nicholas spykman e a política do rimland

21
I ! NICHOLAS SPYKNIAN EA GEOPOLÍTICA DO RIJ'vILAND o grande debate a '.-.7 D Lu-ante o período de entregucrras, os Esraclos unidos foram palco de um grande debate, no qual diversas correntes de pensamento se confrontaram so- bre aspectos fundamentais da grande estratégia a ser adora- da peio governo americano no campo da política iurcrn:«io- nal. A, agenda do debate centrava-se em dois temas que clivi- diarn as elites políticas e intelectuais do país em posiV'l('\ inconciliáveis c mutuamente excludcntcs: ;\ pn'slT\,\ção d;\ paz e a políi ica exrcrria americana, O problema da manutenção da paz mundial, c\cL\ \('1. 111,1is precária com a ascensão do nazi-fascismo, colocou em (';11]1- pos OpOSLOS os partidários do idealismo c do reallsil/o em matéria de relações internacionais, Herdeiros do :'espírito wilso ninnr. ". os idealistas dclcn- diam a adoção ele um sistema de scg urança coletiva. cric.u- regado de preservar a paz mundial por rn cio de um.t C()llltl- nidade de poder, elo qual o exemplo nuix im«, CI';\ .1 rCU"Ill- fundada Lig;1 elas Nações, Os realistas «rit icav.uu ,I~ "tlWJ)l'~ idealistas" qlle conduziam a Liga ao Cr;\C,lSSO, <I Ci1'Ill<1I}(1() qll\' a p~l~ poclcria ser mantida mediante uma pU!I'ticd de I ,_

Upload: william-machado

Post on 29-Jun-2015

2.140 views

Category:

Documents


38 download

TRANSCRIPT

I!

NICHOLAS SPYKNIANE A GEOPOLÍTICA DO RIJ'vILAND

o grande debate

a '.-.7 D Lu-ante o período de entregucrras, os Esraclos

unidos foram palco de um grande debate, noqual diversas correntes de pensamento se confrontaram so-

bre aspectos fundamentais da grande estratégia a ser adora-

da peio governo americano no campo da política iurcrn:«io-

nal. A, agenda do debate centrava-se em dois temas que clivi-diarn as elites políticas e intelectuais do país em posiV'l('\

inconciliáveis c mutuamente excludcntcs: ;\ pn'slT\,\ção d;\paz e a políi ica exrcrria americana,

O problema da manutenção da paz mundial, c\cL\ \('1. 111,1is

precária com a ascensão do nazi-fascismo, colocou em (';11]1-

pos OpOSLOS os partidários do idealismo c do reallsil/o emmatéria de relações internacionais,

Herdeiros do :'espírito wilso ninnr. ". os idealistas dclcn-diam a adoção ele um sistema de scg urança coletiva. cric.u-regado de preservar a paz mundial por rnci o de um.t C()llltl-

nidade de poder, elo qual o exemplo nuix im«, CI';\ .1 rCU"Ill-

fundada Lig;1 elas Nações, Os realistas «rit icav.uu ,I~ "tlWJ)l'~

idealistas" qlle conduziam a Liga ao Cr;\C,lSSO, <ICi1'Ill<1I}(1() qll\'

a p~l~só poclcria ser mantida mediante uma pU!I'ticd de I ,_

ii,'Ih

I' ,I,

, 1'11

94, NICHOLAS Sl'YKM:\N E A GEOPOLÍT1CA DO Rnru:\,[) ~ICHOL.\S SI'YKlIL\:\ 1'..\ GEopoLinc;.\ no RI'\I!,,·\Vii ~h

der norteada pelos critérios estritos da segurança e do inte-ressenacíonais 1.

A polêmica sobre os rumos da política externa americana,diante do perigo da guerra na Europa e da agressão do mili-tarismo japonês no Oriente, colocou também em camposopostos os defensores do isolacionismo e do interuencionismo,

Responsáveis pelo veto à participação americana na Ligadas Nações, os isolacionistas afirmavam que o país deveriaadotar uma política de "esplêndido isolamento" em relaçãoao mundo exterior e opunham-se a um maior envolvirnentoamericano nos assuntos extracontinentais, especialmente nasquerelas políticas européias. Ao contrário, os intervencionis-tas advogavam a necessidade de uma ação direta americana,se alterações do equilíbrio de poder mundial colocassem emperigo a segurança e os interesses do país, a exemplo da inter-venção militar na Primeira Grande Guerra",

Esse grande debate modelou fortemente o perfil intelec-tual de Nicholasj. Spykman (1893-1943), professor da Uni-versidade de Vale, que dele participou abertamente e posi-cionou-se sem ambigüidades sobre os temas em questão.As idéias expostas em duas obras magnas situam o geógra-fo americano como adepto do realismo em relações inter-nacionais e do intervencionismo em política externa ame-ricana".

o sistema internacional é visto pelo realismo de Spykrnan

como essencialmente anárquico e potencialmente belicoso,semelhante ao "estado de natureza" hobbesiano. Esse sisi.c-

ma padece da ausência de um governo centralizado em ter-mos mundiais e nele a força é exerci da sob um reairne de

<1

livre-concorrência pelos únicos atores que realmente con-tam nas relações internacionais: os Estados nacionais.

Porém, a outra face da anarquia internacional é a sobera-nia estatal, isto é, a desordem externa tem sua contrapartidana ordem interna dos Estados nacionais. Se externamente aforça é inteiramente desmonopolizada, internamente cadaEstado detém o monopólio da violência legítima no respec-

s v tivo território. É a exclusividade do controle ela força físicapor um governo central que, no plano da política interna.distingue em termos jusnaturalistas o estado civil do estadonatural. De forma que, enquanto as relações intcrcstatais sebaseiam na lei ela força, as relações inua-estatais dcscnvol-vem-se sob o império da força da lei".

Assim, no realismo hobbesiano de Spykman, o sistcm.:internacional tem metaforicamente a estrutura de uma mcs,\de jogo, em que os Estados se assemelham a bolas de bi-lhar, sendo da própria natureza do jogo o choque das bolasentre si. Embora esse sistema seja anárquico, não é ncccssu-riarncnte caótico. Nele, a ordem internacional é g,wanti(!:1por um grupo seleto de grandes potências que, pela diplo-macia ou pela força, controlam e subordinam as medias cpequenas potências. Ao contrabalançar em parte <1 ,111;\1-

quia internacional, essa estrutura hierárquica l' oligopo1ís-

Carr, Edward Halleu. Vinte anos de crise: 1919·1939. Brasília: Editora l'nB, 1981.Ver também Manfred Wilhelmy. Política. internacional: enfoques)' realidades. BuenosAires: Grupo Editor Latinoamericano, 1988, P: 41·3.

1 SchlesingerJr., Arthur M. Os ciclos da. liistôria americana. Rio dc.Janeiro: EditoraCivilização Brasileira, 1992, p. 25-53.

3 Spykman, Nicholas J. Estados Unidos frente ai m.u.ndo. México: Fondo de CulturaEconômica. 1944, p. 11·5. Ver também, do mesmo autor, Tlie GeograjJhy o] thePeoce. Nova York: Harcourt, Bracc anel Company, 19H, p. 3-7. Spyknnn. Nichola sJ. Estados l'nidl's(rcl/le ai mundo; p. :!:;-t,1:11·:!.

96 Nrcaot.xs SPYK}vfAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAND

tica confere certa estabilidade e relativa previsibilidade aosistema de Estados.

Além de realista hobbesiano, Spykman é também um rea-lista maquiavélico, para o qual as relações internacionaispautam-se pela política de poder entre Estados soberanos.Para o geógrafo americano, a política de poder visa, emúltima instância, à segurança e à autopreservação do Esta-do, que se traduzem primordialmente na manutenção desua integridade territorial e na preservação de sua inde-pendência política.

No âmbito da política internacional, poder compensado époder neutralizado, ao passo que poder não compensado éexcedente de poder que pode ser projetado livremente noexterior. Por isso, além daquele necessário para garantir aordem interna e a independência externa, o Estado devebuscar sempre alcançar uma margem de poder excedenteque possa ser utilizado na política externa tendo em vista aobtenção da supremacia internacional".

O geógrafo americano é categórico ao referir-se à cen-tralidade da política de poder no âmbito das relações inte-restatais:

realizar os objetivos ela política exterior. Poder slgnific\sobrevivência, aptidão para impor a própria vontade dOS

demais, capacidade de ditar a lei aos que carecem de forçae possibilidade de arrancar concessões dos mais débeis.

Quando a última forma de conflito é a guerra, a luta pelopoder se converte em rivalidade pelo poderio militar, empreparação para a guerra.""

"Na sociedade internacional são permitidas todas as for-mas de coerção, inclusive as guerras de destruição. Issosignifica que a luta pelo poder se identifica com a luta pelasobrevivência; assim sendo a melhoria das posições relati-vas de poder converte-se no desígnio primordial da políti-ca interior e exterior dos Estados. Tudo o mais é secundá-rio porque, em última instância, somente o poder permite

s U A.. política de poder pretendida pelos partidários do "cs-

plêrid ido isolamento" fixava a primeira linha ele defesa dosEstados Unidos no próprio hemisfério ocidental, argumen-tando que, em virtude de sua posição geográfica bioccánica,

a "fortaleza americana" estava naturalmente protegida pelosdo Atlântico e elo Pacífico. Em outras palavra.'), essa

estratégia postulava uma política de autocontcnção volunt.iria que implicava fixar-se no perímetro de seg\lLU1~,a lwmis-férico e manter-se apartado ele crises iritcrnacio nn is que n:1()

d ucnvolvessem diretamente o continente americano.

Criticando a introversão isolacionista, Spykrnan reebr{!,lÚ;1que a primeira linha de defesa deveria situar-se n.io no con-i . .. .•

tincntc americano, mas do outro lado elo Atl:mtico c do P;1CI-

fico. Isso significava avançar a', forças ameriC1l1ds c I(]()-

na-Ias nas duas pontas do continente eurasiático. SOlllellte

avançand? a primeira linha ele defesa para dentro da Euro-pa e ela Asia, seria possível montar uma segunda Iinh.i de

no perímetro interno elo hemisfério , .\ m-para manter divididos c

LlIIUlJd C na "l, assi m corno

'1.inC()IlLC',ieno hemisfério ocidclll,dI

G Ibidem, p. 28, 433. Ihldcm, p.

98 NICHOLAS SPYIZ11ANE A GEOPOLÍTICA DO RL\fLIND

o panorama geopolítico mundial traçado por Spykmanno America 's Stmtegy in World Politics guarda notável parale-lismo com o traçado por Mackinder no "The GeographicalPivot" e no Democratic Ideals. É possível até afirmar que Spyk-man incorporou do geógrafo britânico a idéia da estrutura-ção de um sistema interestatal global em que qualquer mo-dificação na relação de forças afeta sempre a posição relati-va dos grandes atores internacionais e que, por isso mesmo,não podem permanecer indiferentes às oscilações do equilí-brio de poder mundial.

Ora, na visão de Spykman o isolacionismo afigura-se auma política de avestruz que, ao mergulhar a cabeça na falsasegurança da "fortaleza americana", insiste em não enxergar

os perigos decorrentes da dimensão planetária do sistemainternacional e dos avanços na tecnologia bélica. O dcscn-volvimento da aviação militar como um poder estratégico cindependente tornava obsoleta e vulnerável uma linha dedefesa hemisférica, baseada na ilusória segurança propicia-da pela distância oceânica e na concentração do poder navalamericano no Atlântico e no Pacífico.

8 vCom efeito, a ascensão de um poder aéreo com um raio ele

ação intercontinental e transoceânico tornava ineficaz a segu~rança de uma posição geopolítica insular. Isso era tão verda-deiro para as Ilhas Britânicas em relação à Europa como paraos Estados Unidos em relação à Eurásia, Já em 1942, o papelela aviação militar na guerra tridimensional era ressaltado porSpykrnan, que antecipou, até mesmo o futuro surgimento elasrotas aéreas tr anspolares". Contudo, no artigo publicado umano depois, Mackinder ignorou as previsões de Spykrnan esubestimou claramente a autonomia da aviação militar comopoder estratégico, continuando a atribuir-lhe uma posição SU~

balterria e auxiliar em relação às duas forças tradicionais".O geógrafo americano percebeu que para os Est~\dos Uni-

elos, assim como para a Inglaterra, não existia "esplêndidoisolamento" possível num sistema em que as rclaçôes polfti-cas, econômicas e militares tornaram-se inteiramente glob~l~lizadas, Envolvida nas malhas dessa rede COl11p~lcta,a AnH;~

rica necessitava desenvolver uma política externa de proje-ção mundial para defender, tanto na paz como na g\lerr'l.sua segurança territorial e seus interesses nacionais.

na visão de Spykman, o principal vctor da grande estratégiaestadunidense na política mundial".

O isolacionisrno baseava-se numa visão geopolítica essen-cialmente doméstica e regional, cujo horizonte limitava-seao âmbito do continente americano. O intervencionismo deSpykman, ao contrário, fundamentava-se numa concepçãogeopolítica abrangente das relações de poder que se desen-volviam em escala mundial. Essa visão do mundo como umsistema político fechado, do qual os Estados Unidos nãopoderiam manter-se apartados sem graves conseqüênciaspara sua segurança territorial e seus interesses nacionais, foiem larga medida influenciada pela concepção histórico-geo-gráfica de Mackinder.

A estratégia americana na política mundial

7 Ibidem, p. 12·4, 43·5.

Ihidern, p, liG,

"hckinder. Halford. El munrlo rcdundu Ia c()ll<juisl:\ ,Ir- ia I"';" 111: I Lms \1'\Veigcrt & \"dl~p!Inur Stcfanssol1 (org,). Política)' !}()(!cr IUI nns ndo IIUtl (lI/O)

BUClloS Aircs: Editorial Aliántida. 1018, p. 186,

100 NICHOLAS SPYK11i\N E A GEOPOLÍTIC:\ DO RIML\!\'D

No que se refere a concepção geral, à parte certas diferen-ças específicas, Spykman compartilha com Mackinder a idéiada unicidade da superfície líquida do planeta e da divisão dasuperfície terrestre em grandes blocos insulares formadospor uma série de ilhas-continente.

Recorde-se que, além do Grande Oceano que circundavao planeta, o geógrafo britânico concebia a existência de umailha basilar - o superconcinenre da Eurásia-África -, em tor- .no da qual gravitavam as ilhas satélites das duas Américas eda Austrália. Como foi visto, no esquema mackinderiano, ailha basilar (World Island) do oceano único (Creat Ocean) pos-suía uma região axial (Heartland), envolvida por um Cres-cente Marginal Interno (lnner Crescent), que era circundado,por sua vez, por outro Externo e Insular (Outer Crescent],

Para o geógrafo americano, a abertura dos canais de Sueze do Panamá dividiu as massas terrestres do globo em cincograndes ilhas continentais. Dessas cinco ilhas, duas situavam-se no hemisfério boreal- a América do Norte e a Eurásia-e outras três localizavam-se no hemisfério austral - a Améri-ca do Sul, a África e a Austrália. No tocante à concepçãogeral, Spykman aceitava a macroestrutura de Mackinder re-ferente à região-pivô e aos crescentes Marginal e Insular, coma diferença de que em vez da World Island existiam duas ilhascontinentais - a Eurásia e a África -, situadas respectiva-mente nos hemisférios norte e sul!".

Contudo, a par desse panorama geopolíLico semelhante,são muito diferentes os mapas utilizados pelos dois geógrafosem suas análises geopolíticas. Mackinder recorreu à projeçãoMercator, modificando-a, porém, num aspecto essencial: a

io Spykman, Nicholas J. Op. cii., p. 48-9, 175-80.

I

I111I

:\:CIIOL\S SPYK'.L\:\ E.,\ C~E()POLÍTIC.\ !l() ;:]\11\\'+ ! li I

Europa perdia sua secular cenualidadc e sClllug,u era ot.t l!)d<!O

pela Sibéria. o quc conferiu ao Heartlarul curasiano uma POSI-

ção basilar no mapa-rnúndi. Essa situação axial ocupada pehárea-pivó obrigou-o a duplicar o mapa do continente americano, reproduzindo-o nas duas extremidades do planisfério.

O geógrafo americano, por sua vez, substituiu o planisfé-rio de Mercator pela projeção azimutal eqúidistante CCI1Ll<l-

da no Pólo Norte. Na projeção polar o globo é visto a partirdo topo do mundo, o que redirnensiona o espaço c a posicáoelas massas continentais.

Essa outra perspectiva mostra que a maior pane das ter-ras emersas concentra-se no hemisfério norte, sendo que elasse dispersam em forma de estrela-da-mar quando se proje-tam no hemisfério sul. Em outras palavras, na projeção pu-lar de Spykrnan, o grande núcleo das massas terrestres - ;l

América do Norte e a Eurásia - agrupa-se em volta elo OCc;\-

no Ártico e suas três pontas situam-se nos cabos ele Horn, 11;\

América do Sul, da Boa Esperança, na África, e de Lecwin,na Austrália.

Com efeito, no mapa do geógrafo americano as massas ter-restres são vistas a partir de um ângulo inteiramente novo. Es-sa outra perspectiva das relações entre os continentes perrlLI-nece oculta ou está muito distorcida no célebre mapa ele Markinder, uma vez que este cnfatiza a centralidade da região-pivô e o enorme distanciamento entre a América e a Eurásia.

A projeção polar revela a relativa proximidade geogrMiclda América do Norte e da Eurásia, assim como as grandesdistâncias que separam a América do Sul, a ACrica e <, Aus-trália. Ressalta, também, o paralelismo entre :1 América doNorte e a Eurásia, cujas costas se defrontam nos oceanosAtlântico, Pacífico e .Ártico. Destaca ainda" vizinhança da

102 Nrcnor.xs SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAND

I VJ V

Sibéria com o Alasca, separados apenas pelo estreito de Be-ring, e a posição intermediária do complexo insular Groen-lândia-Islândia, que serve de ponte entre a Europa e a Amé-rica. Finalmente, aquela projeção mostra o Ártico como um"oceano mediterrâneo" situado entre as costas setentrionaisda América do Norte e da Eurásia, numa situação similar àdo Mediterrâneo euroafricano.

Dessas realidades geográficas captadas pela projeção po-lar - concentração de massas ao norte, dispersão de massasao sul e defrontação América do Norte-Eurásia -, Spykmanextrai as seguintes conclusões: as relações entre as três ilhascontinentais do hemisfério austral carecem de maior impor-tância, mas as relações entre os Estados Unidos e as duasextremidades da Eurásia - a Europa e a Ásia - são determi-nantes para os rumos da política mundial!'.

É dentro dessa macroestrutur a que Spykman insere o es-paço e a posição dos Estados Unidos, ressaltando a exclusivi-dade de sua situação geopolítica tanto no continente ameri-cano como em âmbito planetário.

Os Estados Unidos situam-se no hemisfério norte, seu cli-ma é predominantemente temperado e seu território temprojeção bioceânica e dimensões continentais, sendo o quartodo mundo em extensão. A fertilidade do solo e os recursosnaturais favorecem o desenvolvimento agrícola e industrial,que impulsiona, por sua vez, o crescimento demográfico.Ademais, as fronteiras terrestres setentrionais e meridionaissão partilhadas com dois vizinhos comparativamente fracos- o Canadá e o México -, que não possuem recursos depoder para ameaçar a integridade e a segurança america-

\I Ibidern, p. 175.

Ir<'~ -.

NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RrML:1ND 1O:~

nas. Além das ferrovias transcontinentais, o controle do mardo Caribe e elo canal do Panamá asseguram ao país a Tigaç'íomarítima permanente entre as duas costas oceânicas.

Em síntese, situados entre dois fossos oceánicos interliga-

dos pela zona do Canal, os Estados Unidos são uma gig:m-tesca ilha-continente que ocupa em relação à Eur.isia urna

posição insular comparável à da Inglaterra em relação ;l FIl-

ropa continental.A semelhança da América do Norte, a Eur.isia projct;\-s\,

no Ártico, no Atlánqco e no Pacífico e, como o mundo ('esférico, do ponto dq vista geográfico as duas se ludci;ll11mutuamente. Na visão de Spykrnan, era o cerco potcncia l ebAmérica pela Eurásia ou da Eurásia pela América que dcfi-niria neste século as grandes linhas da política mundial. F.

preciso ressaltar que entre as duas ilhas c()l1(inCI1(Ú~ cxis-

tiam diferenças relevantes: em 1942, a Eur.isia \ i111'];1o d()hl<ldo território, sete vezes a população, () dobro do pru<!llIobruto e recursos naturais muito superiores aos da .\ mcri...:do Norte. Caso tais fatores de poder viessem :1 sn 1i rIi li(':\-

dos, ° cquilfbrio ele forças desapareceria ,: () cOl\tinen((' 1):\-

silar não Leria rivais à altura na disputa pC!;1 hcgl'lllOI\i,1mundial.

Na concepção do geógrafo americano, as linh:». mcst r;\s

da política internacional poderiam ser resumidas em dll,ISgrandes variáveis. Se a Europa e a Asia fossem do minadaspor um único poder ou por uma constclaçao de p~)cl('rc"

ac~mulariam, uI:1a força não ,c~mpe.-'nsada <jUCPO.d.CIT proJe-tal-se no Atlântico e no Pacifico e, num movimento ele pin-ças, cercar o hemisfério ocidental. Se, ao contrário, fossemmantidos uma divisão e um equilíbrio de poderes tanto naEuropa como na Ásia, os Estados Unidos deteriam um cxcc-

104 NICI-lOLAS SPYKIvlAN E A GE.OPOLÍTICA DO RLHLrLVD

PROJEÇAo AZIMUTAL CENTRADA NO PÓLO NORTE

Fome: Spykman, Nicholas. Til" Geograjihy a[ lhe Peacc. Nova York: Ilarcourr Braceanel Company, 1944, p. 16.

NrClIOI..\S SI'YKlI!.\"l E A GEOPOLÍTIC!\ DO iÚi\.fL\!VD 10:-)

J v

dente ele poder em condições ele projetar-se nus dois occ.i-

nos e cercar arribas as pontas ela Eurásia'".

Essa geopolítica global demonstrava cabalmente que o iso-

lacionismo era uma estratégia suicida e o inter vencionismo

uma estratégia necessária quanto à política de poder. O queestava em jogo era o equilíbrio de forças 11;10 em escala hc-

misférica, mas mundial. Em resumo: a hegemonia seria con-

quistada por uma potência ou coalizão que conseguisse acu-mular uma margem de poder residual que pudesse ser apli-

cada no exterior pJ.ra cercar a outra ilha-continente.

Em sua análise da política mundial, Spykman aclot:\ ()modelo de Mackinder, baseado no confronto entre o poder

terrestre dominante na região-pivô eurasiana c o poder m:i-rítimo que controlava a linha circunferencial costeira c!aquc-

la ilha-continente. Para o geógrafo americano, ;\cé o COll1('(f)

do século XX, a expansão russa do centro para a pcr iícr ia

eurasiática foi barr ada por duas potências insulares situach\nos antipoclas do continente basilar: a Inglaterra c o .Jap:í().

Os ingleses contiveram o avanço dos russos no At.lântuo,bloqueando o mar do Norte: no Mediterrâneo, bloql]c~)Jld()

a região elos estreitos; no Índico, ocupando a PCTsi;) c a [n-

dia. Apoiados pelos ingleses, os nipónicos com ivcran: () av.m-

ço czarista na Manchúria c no Pacífico, VCnCC!H[O ;\ gl]CTL\

russo-japonesa de 1904-:'5.A seguinre passagem dá a exata medida do débito inrclcr

iual de Spykman com Mackinder, sobre a conccpç;)() histo: i-

co-geog ráfica ela rivalidade entre os poderes contincllul ('oceânico pelo domínio ela ilha-continente baxilar:

I U

:; Ibidcm, p. l/li, 190-1, ~'\2-3.

l

106 NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIML:\ND :--:rcj{OL.-\S SPYI~M.~.:--:E li GEOPOLÍTICA DO nlML.lNI) lOi

"Por um espaço de duzentos anos, desde a época dePedro, o Grande, a Rússia se esforçou para chegar ao ocea-no, irrompendo através do anel de Estados fronteiriçosque a rodeiam. A geografia e o poder marítimo a impedi-ram duramente até agora. [...]. Uma das pamas fundamen-tais do Mundo Antigo durante o século passado foi a riva-lidade do poder marítimo da Inglaterra, que operava aolargo da grande rota marítima de circunavegação, e o po-der terrestre da Rússia, que tratava de irromper e buscarsaída para o mar, por entre o anel que a mantém cercada.Até 1902, a Grã-Bretanha fornecia por si mesma a forçanaval para impor esse círculo forçoso à Rússia; depoisdaquela data, que assinala a conclusão da primeira alian-ça anglojaponesa, os dois impérios insulares compartilhama tarefa, operando a partir de flancos opostos do conti-nente eurasiático. O Japão encarregou-se de guardar a saídapara o Pacífico e a Grã-Bretanha aquelas que dão acessoaos oceanos Atlântico e Índico."13

'-'

z-:

-"-::..:..;

"/.

y

Z

':;.'..:.!

~7.

<:::< v" .:../. h:.:,;

<

C>

".<-~

:::..

••• "o i ."' ..

vo' ,

É sabido que a visão geopolítíca de Mackinder baseava-se no esquema de uma pressão centrífuga que partia doJ-Ieartland em direção ao Inner Cresceni, ou seja, da regiãocentral para as terras periféricas eurasianas. Spykman su-pôs ter colocado em xeque a concepção geral do geógrafobritânico, ao constatar que a tendência histórica predomi-nante no século XIX se teria invertido no século XX. Se-gundo Spykman, diversamente do que acontecera no sécu-lo passado, uma potência continental e uma potência oceâ-nica - a Alemanha e o Japão - tentaram, nas duas guerras

~ju '

.. : »r

" Ibidcm, P: 179·80.

-.:

ii

.. !.;.

108 NICHOLAS SPYIUvfAN E A GEopoLfTICA DO RIMLAND

mundiais deste século, expandir-se da periferia para o cen-tro da Eurásia.

I Embora seja factualmente correta e historicamente verda-i deir a, a tese do geógrafo americano não constitui urna des-coberta inteiramente nova nem sequer parcialmente origi-nal. O próprio Mackinder já havia formulado a hipótese daconquista da região central por urna potência do CrescenteMarginal eurasiano. Ele acreditava que a potência conquis-tadora procuraria em seguida articular a base continentalcom urna frente oceânica, para desenvolver um poderio an-fíbio tendo em vista a obtenção da supremacia mundial. Re-corde-se que, para fundamentar essa reflexão, tanto a hipó-tese da conquista da Rússia pela Alemanha como a do domí-nio da China pelo Japão foram explicitamente levantadaspor Mackinder na célebre conferência de 190414•

Durante a Segunda. Guerra Mundial, a Alemanha e o Ja-pão estavam enfrentando dentro da Eurásia duas potênciascontinentais - a Rússia e a China -, assim como duas potên-cias oceânicas - a Inglaterra e os Estados Unidos - no Atlân-tico e no Pacífico. Se a constelação nipo-gerrnânica de poderconseguisse conquistar a Rússia e a China, unificando as duasextremidades da Eurásia, poderia desenvolver um poderanfíbio, neutralizar os Estados Unidos mediante um envolvi-mento estratégico e suplantar a influência norte-americanano hemisfério ocidental.

Em 1942, durante o auge da ofensiva nipo-gerrnânica, apossibilidade da partilha da Eurásia por dois poderes hege-mônicos, seguida do cerco dos Estados Unidos, tornara-se ogrande temor de Spykman, assim como a hipótese de uma

" Mackinder, Halford, "The Geographical Pivor of Hisrory". In: Democratic Ideaisand Reality (with additional papers). Nova York: The Norton Library, 1962, p.272-3, 263-4.

NICHOLAS SPYK.;\.1AN E A GEOPOLÍTIC;\ DO RIML:L\D '1 ()<)

CERCO 00 Novo MUNDO

CERCO DO Ml:NDO ANTICO

Fonte: Spykman, Nicholas. Estados Unidosfrerüe a/Inundo. México: Fouclo de (:1l1111-

ra Econômica, 1944, p. 177, 191.

f."J

110 NICHOLAS SPYKJvlAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAND

aliança russo-germânica contra as Ilhas Britânicas constituí-ra décadas antes o maior pesadelo de Mackinder:

"Na atual fase da história do mundo a tensão se orientano sentido contrário. Agora é a zona do litoral que tentaincrustar-se nas terras centrais da Europa. A Alemanha avan-ça na direção do Oriente e, na Ásia, o Japão se movimentapara o Ocidente. [...]. Se os dois sócios do Eixo consegui-rem realizar os seus propósitos, a Rússia será empurrada,por um lado, para além dos Urais e, por outro, para alémdo lago Baikal. [...]. Ela viria a ser, comparada com o volu-me de seus conquistadores, um Estado amortizador relati-vamente pequeno, como era em 1939 a Polônia entre a Ale- ,manha e a Rússia. O resultado seria extirpar para semprena Europa e no Extremo Oriente a ameaça das terras cen-trais do continente. Alemanha e Japão ficariam então comliberdade para voltar-se contra seus outros inimigos, parairrornper pelo oceano Índico cruzando os Mediterrâneoseuropeu e asiático, assim como para iniciar um gigantescomovimento de pinças contra o hemisfério ocidental."!"

Essa preocupação recorrente volta a se manifestar poucomais adiante quando o geógrafo americano reitera enfatica-mente o perigo que representaria para a segurança e a auto-preservação dos Estados Unidos o envolvimento estratégico ,da América do Norte por uma Eurásia unificada:

"A vitória obtida no Mundo Antigo significaria para a,Alemanha realizar o sonho de uma grande esfera de in-

15 Spykman, Nicholas J. Op. cit., p. 180,

1 ICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAN[) 111I

fluência euroafricana comandada a partir ele Berl im. EsL1zona abarcaria desde o cabo Norte até a Cidade do Caboe incluiria a Europa até as montanhas Urais, o Mediterrâ-neo e o Oriente Próximo. Contaria com uma populaçâode 550 milhões de habitantes e representaria um enormeacúmulo de poder. Para o Japão, a vitória no, 'fundo An-tigo equivaleria a transformar seu império insular numuunidade de dimensões continentais. Seu mundo se csrcu-

deria desde o estreito ele Bering até a Tasmánia, com m.iis

ela metade da população do planeta. Eruào, () Novo Muu-do ficaria rodeado por dois gigantescos impérios q\le 1('-

riam sob seu domínio imensos potenciais bélicos, .\ m;1I'("

de força correria no sentido inverso; o atual cquilíbr io de'

poder transoceânico se arruinaria e o poder potencial i'('-

lativo das duas grandes massas terrestres de um.i pane,mais o fato de o Mundo Antigo envolver geografical~enlco hemisfério ocidental, determinariam o estrangulainen-to políticodcste último pelo primeiro."lIí

Na hipótese da unificação das bordas da Eurásia por doisgrandes sistemas imperiais, a única possibilidade de defesado hemisfério ocidental seria, segundo Spyk man, a intcg ra-ção política e econômiha do continente americano sob lide-rança dos Estados Unidos. Apenas a organização de 1..1111.;\

economia continental autárquica e centralmente coordena-da, protegida por uma linha de defesa terrestre e aérea, apoia-da por sua vez numa rede de bases avançadas insulares, po-deria oferecer uma resistência eficaz ao cerco estr atégico

teuto-nipônico.

\I: Ibidem, P: 190-1.

'I,;

112 NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAND

. '."

. ·:.~i\.:~~:'~:::/

• f: ..~).:

zox

'"o<'"f-Zoo

~õ]z

NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RJMLl:VD lI;)

No caso de uma vitória do Eixo, os Estados Unidos fica-riam tão isolados em relação à Eurásia quanto a Inglalerr,\em relação ao continente europeu, se a Rússia fossecouquís-tada pelos alemães. Com a Europa e o Extremo Oriente con-trolados por uma coalizão nipo-germânica, o poder navalamericano não teria uma base continental ultramarina queservisse de cabeça-de-ponte para uma ofensiva militar Ler-rcstre contra as potências do Eixo.

Contudo, assim como os ingleses impediram o desembar-que alemão em seu território insular, é muito provável queos americanos também conseguissem repelir qualquer ten-tativa de invasão teuto-nipônica. Mas, sem aliados continen-tais nas costas opostas do Atlântico e do Pacífico, os EstadosUnidos não teriam como vencer seus inimigos !c:V:1l1dr) aguerra ao interior da Eurásia.

A proposta do geógrafo americano era uma espécie deDoutrina Monroe geopolítica, levada às últimas conseqüên-cias pela lógica da guerra. É impossível deixar de notar ;1

semelhança entre a visão de Spykman de um continenteamericano política e economicamente integrado e a idéiadas pan-regiões do general Haushofer. Recorde-se que, alémda Euráfrica, dominada pela Grande Alemanha, e da Esfc-

"'" ra da Co-Prosperidade da Grande Ásia Oriental, orquestra-da pelo Japão, o general-geógrafo alemão cogi tava tam bérn

de uma Pan-América tendo os Estados Unidos como regen-te natural.

A pan-regíão de Spykman abarcaria o grande espaço 1l1-tercontinental que se estende do Alasca até a Patagônia c doAtlântico ao Pacífico. Com sua diversidade étnica e climári-ca, sua gama de matérias-primas e recursos minerais, essanova entidade seria regida por um superestaclo que, elo alto

I

114 Nrcaor.xs SPYKMAN E A GEOPOLfTICA DO RIMLAND

de seu poderio industrial, financeiro e militar, gerenciaria,de Washington, uma economia auto-suficiente e regionalmen-te integrada.

Ao especular sobre a presumível necessidade de submetercompulsoriamente todo o hemisfério à regência estaduni-dense, como único meio de enfrentar as pau-regiões eurasi-áticas, o pragmático geógrafo americano leva às últimas con-seqüências sua coerência realista e intervencionista:

"Entretanto, nenhum dos Estados americanos aceitariarealizar de bom grado as mudanças imprescindíveis paracriar essa economia de tipo regional. Só se poderia atin-gir essa meta seguindo o mesmo procedimento que agorase emprega para reformar as economias nacionais da Eu-ropa dentro da Grande Esfera de Comum Prosperidadeda Grande Alemanha. Unicamente a conquista do hemis-fério pelos Estados Unidos e a implacável destruição daseconomias regionais agora existentes poderia realizar aintegração necessária." 17

Em resumo, um hemisfério autarquicamente integradodesde Washington como recurso extremo para resistir aocerco estratégico na hipótese da vitória nipo-germânica. Eno caso de uma vitória aliada, qual deveria ser, na visão deSpykman, a estratégia americana na política mundial?

As duas alternativas possíveis para o mundo do pós-guer-ra eram a emergência de um império universal, governadopor um único superestado, ou um sistema internacional,controlado por um pequeno grupo de grandes potências.Spykman descarta a primeira alternativa e, baseando-se nas

17 Ibidern, p. 436.

Nrcuoi.xs SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO R,MLt,VD 11E)

iI![

I1

!realidades geográficas permanentes, conclui que as massasterrestres concentradas no hemisfério boreal - A mérica doNorte, Europa e Extremo Oriente - continuarão ditandoas .linhas fundamentais da política mundial. Dentro de um sis-tema internacional que permaneceria anárquico, oligopolis-tico e hierárquico, a análise normativa do geógrafo afirmaque os interesses estratégicos americanos deverão paular-sepor uma política de equilíbrio de poder.

Na América, as condições geopolíticas específicas inviabi-lizavam a aplicação do princípio do equilíbrio de poder. :\desproporção entre os limitados recursos de duas dezenasde países e o colossal poder não compensado dos EstadosUnidos tornava irrealista e impraticável qualquer sistema deforças mutuamente equilibradas. O excedente ele poder pro-

I \.?jetado sem contrapeso na política continental, POICllCi,diz;\-do pela fraqueza relativa dos vizinhos lat ino-arncricanos, :\S-

segurava que a hcgemonia ele \tVashingLOI1 não xcri.: COl1l-

partilhada c muito menos questionada por qualquer p:\is d()hemisfério ocidental.

O segundo objetivo basilar da estratégia americana deve-ria S:I: a organização d~ poderes divididos e equilibt-acl<j" naEurásia. As forças reciprocamente compensadas lal1Ur 11:\Europa como na Asia não disporiam de fôlego para acumu-lar uma massa de poder adicional que, na ausência de umcontrapeso, pudesse projetar-se livremente na política mun-dial. No tabuleiro geopolítico das duas bordas da Eur.isia, ()equilíbrio de poder criaria uma situação ideal, na qual asforças conflitantes se neutralizariam mutuamente. Esscpo-der devidamente compensado não disporia de recursos ex-cedentes que pudessem colocar em perigo a segurança c osinteresses estratégicos dos Estados Unidos.

Na Europa, o equilíbrio de poder destinava-se a impedir o

116 NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAND

surgimento de uma federação de países ou o controle docontinente por um ou dois grandes Estados. Por um lado,não interessava aos americanos um Reich alemão estenden-do-se do mar do Norte até a Sibéria e muito menos um im-pério russo que abarcasse da Sibéria ao mar do Norte. Poroutro lado, não interessava também o surgimento de umaEuropa federada com um poder conjugado, capaz de amea-çar a supremacia estadunidense no oceano Atlântico e nocontinente americano.

O realismo intervencionista de Spykman, já posto à provano hemisfério ocidental, demonstra em relação à Europa amesma coerência:

"Uma Europa federal representaria tal agregação de for-ças que alteraria por completo nossa importância comopotência atlântica e debilitaria consideravelmente nossasituação no hemisfério ocidental. Se a aspiração de pazdos Estados Unidos é criar uma Europa unida, então nosequivocamos ao escolher o lado na luta. O meio mais rápi-do de lograr a integração da zona transatlântica seria aju-dar ao senhor Hitler com todo o peso de nossa força.?"

A estratégia dos Estados Unidos requeria, portanto, pode-res divididos e equilibrados entre um certo número de po-tências européias, cujas forças reciprocamente compensadasficariam sem margem excedente para qualquer projeção ul-tramarina. O geógrafo americano poderia resumir sua po-lítica de poder na borda ocidental da Eurásia numa fraselapidar:

18 Ibidem, P: 450.

NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RrMLANf) . 117

"nem federação nem hegemonia, mas equilfbr io curo-peu.''!?

Na Ásia, a aplicação da política de cquilfbr io ele poder cr;\muito mais difícil em conseqüência dos enormes desequilí-brios entre a China e o Japão. Era tal a desproporção doespaço geográfico, da densidade populaciorial e dos recur-sos naturais de ambos os países que seria problemático esta-belecer um relativo equilíbrio de forças entre a potência con-

tinental e a potência insular do Extremo Oriente. Divefsa-mente da Rússia, que era uma potência praticamente medi-terrânea, a China conjugava uma gigantesca retaguarda cr-restre com uma vasta frente occanica, que se estendia (LI

Coréia até a Indochina. Se não era do interesse americanoque o Japão controlasse a borda oriental da Eurásia, por quehaveria de ser que a mesma fosse dominada pela China?

Como nos casos precedentes, o geógrafo americano cqua-ciona no tocante à Realpolitik ["polítíca realista"] a questãodo equilíbrio de poder na Ásia Oriental:

"Duas vezes no decurso de uma geração fomos em aju-da da Crã-Bretanha a fim de que a pequena ilha co steir anão se veja diante de um único Estado militar gigantescoque domine a costa oposta do continente. Os EstadosUnidos terão de adotar uma política semelhante de prote-ção do japão se quiserem manter, hoje e amanhã, um equi-líbrio de poder no Extremo Oriente. Será preciso abarido

8 v nar a atual inconsistência da política americana. Seria to-talmente ilógico pretender que o Japão aceitasse um irn-

10 Ibidern, p. H9.52.

118 NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIML\XD NICIIOL:\S SI'YK,\L\N E A GEOPOLÍTIC:\ DO RíML.-IND 119

pério chinês desde Vladivostok até Cantão e apoiar aomesmo tempo a Grã-Bretanha em suas guerras com o fimde conservar a existência dos Estados amonizadores nooutro lado do mar do Norte.t''?

na política mundial passou por uma série de iovisócs, que s(·)

foram interrompidas por sua morte premalura em 1~·)4:'>,Essas revisões corrigem, refinam e cornplementam idéiasexpostas anteriormente, assim como introduzem novasidéias sobre a geopolítica e a estratégia de segurança ameri-cana. Os manuscritos que continham os ajustes e acréscimosrealizados pelo g'eógrafo americano foram compilados pelaUniversidade de Yale e editados postumamente sob () títuloThe GeograPhy oJ lhe Peace, em 1944.

A contribuição mais original e instigante deste último li-

vro é indubitavelrnente o debate amplo, aberto e direto queSpykrnan estabelece com as idéias de Mackindcr. Nesse tourde force, o geógrafo americano passa em revista os principaisaspectos da geopoIítica do poder terrestre e submete () mo-

delo teórico mackinderiano ao crivo dos fatos geográfico",históricos e estratégicos. Spykman aponta aspectos cruciaisna teoria que, quando submetidos ao teste da cmpuia, pare·cem não resistir à dura réplica dos fatos,

O balanço do debate apresenta saldo bastante positivo, poisseu produto final é um enorme avanço no pensamento gC()'

J)olítico e estratégico, Ao polernizar com as icl6i;,s ele \L1c·J '

kinder, colocando em xeque o núcleo duro ch teoria do l-Temiltmd, Spykrnan equaciona as linhas mestras de urna concep-ção alternativa - denominada aqui teoria do Riinland -, queveio a desempenhar relevante papel na formulação ela gr:mdcestratégia americana do pós-guerra.

O gcógrafo americano começa por ba liD1J () c.rm pol dodebate, mapearido os nódulos essenciais do que C011\'(:n jo·nou chamar "o mundo de Mackindcr". Este mundo (:' UJlI

sistema político fechado no qual a posição basilar é ocupadapela grande plnnície central siberiana - o Heartland -, que (:

Recapitulando sumariamente, tendo como referência oscondicionamentos impostos pelas realidades geográficas,Spykman deduziu as seguintes normas prescritivas para aestratégia americana na política mundial do pós-guerra. OsEstados Unidos deveriam manter uma hegemonia incontes-tável e não-compartilhada na segunda linha de defesa, cujoperímetro de segurança abrangia o hemisfério ocidental e oMediterrâneo americano. O sistema de defesa americano nazona transatlântica deveria escudar-se em bases insulares se-diadas na Groenlândia, na Islândia e nos Açores. Outro dis-positivo semelhante deveria ser montado na zona transpací-fica com bases avançadas nos arquipélagos das Aleutas, Ha-vaí e Filipinas. Além disso, os Estados Unidos deveriam man-ter uma presença ativa no hemisfério oriental, fixando suaprimeira linha de defesa nas duas bordas da Eurásia. Essalinha de defesa transoceânica requeria uma participação di-reta americana no equilíbrio de poder eurasiático para man-ter divididas e neutralizadas as forças político-militares daEuropa e do Extremo Oriente.

A geografia da paz

Depois da publicação de Arnerica 's Stmtegy in World Poli-

tics, a visão de Spykman sobre o papel dos Estados Unidos

20 Ibidern, p, 453.

III

IIII

I,: [,

120 NICHOLAS SPYKMAN E i\ GWPOLÍTICA DO RIMUND 0: rCHOL\S SPYK'.!!U E:\ GEOPOLÍTIC,\ D() R{\f1l.fD I 'l1

uma unidade de drenagem interna, praticamente isolada esem nenhum ponto de contato com o mar aberto,

A gigantesca planície mediterrânea encontra-se, por suavez, cercada por uma barreira de gelo ao norte e por umsemicírculo de montanhas e desertos nos três outros pon-tos cardeais. Do outro lado do acidentado semicírculo es-tão as regiões costeiras do Inner Crescent, formado pelas pe-nínsulas da Europa, Oriente Médio, Índia e China. Numaposição ultramarina mais recuada, situam-se as ilhas conti-nentais do Outer Crescent, a Inglaterra, as Américas, a Aus-trália e o Japão.

Rimland foi O termo utilizado por Spykrnan para substi-tuir a noção de Inner Crescent e definir com maior precisãoas regiões costeiras - as fímbrias marítimas - que contorna-vam a grande planície central da Eurásia.

O novo vocábulo procurava ressaltar a geografia anfíbiadaquelas regiões, ou seja, o fato de possuírem uma frentecontinental e outra oceânica, Contígua ao' Rimland eurasia-no estava a linha circunferencial marítima formada pelo Atlân-tico, Mediterrâneo, Índico e Pacífico, que contornava a Eu-rásia e tinha como pontos extremos as ilhas costeiras da Crã-Bretanha e do Japão. Geograficamente, o Rimland situava-senuma posição intermediária que se defrontava, por um lado,com o anel desértico e montanhoso que circundava a planí-cie siberiana e, por outro lado, com o semicírculo marítimoque contornava o continente eurasiano.

O conceito estratégico de Rimland assume, no pensamen-to de Spykman, uma centralidade equivalente à do Heartlandna concepção geopolítica de Mackinder. Assim como Heart-land é a noção axial da teoria do poder terrestre, Rimland éa idéia nuclear em torno da qual convergem e se articulam

.:c,

.Y;-y:.

~-:1-r:

"

:-

-;-:.-

;..,:::

,:;SÜ;;;

~-,"-?

-e- 'F:..•. "s-C'>

~Z

~'";;:0

""c,;-:.::

:/) t-~r.

/.

":...;v,

'::/- :..)

,~C s

122 NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAND

todos os demais componentes geopolíticos e estratégicos dateoria de Spykman.

Em virtude de seu caráter anfíbio, o Rirnland era fisica-mente uma área-tampão entre o poder marítimo, que con-trolava a linha circunferencial costeira, e o poder terrestre,que dominava a região central eurasiana. O geógrafo ameri-cano descrevia e analisava da seguinte maneira as grandeslinhas dessa idéia estratégica:

"O Rimland da massa terrestre eurasiática deve ser vis-to como uma região intermediária situada entre o Heart-land e os mares marginais. Ele funciona como uma vastazona amortizadora no conflito entre o poder marítimo eo poder terrestre. Com vistas para ambas as direções,ele tem uma função anfíbia e deve defender-se em terrae no mar. No passado, ele teve de lutar contra o poderterrestre do Heartland e contra o poder marítimo dasilhas costeiras da Grã-Bretanha e do Japão. É na sua na-tureza anfíbia que está a base de seus problemas de segu-rança.'!"

Como foi mencionado diversas vezes, o geógrafo britâni-co sustentava que o avanço tecnológico do sistema de trans-porte terrestre abriria a possibilidade de unificação de todaa região central; que essa integração espacial impulsionariao crescimento demográfíco e o desenvolvimento autárquicodo potencial econômico siberíano; que isso daria ao poderterrestre fortalecido condições de conquistar a periferia eu-

21 Spykman, Nicholas ]. The Geograf)hy of the Peace. Nova York: Harcourt, Brace andCompany, 1944, p. 41.

NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RJML\.YD 1 :.2:',I

r asiana e construir um poder anfíbio para vencer () J}Oc1Clmarítimo das potências insulares'".

Spykman colocou em xeque a concepção geopolític\ glo-bal de Mackinder, redargüindo que os dados cmpíricos um-trariavam radicalmente as previsões teóricas mackinclcrié\-nas. O prognóstico de Mackinder era desmentido pelos Li-tos da geografia econômica e humana, que demonstravamque a planície central siberiana não se transformara dctiv,t-mente num novo pólo do poder mundial. I

De acordo com o geógrafo americano, a cstrutur a ele dis-tribuição do poder mundial continuava organizada em três

grandes centros: a região atlântica da América do Norte, aregião atlântica da Europa e a região costeira do ExtremoOriente. Note-se que os dois últimos centros de poder local i-zavam-se no Rimland, ou seja, nas regiões anfíbias situadasdo outro lado do anel desértico e montanhoso que circunda-va o Heartland eurasiano.

Quando mensurado em população, indústria, agricultura,petróleo, ferro, carvão e transporte, onde realmente se ccn-trava O poder efetivo da União Soviética? Os dados empíricosesgrimidos por Spykman demonstravam que, a despeito dosesforços empreendidos nos planos qüinqüenais, o centro degravitação do poder terrestre soviético não havia sido transfe-rido para a grande planície central da Sibéria. O clima extrema-mente inóspito das regiões polares constituía um obstáculoquase intransponível, que dificultava a expansão do povoarncn-to e a exploração econômica da planície central siberiana.

As cidades, as fábricas, as fazendas, as refinarias, as usinas,

n Mackinder, Halford. Democratic Ideals and Reality (with additiorialYork: The Norton Library, 1962, p. 150.

l\cw

124 NICHOLAS SPYIC'I\1AN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAND

as ferrovias e as rodovias continuavam concentradas majori-tariamente na parte européia da Rússia, a oeste dos montesUrais. A Rússia européia, e não a Sibéria, continuava sendo oecúmeno do poder terrestre soviético. E no curto prazo, tudoindicava ser muito difícil para o regime comunista conseguirintegrar, explorar e transformar em poder perceptível as vir-tuais potencialidades da região-pivô da Eurásia 2,.

Em contrapartida, Spykman argumenta que a concepçãoglobal de Mackinder sobre a rivalidade entre o poder terres-tre, sediado no Heartland - a Rússia -, e o poder marítimo,situado nas ilhas costeiras - a Inglaterra -, era também refu-tada pelos fatos da história. Nos dois últimos séculos os trêsgrandes conflitos europeus - as guerras napoleônicas e asduas guerras mundiais - não foram em termos estratégicosum típico enfrentamento do poder marítimo contra o poderterrestre. Ao contrário, o que ocorreu nessas guerras foi sem-pre uma aliança entre os impérios russo e britânico contraum terceiro poder ascendente que pretendia dominar todo ocontinente europeu. Nas três grandes guerras mencionadas,a Inglaterra e a Rússia haviam lutado juntas contra uma po-tência originária do Rimland, isto é, a França napoleônica eAlemanha guilhermina ou hitlerista.

Com efeito, o geógrafo americano argumentava que, con-firmando a tendência histórica dominante, a Segunda Guer-ra Mundial estava sendo travada tendo em vista uma aliançado poder naval anglo-americano com o poder terrestre so-viético contra um poder dominante no Rimland europeu: aAlemanha nazista. Algo semelhante ocorria no Rimland

"I Spykruau, Nicholasj. The Gcogmj!hy oi tlic Peace. Nova York: Harcourt, Brace anelCornpany, 1944, p. 3840.

NrCHOLAS SPYK\L\N E A GEOPOLÍTICA DO RIl'vfLFv'[J 12:')

fi V

asiático, onde a gllerra configurava a aliança da potênciainsular americana com a China continental para impedir ()domínio do Extremo Oriente por um poder ascendente si-tuado numa ilha costeira: o Japão'".

A análise geopolítica de Spykman parece colocar em xe-que o padrão geral de Mackinder ao demonstrar que, nosúltimos séculos, o perigo de unificação da Eurásia não veiode um poder terrestre originário do Heartlarul, mas partiusempre de poderes situados no Rimlarul ou numa das ilhascosteiras. As guerras gerais travadas no Velho Continentenão foram provocadas pelo expansionisrno do Estado-pivó

grão-russo, fosse ele czarista ou comunista, nem tiveram comocausa sua suposta tendência histórico-geográfica de conqUls-tar as regiôes anfíbias da periferia eur asiática. Ao cont.r.uio.o curso da história demonstrava que os conflitus bélicos cru-ci ais foram deflagrados por potências geograficamcnt l'

marginais ou insulares - como a França, a Alemanha c ().J apão -, que pretendiam unificar pela força o continenteeuropeu ou o Oriente asiático.

Com efeito, Spykrnan conclui sua análise gcopolílic\ 111-

vertendo completamente a célebre fórmula de Mackinclcr,na qual estavam sintetizados os elementos nuc]c;trcs ela t ('().

ria do poder terrestre:

"Em outras palavras, nunca houve na realidade 1Im;\ (

quernática oposição poder terrestre uersus poder 1-

mo. O alinhamento histórico sempre foi de ;t!gum ruem-bros do Rimland C0111 a Grà-Bretanha COnlL\ out.ros rue-m-

bros do Rimlarul c'om é1 Rússia, ou cnuio C;r;1-Brct;1ll1Ll ('

126 Nrcaoi.xs SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAND

Rússia juntas contra um poder dominante do Rimland. Oditado de Mackinder 'Quem controla a Europa Orientaldomina o Heartland; quem controla o Heartland domina aWorld Island; quem controla a World Island domina o mun-do' é falso. Se é para ter um slogan para a política de po-der no Velho Mundo, este deve ser 'Quem controla o Rim-land domina a Eurásia; quem domina a Eurásia controlaos destinos do mundo' ."25

No que tange à extensão territorial, a Rússia era o únicoI país da Eurásia com um espaço parcialmente europeu e: asiático. Essa dupla projeção transformava o poder terrestresoviético na peça-chave da reorganização do tabuleiro geo-político eurasiático. Na visão de Spykman, a estratégia desegurança dos Estados Unidos deveria pautar-se por umapolítica de equilíbrio de poder tanto na Europa como naÁsia. Para garantir a existência de forças divididas e com-pensadas nas duas pontas da Eurásia, era necessário para opoder naval anglo-americano manter a aliança com o Esta-do-pivô soviético. Potência dominante no Heartland, somen-te a Rússia tinha os indispensáveis recursos de poder paraequilibrar a Alemanha na Europa e a China no ExtremoOriente, neutralizando assim os principais poderes do Rim-land eurasiano'",

Porém, o sistema internacional do pós-guerra assumiu umaconfiguração polarizada, que colocou à prova tanto a teoriade Mackinder como a de Spykman. No primeiro caso, a con-cepção histórico-geográfica de uma expansão centrífuga par-

i;

25 Ibidem, P: 43.20 Ibidem, p. 55.

NICHOLAS SPYKMA:'\ E ;\ GEOPOLÍTICA j)O R[;I.[["L'JI) 127

lindo da região-pivó dominada pela Rússia em dircc:,\o a()Crescente Marginal Interno curasiano. No scgundo, a idciade uma política de intervenção americana, que projel(1SSe ;1primeira linha de defesa para as bordas da Eurásia c p.utici-passe ativamente do equilíbrio de poder europeu c asiático.

Na Europa, a eclosão da Guerra Fria em 194 7 destroco~l ,1aliança anglo-russo-americana, que deveria ser ;1pedra anil!-lar da reorganização do novo equilíbrio de poder. :\0 Lcsto, ;l

Rússia, poder dominante no Heartland, estabeleceu o C01Hro-

le político-militar dos países da Europa Oriental; no Oeste, osEstados Unidos, poder hegemônico no Midland Oceari, rnanti-veram sua presença militar direta na Europa Ocidental.

No Extremo Oriente, a revolução comunista ele 1949 em-

purrou par~ Taiw~n .0 governo nacion,alist« do Kuomim'inge instaurou a República Popular da China, A perda elo ali1dochinês obrigou os Estados Unidos a reforçarem sua presençamilitar nas ilhas costeiras - Japão, Taiwan e Filipinas - e afortalecerem a única cabeça-de-ponte na Ásia Oriental: aCoréia do Sul. A adesão da China fortificou o bloco soviéti-co e inviabilizou a política de equilíbrio de poder com a Rússiano Extremo Oriente. Os dois gigantes continentais integra-vam agora o mesmo bloco ideológico e, até as vésperas elaeclosão do conflito sino-soviético, eram sistemas políticosaparentemente solidários.

Durante a Guerra Fria a confrontação Leste-Oeste assu-miu, à primeira vista, o contorno de uma luta incruenta en-tre um império continental e um império insular, queprocu-ravam conquistar satélites ou aliados nos países da periferiaeurasiana, Assim, a rivalidade americano-soviética e as zuer-

oras travadas por procuração nos países da fímbria asiáticapareciam recolocar na ordem do dia o esquema mackinde-

128 NICHOLAS SPYKMAN E A Gsoeotrncx DO RIMLAND

riano da luta entre o poder terrestre e o poder marítimo: deum lado, a potência continental soviética pressionando, des-de a região-pivô, as terras marginais da Eurásia; de outro, apotência insular americana bloqueando, a partir da linha cir-cunferencial costeira, o acesso russo aos oceanos.

Reabilitação de Mackinder e defenestração de Spykman?Na realidade, os fundamentos geopolíticos da estratégia desegurança estadunidense contra o expansionismo soviéticotêm suas raizes nas formulaçôes de ambos os geógrafos. Alémde outras dimensões, a estratégia de contenção tem uma com-ponente especificamente militar, que é produto de complexae sutil combinação - uma síntese, por assim dizer - dos prin-cipais aspectos das teorias do Heartland e do Rimland.

Contrariando a expectativa de Spykrnan, a defecção russae a revolução chinesa impediram a aplicação da política deequilíbrio de poder nas duas bordas da Eurásia. Mas, refu-tando a previsão de Mackinder, o conflito americano-sovié-tico não assumiu a feição de uma luta convencional entre opoder marítimo e o poder terrestre, como no caso da rivali-dade anglo-russa. Com efeito, a confrontação Leste-Oesteaproximou-se mais da situação intermediáriajá apontada porSpykman'". Essa variante poderia ser equacionada pela opo-sição entre dois sistemas de alianças: os Estados Unidos, apoia-dos por alguns países do Rimland, contra a União Soviética,apoiada por outros países do Rimland.

Nem o clássico equilíbrio de poder regional nem a típicaoposição oceanismo versus continentalismo, mas um modelomisto que combinava aspectos essenciais dos dois modelosanteriores. Nesse terceiro modelo, o equilíbrio bipolar e regio-

r: Ibidem, P: 43.

NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO Rliv[LAND 129

na! do esquema de Spykman foi substituído por um equilíbriobipolar e mundial, ao passo que o domínio do Heartlarul (L\

fórmula de Mackinder cedeu lugar ao controle elo Rinilandcomo centro nevrálgico da disputa americano-soviética.

Em sua dimensão estritamente militar, a estratégia de segu-rança aplicada pelos Estados Unidos contra a União Sovié-tica, no auge da Guerra Fria, baseava-se nos princípios anta-gônicos de expansão-contenção. No primeiro caso, tratava-seda visão mackinderiana da tendência histórico-geográfica doexpansionismo grão-russo de pressionar, a partir das linhasinteriores de sua posição central, para satelitizar os países chperiferia eurasiana e atingir Iinalmente os mares fluentes. Nosegundo, tratava-se do intervencionismo spykmaniano que ad ..vogava a presença de um poder anfíbio americano nas rcgiôesmarginais e ilhas costeiras eurasianas como único meio demanter os russos encurralados no interior do continente.

8 u

A lógica ela síndrome cxpansionista está magistrulmcnu:resumida na seguinte metáfora do jogo de boliche de clClbalizas citada por Paul Kennedy:

8 to' "A primeira baliza era a China. Já foi derrubada. :\s

duas balizas da fileira seguinte são a Birrnân i« c (\ In d.»china. Se caírem, as três ela fileira seguinte, Si.io, Malási..

e Indonésia, quase que certamente cairão também. E .<;ctodo o resto da Ásia for derrubado, o magnerismo psico-lógico, político e econômico disso resultante quase quecertamente arrastará as quatro balizas da qu;\rta Iileira.Índia, Paquistão, Jap~o e Frlipina s.?"

::~ Ap url: IZenncdy, Paul, /csccnsâo (~queda das grande: !;o!I;I/(!(f.S Riu de JllH:jJ'(\

Editora Carnpus, 19S(j, P: %",.

130 NICI!OLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLA.ND NICIIOL\S SPYDL\\ E c\ CEOI'OLÍTIC.\ D() Rr:\f/.\i\D n I

A crise da Guerra Fria no hemisfério norte repercutc direta-mente na aceleração do processo de descolonização em cursono hemisfério sul. O avanço das guerras de libertação nacio-nal e a perspectiva de derrota das decadentes metrópoles eu-ropéias, ou de sua saída precipitada das antigas colônias asiá-ticas, parecem abrir caminho para a avassaladora maré mon-tante originária do Heartlarul soviético. Era necessário, portan-to, definir as bases de uma nova política de segurança ameri-cana, com o objetivo de conter, pela persuasão ou pela força,a pressão dos russos sobre os países periféricos da Eurásia.

A maioria dos estudiosos da Guerra Fria atribui ao diplo-mata americano George F. Kennan, chefe da equipe de pla-nejamento político do Departamento de Estado, a paterni-dade da política de contenção - a denominada DoutrinaITruman -, cujas linhas mestras teriam sido formuladas emseu artigo "The Sources of Soviet Conduct", publicado sob opseudônimo de Mister X, na Foreign Affairs, emjulho de 1947.No essencial, a doutrina do conlainment proposta por Ken-nan estava resumida na seguinte fórmula:

lrina de contenção. Contudo, é Impossível deixar de 1CCO-nheccr quc as bases geoj){)f'iticas e cstm.tégú;os (ia mcncion.«!«doutrina já se encontravam sistematizadas nos escritos deSpykman, que dever ia a justo titulo ser considerado o vcrd.i-dciro precursor da contenção.

Considerando-se o quc foi dito ate agora, é possível de-monsuar que o antídoto contra ;1 expansão rUSS;1 c () prir«i-plO nortcador da contenção americana sâo anteriores ('111

;llguns anos ao famoso ;Irtigo de Kcnnan. E mais, é pcrfcira-

mente fact ívcl sustentar que a matriz geopolític;\ c ('s!r;\!(::-.;i-ca ela contenção encontrava-se teoricamente formulada !l()

livro póstumo ele Spykman, além de resumida IlO .\/IJ,!.!,"Im (llIt.·

ele contrapôs à Iórrnula original de Mackindcr:

"Quem controla o Rimland domina a Euráxi.i; <j\lCITl t!()-

mina a Eurásia controla os destinos do mundo".

"Está claro que o principal elemento da política norte-americana em relação à União Soviética deve ser a conten-ção a longo prazo, paciente porém firme e vigilante, dastendências expansionistas russas.Y"

Com efeito, se era necessário barr ar o expansionismo S()~

viético na Eurásia e se a~onquista da supremacia n(~ Rilll/{jll(~

era <t chave da contcnçao americana, a consccuçao dessesdois objetivos requeria o avanço ela primeira linha de deies;lcstadunidcnsc para a borda eurasiana e a montagem ele ali.ui-ç.is militares com os países anfíbios c insulares cio VelhoContinente.

Em princípio não há como negar que o problema da ex-pansão do Estado-pivó grão-russo - czarista ou comunista _,a partir de sua base central no Heartlarul eurasiano foi oriei-) . t1

nalmcnte formulado por Mackinder, Porém, como a questão

da primazia da estraté:gia de contenção pode ser lll;]({':ri,lpolêmica e controversa, sustenta-se aqui a seguinte posição:embora sintetizados politicamente por Kerinan no artigo de

Argumenta-se aqui que essa visão é correta apenas emparte e que indubitavelmente pode-se atribuir a Kennan omérito da formulação das diretrizes politicas gerais da dou-

29 Kennan, George F. "The Sources of Soviet Conduct". Foreign AJJairs. 1947. li"575.

132 NICHOLAS SPYKMAN E A GEOPOLÍTICA DO RIMLAND

1947, os princípios geopolíticos e estratégicos da contençãoamericana - o avanço da primeira linha de defesa para oVelho Continente, a aliança com os países da fímbria maríti-ma eurasiana e o cerco do Heartland pelo Rimland - já ha-viam sido teoricamente formulados por Spykman em TheGeography of the Peace, publicado em 1944.

Portanto, são indubitavelmente muito fortes - para nãodizer evidentes - os indícios de que a matriz teórica sinteti-zada na oposição Heartland-Rimland inspirou a visão geopo-lítica e estratégica presente nos pactos militares multilate-rais que foram parte integrante do sistema de defesa nacio-nal americano no auge da Guerra Fria:

a) a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte),aliança dos Estados Unidos com os países do Rimlarul euro-peu, que vedava o acesso russo à periferia ocidental da Eurá-sia e ao oceano Atlântico;

b) a Otase (Organização do Tratado do Sudeste Asiático),aliança dos Estados Unidos com os países do Rimland asiáti-co, que bloqueava aos russos as saídas para o oceano Pacífico;

c) Cento (Organização do Tratado Central), aliança dos Es-tados Unidos com os países do Rimland do Oriente Médio,que fechava aos russos as passagens para o golfo Pérsico e ooceano Índico.

É igualmente patente que a mesma concepção norteoutambém as alianças militares bilaterais que os Estados Uni- ,dos firmaram com o Japão, Coréia do Sul, Taiwan e Filipi-nas, países estrategicamente situados na orla do Pacífico eparte integrante do denominado "perímetro de segurança"americano no Extremo Oriente.

Em suma, comprovada a influência geopolítica de Mackin-der sobre Spykman e a influência de Spykman sobre a estra-

, v

NrCHOLAS SPYKMAN E A GEOPO! r'TI'-'\ I1C',) 1,)/·· ,~ , •.., L M!..'\,\[) 1 :):~

tévia de COOle -Ti' b L , T ,: nçao, concretizada na rede de alianças dosEstados Unidos com os países da fímbria ,_',', , _ r '_'" r , J" marituna, p;lran,lantel <lUmao Sovletlca nos limites ela região ccnlTalcur;l-slan,a ~urante a Guerra Fria, a seguir será anaJisadocm quemeawa o pensamento de Mackinder influenciou· mais -cenlement ,_. ' re-

," ~ OU~l o Importante geopolítico amcricII1O,Zhio-_I1!CW Brzezinskí e ili ,':)

• r, - -. '-, - 111 sua ana lse ela confrontação arncricano.SOVlctlca.

3 <..>