades

172

tinha; aos réus Fernando José ribeiro, José Martins Borges condemnam ao primeiro em de-gredo por toda a vida para Benguela e em duzentos mil para as despesas da relação, e ao réu José Martins Borges em açoutes pelas ruas publicas e dez annos de galés e paguem os réus as custas. rio de Janeiro, 18 de Abril de 1792.

Vas.los Gomes ribrº Cruz e Silva Veiga Figdº Guerreiro Montrº Gayoso.”

os juizes que condenaram Tiradentes e assinaram a sentença apenas com o sobre-nome foram:Sebastião Xavier de Vasconcellos Coutinho (Chanceler da rainha); Antônio Go-mes ribeiro; Antônio Diniz da Cruz e Silva; José Antônio da Veiga; João de Figueiredo; João Manoel Guerreiro de Amorim Pereira; Antônio rodrigues Gayoso e Tristão José Monteiro

Fonte: “Sentença Criminal”, Adalto Dias Tristão, Ed.DelRey, 4 ed.1999