nimotuzumabe em um caso de glioblastoma recorrente expressando uma nova mutação de egfr

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Nimotuzumabe em um caso de glioblastoma recorrente expressando uma nova mutação de EGFR Francisco Hélder Cavalcante Félix 1 , Igor Moreira Veras 2 , Cleto Dantas Nogueira 3 , Juvenia Bezerra Fontenele 4 1 - Hospital Infantil Albert Sabin, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará 2 - CRIO - Centro Regional Integrado de Oncologia 3 - Argos Patologia e Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará 4 - Curso de Farmácia, Faculdade de Farmácia Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará [email protected] XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica SOBOPE 2014 Introdução G lioblastomas são tumores cerebrais de prognóstico reservado, incomuns na pediatria. Têm caracterís- ticas moleculares que os diferenciam dos glioblastomas adultos, como a relativa raridade da amplificação e das mutações do EGFR. Não existe tratamento padrão para esta doença, e radioquimioterapia é utilizada de rotina, com múltiplos esquemas. Apesar dos esforços para me- lhorar o tratamento multimodalidade desta patologia, a sobreviva prolongada de pacientes pediátricos com este tumor não passa de 5-10% [1]. Recentemente, o nimotu- zumabe, um anticorpo monoclonal humanizado recombi- nante com alta afinidade pelo EGFR, foi aprovado para uso em nosso país em pacientes pediátricos com glioblas- toma recorrente. Um ensaio clínico fase II de nimotuzu- mabe em crianças e adolescentes com gliomas de alto grau recidivados mostrou atividade da droga, com 14/46 paci- entes respondendo objetivamente e cerca de 4 meses de sobreviva global (mediana) [2]. Material e Métodos Realizamos uma análise retrospectiva do prontuário de um paciente com glioblastoma progressivo após trata- mento prévio tratado com nimotuzumabe em nosso ser- viço. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa. O tratamento off-label com nimotuzumabe foi iniciado após consentimento informado dos responsáveis pelo paciente. A estrutura prevista para o receptor EGFR mutante encontrado neste paciente foi obtida com a ajuda do Protein Homology/analogY Recognition Engine V 2.0 (Phyre2 server) [3]. Resultados e Discussão Apresentamos um caso de um paciente do sexo mascu- lino, diagnosticado aos 5 anos de idade com um glioblas- toma parieto-occipital. Após ressecção subtotal, ele foi tratado com radioquimioterapia (60 Gy) com temozolo- mida, seguida de temozolomida oral por mais 10 ciclos, obtendo remissão completa. Dezessete meses após o diag- nóstico, ele recidivou com implantes supra e infratentori- ais, mas não no sítio primário. O paciente submeteu-se à nova radioterapia (54 Gy), seguida de dois ciclos de te- mozolomida, sobrevindo progressão muito rápida. Duas incipientes lesões supratentoriais cresceram cerca de 15 vezes em 70 dias, com um tempo de duplicação estimado em 8 dias. O paciente sofreu nova cirurgia para reduzir o efeito de massa tumoral, com ressecção apenas parcial. A nova análise patológica do tumor confirmou glioblastoma e identificou uma deleção de 20 pares de bases no éxon 20 do EGFR, p.AA767 H773del, nunca identificada anterior- mente. Nimotuzumabe foi iniciado na dose de 150 mg/m 2 por semana. O paciente recebeu 7 doses semanais, tendo melhora clínica parcial inicial e falecendo 86 dias após a segunda recidiva, com imagem radiológica estabilizada. Figura 1: Evolução radiológica do presente caso. (A e B) RM (T1/2) de 22/07/13 mostrando pequenas lesões captantes. (C) RM (T2) mostrando crescimento muito rápido das lesões, em apenas 70 dias, tempo de duplicação estimado em 8 dias. (D) Aspecto após ressecção parcial da maior lesão, à esquerda. (E) Após primeira dose de nimotuzumabe (1 mês após cirurgia). (F) Vinte dias após início do nimotuzumabe, lesão estável. Figura 2: Detalhe do domínio quinase do receptor EGFR selvagem, mostrando o trecho afetado pela mutação em verde. Ao lado, a estrutura predita do mesmo domínio do EGFR com a mutação que observamos (Phyre2) Conclusão O caso mostra a viabilidade do uso de Mab anti-EGFR no tratamento de glioblastoma pediátrico recorrente refratá- rio, selecionando os casos através de biologia molecular. Referências [1] STURM D, Bender S, Jones DT, Lichter P, Grill J, Becher O, Hawkins C, Ma- jewski J, Jones C, Costello JF, Iavarone A, Aldape K, Brennan CW, Jabado N, Pfister SM. Paediatric and adult glioblastoma: multiform (epi)genomic culprits emerge. Nat Rev Cancer. 2014;14(2):92-107. [2]BODE U, Buchen S, Warmuth-Metz M, Pietsch T, Bach F, Fleischhack G. Final report of a phase II trial of nimotuzumab in the treatment of refractory and relapsed high-grade gliomas in children and adolescents. J Clin Oncol 2007:25(18S, Suppl: Abstr 2006). [3] KELLEY LA, Sternberg MJ. Protein structure prediction on the Web: a case study using the Phyre server. Nat Protoc. 2009;4(3):363-71. Agradecimentos SOBOPE 2014 - XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica

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Page 1: Nimotuzumabe em um caso de glioblastoma recorrente expressando uma nova mutação de EGFR

Nimotuzumabe em um caso de glioblastoma recorrente expressandouma nova mutação de EGFR

Francisco Hélder Cavalcante Félix1, Igor Moreira Veras2, CletoDantas Nogueira3, Juvenia Bezerra Fontenele4

1 - Hospital Infantil Albert Sabin, Secretaria de Saúde do Estado do Ceará2 - CRIO - Centro Regional Integrado de Oncologia

3 - Argos Patologia e Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará4 - Curso de Farmácia, Faculdade de Farmácia Odontologia e Enfermagem, Universidade Federal do Ceará

[email protected]

XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica — SOBOPE 2014

Introdução

Glioblastomas são tumores cerebrais de prognósticoreservado, incomuns na pediatria. Têm caracterís-

ticas moleculares que os diferenciam dos glioblastomasadultos, como a relativa raridade da amplificação e dasmutações do EGFR. Não existe tratamento padrão paraesta doença, e radioquimioterapia é utilizada de rotina,com múltiplos esquemas. Apesar dos esforços para me-lhorar o tratamento multimodalidade desta patologia, asobreviva prolongada de pacientes pediátricos com estetumor não passa de 5-10% [1]. Recentemente, o nimotu-zumabe, um anticorpo monoclonal humanizado recombi-nante com alta afinidade pelo EGFR, foi aprovado parauso em nosso país em pacientes pediátricos com glioblas-toma recorrente. Um ensaio clínico fase II de nimotuzu-mabe em crianças e adolescentes com gliomas de alto graurecidivados mostrou atividade da droga, com 14/46 paci-entes respondendo objetivamente e cerca de 4 meses desobreviva global (mediana) [2].

Material e MétodosRealizamos uma análise retrospectiva do prontuário deum paciente com glioblastoma progressivo após trata-mento prévio tratado com nimotuzumabe em nosso ser-viço. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética emPesquisa. O tratamento off-label com nimotuzumabe foiiniciado após consentimento informado dos responsáveispelo paciente. A estrutura prevista para o receptor EGFRmutante encontrado neste paciente foi obtida com a ajudado Protein Homology/analogY Recognition Engine V 2.0(Phyre2 server) [3].

Resultados e DiscussãoApresentamos um caso de um paciente do sexo mascu-lino, diagnosticado aos 5 anos de idade com um glioblas-toma parieto-occipital. Após ressecção subtotal, ele foitratado com radioquimioterapia (60 Gy) com temozolo-mida, seguida de temozolomida oral por mais 10 ciclos,obtendo remissão completa. Dezessete meses após o diag-nóstico, ele recidivou com implantes supra e infratentori-ais, mas não no sítio primário. O paciente submeteu-se ànova radioterapia (54 Gy), seguida de dois ciclos de te-mozolomida, sobrevindo progressão muito rápida. Duasincipientes lesões supratentoriais cresceram cerca de 15vezes em 70 dias, com um tempo de duplicação estimadoem 8 dias. O paciente sofreu nova cirurgia para reduzir o

efeito de massa tumoral, com ressecção apenas parcial. Anova análise patológica do tumor confirmou glioblastomae identificou uma deleção de 20 pares de bases no éxon 20do EGFR, p.AA767 H773del, nunca identificada anterior-mente. Nimotuzumabe foi iniciado na dose de 150 mg/m2

por semana. O paciente recebeu 7 doses semanais, tendomelhora clínica parcial inicial e falecendo 86 dias após asegunda recidiva, com imagem radiológica estabilizada.

Figura 1: Evolução radiológica do presente caso. (A e B) RM (T1/2) de 22/07/13

mostrando pequenas lesões captantes. (C) RM (T2) mostrando crescimento

muito rápido das lesões, em apenas 70 dias, tempo de duplicação estimado em 8

dias. (D) Aspecto após ressecção parcial da maior lesão, à esquerda. (E) Após

primeira dose de nimotuzumabe (1 mês após cirurgia). (F) Vinte dias após início

do nimotuzumabe, lesão estável.

Figura 2: Detalhe do domínio quinase do receptor EGFR selvagem, mostrando o

trecho afetado pela mutação em verde. Ao lado, a estrutura predita do mesmo

domínio do EGFR com a mutação que observamos (Phyre2)

ConclusãoO caso mostra a viabilidade do uso de Mab anti-EGFR notratamento de glioblastoma pediátrico recorrente refratá-rio, selecionando os casos através de biologia molecular.

Referências

[1] STURM D, Bender S, Jones DT, Lichter P, Grill J, Becher O, Hawkins C, Ma-jewski J, Jones C, Costello JF, Iavarone A, Aldape K, Brennan CW, Jabado N,Pfister SM. Paediatric and adult glioblastoma: multiform (epi)genomic culpritsemerge. Nat Rev Cancer. 2014;14(2):92-107.

[2] BODE U, Buchen S, Warmuth-Metz M, Pietsch T, Bach F, Fleischhack G.Final report of a phase II trial of nimotuzumab in the treatment of refractoryand relapsed high-grade gliomas in children and adolescents. J Clin Oncol2007:25(18S, Suppl: Abstr 2006).

[3] KELLEY LA, Sternberg MJ. Protein structure prediction on the Web: a casestudy using the Phyre server. Nat Protoc. 2009;4(3):363-71.

Agradecimentos

SOBOPE 2014 - XIV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica