nietzsche e tempo

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  • 7/25/2019 Nietzsche e Tempo

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    Diversidade Religiosa, v. 1, n. 2, 2014 ISSN 23170476

    O ETERNO RETORNO EM NIETZSCHE: TEMPO, HISTRIA EETERNIDADE

    THE ETERNAL RETURN IN NIETZCHE: TIME, HISTORY AND ETERNITY

    Otvio Santana Vieira1

    RESUMOO presente trabalho tem por objetivo um estudo sobre o tema do Eterno Retorno, maisespecialmente em Nietzsche. Porm, antes de adentrar no pensamento nietzschiano sobre otema, fazemos uma reconstruo de alguns aspectos do conceito, a partir da obra O mito doeterno retorno do renomado Mircea Eliade. A questo do Eterno Retorno bastanteproblemtica por incluir em si o problema da temporalidade, da histria e do sentindo de ambospara o homem. A inteno aqui disposta de que o Eterno Retorno contm uma rejeio aotempo e a histria, e a viso linear ou progressiva do tempo ou dos eventos que nele seencontram. O tratamento do tema feito, primeiramente, na antiguidade arcaica e visa mostrarque o Eterno Retorno algo recorrente no pensamento humano e visto como uma necessidade

    do homem em redimir-se do tempo por meio de ritos e mitos que os faz retornar ao tempoprimordial da criao ou fundao do mundo por um deus ou heri lendrio.Posteriormente tratado do tema em Nietzsche, foco do trabalho, mostrando o que h de original na propostamoderna do mito do Eterno Retorno, sendo colocado em princpio os textos ao qual Nietzschefaz referncia a esse tema dentro de sua obra intelectual, e posteriormente as interpretaes queso dadas ao seu pensamento essencial. Aqui sero discutidas as questes que envolvem asinterpretaes cosmolgicas e axiolgicas do Eterno Retorno, colocadas no comocontraditrias, mas como a possibilidade de ambas se complementarem para assim formar umainterpretao consistente que pretende dar um sentido conjunto para a compreenso disso que colocado como o pensamento essencial de Nietzsche.Palavras-chave: Nietzche; Eterno retorno; Eliade.

    ABSTRACTThis work aims to be a study on the Eternal Return, more specifically on Nietzche. But beforestarting nietzchean approach about the subject, we rebuild some aspects of this concept from thework The Eternal Return Myth, by renowned Mircea Eliade. The matter of the Eternal Return ishighly problematic because it includes the problem of temporality, of history and the meaningof both to Man. The purpose here provided is that the Eternal Return contains a rejection againsttime and history and, the linear or progressive vision of time or its events. The treatment of thetheme is firstly done on archaic antiquity and intends to show that the Eternal Return issomething resorted on human thought and it is seen as a mans necessity to redeem himselffrom time through rites and myths which turn him back to theprimordial age of words creation or foundation by a god or legendary hero. Afterwards,

    Nietzche theme is approached, the focus of this paper, showing what is there of original in themodern proposal of the Eternal Return myth, employing on its beginning Nietzches texts wherehe refers to this theme within his intellectual work and, later, the interpretations done to hisessential thought. Here will be discussed the questions involving cosmological and axiologicalinterpretations about the Eternal Return, employed not as a contradictory, but as a possibilitythat both complement each other so to form a consistent interpretation intending to give a senseof assemblage to the comprehension of this that is placed as Nietzches essential idea.Key-words: Nietzche; Eternal Return; Eliade.

    Introduo

    1Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal da Paraba. Mestrando em Cincia das Religies pelamesma universidade.

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    O Eterno Retorno no apenas a concepo pela qual pensamos o mundo(cosmos) retornando ao fim de cada ciclo (csmico) para o caos primitivo. A questo doretornotambm envolve questes complexas como o tempoe como o homem encara a

    Histria.

    Modernamente o conhecemos atravs de Nietzsche, porm essa concepoacompanha a humanidade desde milnios. Em suma as grandes referncias ao tema seencontram na concepo arcaica de Tempo e de Histria, no pensamento grego pr-socrtico e helenstico, e reavivado por Nietzsche no sculo XIX.

    Segundo Mircea Eliade, a concepo cclica de tempo exprime uma contrariedadeao tempo e a histria. Aquele para onde o tempo retorna propriamente o tempomtico do incio das coisas.Isso nos mostra uma valorizao metafsicada existnciahumana versus a histria e o tempo (ELIADE, 1992, p.7). Nas sociedades arcaicas outradicionaisa relao do homem e seu lugar no cosmos se davam por meio de ritos,enquanto que o homem moderno se ver vinculado histriaou momento histrico.

    Para o homem das sociedades tradicionais o cosmos possua uma histria, porm

    esta histria uma criao dos Deuses, ou dos seres sobrenaturais e/ou heris. O queisso quer dizer? Que esta histria sagrada, preservada e transmitida pelos mitos.Histria essa pode ser repetida infinitamente atravs dos mitos que so as basescerimoniais de re-atualizao peridica de eventos do princpio dos tempos (ELIADE,idem, p.11-12). Eliade nos mostra que tais ritos, como tambm o comportamentohumano, se estabelecem a partir de modelos paradigmas ou arqutipos2 queremontam ao perodo inicial dos tempos, e que proveem de revelao de origemsobre-humana.

    Ao observar a linguagem arcaica e seguindo os passos de Eliade verificamosque ela se estrutura em smbolos, mitos e ritos, sendo estes a expresso de umadeterminada situao do homem no cosmos (ELIADE, idem, p.17). No que se refere aocomportamento, todos os atos humanas possuem um valor extrnseco a mera coisa, poisos objetos tornam-se reais por participarem, de alguma forma, de uma realidade queos transcendem. Exemplos disso so os objetos ou lugares que se tornaram sagrados pormeio de uma hierofania3ou teofania4. Todo ato sagrado por repetir um ato mtico,

    pois este possui a propriedade de reproduzir um ato primordial. Estes atos possuemrealidade e sentindo pelo motivo de repetir um ato primordial (ELIADE, idem, p.18).Podemos perceber isso no fato de um ato possuir realidade em funo da repetiode um arqutipo celestial, ou como a realidade atribuda atravs da participao emum smbolo central (uma montanha sagrada, cidade, templo, a ideia do axis mundi, ocentro do mundo), ou por meio de rituais que adquirem significado porque repetem atos

    originais praticados por Deuses, heris ou ancestrais (ELIADE, idem, p.23).Inserido neste simbolismo do centro encontramos a ideia da repetio dacosmogonia, sendo o centro o lugar do sagrado5, a zona da realidade absoluta(ELIADE, idem, p.26). Todos os demais smbolos surgem do centro, ou se encontram

    2Arqutipo aqui possui exclusivamente o sentido de prottipo, modelo ou paradigma, diferentemente damaneira empregada por Carl Gustav Jung.3Manifestao do sagrado. Hieros (), sagrado ; Faneia (), aparecer, mostrar-se. Davem fenmeno, fantasma.4Manifestao de Deus em alguma pessoa, coisa ou lugar.5 Sagrado aqui no diz respeito exclusivamente ao religioso. A repetio de um ato mtico, ouconsagrao de uma construo humana remonta ao estado primordial da fundao do mundo. Mundo

    aqui cosmos, mundo organizado. A repetio do ato primordial seria o retornar aquele tempo mticoda passagem do caos ao cosmos, do profano ao sagrado.

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    em locais centrais (Arvore da vida, fonte da juventude). Nesse sentido podemosentender que toda criao repete um ato cosmognico inicial, que a criao do mundo.O ritual remeteria para aquele ato inicial, o tempo mtico, da fundao do mundo cosmos. Por meio do rito, ou repetio do arqutipo, suspenso o tempo profano,retornando ao estado inicial: abolido o tempo e a histria (ELIADE, idem, p. 28-29).

    Conforme Eliade, associado a necessidade humana em abolir o tempo temos ainda osimbolismo da regenerao do tempoe do ano novo.No que diz respeito ideia de regenerao do tempo e ano novo temos a

    concepo do calendrio, o ano dividido em pocas ou meses, as quais por meio do ritocelebram a renovao da reserva de alimento associado as comunidadesou sociedades

    agrcolas ligadas a terra e as estaes do ano (paganismo germnico, celta, neo-paganismo). Tambm associado a isso temos a criao do ano solar pelos egpcios. Emtodas as culturas encontramos a ideia do final e reincio de um perodo de tempoenvolvendo ritos csmicos (ELIADE, idem, p.56). Como demonstra Eliade, a ideia deregenerao peridica pressupe uma repetio do ato cosmognico (idem).

    Na ideia de abolio do tempo e ano novo temos a abolio do ano passado

    tempo passado e recomeorenascimento. O ano novo significando o reincio dotempo, sendo assim a repetio da cosmogonia (retorno anual ao caos e depois aocosmosuma nova criao).

    Na cultura crist encontramos todas estas ideias, por exemplo, a Pscoa (um anonovo, pois significa a morte e ressurreio, ou renascimento, de Cristo), o sacramentodo batismo e as alegorias bblicas associadas gua, ou chuva, com a destruio erecriao do mundo (o dilvio; o esprito sobre as guas antes da criao[Gnesis 1]).

    Ciclos Csmicos e Histria

    Voltemo-nos para as concepes de Tempo. Podemos distinguir duas concepesbsicas de ciclos csmicos: o tempo finitoe o tempo cclico(ad infinitum).

    Na concepo do tempo cclico (eterno retorno) encontraremos a aluso a era deouro, ou seja, o princpio do ciclo ao qual sempre se retorna. Podemos encontrar aconcepo do eterno retorno em duas grandes culturas: a hindu e a germnica.

    No Atharva Veda indiano encontramos referncias a peridicas destruies ecriaes. No mundo germnico encontramos o Ragnarok, que por sua vez, representa aconflagrao universal que dar lugar a uma nova criao. Segundo Eliade, podemos

    perceber uma origem comum para as duas concepes, uma estrutura indo-ariano domito (ELIADE, 1992, p. 101). Tomando a expresso hindu do mito do eterno retornotornaremos claras estas estruturas, conforme expe Eliade.

    No mundo hindu temos a ideia do Yuga, ou Era. Uma Yuga corresponde a umpequeno ciclo; quatro Yugas6correspondem a um ciclo completo (chamado de Maha-Yuga7). O ciclo completo termina com a dissoluo (chamada de Pralaya). Essa

    porm no a dissoluo total. A grande dissoluo, o fechamento do ciclo total, chamada de Maha-Pralaya. Podemos perceber claramente o carter cclico do tempo namentalidade hindu. Percebemos aqui um pequeno ciclo dentro de outro grande ciclo, euma conflagrao para uma nova manifestao de Brahma.

    6Krta Yuga; Tret Yuga; Dvapara Yuga; Kali Yuga. Cada Yuga menor que a anterior, implicandomenor durao da vida, corrupo moral, declnio da inteligncia (ELIADE, 1992, p.102).7

    1000 Maha-Yugas correspondem a um Kalpa; 14 Kalpas correspondem a um dia de Brahma . A vidade Brahma termina com um Pralaya, ou um Ragnarok para os Germnicos.

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    Toda essa concepo cclica de tempo repercute na vida humana. A soteoriologiahindu afirma que o homem somente se libertaria desses ciclos sem comeo nem fim

    por meio de um ato de liberdade espiritual (ELIADE, idem, p.103).O Budismo e o Janinismo tambm aceitam a doutrina do tempo cclico aplicando

    a ela o nome de roda de doze raios. O dissipar do tempo acarreta na abolio da

    condio humana e da conquista do Nirvana. Segundo Eliade aqui tambm encontramosuma rejeio ao tempo (ELIADE, idem, 104).Outra cultura clssica na qual podemos perceber traos dessa concepo de tempo

    cclico a cultura grega. Um de seus primeiros pensadores, Anaximandro de mileto,afirmava que todas as coisas nascem e retornam ao aperon 8:

    Princpios dos seres... ele disse (que era) o ilimitado [aperon]... Pois dondea gerao para os seres, para onde tambm a corrupo [dissoluo] segera segundo o necessrio; pois concedem eles mesmos justia e defernciauns aos outros pela justia, segundo a ordenao do tempo(Fr. 1 DK) (PR-SOCRTICOS, 2000, p.50).

    Podemos compreender nesse fragmento que o ilimitado o princpio e o fim dosseres, ou seja, seu nascimento e sua dissoluo, ordenado pelo tempo. O tempo o juizque confere justia ou injustia para um dos contrrios limitando-o em favor de outrodentro de determinados ciclos de tempo. A alternncia entre os contrrios configuramum movimento eterno, no qual o cosmos morrer e renascer infinitas vezes (REALE,2009, p.56).

    Nietzsche afirma, com Anaximandro, que todo devir uma emancipaocriminosa do ser eterno, e que sua iniquidade deve ser expiada por meio da runa, poistudo que entra no devir deve perecer por no ser definitivo(NIETZSCHE, 1995, p.34).Se tudo que est sujeito ao devir deve perecer, o princpio e origem de todas as coisasno pode ser algo definido, por esse motivo Anaximandro concluiu que este princpio o indefinido (aperon) e que somente pode ser designado pelo homem de maneiranegativa, pois no possui nenhum predicado, e que, segundo Nietzsche, equivalente acoisa em si de Kant (NIETZSCHE, 1995, p.35).

    Herclito, pensador da estima de Nietzsche, tambm expos uma ideia de tempoque eternamente se regenera: O sol no apenas... novo cada dia, mas sempre novo,continuadamente (Fr. 6 DK) (PR-SOCRTICOS, 2000, p.88). O que podemosentender que existe uma perene mutabilidade em todas as coisas, que nada estamarrado, que tudo flui. Aos que entram nos mesmos rios outras guas afluem... (Fr.12 DK) pois nos mesmos rios entramos e no entramos, somos e no somos(Fr. 49aDK) (PR-SOCRTICOS, 2000, p.88,92). A imagem do rio que sempre flui, sempre

    novo, a imagem por excelncia do pensamento de Herclito. Assim como as guasmudamos ns tambm de maneira que no somos mais o que somos ao entrarnovamente nas guas. Poderamos dizer que apenas o que me mantm fixo o devir.

    Para Nietzsche, Herclito falou mais alto que Anaximandro: s vejo o devir.Herclito foi aquele que olhou profundamente na essncia das coisas e que contemplouo devir, sendo, portanto, o pensador que melhor expressou a fluidez das coisas. Oshomens por causa de sua viso curta no veem a essncia das coisas e por isso veem-se ancorado em terra firme mesmo que esteja em meio ao mar do devir(NIETZSCHE, 1995, p.40-41). A concepo de tempo de Herclito seria a de que cadainstante do tempo s existe na medida em que tenha destrudo o instante anterior, da a

    8, Ilimitado, indeterminado, sem forma.

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    lutaser a me de todas as coisas; o devir nasce da luta dos contrrios e esta eterna, etudo acontece de acordo com esta luta que a manifestao da justia eterna, a ris deHesodo, a discrdia transformada em princpio csmico (NIETZSCHE, idem, p.42).

    Empdocles falava da alternncia de dois princpios opostos (philia e neikos9),que podemos entender como a alternncia da criao e destruio dos cosmos:

    Dupla a gnese das (coisas) mortais, dupla a desistncia [dissoluo]... orapor amizade convertidas em um todas elas, ora de novo divergidas[separados] em cada por dio de neikos... (Fr. 17 DK) (PR-SOCRTICOS, 2000, p.175).

    Para ele nada nasce e nada perece, pois morte e nascimento so apenas mistura edissoluo de substncias ingnitas e indestrutveis (os quatro elementos) que so asrazes de todas as coisas (REALE, 2009, p.134). O amor e o dio so as forascsmicas atravs das quais os elementos unem-se e separam-se em ciclos constantesfixadas pelo Destino (REALE, idem, p.136). Percebemos aqui a uma conceposemelhante a de Anaximandro.

    Em Plato,Poltico269d, encontramos uma concepo cclica de tempo:

    Escuta! Este universo, em que estamos, algumas vezes o prprio Deus quelhe dirige o curso e preside a sua revoluo; outras vezes terminando os

    perodos que lhe foram determinados, ele o deixa seguir; ento, por simesmo, o Universo retoma o seu curso circular, em sentido inverso, emvirtude da vida que anima e da inteligncia que lhe foi dada, desde a suaorigem, por aquele que o criou....

    Para Nietzsche a filosofia de Herclito era uma afirmao vida por ser umaafirmao do vir-a-ser, do fluir e destruir, da oposio e da guerra. A concepo detempo cclico mais bem elaborada encontrada entre os estoicos na era helenstica.Como o prprio Nietzsche afirma a doutrina de Zaratustra, poderia ter sido ensinadatambm por Herclito, o qual influenciou o estoicismo (NIEZSTCHE, 2008, p.62).

    Segundo Eliade, os estoicos possuam uma concepo de ciclo csmico o qualatingia seu fim por meio da ekpyrosis(fogo csmico). Essa concepo teria origem emHerclito ou no gnosticismo oriental. Periodicamente o cosmos era destrudo por meiodo fogo csmico para que fosse renovado dando reincio ao Grande Ano. Esse ciclosegue-se infinitamente renovando-se periodicamente (metacosmesis) (ELIADE, 1992,

    p.108).Outra concepo helnica de renovao cclica a da apokatastais, similar a ideia

    estoica, como tambm a ideia doPralayahindu. J na poca imperial Marco Aurlio faz

    referncia a uma reproduo peridica do cosmo em seu livroMeditaesXI, I.Como podemos perceber, por meio do caminho seguido nesta exposio, ohomem possui em sua mentalidade, no somente arcaica como veremos, estasconcepes de destruio e regenerao do tempo e/ou do cosmos constantes em quasetodas as culturas; da mesma maneira que quase toda religio possui seu apocalipse.

    Segundo Eliade, isso demonstra uma rejeio ao tempo e histria. Essa posioanti-histrica se verifica nas escatologias estoicas, como tambm nos orculossibilinos e a na literatura judaico-crist, possuindo origem iraniana (persa) (ELIADE,idem). Da talvez Nietzsche atribuir a doutrina do Eterno Retorno a Zaratustra, e comoafirmou humoristicamente Adler, Nietzsche teria sido um parsi da seita zervaniana

    9, amizade; Neikos, dio, luta, discrdia.

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    (ADLER in LEFRANC, 2005, p.301). Nietzsche teria chegado a ter conhecimento pormeio de Plutarco e Digenes Larcio que o eterno retorno de todas as coisas eraatribudo aos magos persas (LEFRANC, idem).

    Tempo Linear e Tempo Circular

    Segundo Eliade, o homem sempre buscou uma maneira de tolerar a histria, oque se daria um sentido na histria humana em seu destino coletivo. Podemos perceberuma distino entre as concepes arcaica e moderna de histria. Para o homem arcaicoa sua atitude em relao a histria de tolerncia, e que sempre busca por meio de mitose ritos a abolio peridica da histria, o que mostra uma desvalorizao com oacontecimento histrico em si mesmo (ELIADE, 1992, p.123). O homem moderno ohomem histrico, completamente ligado ao acontecimento histrico e criador dahistria. O homem arcaico no cria a histria, ele apenas a repete, pois eles sedefendiam dela por meio da repetio da cosmogonia e da peridica regenerao dotempo. De maneira simplificada podemos esquematizar da seguinte forma:

    Concepo Arcaica = Arquetpica e a-histricaConcepo Moderna = Ps-hegeliana e histrica (ELIADE, idem).

    Na alta idade mdia encontramos o desenvolvimento de teorias cclicas eescatologias com influncias astrais, formuladas por pensadores como Alberto Magno,Toms de Aquino, Roger Bacon, Dante, etc. (ELIADE, 1992, p.125). Apesar da reaode padres ortodoxos, as teorias cclicas eram aceitas por Clemente de Alexandria,Arnbio, etc.

    Enquanto isso, teorias lineares eram formuladas por Frances Bacon e Pascal. Nosc. XVII surgem o linearismo e a concepo progressista da Histria (Leibniz)

    impulsionada pelo popularismo das ideias evolucionistas. A concepo de EternoRetorno reavivada por Nietzsche j ento no sc. XIX.

    At ento a concepo de histria hegemnica a hegeliana. Hegel atribuasentido e valor ao momento histrico. Os acontecimentos conteriam justificativashistricas. Para ele o acontecer histrico a manifestao do Esprito Absoluto, do qualrecebe um significado trans-histrico (ELIADE, 1992, p. 128). Posteriormente Marxafirmar que o que h apenas luta de classes, sendo o sentido final da histria o fimdo sofrimento e opresso sofridos pelo proletariado (ELIADE, idem).

    O Eterno Retorno em Nietzsche

    Nietzsche foi tomado pelo pensamento do Eterno Retorno em agosto de 1881,como consta em Ecce Homo, o qual colocado como a concepo fundamental do

    Zaratustra.

    Naquele dia eu caminhava pelos bosques perto do lado de Silvaplana;detive-me junto a um imponente bloco de pedra em forma de pirmide,

    pouco distante de Surlei. Ento veio-me esse pensamento (NIETZSCHE,2008, p.79).

    Vale ressaltar que Nietzsche no parte de uma reconstruo do tema do eternoretorno para chegar at o seu prprio desenvolvimento. Para ele no se trata de uma

    reflexo intelectual, seno de uma profunda intuio, uma inspirao de artista

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    (LEFRANC, 2005, p.304), por esse motivo atribui-se a originalidade da formulaodesse pensamento por parte de Nietzsche, mesmo havendo evidncias de que ele tenhaencontrado referncias acerca do tema em autores como Plutarco e Schopenhauer. O

    pensamento do Eterno Retorno apoderou-se de Nietzsche, um pensamento quesobrevm em um lugar e tempo determinado. Foi lanado em uma pgina com o

    subescrito: seis mil ps acima do homem e do tempo(NIETZSCHE, idem). Estar aseis mil ps no significa um alm-mundo, parece querer dizer estar fora do espao edo tempo (LEFRANC, idem).

    Gaia Cincia - 341 O peso mais pesado.

    A primeira comunicao acerca do eterno retorno em Nietzsche se encontra nopargrafo 341 deA Gaia Cincia, intitulado o maior dos pesos:

    E se um dia, ou uma noite, um demnio lhe aparecesse furtivamente em suamais desolada solido e dissesse: Esta vida, como voc a est vivendo e jviveu, voc ter que viver mais uma vez e por incontveis vezes; e nadahaver de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e

    pensamento, e tudo o que inefavelmente grande e pequeno em sua vida,tero de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequncia e ordem [...]. A

    perene ampulheta do existir ser sempre virada novamentee voc com ela,partcula de poeira [...]. Se esse pensamento tomasse conta de voc, tal comovoc , ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questo em tudo e em cadacoisa, voc quer isso mais uma vez e por incontveis vezes?, pesaria sobreos seus atos como o maior do pesos! Ou o quanto voc teria de estar bemconsigo mesmo e com a vida, para no desejar nada alem dessa ultima, eternaconfirmao e chancela(NIETZSCHE, 2001, p.230).

    O Eterno Retorno no colocado aqui como objeto de investigao, o qual pode

    ser confirmado ou negado. O pensamento do eterno retorno um pensamento queafirma a si mesmo, trazendo consigo a questo: quem h de querer que tudo retorne? Ouo que querer que tudo retorne? (LEFRANC, 2005, p.307). um pensamento que pesa, o mais abissal e sufocante, pelo qual Zaratustra ao ser tomado por ele sucumbe eretorna a conscincia aps sete dias10.

    Segundo Heidegger a primeira comunicao do eterno retorno evoca um pavornaquele que tomado por tal pensamento (HEIDEGGER, 2010, p.210). Porm esse

    pavor pode ser suplantado pela serenidade do carter de gaia (Gaia Cincia) pelo qual oser superior no abalado nem mesmo pelo que h de mais temvel e duro(HEIDEGGER, idem). O homem superior fortalece a si mesmo, pois o afirma em suanecessidade.

    Vemos que o mesmo peso que puxa para baixo nos compele a mantermos de p,pois o peso transforma a direo do movimento criando novas leis para a fora atuante(HEIDEGGER, idem). Isso implica em um agir, alem do tico ou prtico, em relao dohomem consigo mesmo e como ente. Heidegger afirma que um pensamento pode ser

    pesado e sufocante a medida que o mesmo determinante no homem (2010, p.211); opensamento por ser um peso no um peso entre outros, seno o peso mais pesado,no sendo possvel que a qualquer homem seja possvel ser acometido por ele emqualquer situao. Ele comunicado ao homem quando este se encontra livre dasdistraes, em sua mais solitria solido (como se percebe na narrativa de Zaratustra emda viso e do enigma).

    10O convalescente,Zaratustra, III.

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    Continuando, como mostra Heidegger, essa solido no um isolamento, umaintrospeco ou solipsismo, seno quando o homem propriamente aquilo que ele .Podemos entender tambm a solido como um percurso solitrio ou intransfervel, umdestino muito particular. No caso o qual Nietzsche nos coloca no pargrafo 341teramos duas opes: amaldioar aquele que nos comunica um demnio! Ou o bem

    dizer: s um deus e jamais ouvi coisa mais divina (NIEZSTCHE, idem). Seriamossufocados por ele, ou afirmaramos sua verdade. Por esse motivo que caracterizadocomo o peso mais pesado, pensamento dos pensamentos, pensamento mais pesadoou difcil de suportar e decidir.

    Zaratustra, IIIDa viso e do enigma.

    Assim falou Zaratustra , e com efeito, como um todo, a segunda comunicao

    da doutrina do eterno retorno(HEIDEGGER, 2010, p.219), assim como confirma oprprio Nietzsche emEcce Homo, como o sendo a formulao fundamental da obra...a mais elevada forma de afirmao que se pode em absoluto alcanar (NIETZSCHE,

    2008, p.79). Como vemos em Zaratustra necessrio homens que suportem opensamento do eterno retorno, e para isso preciso est alem de si mesmo, alem-do-homem: o homem atual precisa ser superado, sendo este o ultimo dos homens11.

    A segunda comunicao do eterno retorno encontra-se no captulo intitulado daviso e do enigmaemZaratustra, cap. III. Zaratustra estava a bordo de um barco rumoa ilha dos bem aventurados. Depois de permanecer em silncio por dois dias, passaento a falar para aqueles que eram seus companheiros de viajem, igualmentebuscadores e exploradores de mares temveis, a eles Zaratustra contar a viso deum enigma, a a viso do mais solitrio (NIETZSCHE, 2007, p.209). SegundoHeidegger, este enigma a ocultao do ente em sua totalidade (HEIDEGGER, 2010,

    p.223). Este enigma decifrado por aquele que encontra na mais solitria solido (cf.Gaia Cincia 341), e no seria Zaratustra, seno um decifrador de enigmas12.

    O enigma narrado por Zaratustra o de um caminho de montanha subido por elemesmopois ele propriamente um escalador de montanhas 13e brio de enigmas.Esse caminho era uma senda que subia obstinadamente entre despenhadeiros, umcaminho solitrio e deserto. At mesmo o barulho dos ps sobre os pedregulhosmostrava o ranger irnico daquele que luta contra quem vai subindo. Nesta ascensoZaratustra leva sobre os ombros um ano (que representa o esprito de peso) quedeve ser superado, pois o puxa constantemente para baixo aquele que sobe.

    Este esprito de peso constantemente o oprimia vertendo chumbo em seusouvidos e destilando pensamentos de chumbo em seu crebro. E quando este

    esprito estava em silncio ainda sim o oprimia. A inteno do esprito de peso desanimar Zaratustra, fora-lo a dizer no ao esforo da subida, instalando desanimo efastio, negando a vida, vendo-a como peso ou maldio (cf. Genesis: comer seu pocom o suor do seu rosto [cap.3, 19]). Porem, Zaratustra diz possuir algo que ele chamade a sua coragem, coisa que venceu em si todas as suas fraquezas. Imbudo destacoragem ele ordena: Ano! Tu! ou Eu!. o que faz Zaratustra, pois em meio aocaminho necessrio decidir, e ele o decide por si mesmo, pois Zaratustra este quesuporta aquele pensamento abissal, o mais pesado dos pesos. Lembrar aquiHerclito pode esclarecer esse ponto, pois se a luta (plemos- ) o pai de todas

    11Prlogo de ZaratustraV,Zaratustra.12

    Das antigas e novas tbuas,Zaratustra, III.13O viandante,Zaratustra, III.

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    as coisas, vida seno luta contra o esprito de peso, este esprito de negao, irnico,que tende a empurrar para baixo, a dimenso da vida expressa aqui pelo ano quevai aos ombros de Zaratustra. A coragem, possuda por Zaratustra, podemos entend-la como o animo, ou ainda vontade de potncia para se expressar em umalinguagem mais prxima de Nietzsche.

    Neste ponto o ano salta de cima de Zaratustra, onde neste momentoencontram-se diante de um portal o qual est escrito instante.Podemos entender oportal como a imagem do tempo que corre para frente e para trs at a eternidade, e quea viso do portal a viso do enigma.

    Ento fala Zaratustra:

    Olha para este portal, ano! Tem duas faces. Aqui se renem dois caminhos:ainda ningum os seguiu at o fim. Esta rua larga que desce, dura umaeternidade; e essa outra longa rua que sobe: outra eternidade. Estescaminhos se entrecruzam, opem-se um ao outro, e aqui, neste portal, seencontram. O nome do portal est escrito no fronto: chama-se Instante(NIETZSCHE, 2007, p.211-12).

    Zaratustra pergunta ao ano se estes dois caminhos se opem eternamente, e entoresponde o ano Tudo quanto reto mente... toda verdade sinuosa: o prprio tempo um crculo(NIETZSCHE, idem). O ano aparentemente resolve a pergunta, pois seos dois caminhos correm para a eternidade atingem ambos o mesmo ponto formandoum crculo. Entretanto, Zaratustra fica bravo e adverte o ano por tomar as coisas pordemais simples, at porque a imagem do crculo no expressa totalmente o que oEterno Retorno, seno uma imagem superficial. O erro do ano simplificar o

    pensamento mais abissal e difcil de Zaratustra.Continua Zaratustra:

    Olha para este Instante! Deste portal segue-se uma longa estrada, estradaeterna, estendendo-se para trs de ns; h a uma eternidade. Tudo quanto capaz de correr, no deve j ter percorrido alguma vez esta estrada? Tudoquanto pode suceder no deve ter sucedido, ocorrido, j alguma vez? E setudo quanto j foi... esteportalno deve tambm ter existido aqui?...E no esto as coisas entrelaadas to solidamente, que este instante atraiaps si todas as coisas futuras? E tu tambm, por consequncia? Por que tudoquanto pode correr dever percorrer tambm mais uma vezesta longa estradaque sobe?...No nos ser necessrio voltar e percorrer este outro caminho que se afastadiante de ns, esse longo e terrvel caminho no necessrio que todos

    voltemos? (NIETZSCHE, 2007, p.212).

    Neste ponto, por meio de perguntas que emudecem o ano, parece Zaratustraexpor o pensamento do eterno retorno. O ano tornou-se mudo diante das perguntas,

    pois para ele no mais possvel responder acerca de to superiores coisas, talvezporque no se encontre mais nos ombros de Zaratustra, ou porque estas esto sendofeitas a partir do instante.

    Cada vez mais baixo falava ele para si mesmo, pois at seus prprios pensamentoso assustavam; ento como que ouviu uivar um co, e como que levado para outro lugarteve outra viso:

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    ... Ali jazia um homem! E o co, a saltar, e a gemer, com o pelo eriado,viu-me caminhar, e uivou outra vez, e ps-se a gritar... E vi, na verdade, oque at ento no houvera visto. Vi um jovem pastor a contorcer-se, anelantee convulso, rosto desfigurado, pois uma grande serpente negra caa-lhe da

    boca. (NIETZSCHE, 2007, p.213).

    Zaratustra ao ver o jovem pastor com a serpente introduzida em sua garganta tentao ajudar, sua mo puxa inutilmente a serpente, e como no conseguia ento lhe saiu umgrito: Morde! Morde! Arranca-lhe a cabea! Morde!. Passada a narrativa, Zaratustrainquire aqueles que esto em sua companhia no barco no qual se encontra. So capazesde adivinhar o enigma que ele viu? A viso do mais solitrio? O que quer dizer estessmbolos? Quem o pastor? E a serpente que se introduziu em sua garganta?

    Zaratustra diz que aps o jovem pastor morder a cabea da serpente e a jogar foraele se levanta e neste momento j no era mais nem homem e nem pastor, estavatransformado e agora ria: Nunca homem algum na terra riu como ele! (NIETZSCHE,2007, p.214). E assim termina o discurso da viso e do enigma.

    Nesta passagem podemos identificar a figura do pastor, depois de libertar-se da

    serpente como a imagem do bermensch, i.e, o alem-do-homem, e sua caractersticaseria a do homem que supera a si mesmo e capaz de pensar o eterno retorno de todasas coisas com alegria, como aquele que sabe ri. Podemos entender a simbologia daserpente como aquilo que sufoca o homem, o esprito de peso que insiste em negar avida como ela sendo esforo e punio.

    O fato de Zaratustra puxar a serpente e no lograr xito pode nos querer dizer queeste estado de transformaoesuperao de si intransfervel e apenas o jovem pastor

    poderia fazer aquilo por si, ou seja, com seu prprio esforo e vontade, decidindodesdesi mesmo. O peso que sufoca deve ser contrabalanceado com aquilo que est alem da

    prpria condio da vida que a nega, isto , estar alem-do-homem. Esta imagem daserpente retornar no discurso o convalescente associado ao prprio Zaratustra.

    Zaratustra, IIIO Convalescente.

    O discurso o convalescente a terceira comunicao do eterno retorno. Odiscurso inicia com Zaratustra em sua caverna, em seu leito. De repente saltou comolouco e gritando com voz terrvel como se houvesse outra pessoa com ele, assustadotodos os seus animais se esconderam diligentemente. Eis o que ele proferia:

    De p, pensamento de abismo, que vens do fundo de mim mesmo...Levanta-te! Levanta-te! Minha voz acabar por te despertar.Destapa os tampes dos teus ouvidos! Escuta! Quero ouvir-te! Levanta-te!Levanta-te!...E quando despertares, espero ficars acordado para sempre......Eu, Zaratustra, o advogado da vida, o advogado da dor, o advogado do

    Ciclo, sou eu que te chamo, meu pensamento de abismo (NIETZSCHE,2007, p.281-82).

    Segundo Heidegger, neste ponto o outrocom o qual Zaratustra parece falar propriamente ele mesmo e com o pensamento que reside nele mesmo, mas que, todavia,ainda dorme e lhe parece estranho, a sua ultima profundeza que ainda no assumiu a

    elevada altura em sua vida desperta (HEIDEGGER, 2010, p.234). Todo esse movimento

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    Lembrando da viso e do enigma, as duas ruas que partem do portalsignificam o passado e o futuro que correm um contra o outro para aquele que se colocano instante. Ao que se refere ao futuro questo de deciso, pois o anel fecha-se noinstante, onde as ruas do com a cabea uma na outra 14. Tudo ento decidido

    pelo instante e pelas foras que ali se chocam (HEIDEGGER, 2010, p.241).

    Segundo Heidegger, o que h de mais pesado o motivo de que a eternidade seencontra no instante, e que este no o fugidio agora como comumente oentendemos, que insiste em escorregar e passar ao lado, como ficou o anoencarapitado ao lado e que insiste em ver o instante como agora (HEIDEGGER,idem).

    O instante que determina o retorno de todas as coisas, e isso inclui tambm ohomem pequeno. Ao ver que at o homem pequeno retorna, Zaratustra tomado porfastio:

    O que me afogava e se me atravessava na garganta era o grande tdio dohomem.

    ...O homem de que ests enfastiado voltar eternamente, o homemmesquinho....Ai, o homem retornar eternamente! O homem mesquinho retornareternamente....Demasiado pequeno at o maior! Eis o que me desgostou dos homens e oEterno Retorno do maior entre eles. Eis o que me desgostou de todaexistncia!. (NIETZSCHE, 2007, p.286).

    Podemos perceber que para afirmar o retorno de todas as coisas, tambm se deveafirmar at mesmo aquilo que lhe h de mais tedioso e mesquinho nos homens. Foi issoque sufocou Zaratustra, o tdio, o fastio pelo homem, e que ele tambm retorna. Ver omundo como um eterno vir-a-ser, implica em um eterno torna-se, e nisso se encontra oesforo para ser. Tudo retorna tanto como afirmao, como tambm negao de simesma, e isso sufoca aquele que tomado por esse pensamento, pois a vida vista comodor induz a apiedar-se de si pela vida ser vista como dor, ou um fardo um dos mais

    pensados.Poderamos observar trs aspectos de como apresentado o pensamento do eterno

    retorno. O primeiro o dos animais que o veem como uma espcie de eterno presente,o segundo o do pensamento que se torna insuportvel at para o homem superior, e oterceiro o de Zaratustra que supera o terror do retorno, o de seu prprio renascimentoe o retorno eterno de todas as coisas, at mesmo o que h de mais tedioso e mesquinho

    (LEFRANC, 2005, p.309). Desta maneira o eterno retorno totalmente representadopor aquele pensamento que supera o peso mais pesado, por meio de um novo peso, oucontrapeso, que afirma o retorno na ntegra.

    Aps isso os animais voltam a falar e pedir para Zaratustra sair:

    Sai daqui; vai para onde o mundo te espera como um jardim. Sai! Vai ver osroseirais, as abelhas e os bandos de pombas! E especialmente as avescanoras, para que aprendas a cantar!.Pois o canto convm ao convalescente... (NIETZSCHE, idem).

    14Da viso e do enigma.Assim Falava Zaratustra, III.

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    O canto colocado como um remdio, e este deve ser um canto prprio daqueleque est convalescente, e nunca deve ser uma modinha ou repetio. Por isso deve serum novo canto epara isso uma nova lira. para isto que os animais exortamZaratustra para que ele suporte seu prprio e intransfervel destino.

    Que teus animais bem sabem quem s, Zaratustra, e o que deves ser: tu s oprofeta do Eterno Retorno das coisas. E este agora o teu destino....Olha; ns sabemos o que ensinas: que todas as coisas retornam eternamente,e ns com elas; que ns j existimos uma infinidade de vezes, e todas ascoisas conosco.Ensinas que h um grande Ano do acontecer, um Ano desmesurado que, asemelhana de um relgio de areia, tem sempre de voltar novamente paracorrer e esvaziar-se outra vez, de forma que todos esses grandes anos soiguais a si mesmos, no que tem de maior e de mais nfimo, de forma que ns,no decurso desses grandes anos, somos iguais a ns mesmos, no que temosde maior e de mais nfimo (NIETZSCHE, 2007, p.287).

    Os animais falam com Zaratustra agora como com quem acabou de se recuperarde uma doena, aquele convalescente agora curado de sua prpria dor. Zaratustra aoafirmar o enfado pelo homem em sua necessidade ele supera sua doena(HEIDEGGER, 2010, p.243).

    Zaratustra por ser o profeta do retorno aquele quem deve ser primeiramenteacometido por esse pensamento. Por isso que o seu grande destino to terrvel .Quando os animais falam que assim termina a descida de Zaratustra, descida oudeclnio refere-se, segundo Heidegger, a partida como travessia e descida comoreconhecimento do abismo. A descida em direo eternidade, um instante, nocomo um agora fugidio, mas como ele descreve aquilo que mais efmero, pormrepresenta quilo que mais pleno e claro, um instante no qual o retorno apreendido, aeternidade do instante que contm todas as coisas: declnio (HIEDEGGER, idem).

    Consequncias do Eterno RetornoCosmologia e Axiologia.

    A partir de todas as fontes acerca do pensamento do eterno retorno nas obras deNietzsche, percebemos o quanto ela complexa. Alguns autores buscando compreenderesta questo a colocaram de maneiras diferentes dentro da filosofia de Nietzsche.Segundo Gianni Vattimo, Karl Lwith a entendia como um pensamento unificador daespeculao nietzschiana, enquanto Heidegger a reconhece como um tema centraldiretamente ligado ao conceito de vontade de potncia, e Jaspers a observa em uma

    posio subordinada. Para Heidegger a vontade de potncia seria como a essncia domundo e o eterno retorno como sua existncia e realizao (VATTIMO, 2010, p.6).O conceito de eterno retorno mostra-se problemtico e ambguo por ter sido

    exposto por Nietzsche de maneira desordenada e com pouca clareza, deixando muitopara a especulao posterior de seu possvel significado. A ambiguidade da qual se fala colocada por seus comentadores como a viso cosmolgica15 contraposta a visoaxiolgica.

    No pargrafo 341 da Gaia Cincia, Nietzsche expe o eterno retorno como umfato irreversvel e como uma tarefa a ser cumprida. Entendida como fato, possui um

    15Tambm chamada de ontolgica por outros autores.

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    sentido cosmolgico por atribuir uma estrutura necessria ao mundo. Esta a opinio deautores como Peter Gast, Drews e Lichtemberger (VATTIMO, 2010, p.8).

    Tomando o pensamento do eterno retorno, e naquilo que podemos entender combase no pensamento fsico da poca de Nietzsche, sua viso cosmolgica conclui que sea fora do cosmos infinita cada evento e cada instante esto destinados a repetir-se

    infinitamente, e a consequncia de afirmar que tudo gira em ciclos colocar todos osvalores na liberdadee decisodo homem (FERRARIS, 2000, p.66). Porem, observar ocosmos e perceber uma circularidade apenas ver a superfcie, pois o encadeamento deeventos em forma de crculo apenas a ordem local de uma aparncia, que a nvelglobal revela-se catica (FERRARIS, idem).

    Contraposta viso cosmolgica, poderamos perceber um sentido moral noretorno. Na Gaia Cincia encontramos esse pensamento como algo que se deve desejar,e colocado como uma pergunta, se queremos reviver isso mais uma vez e infinitavezes, e que vemos ressoar na afirmao de Zaratustra isso a vida? Ento vamos!Mais uma vez (NIETZSCHE, 2007, p.211).Segundo Vattimo poderamos ver aqui umcritrio de escolha moral: devo agir de maneira que eu queira que qualquer instante de

    minha vida se repita eternamente (VATTIMO, 2010, p.10). Parece que estas duasmaneiras de entender o retorno podem ser complementares (como tambm colocaFerraris), ou que possuam uma ligao estreita entre a eternidade do mundo e a decisodo homem (VATTIMO, 2010, p.11). Podemos perceber que o bermensch no apenas aquele que reconhece a necessidade do retorno, ele no apenas reconhece omundo como tal, e no parece configurar uma ao moral, mas uma relao de criaocom o prprio mundo como tal.

    difcil afirmar que em Nietzsche h uma viso finalista ou uma ordem csmicaque caminha para uma meta ou ordem, assim como pensava Leibniz. Em Nietzsche ocosmos no possui um sentido nem uma direo, e sim foras que lutam entre si(pessimismo, fastio, decadncia, vontade de potncia) e que se antagonizam.

    Em notas do vero de 1881, Nietzsche afirma que se o mundo possusse um fim jo teria alcanado, e se a fora estivesse diminuindo j teria acabado, ou se estivessealcanado um equilbrio da fora, j teria entrando em um xtase completo16(NIETZSCHE, 11 [235], 11 [233] Apud. Cit. In FERRARIS, 2000, p.67). Excluindouma teleologia aplicada ao cosmos teramos um mundo sem uma meta ou fim, ou seja,um niilismo, que compreende o mundo como uma simples fora sem direo.

    Se tudo se repete no h sentido na repetio, isto quer dizer que se tudo retornano h necessidade de se atribuir sentido as coisas e ao mundo como tal. Comodemonstram alguns comentadores, o pensamento do eterno retorno em Nietzsche trsconsigo uma crtica ao historicismo e ao finalismo (teleologia) (FERRARIS, 2000,

    p.68).Para Ferraris a soluo contra estes sistemas colocada ento com umadissociao entre a ontologia e o destino do cosmos (teleologia), e o niilismo seapresentaria como uma iluso da humanidade, como uma doena dosentido.

    Ainda segundo Ferraris poderamos, em meio a esta dissociao, perceber duascoisas: primeiro que h um ser que se repete eternamente para o qual a histria e osentido no passam de breves sonhos; e segundo que esteser indiferente s doaes desentido por meio da humanidade (FERRARIS, 2000, p.69).

    16Na poca circulava a teoria segundo a qual o universo possua uma entropia, ou seja, possua um incio

    temporal e estava sujeito a uma disperso trmica que resultaria em um estado de xtase.

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    Esta distino se configura da seguinte maneira: a ontologia como problema doser e o niilismo (historicismo, finalismo) como problema do sentido, passando assim aresolv-lo por meio da ontologia. No necessrio haver sentido, pois tudo retornaeternamente. A questo se torna ento em o que que retornae quem poderia quererque tudo retorne eternamente, e isso que se trata o pargrafo 341 da Gaia Cincia.

    A possvel soluo proposta pela hiptese do Eterno Retorno a de que a falta desentido melhor que qualquer sentido. Afirmar o retorno de todas as coisas afirma asolidez doser, pois equivaleria no mesmo nvel ontolgico osere o devir, pois somenteh oserque eternamente retorna, deixando assim, a questo do niilismo circunscrita esfera axiolgica por carecer de alcance ontolgico. A partir do momento em que seretira a pergunta pelo ser, a questo do eterno retorno fixa-se na ontologia, deixandoassim fora a axiologia (os valores), e o sentido (FERRARIS, idem).

    Gianni Vattimo sugere que o eterno retorno prope uma soluo para a questo datemporalidade, como uma inverso do modo habitual de ver o tempo, ou seja, que em

    Nietzsche o querer que tudo retorne um querer para trs (VATTIMO, 2010, p.41).E que para isso necessria a criao de um novo tipo de homem, que o alm-homem.

    Para isso precisamos que as duas compreenses do eterno retorno secomplementem uma a outra, pois ambas isoladas so insuficientes. Uma ver o retornocomo um critrio de escolha referente s aes humanas, a outra que conforme aestrutura do universo a escolha humana no possui sentido, pois se tudo se repete nada

    pode haver de novo.Na viso cosmolgica o querer para trs se configura como umaaceitao a necessidade do universo e dos acontecimentos passados.

    Porem no discurso de Zaratustra da viso e do enigma no sentido queencontramos. Como vimos Zaratustra narra uma viso, que sobre uma montanha viu um

    portal do qual correm duas ruas opostas que se chocam uma com a outra formando,aparentemente, um crculo. Podemos entender as duas ruas como sendo uma o futuro e aoutra o passado.

    Aqui vemos a inverso do sentido comum de tempo concebido como uma linhareta (viso linear), ou seja, como uma sequencia irreversvel de instantes consecutivos.

    Na viso de Zaratustra o instante o ponto de decisoque une passado e futuro. Esteponto, representado peloportal, possui em si todo o futuro e todo o passado, ou seja, atotalidade do tempo eternidade. Sendo assim no o passado e o futuro quedeterminam o instante, seno o instanteque determina a ambos. O determinismo doinstante consiste em deciso: Eu mesmo sou o destino e a condio de inteiraseternidades de existncia(VATTIMO, 2010, p.44).

    Em Vattimo a soluo entre a necessidade do mundo e vontade humana reside noconceito nietzschiano de vontade de potncia, e o Eterno Retorno como superao do

    passado, do esprito de ressentimento (o peso que sufoca), o esquecimento reparador, ouseja, pensar o tempo como um crculo.Cada instante um ponto culminante, sendo assim, o futuro e o passado existem

    em funo do instante, pois o mesmo possui uma ligao direta com a eternidade, oeterno meio-dia.

    Oh minha alma, ensinei-te a dizer hoje, como se diz um dia ou noutrotempo, e a danaracima de tudo quanto se chama aqui, acol, ou alm(NIETZSCHE, 2007, p.289).

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    Consideraes Finais

    O eterno retorno pretende superar todo o niilismo que insiste em atribuir um valorpara o mundo e para a existncia, afastando de si toda teleologia e historicismo, etentando reintroduzir o homem de volta a natureza. Natureza aqui deve ser entendida

    como uma totalidade dinmica para o qual a fora propulsora chamada vontade depotncia.O universo no segue uma ordem, nem possui fins ou etapas sucessivas, no

    possuindo nenhum sentido objetivo, tal qual o positivismo to bem apontou. Sendo aquantidade de foras contraditrias e a quantidade de energia finita, um processo semfim e sem sentido nada poderia criar de novo, sendo ento um movimento circular quese repete infinitamente.

    Se pensarmos que o devir natural infinito e a que a matria e energias no o so,no poderia haver um sentido natural para o devir, pois se devesse atingir um objetivo jo deveria ter alcanado, restando apenas a repetio do que acontece com nenhumadiferena do que j aconteceu.

    Como foi desenvolvido no texto, na ontologia arcaica vemos uma imagemsemelhante de Nietzsche, entretanto colocada de maneira bastante nica, do mesmomodo que Nietzsche o aborda, este pensamento exposto de maneira bastante

    particular. Em ambas as vises o tempo colocado como algo que deve ser superado,abolido, ou invertido, questo que se envolve diretamente com a problemtica temporale do sentido da Histria.

    Na ontologia arcaica retorna-se para o tempo mtico do incio dos tempos, peloqual o homem repete um ato arquetpico de um Deus, de um heri ou de um ancestral.Em Nietzsche o retorno consiste em uma eterna repetio de um instante, o qual implicaem deciso, na qual o homem ao admitir a necessidade do universo, no querer que tudoretorne assim como foi, como e como ser. Nietzsche insere na questo uma aspectoimportante, que uma postura do homem diante do tempo.

    Vimos que em Nietzsche, principalmente na Gaia Cincia, o eterno retorno podeassumir duas interpretaes, que como foram mostradas ambas no so contraditrias,seno so complementares e podem corroborar para uma compreenso mais abrangentedesta questo.

    No sentido moral (axiolgico) surge a possibilidade de que em nossa vida cadamomento se torna eterno e repetitivo, o que nos coloca diante de uma deciso, ou comocoloca Vattimo, um critrio de avaliao (VATTIMO, 1990, p.70), no qual somenteum homem, que deve ser o mais feliz dos homens, poderia querer que tudo retorneeternamente, suscitando a ideia do alm-homem tratado no Zaratustra e que

    percebemos essa compreenso com base na interpretao da passagem do jovempastor em da viso e do enigma, este homem o homem do futuro, o homem nomais obstinado pela Histria, um homem de fora plstica, e no o doressentimento.

    Por outro lado, pensar o tempo como uma sequncia de instantes que um devorado pelo outro, no pode ser um mundo possvel para a felicidade, pois nenhuminstante pleno ou duradouro, admitindo-se a necessidade de um mundo no qual otempo no linear, pode-se pensar uma vida na qual cada instante pode ser vivido

    plenamente e desejado eternamente em sua repetio, sem nenhuma necessidade desentido ou finalidade. Este o tempo da deciso, onde afirmar ou desejar que tudoretorne superar o peso do mundo como inutilidade, ou seja, o retorno daquilo que se

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    quer ser, aquilo que se busca ser, que est a caminho de ser, de um eterno querer ser,luta por ser, ou desejo de eternidade.

    Podemos ento afirma a possibilidade de que somente ser possvel a felicidadeplena do homem se o tempo linear for abolido ou redimido. Esta redeno (ttulo deum dos discursos de Zaratustra sobre o tema) do esprito de ressentimento que domina

    o homem preso na estrutura temporal linear. O homem atual encontra-se fragmentadopelo tempo, pelo pesodo passado, pelas exigncias do futuro e pelo ressentimento.Esta mudana se daria pela inverso do tempo, de linear para circular, e

    consequentemente, no a uma aceitao do mundo como tal, mas da convico de umdestino, algo que querido e criado, ou melhor cultivado, o qual Nietzsche chama deamor fati.

    Tanto em Nietzsche, como na ontologia arcaica, o tempo no uma sequncia deinstantes determinados pelo anterior. O tempo cclico, portanto passvel de retorno eisso no s uma caracterstica do prprio mundo, mas uma possibilidade que reside no

    prprio homem.Em ambos h a repulsa pela histria, por tudo que determinado e determinante.

    A caoticidade do mundo no almeja nenhuma ordem que a domine ou a direcione, emsuma o mundo apenas mundo, e uma ordem do mundo apenas o desejo do homemem dominar aquilo que no pode ser dominado enquanto tal, mas que pode sertransformado em sentido, ou transportado at um determinado nvel de sentido quetransforme o homem em um ente com a possibilidade da infinitude.

    Referncias

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    _____________ Assim Falava Zaratustra. Trad. Mrio Ferreira dos Santos.

    Petrpolis, RJ, Vozes, 2007. (Col. Textos Filosficos)._____________ Ecce Homo. Trad. Notas e Posfcio de Paulo C. de Souza. So Paulo:Companhia das Letras, 2008.

    _____________ A Filosofia na Idade Trgica dos Gregos. Trad. Maria Ins M.Andrade; Rev. Artur Moro. Rio de Janeiro: Elfos Ed; Lisboa: Edies 70, 1995.PLATO. Poltico. 2. ed. So Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores)PR-SOCRTICOS. Fragmentos, Doxografia e Comentrios. So Paulo: Ed. NovaCultural, 2000. (Os Pensadores).REALE, Giovanni. Histria da Filosofia Grega e Romana. Pr-Socrticos e Orfismo.So Paulo: Edies Loyola, 2009. v. IVATTIMO, Gianni. Dilogos com Nietzsche. So Paulo: Ed. WMF Martins Fontes,

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    ________________ Introduo a Nietzsche. Lisboa: Ed. Presena, 1990.